HIATO ::: Beto Brant TABU se pergunta por onde andará o diretor de Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios. por MARIA DE ANDRADE
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eterano na ficção, com sete longas-metragens no currículo e direito a uma merecida retrospectiva no Canal Brasil neste começo de ano, Beto Brant encontra-se mergulhado no mundo do documentário. Enquanto Marçal Aquino não publica o novo romance que será adaptado por Brant, o próximo e aguardado lançamento do cineasta será a biografia do ator Antônio Pitanga, já em fase de edição. O ator, que teve papel emblemático no Cinema Novo (O Pagador de Promessas, Ganga Zumba, Os Fuzis, entre outros), e passagem marcante pelo teatro, foi dirigido por Brant em Eu receberia as piores notícias... (2011). O encontro despertou, no diretor, o interesse pelo papel político, simbólico e cultural de Pitanga no Brasil. O filme vai marcar a estreia de Brant como documentarista no circuito das salas de cinema; mas, além do longa, no hiato entre o último lançamento e a produção atual, o cineasta dirigiu ainda quatro curtas-metragens de criação coletiva, todos disponíveis num canal do site Vimeo, o Mostra Grátis Cine. O pequeno texto de autoapresentação do canal é uma espécie de manifes-
to democrático pelo acesso digital e pelas formas de produção colaborativas. Termina dizendo: “repúdio absoluto a toda forma de brutalidade. / pela expansão da consciência e do afeto. // Eternamente em cartaz.” É mesmo de “expansão de consciência e de afeto” que trata o mais novo cinema do diretor paulista. Os filmes compartilhados exploram a linguagem poética, transformam a alta definição digital em raríssima textura porosa e secular, em pele negra e em batucada. A cidade de São Paulo não é mais vista na sua pele urbana e cinzenta de selva de pedra que tanto marcou o visual dos longas do diretor, mas revelada no movimento dos corpos, na verve cultural que brilha na lente de Brant. Os títulos dos filmes falam por si: Manifesto Makumbacyber, Ilú Obá De Min, e Kuta Ndumbu. Fora esses, há que ver o vídeo-dança Modo Ave, que flerta com a história do Brasil, entre tabernas, Uiaras e bandeirantes, e tem uma cena tragicômica antológica, em que o texto de uma receita baiana faz as vezes de um manancial de sofrimentos apenas imagináveis para o espectador, e a atriz-bailarina-circense, entre lágrimas,
© Sato do Brasil
se equilibra sobre pernas de pau e fala como se contasse, a cada ingrediente, não os passos da receita, mas os de seus sofrimentos. No mais, Brant disse à TABU que o hiato entre um filme e outro “é o momento de colocar a vida em dia” e “poder ler, ir a exposições, ao cinema”. Durante a fase de criação, o cineasta fica totalmente imerso: “a referência tem que ser o olhar próprio e não um outro filme”, diz. No entanto, quando ele vai ao cinema parece viver todo um ritual que envolve pegar a sessão da tarde. Perceba bem essa dica de quem entende do assunto: “Se você sai de um cinema de rua, tem o movimento intenso do céu se transformando, e você tá dentro do filme. Quando sai da sala, e ainda tem o restinho de luz no céu, isso potencializa a emoção do filme. Você continua dialogando com o filme, sai para caminhar a pé pra casa, e pega o metrô, e continua conversando com filme...”.
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