Revista Arandu # 41

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- ISSN 1415-4 -Outubro/2007 ro b m te e -S o t - Agos Ano 10 - Nº 41

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I SSN 1415 - 482X

9 771415 482002

MEMÓRIA COLETIVA: UM CAMINHAR DE COSTAS POR “BOITEMPO” Ana Claudia Duarte Mendes



nicanorcoelho@gmail.com

Dourados

Ano 10 - No 41

Pรกgs. 1-24

Ago. - Set. - Out./2007


[ CARO LEITOR

QCARO

LEITOR

uem nunca viu na TV alguma reportagem em que uma pessoa, por vezes em idade bem avançada, demonstra o orgulho de aprender a ler e a escrever, pondo fim a décadas de analfabetismo em suas vidas? Certamente, todos nos comovemos com tais relatos, ao perceber que estes atos, quase sempre desvalorizados por quem já é “letrado”, são uma importante conquista para outras pessoas. No entanto, é lamentável que essa comoção dure apenas os fugazes minutos de uma reportagem televisiva. É necessário que pensemos a respeito dos atos de ler e escrever; não apenas nos atos mecânicos, mas sobretudo nos cognitivos. É fato que nas últimas décadas os índices de analfabetismo caíram substancialmente, embora estejam aquém do desejado. Em contrapartida, é cada vez menor o número de pessoas interessadas em leituras de livros, jornais e revistas. Pior: há quem lê, mas não compreende o que leu. Além disso, parte dos alfabetizados não domina as técnicas básicas de redação, mostrando-se incapazes de escrever uma simples carta. Por isso, é pungente a necessidade de uma alfabetização engajada não apenas em ensinar a ler e a escrever, mas principalmente em desenvolver nos novos alfabetizados a capacidade de compreender o que lêem e prepará-los para usar a escrita como forma de expressão. Trata-se de uma tarefa hercúlea, mas de suma importância para que no futuro não tenhamos que, ao invés de sanar apenas o analfabetismo, nos depararmos também com outro grave problema: o analfabetismo funcional. Nesta edição, a Revista Arandu traz um artigo que aborda algumas dessas questões: A Educação Infantil: ler e escrever sob a perspectiva proposta por Vygotsky, de Gleissy Kelly dos Santos Bueno. E ainda: Memória coletiva: um caminhar de costas por “Boitempo”, de Ana Claudia Duarte Mendes, e “Mordendo as Lábias”, de Luciano Serafim: uma resenha, escrito por Rita de Cássia Aparecida Pacheco Limberti.

Ano 10 • No 41 • Ago./Set./Out./2007 ISSN 1415-482X

Editor NICANOR COELHO DRT/MS 104L01F52V Conselho Editorial Consultivo ÉLVIO LOPES, GICELMA DA FONSECA CHACAROSQUI e LUIZ C ARLOS LUCIANO Conselho Científico CARLOS M AGNO MIERES AMARILHA, MARIA JOSÉ MARTINELLI SILVA CALIXTO, MARIO VITO COMAR, N ICANOR COELHO, PAULO SÉRGIO NOLASCO DOS SANTOS e PLÍNIO SAMPAIO CATARINO Projeto Gráfico LUCIANO SERAFIM PUBLICAÇÃO DO

CNPJ 02.475.203/0001-60 www.arandunews.com.br arandunews@gmail.com Coordenador Executivo NICANOR COELHO (67) 9238-0022 nicanorcoelho@gmail.com Coordenador Financeiro CARLOS MAGNO MIERES AMARILHA magnomieres@bol.com.br EDITADO POR Rua Mato Grosso, 1831, 10 Andar, Sl. 01 Tel.: (67) 3423-0020 Dourados, MS CEP 79810-110 Caixa Postal 475 CNPJ 06.115.732/0001-03

Revista Arandu: Informação, Arte, Ciência, Literatura / Grupo Literário Arandu - No 41 (Ago.-Set.-Out./2007). Dourados: Nicanor Coelho Editor, 2007.

Saudações literárias,

Trimestral ISSN 1415-482X

Nicanor Coelho Editor

1. Informação - Periódicos; 2. Arte - Periódicos; 3. Ciência - Periódicos; 4. Literatura - Periódicos; 5. Grupo Literário Arandu


Ano 10 • No 41 • Ago. - Set. - Out./2007

[ SUMÁRIO

Memória coletiva: um caminhar de costas por “Boitempo” ................................................... 4 Ana Claudia Duarte Mendes

A Educação Infantil: ler e escrever sob a perspectiva proposta por Vygotsky ......................................................... 14 Gleissy Kelly dos Santos Bueno

“Mordendo as Lábias”, de Luciano Serafim: uma resenha ......................................................... 23 Rita de Cássia Aparecida Pacheco Limberti

INDEXAÇÃO CAPES - Classificada na Lista Qualis www.capes.gov.br

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MEMÓRIA COLETIVA: UM CAMINHAR DE COSTAS POR “BOITEMPO” Ana Claudia Duarte MENDES1 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) RESUMO O presente trabalho apresenta a questão da memória coletiva, de Halbwachs, na perspectiva do processo de composição poética. Pretende analisar os quadros sociais da memória, que formam o tecido poético de caminhar de costas, observando as relações entre memória e história, na obra Boitempo de Carlos Drummond de Andrade. Palavras-chave: memória coletiva, poesia, boitempo. ABSTRACT The present work presents the question of the collective memory, of Hawbwachs, under a perspective of the poetic composition process. It intends to analize the social maps of memory, structured in the walking backwards way, observing the relations between memory and history in the Boitempo, written by Carlos Drummond de Andrade. Key-w or ds: collective memory, poetry, boitempo. y-wor ords:

INTRODUÇÃO Ao abordar os aspectos da memória, Halbwachs (1990) estuda-a enquanto atividade social. Parte do pressuposto de que o indivíduo que lembra pertence a uma dada sociedade. Afirma que a memória é construção, e a base para isso são os “quadros sociais”, que vão sendo gerados pela consciência do indivíduo, que atua e participa de determinados grupos. Esta afirmativa desloca a discussão do lembrar, visto agora sob o pressuposto de que não é impossível a existência de uma consciência individual — que seleciona e percebe o mundo ao redor — mas que esta não é independente, pois ligada aos dados imediatos da vivência 1

Mestre em Letras pela UNESP/ASSIS

atual. A existência de lembranças está diretamente condicionada ao olhar do presente, pois ao compartilhar experiências no grupo ocorre um reforço — pelo contato — sobre a matéria a ser recordada e comentada. Mesmo quando não existem indivíduos presentes fisicamente para testemunhar a recordação, esta somente fará sentido e será lembrada, em função do grupo a que o indivíduo pertence. Pode percorrer caminhos sem testemunhas, mas isso não significa que está só — em pensamentos estará sempre ligado às pessoas de quem gosta, com quem se relaciona e com o conhecimento partilhado pelo grupo a que pertence.


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De acordo com Halbwachs, o homem — ao fazer parte de uma sociedade — partilha e ajuda a construir a própria história, que vai ser organizada em forma de memória coletiva. A memória individual é apenas um ponto de vista acerca da memória coletiva — uma vez que esta representa o modo de pensar de um determinado grupo social. As diferenças mais significativas entre memória individual e coletiva relacionam-se ao funcionamento. No caso da memória individual, pode-se dizer que está apoiada nos instrumentos que são as palavras e as idéias, emprestadas do meio. A memória do indivíduo não se confunde com a de outros. Está limitada no tempo e no espaço. A memória coletiva não se apóia em um indivíduo. Portanto, sua duração é variável, de acordo com as experiências e continuidade no tempo do grupo que a produziu. Assim, pode-se ter um longo período abarcado pela memória ou apenas um pequeno espaço de tempo. Neste sentido, o que determina a duração — para Halbwachs — é a sobrevivência dos grupos. Halbwachs — ao considerar a memória coletiva — aponta para o elemento socializador e responsável pela reprodução dos conceitos: a linguagem. A forma de organização do pensamento está vinculada ao processo de comunicação desse pensamento. A linguagem é responsável pela transmissão dos padrões de comportamento, dos conceitos de moral — enfim — de todo o modo de pensar do indivíduo, que é permeado pelo conceito do grupo ou grupos a que está vinculado. As lembranças serão significativas se dizem respeito ao grupo, podendo inclusive se perder — como sem valor — se o contato com o grupo for interrompido. Pode-se, a partir disso, perceber no trabalho poético a imagem do sonho e do

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devaneio sendo alterada por uma consciência — que apesar de voltada para a atividade poética — sofre com a limitação imposta pela linguagem do grupo a que o indivíduo pertence. Ao se considerar então o fazer poético — na atividade de voltar-se para o passado — verifica-se que esta evocação, como atividade presente, não é simples imagem sendo visitada. Mais do que isso, envolve o processo de carregar a percepção do fato ocorrido na época, atualizando-o e modificando-o. A consciência do presente disciplina a lembrança, apresentando-a de forma aceitável, de acordo com as idéias atuais e os juízos de valores do momento presente. Deste modo, quando Halbwachs afirma que lembrar é trabalho, está se referindo a essa atividade de reelaboração das lembranças — que só têm existência por ter função. Ao afirmar que a memória é construída pelo trabalho — na constituição do grupo social — chama a atenção a questão do narrar e do fazer poético. A forma como a lembrança das coisas sofre a intervenção da ótica pessoal em contato com o outro, propiciando talvez um diálogo, da tradição com o presente. Neste procedimento de observação, o uso da teoria da memória coletiva serve de suporte para verificar como a consciência do grupo social — instrumento da construção poética — relaciona-se com os dados da história e, a partir destes, lançar um olhar em perspectiva para a poesia produzida. Ao discutir a relação estabelecida entre história e memória coletiva, Halbwachs aponta para o fato de que a história é narrativa sem vivência pessoal, elevada à condição de verdade. Não há mais testemunhas para provar o contrário ou apontar outras interpretações para os fatos. Já a essência da memória coletiva assenta-se, sobretudo, nas testemunhas vivas que acompanham


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essas narrativas e dão o tom de verdade aos fatos narrados. Diante do fenômeno de narrar – representação de uma tarefa individual – a atividade poética torna-se um ato solitário e, ao compor cenários passados, dialoga com as vozes da tradição. Apesar de só, o poeta carrega em si o outro de modo que a sociedade, a família, as leituras misturamse na produção dos significados. Nesta tarefa particular de seleção das lembranças realizase a narrativa que conta o passado, com a vigilância e valores presentes do ser que lembra e escreve. 1. ANÁLISE POÉTICA DOS POEMAS, SOB A PERSPECTIVA DA MEMÓRIA COLETIVA O livro Boitempo (1968), de Carlos Drumonnd de Andrade, está dividido em dez conjuntos de poemas. No primeiro conjunto, intitulado Caminhar de Costas, os poemas apresentam características narrativas. Carregam o apelo ao conjunto de lembranças que falam da história do país, da cidade, da família, tocando a sensibilidade acerca das tradições próprias de um determinado grupo social e sua história. No subtítulo — Caminhar de Costas — já se encontra um indício do que será o conjunto. O que chama a atenção, em primeiro plano, é o verbo de ação: caminhar, seguido da qualificação de costas, indicando uma maneira peculiar de (re)visitar o que passou. O olhar — que caminha de costas — volta-se para o passado e move-se no espaço da memória. Esta pode ser uma forma de atualização do que já foi; não uma volta ao passado, mas uma forma de tornarse novamente presente, por meio de histórias, situações, atos que pela arte da narrativa invadem — novamente — a consciência. No caso específico deste conjunto

de poemas não se pode falar em memória pessoal, visto os poemas estarem referenciando a um tempo amplo da história do país. Novamente a discussão quanto à relação memória coletiva e história aparece no processo de composição dos poemas. Este primeiro conjunto inicia o caminho que vai ser percorrido, pois os poemas apresentam variações de perspectivas: no que tange ao espaço, têm-se o país, a cidade, o campo, a casa; no que se refere ao tempo, percurso da Regência Trina à República. Essas variações estabelecem a linha de memória ouvida, lida, que formam — junto com os elementos poéticos — o mosaico da vida, da qual o poeta parece estar despedindo-se. O poema que abre o conjunto Caminhar de Costas intitula-se CAUTELA, apresenta um momento específico e datado da história da cidade. Ao compor a narrativa, esta se transforma em poema, que carrega a marca do olhar do poeta sobre um dado momento histórico e sua atualização e presentificação através da forma poética. CAUTELA Hora de abrir a sessão da Câmara. O presidente não aparece. O presidente está impedido. O presidente está preso em casa. Monta guarda junto ao quarto repleto de ouro em pó. Pode a campainha tilintar, o sino do Rosário bater e rebater, o Senado da Câmara implorar protestar destituir o faltoso. O presidente tesoureiro do ouro em pó Tributo do povo à regência trina


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vê lá se vai abrir sessão. Presida quem quiser, que esse ouro aqui ladrão nenhum virá roubar.

Ao registrar Hora de abrir a sessão na Câmara./ O presidente não aparece., de imediato percebe-se que os verbos apresentamse no presente. A relação espaço/tempo está bem definida: Hora de abrir a sessão na Câmara. Deste modo, apresenta-se o estado e — em seguida — a situação de ausência do presidente. Na seqüência, o poema desdobra-se em repetições da impossibilidade de comparecimento do presidente da casa: O presidente está impedido./ O presidente está preso / em casa. Monta guarda / junto ao quarto repleto de ouro em pó. O verbo estar expressa a situação no presente e a repetição do termo presidente — principalmente dos fonemas pres, os mesmos que iniciam preso, presidente e presente — parecem iconizar uma dada condição que o mantém impossibilitado de mover ação qualquer. Neste sentido, a formulação presidente/preso constrói a imobilidade diante dos fatos. O poema desdobra-se: Pode a campainha tilintar,/ o sino do Rosário bater e rebater,/ O Senado da Câmara implorar/ protestar/ destituir o faltoso. Num primeiro momento, parece que os protestos são vãos, todos indiciados por palavras que indicam objetos e atitudes que produzem sons como: campainha, sino, implorar, protestar. Interessante observar que os termos selecionados trazem complementos em crescendo a ponto de — no término — promover uma ruptura da natureza dos elementos elencados e culminar em uma transformação paradigmática. Assim, a campainha tilinta; o sino bate e rebate; o Senado da Câmara implora e protesta, atitudes que evidenciam condição crescente modalizada por paradigma de sonoridade.

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Entretanto, no momento de explosão do verso, a grande ruptura, ocorre a promoção para ação de natureza mais definitiva e contundente ao instaurar-se intento generalizado rumo a destituição. A explicação para a ausência do presidente se dá na última estrofe, em que tanto o título do poema e a situação são colocados à vista: O presidente tesoureiro do ouro em pó/ tributo do povo à regência trina/ vê lá se vai abrir sessão./ Presida quem quiser,/ que esse ouro aqui ladrão nenhum virá roubar./. Nestes versos cautela — título do poema — vem justificado, uma vez que o leitor toma ciência de que o presidente é o tesoureiro depositário do ouro em pó. O verso seguinte aponta para o espaço e o tempo que o olhar percorre, uma marca da história em que o tributo do povo à regência trina era pago. Esta especificação possibilita a inferência de que o percurso da memória volta-se para o tempo histórico da Regência Trina na região das minas. Ao definir uma dada situação histórica, o poema constrói — através da linguagem — uma nova realidade a partir do fato lembrado. Esta realidade poética realiza-se na estrutura do próprio poema, quando da utilização dos verbos no tempo presente, da perspectiva de narrativa em gradação, em que os fatos são apresentados paulatinamente. Deste modo — a memória — ao utilizar os recursos narrativos para reportar fatos, modifica-os e torna-os significativos para a composição do presente. Nesse sentido, interpõem-se a questão da história que — sendo (re)visitada pelo poeta — transforma-se, pela apropriação, em matéria poética. Aqui, em relação ao que se denomina memória coletiva, observa-se a ausência da vivência pessoal. O poeta relata, transforma a matéria, mas esta não é experiência sua. O próximo poema a ser analisado se


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insere também no conjunto de Caminhar de Costas, chama-se CRIAÇÃO, a seguir: CRIAÇÃO A alma dos pobres se vai sem música, Mas a dos grandes é exigente. A Banda Euterpe, logo chamada Por Monsenhor para chorar o morto conspícuo azar — é nova, sem partitura. Só se pedir à banda rival ... Henrique Dias (nome da outra) recusa, egoísta. Defunto à vista querendo arte. A tarde emurchece e Monsenhor espera, aflito, marcha ou o que seja. Emílio Soares, maestro, fecha-se no seu quartinho. Dó ré mi sol ... A Musa baixa, ou Santa Cecília, dita ao maestro o fúnebre arroubo. Onze da noite. Dormem os fiéis, não Monsenhor. Eis, no silêncio, clara, a corneta do carcereiro chamando os músicos (são todos guardas municipais) para ensaiar. A banda valente acorda o povo, causando pânico a Monsenhor e a todo mundo, que novidade igual nunca houve. Como já sofrem, amanhecendo, os de Henrique Dias! Às nove, enterro. À frente, a batina De Monsenhor. Lá vai seguido da Banda Euterpe que toca exausta, com sentimento, luto orgulhoso, o Líbera-Mé, favo da noite, glória de Emílio, dádiva ao morto, que o céu inspira, por Monsenhor. Jamais um grande se foi sem música e jamais teve outra, ungindo os ares, como esta, grave, de Emílio Soares.

A composição Criação parece ter características similares ao do poema anteriormente destacado. Apresenta uma história, com marcas de fatos da vida social de uma determinada cidade. Não há expressão que possa indicar o período em que ocorre o fato narrado, como em outros poemas do conjunto Caminhar de Costas. O título direciona o tema e os primeiros versos à condição social dos envolvidos: A alma dos pobres se vai sem música,/ mas a dos grandes é exigente. O poema desenvolve-se dentro deste paradigma: a morte do grande e a necessidade de música no funeral. Dessa simples necessidade de música no funeral verifica-se a pertinência do título do poema — Criação — que é a narrativa da peripécia da banda Euterpe na composição/criação de uma melodia adequada à condição do morto ilustre homenageado. Nesse procedimento de composição do tema musical percebe-se também o processo de fazer do próprio poema — ao se compor enquanto narrativa de tema e assentado em uma determinada estrutura. Um dos elementos que desperta atenção na estrutura do poema é o termo Monsenhor. Repetido sempre depois de um grupo de versos, separa os acontecimentos, comandando os fatos e ordenando os versos, tanto no plano da expressão quanto no da construção do conteúdo. O recurso retórico de utilização da expressão Monsenhor sugere o registro de uma visão determinante sobre aspectos de ordem hierárquica e social. Como se observa, no terceiro verso, ao ser disposta a situação: A Banda Euterpe, logo chamada/ por Monsenhor/ para chorar o morto conspícuo desdobra-se em complicação, posto que não apresenta condições para executar tamanha tarefa, como se observa ironicamente delineada na


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seqüência do poema: — azar — é nova, sem partitura./ Só se pedir à banda rival. Uma vez destacada a ironia evidencia-se que o olhar crítico faz-se presente desde o comentário inicial, permeando todo o poema, como nos fragmentos: ... Defunto à vista/ querendo arte; dádiva ao morto; Jamais um grande se foi sem música. O poema — ambientado em uma cidade que se imagina pequena e do interior — evidencia costumes e hábitos e feições isentos de demarcações temporais, fato este que possibilita justapô-los em um tempo qualquer. Assim sendo, pelos recursos de que o poeta se vale para construir o poema, detecta-se a emissão de juízo de valor crítico sobre procedimentos que a sociedade se vale para classificar seus componentes. A ironia, no caso, age como elemento tonificante que traça o passado pela mesma óptica da consciência do presente. Ou, ainda outra vez ironicamente, vice-versa. Deste modo, a memória é o olhar presente sobre o fato. Os conceitos, os traços de ironia, são elementos que indiciam aquele que olha e apresenta os fatos. Como mencionado — sobre a memória coletiva —, a impressão do olhar carrega consigo o conjunto de valores do presente, uma vez que toda pompa da cerimônia parece ser ridicularizada por alguém que já se encontra distante daquele, para o qual tais rituais sugerem-se importantes. O último poema do conjunto Caminhar de Costas analisado é intitulado 15 DE NOVEMBRO. 15 DE NOVEMBRO A proclamação da República chegou às 10 horas da noite em telegrama lacônico. Liberais e conservadores não queriam acreditar.

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Artur Itabirano saiu para a rua soltando foguete. Dr. S erapião e poucos mais o acompanhavam de lenço incendiário no pescoço. Conservadores e liberais recolheram-se ao seu infortúnio. O Pico do Cauê quedou indiferente (era todo ferro, supunha-se eterno). Não resta mais testemunha daquela noite para contar o efeito dos lenços vermelhos ao suposto luar das montanhas de Minas. Não restam sequer as montanhas.

A data/título não deixa dúvidas a respeito do que se trata: a Proclamação da República. Acontecimento político de grande relevância para a história do país. O fato, representado no poema, veicula características similares aos dos outros, uma vez que se fazem presentes na memória não pessoalmente vivenciada pelo poeta. Assim, relata o que poderia ter acontecido, segundo conhecimentos e informações outras, fora da experiência vivida. O tema remete-nos ao que escreveu Machado de Assis em Esaú e Jacó (1978) nos capítulos intitulados Manhã de 15 e, principalmente, no Entre os Filhos como se lê no fragmento: Demais, ele não cria nada mudado; a despeito de decretos e proclamações, Pedro imaginava que tudo podia ficar como dantes, alterados apenas o pessoal do governo (149). Machado explora ironicamente a idéia de surpresa, de embaraço da mesmice da história nacional — sem grandes choques, nem revoluções. Enfoque similar parece ocorrer neste poema de Drummond, uma vez que apenas o nome, os fogos e os lenços remetem — com toque irônico sutil — ao que seria a festa da vitória dos liberais.


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No poema, a sensação de embaraço e surpresa se mantém, até mesmo na estrutura. O primeiro verso traz a precisão da notícia: A proclamação da República chegou às 10 horas da noite. No segundo verso – que é menor em relação aos demais: em telegrama lacônico — sugere a idéia de ausência de explicação para fato tão espetacular: a mudança de governo e de estrutura de poder, ao passo que — no seu laconismo — está impressa uma idéia diferente, não há surpresas. Daí, talvez, a igualdade de reação tanto dos Conservadores quanto dos Liberais: recolheram-se ao seu infortúnio. A indiferença também é atribuída ao Pico do Cauê, que teria testemunhado tal fato, a ironia presente ao comentar O Pico do Cauê quedou indiferente/ (era todo ferro, supunha-se eterno) é um tanto melancólica, ao atribuir pessoalidade ao morro explorado pelas mineradoras de ferro. Na constatação de que o próprio pico também não sobreviveu à noite da proclamação, percebe-se a analogia estabelecida entre o regime e o pico, supostamente eternos. O poema apenas esboça a questão dos espaços alterados pelo progresso. Na seqüência do poema, o tom irônico e melancólico se mantém: Não resta mais testemunha daquela noite, posto que os versos cantam a ausência de testemunhas do efeito dos lenços vermelhos — cor dos liberais em comemoração à República — na noite do século. A constatação/confirmação presente da ausência de testemunhas se evidencia no último verso: Não restam sequer as montanhas, que a tudo haviam assistido. Há ainda a idéia de um suposto luar. O luar é apenas suposto, pois não há ninguém que possa afirmar o contrário. Ironicamente, um fato histórico tão importante — proclamação da república — é resgatado, assim, sem testemunhas. O texto poético, ao utilizar a memó-

ria para narrar, apresenta não apenas um olhar sobre a história do país, mas o trabalho de reorganizar e imaginar como poderia ter sido este fato. A memória não apenas relata o fato, mas também o reorganiza e atribuilhe significados de acordo com a perspectiva atual. O olhar não está desprovido do pensamento presente, ao narrar o passado a consciência atual e a história de leitura intercalam-se, produzindo imagens e significados para a vida presente. O trabalho de reorganizar e reelaborar a memória continua presente nos outros conjuntos de poemas de Boitempo, mas não com essa perspectiva de história distante e datada, em que a memória coletiva mistura-se com a história oficial do país. No processo de re-elaboração e organização dos espaços da memória, em que a memória individual é um ponto de vista da memória coletiva, o processo de lembrar — no poema O resto — constitui um olhar diferente com uma perspectiva mais voltada para as mudanças dos espaços físicos e de estrutura do poder, apenas conservada na memória. Na composição O resto — pertencente ao conjunto Vida paroquial — ocorre a descrição e reorganização, realizadas por meio do discurso, de uma estrutura de poder vinculada a um determinado tempo e espaço. Não se observa a estrutura do tecido poemático em forma de narrativa, presente nos poemas analisados anteriormente — em Caminhar de Costas. Elaborado a partir da memória, o poema recorda a importância das minas e a riqueza do lugar. O olhar volta-se para o passado ao revelar o presente: O RESTO No alto da cidade A boca da mina


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A boca desdentada da mina de ouro onde a lagartixa herdeira única de nossos maiores grava em risco rápido no frio, na erva seca, no cascalho o epítome-epílogo da Grandeza.

Neste poema o tempo presentificase. Canta o espaço físico alterado, que — destituído de importância no presente — faz com que o poeta recorde a grandeza passada. Poema estruturado em apenas uma estrofe, os dois primeiros versos apresentam o local que servirá de referência para a matéria poética: No alto da cidade/ na boca da mina — os morros da cidade em que a exploração de minério acontece. O terceiro verso traz: a boca desdentada da mina de ouro. Nestes versos ocorre a predominância de sons vocálicos /o/,/a/, /e/ e /i/, em contraste com sons linguodentais /t/,/d/ — criando uma sugestão de barreira para a passagem do som, em contraste com a condição de inexistência de obstáculos das minas desdentadas. Neste tecido poemático a exploração não é apenas sugerida, mas explicitada, tanto no plano de conteúdo como também no plano de elaboração estética expressiva. O desenho na folha de papel – com versos de metros diferenciados – revela marcas de desordenamento na feitura do poema, o que sugere a possível decadência da antiga estrutura de poder, ou o buraco na boca onde faltam os dentes. A variação no ritmo — com poucas marcas de pausas no discurso — amplificam o sentido destacado. A predominância de versos sem verbos — o que acentua o caráter descritivo do poema — aponta para a inanição dos que detêm o poder, e a inalterável condição de explorado e esgotado, metaforicamente, do espaço das minas. Esta situação de

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descrição segue no quarto e quinto versos — onde a lagartixa herdeira única/ de nossos maiores — apresentando a única personagem para quem o espaço ainda é útil. Portanto, única herdeira da paisagem capaz de executar ação, como se verifica nos versos seguintes: grava em risco rápido/ no frio, na erva seca, no cascalho/ o epítomeepílogo/ da Grandeza. A ironia, presente, transforma a lagartixa em herdeira única e digna de executar a ação de gravar o epítomeepílogo, no que sobrou de toda a riqueza: no frio, na erva seca, no cascalho. A alteração na estrutura de poder apresenta/discute o fim do período de importância da mineração. O poema fala do término de toda uma estrutura de poder alicerçada na exploração das minas de ouro, o que justifica — sarcasticamente — a utilização da expressão Grandeza grafada com letra maiúscula. A memória — ao voltar-se para a contemplação do presente — carrega a lembrança do passado e alicerça o título do poema: O resto. Afinal, de toda a riqueza da região resta apenas a paisagem degradada, sem perspectiva de retomada da antiga glória, uma vez que as minas estão esgotadas. No processo de lembrar os espaços, percebe-se — neste poema — que o caráter descritivo não se apresenta em forma de história narrada, não há linearidade no discurso. O olhar — a partir da perspectiva de memória coletiva — sustenta-se no processo de observar a transformação do espaço e da estrutura social. Nas pedras sem riqueza que restaram, a memória tenta edificar um novo cenário. O olhar individual sobre a memória coletiva é denunciado pelo trabalho com a linguagem que, ao cantar a matéria poética, apropria-se da lembrança da riqueza — fruto da memória coletiva — e (re) elabora esta matéria a partir de uma perspectiva pessoal. Deste modo, têm-se a


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transformação do espaço e do discurso a partir do trabalho com a linguagem. O poema que segue traz as marcas de uma consciência que se volta para o passado — também observando a riqueza antiga — mas agora sob uma perspectiva mais pessoal. Não mais a riqueza da cidade ou de uma região que se perdeu, mas a do próprio poeta. Assim, Herança pertence ao conjunto intitulado Notícias de clã, que como o nome sugere, refere-se a espaços e histórias familiares. HERANÇA De mil datas minerais com engenhos de socar de lavras lavras e mais lavras e sesmarias de bestas e vacas e novilhas de terras de semeadura de café em cereja (quantos alqueires?) de prata em obras (quantas oitavas?) de escravos, de escravas e de crias de ações da Companhia de Navegação do Alto Paraguai da aurifúlgida comenda no baú enterrado no poço da memória restou, talvez? este pigarro.

O poema traça um inventário dos bens do poeta. A memória volta-se para o passado e, ao enumerar as riquezas perdidas, denuncia ou busca identidade uma vez que — ao enunciar o ter — sugere verter-se em direção ao ser. Os primeiros versos De mil datas minerais/ com engenhos de socar/ de lavras lavras e mais lavras/ e sesmarias enumeram bens ligados a um passado de proprietário de terras. Tal condição denuncia-se pela expressão mil e a repetição da palavra lavras

evidenciando — também na estrutura do texto, a partir da repetição — ênfase desta riqueza. O que continua a ser declarado — no processo de enumeração — nos versos seguintes: de bestas e vacas e novilhas/ de terras de semeadura/ de café em cereja (quantos alqueires?)/ de pata em obras (quantas oitavas?), intensificando o domínio e reforçando ainda outra vez a presença da riqueza ligada a terra. A memória ao voltar-se para o enunciar da riqueza antiga — denuncia a identidade ligada ao patrimônio rural. Neste processo de enunciação, a utilização de descrição sem verbos denuncia uma condição de estado passivo no processo de aquisição dessas propriedades, como indicia o título do poema Herança. Os versos seguintes apontam para até onde a lembrança da riqueza pôde alcançar: de escravos, de escravas e de crias/ de ações da Companhia de Navegação do Alto Paraguai. Esta dimensão foi possível por tratar-se de memória coletiva, que abarca o grupo familiar. Portanto, ao enumerar estas propriedades o poema traça um percurso que alcança os ante-cessores, no caso: o avô e o pai. Os últimos versos denunciam o olhar do presente cons-tatando que: da aurifúlgida comendo no baú/ enterrado no poço da memória/ restou, talvez? este pigarro. A memória percorre o passado de riquezas da família e retorna ao presente, denunciando um certo quê de ironia na presença da expressão talvez? . Esta possibilita inferência acerca da questão do ser na instância do estado presente. Ao enumerar bens, o poema traça um percurso de apropriação e de identidade a partir do ter. A memória da família é ilustrada a partir do acúmulo de riquezas que, ao serem perdidas, deixam no presente as marcas deste irônico desengano: um simples e irrelevante este pigarro.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS O percurso poético de Boitempo, a partir da perspectiva da memória social abarca muitos outros poemas. A escolha dos primeiros deu-se por evidenciarem a relação estreita entre memória coletiva e

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história. Os dois últimos foram escolhidos por se aproximarem mais do que se pretendia mostrar ao considerar que a memória individual é um ponto de vista acerca da memória coletiva. Deste modo, neles, é possível observar a questão da visão individual no processo de lembrar – a partir do grupo social a que se pertença.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Carlos Drummond. Boitempo. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968. ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. 1a ed. São Paulo: Egéria, 1978. v. 4. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 9a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. PAZ, Octavio. Convergências: ensaios sobre arte e literatura. Tradução de Moacir Werneck de Castro. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. PAZ, Octavio. O arco e a lira. Tradução de Olga Savany. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. SIMON, Iumna Maria. Drummond, uma poética do risco. São Paulo: Ática, 1978.


A EDUCAÇÃO INFANTIL: LER E ESCREVER SOB A PERSPECTIVA PROPOSTA POR VYGOTSKY Gleissy Kelly dos SANTOS BUENO Universidade Federal da Grande Dourados

RESUMO O presente artigo pretende discutir e refletir sobre os processos de construção da leitura e da escrita em fase de alfabetização, visando entender como as crianças adquirem a escrita no contexto em que vivem,ou como interagem com a cultura e a escrita, é baseado na teoria sócio-cultural de Vygotsky, para tal contar-se-a com os teóricos: Paulo Freire (1986), Maria Helena Martins (2004), Emília Ferreiro (1993) e Ivety Wallty (2001), ambos defendem a idéia de uma educação de qualidade e a prática pedagógica de leitura e escrita. O trabalho será dividido em 3 partes, a 1º parte retrata o ato de ler e escrever em que serão conceituados a leitura e a escrita para depois se apresentar a teoria de Vygotsky após isso serão realizadas algumas considerações acerca da LDB; já a 2º parte mostra a realidade e as mudanças que a leitura e a escrita produzem nos dias atuais, e por fim a última parte faz uma breve reflexão sobre a Literatura Infantil bem como sua contribuição para inserção da criança no mundo mágico da leitura e escrita. Palavras Chaves:Educação infantil, leitura e escrita e Vygotsky. ABSTRACT This paper intends to talky and to reflect about the process of the reading and writing’s processes in stage of literate to understand how children leam how to write in a context in what they live or how they interact with the writing culture, it is based on the Vygotsky’s sócio-cultural theory, (para tal contar-se-á) with these theoretvcals: Paulo Freire(1986), Maria Helena Martins (2004), Emília Ferreiro(1993) e Ivety Wallty(2001), both of them defect the idea of a quality education and the pedagogical practice of reading and writing. This paper is divided in three parts: the first one retract the act of read and write, where they will be concepted the reading snd writing to show the Vygotsky’s theory, after this it will be realized some considerations about LDB; the second part is related to show the reality and the changes that the reading and writing causes nowadays. Finally the last part is related to a short reffection about the infantile literature, like its contribution for the child’s insertion in the magic world of reading and writing. Keywords:: Infantil Education, reading and writing and writing and Yygotsky.


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1. INTRODUÇÃO A aprendizagem oral e escrita é um dos elementos importantes, para as crianças ampliarem suas possibilidades de participação nas diversas práticas sociais. O trabalho com a linguagem constitui na Educação Infantil, um fator muito importante, devido sua importância na formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas, na orientação das ações das crianças, na construção de conhecimentos e do desenvolvimento do pensamento. A Educação Infantil, ao promover experiências significativas de aprendizagem da língua, por meio de um trabalho com a linguagem oral e escrita, se constitui um dos espaços de ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas crianças. Essa ampliação está relacionada ao desenvolvimento gradativo das capacidades associativas às 3 funções linguísticas básicas:falar, ler e escrever. Desde a antiguidade o povo já desenvolvia o sistema de escrita. A escrita teve importância para registrar a história da humanidade e suprir as falhas da memória .Se no passado a leitura e a escrita serviam aos homens, estabeleceram contatos comerciais, no decorrer dos tempos passou a ser utilizada em todos os momentos da vida humana, exigindo a sua aprendizagem desde a infância. No decorrer do processo de ensino da alfabetização inúmeros métodos e concepções foram estabelecidos, chegando-se as teorias atuais que colocam como sendo o começo da alfabetização o próprio início da vida da criança, ou seja, a criança começa a estabelecer contatos com a leitura e a escrita desde, o seu nascimento, porém, tradicionalmente não se valoriza esse conhecimento. Somente a partir dos estudos desen-

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volvidos no último século propiciando uma nova visão de educação para a infância, chegando por fim na última década do século XX no Brasil a nova LDB(1996), que concretizou os anseios de uma nova concepção de educação infantil que favorece a prática pedagógica de leitura e de escrita. 2. O ATO DE LER E ESCREVER SOB A PERSPECTIVA PROPOSTA POR VYGOTSKY No que se referem a leitura temos muitos autores que a conceituam, será citado alguns como Ivety Wallty que nos diz que leitura é um processo associativo que promove a interação escrita e imagem, tanto a que ilustra textos verbais como a construída pelo leitor, já Maria Helena Martins diz que a leitura é um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que linguagem. Os primeiros contatos com a palavra impressa se dão pela crianças, através da cartilha, que usufruem muito das ilustrações como forma de estímulo a leitura e a escrita nos educandos, um exemplo que deixa bem claro a importância da ilustração no processo de alfabetização se encontra no livro O que é Leitura de Maria Helena Martins, que conta a história de Tarzan Edgar Rice Burroughrs que aprendeu a ler mesmo sem a noção de letras. A imagem e a escrita caminham juntas, a escrita surgiu da necessidade de comunicação e interação do homem com a sociedade e para suprir as limitações da memória, ambas tem sua origem no traço. A escrita tem uma trajetória de olhar que vai da esquerda para direita, de cima para baixo, já a imagem não tem essa trajetória, a criança dirige a ela o olhar de acordo com a hierarquia que o ilustrador propõe. Antes se tinha a noção de que ler é


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decifrar a escrita, embora há ainda muitos que aceitam essa concepção ultrapassada de que quem decora o alfabeto, soletra, decodifica palavras isoladas, depois frases e texto é um leitor. Nessa perspectiva trata-se de um leitor de prática formalista e mecânica em que o aprendizado é estabelecido por meio do condicionamento estímulo-resposta, como propõe a perspectiva behavioristasknneriana. Para a maioria dos educadores ler se resume a decoreba de signos linguísticos, trata-se da pedagogia do sacrifício em que se aprende a ler sem saber o por que, como, e para que? Sem se compreender a função da leitura e o seu papel na vida do indivíduo e da sociedade. Nenhuma metodologia de alfabetização avançada ou não, leva por si só à existência de leitores efetivos. A escola é o lugar onde se aprende a ler e escrever, mas quando se refere ao manual que as escolas usam para alfabetizar, o livro didático estes estão mau estruturados, seus organizadores se revestem de espirito científico e acabam simplificando assuntos complexos. Osman Lins complementa dizendo que:a máfia do livro didático, leva ao resultado de politica educacional no mínimo desastrosos. O que é considerado matéria de estudo na escola não é visto pelas crianças no cotidiano familiar, nem em suas atribuições diversas, pelos diversos meios de comunicação de massa, com isso a escola está preparando as crianças para envelhecer sem crescer, se contar só com ela. A crianças desenvolve muitas vezes, mesmo sem saber o que se chama de leitura sensorial que começa na infância e nos acompanha por toda vida, trata-se da leitura de imagens, cores, sons, cheiros, gosto que incita o prazer e através dessa leitura vamos nos revelando também para nós mesmos.

O livro antes de ser um texto escrito é um objeto que tem forma,cor, textura, volume, cheiro e ao ser folheado permite as crianças ouvi-los, leva-a despertar curiosidade, além de expressar prazer e disponibilidade. Quando a leitura nos faz mais alegres ou deprimidos, desperta curiosidade, estimula a fantasia, provoca descobertas e lembranças, deixa-se de ler com os sentidos para entrar no nível emocional da leitura, que faz principalmente com que as crianças e os adultos, se sintam na pele do personagem, é a leitura em que se expõe os sentimentos. Muitas vezes descobrimos cenas e situações gravadas em nossa memória encontradas durante a leitura, isso leva as crianças a ler por prazer, como um passa-tempo, como propõe Roland Barther um ensaísta e estudioso de leitura que nos diz: que para ler senão voluptuosamente pelo menos gulosamente, é preciso ler fora da responsabilidade crítica, o leitor então, consome o texto sem perguntar com ele foi feito. O estímulo a escrita requer uma referência cotidiana. A leitura e a escrita devem fazer parte do cotidiano das crianças nas salas de aula, o importante é que sejam utilizados textos contextualizados e palavras portadoras de significados (os seus nomes, objetos próximos) para que sirvam de suporte para as novas gráfias e leituras. Embora não saibam ler, no sentido estrito da palavra, as crianças podem mergulhar no universo da literatura(importante aliado no processo de alfabetização) e interagir com a leitura por intermédio do professor, desta forma, as situações de leitura antecedem as de produção textual. A leitura nessa, perspectiva, é uma capacidade adquirida a partir da interação com companheiros mais hábeis, participando de atividades culturalmente valorizadas,


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portanto, desenvolve-se desde a mais tenra idade e deve ser incentivada como qualquer outra capacidade ou habilidade da criança. Valorizar o ato de ler como se valoriza o aprender a caminhar,a falar ou a brincar, é essencial para comunicar a importância cultural e social da leitura, revelando os inúmeros prazeres e possibilidades que está pode oferecer a vida da criança. A influência da organização do ambiente para o desenvolvimento da leituravariedade de materiais de leitura disponíveis, instigando a criança a relacionar-se com eles, os locais destinados aos livros e outros materiais gráficos devem permitir a proximidade e o manuseio promovendo um clima favorável a aprendizagem. No desenvolvimento da leitura e da escrita, considerando como um processo cognitivo, há uma construção efetiva de princípios organizadores que, não apenas não podem ser derivados somente da experiencia externa, como também são contrários a ela;são contrários inclusive ao ensino escolar sistemático e as informações não-sistemáticas. (FERREIRO,1985, p . 21 ).

Ao se desejar profundamente compreender as marcas gráficas do seu contexto social, a criança torna-se mais receptiva e motivada para leitura. A criança procura agir e resolver questões que o mundo lhe apresenta, aprende e se desenvolve a partir das suas ações e das relações que estabelece com outras pessoas, entre estas e o meio. Ferreiro ainda complementa dizendo que : ...a criança trabalha cognitivamente(isto é procura compreender) desde muito cedo informações das mais variadas procedências:os próprios textos nos respectivos contexto em que aparecem (embala-

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gens, cartazes de rua, tv, peças de vestuário, assim como livros e periódicos); informação específica destinada às crianças (alguém que lê uma história para elas, diz-lhe que está ou aquela forma é uma letra ou um número, escrever seu nome para elas, etc):informações obtidas através de sua participação em atos sociais dos quais fazem parte o ler e o escrever. (2002,p .5).

Os estudos de Ferreiro dimensionam a escrita como um objeto social que, por sua vez, exige contexto sociais para sua aquisição. O hábito de leitura faz com que a criança escreva melhor e tenha um repertório mais amplo de informações , ela possibilita novas possibilidades existências, sociais, políticas e educacionais, além de resgatar as faltas do nosso sistema educacional. Para concluir esta parte do trabalho digo que as crianças estarão mais preparadas quando os professores colocarem em prática o que diz Ingedore Koch Vilhaça: Não adianta ler mecanicamente sem produzir sentidos.

2.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LDB No Brasil desde 1996, com a promulgação da lei 9 394 Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB- e com as posteriores regulamentações, a Educação Infantil começou a existir desde a idade de 0 ano, ou seja, desde o nascimento se entende que a criança deve começar a ser educada, isto é todo o carinho, atenção, estímulos que a criança recebe faz parte de sua educação, não se admitindo mais considerar como educação apenas a parte que se refere à escolarização efetiva de alfabetização ou lei-


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turas do mundo. A Educação Infantil é considerada como a 1º etapa da Educação Básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança, conforme disposto no artigo 29 da LDB, em que os estabelecimentos de ensino devem articular-se com as familiais e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola.

O conjunto de informações que compõe o universo da criança, constitui o ponto efetivo de partida para a ação do docente, pois o aprendizado das crianças começa muito antes delas frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado com o qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. (VYGOTSKY,1991, p. 94).

Art 29 — A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança, em seu aspecto físico, psicológico, intelectual e social complementando a ação da família e da comunidade.

Nessa perspectiva o ato de ensinar e aprender é comparado ao ato de cozinhar pois se passa por um longo processo até se aprender a cozinhar e sempre estamos aprendendo, este é um processo contínuo na vida humana, quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender, ensinar procede aprender, embora sejam coisas distintas estão interligadas uma a outra. Saber ensinar não é transferir conhecimento, mais criar as possibilidades para a sua própria produção ou construção (FREIRE, p.52).

2.3 CONSIDERAÇÕES REFERENTES A CONCEPÇÃO DE

VYGOTSKY

A escrita possui uma função linguística diferente da fala oral e também peculiaridades estruturais e de funcionamento. Os estudos de Vygotsky mostram que a principal dificuldade na aprendizagem da escrita reside em sua qualidade abstrata, pois até o seu menor desenvolvimento exige um alto nível de abstração, isto é, quando escrevemos, nosso interlocutor está ausente ou pode existir apenas em nossa imaginação. Está é uma situação que a criança enfrenta superando suas limitações na construção deste conhecimento. Vygotsky continua dizendo que no inicio da aprendizagem escrita as crianças tem uma fraca motivação para escrever, pois não sentem nenhuma necessidade de fazêlo e, vagamente tem alguma idéia sobre sua utilidade, mas ao familiarizar-se com a língua escrita, a criança começa a entender a função e importância da mesma no seu convício social.

Ensinam-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas,mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal. (VYGOTSKY,1984, P.119).

Em resumo, a concepção de Vygotsky sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem introduz as seguintes questões:

- aquilo que a criança realiza num determinado momento com o auxílio de pessoas mais experientes realizará num outro momento sozinha; - o processo de desenvolvimento não é coincidente com o processo de


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aprendizagem;o desenvolvimento, entretanto, progride de forma mais atrás do processo de aprendizagem,e através da aprendizagem (significativa e não mecânica)que resulta o desenvolvimento das funções psíquicas especificamente humanas e culturalmente organizadas.

3. A LEITURA E ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL NOS DIAS ATUAIS

A escrita começou quando o homem aprendeu a comunicar seus pensamentos e sentimentos por meio de sinais visíveis, compreensíveis também para aqueles com certas idéias de determinado sistema. (Cf. FERREIRO e LURIA,1995).

A aprendizagem da linguagem oral e escrita é um dos elementos importantes para as crianças ampliarem suas possibilidades de inserção e de participação nas diversas práticas sociais. Vivemos um momento em que a escrita tem uma forte presença por toda parte, nas paredes, nas camisetas, na tela do computador, nos rótulos dos produtos, nas placas de indicação de estradas e etc. A presenças da escrita na tela do computador hoje é um fato universal, a tecnologia da informação e da comunicação está trazendo mudanças importantes não apenas no mercado de trabalho, mas também nas práticas de leitura e de escrita. Há crianças que aprendem a escrever no computador, pois o computador é um instrumento para escrever, assim como o lápis. Não deve se confundir o instrumento usado para escrever com a compreensão do sistema de marcas da escrita. Entender os significados das marcas que se produzem com os instrumentos é outra coisa, um

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problema conceitual. Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil-RCNEI (1998), a linguagem oral está presente no cotidiano e na prática das instituições de Educação Infantil à medida que todos dela participam: crianças e adultos, falam, se comunicam entre si, expressando sentimentos e idéias. Para escrever, a criança precisa construir um conhecimento de natureza conceitual: precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente as linguagens. Reconhecer a função social da escrita e da fala implica não só no reconhecimento como forma de comunicação pertencente a uma cultura, como também é necessário que a criança reconheça que ele faz parte dessa construção como sujeito atuante. A leitura e a escrita fazem parte da sociedade em que a criança vive e, quando ela é colocada em contato com situações sociais de uso da escrita, aprende logo que para escrever precisa de letras, passa a ensaiar, segundo as hipóteses que tem sobre isso no momento e, com a intervenção adequada do educador, grande parte das crianças começam a fazer parte da escrita e da leitura. Isso significa ler e escrever bilhetes, escrever seus nomes, o nome do professor, o nome dos seus colegas e das pessoas de sua família; escrever o nome das coisas que já aprendeu, enfim, utilizar a leitura como um significado real no seu dia-a-dia. E se as crianças não aprenderem a ler e escrever? Apenas apresentam incapacidade para leitura pessoas com graves distúrbios de caráter patológico, ligadas a condições de vida, nível pessoal e social.


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Muitas crianças podem não aprender a ler e escrever, e chegarem a idade adulta como analfabetos, mas podem ser considerados leitores do conhecimento popular iletrado, elas aprendem sim, umas antes outras depois, e o importante é o processo, os conhecimentos, a aprendizagem que elas estão acumulando. Mesmo porque a fala, a leitura e escrita, não são as únicas ou mais importantes formas de comunicação das crianças. As crianças tem múltiplas linguagens para expressar suas emoções, seus desejos, medos e necessidades e também seus conhecimentos e seus saberes. 4. A LITERATURA INFANTIL SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA O grande problema que a LI enfrentou no Brasil é visto no livro Como usar a Literatura Infantil na sala de aula, de Maria Alice Faria, que é a falta de literatura para crianças e jovens nos cursos de letras e pedagogia, a falta de matérias especificamente literárias, além de poucas pesquisas e estudos referentes a ilustração e a relação entre imagem e texto. É neste que o grande crítico literário Christian Poslainec diz o seguinte: Não é possível aceitar que a literatura para jovens seja considerada não literária.

Em 1951, Cecilia Meireles publica Problemas da Literatura Infantil, data em que se institucionaliza a discussão sobre o gênero, com a publicação deste livro que defende a inclusão da LI na literatura geral alegando que ambas completam e fazem parte uma da outra. No século XVII época em que as mudanças na sociedade desencadearam repercussões no âmbito artístico, os filósofos

e educadores consideram a criança como um adulto em miniatura, onde se esperava comportamentos, interesses e capacidades semelhantes a dos adultos, mas essa visão foi sendo modificada no século seguinte o que proporcionou que houvesse uma literatura direcionada para crianças e jovens, portanto o século XVIII passa a ser considerado como o século do aparecimento da LI, em que a criança passa a ser considerada como um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias e com isso passa a receber uma educação especial que a preparasse para a vida adulta. O século XIX é visto como século do desenvolvimento da LI em que a produção deste gênero passa a crescer e grande número de autores da literatura não-infantil começam a produzir obras infantis. Já os séculos XX e XXI são os séculos da expansão da produção da LI, expansão esta que tem sido boa em partes pois nem tudo que circula como literatura para jovens leitores faz juz a essa designação. Nazira Salen em 1959 publicou seu livro Literatura Infantil, e em 1970 o reformulou com o título História da Literatura Infantil, que vem a registrar o ínicio da LI no Brasil. Em fins do século XIX mas especificamente por volta de 1950 e 1960 livros teóricos passam a se publicados para os cursos normais. Vale ressaltar que nos anos de 1960 passam a surgir novas faculdades em nosso país e em consequência disso aumenta o número de vagas no ensino superior mas a evasão de pensadores e o amordaçamento de expressão continuam, tendo em vista o alto nível de analfabetismo no Brasil. Na década de 1970 acontece o famoso milagre econômico em que se erradica o subdesenvolvimento através da quantidade e não da qualidade, o que leva a industria


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editorial a se expandir juntamente com o aumento do público leitor, a ampliação da classe média e o aumento do nível de escolaridade, fato que propicia que no ano de 1980 o espaço da literatura se amplia e se consolida no mercado escolar. Nas universidades autores e professores como Ligia Cadermatori, Marisa Lajolo, Regina Ziberman entre outros abandonam a crítica literária e aceitam os textos de literatura infantil e juvenil como um gênero que merece um espaço de destaque. Podemos dizer que em 1980 passa a ser produzido o “boom da LI” como diz (Cadermatori, 1986, p.11,), pois o governo tornou-se o principal comprador dos editores, os seminários e congressos passam a discutir mais sobre este gênero e a sua inclusão nas universidades, visto que a LI é uma das melhores formas de incerir a criança no mundo da leitura e escrita. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A percepção que hoje se tem da criança e da infância, nem sempre foi a mesma, percebo que atualmente muitas pessoas e mesmo instituições que cuidam de crianças, consideram essa fase, sob uma perspectiva um tanto ultrapassada, pois consideram ser a escola local para crianças brincar apenas, sem se preocupar com a sua aprendizagem de leitura e escrita, isto é, não percebendo as instituições de ensino o espaço ideal para a iniciação do desenvolvimento da leitura e da escrita, por entenderem que estas devem ser realizadas com caderno e lápis, o que as nossas tendências pedagógica demostram ser o contrário, é no dia-a-dia que está o conhecimento para a aprendizagem da leitura e da escrita. É neste

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seu dia-a-dia, com seus contatos familiares e sociais que a criança começa a perceber a existência de um mundo de palavras e letras em que a comunicação que se realiza através de diversos meios auditivos, visuais e sonoros, a criança começa, mesmo sem ter ido a escola, a aprender a ler, isto é perceber nos sinais gráficos as relações com a sua linguagem, dando sentido a estes símbolos. Entendo que a Educação Infantil através desta ótica deve oferecer a criança mais subsídios para que perceba com nitidez a existência da leitura e da escrita em sua vida,isto é, podem e devem oferecer mais contatos com textos gráficos para as crianças, podendo ser através de textos de histórias infantis, jornais, gibis, e todo material possível e disponível para a criança desenvolver uma certa intimidade com estes materiais. O computador já é também um meio de contato com a leitura das crianças, existindo muitos jogos interativos, que favorecem ao desenvolvimento das leituras de crianças, mesmo antes de desenvolverem um contato sistemático com o lápis e o caderno. Considerando, portanto, que a leitura e escrita na Educação Infantil deve desenvolver-se através de meios para que a criança estabeleça seus próprios contatos com a leitura sem entretanto, transformála em algo penoso, obrigatório e cansativo, a escola e os professores devem mostrar que a leitura e escrita está presente no mundo (e a escola não deve isolá-la como artigo de luxo de sua propriedade) e tem um importante papel em nossa sociedade, possibilita assim graus mais complexos de cidadania, visto que quem não sabe ler e escrever muitas vezes é excluído da sociedade.


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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA BRASIL. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasília: MEC, 1998. FERREIRO, E. Com todas as letras. 4a ed. São Paulo: Cortez, 1993. FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1986. MARTINS, M.H. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 2004. REGO,T.C. Vygotsky: Uma perspectiva sócio-cultural da educação. 4a ed. Petrópoles: Vozes, 1995. SMOLKA, A.L.B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. 6a ed. São Paulo, 1993. VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. WALTY,I.L.C. Palavra e imagem: leituras cruzadas. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.


“MORDENDO AS LÁBIAS”, DE LUCIANO SERAFIM: UMA RESENHA Rita de Cássia Aparecida Pacheco LIMBERTI 1

O

Serafim escreve bem. Ele é um escritor. E o que é ser um escritor? Primeiro precisa ter “olho”, essa coisa de ver o que nem todos vêem, de tornar “contável” uma estória aparentemente banal, de achar lirismo no cotidiano, na feiúra, nas coisas desimportantes. Ele tem. Segundo, precisa ter “mão”: essa destreza em lidar com as palavras, de desobedecer seus sentidos, de, com uma (palavra), fazer a gente pensar quinhentas... mão ele tem. Quem escreve “Mordendo ‘as lábias’”, “Canção do ‘espólio’”, “Ofício dos orifícios” tem mão, cabeça e gênio de escritor. E de poeta também. Mas de tudo o que o Luciano mais tem é a condição essencial para ser um artista (escritor, poeta): o impulso de fazer (arte, escrever). Seu texto é bonito, deixa a gente meio aéreo, pensando um tempão. A gente chega a escrever junto, dentro da cabeça, quase um outro texto, quando lê o texto do Serafim. Cada um é um convite e eu não recusei nenhum. “Mordendo as lábias” é uma obra bem contemporânea, com um tom de protesto, ora irônico, com uma temática atual, embora não deixe de tratar das eternas questões universais: as emoções. A contemporaneidade da obra se manifesta sobretudo no tratamento da linguagem, pela subversão do léxico, pelas ambigüidades presumidas, pela premeditada desordem. 1

As duas partes do livro, “sede” e “fome”, tratam de duas questões viscerais, duas faces da mesma moeda, que não se implicam e nem se excluem, percorrem paralelamente, a uma distância mais ou menos constante, a trilha da materialidade da vida, de certa forma ameaçando-a. Se “bebida é água” e “comida é pasto”, de onde vem esse descontentamento que se encarapita sobre nossa própria saciedade (“você tem fome de quê, você tem sede de quê?”). Os poemas são pequenos (para diagramar). Há de quatro, três, dois versos! Há versos de três, duas, uma palavra... e dizem muito. “Pólos indispostos” é um poema assim: “eu ávido/você árido”. São dois versos, quatro palavras. Não precisava mais. Entre “ávido” e “ár ido” há um abismo

Pró-Reitora de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis da UFGD.


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intransponível, mesmo que elas (as palavras) nos “soem” tão próximas. A sutil diferença morfológica, dada por um único fonema, sugere a aproximação de dois amantes, de duas almas gêmeas, mas nas profundezas insondáveis do léxico se delineia a distância abissal entre eles, que os coloca na condição de pólo, intrinsecamente separados e opostos. Mais do que opostos, são/estão indispostos, o que denuncia uma inaptidão, inapetência pelo outro, ou ainda a negação de uma disposição (no sentido de posicionamento espacial de um em relação ao outro, o que metaforizaria um descompasso entre seus destinos e vidas). Além de vigorosos, os pequenos versos são também rebeldes. “Desmétricos e desestéticos”, rimas nem pensar. A margem ziguezagueia nos dois lados e a pontuação aparece quando bem entende. Tem até estrangeirismo na pontuação (onde já se viu isso?), com aquelas malucas interrogações espanholas de ponta cabeça no início da frase. Vai entender. Em “Vertentes”, as palavras escorrem... ou melhor, afundam. Estrofes numeradas se sucedem sem lógica matemática.

Todas falam de águas nas suas diferentes vertentes: poço, mar, rio, cachoeira, foz, açudes, dilúvio, e deságuam no título. Faz sentido. Os títulos... o título é um contrato de significação. É a partir dele que o percurso do sentido é traçado, é ele que guia nossos olhos, nossa percepção. Serafim desautoriza esse estatuto dos títulos. Ele os coloca no fim, fazendo-nos avidamente retornar ao poema, então com novos olhos tutorados... Então, imediatamente constatamos pelo menos dois sentidos: o que a gente tinha pensado e o que o título apontou. Isso quando não ficamos sem saber nem mesmo qual é o título, nas vezes em que não aparece em maiúsculas e negrito no final do poema... Às vezes é um verso, uma palavra em itálico (“Ofício dos orifícios”, “arroto-me”, “leopardos”). Deste último eu só descobri o título recorrendo ao sumário. Até isso o Serafim faz com a gente. Ler o livro de trás pra frente e dar importância pra sumário. Será o fim? Começa pelo título — “Mordendo as lábias” é uma atitude de quem está se mordendo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SERAFIM, Luciano. Mordendo as lábias. 1a ed. Dourados: Nicanor Coelho Editor, 2008



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