Revista Arandu # 74

Page 1

I SSN 1415 - 482X

9 771415 482002




Editor NICANOR COELHO nicanorcoelho@gmail.com Conselho Editorial ANDRÉ MARTINS BARBOSA (UEMS) CARLOS MAGNO MIERES AMARILHA (ARANDU) CELEIDA MARIA COSTA DE SOUZA E SILVA (UCDB) CÉLIA REGINA DELÁCIO FERNANDES (UFGD) NICANOR SOUZA COELHO (ARANDU) ROGÉRIO SILVA PEREIRA (UFGD) ROSANA CRISTINA ZANELATTO SANTOS (UFMS) VIVIANE SCALON FACHIN (UEMS) SUZANA ARAKAKI (UEMS) Editor Executivo LUCIANO SERAFIM


Apresentação ............................................................................... 5 ARTIGOS Ações de preservação do Patrimônio Cultural em Campo Grande (MS): um estudo de caso do Conjunto dos Ferroviários ..................................................... 7 Arão Davi Oliveira Rennan Vilhena Pirajá A memória cultural do Mato Grosso do Sul através das crônicas e entrevistas de Maria da Glória Sá Rosa ....................................................... 24 Paulo Bungart Neto Ana Claudia Araujo Matos Krul Entre indas e vindas em região fronteiriça no conto El viejito (Poincaré) de Hélio Serejo: traços da cultura sul-mato-grossense ........................................ 44 Hélia Marcia Kovalski Castilho Teno Abram as cortinas: professor-ator em ação .............................. 54 Joyce Regina Matoso Sobrinho


O cumprimento da Lei nº 10.639/2003 nas escolas municipais de São Gabriel do Oeste (MS) .................. 70 Onivan de Lima Correa Políticas Públicas Educacionais e História e Cultura Afro-brasileira no município de São Gabriel do Oeste (MS) ................................. 90 Josefa dos Santos Silva Um projeto nacional para jovens de 18-29 anos: a implantação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano) ......................................................................... 108 Carlos Magno Mieres Amarilha Regina Cestari de Oliveira Aspectos históricos sobre formação docente: curso Normal Médio do Brasil – da primeira à última Constituição Federal ............................... 126 Noélia Maria Matos de Morais Corrêa


O Grupo Literário Arandu prima pela contínua publicação de trabalhos relevantes produzidos por pesquisadores, professores e estudantes de Mato Grosso do Sul, no intuito de aprimorar o diálogo entre os interessados e expor os resultados de suas pesquisas em diferentes espaços de suas respectivas áreas, como os encontros, simpósios, colóquios, congressos, fóruns, em programas de graduação, pós-graduação, grupos de pesquisa, núcleo de estudos, coletivos, entre outros. É muito importante valorizar e aprimorar cada vez mais o trabalho científico. O conhecimento de novas técnicas e de novos horizontes consegue dinamizar o mundo a reagir com novos paradigmas sociais. Quando mais técnicas são descobertas e acesso a elas, mais capacidade o indivíduo tem para desenvolver novas pesquisas, novos saberes e novas metodologias. A dinâmica do conhecimento no mundo depende de pesquisas e técnicas que vêm sendo estudadas para o desenvolvimento físico e intelectual da sociedade. A partir de novas pesquisas e novas técnicas, cientistas descobrem novos métodos de aprimoramentos essenciais para o desenvolvimento da vida e da sociedade. Nesta edição, reunimos artigos dos pesquisadores Arão Davi Oliveira e Rennan Vilhena Pirajá apresentam o artigo, “Ações de preservação do patrimônio cultural em Campo Grande-MS: um estudo de caso do conjunto dos ferroviários”. Artigo de Paulo Bungart Neto e Ana Claudia Araujo Matos Krul, com o título, “A memória cultural do Mato Grosso do Sul através das crônicas e entrevistas de Maria da Glória Sá Rosa”. Da pesquisadora Hélia Marcia Kovalski Castilho Teno, com o artigo, “Entre indas e vindas em região fronteiriça no conto de Hélio Serejo: traços da cultura sul-mato-grossense. Da professora Joyce Regina Matoso Sobrinho, o artigo, “Abram as cortinas: professor ator em ação” da professora Joice Regina. O professor Onivan de Lima Correa apresenta dados de uma pesquisa realizada nas escolas e centros de educação infantil do município de São Gabriel do Oeste, sobre o ensino da História da África e um


breve histórico do município, com o título “O cumprimento da Lei n° 10.639/2003 nas escolas municipais de São Gabriel do Oeste-MS”. A professora Josefa dos Santos Silva com o artigo, “Políticas Públicas Educacionais e História e Cultura Afro-brasileira no município de São Gabriel do Oeste”, trata como a cultura afro-brasileira são apresentadas nas escolas municipais do município estudado. De Carlos Magno Mieres Amarilha e Regina Cestari de Oliveira, o artigo, “Um projeto nacional para jovens de 18-29 anos: a implantação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano)”. Das pesquisadoras Nadia Bigarella e Noélia Maria Matos de Morais Corrêa, que tem como título: “Aspectos históricos sobre formação docente: curso normal médio no Brasil, da primeira à última constituição federal”, as autoras fazem uma contextualização de aspectos históricos da política de formação docente, que influenciaram a criação do Curso Normal Médio no Brasil, desde as Constituições Federais de 1824 a 1988. A Revista Arandu é um importante veículo de aproximação entre diferentes pesquisadores em seus mais diversos níveis de formação. As publicações da Revista Arandu contribuem para facilitar os pesquisadores a continuarem na procura de novas fontes para seus objetos de pesquisas, bem como incentivar novas pesquisas, novos objetos, novos conceitos a serem estudados, revelados, investigados, aprimorados e divulgados.


Esta pesquisa é um estudo de caso que tem por objetivo identificar as ações de preservação do patrimônio cultural na cidade de Campo Grande – MS tendo como lócus o Conjunto dos Ferroviários. Demonstrar como a aceitação do conjunto dos ferroviários de Campo Grande-MS em patrimônio cultural vem contribuindo para uma possível construção da identidade do povo sul-mato-grossense que vive em Campo Grande. É uma pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Pode-se concluir, após visitas in-loco que o desenvolvimento do Plano urbanístico da Esplanada Ferroviária permitiu a elevação dos níveis da qualidade de vida social, cultural, reorganização e qualificação urbanística e ambiental da área central, tanto para moradores e usuários daquela região, quanto para os visitantes e turistas que passam pela cidade promovendo importante preservação do patrimônio cultural. O contexto pesquisado revelou as formas de organização dos trabalhadores ferroviários, seus costumes e tradição, vem de modo sutil, sendo transmitidos de geração para geração. A partir de uma vivência comum, o espaço ferroviário, mesmo depois de sofrer alterações, ainda hoje apresenta as marcas da identidade concebida por seus antigos moradores.


Preservação do patrimônio; Desenvolvimento local; Conjunto dos ferroviários.

O Noroeste do Brasil (N.O.B.) é um nome que, embora oficialmente suprimido há muitos anos, permanece vivo na linguagem cotidiana daqueles que conhecem a ferrovia. Essa estrada parte de Bauru, no estado de São Paulo, e atinge Corumbá, em Mato Grosso do Sul, na fronteira com a Bolívia; tem ainda um ramal que, partindo da estação de Indubrasil (alguns quilômetros a oeste de Campo Grande), chega a Ponta Porã, na fronteira com a República do Paraguai. Segundo Queiroz, (1997) a “velha Noroeste do Brasil”, se constitui até hoje na única Ferrovia de Mato Grosso do Sul, e esteve integrada à Rede Ferroviária Federal (RFFSA) por quase 40 anos, desde 1957 até 1996, quando sua operação foi transferida à iniciativa privada. De fato, em março desse ano foram postos em leilão o direito de arrendamento dos equipamentos da ferrovia e a concessão para operá-la durante 30 anos; o leilão foi vencido por um grupo empresarial norte-americano, o qual assumiu em 1º de julho de 1996 a direção da empresa, rebatizando-a com o nome de Novoeste. Ao se considerar um bem como cultural, ao lado do seu valor utilitário e econômico enfatiza-se seu valor simbólico, enquanto referência a significações a cultura. Na seleção e no uso dos materiais, no seu agenciamento, nas técnicas de construção e de elaboração, nos motivos, são apreendidas referências ao modo e às condições de produção desses bens, há um tempo, a um espaço, a uma organização social, a sistemas simbólicos. Nessa pesquisa foram utilizados os conceitos de desenvolvimento local de Buarque (1999) e Coelho, (2000); o conceito de patrimônio de Choay, (2001) que serviram de fio condutor para nosso estudo. Foram utilizadas diversas obras sobre a Ferrovia Noroeste do Brasil com intuito de realizar uma revisão bibliográfica do lócus da pesquisa. Também foram utilizadas obras com relatos de memória de antigos funcionários da ferrovia e moradores da vila ferroviária, assim como, entrevistas com esses “atores” que vivenciaram o passado e o presente da ferrovia com suas nuances o que permitiu uma


contextualização com o momento atual. Para concluir, os elementos utilizados para a viabilização desse estudo de caso foi de primordial importância à observação da execução do Plano Urbanístico de Uso e Ocupação da Esplanada Ferroviária desenvolvido pela PLANURB3 da prefeitura de Campo Grande – MS com visitas in-loco. Por isso, este artigo se divide em duas partes: a primeira relacionada ao entendimento das novas funções atribuídas ao espaço do conjunto dos ferroviários, intitulado pelo Plano Urbanístico como “Esplanada dos Ferroviários”, com suas nuances históricas através dos conceitos de desenvolvimento local e patrimônio cultural. Por fim, demonstrar como a transformação do conjunto dos ferroviários de Campo Grande-MS em patrimônio cultural vem contribuindo para uma possível construção da identidade do povo sul-mato-grossense que vive em Campo Grande.

Seu tombamento pelo Decreto Municipal nº 3249, de 13 de maio de 1996. E Lei Estadual nº1735, de 26 de março de 1997, deu outra função social ao antigo conjunto. Sendo reconhecido como patrimônio cultural, isso, liga esse espaço que tinha perdido sua utilidade econômica e social a outras agora ligadas à identidade local e ao turismo. O complexo ferroviário abrigava áreas para bar, apoio, bilheteria, administração de cargas, serviços médicos e depósito. O tombamento considerou a relevância cultural do complexo ferroviário, em âmbito nacional, devido ao seu sentido geopolítico e de integração nacional, aproximação política e econômica do sul do Mato Grosso com São Paulo, e a urbanização do início de Campo Grande (IPHAN, 2009. P.1).4


Essas transformações no espaço da cidade de Campo Grande provocada pela instalação e encerramento das atividades surgiram como utilidades sociais ligadas a Ferrovia contribui para conservação dessas marcas impressas no espaço, deixadas por ações ocorridas em tempos pretéritos, podemos dizer durante sua construção, operação e agora com outra utilidade. Foram observadas as seguintes transformações: na Avenida Calógeras, onde funcionava o pernoite da chefia da N.O.B. hoje funciona a Sede do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso Do Sul (Figura 2). Onde ficava a casa do engenheiro chefe, hoje fica o Memorial dos Prefeitos “Carlos Miguel Mônaco” (Figura 3). Onde funcionava o armazém de cargas, hoje funciona o Armazém Cultural5 (Figura 4).



Na Rua General Melo, onde funcionava o Escritório do Distrito de Produção de Campo Grande, hoje funciona a Sede do Instituto do Patrimônio cultural e Artístico Nacional – IPHAN (Figura 5).

Na Rua Dr. Temístocles segundo Greco, (2014. P.27), cinco imóveis individuais, sendo um ocupado pelo escritório do departamento comercial e escritório da 4ª residência, onde atualmente estão o sindicato dos ferroviários, o Centro de Formação Profissional do acordo Rede Ferroviária Federal S.A. e SENAI e o Posto de Saúde da empresa. As demais eram usadas por cargos de chefia. Segundo Greco, (2014, p. 29-30) além desses imóveis, dentro do espaço restrito da ferrovia, encontram-se as oficinas de manutenção de locomotivas, oficinas de apoio e abastecimento que atualmente encontram-se abandonadas, podendo no futuro ser aproveitada como espaço cultural. Parte dessa área operacional está sendo usada pela Feira Central6.


A Feira Central (Figura 6) se constitui hoje no espaço de maior divulgação do Conjunto dos Ferroviários pela grande circulação de moradores de Campo Grande e, também, de turistas. Cada uma das novas utilizações citadas acima se configura como elementos integrantes desse contexto de desenvolvimento local que permitem a preservação do patrimônio cultural e promove uma requalificação e reorganização do espaço urbano além de promover a economia local e o turismo. O foco estratégico do desenvolvimento econômico local tem uma especificidade e uma intencionalidade. A especificidade é por ele considerada, o fato de sempre ter sido pensado desenvolvimento econômico num sentido amplo, dentro das esferas federais, e intencionalidade devido ao fato do desenvolvimento local aparecer como resposta da sociedade às mudanças, criando sujeitos sociais locais com potencial de transformar, que terminam por tornar-se promotores do desenvolvimento. (COELHO, 2000. p.1)

Para Buarque, (1999) mesmo quando decisões externas, de ordem política ou econômica, tenham uma função crucial na reestruturação socioeconômica da localidade, o desenvolvimento local sempre demanda alguma forma de mobilização e iniciativas dos atores locais em torno de um projeto coletivo. Caso contrário, certa-


mente as mudanças geradas desde o exterior não se manifestem em efetivo desenvolvimento e não sejam internalizadas na estrutura social, econômica e cultural local ou municipal, desencadeando a elevação das oportunidades, o dinamismo econômico e aumento da qualidade de vida de forma sustentável. A feira central se configura na melhor expressão do que o autor cita acima, pois existia por parte dos ferroviários uma resistência para que a Feira Central fosse transferida para a área do Conjunto dos ferroviários; assim como, também, existiu uma resistência por parte dos comerciantes da feira, cuja maioria pertence à colônia japonesa, para transferência da desta para área atual na Esplanada Ferroviária (Figura 7). Foi necessário o envolvimento externo, político para que essa transferência fosse concretizada.


A orla morena (Figura 8) pode ser considerada como parte exitosa do projeto de desenvolvimento local da esplanada dos ferroviários como noticiou o sitio de noticias Campo Grande News: “Novo “point” da cidade para encontros, prática de atividades físicas e eventos culturais, a Orla Morena, fez os imóveis em seu entorno valorizarem cerca de 40%, segundo estudos da Câmara de Valores Imobiliários.”7

De acordo com as observações in-loco esse seguimento do projeto da esplanada ferroviária da PLANURB, a Orla Ferroviária (Figura 9), é um exemplo de não aceitação por parte da população da reorganização da área, mesmo com a contrapartida do poder público com a restauração dos vagões antigos que foram transformados em lanchonetes no entorno de uma pista de caminhada, a população não prestigiou as mudanças, ou seja, não obteve o mesmo sucesso de integração com a sociedade que aconteceram coma feira central e orla morena.


A importância de conservar um objeto que consideramos parte de um patrimônio está no fato deste se constituir registro material da cultura, da expressão artística, da forma de pensar e sentir de uma comunidade em determinada época e lugar, um registro de sua história, dos saberes, das técnicas e instrumentos que utilizava. Para termos esse registro da cultura é imprescindível à existência de um suporte material, como um objeto, uma construção ou um documento, ou mesmo como tradições orais, festas folclóricas, etc. – são necessários que sejam registrados, pois guardarão um registro e necessitarão serem preservados.

Para entendermos a importância do conjunto dos ferroviários no processo de construção da identidade do sul-mato-grossense que vive em campo grande é importante conhecermos um dos conceitos de Patrimônio. Para Choay (2001), o patrimônio designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos.


Para Pollack (1992), o patrimônio está relacionado a um sentimento de identidade, individual e coletiva, esses diferentes elementos que formam um indivíduo são efetivamente unificados. Nesse sentido, afirma: Podemos, portanto dizer, que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.(POLLACK, 1992, p.204)

Sintetizando o tombamento do conjunto dos ferroviários temos: Entre os imóveis estão às residências, escritórios, oficinas, uma escola, a caixa d’água, e a estação construída a partir de 1914, com ampliações em 1924 e 1930. As casas para os operários, tanto as de 1930 quanto o conjunto da Rua dos Ferroviários, datadas de 1951, eram geminadas, sendo a maioria feita de madeira. Para os funcionários intermediários e graduados, as construções eram de alvenaria, em terreno único, e as residências destinadas aos de nível hierárquico mais alto tinham um melhor acabamento. (IPHAN, 2009.)8

A definição de Patrimônio segundo IPHAN (Instituto do Patrimônio cultural e Artístico Nacional): aquilo que nos identifica e nos traz referências, assim classificamos em nosso patrimônio cultural, aquilo que podemos tocar e sentir; o material e o imaterial. Nossa paisagem, nossa arquitetura, nossos costumes e tradições, nossa culinária e festas, fazem parte deste grande patrimônio. Neste sentido vem crescendo cada vez mais, por parte do poder público, a necessidade de uma política de preservação consolidada, passando pelo reconhecimento, cadastro, conceituação do instrumento legal a ser utilizado na preservação e, conscientização da população sobre o nosso patrimônio.


O envolvimento da comunidade é de fundamental importância para garantir a preservação da memória e da identidade cultural. Para Garcia (2002, p. 106-107) “o direito de acesso à cultura configura-se, assim, na garantia de acesso aos bens culturais produzidos em sociedade”. Ainda segundo a autora: A apropriação do passado é sempre feita a partir da perspectiva do presente. Assim, a preservação da memória constitui-se na formação de um sentimento de identidade que se forma na produção da reconstrução de um passado que se apresenta a partir da construção de um sentimento de preservação daquilo que é aceito como importante no presente. Essencialmente seletiva, o silêncio e o esquecimento, também faz parte da memória. (GARCIA, 2002, p. 106)

Como mostra o depoimento de Sr. Elizeu Pereira da Silva “Seu Garrincha”9 (a época com 77 anos de idade) nascido e criado em Campo Grande: “Eu senti muita saudade da ferrovia, na minha época ainda tinha a Maria-fumaça. Eu era guri, andava para todo o lado, quando essa vila foi construída em 1939, 1940 [...] naquela época, a Rua 14 era terra, não tinha calçada como tem hoje e terminava onde hoje é a Feira, subia e formava o triangulo que ia até a 13, na época da Maria – fumaça.” (MARQUES e NASCIMENTO, 2009 P. 10)

Em seu livro de memória a professora e historiadora do Instituto Histórico e Geográfico do Mato Grosso do Sul Maria Madalena Dib Mareb Greco10 registrou com riqueza de detalhes alguns eventos do cotidiano dos atores que vivenciaram efetivamente o dia-a-dia de todo o conjunto dos ferroviários, relatando, também, os momentos que antecederam o tombamento do conjunto.


A trajetória até o tombamento em 1996 pela prefeitura municipal e posteriormente pelo governo do estado do Mato Grosso do Sul foi longa e cheia de contradições. Diante de um empate foi o Vereador Nelson Trade Filho salvou o espaço da demolição. Foi o voto de minerva, de misericórdia, permitindo a conservação da área da ferrovia. (GRECO, 2014. P. 15)

Todas essas providências estão ou deveriam estar incidindo sobre uma amostragem representativa da totalidade dos elementos que compõem o amplo Patrimônio Cultural; sobre todos, porque havendo essa ligação entre eles, se um deles não é guardado o conjunto se desarmoniza e se desequilibra o que no fundo não é bem o que se queria um fiel retrato de um estágio cultural. Essa diferença entre o que é “nosso” e o que é dos “outros” se tornou tão evidente, que ainda hoje, quando quase todos os postos de trabalho, na ferrovia, foram extintos, inclusive os imóveis onde moravam os ferroviários, é possível resgatar a história de uma população, quase uma nação, pois se compões de um território delimitado, com cultura própria, incluindo particularidades na linguagem coloquial: termos, palavras que são usadas na vida diária, distinguindo esta comunidade ferroviária dos demais habitantes desta cidade. Faz parte da cultura ferroviária. (GRECO, 2014, P. 17)

Tudo isso interessa no caso do conjunto dos ferroviários, aos moradores do seu entorno, aos que viveram a época do seu funcionamento, aos seus descendentes, aos que querem conhecer e preservar a memória que o circunda, etc. Como seu Celestino Pinto da Vitória11 foi 33 anos funcionário da Noroeste do Brasil. Entrou em 1960 com apenas dezesseis anos; foi Telegrafista, Agente de Estação, Inspetor de Estação e por último Chefe de Estação quando foi transferido para Corumbá. Ao contar sua história recorda-se que naquela época os funcionários da ferrovia eram muito unidos e bastante respeitados:


“Todas as coisas boas que existiam na cidade pertenciam à ferrovia, por exemplo, aqui em Campo Grande, o melhor hospital que tinha é o hospital do Câncer hoje, na época era o Hospital dos Ferroviários (...) o emprego era bom na Noroeste, existia farmácias aqui, em Aquidauana, em Corumbá para os ferroviários, posto de saúde, enfermeiro dos ferroviários.” (MARQUES e NASCIMENTO, 2009 P. 24)

No segmento do Patrimônio cultural na Era da Indústria Cultural se desenrolam os problemas e conflitos que enfrentamos hoje, a bipolaridade referente aos efeitos das práticas do turismo: preservação/destruição. Isto porque, contemporaneamente, os monumentos e o patrimônio entendido na sua totalidade, adquiriram um estatuto que é duplo. A metamorfose do seu valor de utilização em valor econômico é realizada graças à ‘engenharia cultural’ cuja tarefa consiste em explorar os monumentos por todos os meios possíveis, a fim de multiplicar indefinidamente o número de visitantes. O entrelaçamento dessas memórias, coletivas e individuais, ou lembranças inseridas nesse patrimônio cultural e cultural que procuro narrar, transforma-se numa tentativa de compreender esse universo restrito - o mundo da ferrovia e o povo da ferrovia, do qual faço parte; um espaço dentro da cidade visto como patrimônio cultural e a população ferroviária que luta para preservar “ seus” espaços sem interferência do de “fora”. (GRECO, 2014. P. 22)

Para Greco, (2014) os caminhos da estrada de ferro não somente marcaram o espaço de Campo Grande, também, criaram práticas sociais neste espaço, mecanismo de controle e disciplina para essa sociedade que a ocupou. Para entender o patrimônio cultural que rege o espaço da ferrovia, enquanto fenômeno social é preciso vinculá-lo a um espaço e tempo específicos, procurando entender historicamente suas formas de sociabilidade, considerando as influências das políticas federais e locais. (GRECO, 2014. P. 28)


Preservação do Patrimônio Cultural tem importância fundamental para o desenvolvimento e enriquecimento cultural de um povo. Os bens culturais guardam informações, significados, mensagens, registros da história humana - refletem ideias, crenças, costumes, gosto estético, conhecimento tecnológico, condições sociais, econômicas e políticas de um grupo em determinada época.

Certamente, alicerçados em conceitos como preservação do patrimônio, desenvolvimento local, monumento, memória, cultura local, identidade local e turismo que as adequações dos espaços dando-lhes novas funções na paisagem, que os tombamentos atendem apelos ou demandas sociais, sejam naturais ou artificiais propiciando o fortalecimento da identidade cultural individual e coletiva, reforçando o sentimento de autoestima, considerando a cultura brasileira como múltipla e plural; estimula a apropriação e o uso, pela comunidade, do Patrimônio cultural que ela detém estimulando o diálogo entre a sociedade e os órgãos responsáveis pela identificação, proteção e promoção do Patrimônio, propiciando a troca de conhecimentos acumulados sobre estes bens promovendo a produção de novos conhecimentos sobre a dinâmica cultural e seus resultados, incorporando-os às ações de identificação, proteção e valorização do Patrimônio no nível das comunidades locais e das instituições envolvidas. Os resultados dessa pesquisa não encerram as reflexões e análises desse recorte histórico e, nem como se produz as memórias, a identidade no seio do patrimônio cultural do Conjunto dos Ferroviários na Cidade de Campo Grande – MS, importa considerar que o contexto pesquisado revelou as formas de organização dos trabalhadores ferroviários, seus costumes e tradição, vem de modo sutil, sendo transmitidos de geração para geração. A partir de uma vivência comum, o espaço ferroviário, mesmo depois de sofrer alterações, ainda hoje apresenta as marcas da identidade concebida por seus antigos moradores. Neste caso específico dos ferroviários, como podemos perceber


nos relatos, existe uma memória muito peculiar que os agregam e os identificam, porém não foram identificados elementos que expandam tal identidade a todo povo Campo Grandense. Quanto ao desenvolvimento local da área pesquisada é possível notar “in loco” como a execução ainda não concluída do Plano urbanístico de uso e ocupação da Esplanada Ferroviária permitiu a elevação dos níveis da qualidade de vida social, cultural, reorganização e qualificação urbanística e ambiental da área central, tanto para moradores e usuários daquela região, quanto para os visitantes e turistas que passam pela cidade promovendo uma significativa ação para a preservação desse patrimônio.

ÀVILA, V.F. Pressupostos para formação educacional em desenvolvimento local. Interações - Revista Internacional de Desenvolvimento Local: Campo Grande (MS), v.1, n.1, p. 63-76, 2000. Buarque, S. C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável.1999.Disponívelem:http://www.iica.org.br/ docs/publicacoes/publicacoesiica/sergiobuarque.pdf. Acessado em 10 de agosto de 2014. CAMARGO, L. H. Patrimônio cultural e Cultural. Ed. Aleph São Paulo: 2004. CHOAY, F. A Alegoria do Patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado.São Paulo: Estação Liberdade: Ed. UNESP, 2001. CUNHA, E. À margem da história. 5º edição. Porto: Lello e Irmão,1941. Viação Sul – americana. COELHO, F. Desenvolvimento local e construção social: o território como sujeito. In: Desenvolvimento econômico local no Brasil: as experiências recentes num contexto de descentralização. Santiago (Chile): Cepal/ GTZ, 2000. DOSSE, F. História e ciências sociais. Trad. Fernanda Abreu. São Paulo: Edusc, 2004.


GARCIA, Maria Angélica Momenso. Preservação do Patrimônio cultural: In Turismo & Pesquisa: Revista da faculdade da Fundação Educacional Araçatuba/FAC-FEA. Araçatuba. V.1, n.1, novembro, 2002. P. 106-112. LEMOS, M.B; SANTOS, F.; CROCCO, M. Arranjos produtivos locais industriais periféricos: os condicionantes territoriais das externalidades restringidas e negativas. In: Encontro Nacional de Economia, 31, 2003, Belo Horizonte (MG). Anais... Belo Horizonte: ANPEC – Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia, 2003. MARTINS, S.R. de O. Desenvolvimento local: questões teóricas e metodológicas. Interações - Revista Internacional de Desenvolvimento Local.:Campo Grande (MS), v. 3, n.5, p. 51-59, 2002. OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto. Um trem descarrilado: ações grevistas na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB). Campinas-SP, nº 12, 2006. OLIVEIRA, Arlinda Montalvão de. Estrada de Ferro Noroeste do Brasil: Dinâmica socioespacial e territorialidade em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Life Editora, 2001. POLLACK, M. Memória e identidade social. Estudos históricos, Rio de Janeiro, APDOC, v. 5, n. 10, p. 200-215, 1992. QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. As curvas do trem e os meandros do poder: o nascimento da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Editora UFMS. Campo Grande – MS, 1997. QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Uma ferrovia entre dois mundos. EDUSC, 2004. NEVES, Correia das. História da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Bauru. Tip. Brasil, 1958. SÁ, Chrockatt de. Revista do Clube de Engenharia. Rio de Janeiro, nº 15, 1907. SOARES, João Teixeira. Exposição sobre a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Relatório da diretoria, São Paulo: Estab. Graph. Universal, 1917. SILVA, Clodomiro Pereira da. O problema da viação no Brasil. São Paulo: Tip. Levy, 1910.


Este artigo tem como objetivo discutir a dinâmica de identificação do baú rico de autores que fazem parte da história e da literatura sul-mato-grossenses, com o apoio bibliográfico de historiadores e memorialistas vinculados à cultura campo-grandense e seu entorno, analisando episódios ocorridos durante o longo período de desenvolvimento da educação e cultura do estado, em que um dos fatores de destaque é a divisão do Mato Grosso. Sobre a obra da professora e escritora Maria da Glória Sá Rosa, o artigo dá ênfase aos volumes Deus quer o homem sonha a cidade nasce – Campo Grande Cem anos (1999) e Crônicas de fim de século (2001), nos quais através, respectivamente, de entrevistas com as personalidades envolvidas e de crônicas, a autora traça um complexo perfil da colonização e do desenvolvimento do Mato Grosso do Sul, sobretudo de Campo Grande que viria a ser, a partir de 1979, capital do estado. literatura sul-mato-grossense; memórias; Maria da Glória Sá Rosa.


“Vinte narradores guiados pelo fio da memória reconstruíram sua ligação com a cidade, num processo amoroso, em que recuperaram a invisível mensagem oculta nas dobras da matéria e desenharam o mapa afetivo de uma Campo Grande, que lhes pertence pelo muito que deram e receberam, nessa troca que é a base das verdadeiras construções” (Maria da Glória Sá Rosa, 1999, p.17).

Maria da Glória Sá Rosa nasceu em Mombaça (CE) no dia 4 de novembro de 1927. No ano de 1939 mudou-se com a família para Campo Grande, na época, Mato Grosso. Mais tarde, graduou-se em Línguas Neolatinas pela PUC do Rio de Janeiro; fundou e dirigiu a Aliança Francesa de Campo Grande; participou da instalação dos primeiros cursos superiores de Campo Grande, em 1961, na Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências e Letras, onde ministrou aulas durante 18 anos. Na Faculdade Católica Dom Bosco, criou o Teatro Universitário de Campo Grande, a Revista Estudos Universitários e o Cine-Clube de Campo Grande. Como coordenadora do Curso de Letras da Universidade Católica Dom Bosco, promoveu diversos cursos e semanas literárias. Produziu o programa “Intercomunicação” na TV Morena e “Mensagem ao Mundo Feminino” na Rádio Educação Rural. O grande salto na vida de Maria da Glória Sá Rosa se deu em 1967, quando começou a trabalhar na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, lá ficando durante 26 anos. Tendo sido chefe de alguns departamentos e órgãos culturais, promoveu exposições de artes plásticas, ciclos de conferências, além do Projeto “Prata da Casa”, responsável por espetáculos de música ao vivo e edição de álbuns com músicos da região. Também na Universidade Federal de Mato


Grosso do Sul lecionou Literaturas de Língua Portuguesa, Língua e Literatura Espanhola, História da Arte e Didática. Durante anos foi Presidente do Conselho Estadual de Cultura, é membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e da Associação Brasileira de Críticos de Arte. Também recebeu o título de cidadã sul-mato-grossense da Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul. Em fevereiro de 2005, o Conselho Universitário da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul concedeu-lhe por unanimidade o título Doutora Honoris Causa pelos serviços prestados à educação e à cultura de Mato Grosso do Sul e à história da UFMS. Assim, Maria da Glória Sá Rosa possui uma longa caminhada ao lado da educação e da cultura regional do estado. Viajou por diversos países do mundo e também conheceu todos os estados brasileiros, interessando-se por escritores os mais variados, pertencentes à literatura regional, nacional ou universal. Essa cearense de Mombaça, que veio morar no Mato Grosso do Sul, se destacou na cultura das artes, lutou com garra e sabedoria, soube transformar sonhos em realidade, se destacou brilhantemente através da sua escrita e dedicação. Escreveu mais de dez livros e inúmeros artigos, inscrevendo definitivamente seu nome na história da literatura sul-mato-grossense.

“O passado de um povo é a base onde se alicerça o seu presente e, ao mesmo tempo, a mola propulsora que projeta o seu futuro. Um povo sem o registro de seu ontem é um povo sem memória; e o povo sem memória é cego quanto ao seu amanhã” (Elpídio Reis, 1993, p. 5).

Publicada em 1999, a obra Deus quer o homem sonha a cidade nasce – Campo Grande: 100 anos reúne histórias, contadas através de entrevistas, de vinte profissionais, tais como: professores, artistas plásticos, empresários, políticos, dentre outros, que contribuíram para a consolidação da educação e da cultura no Mato Grosso do Sul. A narradora emerge por meio das histórias de vida de cada um desses profissionais, na procura da construção de diálogos, como recorda-


ções de histórias desde o Mato Grosso do passado, até os dias de hoje, como Mato Grosso do Sul. Foram esse grupo de representantes, vindos de vários estados do Brasil, como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, entre outros estados, que se tornaram referências fundamentais na construção da obra de Sá Rosa, que, por se tratar de um conjunto de entrevistas a respeito da história de Campo Grande, possui conteúdo memorialístico, pois apresentam experiências recuperadas a partir de lembranças, com relatos que vão dos primórdios de Campo Grande até o fim do século XX, quando a obra é composta (1999). Alguns desses pioneiros são: José Barbosa Rodrigues, Humberto Espíndola, Pedro Chaves dos Santos Filho, Paulo Coelho Machado, Oliva Enciso, dentre outros, que contribuíram para a consolidação da memória do então estado de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul. Maria da Glória Sá Rosa escreveu depoimentos significativos em questões referentes à criação do estado de Mato Grosso do Sul, revelou a trajetória de cada um desses profissionais, que participaram dos fatos e momentos históricos marcados por gerações, enfrentaram riscos no cotidiano, nas longas viagens ocorridas nesta época, tiveram competência na dinâmica social e cultural do estado, houve alguns relatos na pesquisa, que foram resgatadas de um silêncio criterioso, suas fontes foram coletadas e construídas por meio de entrevistas ou por meio da comunicação. A interpretação dessas “raízes” nos leva a uma representação rica de um passado vivo na memória de cada um que a relembra, como por exemplo, no depoimento do historiador e jornalista José Barbosa Rodrigues, mineiro da cidade de Poços de Caldas, que, aos 27 anos de idade, veio morar no sul de Mato Grossona companhia da esposa, a professora Henedina Hugo Barbosa, e do filho mais velho. Naquela época, junto com sua esposa, trabalharam em vários estabelecimentos de ensino de Campo Grande: “Não fiquei muito tempo no ensino, o salário era pequeno e precisava desdobrar-me para sustentar a família” (apud ROSA, 1999, p. 100). Barbosa relembra a época em que trabalhou no “Jornal do Comércio”: Ao mesmo tempo comecei a publicar meus artigos, um sobre o fim da Segunda Guerra, outro sobre a beleza das linhas do edifício Nacau,


naquele tempo denominado Santa Elisa, do que resultou um convite para trabalhar na redação. Dois anos depois, o diretor Jaime de Vasconcelos convidou-me para redator-chefe (apud ROSA, 1999, p.100).

No ano de 1954, Barbosa Rodrigues fundou o jornal “Correio do Estado”, em Campo Grande. Empresário do ramo editorial, tornouse um dos principais integrantes da vida cultural do Mato Grosso, sendo também autor de obras sobre a história do Mato Grosso do Sul, estado no qual descobriu a “singularidade de uma existência construída a partir da determinação de superar as dificuldades do dia-a-dia” (apud ROSA,1999, p.96). Foram caminhos instigantes, com frutos vindouros na construção da história e da memória de Mato Grosso do Sul. Após a morte de Barbosa Rodrigues, em 2003, suas empresas passaram a ser administradas pelos seus herdeiros, sob a liderança do filho Antônio José Hugo Rodrigues. O grupo também administra a Fundação Barbosa Rodrigues, criada em 1982 com o objetivo de desenvolver projetos sociais e artísticos, resgatando a história do Estado, tornando-se um dos principais projetos da vida cultural sul-mato-grossense. Em outro momento marcante da trajetória de Sá Rosa, na coletânea Memória da arte em Mato Grosso do Sul (1992), ao falar da família Espíndola, a intelectual destaca: “Há em Mato Grosso do Sul uma árvore familiar sustentada pela seiva da arte” (ROSA, 1992, p. 93). Sá Rosa refere-se aos músicos Geraldo, Alzira e Tetê, e também ao artista plástico Humberto Espíndola, que, com sua sensibilidade e talento, completa uma família de artistas “unidos pelo sangue, pelo talento e pelo prazer”(idem). Humberto Espíndola organizou, em 1966, a primeira exposição de artistas mato-grossenses, fundando também a “Associação MatoGrossense de Arte”. Adepto de temáticas regionais, Humberto voltase para a bovinocultura, vista como representativa da riqueza do estado, mesmo provocando estranheza em alguns meios, àquela altura não acostumados com a exploração do tema: Com a certeza desse papel do artista, trabalhei muito até encontrar minha linguagem específica, aquela que pudesse mostrar o meu momento: pintei paisagens em Corumbá, o casório do Porto, mulheres


– uma temática de que sempre gostei muito, rostos, expressões, aquelas coisas mais influenciadas do que criadas. Pintei paisagens surrealistas, penetrei por um caminho mais expressionista, até que começou, na minha cabeça, a relação entre o boi e o dinheiro (ROSA, 1992, p. 251).

Foi a partir da bovinocultura que Humberto Espíndola encontrou o termo para suas pinturas, passou a humanizar o boi, para denunciar a representação do poder da humanidade na sociedade: Os trabalhos de Humberto são painéis narrativos, surgido do seu contacto com a vida. São definições de um universo construído nas linhas geométricas da emoção e da consciência da responsabilidade do artista para com a cidade de, que ele elegeu para viver e que se orgulha de tê-la como seu cantor (ROSA, 1999, p.170).

A trajetória do artista plástico sul-mato-grossense foi longa, dedicou-se a projetos em uma região que ajudou a transformar através de sua arte, assumindo uma imagem de artista sensível ao cenário do “Pantanal Mato-Grossense”. Por isso a divisão do Mato Grosso é retratada em suas telas, como por exemplo, no Óleo sobre Tela intitulado “O sopro”, de 1978, conforme se vê abaixo:


A Divisão do Estado, por que lutou durante longos anos, aconteceu quando estava longe de Campo Grande, o que o deixou frustrado, revoltado, por não estar participando do processo. Em Cuiabá começou a gostar do estado como um todo, quando descobriu a cidade, para cuja Universidade fora contratado, como um lugar, que valorizava o movimento cultural e na qual poderia dar continuidade ao que havia iniciado em Campo Grande (ROSA, 1999, p.177)

Na obra “O Sopro”, Humberto Espíndola buscou mostrara implantação do “Novo Estado”, em 1978, sintetizando a Divisão do estado em uma série de quadros, nos quais a separação política das terras se dá através do boi e de seu “sopro”, dividindo o território e as águas do Pantanal, deixando apenas a lembrança traumática do passado. Humberto Espíndola “permanece em contínuo processo. Surpreende inquieta, supera-se a cada instante” (ROSA, 2001, p.33). Quantas histórias de superação de obstáculos formam a memória do então sul do Mato Grosso do Sul. Existem homens e mulheres de coragem, que se dedicaram à formação de Campo Grande e região, que lutaram por uma vida melhor, hoje, muitos deles, são reconhecidos como representantes do estado. Além de Barbosa Rodrigues e da família Espíndola, outro pioneiro do desenvolvimento de Campo Grande foi o educador Pedro Chaves dos Santos, que, ainda criança, teve de deixar sua terra natal (Ponta Porã) para estudar em um colégio de padres na Colômbia. Sua trajetória e biografia são descritas por Elpídio Reis no volume Pedro Chaves dos Santos (1993). Em Campo Grande, o mundo descortinou ao educador o seu destino. Casou-se e fez-se pai, oferecendo aos seis filhos bons estudos, sendo que um deles, Pedro Chaves dos Santos Filho, seguiu seus passos como educador. Como funcionário da Prefeitura Municipal de Campo Grande, iniciou-se como encarregado da limpeza de jardins na Praça Ari Coelho. Cresceu profissionalmente e foi nomeado a cargos elevados, inclusive dentro do SENAI. De acordo com Elpídio Reis: Partindo de sua condição de criatura que não fez cursos regulares, lembrando-se de seus tempos de homem do campo, de varredor de ruas, de abridor de valas, de limpador de riachos, de seus trabalhos


pesados, enfim, lembrando-se de sua condição de autodidata, chegava sempre à conclusão de que só a educação e a instrução aprimoram as pessoas, estando aí, nesse aprimoramento, em Campo Grande, uma grande tarefa a ser cumprida por alguém que se dispusesse a tanto (REIS, 1993, p.25).

Investir na educação foi uma das prioridades de Pedro Chaves dos Santos depois que se aposentou, e, com a ajuda dos filhos Plínio e Therezinha, que já trabalhavam como professores, e do sócio Sebastião Amaral, seu sonho se concretizou. Assim foi criada a “Moderna Associação Campo-Grandense de Ensino” (MACE). Nas palavras do filho do educador, em entrevista concedida à Sá Rosa: “Nenhuma escola poderá considerar-se digna desse nome, se não estiver alicerçada no ambiente cultural do aluno, refletindo seus hábitos, tradições, jeitos de ser, numa atitude crítica, que estimula o crescimento” (apud ROSA, 1999, p.203). Dando continuidade ao trabalho de seu pai, Pedro Chaves dos Santos Filho desponta como um dos principais pioneiros da educação no Mato Grosso do Sul e, em especial, da cidade que viria a se tornar sua capital: “É uma satisfação poder contribuir para o desenvolvimento de uma cidade, crescer com ela, viver através do trabalho, seus momentos de desafios” (apud ROSA, 1999, p. 215). Outro intelectual que contribuiu para a consolidação da memória do estado foio historiador Paulo Coelho Machado, falecido em julho de 1999. Grande advogado, professor de Direito, escritor e historiador, ocupou a cadeira 21 da Academia Sul-mato-grossense de Letras: Meu maior prazer era percorrer as ruas de bicicleta, sentindo o cheiro da terra, enchendo os olhos do verde das árvores. Gostava dos piqueniques à beira dos córregos, dos açudes em que tomávamos banho, ao lado da família e dos amigos. Havia os carros de aluguel com os pontos, onde ficavam os motoristas, naquele tempo denominado (sic) choferes (apud ROSA, 1999, p. 235).

Paulo Coelho Machado anuncia suas raízes através do apelo às recordações das ruas, seu lugar predileto, especialmente durante os


passeios de bicicleta na juventude, em que catava vidros e os considerava como pedras preciosas, registros de uma memória que, mais tarde, evocaria também histórias da realização dos sonhos de algumas pessoas que contribuíram para a construção do território e da identidade sul-mato-grossenses: Com dois anos, em 1919, vim para Campo Grande. Aqui aprendi as primeiras letras nos diversos colégios da época. Pequenino ainda, gostava de decifrar os letreiros das casas, dos bondes, dos ônibus, nos passeios com minha família pelo Rio de Janeiro (apud ROSA, 1999, p. 233).

As lembranças de vida têm a possibilidade de serem recuperadas através da memória, evocando situações guardadas por muito tempo: “As lembranças vão deslizando, como notas de uma sonata esquecida e de repente recuperada” (ROSA, 1999, p.237). Sempre procurando dar sentido ao passado, Paulo Coelho Machado voltava seu olhar para a formação da história e da cultura do Mato Grosso do Sul. Lembrando-se das atividades econômicas e sociais de Campo Grande no início de sua colonização, Paulo Coelho Machado comenta como eram os festejos do carnaval, em carruagens que percorriam duas avenidas “(...) num vaivém incessante, com moças e rapazes fantasiados a atirarem serpentinas, confetes, lança-perfumes de carro para carro, enquanto os blocos faziam batucados no meio da rua” (MACHADO, 1991, p.13). Não esquecendo “O Relógio”, de uns cinco metros de altura, inaugurada em 1933 e localizada no Centro, no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Calógeras, tornando-se, desde essa época, importante referência de Campo Grande. São registros do passado que apontam para o presente e para o futuro, permitindo serem vistos como “realidade própria do Mato Grosso do Sul, que se tornou um estado com fortes vínculos com seu povo e com sua memória”. Como na história de Oliva Enciso: “Somente a presença de um dom divino explica o jeito de ser e de viver de Oliva Enciso essa mulher pequenina, de aparência frágil, que ajudou a mudar os rumos de Mato Grosso do Sul” (ROSA, 1999, p.245). Professora pioneira na luta pela educação de Mato Grosso e Mato


Grosso do Sul, manteve-se firme nas causas sociais, sobretudo aquelas voltadas para a educação, deu lições de sabedoria por onde passou, “não acumulou fortuna material”, mas rica de generosidade. Ocupou a cadeira 22 da “Academia Sul-Matogrossense de Letras”, tendo participado, através de crônicas e poemas, do “Caderno B” do “Correio do Estado”: As lembranças são marcadas pelas festas religiosas, que preenchiam o vazio resultante da falta de opções. (...) A humildade, um de seus traços distintivos, levou-a ainda adolescente a oferecer-se para trabalhar como servente no Instituto Pestalozzi, de Campo Grande, em troca do pagamento da mensalidade (ROSA, 1999, p. 247).

Dominou todas as tarefas com seu trabalho, registrando na memória experiências entrelaçadas com a vida: “As negativas não figuravam em seu vocabulário, quando se tratava de dar casa, comida, ensino e trabalho a um aluno pobre” (ROSA, 1999, p. 247). Sempre surpreendendo a todos com sua garra, dedicação e capacidade de ser uma boa professora e mestre, foi responsável pela instalação do SENAI e do SESI de Campo Grande, e em 1967 ajudou a fundar a APAE. Cumpriu a missão do homem do seu tempo, dedicando toda sua vida em prol do desenvolvimento da cidade. Segundo Guimarães Rocha, em Grandezas da literatura sul-matogrossense (2011), existe um boletim informativo do SENAI de 1949 que traz a seguinte citação: “Quando se tiver de escrever a história da penetração do ensino profissional no Oeste Brasileiro, haverá necessidade de se omitir um nome de mulher, o de D. OLIVA ENCISO” (ROCHA, 2013, p.106). Nunca se refugiou nos afazeres do dia-a-dia, dedicou-se profundamente a tudo que fez, sem medo dos seus limites: “não acumulou fortuna material. A casa modesta na Rua Barão do Rio Branco, onde vive com sua irmã, foi adquirida através de empréstimos no Banco” (ROSA, 1999, p. 251). Procurando sempre o essencial, seu destino foi traçado para trilhar com sabedoria e paixão pela educação seu compromisso com o próximo.


“De acordo com a Antropologia, cultura é a soma dos bens produzidos pelo homem, em oposição aos produtos da natureza. Essa intervenção do homem sobre os bens materiais, modificando-os, transformando-os, conduz ao dinamismo latente de todas as culturas” (ROSA, 1992, p. 13).

O volume Crônicas de fim de século (2001), de Maria da Glória Sá Rosa, reúne algumas de suas principais crônicas sobre escritores e artistas de sua predileção, e sobre inúmeras viagens que fez ao exterior. Dentre essas crônicas, encontramos homenagens a LidiaBaís, Manoel de Barros, Demosthenes Martins, dentre outros. Na crônica sobre Lídia Baís, intitulada “Artista além do tempo” (2001, p. 16-21), Sá Rosa destaca detalhes de sua biografia, como o fato de ter nascido em Campo Grande em 1900, e de cedo ter conhecido seus dotes de pintora, pianista e compositora. Filha de Bernardo Baís, Lídia foi o primeiro nome “de peso” na história da arte de Mato Grosso: “Desde muito cedo, Lidia Baís iniciou seus estudos e sua ‘peregrinação’ por diversos colégios e internatos religiosos” (RIGOTTI, 2009, p. 29). Saiu muito cedo da casa de seus pais, para estudar em colégios religiosos, e assim descobriu o gosto da liberdade: Não saio de casa, não visito nem sou visitada por ninguém. Em Paris, andava sem medo por toda parte. Atravessava as ruas da margem esquerda e da margem direita do Sena com a segurança de quem é dono do mundo. Convivia com artistas, freqüentava o meio social da época. Atualmente, não conheço mais ninguém. (...) Não sei quem são os pintores de hoje. Só conheço o Espíndola. Ele e Aline fazem muito alarde em torno de minha pessoa, mas é tudo sem fundamento. Não mereço coisa alguma (apud ROSA, 2001, p.18-19).

Segundo Nelly Martins, sobrinha da artista plástica Lidia Baís, “ela conviveu nos maiores centros culturais do Brasil e da Europa do seu tempo”. Cresceu “freqüentando ateliers, museus, igrejas, escolas


de arte e se relacionando com outros pintores, professores e colegas” (apud ROCHA, 2011, p.100). Participou de aulas na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde conheceu o poeta Murilo Mendes. Suas obras são repletas de símbolos da vida brasileira, mas a maior parte delas encontra-se atualmente encaixotada, e a artista “(...) extravasou na arte os sonhos que se perderam na noite dos tempos” (ROSA, 2001, p. 19). A grandeza de sua obra, “essência de uma vida”, só veio a ser reconhecida pelo público depois de sua morte, em 1985. Após a morte de Lídia Baís, todos seus pertences, inclusive as obras, foram divididos entre seus familiares, e a casa, que considerava como seu museu de arte, foi vendido. Todo o acervo cultural da artista foi doado pela família para o estado de Mato Grosso do Sul, através da Fundação de Cultura, e hoje parte de seus quadros podem ser admirados na Morada dos Baís, no centro de Campo Grande. Outro grande artista de Mato Grosso do Sul contemplado no volume de crônicas de Sá Rosa é o “poeta das águas” Manoel de Barros, que “nos brinda” de forma perfeita com os encantamentos transmitidos por seus poemas. Aos 19 anos Manoel de Barros escreveu seu primeiro poema, mas sua revelação poética aconteceu aos 13 anos quando estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, onde descobriu os “Sermões” do Padre Antônio Vieira e se apaixonou pela linguagem usada pelo sacerdote. Com João Guimarães Rosa, encontrou a “renovação do mundo pela linguagem” (ROSA, 2011, p. 36): Para vogarmos (sic) em canoa leve como um selo, desconfiado da arrogância dos que pensam tudo saber, porque, para viver bem, basta apenas um rio e um pouco de árvores. Para ser atingido em todos os poros por uma linguagem única, feita de desvios, que nos leva às melhores surpresas e araticuns maduros, num silêncio tão alto que os passarinhos ouvem de longe. Para descobrir que a poesia é a casa do coração, onde renascemos para o prazer de ver, sentir, tocar o intenso sentimento do efêmero, e assim saboreá-lo em plenitude (apud ROSA, 2001, p.25).

Manoel de Barros consegue dar vida às palavras, criar associações inesperadas, surpreende através de imagens poéticas originais,


usa uma linguagem complicada com a sensibilidade de um universo poético único: “Esse gosto pelos poetas difíceis, cuja leitura produz uma emoção intelectual, um prazer superior, não sei de onde me veio como também não consigo explicar por que nasci poeta” (apud ROSA, 1992, p.51-52). O poeta publicou inúmeros livros de poesia, ganhando vários prêmios literários, foi na década de 1980 que sua poesia passou a ser conhecida, é considerado um ícone da cultura sul-mato-grossense, pela maneira de transformar as palavras em desejos de linguagem natural, enriquecida através da natureza pantaneira, desvendada por seus mistérios. E com o reconhecimento da história de cada um desses grandes poetas e artistas unidos pela luta do Estado, vem o nome do político Demosthenes Martins, que nasceu em outubro de 1894 na cidade de Goiana, Pernambuco, vindo a falecer em março de 1995, em Campo Grande. Demosthenes Martins, aos 16 anos, emigrou para Amazônia, veio para o Mato Grosso na década de 1910 em busca de oportunidades, assim teve chance de fazer história no estado, tornando-se pioneiro do processo histórico numa época onde “constroem a vida no lugar em que se instalam” (ROCHA, 2013, p.45). Aqui se firmou para sempre, sendo definitivamente um dos mais importantes representantes da história política e social de Mato Grosso do Sul: Um nome é mais que uma geografia, uma planície de angústias, uma montanha de sucessos, ou um deserto de solidão. Por debaixo do nome Demósthenes Martins, deslizam rios de generosa entrega, ilhas de tranquilo dever realizado. Esse homem pequeno, que há cem anos pousa o brilho dos olhos azuis sobre a inteligência das coisas, exercita através de longa paciência o segredo de conservar-se imune as misérias do cotidiano, numa batalha contínua a favor do povo e da terra sul-mato-grossense (ROSA, 2001, p.27).

No Mato Grosso, Demosthenes Martins foi homem público, essencial na formação da identidade do estado, escreveu algumas obras literárias (a mais importante, seu volume de memórias intitulado A poeira da jornada), ocupando a cadeira número 5 da Academia Sulmato-grossense de Letras. Considerado cidadão Mato-Grossense pela


Assembleia Legislativa, seus escritos registram dedicação ao desenvolvimento e organização do estado. Demosthenes ocupou quatro prefeituras no estado sem nunca requerer um lote urbano em seu nome, nunca teve, segundo Sá Rosa, a preocupação “em reservar qualquer privilégio para si mesmo” (ROSA, 2001, p. 29). Sempre zelando pelos bens públicos, venceu todos os limites adequadamente, foi reconhecido na luta pelo desenvolvimento do estado, através do trabalho árduo. Além de artistas, escritores e memorialistas, Sá Rosa também dá destaque, em Crônicas de fim de século, a grandes atores nascidos no estado do Mato Grosso do Sul, tais como Rubens Correa e Aracy Balabanian. O primeiro tornou-se um dos maiores atores do Brasil, através sobretudo do contato com “o circo e o cinema”. Sua grande emoção durante a infância foi quando viu um circo pela primeira vez: Segundo suas próprias palavras: “foi para isso que nasci. E, minha vida, sem a possibilidade destes momentos de criação, não teria sentido, nem razão de ser. É com a mais profunda humildade que hoje no cenário de Aquidauana, já posso afirmar. Eu sou o teatro” (apud ROSA, 2001, p. 46).

Ele entregou sua vida ao teatro, construiu sua carreira ao lado do diretor e ator Ivan de Albuquerque, juntos emplacaram seus maiores sucessos, também fundaram uma companhia de teatro e encenaram “um repertório de melhor qualidade” sem se limitar ao teatro, fizeram belos trabalhos no palco, no cinema e na televisão. Rubens Correa morreu em janeiro de 1996, sempre dando ênfase ao seu amor ao teatro e ao palco, fazendo da arte uma extensão de sua vida. Assim como Correa, Aracy Balabanian também, de acordo com Sá Rosa, “muitas vezes desceu nos infernos, onde percorreu os labirintos da Angústia, da desesperança para reerguer-se de alma limpa, revigorada pelo sofrimento, aberto ao amor” (ROSA, 2001, p. 53). Sendo seus pais imigrantes vindos da Armênia, a famílias e instalou em Campo Grande, onde nasceram Aracy e mais sete irmãos. Ainda adolescente, mudou-se para São Paulo, onde cursou Ciências Sociais e a Escola de Arte Dramática, tendo abandonado os estudos de Sociologia para se dedicar exclusivamente ao teatro.


Sua estreia na televisão foi na TV Tupi, em meados de 1968, mesmo contra a vontade do seu pai, tendo se tornado uma das maiores intérpretes no meio artístico, e vivido personagens marcantes no teatro e na TV, tais como o papel de Clarice Lispector em Clarice Coração Selvagem, e, na Rede Globo, a Cassandra do Programa humorístico “Sai de Baixo”: Aracy modela na máscara facial as mais diversas percepções do mundo, “enche de doçura os olhos da gente”, como definiu em crônica o poeta Carlos Drummond de Andrade. A voz expressiva desdobra-se em inflexões que denunciam o domínio da técnica da palavra pela palavra (ROSA, 2001, p.54).

“Aclamada no Brasil inteiro, de forma unânime, pela fama e pela crítica” (ROSA, 2001, p. 54), Aracy Balabanian é hoje uma das artistas mais importantes do teatro nascida em território sul-mato-grossense, ao lado de Rubens Correa e de Glauce Rocha. Outra artista destacada por Sá Rosa é a cantora Teresinha Maria Miranda Espíndola, mais conhecida como Tetê Espíndola, “(...) força viva da natureza no cenário de Mato Grosso do Sul e do Brasil” (ROSA, 2001, p.83): Na voz de Tetê Espíndola, estavam consubstanciados os apelos da terra, do fogo, do ar, e da água. Era como se estivéssemos diante da natureza-mãe, num giro de canções, em que mil instrumentos se faziam presentes nos tons de uma voz que basta a si mesmo: é duzentos, trezentos como queria o poeta Mario de Andrade(...).Impossível qualquer conclusão, visto que só aos que dominam o engenho e a arte a um só tempo, como queria Camões, é concedida a prerrogativa de operar milagres nos domínios da invenção (ROSA, 2001, p.80-81).

Foram muitos os artistas e intelectuais que participaram dos desafios da cultura sul-mato-grossense. Com a divisão do estado, todas essas personalidades descobriram suas identidades, desenvolvendo-se tanto humana quanto economicamente: Com a divisão, instalou-se novo tipo de mentalidade em relação à


Cultura, que passou a contar com seu primeiro órgão oficial, a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, funcionando interligada à Educação à Saúde, ao Esporte e à Ação Social, (...). Deu-se ênfase às produções dos artistas da terra. Campo Grande funcionou como foco irradiador de Cultura, num processo de interiorização, que se preocupou em descobrir e valorizar os talentos locais (ROSA, 2001, p.115).

O estado conquistou símbolos culturais importantíssimos, tais como: o Pantanal, o Trem do Pantanal, o tereré, e lindos ipês nas cores roxo, amarelo, rosa e branco: “cultura é a soma dos bens materiais produzidos pelo homem, em oposição aos produtos da natureza” (ROSA, 1992, p.13).Contou com uma produção artística local, de um movimento “jovem promissor”, a arte do sul de mato grosso segue construindo história com influências e colaborações a favor do movimento pela arte e cultura. Em Mato Grosso do Sul, enfocam-se diversos aspectos ricos em cultura, como a música, a literatura e o teatro regionais, além de associações interessadas na consolidação e divulgação da cultura do estado: Associação Campo-Grandense de Professores, a ACP, consolidou-se com o grande símbolo das lutas de nossos mestres, contra a ignorância, o descaso dos poderosos em relação aos problemas do ensino e, principalmente contra os salários humilhantes, que sempre perseguiram os que fizeram do ensino uma opção de vida (ROSA, 2001, p. 131).

A ACP teve uma grande importância na educação do Estado, tudo era difícil naqueles anos de 1952 a 1995, até a “campanha para a conquista da sede” envolvendo professores e alunos para a coleta de fundos. A história é marcante, voltada principalmente para o cultivo da arte literária e de outras instituições artísticas, tais como a “(...) Casa do Artesão e Colégio Estadual – Referência da memória campograndense” (ROSA, 2001, p. 134). A Casa do Artesão, que desde 1975 expõe e vende artesanatosulmato-grossense, foi tombada pelo patrimônio histórico estadual em 1994, levando ao prazer de um tempo, “para os presentes e futuras


gerações, um bem cultural de grande valor histórico” (ROSA, 2001, p. 137): Muitas vezes, vimà Casa do Artesão, conduzindo visitantes, que faziam questão de comprar cerâmicas cadiueu, toalhas de abrolhos, rendas ou cestas (...). Hoje, vinte anos depois de sua inauguração, a Casa do Artesão é o grande ponto turístico da Capital, que recebe no período de férias cerca de dois a três mil visitantes (ROSA, 2001, p. 137).

A partir de tudo o que foi mencionado, podemos deduzir que aqui foi se formando, aos poucos, um conjunto de manifestações artísticas e culturais, com a contribuição das várias migrações ocorridas em seu território e desenvolvidas pela população sul-matogrossense: “O direito à memória, como parte da concepção de cidadania cultural, indica que todos devem ter acesso aos bens representativos do passado e da tradição” (ROSA, 2001, p. 143). Assim, o estado transformou-se num centro de valorização dos “bens culturais”. Com a divisão dos dois estados, “houve em Campo grande uma explosão de risos, de fogos de artifício, de alegria aprisionada nos círculos rígidos da dependência institucional” (ROSA, 2001, p. 149). O mato-grossense do Sul do estado (hoje sul-mato-grossense), antes da divisão, sofria com o abandono do poder político e dos investimentos econômicos, devido à grande distância da então capital Cuiabá. Isso repercutiu nas manifestações culturais, que tiveram a dificuldade de divulgação semelhante ao distanciamento político: “As cidades de Mato Grosso do Sul sentiam-se isoladas, abandonadas, vistas de longe pelos detentores do poder, que iam e vinham, sem que soubéssemos de onde nem para onde” (ROSA, 2001, p. 150). A partir do dia 11 de outubro de 1977 (data oficial da criação de Mato Grosso do Sul), aos poucos, o estado começa a se desenvolver mais do ponto de vista econômico e, ao mesmo tempo, o povo, de modo geral, começa a se reconhecer como possuidores de uma identidade própria, independente dos mato-grossenses do norte do estado, sentimento que, devido ao longo período de unidade política, muitas vezes foi deixado de lado ou abandonado, mas que, com a divisão, surge como uma necessidade cultural do povo sul-matogrossense, que percebeu “(...) no brilho do dia o mundo se recompor


em cores para a liberdade criar, de ser, de crescer em direção ao futuro” (ROSA, 2001, p.151).Assim o Estado tem hoje como resultado um grande trabalho de dedicação na arte, literatura, poesia, música, etc. Vale a pena ressaltar que o desenvolvimento de uma identidade representativa do estado mobiliza-se através de diversas elaborações culturais em um processo sempre dinâmico e em construção, destacando-se, como vimos na obra de Sá Rosa, artistas plásticos, professores, políticos, escritores e músicos, dentre outros, que se encarregaram de criar e de discutir a identidade sul-mato-grossense, a partir da visão e da compreensão de suas principais manifestações culturais.

Ao longo deste artigo, nosso objetivo foi o de realizar e interpretar um estudo relacionado aos memorialistas do estado de Mato Grosso do Sul, destacados nos livros da professora e escritora Maria da Glória Sá Rosa, com ênfase nas obras Deus quer o homem sonha a cidade nasce – Campo Grande Cem anos (1999) e Crônicas de fim de século (2001), que trazem episódios ligados aos profissionais que contribuíram para o desenvolvimento da história e da literatura sul-matogrossenses. Sá Rosa busca relatos de intelectuais e políticos representativos da cultura do estado, tendo como destaque especialmente a luta pela divisão do Mato Grosso. De várias maneiras percebem-se os mais diversos desafios desses profissionais constituídos por professores, artistas plásticos, escritores, atores, músicos, políticos, enfim, todos que participaram da luta pelo desenvolvimento da região, constituindose o alicerce da cultura do estado de Mato Grosso do Sul. A contextualização na luta desses pioneiros pela melhoria do estado são relatos de acontecimentos e memórias vivenciados por pessoas que se esforçaram para deixar riquezas culturais no espaço estabelecido pela força da tradição, batalharam por projetos para a construção e amadurecimento do estado. Sá Rosa arquivou, mesclou e anotou informações a partir dos mais variados retalhos de textos, alargando os horizontes de pesquisa em torno dos profissionais que se tornaram artistas na área memorialística.


Sá Rosa também registra em suas obras a representatividade existente sobre a riqueza desses historiadores aqui caracterizada, apresenta histórias de quem sempre lutou pela autonomia do sul do Estado, relacionando fatos, gestos e lembranças numa coletânea de textos, recortes, fotografias, pinturas, entre outros. A autora exercita seu trabalho que vai se abrindo frente aos olhos do leitor, conectando, interrelacionando e construindo histórias cujas lembranças teriam permanecido apenas na memória de poucos. As obras pesquisadas, portanto, além da conexão óbvia com a constituição de uma memória do estado, reconhecem a importância desses heróis que deram início a história do Mato Grosso do Sul autônomo, que, através de seus valores, nortearam a formação, a conquista e a construção de uma história de crescimento, adotada como terra natal por todos que aqui chegaram das mais diversas parte do Brasil e do exterior, dentre eles: mineiros, paulistas, gaúchos, pernambucanos, árabes, todos a quem esta terra abriu suas portas e à qual dedicaram sua força de trabalho e identificação pessoal. Maria da Glória Sá Rosa reuniu personagens que fizeram a história do estado e transformou relatos em depoimentos comoventes, permeando o saber da luta com o sabor da vida, sabendo que ainda há muito a ser investigado e pesquisado, que histórias continuem a ser imaginadas, recriadas e encenadas no teatro da memória sul-matogrossense.

BARBOSA, José Rodrigues. Histórias da Terra Mato-grossense. São Paulo: Editora do Escritor, 1983. BARROS, Manoel. Matéria de poesia. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Record, 2001. CARVALHO, Tania. Aracy Balabanian: nunca fui um anjo. São Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005. ESPÍNDOLA, Humberto. O sopro. Óleo sobre tela (1,30 x 1,70 cm). Campo Grande: Museu de Arte Contemporânea, 1978. MACHADO, PauloCoelho. Pelas Ruas de Campo Grande: A Rua Princi-


pal: Campo Grande: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, 1991. PINHEIRO, Alexandra Santos. Vozes femininas na escrita de Maria da Glória Sá Rosa. In: BUNGART NETO, Paulo; PINHEIRO, Alexandra Santos (Orgs.). Ervais, pantanais e guavirais: cultura e literatura em Mato Grosso do Sul. Dourados: Editora UFGD, 2013, p. 145-161. REIS, Elpídio. Pedro Chaves dos Santos. A jornada de um predestinado: Campo Grande, 1993. RIGOTTI, Paulo Roberto. Imaginário e representação na pintura de LidiaBaís. Dourados, MS: UEMS/UFGD, 2009. ROCHA, Guimarães. Grandezas da literatura sul-mato-grossense. Campo Grande: Life Editora, 2011. ROSA, Maria da Glória Sá. Deus quer o homem sonha a cidade nasce: Campo Grande – 100 anos de história. Campo Grande: FUNCESP, 1999. ROSA, Maria da Glória Sá; DUNCAN, Idara; MENEGAZZO, Maria Adélia. Memória da arte em Mato Grosso do Sul: histórias de vida. Campo Grande: CECITEC/UFMS, 1992. ROSA, Maria da Glória Sá. Crônicas de fim de século. Campo Grande: Editora UCDB, 2001. ROSA, Maria da Glória Sá; NOGUEIRA, Albana Xavier. A literatura sulmato-grossense na ótica de seus construtores. Campo Grande: Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, 2001. http://www.acletrasms.com.br/materia.asp?ID=249. Acesso em 23-122013. http://www.capital.ms.gov.br/arca/canaisTexto?id_can=4019. Acesso em 23-12-2013.


1

“[...] a identidade nunca existe a priori, nunca é um produto acabado; sempre é apenas o processo problemático de acesso de uma imagem de totalidade”

Análise do conto El viejito (Poincaré) de Hélio Serejo, busca mostrar o universo fronteiriço Brasil/Paraguai, assim como os traços da cultura sul-mato-grossense resultante desse hibridismo cultural e mestiço tão bem demonstrado em suas obras, ademais discussões em torno das formas de inter-relação cultural, diversas formas de memória, o autor expõe uma sensibilidade com os problemas ligados a desterritorialização e através do seu trabalho de observação consolida em textos escritos as estruturas orais, e na perspectiva de suas observações preenche um histórico na memória. Palavras-chave: Hélio Serejo, hibridismo, mestiçagem, bilinguismo.


O

Estado de Mato Grosso do Sul é uma região fronteiriça com os países Paraguai e Bolívia e, também, lindeira com relação aos grandes centros nacionais brasileiros. O que proporciona constantes trânsitos entre as fronteiras nacionais e internacionais. Essas constantes travessias e passagens apontam para a hibridez multicultural do Estado de Mato Grosso do Sul, hibridez esta que estará difratada não apenas na cultura sul-mato-grossense, mas, também, na produção artística. Esses constantes trânsitos nos leva a pensar nas migrações, nos diálogos fronteiriços como instrumentos de estudo para compreensão e disseminação de discursos que se apoiam em termos como exílio, diáspora, viagem, territorialização e desterritorialização. Esses espaços considerados locais próximos da divisa Brasil/Paraguai como: Ponta Porã, Caarapó, Nioaque, Bela Vista , Mundo Novo, Rio Brilhante constituiu o nicho de idas e vindas de muitos escritores nacionais. Hélio Serejo, por exemplo, entre tantos outros como Lobivar Matos, Raquel Naveira, Manoel de Barros, Emmanuel Marinho é um dos escritores dessa região que procurou resgatar paisagens, histórias, memórias ligados a cultura o que caracteriza-o como um escritor regional de zonas fronteiriças e de travessias entre as fronteiras que circundam o Estado de Mato Grosso do Sul. O escritor Hélio Serejo nascido em Nioaque, desde sua infância viveu e conviveu na cidade fronteiriça, Ponta Porã, convivendo com peões ervateiros, fruto do trabalho de seu pai onde entrou em contato com a exploração de muitas atividades desenvolvidas na fronteira. Esta vivência no campo, com os galpões crioulos, com a paisagem sertaneja, foram temas refletidos na produção literária de Hélio Serejo, o que fazem dele um escritor regionalista. Acerca desse regionalismo registra Lins (1996,p.24) que “os seus livros não são apenas compostos de lendas, crônicas, poesias sertanejas. Há também histórias verdadeiras como aquela do Homem Mau de Nioaque”, que, certamente,


ele ouviu contar quando era criança e a pesquisou depois de grande”. Outros estudiosos da literatura sul-mato-grossense referem-se a Hélio Serejo como “Mestre do Regionalismo”, dentre outros, Gomes (1983, p.73), que registra a predileção do escritor principalmente pelo folclore, pelo homem o” [...]carreteiro, o carreiro, o tropeiro, o boiadeiro, o roceiro e o fronteiriço de poncho – puitã, sugador de chimarrão ou de tereré.” Estudioso como Santos (2012, p.60) ao realizar pesquisas sobre fronteiras e cultura explica que a obra de Hélio Serejo “constitui manifestação literária das mais importantes da região, e a que de forma mais completa se voltou para o registro da história e da vida na fronteira Brasil/Paraguai”. Reconhece o pesquisador que obras como a do escritor Hélio Serejo é um imenso painel de análise de aspectos múltiplos de questões tanto da linguística como da literatura e cultura. Em 2008, o Instituto Histórico e Geográfico do Mato Grosso do Sul publicou as Obras completas de Hélio Serejo – autor que maior número de obras escreveu no estado. Os temas são relativos ao povo, seus costumes, tradição, história, folclore, mitos, lendas e muitos ou­tros que nos servirão de base para a análise de uma cultura que se constituiu oralmente e o conto El viejito (Poincaré) está presente no livro 30, Pelas orilhas da fronteira, obra organizada por Hildelbrando Campestrini como forma de resgate dessas memórias.

Uma das características de Hélio Serejo sem dúvida é o bilingüismo na forma da escrita, como o autor é um sujeito de muitas idas e vindas à região fronteiriça, isso é normal que ocorra em suas obras, como o próprio título nos mostra E viejito (Poincare), e no desenrolar do conto isso fica claro, Hélio Serejo, conseguiu captar o espírito do homem fronteiriço, no seu falar mesclado e peculiar, próprio da fronteira Brasil/Paraguai. Contemporaneamente, essa linguagem tem sido nomeada de portunhol. ...um platazo bien surtido que, para isso, dom Quevedo era de prodigalidade elogiada por todos... ...Encorajava para montagem de um trabalho, de buena produción,


semanalmente... ...Cravou, demoradamente, os olhos na paisagem e exclamou: -Yporâ itereí...(SEREJO,p.105,106.V 5, 2008)

Considerando que num espaço territorial existem várias comunidades linguísticas, levando em conta grupos sociais, idade, tipo de profissão etc., as variedades linguísticas são ainda mais acentuadas quando o espaço faz divisa com outro país. Dessa forma as variações linguísticas são inevitáveis. Nesse sentido nos escreve Calvet: “É comum existir uma variação linguística em qualquer grupo de indivíduos levando em conta as diferenças de classes sociais. Esse leque se abre ainda mais quando se trata de um estudo do vocabulário de uma sociedade bilíngue”. (CALVET, 2002).

No caso dos ervateiros que trabalhavam nessa região fronteiriça, além da fala sofrer interferências do português, ocorre o bilinguismo por conta do espanhol e do guarani, oralidades essas retratadas nas obras de Hélio Serejo. Serejo soube retratar como poucos a realidade dos ervais, sua cultura, suas tradições, sua fala, por isso suas obras sendo de ficção ou não, são consideradas memorialistas, recheadas de informações resultante de suas observações.

Como todo autor que vive em região fronteiriça, Hélio Serejo não foge a regra e isso fica retratado no conto El viejito (Poincaré), onde conta episódios acontecidos na cidade de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, e essa narrativa é composta de episódios acontecidos nas rancharias dos ervais, e que somente um sujeito que vive em trânsito entre essas regiões saberia descrever tão bem como Serejo descreve. Em seu discurso de posse na Academia Mato-Grossense de Letras, em 1973, Hélio Serejo declara em forma poética intimidade com a fronteira: Eu sou o homem desajeitado e de gestos xucros que veio de longe. Eu


sou o homem fronteiriço que na infância atribulada recebeu nas faces sanguíneas os açoites desse vento, vadio e aragano, que, no afirmar da lenda avoenga, nasce nas terras incaicas, no recôncavo do mar, varre o altiplano boliviano, penetra o imenso aberto do Chaco Paraguaio, para depois, exausto do bailado demoníaco, numa cólera e estrupício de tormenta, arrebentar, cortante e gélido, na cidade de Ponta Porã, a Princesa da Fronteira, sentinela avançada das terrarias mato-grossenses (REIS, 1980, p. 16).

As obras de Hélio Serejo são consideradas muito importantes para os regionalistas e estudos culturais pelo fato de suas obras serem voltadas para uma região cultural do extremo oeste do Brasil revestida de hibridez, carregadas de elementos informativos e de registros dos mais singulares episódios relacionados aos costumes, festas, cantigas, folclore, questões sociais, de significativa importância para estado de Mato Grosso do Sul. Com abundância de detalhes e saudosismo o escritor reconstrói cenas de um tempo passado, em forma de memórias e recupera desde a procedência do homem dos ervais até o vocabulário relacionado a essa atividade econômica no conto El viejito (Poincaré). Essa mistura de linguagem que Hélio Serejo faz nas suas obras é o resultado de um escritor/sujeito híbrido, onde se encontra traços do espanhol, guarani, do linguajar gaúcho e português, resultante numa linguagem fronteiriça. Assim: As palavras de origem ameríndia que infiltram suas obras constituem uma característica extremamente relevante, suscitando a intenção de harmonizar e equilibrar os valores sociais impostos, pois a língua híbrida é muito mais do que um recurso poético ou um estilo do autor; é, acima de tudo, um instrumento de denúncia, de sobrevivência e garantia da posteridade de uma dada realidade porque nela o registro da história se faz possível. Como se pode negar a importância de uma escrita literária de caráter híbrido uma vez que três quartos da população do planeta têm suas vidas marcadas pela experiência do colonialismo? (BARZOTTO,2009).

O hibridismo trata de temas que interessam e faz parte dos estu-


dos de Stuart Hall(2003) e Homi Bhabha(2007) pelo fato de discutir questões de cruzamento entre pessoas. É possível existir cruzamentos dentro de um mesmo espaço territorial? Acreditamos que a trajetória de vida de Hélio Serejo proporcionou esse tipo de cruzamento a medida que teve contato com diferentes povos de regiões fronteiriças o que pode gerar negociações de ambivalência e incompatibilidades. Quando duas culturas são colocadas em destaque sempre haverá choque no processo de adaptação gerando um hibridismo conforme explica Homi Bhabha (2007) que o processo de tensão entre duas culturas, não que obrigatoriamente deverá surgir uma nova cultura, mas trata de uma acomodação entre duas culturais distintas. Esses estudiosos buscam compreender o hibridismo dentro das negociações entre ambivalência e incompatibilidades como um processo “agonístico” e “antagonístico’’ e o resultado desse processo que obtemos as diferenças culturais sejam observadas, produzindo assim, um discurso híbrido. O híbrido pode ser considerado também como mestiçagem, o cruzamento de raças diferentes de maneira que considere a inferioridade entre os seres humanos. A literatura aponta para uma discussão acerca da mistura de raças (séc. XIX) não muito frutífera tanto que foi deixada de lado. A voz dessa linha de raciocínio pode ser exemplificada em “Um parêntesis irritante”, no livro Os sertões, de Euclides da Cunha conforme : [...] E o mestiço [...] menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores. Contrastando com a fecundidade que acaso possua, ele revela casos de hibridez moral extraordinários: espíritos fulgurantes, às vezes, mas frágeis, irrequietos, inconstantes [...], feridos pela fatalidade das leis biológicas, chumbados ao plano inferior das raças menos favorecidas. (CUNHA, 1996, p. 91).

Com os estudos da crítica literária a disseminação da noção de hibridismo ganha novas forças com o qual hoje lidamos, ou seja, aqueles indivíduos que por força do contato passam a existir como sujeitos híbridos. Um processo cultural, que se denomina de agonístico, por permanecer em sua indecidibilidade (HALL, 2003, p. 74). Os estudos de Hall (2003) e Bhabha (2007) sobre o hibridismo,


em certa medida diferenciam do que explica Canclíni (2011), no momento em que os dois primeiros concentram suas análises no choque de cultura quando em contato mas o resultado esperado chega no entendimento entre as culturas. Por exemplo, o contato da cultura do índio com sujeitos locais ou regionais acabam trazendo um sujeito de adaptação cultural. As explicações de Canclíni sobre hibridismo são bem aceitas tanto no campo da arte como na cultura e críticos literários. Esse estudioso recorre a produtos culturais indígenas como: artesanato, música, cinema, entre outros artefatos, para explicar a acomodação e o entendimento entre culturas no mercado de trabalho. Stuart Hall (2003) vai à diante na discussão e explica o hibridismo a partir do fundamentalismo, diáspora e hibridismo: Algumas pessoas argumentam que o “hibridismo” e o sincretismo fusão entre diferentes tradições culturais – são uma poderosa fonte criativa, produzindo novas formas de cultura, mais apropriadas à modernidade tardia que às velhas e contestadas identidades do passado. (HALL, 1999, p. 91).

Neste artigo analiso apenas o conto El viejito (Poincaré), mas como toda obra escrita por autores híbridos como Hélio Serejo, considerado um mestiço de verdade, ele apresenta todos os traços da cultura sul-mato-grossense retratando paisagens da fronteira, sua lida diária nos ervais, a convivências de homens de várias nacionalidades e etnias, refugiados de guerra, seus lamentos, sabores e dissabores.

Ao analisar o conto El viejito (Poincaré), de Hélio Serejo, foi possível observar os traços da cultura sul-mato-grossense na sua narrativa, assim como rastros de bilinguismo resultante de um sujeito híbrido e mestiço como é Hélio Serejo. A efervescência da cultura que permeia as obras de Serejo, sucinta em nós professores o desejo de estudos para conhecer não só a trajetória de vida do escritor como valorizar a questão cultural do nosso estado. Assim, enquanto pro-


fessora, nascida num espaço fronteiriço, despertou em mim focalizar esta análise na questão da cultura, recuperando ao mesmo tempo a minha identificação assim como desvendar a identificação do escritor em estudo, uma vez que, esse autor em suas idas e vindas em regiões fronteiriças manteve contato com diferentes povos, influenciando tanto a cultura regional, como consolidando uma cultura dentro de um espaço de tempo na história. Entre idas e vindas, temos conhecimento de depoimentos do próprio autor, de que a fórmula para essa documentação está nos registros em seus “cadernos de apontamentos”, realizados por ele durante a sua convivência com o trabalho na propriedade do seu pai, conforme explica Teno ( 2003) em sua dissertação de mestrado, intitulada “Um estudo do vocabulário da erva mate em obras de Hélio Serejo. À partir dessa finalidade busquei explorar a constituição da cultura sul-mato-grossense pelo viés do hibridismo e neste sentido, Tânia Carvalhal, em texto apresentado no encontro da Latin American Studies Association, em 1998, em Chicago, observa que: A aproximação de literaturas e culturas de contextos diversos [...] permite distinguir o que é diferente [e] também favorece o conhecimento das bases comuns, isto é, permite a descoberta da existência de laços e de raízes, de um ethos cultural, que funda uma comunidade. Simultaneamente, sublinhando o contextual, ou seja, o que faz veicular as culturas através das literaturas, coloca-se em evidência a alteridade, ou em outras palavras, a marca da diversidade. Deste modo, o lugar de onde se fala, associado ao lugar onde se está na cultura, torna-se, mais uma vez, categoria distintiva que orienta o procedimento comparatista.(CARVALHAL, 2000, p. 13).

Dentro dessa pauta, Eduardo de Faria Coutinho, com muita propriedade, assevera que: [...] a grande contribuição que o comparatismo recebeu dessa espécie de geocultura foi o redimensionamento do espaço abordado nos estudos literários, que levanta indagações sobre conceitos tradicionalmente aceitos como o de “nação”, que é relativizado pela superposição


de outros como o de ‘região cultural’ ou pela inclusão de noções como a de “fronteira”, “zona” ou “centro cultural”, que levam à construção de uma nova cartografia literária. O questionamento do conceito de “nação”, disseminado, sobretudo, a partir do impacto da publicação de Comunidades imaginadas, de Benedict Anderson, afetou de tal modo os estudos comparatistas que ampliou em muito a idéia de “comparatismo interno”, que tem como referência uma região intra ou internacional. A esses pontos some-se ainda o enorme impulso que tiveram nas últimas décadas os estudos de literatura de viagem, que chegam a formar atualmente uma área específica de pesquisa (COUTINHO, 2012, p.).

Diante disso, foi possível notar neste conto El viejito (Poincaré), de Hélio Serejo, uma hibridização cultural, e um romper com a objetividade sociológica, concentrando-se mais na subjetividade, no sentido de examinar a cultura em relação a vidas individuais, e Serejo transcreveu em seus apontamentos a oportunidade para a criatividade individual e coletiva, reacendendo o interesse do Outro.

BARZOTTO, Leoné Astride. Interfaces Culturais: The Ventriloquist’s Tale & Macunaíma. Tese de Doutorado, Londrina, 27 de novembro de 2008. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.uel.br/document/ ?code=vtls000146842. Acesso em 15 de dezembro/2014. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007. CANCLÍNI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4.ed. São Paulo: Edusp, 2011. CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002. CARVALHAL, Tânia. Lugar e função da literatura comparada nos processos de integração cultural. GLÁUKS – Revista de Letras e Artes /UFV. Viçosa, n. 4, p. 13-14, jan./jun. 2000.


COUTINHO, Eduardo F.2012COUTINHO, Eduardo Faria. Literatura Comparada: raízes, rumos, perspectivas. Organon (UFRGS), v. 27, p. 275-285285, 2012. CUNHA, Euclides da. Os sertões: campanha de Canudos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. GOMES, Otavio Gonçalves. A poesia de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Impressão Resenha Tributária, 1983. HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG: Representações da UNESCO no Brasil, 2003. LINS, Jose Pereira. Sublime poema: cintilações da alma poética de Hélio Serejo. REIS, Elpídio. Os 13 pontos de Hélio Serejo. Rio de Janeiro: Folha Carioca Editora, 1980. SANTOS, Paulo Sérgio Nolasco dos. Entretextos: critica comparada em literaturas de fronteiras. Campo Grande. Life Editora, 2012. SEREJO, Hélio. Obras completas. Hélio Serejo (org.). Hildebrando Campestrini. Campo Grande/MS: Instituto de História e Geografia de Mato Grosso do Sul, 2008. TENO, Neide Araújo Castilho. Um estudo do vocabulário da erva-mate em obras de Hélio Serejo.Tres Lagoas:UFMS,2003(Dissertação de Mestrado).


Todos nós conhecemos vários tipos de atores: os de cinema, os de televisão, os de teatro, os de circo, porém há outro tipo de ator a quem as pessoas não se referem: o ser humano. Este ator em especial representa vários papéis ao longo de sua vida. Um deles, para muitos de nós, é o de professor. O professor-ator representa para uma plateia específico: os alunos, com um objetivo também específica seduzi-los para que haja êxito no processo ensino-aprendizagem. O presente artigo aponta para as contribuições deste professor-ator no processo educativo. Da mesma forma, ressalta o tipo de relação estabelecida com os alunos, a partir do ponto de vista, tanto do professor, como do aluno. Trata-se de uma abordagem fenomenológica sobre a relação professor-aluno e suas consequências para o processo de ensinoaprendizagem. Professor; ator; educação.

For such a long time we have known a great variety of actors: from cinema, from TV, from theatre, from circus. Other wise there is another one to whom people does not pay attention: the human being. This kind of actor supports a lot of characters for all his life. One of them is the teacher. The teacher-actor, as I call him, represents for a


peculiar audience - the students - with an especial purpose seduce them for they have exit in teaching and learning process. This article shows us contributions from the teacher-actor to the educative process. It also emphasizes the kind of relationship between teacher and student from their points of view. It is a phenomenological approach about relationship between teacher and student and its consequences for teaching and learning process. Keywords: Teacher; actor; education.

A

arte tem sido proposta como instrumento fundamental de educação, o que ocupa historicamente diversos papéis desde Platão, que a considerava como base de toda a educação natural. O teatro, como arte, foi formalizado pelos gregos, passando dos rituais religiosos, que eram simbolizados, para o espaço cênico organizado, como demonstração de festividades, cultura e conhecimento. É, por excelência, a arte do homem, e exige a sua presença de forma completa: seu corpo, sua fala, seu gesto, manifestando a necessidade de expressão e comunicação. Nesse contexto, faz-se necessário conceituar o teatro, que, segundo Oliveira (1998, p.57) é: A arte dramática é um objeto semiótico por natureza. O conceito do que entendemos hoje por teatro é originário do verbo grego “theastai” (ver, contemplar, olhar). Tão antiga quanto o homem, a noção de representação está vinculada ao ritual mágico e religioso primitivo. Acredita-se que o teatro nasceu no instante em que o homem primitivo colocou e tirou a máscara diante do espectador, com plena consciência do exercício de “simulação”, de “representação”, ou seja, do signo.

Segundo Hollanda (1999, p.204), arte é a: “capacidade que tem o ser humano de pôr em prática uma ideia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria, e cênico é tudo aquilo relativo a cena, disposição e jogo”. Sendo assim, artes cênicas são todas aquelas atividades desenvolvidas por pessoas em um palco ou local de representação para um público. Muitas vezes essas apresentações das artes cênicas podem


ocorrer em praças e ruas. Assim podemos dizer também que esse palco pode ser improvisado. Temos, ainda, uma definição que traduz o objeto maior de nosso estudo: “A palavra teatro abrange ao menos duas acepções fundamentais: o imóvel em que se realizam espetáculos é uma arte específica, transmitida ao público por intermédio do ator” (PÁVIS, 1999). No surgimento do teatro, na Grécia, a arte era representada, essencialmente, por duas máscaras: a máscara da tragédia e a máscara da comédia. Aristóteles, em sua Arte Poética, para diferenciar comédia de tragédia diz que enquanto esta última trata essencialmente de homens superiores (heróis), a comédia fala sobre os homens inferiores (pessoas comuns). O teatro, através de atores vivos, representa uma história, uma trama, um enredo, uma criação imaginária, como se ela estivesse acontecendo de novo naquele momento. A arte do teatro é tão viva e pictórica que se torna acessível a todos, do professor ao camponês, do jovem ao velho (STANISLAVSKI, 2004). Essas ideias foram, em parte, incorporadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental – PCNs - que valorizam tanto a manifestação espontânea quanto a interação simbólica com a realidade, por meio do acesso à literatura e às formas de arte da comunidade, com o exercício consciente e com o fomento à leitura crítica. A função do teatro, de acordo com os PCNs, está relacionada com a organização estética através da integração entre imaginação, percepção, emoção, intuição, raciocínio e memória; com a apreciação crítica dos conteúdos culturais; com a socialização e convivência democrática; com a cooperação, diálogo, respeito e aceitação das diferenças. Ao final, o PCN, no volume 6, sobre arte, enfatiza o teatro como “expressão e comunicação”, como “produção coletiva” e como “produto cultural e apreciação estética”. O teatro busca a transformação dos atores e da plateia: assim sendo Brecht (s/d) apud Fischer (2002, p.14) afirma que: Nosso teatro precisa estimular a avidez da inteligência e instruir o povo no prazer de mudar a realidade. Nossas plateias precisam não apenas saber que Prometeu foi libertado, mas também precisam fa-


miliarizar-se com o prazer de libertá-lo. Nosso público precisa aprender a sentir no teatro toda a satisfação e a alegria experimentadas pelo inventor e pelo descobridor, todo o triunfo vivido pelo libertador.

Percebemos, então, que o objetivo do teatro não é apenas a contemplação, mas sim o proporcionar ao sujeito uma revolução interna e levar a plateia não só à reflexão, mas também a uma nova opinião. O teatro não é um instrumento de mudança. Ele pode ser a própria mudança, ao fazer um elo do ator, aluno e professor vemos que estes traçam caminhos semelhantes, reinventando, experimentando e buscando ações e estratégias para aprimoramento de práticas, ensino e aprendizagem. O trabalho do professor e do artista não mais está sendo considerado “lampejos de inspiração”; ele se tem fundamentado em inúmeros estudos: Para conseguir ser um artista, é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma. A emoção para um artista não é tudo; ele precisa também saber tratá-la, transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos, formas e convenções com que a natureza – esta provocadora – pode ser dominada e sujeitada à concentração da arte (FISCHER, 2002, p.14).

Na relação professor/aluno uma das questões de maior importância está relacionada com o não ser tutor e sim mediador. É a possibilidade de o professor estimular a autonomia, a autoria e a criatividade nas relações com o sujeito que deve ser estimulado a aprender. Necessitamos dominar emoções e habilidades a todo o momento, assim faz-se uma analogia do sujeito/professor com o sujeito/ator, ambos devem mostrar criatividade, emoção, intelectualidade, desenvolvimento satisfatório nas ações, memorização e compreensão das coisas. Esse exercício constante é experimentado a cada nova abertura de cortina, a cada aula ministrada quando, no que já foi apresentado, não há mais possibilidade de mudanças, é preciso que ambos busquem sempre uma nova respiração, uma nova inspiração, uma


nova expressão, um novo método, um novo tempo. Dessa forma: A principal diferença entre a arte do ator e as demais artes reside no fato que os outros artistas (cujo trabalho prescinde da representação diante de um público) podem criar sempre que tiverem inspirados. O artista do palco, porém, deve ser o senhor de sua própria inspiração e precisa saber evocá-la na hora exata anunciada pelos cartazes do teatro (STANISLAVSKI, 2004, p.32).

Ou seja, tanto o ator quanto o professor, sempre serão o grande foco, o ator do teatro, e o aluno da escola, ambos podendo ser amparados pela arte teatral. Todo o resto é acessório para o auxílio de apreciação. A maior parte das teorias relativas ao ator resulta de manuais sobre técnicas particulares de representação, assim é o cotidiano do professor, este deve permanecer sempre em busca de possibilidades, para que sua desenvoltura na estimulação do ensino seja satisfatória, abrindo caminhos para que o sujeito torne-se um ser crítico, no qual saiba impor e discutir sua visão e opiniões sobre determinados assuntos. Nessa busca conceitual e de oferecer fundamentos, destacase a atualidade dos problemas e sugestões implementadas pelo dramaturgo Bertold Brecht, os conceitos do filósofo Denis Diderot e a sistematização completa do ator-diretor Constantin Stanislavski. As inúmeras possibilidades de criações artísticas em um palco, ou em qualquer ambiente que busque realizar apresentações artísticas, proporciona ao espectador críticas subjetivas de acordo com sua formação cultural. A arte é um fenômeno que, por definição, só tem compromisso com sua própria forma e conteúdo. Sua fruição, a partir de determinado grau de sofisticação, exige do expectador uma função intelectualmente ativa e um mínimo de repertório próprio. A produção comercial de teatro é uma atividade mercantil como qualquer outra, cujo objetivo é auferir lucro (NESTROVSKI, 2002, p.23).

É através da presença física do ator que o autor manifesta-se, assim acontece na sala de aula, o professor precisa da interação e participação do aluno na aula, as ações futuras do professor depende


da resposta dos alunos, nessa hora o aluno funciona como plateia, e o professor como um ator, este faz uso de vários recursos para que sua “plateia” se satisfaça. No teatro a plateia deseja ser enganada. Para tal, o ator usa diversos recursos, tudo para que a cena tenha a autenticidade própria. O espetáculo não perde a magia, mas esta não é utilizada para entorpecer, anestesiar, e sim para conduzir a uma compreensão, ao entendimento, ao esclarecimento, à descoberta, enfim, à consciência. O teatro e a escola encontra, assim, um campo aberto para experimentações. A cena passa a ser encarada como manipulável e transformável, e não como natural. O teatro não esconde que é teatro (fábula, demonstração, narração), nem tem como maquiar o ensino e desenvoltura do professor em sua prática (BRECHT, 1967). O teatro e a escola são fenômenos sociais, portanto as técnicas e metodologias usadas em ambos os espaços são mutáveis, pois elas são, acima de tudo, técnicas de comunicação, e este se altera para atender às necessidades de tempo e de espaço. A prática de lecionar não se confunde com o dito à cima, pois o professor busca a todo o momento novas técnicas, metodologias e didáticas a fim de propiciar o conhecimento ao sujeito, neste sentido, distante de uma mera transmissão de conhecimento, a sala de aula deve proporcionar a troca de informações entre todos os envolvidos na busca de novos saberes. Para além de discursos racionalistas, pautados na transmissão do conhecimento restrito ao domínio do saberfazer técnico, a escola deve investir em projetos comprometidos com uma educação comprometida com o desenvolvimento das capacidades do estudante em todas as suas dimensões cognitivas, estéticas e sensíveis. Nesse cenário, a arte apresenta um papel importante, em primeiro lugar, porque ao considerar-se o processo de aprendizagem dos sujeitos, valorizasse a sua subjetividade e, em consequência, sua potencialidade linguística e percepção estética. (OLIVEIRA, 2008b, p. 259)

No teatro, exige-se dos atores, sempre relativos ao seu tempo e época, diversas formas de atuação. Diderot, um filósofo do século XVIII, afirma que: “É a extrema sensibilidade que faz atores medíocres;


é a sensibilidade medíocre que faz a multidão dos maus atores; é a falta absoluta de sensibilidade que prepara os atores sublimes” (CARVALHO, 1989, p.66). Hoje, alguns autores buscam novas formas, tentando oferecer aqueles que representam mecanismos para sua criação. Sobre isso, Spolin (2005, p.22) afirma que: “Uma barreira artificial é estabelecida quando as técnicas estão separadas da experiência direta. Ninguém separa o arremesso de uma bola, do jogo em si”. Todos nós conhecemos vários tipos de atores: os de cinema, os de televisão, os de teatro, os de circo... Cada um deles tem o seu lugar definido para desempenhar seu papel. Porém há outro tipo de ator a quem as pessoas não se referem, o professor-ator. Se todos nós, meros mortais, representamos papéis, da mesma forma que os atores representam personagens; se para cada situação representamos um ou mais papéis; se o professor é também um mortal e, corno tal, representa papéis; então, o professor é um ator. Propondo ainda que o ator exemplifique, com suas emoções, os sentimentos de suas personagens, observa-se que no aporte de Spolin (2005, p.13): As técnicas teatrais são artifícios mecânicos. Quando o ator realmente sabe que há muitas maneiras de fazer e dizer uma coisa, as técnicas aparecerão a partir do seu total, pois é através da consciência direta e dinâmica de uma experiência de atuação que a experimentação e as técnicas são espontaneamente unidas, libertando o aluno para o padrão de comportamento fluente no palco.

Já o russo Constantin Serguéievitch Alexéyev, que adotou o nome para o teatro de Stanislavski (1863-1938), influenciou profundamente o teatro contemporâneo, sobretudo por sua teoria para a composição da personagem, que, no conjunto, trouxe rigor, autenticidade e veracidade ao trabalho de ator. De acordo com Carvalho (1989), Stanislavski elaborou progressivamente suas teorias fundamentadas numa análise psicológica do comportamento do ator buscando despertar sua inspiração, e a procura desse despertar ocupará toda a sua vida. Para tanto, recorreu à investigação científica, à psicologia experimental e aos métodos


parapsicológicos da ioga. O sistema de Stanislavski divide-se em dois grandes momentos: 1) o trabalho do ator sobre si mesmo; 2) o trabalho do ator sobre a personagem. O primeiro momento passou a ser o centro do sistema e a condição para chegar ao segundo. Desse modo, percebe-se que o ator possui diversas ferramentas as quais utiliza no processo de carpintaria teatral, porém isso exige que o mesmo tenha o devido preparo corporal e uma percepção aguçada. Toda atividade que o indivíduo desempenha frente a um grupo particular de observadores, ou frente a si próprio, e que exerce sobre os espectadores algum tipo de influência. No que diz respeito a abordagem por mim desenvolvida, considero esta influência como sendo o próprio jogo da sedução utilizado pelo que chamo de professorator. Ainda de acordo com Goffman, plateia compreende os participantes que contribuem com o “desempenho” de um participante particular. Isto justifica a opção feita, por considerar a relação professor -aluno em termos de ações sociais, pois também as ações do ator dependem das ações da plateia e vice-versa. Em linhas gerais, o que podemos esclarecer sobre o trabalho do ator é que ele abrange, além da análise teórica de textos, duas fases práticas distintas:

 a primeira circunscreve-se à preparação do seu instrumental cênico, englobando fundamentalmente corpo, voz e emoção;

 a segunda refere-se ao ato criativo propriamente dito: a criação de um papel específico em uma encenação.

Stanislavski (2005, p.365) enfatiza que “as leis da natureza se impõem a todos. Ai daquele que as infringir”. Com Stanislavski a criatividade do ator não é mais um truque de ideias; ela propõe-se ser o condutor da “concepção e nascimento de um novo ser”. não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esse que-fazer se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino contínuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, por-


que indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE,1996, p. 32)

A argumentação acima dá a convicção de que tanto no teatro quanto na escola, seja importante a relação dialógica entre professor/ aluno e aluno/aluno, diretor/ator e ator/ator, no ensino e aprendizagem e na reelaboração de ações e práticas. Nessa relação, ressalto que todos os envolvidos devam respeitar as individualidades na diversidade, numa perspectiva de elaboração e reelaboração de conceitos, valores humanos que interferem nas relações sociais. Assim, em busca da “novidade” que o conhecimento pode nos proporcionar busquei na pesquisa sistematizada o embasamento científico, fundamentando em bibliografias específicas de Pedagogia do Teatro e da Educação associadas ao estudo de campo realizado no contexto da escola pública. Tal como no teatro a expressão de toda ação dramática está polarizada na personagem, também a nossa discussão sobre a ação central do processo ensino-aprendizagem - a relação professor-aluno precisaria incidir numa personagem: a que o professor/ator se atribui, quando, como professor/ator, desempenha seu papel. Roubine (1982) ressalta que o ator foi, durante um longo período, objeto de fascinação e até mesmo de idolatria social, além do que o ator parece pertencer a um universo mágico; afirma ainda que o ator sofre uma desvantagem insuperável com outros artistas: a sua obra é efêmera, pois se pode ler hoje a “Fedra”, que Rascini escreveu em 1677, mas jamais veremos Sarah Bernhartd no papel título: É próprio do ator ser ao mesmo tempo um e múltiplo. Ele dá a cada um dos seus papéis a sua própria “griffe”, ao mesmo tempo, se metamorfoseia de acordo com o que cada um desses papéis exige. Ele também é um múltiplo de seus instrumentos de expressão: ele pode utilizar, simultaneamente ou um após o outro os recursos da sua voz, do seu rosto, do seu gesto... E, no entanto a sua interpretação é (em princípio) coerente, unificada (ROUBINE, 1982, p.11).


Essas ferramentas darão subsídios ao ator para que ele sirva de veículo condutor de mudanças e quebra de paradigmas. Todas as pessoas são capazes de atuar, de improvisar e de jogar e aprender a ter valor no palco. Aprende-se através da experiência, como a criança que primeiro chuta o ar, depois engatinha e mais tarde anda. Ninguém ensina. Se o ambiente permite, aprende-se qualquer coisa, e se o indivíduo permitir, o ambiente lhe ensinará (SPOLIN, 2005). O professor, assim como o ator, utiliza-se da sedução para conquistar a atenção de seus alunos. No entanto a sedução, se mal conduzida, pode levar a uma alienação. Nos seus primórdios, o teatro medieval fornece o exemplo didático demonstrativo do processo criador da personagem. Aos poucos, porém, a representação vai-se afastando do altar até chegar ã praça pública. Da mesma forma, o texto desliga-se da estrutura litúrgica e vai para a rua. As personagens evoluem da indecisão entre a individualidade do sacerdote e a personificação momentânea, até tornarem-se autônomas. Contudo, as personagens medievais eram meio irreais: ou eram absolutamente alegóricas ou pertencia à época em que Cristo vivia. O caráter especial da relação entre intérprete e entidade representada não torna viável, neste período, a construção da personagem. As abstrações a serem representadas não pedem um intérprete próximo, mas um corpo vivo que reproduza suas ideias. O ator torna-se somente o porta-voz exterior das figuras retratadas. O ato natural é a preliminar que levará o ator a construir um papel vivo no palco; abarcando todos os elementos de seu estado interior, esse ato deve ser executado até o limite das possibilidades do ator, preparando-o, assim, para vivenciar o processo subconsciente da natureza humana. O professor também era uma personagem que representava símbolos teológicos, pois o sacerdote deveria ser um modelo de virtude para seus alunos. Assim como o ator, o professor nada mais era do que um corpo vivo que reproduzia as ideias religiosas abstratas. Isto caracterizava um distanciamento entre o intérprete (ator ou sacerdote) e a personagem. Na atualidade, pode-se verificar ainda este tipo de herança histórica do papel de professor. Alguns professores mostram-se tão


automatizados na transmissão do conhecimento que acabam por se distanciar da personagem que estão representando. tornando-se simples canais de informação. O Renascimento trouxe uma vasta renovação da existência humana, da concepção do mundo e da vida. Houve um retorno à ideia romana de “humanitas”, no domínio da educação, resgatando a cultura Greco- romana e vendo no homem c1ássico um ideal passado de vida digno de renovar. Pretendia-se uma educação puramente humana da personalidade. Esta tendência fez-se presente também no teatro, principalmente através de Shakespeare, que atribuiu à personagem uma visão englobadora do homem e do mundo. Suas personagens trágicas absorviam seu próprio destino, introjetando o fatalismo como produto - consciente ou inconsciente da vontade do herói. O teatro europeu, no século XX, sofreu influência do teatro oriental. Autores como Brecht e Artaud mostraram-se fascinados pela filosofia e pelos cerimoniais orientais. Houve também certo interesse pela problemática do anti- ilusionismo e do ator-personagem no teatro épico. Surgia o personagem-narrador, atuando também como contrarregra, ilustrando os princípios do teatro épico. Recursos auxiliares como a música e as canções eram utilizados com uma dupla função: narrar algo que não seria vivido em cena e criticar uma ideia que estivesse por trás da ação dramática. Já a Pedagogia do século XX caracterizou-se pela riqueza de tendências e métodos que, assim como no teatro, convergem numa tentativa incessante de superar as oposições. Mas o que dizer a respeito do professor? Este também tem de buscar seu estilo próprio. A escolha de um método de ensino é algo muito pessoal. Face a grande diversidade de métodos e tendências, pode-se dizer que cabe ao professor ter um conhecimento aprofundado de assuntos para que sua escolha seja a mais acertada. Do mesmo modo, o ator tem que ter conhecimento de técnicas de atuação para poder desenvolver bem a sua personagem, explorando suas possibilidades e encontrando a melhor maneira de representá-la. Em todo este percurso histórico, vê-se que a personagem é trabalhada no teatro, segundo certas perspectivas ou estilos expressivos


das tendências mais marcantes das culturas que produzem a arte cênica, em cada momento. Como em nossa época a preocupação com o problema social e um dos nossos mais importantes dilemas, o teatro passou também a ocupar-se dele, fazendo com que as personagens deste drama central aproximassem-se da vida dos homens. Neste nível de inserção do teatro na vida cultural ,encontra-se provavelmente o nexo, também evidente através da síntese histórica apresentada entre as formas assumidas pela ação educacional e as de trabalhar a personagem no teatro. De acordo com Spolin (2005), quando o ator aprende a comunicar-se diretamente com a plateia por meio da linguagem física do palco, seu organismo como um todo é condicionado. Empresta-se ao trabalho e deixa sua expressão física levá-lo para onde quiser. Para que o ator possa representar uma personagem é necessário que ele se utilize de suas vivências, de seus conteúdos, ao mesmo tempo em que deve distanciar-se dela para, observá-la de cima, poder criticá-la. O mesmo foi observado em relação à atuação do professor em sala de aula. Na verdade, a máscara (como elemento da construção da personagem) não esconde coisa alguma. Ela revela o sentido; é a expressão, e não o engano; constrói um ser, sem destruir o construtor, mas valendo-se dele como “matéria” para que o sentido desejado vá para o mundo e, ao mesmo tempo, oferecendo a esta “matéria” (a personalidade do ator) uma via de enriquecimento, manifestação, autoconhecimento e comunicação profunda com os outros. O sistema Stanislavski estabelece-se como uma proposta de encontrar atitudes lógicas em relação ao treinamento de atores. Propõe estudar as bases, métodos e técnicas da criatividade por meio de um encadeamento de exercícios regulares e de sua revisão constante na busca de melhores caminhos. O programa de trabalho, consciencioso e cotidiano, vai exigir que o ator tenha muita força de vontade, determinação e resistência, e tem por objetivos: a) preparar um terreno favorável à criação do ator, ao dedicar-se àquilo que está nos domínios do controle humano consciente; b) ajudar o ator a descobrir quais são os seus obstáculos e aprender a lidar com eles;


c) levar o ator a sentir o que está aprendendo por meio de um exemplo prático vivo, para depois chegar à teoria; d) despertar no ator a consciência de suas próprias necessidades pessoais e das potencialidades dos instrumentos técnicos de sua arte: capacidades intelectuais, físicas, emocionais e espirituais; e) induzir as mais sutis forças criativas da natureza, que não estão sujeitas ao cálculo, a agirem por meio normais e naturais; f ) conscientizar o ator a arrancar, sem piedade, qualquer tendência à atuação mecânica, exagerada, abrindo mão de truques e professando um agudo senso de verdade por meio do treino da atenção e concentração; g) preservar a liberdade do artista criador. O ator em cena atua sempre em sua própria pessoa. Ele não fala de uma personagem imaginária. Sua arte consiste em pôr-se em uma situação análoga à da personagem, acrescentando novas suposições e deixando-se envolver por sua natureza inteira: intelectual, física, emocional e espiritual. O ator deve comparar os atos da personagem a fatos semelhantes em sua vida, que lhe são familiares. Não resta a menor dúvida de que o professor é um ator. Verificase, também, que ele utiliza-se, conscientemente, da sedução para alcançar um melhor resultado no processo ensino-aprendizagem. Ao longo do processo educativo, o professor tem sido um ator que representa a personagem professor de forma bem definida, em épocas específicas. Com o tradicionalismo pedagógico o professor assumiu o papel de detentor do conhecimento absoluto; na abordagem cognitivista tornou-se o organizador de situações de aprendizagem; no comportamentalismo passou a ser um manipulador de comportamentos; no humanismo atuou como um facilitador da aprendizagem; e, na proposta de Bruner, foi considerado corno um modelo de competência. Nota-se aí que, para cada contexto, para cada situação, para cada exigência, houve uma interpretação diferente da mesma personagem - o professor. Não se pode falar, portanto, em personagens, mas em formas de atuação diferentes de uma personagem central em função das solicitações históricas e sociais da educação como processo.


De uma forma ou de outra, o ator para esta personagem é o professor. Este pode contribuir para uma visualização do conteúdo por parte do aluno, permitindo uma aproximação entre os níveis do imaginário e do simbólico. Isto só se torna possível porque ele cativa através de sua atuação, de seu discurso, de sua atitude pedagógica, fazendo com que o educando torne-se um elemento ativo, integrante e importante do processo ensino-aprendizagem. No entanto, chega-se a conclusão que não é todo professor que pode ser um professor-ator com êxito. Há professores que, apesar de representarem seu papel, encontram-se tão distanciados da personagem, que se percebe uma acentuada artificialidade em sua postura. Para ser um professor-ator com ressonância, é preciso cultivar certas qualidades que contribuirão para o sucesso do espetáculo. A paixão pelo trabalho, a observação aguçada, a possibilidade de visualizar uma situação sob vários ângulos, a sensibilidade interna, a capacidade de separar a vida pessoal da profissional - e de, ao mesmo tempo, aproveitar as experiências pessoais. Da encenação do professor e da participação e reação dos alunos, depende o sucesso do processo educativo. Ambos são elementos decisivos, imprescindíveis ao êxito do espetáculo-aula.

BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para ao ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. BRECHT, B. Teatro dialético. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. CARVALHO, E. História e formação do ator. São Paulo: Ática, 1989. COURTNEY, Richard. Jogo, Teatro & Pensamento. Perspectiva S.A, 1974. COELHO, Paulo. O teatro na Educação. Rio de Janeiro, Forense, 1973. CHEKHOV, Michael. Para o ator. São Paulo, Martins Fontes, 1986. FREIRE, M. [participação em simpósio] In: FERREIRO, E. (org) Os filhos do analfabetismo: propostas para a alfabetização escolar na América


Latina. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. ________. Pedagogia da esperança. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 222. ________. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. ________. Sobre Educação. 3.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. v. 2. ________. ; MACEDO, D. Alfabetização: leitura da palavra leitura do mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2002. GORCHAKOV, Nikolai M. e TOPORKOV, Vladimir º EL Proceso de Diurecion Escenica( apuntes de ensayos). Trad.: Edgar Cevallos. México: Esvenologia, C.,1998. NESTROVSKI, A. Teatro de vertigem: trilogia bíblica. São Paulo: Publifolha, 2002. NOVAES, A. Muito além do espetáculo. São Paulo: Senac São Paulo, 2005. OLIVEIRA, V.B. O símbolo e o brinquedo: a representação da vida. 2ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. PCN: arte/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. PRISCILA, Augusta Lima. Deficiência Visual: estratégias de Locomoção e REVERBEL, Olga. Jogos Teatrais na Escola. Editora: Scipione;Orientação Espacial. Escritos sobre Educação, vol.02. ROUBINE, J.J. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Trad.: Ingrid Dormien Koudela: Perspectiva, 1963. ________. O fichário de jogos teatrais de Viola Spolin. Trad.: Ingrid


Dormien Koudela Perspectiva, 2001; STANISLAVSKI, Constantino. A construção da personagem. Trad.: Pontes de Paula Lima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. ________. A preparação do ator. Trad. Pontes de Paulo Lima. 15ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. ________. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.


O presente artigo pretende apresentar dados de uma pesquisa realizada sobre como as escolas e centros de educação infantil de São Gabriel do Oeste, cidade localizada ao norte do estado de Mato grosso do Sul, estão desenvolvendo conteúdos relacionados a história da África e dos afrodescendes, ou seja, a lei 10.639 de 2003 está sendo aplicada, efetivamente nos espaços escolares. No decorrer do texto faço um resumo da história do município e busco sintetizar a história da educação na referida unidade da federação. Apresento a pesquisa com um questionário sobre como as escolas e profissionais estão desenvolvendo a aplicação da lei em sala de aula, discorrendo sobre os problemas para sua aplicação, especialmente os relacionados à falta de formação dos professores para trabalharem estes temas. Apesar do que já foi realizado ainda são necessárias várias ações, tanto dos gestores, quanto dos professores para implementar a referida lei. Políticas públicas, Educação racial, Escola.


Com o presente artigo buscamos analisar o cumprimento da Lei n° 10.639/20032 nas escolas municipais de São Gabriel do Oeste-MS. O trabalho foi realizado a partir de análise do Projeto Político Pedagógico-PPP de cada Escola e Centro Municipal de Educação InfantilCMEI de São Gabriel do Oeste-MS. Tendo como um dos objetivos em contribuir para o debate da temática questão racial e de gênero nas escolas e incluir no Planejamento das escolas e CMEIs do município os conteúdos relacionados à cultura Afro-brasileira. Além disso, a presente pesquisa busca analisar dados para poder compreender quais são as dificuldades para os professores e gestores em desenvolver atividades que contemple a diversidade presente nas escolas. No decorrer do curso da Especialização de Gestão de Políticas Públicas em Gênero em Raça – GPP- GeR, realizamos diversas leituras do material disponibilizado pelo curso e de outros livros referente ao tema proposto. Para desenvolver a pesquisa foram necessárias várias atividades com as escolas e Centros Municipais de Educação Infantil-CMEI, pois realizamos entrevistas com professores, coordenadores, diretores e educandos. Além disso, foi realizada a análise do Projeto Político Pedagógico-PPP das escolas e Centro de Educação Infantil-CMEIs. O ato de realizar a análise do Projeto Político Pedagógico-PPP foi importante, pois foi o momento de explicar melhor sobre a pesquisa a ser realizada e assim poder conversar mais com professores/as, diretores/as, coordenadores/as pedagógicos sobre o referido tema. Sendo assim, foram ocasiões proveitosas, pois além de sugerir algumas ideias sobre como trabalhar o tema bordado foi o momento de divulgar a realização do Seminário. Como atividade para debater o assunto com as escolas e CMEIs foi realizado um Seminário Organizado pelo Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação e pela Prefeitura por meio do Departa-


mento de Políticas Públicas para Mulheres e Direitos Humanos, Igualdade Racial e Juventude, no qual foi realizado no dia 29 de março com uma palestra sobre como implantar e implementar a lei n° 10.639/2003 em sala de aula e a Mulher na Sociedade Brasileira. Após o seminário, as entrevistas e leituras referentes ao tema analisaram como as escolas e CMEIs estão realizando atividades para fazer a lei ser cumprida. Além disso, foi e está sendo o momento de organizar as ideias e estruturar o Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização. O Município desenvolve a formação continuada há mais de uma década e hoje conta com um projeto de Formação que durante o ano realiza várias paradas para que todos os profissionais da área da educação possam estudar analisar e propor novos caminhos para a educação do município. No entanto, a questão racial e de gênero muitas vezes não são tratadas e estudadas com tanta ênfase merecida, tanto pelos/as profissionais da Educação, quanto pela própria academia e pelos gestores/ as da educação, em âmbito municipal, estadual e federal. Para registrar a falta de interesse por parte dos/as profissionais é tão grande que numa especialização ofertada em São Gabriel do Oeste, sem necessidade de pagar, com uma equipe de professores/as excelentes e um curso que dá o título de Especialista há apenas um professor e uma professora que estão ligados com a Educação Básica, alguns em organizações não governamentais e os demais em outras instituições que não são educacionais. Sendo assim, faz-se necessário realizar um debate amplo para que os profissionais da educação possam conhecer e debater um pouco mais sobre a Lei n° 10.639/2003. Além disso, com o presente trabalho pretende-se mostrar as autoridades de que não basta termos as leis são necessárias diversas ações para que possa efetivar de fato esses direitos.

O Município de São Gabriel do Oeste está localizado na região Norte de Mato Grosso do Sul. É um município com a matriz produtiva ligada ao agronegócio com a produção da soja, sorgo, milho, algo-


dão e, além disso, na pecuária produz o gado bovino, suíno, avestruzes, etc. A região de São Gabriel do Oeste é palco de atividades desde meados de 1885. Registros históricos apontam que a área onde hoje se situa a sede do município foi ocupada primeiramente por criadores de gado oriundos de Minas Gerais. O precursor dessa primeira incursão foi Bernardino Ferreira da Cunha. À época, a região integrava o município de Coxim. Em 1948, parte do território de Coxim foi desmembrado — surgia o município de Camapuã, que continha os distritos de Ponte Vermelha e Areado. A ocupação das terras limitouse às furnas - regiões mais acidentadas e providas de água, pois os chapadões do planalto não eram propícios a atividades agro-pastoris (MATO GROSSO DO SUL, 2014).

O poder público de São Gabriel do Oeste se destaca no cenário nacional por realizar diversas atividades para atender a cada cidadão e cidadã. Os serviços são oferecidos por diversas secretarias: Assistência Social, Educação, Saúde, além disso, há cinco fundações que contribuem para oferecer diversos serviços na área da saúde, do esporte, música, pesquisa, cultura, etc. Destaca-se que São Gabriel do Oeste, de acordo com o IDEB de 2010, é considerado a melhor educação do interior de Mato Grosso do Sul. O município oferece formação continuada para todas as redes de ensino (municipal, estadual e particular), iniciativa que foi premiada com o prêmio Inovação Educacional. A formação continuada ocorre por segmentos: Educação Infantil; Ensino Fundamental 1° ao 5° ano; Ensino Fundamental 6° ao 9° ano; Motoristas; Educação Especial; Secretários escolares; Gestão Administrativa e Pedagógica / Formação de Formadores; Merendeiras e Formação de Pais. A rede municipal de Ensino já conta com a implantação da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008 que regulamenta o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica e que estipula a carga horária de 1/3 para hora atividade. Hoje desde os professores da Educação Infantil aos professores dos anos finais do Ensino Fundamental tem essa conquista na carreira que garante a valorização dos profissionais em Educação com salá-


rio justo e com horas destinadas para planejamento, estudo e organização do ensino. No ano de 2014 o município consta com cinco escolas que atendem do Pré I ao 9º. Ano, são 2438 alunos matriculados. Além disso, há quatro Centros de Educação Infantil-CMEI que atendem crianças de 4 meses a 3 anos, são 661 vagas disponíveis. Na Educação de Jovens de Adultos o município atendem 40 estudantes, divididas em duas turmas. No ano de 2013 o município aderiu ao Projeto do Governo Federal “Pacto pela Educação que visa desenvolver a formação dos professores alfabetizadores do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental. O Projeto tem como objetivo alfabetizar todas as crianças até oito anos de idade, ou seja, sair do terceiro ano lendo, escrevendo e interpretando.

O Brasil, país com a segunda maior população negra do mundo, conseguiu ao longo de sua história produzir um quadro de extrema desigualdade entre os grupos étnico-raciais, negros e brancos. Durante muitos anos de história desse país, cientistas, estudiosos sociais, o Estado brasileiro não incorporava as categorias racismo e discriminação racial para explicar o fato de os negros responderem pelos mais baixos índices de desenvolvimento humano, e os brancos pelos mais elevados, ou seja, uma desigualdade construída com a ajuda do Estado. Dessa forma, essas desigualdades foram inseridas nos contextos escolares, pois a população negra e sua história eram ignoradas por muitos gestores, diretores e profissionais da educação. No decorrer dos anos muitas leis, tais como a Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB, a Lei nº. 10.639, Lei nº. 11.645 e outras leis foram criadas e com isso vem o interesse de saber como de fato essas leis estão sendo efetivadas no contexto das escolas. Estudar e conhecer a história e a cultura da África num Brasil em que tem mais de 50% de sua população negra é de fundamental importância. É reconhecer toda luta e a participação do negro na história do país.


A Lei 10.639/03 propõe novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Antes da aprovação da lei ser aprovada e divulgada, o ensino da história da África e dos povos negros muitas vezes eram lembrados apenas em datas comemorativas. Com a lei, os professores devem ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como constituinte e formadora da sociedade brasileira, na qual os negros são considerados como sujeitos históricos, valorizando-os, portanto, o pensamento e as ideias de importantes intelectuais negros brasileiros, a cultura (música, culinária, dança) e as religiões de matrizes africanas e toda a sua história. A inclusão do estudo da história da África e da Cultura Africana no currículo do ensino fundamental e médio, além de preencher evidente lacuna e resgate de injusto esquecimento todo um rico universo cultural que é parte integrante e viva da formação do povo brasileiro, também vai abrir, para professores e aprendizes, horizontes mágicos de conhecimento e encantamento (CHALITA, p. 71. 2004).

A elaboração da lei e sua aprovação são essenciais para que as escolas possam rever de como estão trabalhando e tratando a questão da África em sala de aula, ou seja, a África é lembrada somente nas datas comemorativas, ou há a inserção de conteúdos relacionados à África durante todo o ano letivo? Debater a Educação e suas diversidades é poder compreender que isso vai além do ensino e aprender, ou seja, a escola acaba por interferir na história e com isso ela contribui para a transformação ou para a alienação, pois transmitimos conhecimentos, valores, saberes e com isso buscamos interferir nessa realidade, mas muitas escolas acabam perpetuando a exclusão, as desigualdades como algo natural da sociedade e não desenvolve uma educação libertadora que possibilite as mudanças necessárias para a emancipação da classe trabalhadora. No livro “A Educação para Além do Capital”, Mészáros (2005) vem denunciando que o nosso sistema educacional serve para o CAPITAL que não respeita e nem valoriza a diversidade, ou seja, reproduzimos algo que um sistema nos impõe. Mészáros nos diz:


A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu- no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada”( isto é, pelos indivíduos devidamente “ educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas... (MÉSZÁROS, p. 35. 2005).

Quando debatemos a questão racial na escola provocamos um debate que vai contra essa lógica da exclusão e da seleção, pois com isso queremos confrontar os dados de populações que viveram e vivem a margem do processo educacional. Mesmo diante da lei nº 10.639/2003, ainda não se vê esses conteúdos sendo abordados e se são abordados de que forma estão sendo abordados? De acordo com Rodrigues, “a resistência dos professores da rede pública, a falta de empenho político dos técnicos e a falta de obrigatoriedade de aplicar a lei deixavam ao interesse dos professores a opção de capacitar-se ou não nestas disciplinas”[...] (RODRIGUES,p.95.2004). Tomando a educação como “uma dimensão central para uma reorientação da história, pois integra o conjunto mínimo de oportunidades sociais básicas que contribuem para assegurar equidade e justiça social [...]” (ORIÁ, p.99. 2004), estudar a história da África é poder reconhecer o valor dos negros na história do Brasil e assim garantir que a história possa ser contada por outros atores e assim desvelada a real da situação do negro no Brasil. As escolas devem garantir esse ensino da história afro-brasileira não só no Projeto Político Pedagógico-PPP, mas no dia a dia dos trabalhos das escolas. Desde os murais das escolas que são estampadas com imagens de crianças brancas e no caso as negras são esquecidas, pois estamos reproduzindo um padrão de beleza imposta pela sociedade consumidora e excludente do que não está dentro dos padrões. De acordo com Bazan:


A Lei 10.639 se insere nesse contexto como um catalisador para a cidadania do afrodescendente. Dá o conhecimento para que ele passe a se ver como pessoa atuante dentro da sociedade. O aumento exponencial no número de professores engajados na reconstrução da identidade cívica desses estudantes poderá influenciar até mesmo a fiscalização dos cursos superiores (BAZAN, 2013).

Dessa forma, a lei contribuirá para a escola possa debater com os educadores sobre qual é o público que a escola atende e, além disso, poder proporcionar aos educando uma educação que valorize e respeite a diversidade étnica, cultural e social presente em nossas escolas públicas e particulares, pois a lei não é somente para as escolas públicas. A gestão de escolas e das secretarias precisa garantir a execução da lei nº 10.639 de 2003 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, pois não basta ter as leis, ou então estarem garantidas no PPP e no Currículo escolar. O que de fato fará a diferença será a prática da escola. Sendo assim, a Lei nº. 10.639/2003 vem para quebrar esses paradigmas e assim garantir, por meio de regras, a implantação de conteúdos que abordem o continente africano e a cultura afro-brasileira de maneira que seja desenvolvido em todos os anos escolares para que os estudantes conheçam as raízes históricas da população brasileira e assim poder valorizar mais de 50% da população deste país, que são os negros.

O Brasil sendo um país continental e de imensas riquezas tem em sua história a marca da exploração de escravos, lembrando que iniciamos a história de colonização invadindo um território que já tinha dono, ou seja, não descobriram nada, pois aqui viviam muitos povos que cuidavam e protegiam esse território de vida. De acordo com Nascimento (BRASIL, p.190. 2010), as sobrevivências patriarcais na sociedade brasileira fazem com que ela seja re-


crutada e assuma empregos domésticos, em menor grau na indústria de transformação, nas áreas urbanas e que permaneça como trabalhadora nas rurais. Apesar de em declínio, os índices de analfabetismo continuam destoantes entre negros e brancos, e essa discordância possui influência direta sobre os rendimentos destes grupos raciais, uma vez constatado também que pouco mais de dois anos de estudo de vantagem para a população branca, resultam em quase uma duplicação de rendimentos em comparação aos da população negra. É possível afirmar que houve melhoras socioeconômicas a população nos últimos anos (tanto para a população branca quanto para a população negra), porém no que se refere à equidade de renda, direitos e oportunidades o abismo entre brancos e negros permanece inalterado (a participação da população negra com nível de escolaridade Mestrado ou Doutorado permanece ínfima). Sendo assim, muitos negros e pardos saíram da linha da pobreza, conquistaram um curso superior, conseguiram passar em concursos, mas ainda não mudamos a ponto dessa mudança ser tão visível, pois as desigualdades sociais entre brancos, negros e pardos ainda são enormes e visíveis em nossa sociedade que exclui , oprime, tem preconceito e discrimina. De acordo com dados da UNESCO fica evidente que no Brasil as desigualdades e as vítimas do preconceito têm cor, pois são os negros as vítimas dessa exclusão e de todo preconceito. A escravidão continua sendo “um componente da vida contemporânea amplamente presente e profundamente arraigado”, afirma um estudo publicado em Paris pela Unesco, sobre os sistemas de escravidão históricos e os modelos modernos de servidão humana. Os cinco capítulos do relatório definem todas as formas de escravidão, além de fornecer dados relativos a seu alcance e outras modalidades de servidão humana, como o tráfico de pessoas (UNESCO, 2008).

De acordo com os dados da UNESCO, publicados no site repórter Brasil, ainda há várias formas de escravidão e com isso a luta para combater a escravidão ainda continua. No ano de 2014 o Tema da Campanha da Fraternidade foi


“Fraternidade e Tráfico Humano” e a Carta de São Paulo aos Gálatas nos sugere o lema: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5, 1). Dessa forma, fica claro que essa temática é vigente. As organizações sociais cumpriram seu papel em pressionar o governo para criar leis e assim poder garantir que no espaço escolar e no próprio governo esse debate pudesse continuar. Sendo assim, conforme cita a Professora Lucimar Rosa Dias: A lei n°. 10.639 teve como função responder às antigas reivindicações do Movimento Negro, mas com novas preocupações – principalmente com a implantação da mesma. Com isso o governo conseguiu não ser pressionado de imediato pelo movimento social, o que poderia causar constrangimentos para a gestão Lula logo no início. Parece que a estratégia foi acertada, mas não impediu que as pressões internas do PT e externas de setores do Movimento Negro que apoiaram a candidatura Lula continuassem insistindo para a criação de um órgão dentro da estrutura do primeiro escalão para tratar das demandas da população negra, o que desembocou na criação do prometido órgão responsável por promoção de igualdade racial no País. Cria-se na estrutura de governo a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), no dia 21 de março de 2003, data em que se comemora o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. (DIAS, p.59, 2005)

Mesmo diante desses avanços, o Movimento Negro conseguiu com suas bandeiras de luta diversas vitórias, mas muitos desafios ainda restam e cabe a sociedade brasileira pautar para poder galgar esses direitos que a própria constituição nos garante. Conforme disse Bazan: [...] as vitórias dessa campanha levarão o movimento negro ao extremo das ambições: a discussão deixará de ser sobre quem entra ou não na faculdade e passará ao nível final da pós-graduação. Nesse campo, o negro ainda é figura incomum: entre cidadãos com doutorado concluído (menos de 60 mil no Brasil inteiro, segundo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), apenas 9,5% dos que declaram cor são pretos ou pardos (BAZAN, p.1, 2013).


Sendo assim, o movimento negro cumpriu o se papel, porém ainda não acabou o combate, pois além de garantir algumas leis são necessárias as execuções das mesmas para saiam do papel e possam contribuir de fato com uma educação e a inserção dos negros nas universidades e por sua vez saírem da pobreza com a ascensão social em empregos e vidas dignas.

O Brasil em seu nascimento foi baseado na construção de uma ideia de sociedade plural e sem nenhum preconceito, mas os registros e os dados estatísticos não deixam dúvidas de que isso é um engodo. Tendo em vista que a população negra viveu e vive excluída das universidades, dos melhores empregos, dos cargos de chefia, das classes mais desenvolvidas. Com isso fica uma pergunta. Que sociedade é essa que não é preconceituosa, mas não admite o negro em espaços de destaque? O racismo contra os negros no Brasil tem sido praticado desde o primeiro momento da chegada forçada destes seres humanos no país, uma vez que foram trazidos como escravos. A escravidão foi “a mais extrema das formas de opressão racial na história brasileira”. A profunda desigualdade racial entre negros e brancos em praticamente todas as esferas sociais brasileiras é fruto de mais de quinhentos anos de opressão e/ou discriminação racial contra os negros, algo que não somente os conservadores brasileiros, mas uma parte significativa dos progressistas recusa-se a admitir. Assim, a discriminação racial e seus efeitos nefastos construíram dois tipos de cidadania neste país, a negra e a branca. (SANTOS, p.15. 2007.)

De acordo com SANTOS (2007 p.15), na citação acima fica evidente que o racismo, o preconceito em nosso país é desde a nossa origem, ou seja, isso contrapõe a ideia de uma nação que convive numa paz racial. Ao contrário, as populações negras foram excluídas e são ainda excluídas de direitos básicos: moradia, alimentação, escola, saúde, etc. Além do racismo e da discriminação racial há fortemente na so-


ciedade brasileira o preconceito contra as populações negras que são vítimas nas ruas, escolas, praças, festas, clubes de festas, jogos esportivos, etc. O preconceito racial existente na sociedade brasileira tem dificultado a realização de estudos sobre as condições socioeconômicas e culturais dos diferentes grupos étnicos que compõem a população do País em decorrência desse fato, alguns grupos enfrentam problemas que determinam sua marginalização e consequente dificuldade de acesso aos benefícios sociais. Podemos citar, no enfrentamento de tal quadro, as comunidades remanescentes de quilombos. (LOPES, p.205, 2010).

As pesquisas realizadas nas comunidades negras enfrentam sérios problemas ao deparar com a falta das comunidades assumirem suas identidades. Além disso, devido o preconceito existente por parte da sociedade os dados não coletados dificultam na oferta de políticas que contemplem essas populações historicamente marginalizadas. Em uma entrevista a Revista nº 69 da revista “Caros Amigos” de dezembro de 2002, o Professor Hélio Santos, responde a repórter Marina Amaral: Marina Amaral (Repórter da revista Caros Amigos)- A escravidão não trouxe também efeitos para a população branca pobre que vem desse mesmo período? Hélio Santos (Professor Entrevistado). R. Há um entendimento que o problema da pobreza une a todos- dez em cada dez cientistas políticos acreditam nessa história de que o problema é da pobreza e não da cor. Eu não concordo, quando falo dos dois Brasis deixo claro que, no segundo Brasil, pobre, miserável, há uma esmagadora população negra e há alguns brancos também, mas estabeleço a diferença entre esses brancos, verdadeiramente brancos que estão nesse segundo Brasil. Se são duas meninas, uma negra e uma branca, as duas são pobres e vão tentar trabalhar numa padaria no lugar mais distante da periferia. Existe um entendimento de que, se é para trabalhar com o público, o negro não serve. Essa menina branca bem pobre vai trabalhar naquele emprego modesto, com salário mínimo, como bal-


conista, e a colega negra que mor no mesmo lugar que ela na vai conseguir. Estou tentando dizer que este é um país assumidamente racista- hoje há alguns estudos quantitativos, conseguimos calcular o preço que um engenheiro paga por ser negro em relação ao branco, portanto ninguém questiona que há racismo no Brasil. [...] Outra coisa é que os negros da classe média sofrem discriminações mais agudas do que os negros pobres. Esses negros da classe média, que muitas vezes são interrompidos na sua trajetória pela polícia por estarem com um carro novo. São eles que buscam morar em condomínios mais sofisticados e são eles que reivindicam a promoção da empresa, querem ser diretores, portanto a ideia de pobreza, cor, tem diferenças que a gente deve considerar (SANTOS, p.33. 2002).

Diante da entrevista com o Professor Hélio Santos fica visível por meio do exemplo que ele nos dá que a pobreza, as vítimas do preconceito e da discriminação tem cor e essa população é a negra que muitas vezes são vítimas de exclusão social em nosso país.

O Seminário foi Organizado pelo Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação e pela Prefeitura, por meio do Departamento de Políticas Públicas para Mulheres e Direitos Humanos, Igualdade Racial e Juventude, no qual foi realizado no dia 29 de março com uma palestra sobre como implantar e implementar a lei n° 10.639/2003 em sala de aula e uma palestra o Papel da Mulher na Sociedade Brasileira/ Educação e Gênero. Na ocasião contamos com a participação de mais de 170 pessoas, oriundas de diversos municípios: Campo Grande, Bandeirantes, São Gabriel do Oeste e Rio Verde do MT. No público presente havia: professores, coordenadores pedagógicos de escolas públicas, diretores, acadêmicos de diversos cursos de licenciatura e bacharelado, cursistas


do Normal Médio, técnicos de Secretárias de Educação e Assistência Social. Analisando o público presente pudemos constatar a falta de presença dos diretores e coordenadores das escolas e Centros de Educação do Município. A Palestra sobre a Lei 10.636/2003 foi proferida pela Prof.ª Drª. Maria José de Jesus(Popular Professora Maju), professora da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul- Campus de Dourados. Na fala a professora fez um levantamento histórico da realidade do negro no Brasil, a importância da lei 10.639 para a construção da identidade do negro no Brasil e quais são as dificuldades e desculpas que mais dificultam a aplicação e implementação da lei nas escolas em todo país. Logo após a palestra os participantes realizaram diversas perguntas e uma delas que foi essencial para o enriquecimento do debate foi sobre a questão das cotas. A segunda palestra foi com a Professora Dr.ª. Zaira Andrade Lopes, professora da Universidade Federal do Mato Grosso do SulUFMS. O tema abordado com professora foi sobre a Mulher, ou seja, Educação e Gênero, mas em sua fala ela mencionou sobre a mulher negra na sociedade, além disso, falou sobre como a relação de gênero acontece no contexto escolar. Após a fala da professora abriu-se para o debate e novamente várias pessoas questionaram sobre o tema proposto.

Após o seminário realizamos uma entrevista e a entrega de um questionário para que os profissionais da educação, alguns participantes do seminário e outros não, pudessem responder e assim contribuir com a coleta de dados. A ideia de entrevistar e entregar questionário para pessoas que participaram e para outras que não participaram é justamente para poder perceber o conhecimento da legislação e para que os/as mesmos/as possam registrar como está a execução da lei em sala de aula e nas escolas. No momento de visitar as escolas e entregar os questionários


foram muito receptivos, perguntaram sobre o tema e sobre a pesquisa, mas quando fui receber os questionários não conseguimos o esperado, pois dos 45 questionários entregues conseguimos o retorno de apenas 25. Ainda recebemos esses questionários após muitas solicitações.

Debater a diversidade no contexto escolar e em São Gabriel do Oeste isto é muito singular, pois temos em sua formação cultural muito da cultura sulista do Brasil, no qual predomina uma população branca oriundas de famílias italianas, holandesas, alemãs, polonesas, etc. Os Projetos Políticos Pedagógicos de cada escola e CMEI contemplam a lei e demais temas transversais: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual e Saúde. Mas quando adentramos em cada escola é que se percebe o como está sendo realizado o trabalho no contexto escolar. De acordo com os estudos realizados podemos afirmar com certeza de que com as políticas públicas, implantadas, ofertadas e implementadas para a população negras a realidade vem mudando, pois muitos negros conseguiram galgar espaços por meio de estudos e cotas que foram meios que garantiram estas conquistas. Conforme Bazan diz: Diferenças persistem, mas foram suavizadas por décadas de combate ao que a sociedade, lentamente, passa a entender como racismo. Para além dos insultos e atos de ódio, o mito do Brasil mestiço transmitido pelas escolas e a lógica perversa da distribuição de oportunidades, que favoreceu sempre os que já tinham condições de progredir, passaram a ser combatidos, em um primeiro momento pelo movimento negro, posteriormente por toda a sociedade. Em 10 anos, não foi apenas a Lei 10.639 que entrou na pauta do jornal, mas políticas de valorização do negro que foram desde atos grandiosos com a aprovação da Lei de Cotas até atos pequenos, mas importantes para a autoestima do afrodescendente, como a publicação de livros sobre beleza negra (BAZAN, 2014).


Pelas respostas recebidas os profissionais deixam evidentes que muitos gestores não cobram a execução da lei 10.639/2003, inclusive mencionam que foram convidados pela escola ou pela Secretaria de Educação para participarem do Seminário. Além disso, mencionam que receberam poucas formações sobre o referido tema.

A pesquisa e o estudo realizado sobre a temática em debate foi relevante para ratificar as supostas situações problemas que foram elencadas. Pois ao ler os textos da Especialização de Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça não foi possível detectar de fato a questão racial e a educação no Brasil, pois o objetivo proposto pelo presente artigo era debater sobre a implantação da lei 10.639/2003. Com as leituras de livros e textos que tratam da questão é que ficou evidente que a lei é essencial para que a história da África e dos povos afrodescentes possam ser contada em nossas escolas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação-LDB , nº 9.394/1996, em seu artigo 26 aborda sobre como será o currículo e com isso menciona: Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos..... § 1° O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). § 2° Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos


povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras (BRASIL, 1996).

Sendo assim, fica evidente que já tínhamos uma lei que orientava para trabalhar os conteúdos relacionados ao estudo da história e da Cultura afro-brasileira. Mas diante do descaso das autoridades, dos professores e dos gestores escolares e educacionais foi necessária a criação da Lei nº 10.639/2003. Com a Lei 10.639/03 também foi instituído o dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), em homenagem ao dia da morte do líder dos negros, Zumbi dos Palmares. O dia da consciência negra é marcado pela luta contra o preconceito racial no Brasil. Sendo assim, como trabalhar com essa temática em sala de aula? Os livros didáticos já passam por rigorosas seleções e estão quase todos adaptados com o conteúdo da Lei 10.639/03, assim como as ferramentas que os professores podem utilizar em sala de aula são múltiplas, mas podemos recorrer a diversas meios, como pinturas, fotografias e produções cinematográficas, muitas desses instrumentos estão disponibilizados em sites do governo federal e de universidades, ou seja, não podemos aceitar o discurso de que não há recurso em nossas escolas, pois todas as escolas dos anos iniciais contam com um laboratório de informática. Realizar o Seminário para debater a Educação, Igualdade Racial Racial e Gênero foi desafiante, pois encontramos muitas dificuldades para fazer parceria com a Secretaria Municipal de Educação. Mesmo assim, por outro lado encontramos facilidade para realizar o Seminário com o Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação, com a Comissão Pastoral da Terra-CPT e com a Prefeitura, por meio do Departamento de Políticas Públicas para Mulheres e Direitos Humanos, Igualdade Racial e Juventude. Além disso, vale ressaltar que a disponibilidades das professoras que palestraram foi fundamental para que o evento pudesse acontecer. E dessa forma foi realizado no dia 29 de março o seminário com a participação de mais de 170 pessoas. Diante da pesquisa realizada, por meio do questionário e das visitas, ficou evidente que os conteúdos trabalhados em nossas esco-


las são, em sua maioria, desenvolvidos somente em datas comemorativas, ou seja, ainda não ficou claro para os professores de que esses conteúdos precisam e devem ser trabalhados no decorrer do ano letivo em todos os bimestres. Além disso, quando perguntados sobre o desenvolvimento de projetos nessa área, recebemos a resposta de que apenas duas escolas realizaram no ano de 2013 projetos que contemplasse a temática. Diante do exposto fica evidente que não basta termos as leis. São necessárias diversas ações para que a lei 10.639 possa ser posta em prática nas escolas municipais de São Gabriel do Oeste. Além disso, os gestores/as e professores/as não precisam ficar aguardando da secretaria de educação ordens, ou projetos, pois há uma exigência em lei para que as escolas façam este trabalho e cumpram com o dever de educar para a cidadania de todos/as.

BRASIL, Lei nº 10639 de 9 de janeiro de 2003. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. MEC/SECAD, 2005. _______, Ministério da Educação: Ações Afirmativas e Combate ao Racismo nas Américas / Sales Augusto dos Santos (Organizador). – Brasília: Ministério da Educação: UNESCO, 2007. _______, Ministério da Educação: História da Educação do Negro e outras histórias. Brasília, 2005. _______, Ministério da Educação. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/ 2008/lei/l11738.htm. Acesso em: 28/05/2014. BAZAN, Renato. Presença do negro na Educação. Disponível em : http:/ /racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/182/artigo296209-4.asp/ . Acesso em 27/06/2014. CARVALHO, Leandro. Lei 10639 e o Ensino da História-Cultura afrobrasileira e africana. Canal do Educador. Disponível em : < http://


educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/lei-10639-03-ensinohistoria-cultura-afro-brasileira-africana.htm. Acesso em : 30 junho. 2014. CHALITA, Gabriel. África e Brasil: uma aproximação cultural feliz e necessária. In: ROCHA, Maria José; PANTOJA, Selma. Rompendo Silêncios: História da Àfrica nos currículos da educação básica. Brasilia: Best Graff, 2004. DIAS, Lucimar Rosa. O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. In: BRASIL, Ministério da Educação: História da Educação do Negro e outras histórias. Brasília, 2005. LOPES, Maria Auxiliadora. Educação das Relações étnico-raciais. In: Cadernos de Educação-V Encontro Nacional do Coletivo Abtirracismo “Dalvani Lellis”. Ano XV, nº.23, julho/dezembro. 2010- 2ª Ed. Brasília: CNTE, 2010. MÈSZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução de Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2005. PANTOJA, Selma; ROCHA, Maria José. Rompendo Silêncios. História da África nos currículos da Educação Básica. Brasilia: Best Graff, 2004. ORIÁ, Ricardo. O Ensino de História no currículo escolar- possibilidade e perspectivas. In: ROCHA, Maria José; PANTOJA, Selma. Rompendo Silêncios: História da Àfrica nos currículos da educação básica. Brasilia: Best Graff, 2004. RODRIGUES, Jorge Santos Rodrigues. A Eficácia de uma lei na educação brasileira. In: ROCHA, Maria José; PANTOJA, Selma. Rompendo Silêncios: História da Àfrica nos currículos da educação básica. Brasilia: Best Graff, 2004. SANTOS, Hélio. “Negro não é problema é Solução”. In. Caros Amigos. Ano VI número 69, dezembro de 2002. Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-thisoffice/unesco-resources-in-brazil/studies-and-evaluations/racialdiscrimination/#c154485 Disponível em: http://www.saogabriel.ms.gov.br/historia. Acessado em


01/07/2014 . Acessado em 27/06/2014. DisponĂ­vel em : http://reporterbrasil.org.br/2008/12/unesco-escravidaonao-foi-eliminada/- Acessado em: 01/07/2014.


Este estudo analisa a implementação de políticas educacionais a partir da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação pelas Leis 10.639/03 e 11.645/08 no município de São Gabriel do Oeste em Mato Grosso do Sul, Para tanto busca-se analisar é a inserção da Lei no Projeto Político Pedagógico das escolas da rede e como esse tema vem sendo tratado pelas coordenadoras e coordenadores e diretoras das escolas municipais. Também fez parte da análise identificar como a Secretaria de Educação tem disponibilizado matérias didáticos sobre o tema e se as escolas realizam as discussões acerca a história e cultura afro-brasileira como preconiza a legislação. Educação Racial, Escola, Material Didático.

O artigo ora apresentado é fruto de uma pesquisa realizada na rede municipal de ensino de São Gabriel do Oeste-MS como parte das exigências do curso da Especialização de Gestão de Políticas Pú-


blicas em Gênero em Raça – GPP- GeR. Este estudo analisa a implementação das políticas educacionais a partir da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação pelas Leis 10.639/03 e 11.645/08, que trata do ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana em sala de aula. Para tanto busca-se analisar é a inserção da Lei no Projeto Político Pedagógico das escolas da rede e como esse tema vem sendo tratado pelas coordenadoras e coordenadores e diretoras das escolas municipais. Também fez parte da análise identificar como a Secretaria de Educação tem disponibilizado materiais didáticos sobre o tema e se as escolas realizam esse debate. Para o desenvolvimento da pesquisa foram necessárias várias atividades com as escolas municipais, tais como entrevistas com professores, coordenadores, diretores e educandos. Outro procedimento foi a análise dos Projetos Político Pedagógico-PPP das colocar o número de escolas da rede municipal. Durante a análise do Projeto Político Pedagógico-PPP foi possível explicar aos professores e equipe gestora sobre a pesquisa a ser realizada o que possibilitou conversar com professores, diretores e coordenadores pedagógicos sobre o referido tema. A análise do PPP foi também um momento de sugerir como trabalhar nas escolas a LDB e também de divulgar a realização do Seminário que aconteceria em março de 2014 Este evento foi organizado pelo Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação e pela Prefeitura por meio do Departamento de Políticas Públicas para Mulheres e Direitos Humanos, Igualdade Racial e Juventude, no qual aconteceu uma palestra, na qual duas professoras debateram com os presentes. A primeira foi a Professora Dra. Zaira de Andrade Lopes e a Professora Dra. Maria José Jesus Alves Cordeiro que tratou da implantação e implementação sobre como implantar da Lei n° 10.639/2003 em sala de aula e também sobre a Mulher na Sociedade Brasileira. Ao longo do curso de Especialização foram realizadas as leituras do material disponibilizado pelo curso e outros livros referentes ao tema proposto. Para desenvolver a pesquisa, foram feitas entrevistas com os professores do ensino fundamental II das escolas municipais. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas com professores, coordenadores, diretores e educandos. Posteriormente às entrevistas, foram realizadas análises do Projeto Político Pedagógico-PPP das escolas.


A pesquisa escolhida podemos chamar de qualitativa. Por que escolher esse método? A escola dá-se exatamente por ser um método que diferem entre sim, enquanto método, em sua forma e seus objetivos, Godoy (1995, p. 62), destaca a diversidade nos trabalhos qualitativos e apresenta um conjunto de características essenciais, que nos possibilitaria identificar uma pesquisa dessa natureza. Primeiro, o ambiente natural como fonte direta de dados, por ter um caráter descritivo, o enfoque indutivo. A utilização do questionário foi escolhida devido ao pouco tempo que teríamos para realizarmos a sistematização das informações e por ter sido acordado com os profissionais que foram entrevistados. A respeito da escolha dos profissionais, escolhemos aquelas que estavam com interesse de responder ao questionário, mesmo assim encontramos um pouco de resistência. A partir da realização das entrevistas foram feitas análises dos PPP’s, fomos fazer a catalogação das informações adquiridas, posterior a isso foi feito a organização dos dados com tabelas e a relação com teóricos estudados e a Le n° 10.639/2003. O seminário, foi culminância do trabalho de pesquisa realizado na escola, foi o momento importante, noqual buscamos confrontar as informações que nos foi apresentada por meio do questionário.

Em 1948, parte do território de Coxim foi desmembrada — surgia o município de Camapuã, que continha os distritos de Ponte Vermelha e Areado. A ocupação das terras limitou-se às furnas - regiões mais acidentadas e providas de água, pois os chapadões do planalto não eram propícios a atividades agropastoris. Tomando conhecimento dos planos do Instituto Brasileiro de Cafeicultores no plantio de café, um campo-grandense chamado Gabriel Abrão comprou uma área próxima ao córrego Ponte Vermelha. Interessados em comprar lotes para a produção de café, paranaenses contataram Gabriel Abrão. Em 1973, fixaram-se na região dirigentes da empresa madeireira Maffissoni e Sorgatto S/A, de Renascença (PR). O grupo criou a sede de uma nova fazenda, locali-


zada às margens do córrego Capão Redondo. Os moradores já não aceitavam mais a dependência de Camapuã e iniciaram-se movimentos visando à criação de um município. Os estudos para delimitação foram feitos em 1980, com o apoio dos deputados Ary Rigo e Londres Machado. Em quatro de maio realizou-se o plebiscito pela Comissão de Emancipação. No dia 12 de maio, por ato do ex-governador Marcelo Miranda Soares, foi assinado a lei em que ficou criado o novo município e estabeleceu seus limites. Para administrar o recém-criado município, foi empossado o líder da fundação da cidade, Balduíno Maffissoni. Segundo dados contidos na LEI Nº.695/08, DE 23 DE JUNHO DE 2008, São Gabriel foi elevado à categoria de município com a denominação de São Gabriel do Oeste, pela Lei Estadual nº 74, de 12-05-1980, desmembrado do município de Camapuã.

As alterações da LDB vêm ao encontro com as políticas afirmativas construídas historicamente por meio da luta do movimento negro no país. Ao ser sancionada a Lei 10.639/03 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o tema da negritude e da importância de se implementar no currículo escolar o tema como conteúdo, nas diversas áreas do conhecimento, principalmente nas áreas de língua portuguesa, educação artística e história. Até porque as ações afirmativas começam a partir de meados de 1990 a ter maior repercussão na sociedade brasileira, porém ao surgirem tinham um tempo, deveriam se provisórias, no entanto ainda existem, pelo simples fato, as desigualdades sociais não foram eliminadas e tão pouco o racismo o foi. Deste modo a Lei 10.639/03, vem justamente para enfatizar ou reafirmar o que já temos em nossa Constituição que diz: Assim, a luz das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que trata dos conteúdos tradicionais das várias disciplinas, em especial o Art. 26ª da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, (Lei 10.639/2003) – garantindo o que está preconizado desde a Constituição Federal em seu art. 3, IV, (...) “o preconceito de origem


de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e reconhecem que todos são portadores de singularidade irredutível e que a formação escolar tem de estar atenta para o desenvolvimento de suas personalidades (Art. 208.IV).

A Lei 10.639/03, é antes de mais nada uma política afirmativa, que vem na perspectiva de superar o racismo que está impregnado em nossas escolas. São nesses ambientes que são reproduzidos, infelizmente, muitos dos nossos preconceitos, mas é também o lugar de superá-los, pois podemos no dia a dia de nossas crianças e adolescentes construir cidadãos que compreenda a sociedade de modo diferente, que possa construir uma sociedade mais justa, com igualdade social. O Movimento negro tem papel fundamental para colocar em pauta a questão do negro no Brasil. A população negra em nosso país foi liberta de forma negligente, sem nenhuma condição material de sobrevivência, apenas foi lhe dado a liberdade de sair da senzala, porém o Estado brasileiro não indenizou e nem ao menos garantiu condições mínimas de sobrevivência para a população negra de nosso país. Santos afirma que: Deixados à própria sorte, conforme expressão de Florestan Fernandes (BASTIDE e FERNANDES, 1955; FERNANDES, 1978), e, além disso, sem capital social, ou seja, sem o conjunto de relacionamentos sociais influentes que uma família ou um indivíduo tem para a sua manutenção e reprodução, logo os ex-escravos perceberam que a luta pela liberdade fora apenas o primeiro passo para a obtenção da igualdade ou, se se quiser, para a igualdade racial, pois o racismo não só permanecia como inércia ideológica, como também orientava fortemente a sociedade brasileira no pós-abolição. Tornou-se necessário lutar pela “segunda abolição” (SANTOS, in Brasil, p. 21. 2005). Tendo presente reflexões como ações afirmativas ou políticas afirmativas, que aqui apresento a definição desse conceito, que foi extraído do grupo de estudo multidisciplinares da ação afirmativa, que diz: Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados


pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural(Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa - GEMAA. 2011).

Desta forma é preciso que criemos leis que busquem combater, eliminar toda forma de preconceito e racismo construído em nossa sociedade. Desta forma o movimento negro, viu na educação formal uma maneira de ascender socialmente, porém não fora suficiente para diminuir as desigualdades sócias raciais, Santos (2005, p. 21-22). A valorização da educação formal foi uma das várias técnicas sociais empregadas pelos negros para ascender de status. Houve uma propensão dos negros em valorizar a escola e a aprendizagem escolar como um “bem supremo” e uma espécie de “abre-te sésamo” da sociedade moderna. A escola passou a ser definida socialmente pelos negros como um veículo de ascensão social, conforme pesquisa realizada pelo sociólogo Florestan Fernandes em 1951 (1978: 09, 275276) 2. Mas antes mesmo desta data o Jornal Quilombo, dirigido pelo intelectual e militante negro Abdias do Nascimento, já indicava a necessidade de educação formal para os negros como uma condição necessária à superação da exclusão sócio racial a que estavam submetidos. (SANTOS, 2005,PP.21-22).

É bem verdade que, a escola é na sua grande maioria reprodutora das desigualdades sociais e raciais, porém ela é também instrumento de conquistas de muitos direitos e a população negra viu na educação uma forma de ascender seu status, dessa maneira começou uma luta para conquistar espaço na educação formal, principalmente no ensino superior (SANTOS, 2005, p. 22), afirma que: Mesmo sendo necessária, a escola ou a educação formal não foi e nem é a panaceia para os negros brasileiros. Logo a militância e os intelectuais negros descobriram que a escola também tem responsa-


bilidade na perpetuação das desigualdades raciais. Historicamente o sistema de ensino brasileiro pregou, e ainda prega, uma educação formal de embranquecimento cultural em sentido amplo[...].

De fato, nosso sistema educacional durante anos e ainda nos dias atuais, vem contribuindo para as desigualdades raciais, deixando durante muito tempo o debate racial fora da escola básica e principalmente do ensino superior de nosso país. Abdias do Nascimento, faz a seguinte reflexão: O sistema educacional [brasileiro] é usado como aparelhamento de controle nesta estrutura de discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro – elementar, secundário, universitário – o elenco das matérias ensinadas, como se executasse o que havia predito a frase de Sílvio Romero4, constitui um ritual da formalidade e da ostentação da Europa, e, mais recentemente, dos Estados Unidos. Se consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte inalienável da consciência brasileira? Onde e quando a história da África, o desenvolvimento de suas culturas e civilizações, as características, do seu povo, foram ou são ensinadas nas escolas brasileiras? Quando há alguma referência ao africano ou negro, é no sentido do afastamento e da alienação da identidade negra. Tampouco na universidade brasileira o mundo negro-africano tem acesso. (apud SANTOS, 2005- NASCIMENTO, 1978: 95).

De fato, nossa população negra ficou a quem de todos os direitos básicos durante muito tempo, principalmente no campo da educação e da ocupação dos campos de trabalho de chefia, ocupando os cargos e cursos subalternos e de baixa qualidade, de modo que agenda abrangia basicamente os seguintes temas: racismo, cultura negra, educação, trabalho, mulher negra e política internacional (Santos, p. 24, l, 2005). No campo educacional foi priorizado os seguintes temas: Contra a discriminação racial e a veiculação de ideias racistas nas escolas. • Por melhores condições de acesso ao ensino à comunidade negra. Reformulação dos currículos escolares visando à valorização do papel do


negro na História do Brasil e a introdução de matérias como História da África e línguas africanas (apud Santos, 2005, HASENBALG, 1987).

Cabe ressaltar aqui que toda a luta de inclusão da história africana e afro-brasileira no currículo escolar não acontece apenas em 2003, mas é uma luta que vinha desde de muito tempo, construída a muito custo pelo movimento negro no Brasil, já em 1986 na Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada em Brasileira o Sociólogo Carlos Hasenbalg, publicou no ano seguinte as seguintes reivindicações: O processo educacional respeitará todos os aspectos da cultura brasileira. É obrigatória a inclusão nos currículos escolares de I, II e III graus, do ensino da história da África e da História do Negro no Brasil; • Que seja alterada a redação do § 8ª do artigo 153 da Constituição Federal, ficando com a seguinte redação: “A publicação de livros, jornais e periódicos não dependem de licença da autoridade. Fica proibida a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça, de cor ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” (apud Santos, 2005, CONVENÇÃO, 1986).

E foi com toda essa movimentação que o movimento negro e a população negra em nosso país começam a ter visibilidade, esse embate não parou por aí, foram necessárias diversas discussões com a sociedade, universidades, governos, para então chegarmos a Lei 10.639/03, que tem possibilitado uma discussão mais aprofundada da questão do racismo e do negro em nosso país. Mais podem nos perguntar: Por que ainda insistir em discutir a história do negro(a) afro-brasileiro(a) e africano(a)? O Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial (SANTOS, 2005), com as seguintes propostas : • Implementação da Convenção Sobre Eliminação da Discriminação Racial no Ensino. • Monitoramento dos livros didáticos, manuais escolares e progra-


mas educativos controlados pela União. • Desenvolvimento de programas permanentes de treinamento de professores e educadores que os habilite a tratar adequadamente com a diversidade racial, identificar as práticas discriminatórias presentes na escola e o impacto destas na evasão e repetência das crianças negras (Santos, 2005, p.25. in, EXECUTIVA, 1996).

Foram propostas que resultaram em diversas ações positivas posteriormente, como a revisão de livros didáticos ou mesmo a eliminação de vários livros didáticos em que os negros apareciam de forma estereotipada, ou seja, eram representados como subservientes, entre outras características negativas (Santos p. 25, 2005). As desigualdades em nosso país sempre foram tratadas de forma natural, tidas como irrelevantes na sociedade, porém sabemos que essas questões estão relacionadas principalmente com os processos políticos e econômicos dominantes. Dias afirma que: [...] as desigualdades de classe reiteradas e sustentadas na situação econômica degradante, na falta de emprego, na baixa escolaridade, na violência urbana de um sistema que, para cujo funcionamento, prevê a existência de quem tem muito e de quem não tem nada e que alija a população negra da ascensão social o máximo que pode. Enfim, são questões que impulsionam a construção de respostas políticas e animam ativistas e pesquisadores a empreenderem lutas para superar as desigualdades raciais/sociais que fortemente estruturam a sociedade brasileira (DIAS , 2014, não publicado).

No Plano Nacional de Educação (PNE), que foi aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, foi obtido alguns avanços, mesmo não sendo o esperado, na primeira parte do documento diz em seu artigo 2º inciso III que: “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” (PNE, p. 1, 2014); São ações significativas, porém não tem garantido mudanças profundas na aplicação da LDB, alterada pela Lei 10.639/03. No entanto, quando vamos para a base percebemos que essa lei nem em sonho está sendo aplicada. Aqui no município, dentre os profissionais que foram entrevistados 18 pessoas eram


conhecedoras da lei, porém esse tema ainda não foi implementado no currículo das escolas como conteúdo, é apenas lembrado em datas comemorativas pela maioria dos profissionais. O quadro 1 nos apresenta claramente que dos 25 educadores que foram entrevistados, a maioria só debate o tema em datas comemorativas.

DESENVOLVIMENTO DE CONTEÚDOS RELACIONADOS À QUESTÃO DO NEGRO NO DECORRER DO ANO LETIVO POR MEIO DE:

Datas comemorativas

No bimestre em que o conteúdo está previsto

16 pessoas

5 pessoas

Não trabalho

Desenvolvo em

este conteúdo

forma de projeto

disciplina

professores

2 pessoas

2 pessoas

na minha

com outros

É possível perceber que o tema é desenvolvido, em grande parte, nos momentos comemorativos, ou se por ventura estiver presente naquele bimestre, caso contrário não é debatido em nenhum momento no ambiente escolar. Segundo a afirmação dos professores, não há nenhuma determinação por parte da Secretaria Municipal de Educação, no questionário que foi aplicado às escolas apenas uma escola desenvolveu um projeto na área, que foi “menina bonita do laço de fita” e essa iniciativa não partiu do órgão que regula as escolas municipais, mas daquela professora. Estudar e conhecer a história e a cultura da Afro-brasileira em um Brasil em que mais de 50% de sua população é negra é de fundamental importância. Reconhecer toda luta e a participação do negro na história do país, também. Discutir essas questões dentro do currículo escolar é reconhecer a necessidade da implementação desse tema, deixando de ser apenas uma data comemorativa e passando a ser um conteúdo curricular. Para tanto, faz necessário que ela conste nos materiais didáticos, pedagógicos das escolas.


Os livros didáticos, sobretudo os de história, ainda estão permeados por uma concepção positivista da historiografia brasileira, que primou pelo relato dos grandes fatos e feitos dos chamados “heróis nacionais”, geralmente brancos, escanteando, assim, a participação de outros segmentos sociais no processo histórico do País. Na maioria deles, despreza-se a participação das minorias étnicas, especialmente índios e negros. Quando aparecem livros didáticos, seja através de textos ou de ilustrações, índios e negros são tratados de forma pejorativa, preconceituosa ou estereotipada (ORIÁ, p.99 2004. In ROCHA, 2004).

A Lei 10.639/03, foi de fundamental importância para darmos o ponta pé inicial na criação e elaboração de materiais pedagógicos para debatermos e implementarmos do ensino da história africana e afrobrasileira no currículo escolar. Cabe ressaltar aqui, que a promulgação dessa lei foi um dos primeiros atos institucionais do Governo Lula, que posterior a isso permitiu a criação da Secretaria de Educação Continuada, alfabetização e Diversidade (SECAD), que podemos considerar uma inovação Institucional, quando pela primeira vez são reunidos diversos programas educacionais, inclusive educação indígena, diversidade e inclusão (Brasil, 2004). De acordo com o Parecer 3/2004 (BRASIL, 2004), diz que: Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros (BRASIL, p.3, 2004).


A sociedade brasileira vive enraizada com seus preconceitos, processos discriminatórios e de exclusão da população negra. A escola é o espaço fundamental de produção do conhecimento e também de fortalecimento dos preconceitos, pois é formada por pessoas diversas, para tanto a escola é necessária para colocar esse conhecimento a disposição de todos, pois os espaços da grande mídia não abordam esses temas. Para tanto: Reconhecer exige a valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua cultura e história. Significa buscar, compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificação: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz africana. Implica criar condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele, menosprezados em virtude de seus antepassados terem sido explorados como escravos, não sejam desencorajados de prosseguir estudos, de estudar questões que dizem respeito à comunidade negra. Reconhecer exige que os estabelecimentos de ensino, frequentados em sua maioria por população negra, contem com instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com professores competentes no domínio dos conteúdos de ensino, comprometidos com a educação de negros e brancos, no sentido de que venham a relacionar-se com respeito, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes e palavras que impliquem desrespeito e discriminação ((Brasil, p. 4, 2004).

No entanto, mesmo com a Lei nº 10.639/2003, esses temas não estão sendo abordados por todos os sistemas educacionais e em algumas situações, nem todas as escolas fazem um bom trabalho. É preciso nos perguntar, de que forma estão sendo abordados? Como os nossos professores vêem a história da cultura afro-brasileira nas escolas? Na sua grande maioria os temas referentes a raça, negros, são realizados nas escolas em datas comemorativas, como foram apresentados no quadro 1, na página 99.


De acordo com Abramovay: Raça e escola é equação que desafia a formação de professores, tópico que não faz parte da agenda desta pesquisa, mas para a qual se pretende que essa publicação venha a colaborar, já que se perfilam formas como alunos e professores se relacionam com alunos negros, como os professores silenciam e se omitem, não intervindo em casos de discriminações e identificando percepções, preconceitos, estereótipos e, também, como na comunidade escolar diversos atores se expressam sobre temas relacionados à raça(ABRAMOVAY, p.29, UNESCO, 2006).

Vale ressaltar que Abramovay (2006) menciona a questão de Raça e Escola, como algo que vai além do debate de conteúdo, envolve principalmente a formação dos profissionais, é uma realidade que está intrínseca no dia a dia das escolas e em São Gabriel do Oeste essa realidade não é diferente, onde a maioria dos professores não estão preparados para realizar a discussão de raça em sala de aula. Partindo da entrevista realizada, podemos fazer conclusões, onde o sistema de ensino municipal não prioridade ou até mesmo interesse em implementar a Lei nas escolas municipais, de modo que, segundo os profissionais entrevistados, não existe nem um tipo de orientação por parte da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto, em desenvolver o tema ou até mesmo disponibilizar material pedagógico. Outra questão que emperra na discussão da cultura afro-brasileiro é “a resistência dos professores da rede pública, a falta de empenho político dos técnicos e a falta de obrigatoriedade de aplicar a lei deixavam ao interesse dos professores a opção de capacitar-se ou não nestas disciplinas” (RODRIGUES, p.95, 2004. In. ROCHA, 2004.). A gestão das escolas e das secretarias precisam garantir a execução da Lei nº 10.639 de 2003 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, pois não basta ter as leis, ou então estarem garantidas no PPP e no Currículo escolar. Será o dia a dia dos professores, sua formação, sua concepção de mundo e sua opção de sociedade. Conforme o Parecer n°3/2004, diz que:


[...] procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros (Parecer n°3/2004, p.2).

Deste modo, a Lei nº. 10.639/2003, vem para quebrar esses paradigmas e assim garantir, a implantação de conteúdos que aborde o continente africano e a cultura afro-brasileira de maneira que seja desenvolvido em todos os anos escolares para que os/as estudantes conheçam as raízes históricas da população brasileira. Nesse sentido, a respeito das instituições de ensino e a quem elas servem: [...] a educação formal não é força ideologicamente primaria que consolida o sistema do capital; tampouco ela é capaz de por si só, fornecer uma alternativa emancipadora radical. Uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados[...] (MÉSZARO, p. 45, 2005).

Partindo da reflexão de Mészaros (2005), a respeito da educação formal não fica difícil perceber que nossas instituições de ensino cumprem dois papéis em nossa sociedade. Ao mesmo tempo que essa escola está cumprindo um papel emancipador, de proporcionar as crianças, jovens e adultos momentos importantes de reflexão, também cumpre um papel de não discutir muito a ordem vigente, principalmente a ordem do capital internacional, que vem se reproduzindo a passos ou largos, deixando portanto, de lado debates e questões relevantes fora de discussão, a exemplo das ralações étnico-raciais que estão postas em nossa sociedade desde 1500. Para tanto, é de fundamental importância que a discussão e o estudo da cultura afro-brasileira esteja presente no currículo e não


surja como mais um dia de folclore, comemorado no dia 13 de maio, fazendo menção a Abolição da escravatura e no dia 20 de novembro comemorando dia da consciência negra, em nome de Zumbi dos Palmares. Aqui em São Gabriel do Oeste, o debate e a implementação do ensino de história da África e afro-brasileira ainda não foi implementado, sendo apenas discutidos em momentos pontuais, como o Dia Nacional da Consciência Negra. Deixando claro que é um tema que não tem muita relevância. Mesmo São Gabriel sendo um município onde muitas políticas já foram implementadas. Porém, essa temática ainda não foi vista como algo necessário para ser debatida em nossas escolas. Segundo a entrevista realizada com as professoras e professores no mês de março de 2014, quando foi perguntado a respeito das disponibilidades de material didáticos para desenvolver aulas a respeito da história da África e afro-brasileira, das 25 pessoas entrevistadas 16 afirmam que as vezes é disponibilizado e três afirmavam que não conhece se existe esse tipo de material e 6 afirmaram que sempre é colocado à disposição. A partir das afirmações feitas pelas pessoas entrevistadas, é possível percebermos que de fato não há um interesse maior da rede em implementar a Lei. Outro fato interessante é que majoritariamente todas as pessoas que foram entrevistadas afirmaram que tinham interesse em participar de formação para melhor desenvolver o tema em sala de aula. Porém, temos visto muito pouco por parte do sistema de ensino local, onde o mesmo tem disponibilizado pouca formação continuada com tal temática na rede para os professores. A Lei 10.639/03, já está indo para o seu décimo primeiro aniversário e parece que nada feito para que ela seja de fato implementada no conteúdo das escolas municipais na íntegra e não apenas em datas comemorativas. As entrevistas realizadas nas escolas, nos apresenta claramente que o tema é pouco discutido em sala, pois são poucos os professores e professoras que ao menos conhece a lei e nem sequer sabem da sua obrigatoriedade. A grande maioria afirma não conhecer ou simplesmente discutir o tema em datas comemorativas, deixando os demais meses do ano sem se discutir muito. A questão é que nossos profissionais não estão preparados para


debater um tema dessa natureza, primeiro porque a grande maioria desses profissionais acreditam que o preconceito existe apenas na cabeça do negro, da negra. Apresentar para nossas crianças que num passado recente a população negra foi deixada a própria sorte. Para tanto implementar a legislação é de fato uma grande necessidade para nossa sociedade e nosso sistema educacional, inclusive repensar a qualificação dos profissionais, formar uma nova geração de professores com a mente mais aberta e com possibilidade de se fazer análises da realidade de nossas comunidades, dos bairros que estão trabalhando para que então possam perceber as crianças de baixa renda de maneira diferente, compreender que leis como essas são de fundamental importância. Outro fato interessante, que mais uma vez revelou a falta de interesse por parte das direções escolares em debater o tema, foi na realização do 1º Seminário municipal que foi promovido pelo Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação(SIMTED) e Comissão Pastoral da Terra(CPT) e pela Prefeitura Municipal por meio do Departamento de Políticas Públicas para a Mulher e Direitos Humanos, Igualdade Racial e Juventude, que teve como tema Educação, Igualdade Racial e Gênero, das 5 escolas municipais e dos 4 CMEIS e das 4 escolas estaduais existentes no município, apenas duas diretoras do ensino fundamental da rede municipal e uma diretora de um CMEI se fez presente, juntamente com a Secretária Municipal e alguns membros da equipe pedagógica. Portanto, para construirmos uma educação anti racista, não sexista, é repensar os modelos de formação de diretoras, diretores, coordenadores(as) e professores, a pesquisa mostrou que não basta apenas criar as leis e as resoluções é necessário também repensar a estrutura educacional e construir novas formas de ensinar e apreender, para então termos uma educação libertadora, que seja capaz de forma cidadãos críticos, que formem para o trabalho, mas também forme para a vida.


BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 2004. Brasil, Ministério da Educação / Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais Brasília: SECAD, 2006. _______, Relações raciais na escola: reprodução de desigualdades em nome da igualdade / coordenação de Miriam Abramovay e Mary Garcia Castro. — Brasília: UNESCO, INEP, Observatório de Violências nas Escolas, 2006. 370p. 1. Discriminação Étnica – Escolas. Disponível em http:// unesdoc.unesco.org/images/0014/001459/145993por.pdf _______. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 20003. Diario Oficial da União de 10 janeiro de 2003. _______. Constituição Federal(1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado 1988. _______. IPEA. PNAD, Educação, Juventude Raça/Cor, 2007. DIAS, Lucimar Rosa. Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial na Educação Infantil, Existe? 2014 (Não Publicado). HASENBALG. Carlos; Lugar de Negro. Ed Marco zero Ltda, 1982, Rio de janeiro. ROCHA, Maria José; PANTOJA, Selma. Rompendo Silêncios: História da África nos currículos da Educação Básica. Brasília: DP Comunicações Ltda., 2004. SANTOS, Sales Augusto dos. A lei nº 10.639/03 como fruto da luta antiracista do movimento negro. Disponível em: http:// www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais-1/catalogo/ orgao-essenciais/secretaria-de-politicas-de-promocao-de-igualdade-racial/plano-nacional-de-implementacao-das-diretrizes-curriculares-nacionais-para-educacao-das-relacoes-etnico-raciais-e-para-o-ensino-dehistoria-e-cultura-afrobrasileira-e-africana/view Acessado em 11/07/ 2014.


https://www.google.com.br/search?q=frases+contra+o+racismo &espv=2&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=GQWzU8v_ CJStsQS6m4GABw&sqi=2 &ved=0CAYQ_AUoAQ&biw=1366&bih=624: Acessado em 01/07/2014 . Disponível em: http://www.saogabriel.ms.gov.br/historia. Acessado em 01/07/2014 . Acessado em 28/08/2014. Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa - GEMAA. (2011) “Ações afirmativas”. Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br/ index.php?option=com_k2&view=item&layout=item&id=1&Itemid=217


O artigo apresenta um recorte da pesquisa de doutorado que busca analisar o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano), no contexto das políticas públicas educacionais, efetivado pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, no período de 2012 a 2014. Trata-se de um programa formulado pelo Governo Federal para jovens de 18 a 29 anos, que sabem ler e escrever e que não tenham concluído o ensino fundamental, executado em cooperação com os sistemas públicos de ensino dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Neste texto, apresenta-se, com base em documentos oficiais, a contextualização do processo de constituição do Projovem Urbano, desde a sua implantação em 2005, no primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), no âmbito da Política Nacional de Juventude, até a sua inserção, em 2012, na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), quando o programa passou a ser executado pelo Ministério da Educação.


Políticas Públicas Educacionais. Projovem Urbano. Juventude.

Este artigo faz um recorte da pesquisa de doutorado que busca analisar as políticas públicas educacionais desenvolvidas para jovens de 18 a 29 anos, por meio do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano) promovido pelo Governo Federal e realizado em municípios de Mato Grosso do Sul, por meio da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul no período de 2012 a 2014. Neste texto, apresenta-se, com base em documentos oficiais, o processo de constituição do Projovem Urbano, desde a sua implantação em 2005, no primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), no âmbito da Política Nacional de Juventude, até a sua inserção, em 2012, quando o programa passou a ser executado pelo Ministério da Educação por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). O projeto vincula-se ao projeto denominado “Planejamento da Educação em Municípios Sul-Mato-Grossenses: implicações para a gestão democrática e o direito à educação”, aprovado pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT/MS), do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação (GEPPE), na Linha 1 Políticas Educacionais, Gestão da Escola e Formação Docente, do Programa de PósGraduação em Educação - Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano) é um programa desenvolvido pelo Governo Federal destinado para jovens de 18 a 29 anos, que sabem ler e escrever e que não tenham concluído o ensino fundamental, executado em cooperação com os sistemas públicos de ensino dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Trata-se de um programa voltado para um público de


jovens que por diferentes fatores, “foram excluídos do processo educacional, de modo a reduzir a exposição desses jovens a situações de risco, desigualdade, discriminação e outras vulnerabilidades sociais”. (BRASIL, 2011). O programa a partir de 2012 tem uma duração de 18 meses e proporciona aos jovens participantes “a conclusão do ensino fundamental, treinamento em informática, formação profissional inicial e atividades de participação cidadã”. (BRASIL, 2011). O programa assegura aos jovens que cumprem determinados requisitos de frequência e elaboração de trabalhos durante o curso é concedido um benefício de uma bolsa auxílio mensal de R$ 100,00. Torna-se imprescindível uma contextualização histórica da trajetória da constituição do Projovem Urbano, já que o mesmo Programa foi alterado e realizado algumas mudanças ocorridas em sua instituição entre a primeira e a segunda fase (Projovem Original e Projovem Urbano) e a transferência organizacional da Secretaria Geral da Presidência da República para o Ministério da Educação (MEC) por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI-MEC), a partir de 2011. O Projovem foi instituído por meio da Lei 11.129, de 30 de junho de 2005, vinculado à Secretaria Geral da Presidência da República2. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica instituído, no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem, programa emergencial e experimental, destinado a executar ações integradas que propiciem aos jovens brasileiros, na forma de curso previsto no art. 81 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, elevação do grau de escolaridade visando a conclusão do ensino fundamental, qualificação profissional voltada a estimular a inserção produtiva cidadã e o desenvolvimento de ações comunitárias com


práticas de solidariedade, exercício da cidadania e intervenção na realidade local. (BRASIL, 2005).

De acordo com a Lei 11.129/2005, o Projovem buscou-se como meta atuar em todas as 27 capitais brasileiras, a partir de 2005 e, desde 2006, expandir o Programa para as cidades com número igual ou superior a 200.000 habitantes. (BRASIL, 2009).3 De acordo com estudos realizados por Soares, o público alvo do programa era uma “juventude” concentrada nos ambientes urbanos, que não tinham trabalho formal e nem estavam estudando. “O seu foco consistia em aumentar a escolarização de seus participantes, com a conclusão do ensino fundamental, iniciar o jovem ao “mundo do trabalho” por meio da qualificação profissional” (SOARES, 2013, p. 69). Conforme a Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005, foram oferecidas vagas para jovens de 18 a 24 anos que tivessem concluído a 4.ª (quarta) série e que não tivessem concluído a 8ª (oitava) série do ensino fundamental e que não tivessem vínculo empregatício. O curso tinha duração de 12 meses. Os alunos participantes do programa que cumprissem o mínimo de 75% de presença em sala de aula, recebiam R$ 100,00 por mês, como bolsa auxílio4. Nesse sentido, a criação do programa Projovem Urbano visa responder às questões advindas da situação de vida da juventude, especialmente a dos jovens considerados em situação de vulnerabilidade social. Nesse contexto, inúmeros textos abordam o que significa ser jovem ou o que é a Juventude. Bourdieu (1983) afirma que “juventude” é apenas uma palavra adjetiva, se não for utilizada levando em consideração alguns critérios como, por exemplo, o contexto histórico e social no qual o jovem está inserido. É neste sentido que esse segmento da sociedade deve ser compreendido sempre em constante transformação, levando-se em consideração as diversas dimensões da vida social. Isso significa dar importância aos aspectos pessoais, culturais,


familiares, psíquicos, econômicos e políticos que norteiam o contexto juvenil, pois estes são reflexos da realidade em que o jovem está inserido. Podemos perceber que cada sociedade estabelece um limite etário sobre o que é ser jovem de acordo com o seu contexto histórico. Consideramos que não existe uma única “juventude”, mas sim “juventudes”, tanto no que se refere ao cotidiano dos jovens, como nas relações que estes estabelecem com o meio em que vivem. Tendo-se uma visão generalizada de juventude, deixamos de lado a grande heterogeneidade social, ao utilizarmos “juventude” no plural, buscamos romper com as generalizações que ocultam as variadas realidades da vida juvenil repletas de especificidades que diferenciam cada jovem. Segundo Ferreira (2013), as relações entre as famílias populares e a escola tem sido marcadas por diferenças e conflitos investigados por extensa literatura. Nesse confronto, os valores e conhecimentos produzidos e transmitidos na escola geralmente desfrutam de mais legitimidade do que aqueles oriundos das famílias populares, estimulando a conversão das diferenças em desigualdade. A autora dialogou com pesquisadores de olhares divergentes e convergentes que investigam as interações entre as famílias populares e escola. De acordo com Ferreira as famílias populares discorram mais sobre questões domésticas do que sobre as pedagógicas, em virtude de não sobreporem a escola a outras esferas da vida. Os estudos indicam que as famílias priorizam a dimensão afetiva e relacional em detrimento da cognitiva, que é estimada pelo sistema escolar. Esse sistema legitimaria práticas e representa­ções das classes dominantes, em oposição às não dominantes. Para Thin (2006), em sua reflexão sobre a escola como ambiente de reprodução da desi­gualdade social, as classes populares aparecem como submissas, sem autonomia simbólica. Estudos realizados em 2005 por Blanco (2010)5 indicam que haviam aproximadamente 34 milhões de jovens na faixa etária de 15 a 24 anos que se encontrava atingida pelos piores índices de “desem-


prego, evasão escolar, falta de formação profissional, mortes por homicídio, envolvimento com drogas e com criminalidade”. (BRANCO, 2010, p. 10). Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)6 demonstram que, em 2006, os jovens entre 15 e 29 anos de idade somavam 51,1 milhões de pessoas, o que então correspondia a 27,4% da população nacional total. Sobre o tema desemprego, este se apresenta como um problema cada vez mais grave para os jovens entre 15 anos e 29 anos, que já respondem por 46% do total de indivíduos nesta situação no país. De acordo com Castro e Aquino (2009), a ocupação é outro problema sério, “50% dos ocupados entre 18 anos e 24 anos são assalariados sem carteira assinada, ficando em 30% para os que têm de 25 anos a 29 anos de idade”. (CASTRO; AQUINO, 2009, p. 31)7. Por fim, a insuficiência de rendimentos é um risco para boa parcela da juventude brasileira, “31% dos indivíduos entre 15 anos e 29 anos podem ser considerados pobres, pois tem renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo” (CASTRO; AQUINO, 2009, p. 31). Com relação à educação, 2,8% são analfabetos, 68,3% não frequentam atividades regulares de ensino e 19,9% não concluíram o ensino fundamental (CASTRO; AQUINO, 2009, p. 32). Portanto, os registros de estatísticas sobre a juventude no Brasil, realizadas por pesquisadores, com dados que diagnosticou que havia milhões de jovens que não frequentavam a escola e nem uma espécie de trabalho formal eram um dos fatores que preocupavam o governo federal. Nesse sentido, o ano de 2004 foi muito importante em relação às políticas públicas dirigidas para a juventude, já que foi criado um grupo interministerial, coordenado pelo então ministro-chefe da Secretaria geral da presidência da república, para discutir a realidade da juventude brasileira e propor ações efetivas para a constituição da política nacional de juventude.


É importante salientar a análise da ação política do governo brasileiro nesta época, por ter a sensibilização da criação de um programa como forma de resposta à situação de muitos jovens no ambiente urbano, sem frequentar a escola e sem emprego. De acordo com Swamy de Paula Lima Soares (2013) um ponto importante para as ações concretas para a juventude brasileira, tomada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi um documento, “produzido entre agosto de 2003 e maio de 2004 pelo Instituto Cidadania e que fora entregue em mãos ao Presidente da República” (SOARES, 2013, p. 65). Vale a pena ressaltar que o Instituto Cidadania (fundado em 1989) era uma instituição ligada ao então candidato à presidência da república Luiz Inácio Lula da Silva. “Parece claro, portanto, que as recomendações encontradas no documento final do Projeto Juventude foram consideradas pelo grupo interministerial que iria criar o Projovem” (SOARES, 2013, p. 65). Segundo Soares (2013) essas articulações foram fundamentais para tomadas de medidas concretas para as políticas públicas para a juventude realizadas pelo governo. Nesse contexto, foi criado o Programa Projovem, instituído por meio de Lei n.º 11.129, de 30 de junho de 20058. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica instituído, no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem, programa emergencial e experimental, destinado a executar ações integradas que propiciem aos jovens brasileiros, na forma de curso previsto no art. 81 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, elevação do grau de escolaridade visando a conclusão do ensino fundamental, qualificação profissional voltada a estimular a inserção produtiva cidadã e o desenvolvimento de ações comunitárias com


práticas de solidariedade, exercício da cidadania e intervenção na realidade local. (BRASIL, 2005).

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva criou um programa que aliasse o combate à ausência de escolarização com elementos introdutórios de formação para o trabalho formal e formação cidadã. O Programa Projovem chamava-se nesta primeira fase de Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária – Projovem. Este programa foi estabelecido como componente estratégico da Política Nacional de Juventude. O Projovem foi instituído em 2005, juntamente com a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de Juventude, vinculados à Secretaria Geral da Presidência da República9. A Política Nacional de Juventude e, em especial, sua diretriz de promover a inclusão social dos jovens, constituiu o eixo orientador desse programa. De acordo com Swamy de Paula Lima Soares (2013) o programa funcionou em 2005 em um sistema entre a esfera federal e os municípios que iniciaram o Projovem neste ano como projeto piloto. Após a criação do Projovem, como um dos frutos do trabalho desenvolvido pelo grupo interministerial, o programa fora aplicado como projeto piloto em quatro cidades no ano de 2005 (Recife, Porto Velho, Salvador e Fortaleza). No ano de 2006 fora implantado em todas as capitais dos Estados e no Distrito Federal e, posteriormente, em municípios com mais de 200.000 habitantes. (SOARES, 2013, p. 68).

O público alvo do programa era “uma juventude” concentrada nos ambientes urbanos, que não tinham trabalho formal e nem esta-


vam estudando. “O seu foco consistia em aumentar a escolarização de seus participantes, com a conclusão do ensino fundamental, iniciar o jovem ao “mundo do trabalho” por meio da qualificação profissional” (SOARES, 2013, p. 69). Conforme a Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005, foram oferecidas vagas para jovens de 18 a 24 anos que tivessem concluído a 4.ª (quarta) série e que não tivessem concluído a 8ª (oitava) série do ensino fundamental e que não tivessem vínculo empregatício. O curso tinha duração de 12 meses. Os alunos participantes do programa que cumprissem o mínimo de 75% de presença em sala de aula, recebiam R$ 100,00 por mês, como bolsa auxílio10. O decreto nº 5.557 de 05 de outubro de 2005 regulamenta o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), com pretensões de contribuir para jovens de 18 a 24 anos com este programa. Art. 3º O Projovem deverá contribuir especificamente para: I - a reinserção do jovem na escola; II - a identificação de oportunidades de trabalho e capacitação dos jovens para o mundo do trabalho; III a identificação, elaboração de planos e desenvolvimento de ações comunitárias; e IV - a inclusão digital dos jovens, para que desfrutem desse instrumento de inserção produtiva e de comunicação. (BRASIL, 2005b).

A regulamentação do Projovem por meio do decreto 5.557 de 2005, ficou estabelecido para cada município instituir um Comitê Gestor do programa, com participação de representantes das áreas da juventude, da educação, do trabalho e assistência social. De acordo com o decreto, o Comitê Gestor Local contava com integrantes do Ministério da Educação, Trabalho e Emprego e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome que tinham que observar a intersetorialidade sem prejuízos aos entes federados participantes do programa Projovem. Parágrafo único. No âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal,


a gestão e a execução do Projovem dar-se-ão por meio da conjugação de esforços entre os órgãos públicos das áreas de educação, de trabalho, de assistência social e de juventude, observada a intersetorialidade, sem prejuízo de outros órgãos e entidades da administração pública estadual, municipal e da sociedade civil. (BRASIL, 2005b).

A Coordenação do Comitê Gestor Nacional ficava a cargo do representante da Secretaria Geral da Presidência da República. Integravam o Comitê Gestor Nacional o titular da Secretaria Nacional da Juventude e a coordenação nacional do programa. Os municípios tinham a responsabilidade de garantir a estrutura física do funcionamento dos núcleos que neste Programa de 2005 não precisavam ser necessariamente em escolas para se efetivar o Projovem. A partir de 2008 com a instituição da Lei n.º 11.692, de 10 de junho de 2008 e de sua regulamentação por meio do decreto n.º 6.629, de 04 de novembro de 2008, passa-se a exigir que seja realizado o programa do Projovem em escolas públicas e destinado para jovens de 15 a 29 anos. O curso passa também a ter duração de 18 meses. Conforme o decreto n.º 6629 de 2008, o Projovem é destinado para jovens de 15 (quinze) a 29 (vinte e nove) anos, com o objetivo de promover sua reintegração ao processo educacional, sua qualificação profissional e seu desenvolvimento humano. Art. 2o O Projovem tem por finalidade executar ações integradas que propiciem aos jovens brasileiros reintegração ao processo educacional, qualificação profissional em nível de formação inicial e desenvolvimento humano. (BRASIL, 2008).

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), criado em 2005 foi reestruturado no ano de 2008, quando passou a ser denominado de “Projovem Integrado” 11 , neste período de implementação, o programa foi uma extensão da Política Nacional de Juventude e se dividiu em quatro modalidades, Projovem Adoles-


cente, Projovem Urbano, Projovem Campo “Saberes da Terra” e Projovem Trabalhador. De acordo com Decreto-Lei nº 6629 de 2008, o Projovem Integrado foi voltado para jovens com diferentes perfis e que a iniciativa busca a elevação de escolaridade, a qualificação profissional e a inclusão cidadã, nesse sentido, para a efetivação do programa federal sempre contou com a participação dos entes federados, do Distrito Federal, dos estados, e dos municípios. De acordo com o decreto n.º 6629 de 2008, os ministérios responsáveis pela execução dos programas ficaram assim distribuídos, o Projovem Adolescente, foi coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Projovem Urbano e o Projovem Campo - Saberes da Terra, pelo Ministério da Educação, e o Projovem Trabalhador pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Em 2008, além da continuidade da execução do Projovem Original, por meio da parceria com prefeituras municipais de todas as capitais brasileiras e cidades de regiões metropolitanas, conforme o Relatório de Gestão de 2008, houve também a implementação do Projovem na modalidade Urbano, “com a incorporação, ampliação e aprimoramento dos aspectos bem sucedidos do programa original, além da proposição de novas estratégias para superação das dificuldades encontradas” (BRASIL, 2008b). O Relatório de Gestão de 2008, relata que os jovens que participam do Programa apresentam alguns traços marcantes que foram considerados em todos os momentos da implementação do Projovem. São jovens que: · moram nas periferias das grandes cidades, encontram-se excluídos da escola e do trabalho e marcados por diversos e profundos processos de discriminação: étnico-racial, de gênero, geracional, de religião, entre outros; · vivenciam uma experiência geracional inédita que os conecta a processos globais de comunicação e, ao mesmo tempo, a complexas realidades locais de exclusão; · apresentam especificidades quanto a linguagens, motivações, valores, comportamentos, modos de vida e, ainda, em relação ao trabalho, à escola, saúde, religião, violência, questão sexual etc; · revelam trajetórias pessoais bastante diferenciadas entre si, marcadas pelos ditames da sociedade de consumo, por experiências


de risco e por situações de violência, mas também por novas formas de engajamento social geradoras de autovalorização e construtoras de identidades coletivas. (BRASIL 2009, p. 7).

Este programa que tem como intuito atender a uma juventude que estão em “vulnerabilidade” revela a importância social do mesmo. Conforme os documentos oficiais aqui elencados (leis e decretos) o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem, foi instituído no Governo Federal, como um Programa de gestão compartilhada entre vários Ministérios (Secretaria-Geral da Presidência da República, Ministério da Educação, Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome). Isso representa, além do compartilhamento das decisões políticas e técnicas sobre a condução do Programa, uma interação muito grande na execução das ações previstas. Essa prática repetiu-se para o Projovem Urbano. Conforme os dados apresentados no Relatório de Gestão/2008, nos anos de 2005 a 2008, “foram inscritos 521.241 jovens e, segundo o Banco Nacional de Dados do Projovem Original, 241.228 alunos foram matriculados no total 205.992 jovens nas capitais e no Distrito Federal e 35.236 nas cidades das regiões metropolitanas das capitais”. (BRASIL 2009, p. 8). O Relatório de Gestão/2008 (2009), também apresentou dados do Projovem Urbano o ano de 2008, nesse sentido, o documento teve como meta acordada total 768.055 jovens, sendo que, “diferentemente do Projovem Original, passou a contar com a participação direta dos Estados da Federação para atuarem junto aos Municípios com população inferior a 200 mil habitantes, em todo o Brasil” (BRASIL 2009, p. 8). De acordo com o Relatório de Gestão, no caso de Municípios com número igual ou superior a 200 mil habitantes, a implantação do Programa previu parceria direta com as Prefeituras locais. No total, aderiram ao Projovem Urbano 128 Entes Federados: 105 municípios com população igual ou superior a 200 mil habitantes (sendo 55 municípios já atendidos pelo Projovem Original) e 23 Estados. A meta acordada para 2008 foi na ordem de 334.225 jovens,


sendo que, 24 Municípios e 1 Estado tiveram aulas iniciadas em 2008, totalizando 89.942 matrículas. Os demais jovens estão em processo de matrícula realizada por 22 Estados e 82 Municípios que aderiram ao Programa até o momento. (BRASIL, 2009, p. 8).

No ano de 2007, várias cidades solicitaram ampliação de meta e isso gerou a elaboração de novos convênios, firmados entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE/MEC, como concedente, a Secretaria-Geral da Presidência da República, como interveniente e as Prefeituras, como convenente, por meio de recursos destacados da Presidência da República a essa Autarquia vinculada ao Ministério da Educação. Percebe-se que o programa Projovem Original teve ações por parte do governo federal de suma importância para a sua implantação em municípios igual ou superior a 200.000 mil habitantes. Conforme as leituras realizadas até o momento indicam que a Secretaria Nacional de Juventude - em gestão compartilhada com o Ministério da Educação, o Ministério de Desenvolvimento Social e o Ministério do Trabalho e Emprego - implantou e coordenou o programa, voltada para os jovens que não concluíram o Ensino Fundamental. Assim, com a implantação do programa possibilitou para milhares de jovens a garantia da elevação de escolaridade, a qualificação profissional inicial e a inclusão cidadã de jovens, já que o Projovem Urbano difundiu se por todo o Brasil, contando com intensa participação da sociedade civil, das Universidades, de especialistas em políticas de juventude e de gestores estaduais e municipais. No dia 30 de junho de 2011 ano de 2011 a Secretaria-Geral da Presidência da República e o Ministério da Educação (MEC) anunciaram em uma nota oficial que o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano) está em fase de transição da Secretaria Nacional de Juventude para o ministério da educação em definitivo. A Secretaria Geral da Presidência da República e o Ministério da Educação comunicam que o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano) está em fase de transição da Secretaria Nacional de Juventude para o MEC. A decisão do Governo Federal de


promover essa transferência visa garantir a atualização, o aperfeiçoamento e a expansão do programa. (BRASIL, 2011).

A transferência da coordenação do Projovem Urbano para o MEC, após seis anos de experiência em capitais e cidades de porte ou acima de 200.000 mil habitantes, foi divulgada em nota conjunta, pela Secretaria Geral da Presidência da República e pelo Ministério da Educação, os quais explicaram que essa transferência visa garantir “a atualização, o aperfeiçoamento e a expansão do programa” (BRASIL, 2011).12 A nota publicada e assinada pelo Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho e do Ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmavam que a transferência do Projovem propõem ultrapassar sua etapa de implantação para dar lhe a condição de política pública vinculada à estrutura do sistema educacional brasileiro. “Com isso, sua potencialidade já demonstrada poderá ser plenamente realizada, ampliando expressivamente sua abrangência e aperfeiçoando sua execução”. (BRASIL, 2011). A incorporação do Projovem Urbano na estrutura do Ministério da Educação, com a participação da Secretaria Nacional de Juventude em seu Comitê Gestor, de acordo com a nota oficial (2011), esta medida fortalecerá o programa como meio de assegurar aos jovens das cidades o acesso ao direito universal à Educação e reforçará seu caráter de instrumento fundamental de consolidação da Política Nacional de Juventude Vale a pena ressaltar a permanência da estrutura central do Projovem Urbano funcionado com o tripé de formação (escolarização, iniciação ao mundo do trabalho e desenvolvimento de ações comunitárias - cidadania), a manutenção de uma estrutura própria (incluindo a contratação de professores, material didático, dentre outros) e a bolsa auxílio ao estudante de R$ 100,00. O Projovem Urbano é um programa que é executado em parceria com os sistemas públicos de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.


A Resolução de n.º 8 de 16 de abril de 2014 normatiza as condições necessárias para os estados aderirem ao Projovem Urbano. “§ 3º Os estados poderão fazer adesão ao Projovem Urbano para implementá-lo nos municípios de sua abrangência territorial, desde que essas localidades não tenham feito adesão por intermédio de suas secretarias municipais de educação”. (BRASIL, 2014). De acordo com a Resolução n.º 8 de 2014, os governos estaduais que aderirem ao Projovem Urbano deverão atender aos jovens aptos a participar do Programa, residentes nos municípios sob sua jurisdição que tenham população inferior a cem mil habitantes, devendo garantir, nesses casos, que as atividades do curso sejam iniciadas com no “mínimo 200 estudantes agrupados em um núcleo, que poderá ser constituído tanto por turmas de jovens residentes no município quanto por turmas de dois municípios próximos”. (BRASIL, 2014). O Edital do governo do Estado de Mato Grosso do Sul n.º 14/ 2014 de 23 de setembro de 2014, do qual contrata professores para o “Processo Seletivo Simplificado/SED/MS – Projovem Urbano” demonstra o total de dezesseis municípios que aderiram ao Projovem Urbano em Mato Grosso do Sul, Anastácio, Antônio João, Bonito, Camapuã, Campo Grande, Coronel Sapucaia, Costa Rica, Coxim, Deodápolis, Dourados, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã, Sidrolândia, Terenos e Três Lagoas.

Entende-se que os documentos não falam por si mesmos ou que seja uma verdade absoluta e definitiva. Entende-se que não há uma interpretação universal, total e determinante de um texto, nem uma decodificação conclusiva ou que os leitores não leem de maneira semelhante e nem estabelecem a mesma relação com o texto escrito. Além de que as práticas de leitura variam no tempo, lugar, conforme as expectativas e interesses dos próprios leitores. Mas também se tem consciência que a linguagem é capaz de recriar a realidade. Por isso, as leituras sempre podem abrir novas possibilidades de olhares diferenciados. Mas é importante ressaltar, que as leis, os decretos, as resoluções, contribuem efetivamente para entendimentos elementares sobre o tema aqui proposto indicam as mudanças ocorridas entre a


primeira e a segunda fase (Projovem Original e Projovem Urbano) e a transferência organizacional para o Ministério da Educação por meio da SECADI-MEC. O Projovem Urbano foi criado com objetivo de atender jovens que historicamente foram excluídos do processo educacional. Nesse sentido, a criação do programa visa responder às questões advindas da situação de vida da juventude, especialmente a dos jovens considerados em situação de vulnerabilidade social. Em levantamento preliminar, observa-se que as políticas públicas educacionais que contemplam o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano) no âmbito da Secretaria de Estado de Educação carecem de estudos mais profundos em relação ao estado de Mato Grosso do Sul e que as considerações aqui ponderadas estão em fase de início das investigações. Mas ao que tudo indica o aumento de municípios e consequentemente de alunos ao programa faz com que o Projovem Urbano em Mato Grosso do Sul contribui como experiência dirigida à parcela da juventude diagnosticamente mais afetada pelos processos de exclusão econômica e social.

BLANCO, Diego Monte. O Projovem Urbano na trajetória das políticas para juventude - desafios do programa e perspectivas de análise. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Volume 2. Número 03. Julho de 2010 BOURDIEU, Pierre. A juventude é apenas uma palavra. In:______. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. p. 112-121. BRASIL, Ministério da Educação Resolução CD/FNDE n.º 41, de 24 de agosto de 2012. BRASIL, Ministério da Educação Resolução CD/FNDE n.º 54, de 21 de novembro de 2012. BRASIL, Ministério da Educação Resolução CD/FNDE n.º 58, de 30 de dezembro de 2013. BRASIL, Ministério da Educação Resolução CD/FNDE n.º 8, de 16 de abril


de 2014. BRASIL, Ministério da Educação. Nota Técnica Projovem Urbano, Nº 02/ 2012/MEC/SECADI/PROJOVEM URBANO. 2012. Assunto: ações relativas ao início das atividades do Projovem Urbano e calendário para a edição 2012 do Programa. Assinado pela Equipe de Transição do Projovem Urbano para o MEC Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SECADI/MEC. BRASIL, Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB nº. 18/2008, aprovado em 06 de agosto de 2008. A fundamentação legal para a elaboração das Diretrizes e Estratégias Curriculares do Projovem Urbano, bem como para sua proposta de implantação, execução e gestão compartilhada. Disponivel em, file:///C:/Users/Cliente/Downloads/ Projovem_urbano_parecer_18_2008%20(3).pdf, acesso dia 12 de setembro de 2014. BRASIL, Ministério da Educação. Resolução CD/FNDE n.º 60, de 09 de novembro de 2011. Estabelece os critérios e as normas de transferência automática de recursos financeiros ao Distrito Federal, aos estados e a municípios com cem mil ou mais habitantes, para o desenvolvimento de ações do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem Urbano, para entrada de estudantes a partir de 2012. BRASIL. Decreto n° 5.557, de 05 de outubro de 2005. BRASIL. Decreto-Lei nº 6629, de 4 de novembro de 2008. Regulamenta o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - Projovem, instituído pela Lei no 11.129, de 30 de junho de 2005, e regido pela Lei no 11.692, de 10 de junho de 2008. BRASIL. Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem; cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 jul. 2005. BRASIL. Portal Brasil. Programa capacita jovens para o mercado de trabalho. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/educacao/2012/04/programa-capacita-jovens-para-o-mercado-de-trabalho. Acesso em: 10 de no-


vembro de 2014. BRASIL. Portal Brasil. Projovem Urbano será incorporado pelo Ministério da Educação. (2011). <http://www.brasil.gov.br/educacao/2011/06/ Projovem-urbano-sera-incorporado-pelo-ministerio-da-educacao>. Acesso em: 13 de julho de 2015. BRASIL. Presidência da República/Secretaria Geral da Presidência da República/Coordenação Geral do PROJOVEM. PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária. Brasília: Presidência da República, 2005. BRASIL. Presidência da República/Secretaria Geral da Presidência da República. Projeto do Programa PROJOVEM-Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária. Brasília: Presidência da República, 2006. BRASIL. R. F. Secretaria-Geral da Presidência da República. Secretaria Nacional de Juventude. Relatório de gestão ano referência 2008. BRASÍLIA, Abril/2009. 91p. CASTRO, Jorge A. de; AQUINO, Luseni Maria (Orgs.). Juventude e Políticas Sociais no Brasil. Brasília: IPEA, 2009. FERREIRA Maria Inês Caetano. Educadores e a implementação de diretrizes contra desigualdades: o caso do Projovem Urbano. Revista Educação & Pesquisa. São Paulo, v. 39, n. 1, p. 161-175, jan./mar. 2013. SOARES, 2006. Disponível em, http://www.ipea.gov.br/portal/images/ stories/PDFs/TDs/td_1185.pdf Acesso dia 30 de setembro de 2014. SOARES, Swamy de Paula Lima. Estado, políticas públicas e juventude: avaliação de efeitos de um programa federal na esfera local. 2013. 212p. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo 2013.


Este texto apresenta resultados parciais de uma pesquisa inicial de mestrado, intitulada: Políticas para a formação de professores do Curso Normal Médio: um estudo sobre a ação normativa do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul (2007-2014). A pesquisa vinculada ao Grupo de Pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação (GEPPE), mais diretamente à Linha de Pesquisa Políticas Educacionais Gestão da Escola e Formação Docente, do Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). O objetivo é investigar e registrar aspectos históricos da política de formação docente, que influenciaram a criação do Curso Normal Médio no Brasil. Com base nas Constituições Federais de 1824 a 1988 e na legislação federal, a pesquisa documental permitiu constatar que as estratégias apontadas não conseguiram atender as demandas, pois manteve o caráter dual indissociável da formação docente (a teoria e a prática). A eleva-


ção ao nível superior do antigo curso Normal emergiu visando disponibilizar um preparo profissional mais consistente aos futuros professores. No período que abrange as Constituições, as escolas normais públicas transformaram-se em uma das instituições destinadas a consolidar projetos políticos. A normatização caracterizou-se por uma situação de instabilidade, com reformas sucessivas, modificações curriculares e indefinições políticas sobre a necessidade de formar professores. Formação docente. Curso Normal. Constituições Federais.

O objetivo deste artigo é investigar e registrar aspectos históricos da política de formação docente, que influenciaram a criação do Curso Normal Médio no Brasil, desde as Constituições Federais de 1824 a 1988. A intenção desta pesquisa histórica vai além de apontar os fatos apresentados em uma certa ordem cronológica e com os quais se relacionam ações isoladas. A finalidade deste texto é realizar um primeiro exercício teórico-metodológico na busca das particularidades do Curso Normal Médio no Brasil, para identificar como ocorreram e ainda vêm ocorrendo as condições objetivas que possibilitam a manutenção desse curso no Brasil. Assim, busca-se estabelecer um elo entre o passado e presente, para evitar ao longo das investigações julgamentos apressados de qualquer espécie (SAVIANI, 2008). Segundo Shiroma (2003) e Saviani (2009), a preocupação explícita com a questão da formação de professores apareceu pela primeira vez, “[...] na Lei das Escolas de Primeiras Letras, promulgada em 15 de outubro de 1827”. Porém, isso não significa que, de acordo com Cury (2000), desde aquela época, houvesse preocupações dos governos com a formação de professores para a educação fundamental. A prioridade era a preparação de docentes, em que segundo o autor, o ensino superior “[...] foi objeto de cuidado tanto dos poderes gerais (no Império) quanto dos poderes federais (na República), pois essa preparação implica [...] a formação das novas gerações e sempre fez


parte das expectativas dos governos havidos no Brasil desde o Império” (CURY, 2000, p.3). Com base no estudo de Saviani (2009), a reconstrução das ações históricas da formação de professores no Brasil foi identificada em alguns períodos distintos, conforme apresentado a seguir.

Após a Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25 de março de 1824 surgiu a Lei das Escolas de Primeiras Letras, promulgada em 15 de outubro de 1827, que determinou a criação das escolas de primeiras letras, conforme definiu seu “Art 1º: Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessárias” (BRASIL, 1827, s/p)3. Também estabeleceu exames de seleção para mestres e mestras, conforme determinaram os artigos: Art 7º Os que pretenderem ser providos nas cadeiras serão examinados publicamente perante os Presidentes, em Conselho; e estes proverão o que fôr julgado mais digno e darão parte ao Governo para sua legal nomeação. [...] Art 9º Os Professores actuaes não seram providos nas cadeiras que novamente se crearem, sem exame e aprovação, na fórma do art. 7º (BRASIL, 1827, s/p)4.

Em 1835, foi criada a primeira Escola Normal Brasileira, pelo Decreto de Criação da Escola Normal, nº 10, de 1835, assinado pelo presidente da Província do Rio de Janeiro, José Rodrigues Torres, conforme explicitava o Art. 1º:


Haverá na Capital da Província do Rio de Janeiro huma Escola Normal para nella se habilitarem as pessoas, que se destinarem ao magistério de instrução primária, e os Professores actualmente existentes, que não tiverem adquirido a necessária instrução nas Escolas de Ensino na conformidade da Lei de quinze de outubro de mil oitocentos e vinte sete, Artigo quinto (BRASIL, 1835, s/p)5.

Esse decreto abriu caminho para que a maioria das províncias brasileiras, no século XIX, criasse as suas escolas normais. Porém, como eram consideradas muito onerosas, “[...] adotadas já a partir de 1835, somente adquiriu certa estabilidade após 1870 [...]”, havendo construção de unidades em outros Estados do país. Essas escolas, entretanto, tiveram existência intermitente, sendo fechadas e reabertas periodicamente segundo (SAVIANI, 2009, p. 144). Segundo Tanuri (2000, p. 64), essas escolas normais tiveram uma “[…] trajetória incerta e atribulada, submetidas a um processo contínuo de criação e extinção”, pois se consolidam com base nas “[…] ideias liberais de democratização e obrigatoriedade da instrução primária, bem como de liberdade de ensino”. Porém, realçava também, conforme Bigarella (2015, pp.3-4), “[…] as qualidades inatas e o esforço pessoal do indivíduo […], a vocação cívica e nacionalista, [a] laicização do currículo do Instituto Nacional, importantes para o estabelecimento de outra estrutura estatal”. Para Jacomeli e Xavier (2003, p. 196), a concepção liberal “[…] influenciou projetos e reformas no período imperial, tanto no âmbito nacional, como nas províncias”. De acordo com a mesma autora, “[…] algumas reformas da instrução pública ocorridas no Brasil, às vésperas da república, já traziam algum esboço do ideário republicano a ser implantado”. Como exemplo: “[…] a Reforma, em 1879, de Leôncio de Carvalho que, dentre outras medidas, propunha a liberdade de ensino e a obrigatoriedade do nível primário do primeiro grau”. Reforçou a instalação de outras escolas normais pelo país, organizada pela “[…] reforma da instrução pública do estado de São Paulo levada a efeito em 1890” (SAVIANI, 2009, p.145)


A reforma da instrução pública do Estado de São Paulo começou em 1890, segundo Saviani (2006, p.23) pela Escola Normal, por meio do Decreto de 12 de março de 1890 elaborado por Caetano Campos e Rangel Pestana, com base na experiência da Alemanha, Suécia e Estados Unidos, para instalar escolas-modelo de 2º e 3º graus, anexas à Escola Normal. Porém, em 8 de novembro de 1890, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, via Decreto n. 981/1890, sancionado por Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, aprovou o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal (BRASIL, 1890). Esse regulamento que propôs uma reforma no ensino brasileiro, de acordo com Saviani (2009, p.3-4), iniciou-se pela “[...] implantação do ensino graduado na Escola Normal, à vista do entendimento de que a condição prévia para a eficácia da escola primária é a adequada formação de seus professores”, conforme demonstra o documento a seguir. Entretanto, embora tenha proposto o ensino graduado na Escola Normal, o Regulamento elaborado por Benjamin Constant (em 1890), com base teórica na sua Reforma, que seguiu as ideias de positivismo de Augusto Comte, defendeu o ensino privado, deixando-o com total liberdade, inclusive para contratar professores sem exame de seleção, contrariando a Lei das Escolas de Primeiras Letras (1827), conforme demonstra o artigo primeiro do documento: Art. 1º E’ completamente livre aos particulares, no Districto Federal, o ensino primário e secundário, sob as condições de moralidade, hygiene e estatística definidas nesta lei. § 1º Para exercer o magistério particular bastará que o indivíduo prove que não soffreu condemnação judicial por crime infamante, e que não foi punido com demissão, de conformidade com o disposto no art. 63 do presente decreto. Para dirigir estabelecimento particular de educação será exigida esta mesma prova e mais o certificado das boas condições hygienicas do


edificio, passado pelo delegado de hygiene do districto.6

Assim, na visão de Saviani (2009, p.2), o governo central não assumiu a “[...] instrução pública como uma questão de sua responsabilidade [...]”. Essa reforma de acordo com Cury, (1996, p.77), inspirou os formuladores do texto da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891), sancionada pelo presidente do Congresso Nacional Constituinte Prudente José de Moraes Barros, na Cidade do Rio de Janeiro, em 24 de fevereiro de 1891, 3º da República, a “[…] não assumir o preceito da gratuidade do ensino [...]”, mas sim, enfatizar a “[...] laicidade e a liberdade de ensino”. Para Cury (2010, p. 156), a Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, pouco contribuiu com a legislação do ensino normal que estava vigente, uma vez que manteve a descentralização, proveniente do Ato Adicional de 1834 que conforme Cury (2010) garantiu apenas à União a competência para legislar sobre o ensino superior o Art. 35, conforme demonstra o texto constitucional: Art 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente: 1º) velar na guarda da Constituição e das leis e providenciar sobre as necessidades de caráter federal; 2º) animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais; 3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; 4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal (BRASIL,1890, s/p)7

Embora o curso normal de formação docente fosse adotado já a partir dos anos de 1835, conforme já citado e em conformidade com os estudos de Saviani (2009, p.144), “ [...] permaneceu ao longo do século XIX como uma alternativa sujeita a contestações”, haja vista que a “[…] organização e funcionamento das Escolas Normais foram fixados com a reforma da instrução pública do Estado de São Paulo levada a efeito


em 1890”, porém, a Escola Normal daquela época, não tinha um currículo com atividades práticas, contemplava apenas discussões teóricas. Em 1901, a educação e a Escola Normal brasileiras, orientadas pela Reforma de Epitácio Pessoa (1901 a 1910), envolvendo os institutos de ensino superior e secundário, buscaram executar as diretrizes dadas pela Reforma de Benjamin Constant (SILVA, 2003). Nesse período, por meio do Decreto n.º 3.890, de 01 de janeiro de 1901, foi aprovado o Código dos Institutos Oficiais de Ensino Superior e Secundário, dependentes do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que permitiu o acesso feminino aos cursos secundários e superiores8. Assim, entre os anos de 1911-1915, aconteceu a Reforma Rivadávia da Cunha Correia, com base numa mistura entre o liberalismo político e o positivismo ortodoxo, que teve como questão principal a desoficialização do ensino, pois retirou do Estado a interferência no setor educacional, reforçando o ensino livre (CURY, 2010). Cabe destacar que as reformas educacionais realizadas nas duas primeiras décadas do século XIX, de acordo com Cury (2008) e Saviani (2006), demonstraram a preocupação da organização da educação como uma questão nacional, citando entre elas as reformas: Carlos Maximiliano, (1915-1924), Rocha Vaz (1925-1931) Francisco Campos (1931). Para Saviani (2009, p. 145), nesse período, o espírito reformador foi importante, pois trouxe inovações, especialmente, nestas duas vertentes: a) a criação da escola-modelo anexa à Escola Normal, que deu ênfase aos exercícios práticos de ensino e trouxe enriquecimento aos conteúdos curriculares anteriores; e b) a expansão desse modelo para principais cidades do interior do estado de São Paulo, que recebia educadores de outros estados e cidades brasileiras, para observar e estagiar nas escolas normais paulistas. Assim, ainda que a reforma paulista da Escola Normal tenha produzido algumas inovações, a padronização da Escola Normal, “[…] após a primeira década republicana [...] não se transformou em avanços significativos, pois não se desvencilhou do modelo dualista da classe dominante, sempre “[...] centrado na preocupação com o domínio dos co-


nhecimentos a serem transmitidos os quais ficaram evidentes nos Institutos Superiores de Educação, que deixaram de ver como prioridade somente o ensino, iniciando uma trajetória de pesquisa e de expansão das Escolas Normais, conforme apresentado na seção seguinte.

No período de 1932-1939, as reformas educacionais paulistas perderam força, abriu-se um novo período de organização das Escolas Normais, visando à reforma dos institutos de educação no Brasil, iniciando uma nova fase, com duas ações: [...] o Instituto de Educação do Distrito Federal, concebido e implantado por Anísio Teixeira em 1932 e dirigido por Lourenço Filho; e o Instituto de Educação de São Paulo, implantado em 1933 por Fernando de Azevedo. Ambos sob inspiração do ideário da Escola Nova (SAVIANI, 2009, p. 145, grifo nosso)

Essa reforma foi estabelecida pelo Decreto n. 3.810/1932, que determinava a “[...] Reorganização do Ensino Normal Médio e sua Transposição para o Plano Universitário: criação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro”, regulando a “[…] formação téchnica de professores primários, secundários e especializados para o Districto Federal, com a prévia exigência do curso secundário, e transforma em Instituto de Educação a antiga escola normal e estabelecimentos anexos” (BRASIL, 1932). Por sua condição, anexo ao Decreto de nº 3.810, de 19 de março de 1932, foi encaminhada a Anísio Teixeira a Exposição de motivos do Director Geral de Instrucção.9 Saviani (2009, p. 145-146) analisou o Decreto n. 3.810/1932 da seguinte forma: […] transformou a Escola Normal em Escola de Professores, cujo currículo incluía, já no primeiro ano, as seguintes disciplinas: 1) biologia educacional; 2) sociologia educacional; 3) psicologia educaci-


onal; 4) história da educação; 5) introdução ao ensino, contemplando três aspectos: a) princípios e técnicas; b) matérias de ensino abrangendo cálculo, leitura e linguagem, literatura infantil, estudos sociais e ciências naturais; c) prática de ensino, realizada mediante observação, experimentação e participação. como suporte ao caráter prático do processo formativo, a escola de professores contava com uma estrutura de apoio que envolvia: a) jardim de infância, escola primária e escola secundária, que funcionavam como campo de experimentação, demonstração e prática de ensino; b) instituto de pesquisas educacionais; c) biblioteca central de educação; d) bibliotecas escolares; e) filmoteca; f ) museus escolares; g) radiodifusão.

Nesse sentido, Saviani (2009, p. 146) afirma que o “[…] Instituto de Educação de São Paulo seguiu, sob a gestão de Fernando de Azevedo, um caminho semelhante, com a criação, também aí, da Escola de Professores”. Nessa mesma perspectiva, Tanuri (2000, p. 72) explicou que, com a proposta de Fernando de Azevedo, caminhava-se, decisivamente, […] rumo à consolidação do modelo pedagógico-didático de formação docente que permitiria corrigir as insuficiências e distorções das velhas Escolas Normais caracterizadas por “um curso híbrido, que oferecia, ao lado de um exíguo currículo profissional, um ensino de humanidades e ciências quantitativamente mais significativo (TANURI, 2000, p. 72).

Portanto, na Constituição Federal de 1934, Boaventura (2001, p. 193) reafirmou que houve avanços na parceria entre estados e União, pois já no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1930) e no Movimento da Reconstrução Nacional pela Educação (1932), evidenciava-se a necessidade de repensar a formação do magistério primário, com preparação nas escolas normais, “uma vez que esses estabelecimentos não ofereciam uma sólida preparação pedagógica, tampouco a educação geral que deveriam” (AZEVEDO, 1994, p. 73). O Manifesto dos Pioneiros (2006, p. 200), em relação à formação geral dos professores, destaca que “[...] nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, con-


juntamente, nos cursos universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades”. Conforme o autor, a primeira referência ao Plano Nacional de Educação se fez presente na Constituição Federal de 1934, em seu artigo 150. Nessa caminhada após 1930, segundo Cury (2008, p.132), o Estado Federal inclinou-se para um federalismo com vistas ao fortalecimento do poder da União. Em 1937, outorgou-se a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, por Getúlio Vargas a qual manteve “[...] a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário, a vinculação de um percentual dos impostos para educação, o plano nacional de educação e a institucionalização dos conselhos de educação”.

Para se reportar à consolidação dos cursos normais médios, torna-se necessário destacar que a organização e a implantação dos cursos de pedagogia e de licenciatura e consolidação do padrão das Escolas Normais aconteceram nos Institutos de Educação do Distrito Federal e de São Paulo, os quais, na análise de Saviani (2009, p.146), […] foram elevados ao nível universitário, tornando-se a base dos estudos superiores de educação: o paulista foi incorporado à Universidade de São Paulo, fundada em 1934, e o carioca foi incorporado à Universidade do Distrito Federal, criada em 1935.

Ancorados nessa base, conforme o autor, os cursos de formação de professores para as escolas secundárias, generalizados para todo o país, foram organizados a partir do Decreto-Lei n. l.19010, de 4 de abril de 1939, para a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade


do Brasil, cuja importância, concentra-se no fato de compor o modelo conhecido como “esquema 3+1” adotado na organização dos cursos de licenciatura e de Pedagogia. Todavia, deve-se observar que foi o Decreto-Lei nº 8.530, de 02 de janeiro de l946, conhecido também como Lei Orgânica do Ensino Normal, em seu Título I, Capítulo I, que realmente oficializou o interesse pela interdependência do ensino e as finalidades do ensino normal, com a seguinte prescrição: Capítulo I: Art. 1 O ensino normal, ramo de ensino do segundo grau, tem as seguintes finalidades: 1. Prover à formação do pessoal docente necessário às escolas primárias. 2. Habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas. 3. Desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância. Capítulo II: Art. 2º. O ensino Normal será ministrado em dois ciclos. O primeiro dará o curso de regentes de ensino primário, em quatro anos, e o segundo, o curso de formação de professores primários, em três anos. Art. 3º. Compreenderá, ainda, o ensino Normal, cursos de especialização para professôres primários, e cursos de habilitação para administradores escolares do grau primário.(BRASIL, 1946).

Os cursos normais de primeiro ciclo, conforme Saviani (2009), pela sua similitude com os ginásios, contavam com um currículo centrado nas disciplinas de cultura geral, semelhante às Escolas Normais antigas (tão criticadas). Já os cursos de segundo ciclo contemplavam todos os fundamentos da educação introduzidos pelas reformas da década de 1930. Ao serem implantados tanto os cursos normais como os de licenciatura e Pedagogia, […] centraram a formação no aspecto profissional garantido por um currículo composto por um conjunto de disciplinas a serem frequentadas pelos alunos, dispensada a exigência de escolas-laboratório. Essa


situação, especialmente no nível superior, expressou-se numa solução dualista: os cursos de licenciatura resultaram fortemente marcados pelos conteúdos culturais-cognitivos, relegando o aspecto pedagógico-didático a um apêndice de menor importância, representado pelo curso de didática, encarado como uma mera exigência formal para a obtenção do registro profissional de professor. (SAVIANI, 2009, p.147).

Na análise de Saviani (2009), houve avanços e retrocessos: os cursos de licenciatura centralizaram-se nos conteúdos culturaiscognitivos relegando o aspecto pedagógico-didático, presente no curso de didática, como conteúdos de menor importância. Assim, o curso de pedagogia continuou com os conteúdos voltados para os estudos teóricos e o de didática para a prática, contraditoriamente, desvinculando-se esses dois elementos tão importantes para a formação do professor. Dessa forma, foi necessária outra organização normativa, aparecendo na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Segundo Piana (2009, p. 65), com a promulgação da referida Constituição surgiram [...] novas reformas, um longo período de reivindicações, surgindo um movimento em prol da escola pública, universal e gratuita, que repercutiu diretamente no Congresso Nacional e culminou com a promulgação, em 1961, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. As discussões em torno dessa Lei contribuíram para conscientizar o poder político sobre os problemas educacionais.

Para Boaventura (2001, p. 196) a Constituição de 1946 iniciou […] o ciclo das leis de diretrizes e bases, a Lei nº 4.024, de 1961, a primeira lei geral de educação que permitiu a descentralização da educação da esfera federal para a estadual, com a institucionalização dos sistemas de educação e recriação dos Conselhos de Educação com funções normativas. Ainda na vigência dessa LDB, foram instituídos o salário-educação e a pós-graduação.


Para Tanuri (2000, p. 78-79), essa lei permitiu algumas iniciativas no âmbito da educação, favoráveis à formação de professor primário em nível superior. O Conselho Federal de Educação (CFE), como parte do Plano Nacional de Educação (PNE), exerceu papel importante, assim como também os conselhos de educação estaduais e municipais, que representaram uma estratégia efetiva para levar adiante o movimento de democratização da gestão da educação pública e de garantia dos direitos. Nessa nova organização normativa, destacam-se os Pareceres/ CFE n. 251/1962, e o de n. 252/1969 que de acordo com Silva (2006, p. 25-26) “fixa os mínimos de conteúdo e duração na organização do Curso de Pedagogia”. Assim, as modificações curriculares, as políticas educacionais monitoradas pelas Leis da Reforma Universitária, Lei n. 5.540/1968 e a Lei n. 5.692/1971, de acordo com Aguiar et. al. (2006, p. 822) estava evidente o interesse de servir o mercado e “[…] definiram um modelo de formação de professores compartimentado em dois loci da universidade: de um lado, a faculdade de educação, responsável pelo curso de pedagogia e a formação pedagógica dos licenciandos, e, de outro, os institutos de conteúdos específicos, onde se formavam bacharéis e licenciados”. Naquele contexto, houve a substituição da Escola Normal pela Habilitação Específica de Magistério – HEM e o lançamento do projeto dos Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAMs), conforme descrito no próximo item.

Nesse período, Saviani (2009, p. 147) afirma que a Lei 5.692/ 1971 modificou o ensino primário e médio denominando-os de 1º e 2º graus e desapareceram as Escolas Normais, surgindo em seu lugar a Habilitação Específica do Magistério (HEM), para o exercício do magistério de 1º grau. Acrescenta que: [...] Pedagogia, além da formação de professores para Habilitação Específica de Magistério (HEM), conferiu-se a atribuição de formar os especialistas em Educação, aí compreendidos os diretores de escola,


orientadores educacionais, supervisores escolares e inspetores de ensino. […] À luz desse princípio, a maioria das instituições tendeu a situar como atribuição dos cursos de Pedagogia a formação de professores para a educação infantil e para as séries iniciais do ensino de 1º grau (ensino fundamental) (SAVIANI, 2009, p. 147-148).

Nesse contexto, na tentativa de reverter a crise na educação, o Ministério da Educação e Cultura e as Secretarias Estaduais propuseram, em 1982, a criação dos Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), com o objetivo de redimensionar as escolas normais e adequá-las para formar professores em formação inicial e continuada para atuar na pré-escola e no ensino das séries iniciais. A partir de 1986, as políticas educacionais expressas pelo Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, com o objetivo de dar continuidade às ações do CEFAM, iniciaram projetos complementares e paralelos, que foram: “Normalistas” e “Ajudando a vencer”. O primeiro visava apoiar financeiramente os alunos do CEFAM para realização de estágios nas escolas de 1º grau e ações do CEFAM e, o segundo, a preparar estudantes das escolas públicas (CAVALCANTE, 1994, p. 68). Segundo a autora, o Ministério da Educação – MEC, em parceria com o Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para Formação Profissional – CENAFOR, desenvolveu o Projeto Habilitação ao Magistério para a implementação de nova organização curricular, que previa: - Elaboração de propostas curriculares para o curso de formação de professores; - Elaboração de reestruturação do curso de habilitação para professores leigos da zona rural, em nível de 2º grau; - Oferta de estudos adicionais em pré-escolar, alfabetização, educação de adultos e crianças; - Implantação de escolas de aplicação com extensão dos CEFAM; - Redimensionamento do estágio escolar (CAVALCANTE, 1994, p.74).

Nessa perspectiva, o projeto CEFAM, conforme Saviani (2009, p. 147), “[...] apesar dos resultados positivos, foi descontinuado quando seu alcance quantitativo era ainda restrito, não tendo havido tam-


bém qualquer política para o aproveitamento dos professores formados pelos centros nas redes escolares públicas”. Com vários projetos desenvolvidos nos anos de 1980, em relação à formação de professores, foi elaborada a Constituição Federal de 1988 que “[...] montou um sistema de repartição de competências e atribuições legislativas entre os integrantes do sistema federativo” (CURY, 2002, p.172), acentuando assim, significativamente o debate sobre a formação de professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil, especialmente em nível superior, mas nos limites da lógica da reprodução capitalista. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que deu base para a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/1996 Saviani (2008, p. 218-221), a definiu “[...] uma política educacional tendente a efetuar um nivelamento por baixo e os Institutos Superiores de Educação e as Escolas Normais Superiores surgem, como alternativa, porém de nível superior de segunda categoria, de forma mais aligeirada, mais barata, com cursos de curta duração”. O autor assegura que “[…] a essas características não ficaram imunes às novas diretrizes curriculares do curso de pedagogia homologadas em abril de 2006. Comentou ainda que “[…] ao longo dos últimos dois séculos, as sucessivas mudanças introduzidas no processo de formação docente revelam um quadro de descontinuidade, embora sem rupturas” (BRASIL, 2009, p. 148).

Com deferência aos aspectos históricos da política de formação docente, que influenciaram a criação do Curso Normal Médio no Brasil, com base na legislação federal, desde as Constituições Federais de 1824 a 1988, nesta fase inicial da pesquisa, pode-se inferir que nos períodos de: - 1824 – 1890, em relação à formação de professores, destacouse a exigência de preparo didático, embora não se faça referência propriamente à questão pedagógica. A via normalista de formação docente, adotada já a partir de 1835, adquiriu certa estabilidade após 1870 e permaneceu ao longo do século XIX como uma alternativa sujeita a contestações.


- 1890 -1932, efetivou-se o estabelecimento e expansão das Escolas Normais, por meio da reforma de instrução pública de São Paulo, com o objetivo de dar uma boa formação aos professores, com currículo diferenciado. - 1932- 1939, a Escola Normal foi transformada em Escola de Professores (escola de cultura geral e profissional), rumo à consolidação do modelo pedagógico-didático de formação docente que permitiria corrigir as insuficiências e distorções das velhas Escolas Normais. - 1939 – 1971, o Curso Normal foi dividido em dois ciclos e, assim, os cursos de licenciatura e pedagogia centraram a formação no aspecto profissional, garantindo um currículo composto por um conjunto de disciplinas (teoria) dispensando a exigência de escolas-laboratório (prática). - 1971 – 1988, como a Lei 5692/1971 modificou o ensino primário e médio denominando-os de 1º e 2º graus, respectivamente, desapareceram as Escolas Normais. Surgiu a Habilitação Específica do Magistério (HEM). A formação de professores para o antigo ensino primário configurou um quadro de precariedade bastante preocupante. Em seguida surgiram os CEFAMs com caráter de “revitalização da Escola Normal”. Esse projeto, apesar de resultados positivos foi descontinuado. Com vários projetos desenvolvidos nos anos de 1980, em relação aos cursos de formação de professores, de acordo com os teóricos, foi elaborada a Constituição Federal de 1988 que montou um sistema de repartição de competências e atribuições legislativas entre os integrantes do sistema federativo. Acentuou-se assim, significativamente, o debate sobre a formação de professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil, especialmente em nível superior. Assim, o debate continua e as propostas de políticas públicas para o Curso Normal Médio, cerne desta pesquisa, devem continuar fazendo parte das discussões de políticas educacionais, com o objetivo de definir estratégias, para que se torne um curso voltado para a formação inicial do professor em nível médio. Espera-se, portanto, que este trabalho sirva de elemento encorajador para outros estudos sobre o tema.


AGUIAR. M. A. S; BREZEZINSKI. I; FREITAS. H. C. L; SILVA. M. S. P. S; PINO. I. R. Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia no Brasil: disputas de projetos no campo da formação do Profissional da Educação. Educação & Sociedade, Campinas, vol. 27, n. 96 – Especial. P. 819 -842, out. 2006. AZEVEDO, Fernando de. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. In: GHIRALDELLI, Paulo Júnior. História da Educação. São Paulo: Cortez, 1994. BIGARELLLA, Nadia. O papel do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul na definição de políticas de gestão para educação básica no período 1999 a 2014. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2015. BOAVENTURA, E. M. A educação na Constituinte de 1946: Comentários. In: FÁVERO, O. (org.) A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988. 2. ed. rev. ampl. – Campinas, SP: Autores Associados, 2001. (Coleção memória da educação). BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Lei das Escolas de Primeiras Letras. BRASIL. (MEC) Decreto n.º 1835, Criação da Escola Normal no Rio de Janeiro, 1835, s/p _____. (MEC). Decreto – Lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946. Lei Orgânica de Ensino Normal. Senado Federal. _____. Lei Federal nº 4.024/61, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 1961. _____. Lei Federal nº 5.692/7l, de 11 de agosto de 1971. Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º graus. Brasília, DF, 1971. _____. Lei Federal nº 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases para a Educação Nacional; e legislação correlata, Brasília, DF, 1996.


______Lei Federal n° 5.540 de 28 de novembro de 1968 Reforma Universitária de 1968. ______Ministério da Educação/CNE/CP. Resolução nº 1, de 15 de maio de 2006. In: SAVIANI, D. A pedagogia no Brasil: história e teoria. Campinas: Autores Associados, 2008. p. 246-253. ______ Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de janeiro de 1891. http://www.planalto.gov.br/civil03/Constituição/ Constituição91.html. ______ Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. http://www.planalto.gov.br/civil03/Constituição/ Constituição91.html. ______ Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. http://www.planalto.gov.br/civil03/Constituição/ Constituição91.html. ______ Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ______ Prefeitura do Distrito Federal. Decreto n. 3.810 de 19 de março de 1932. Organização do Instituto de Educação do Rio de Janeiro. CAVALCANTE, Margarida Jardim. CEFAM: uma alternativa pedagógica para formação de professor. São Paulo: editor Cortez, 1994. CURY, C. R. J. Estado e Educação na revisão Constitucional de 1926. Educação & Sociedade.Campinas: Cedes, n. 55 ago/1996. _____. Educação e contradição. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000. _____. Sistema Nacional de Educação: Desafio para uma educação igualitária e Federativa. Educação & Sociedade, Campinas, vol.29, n. 105, p. 1187-1209, set/dez. 2008. _____. A questão federativa e a educação escolar. Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: Unesco, 2010. pp, 149-169. _____. A Educação Básica no Brasil Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, p.


168-200, set. 2002. JACOMELI, M. R. M; XAVIER, M. E. S. P. A consolidação do liberalismo e a construção da ideologia educacional liberal no Brasil. In: Temas de pesquisa em educação: Campinas: Autores Associados: HISTEDBR; Caçador: UnC, 2003. PIANA, M. C. A construção do perfil do assistente social no cenário educacional. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política.33 ed. Campinas: Autores Associados, 2000. _____. O legado educacional do século XX no Brasil/Demerval Saviani et al.-2ª ed.- Campinas, SP: Autores Associados, 2006 –(Coleção Educação Contemporânea). _____. A Pedagogia no Brasil: história e teoria. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção Memória da Educação). _____. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40, jan/abr.2009. SHIROMA, E. O eufemismo da profissionalização. In: MORAES, M. C. M. (Org.). Iluminismo às avessas: produção do conhecimento e políticas deformação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. SILVA, Carmem Silvia Bissolli. Curso de pedagogia no Brasil: história e identidade, 2ª ed. revista e ampliada. Campinas, Autores Associados, 2003. SUCUPIRA, Newton. O Ato Adicional de 1834 e a descentralização da educação. In: FÁVERO, Osmar (org.). A Educação nas constituintes brasileiras, 1823 – 1988. 2ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2001, p. 31 - 117. TANURI, Leonor Maria. História da Formação de Professores. Revista Brasileira de Educação. Nº 014, São Paulo, maio/agosto, 2000. TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 1999.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.