Revista Arandu # 58

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N 1415-482X -Janeiro/2012 • ISS 11 20 o/ br em ez -D vembro Ano 15 • Nº 58 • No

I SSN 1415 - 482X

9 771415 482002



nicanorcoelho@gmail.com

Dourados-MS

Ano 15 โ ข No 58

Pรกgs. 1-44

Nov.-Dez./2011-Jan./2012


[ CARO LEITOR esta edição, osLEITOR enfoques da Revista CARO

N

Arandu são a literatura e o teatro. Na capa, destacamentos o principal escritor paraguaio, Augusto Roa Bastos, cuja obra serviu de base para a dissertação de mestrado do professor Aldair Lucas Carvalho. No artigo O Messianismo no conto "El trueno entre las hojas" hojas",, de Augusto Roa Bastos Bastos, Carvalho busca "provocar um debate acerca do papel do Estado diante dos seus cidadãos, bem como das consequências e dificuldades enfrentadas pelo povo quando este papel não é satisfatoriamente cumprido". A atriz, diretora e pesquisadora teatral Marielle Duarte Carvalho, juntamente com a professora Drª Célia Regina Delácio Fernandes, realizam um importante estudo a cerca da disponibilidade de obras teatrais infantis nas bibliotecas escolares. O resultado dessa pesquisa pode ser conferido no artigo O Teatro Infantil no Programa Nacional Biblioteca da Escola: 1999-2003 1999-2003. Por fim, apresentamos o conto Asas e migalhas (súbito pedido de voo) voo), do jovem escritor e acadêmico de Letras da UFGD, Patrick Vieira de Sousa, que faz sua estreia literária nas páginas da Revista Arandu. Isso demonstra que Dourados e região continuam sendo uma terra fértil em talentos literários e nos impulsiona a continuar com o projeto de divulgação dos novos autores. Boa leitura!

Ano 15 • No 58 • Nov.-Dez./2011-Jan./2012 ISSN 1415-482X

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Revista Arandu: Informação, Arte, Ciência, Literatura / Grupo Literário Arandu - Ano 15 - No 58 (Novembro-Dezembro/2011-Janeiro/ 2012). Dourados: Nicanor Coelho Editor, 2011. Trimestral ISSN 1415-482X

Nicanor Coelho Editor

1. Informação - Periódicos; 2. Arte - Periódicos; 3. Ciência - Periódicos; 4. Literatura Periódicos; 5. Grupo Literário Arandu.


Ano 15 • No 58 • Nov.-Dez./2011-Jan./2012

[ SUMÁRIO

O Messianismo no conto "El Trueno Entr Entree Las Hojas" Hojas",, de Augusto Roa Bastos ............................... 5 Aldair Lucas Carvalho O Teatro Infantil no Programa Nacional Biblioteca da Escola: 1999-2003 ..................... 15 Marielle Duarte Carvalho Célia Regina Delácio Fernandes CONTO Asas e migalhas (súbito pedido de voo) ............ 41 Patrick Vieira de Sousa

Capa: Augusto Roa Bastos Cortesia Letras Uruguay Espacio Latino

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O MESSIANISMO NO CONTO “EL TRUENO ENTRE LAS HOJAS”, DE AUGUSTO ROA BASTOS Aldair Lucas CARVALHO1 RESUMO A partir do conto El trueno entre las hojas, de Augusto Roa Bastos, enfatizaremos a temática do ‘messianismo’ como meio de provocar um debate acerca do papel do Estado diante dos seus cidadãos, bem como das consequências e dificuldades enfrentadas pelo povo quando este papel não é satisfatoriamente cumprido. No conto, Solano Rojas, principal personagem da obra, assume inadvertidamente o lugar de um messias, que lutará até o limite de suas forças para retirar seu povo da marginalidade, da escravidão e conceder-lhe certo espaço na modernidade. Para isso, Solano se despe do humano e se veste de um “cristo” que abre mão de toda sua humanidade para que o “outro” viva dignamente. Para Solano cairia muito bem as palavras de Jesus Cristo: “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto”.

Palavras-Chave: Messianismo, marginalidade, escravidão, modernidade, humanidade

RESUMEN A partir del cuento El trueno entre las hojas, de Augusto Roa Bastos, enfatizaremos la temática del ‘mesianismo’ como medio de provocar un debate acerca del papel del Estado delante de sus ciudadanos, bien como de

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Mestre em Literatura e Estudos Culturais pela UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados - MS. Graduado em Letras pela UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (1998); especialista em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa pela UNIGRAN e em Língua Espanhola e suas Literaturas. Escritor de poesias, contos, crônicas e biografias; tendo publicado em 2006 o livro de poesias Etnias olvidadas e em 2011 A Rainha da Jango - A história de Januária Maria da Conceição, Rainha da Reforma Agráriano governo de João Goulart.


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las consecuencias y dificultades enfrentadas por el pueblo cuando este papel no es satisfactoriamente cumplido. En el cuento, Solano Rojas, principal personaje de la obra, asume inadvertidamente el lugar de un mesías, que luchará hasta el límite de sus fuerzas para retirar su pueblo de la marginalidad, de la esclavitud y les conceder cierto espacio en la modernidad. Para eso, Solano se dispe del humano y se veste de un “cristo” que abre mano de toda su humanidad para que el “otro” viva dignamente. Para Solano se quedaría bien las palabras de Jesucristo: “En verdad, en verdad vos digo que, se el grano de trigo, cayendo en la tierra, no morir, queda solo; pero se morir, producirá muchos frutos”.

Palabras Clave: ‘Mesianismo’; marginalidad; esclavitud; modernidad; humanidad

1. INTRODUÇÃO Focalizaremos neste trabalho o personagem Solano Rojas, do conto El trueno entre las hojas, de Augusto Roa Bastos enquanto ser messiânico. Rojas é destes personagens que surge no meio do povo marginalizado, abandonado pelas autoridades da nação. Como os índios e criollos mexicanos que seguiram Emiliano Zapata e Pancho Villa; como os negros que foram libertos e sertanejos que não tinham para onde ir e acompanharam Antônio Conselheiro; ainda como os vietcongs que foram passo a passo atrás de Ho Chi Minh; uma Joana D’Arc que conduziu as margens francesas a uma sonhada vitória contra os déspotas de seu país; ainda os paupérrimos bolivianos de La Higuera que viram Che Guevara morrer sem gozar do direito de trabalhar a terra e produzirem com liberdade. Homens e mulheres que não fizeram o que fizeram para ter seus nomes escritos nos anais da história, porque se assim tivesse feito, não seriam verdadeiros “messias”. Veja o que fala a obra Vida e valores do povo judeu, sobre tais: “Os movimentos messiânicos são por definição, fadados ao fracasso no plano histórico. Se desejam manter-se messiânicos, devem renunciar ao plano histórico.” “A realização é o maior inimigo da esperança, assim como a existência da esperança é o mais eloqüente testemunho da verdade de que a realização ainda está presente.”2 2

UNESCO (Org.). Vidas e Valores do Povo Judeu. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 17.


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Poderíamos citar outros tantos Não queremos aqui cair no senso comum do termo messianismo, como por exemplo, o de mostrar um Rei Arthur que dá a vida pelo seu povo, ou a da maioria dos filmes épicos, em que quase todos os heróis morrem no final ou parte dos seus perecem diante de um inimigo, ou de mostrar meramente um “Judas Iscariotes” que está pronto a cumprir com o seu papel de traidor dentro de uma perspectiva judaicocristã, mas o de buscar um “messianismo” da margem. É a preocupação de ir à busca de uma comarca esquecida político, social, econômico e, por que não dizer literariamente. Foi isso que alguns literatos modernos e pós-modernos fizeram, buscando trazer estas margens esquecidas para dentro de seus textos, incluindo aqui Augusto Roa Bastos. A literatura do século XX deu ênfase ao que podemos chamar de margem da sociedade, mais precisamente a margem do mundo. Com o fim do que era chamado de Belle époque, o conceito de “belo” sofreu uma quebra paradigmática, em que realistas e naturalistas começaram a buscar a beleza onde os “objetos” eram vistos sobre a ótica do feio. Como o “belo” e o “feio” são relativos e o artista, seja ele de qual área for, não crê que não se deve prender ao que o público em si vai achar belo ou feio, mas é ele mesmo que vai a busca daquilo que tem algo de belo ou de feio que este público ainda não viu e necessitam ver, ou não enxergou, ou seja, os artistas, em si, são os olhos de homens e mulheres comuns. Portanto, já estava na hora de alguém olhar e enxergar o que poderia ser chamado de “belo” dentre aquilo que, se não todos, mas a maioria chamava de “feio”. Contrariando os estereótipos que a sociedade criou, nosso trabalho focalizará naquilo que as artes chamam de objetos das margens, ou seja, a preocupação em enfatizar a faceta marginal, o que, em outros tempos foram menosprezados.

2. MORRER PARA SI PARA O “OUTRO” VIVER: UMA VISÃO JUDAICO-CRISTÃ 2.1. Solano: Um messias pobre para um povo pobre Solano Rojas é um nome sugestivo, pois “Solano” lembra Francisco Solano Lopes, o ditador da época da Guerra da Tríplice Aliança que foi morto em Cerro Corá, que na ânsia da morte proferiu suas últimas palavras: “¡Muero con mi patria!”3 (Há controvérsias. O povo paraguaio diz que a expressão foi: “¡Muero por mi patria!”), sendo visto por muitos paraguaios


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até hoje como um mártir, um messias que deu a sua vida pelo seu povo, daí a troca da preposição “com” pela preposição “por”; temos a palavra, “Rojas” que lembra rojo em espanhol que é “vermelho”, a cor do sangue, como um “cristo” que dá sua vida em prol do outro. Solano privou-se da própria vida para que os seus fossem libertos, ficou cego como um Sansão para que os seus pudessem ver dias melhores, encurtou seus dias para que o seu povo pudesse alongar os seus. Segundo Abdala Junior (2004), “[...] o processo transculturador se realiza em três níveis diversos e complementares: o da língua, o da estruturação da narrativa e o da cosmovisão.”4 No momento só a cosmovisão nos interessa. O conto começa com o povo “ouvindo” o som do acordeão de Solano Rojas já depois de morto: En eso surgió de las barrancas la música del acordeón. Era una melodía ubicua, deshilachada. Se interrumpía y volvía a empezar en un sitio distinto, a lo largo de la caja acústica del río. Sonaba nostálgica y fantasmal. / — ¿Y esto qué es? — preguntó un forastero. / — El cordión de Solano — informó un viejo. / ¿Quién? / Solano Rojas, el pasero ciego. / — Pero, ¿no dicen que murió? / — É sí. Pero el que toca agora e’su la’ánima.5

Roa Bastos vai retomando a história em um tempo psicológico, mostrando esse som de seu acordeão como se fosse um evangelho que desse um alento, algo que vive a martelar na memória do povo – porque a cultura deste é oral – para que este não esqueça que o presente é fruto de um passado de luta. A maioria dos personagens messiânicos de Roa Bastos são músicos. Em parte se explica pelo fato da cultura desses povos serem de caráter essencialmente oral e por suas limitações a gêneros considerados “menores” ou de valor meramente folclórico, como purahéi (canção), (o que ocorre, por exemplo, com o personagem messiânico Gaspar Mora, de Hijo de hombre

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CARVALHO, Aldair Lucas. O último brado guarani. In. Etnias olvidadas. Dourados – MS: Nicanor Coelho Editor, 2006. p. 39. 4 ABDALA JR., Benjamin (Org.) Margens da cultura: mestiçagem, hibridismo e outras misturas. São Paulo: Boitempo. 2004. p. 88. 5 BASTOS, Augusto Roa. El trueno entre las hojas. In. Cuentos completos. Colección Homenaje. Compilación: Miguel Angel Fernández. Prólogo y edición: Jorge Aiguadé. Edición Económica. Ed. El Lector. Asunción – PY. 2003. p. 161.


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e Pa’í, de El viejo Señor Obispo – todos eles são músicos, que tocam e cantam em guarani), além de káso y “compuesto” (narrações breves, a segunda em forma cantada), ñe’ênga (provérbios anedotas) e eventualmente o teatro popular meio improvisado.

2.2. Esteban Blanco: O primeiro mártir Na Bíblia, Estevão, o primeiro mártir do cristianismo, sofreu uma morte em prol do que acreditava: “[...] E, expulsando-o da cidade, o apedrejaram. As testemunhas depuseram as suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo.”6 Esteban Blanco, homem simples de Tebicuary Costa, foi o primeiro mártir da luta contra os proprietários do engenho, também sendo morto estupidamente por querer defender o povo e seus interesses: Uno de los tiros dio en la cabeza de Esteban Blanco que se atrevió a levantar la mano contra el capataz. El mulato le disparó a quemarropa. — ¡Omanó Tebá! ¡Ulogio oyuká Tebápe! — los testigos esparcieron la noticia.7

O caminho do mártir é um caminho muito mais que ético, é um caminho de santidade, no sentido de estar separado dos demais com uma missão que extrapola, que rompe com o lado humano de quem se dá pelo outro. O ser mártir não está em um querer, brota da alma daquele que nasceu para se dar sem reservas. Este não pensa em entrar para a história, porque se pensar assim, jamais será mártir, vai querer viver para ver o fruto do seu sofrimento, por consequência não se imolará. Para Emmanuel Levinás “A ética, o cuidado reservado ao ser do outro-que-si-mesmo, a nãoindiferença para com a morte de outrem [...] a possibilidade de morrer por outrem, chance de santidade, seria o abrandamento desta contração ontológica que o verbo ser diz, o des-inter-essamento rompendo a obstinação em ser, abrindo a ordem do humano, da graça e do sacrifício.8

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BÍBLIA SAGRADA – Referências em cadeia Thompson. Ed. Vida. São Paulo. 2000. p. 756. BASTOS, 2003. p. 168. 8 LEVINÁS, Emmanuel. “Diálogo sobre o pensar-no-outro. In. Entre nós – Ensaios sobre a alteridade. Ed. Vozes Ltda. Petrópolis – RJ: 2004. p. 269. 7


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2.3. O Judas imediatista Para se sentir realizado precisa-se de esperança. A esperança produz a paciência e por consequência a realização. Não são assim os traidores. Eles são imediatistas, querem ver o concreto. Anacleto, personagem secundário do conto, se prostitui com a mulher do engenheiro de Simon Bonaví, dono do engenho e recebe dez pesos, como um “Judas”, traindo o seu povo como Iscariotes traiu Jesus por trinta moedas de prata. — A noche e’tuve con ella. ¡Néike, tapypi, que jembrón chúcaro pa que’e’ la mujer del injiñero! Dié peso minte-ko me dio. Mä’ e — sacó del bolsillo del pantalón un billete nuevo con un hombre frentudo en el centro. ¡Te vendite, Anacleto! — Solano le arrancó el billete, escupió encima con rabia la espuma amarilla de su naco. Después le arrojó al suelo, lo pisoteó como una víbora muerta y lo cubrió con tierra.9

Veja que Roa Bastos descreve a imagem de “un hombre frentudo” na nota de dez guaranis, sendo a mesma descrição que se faz de Simon Bonaví, o dono do engenho “ventrudo hombrecito de Asunción”, uma referência a Stroessner, como se Anacleto tivesse se vendido não a uma mulher, adulterando a pureza daquele povo. Assim como Judas Iscariotes vai a busca do sumo sacerdote para se purificar de sua ignomínia, o traidor Anacleto procura uma curandeira para limpar-lhe de seu erro “[...] pá si me limpia del contagio — dijo humillado Anacleto [...].”10 A imagem de Solano é o oposto de Anacleto, ele é virgem. “Sus veinte años vírgenes y viriles [...].”11 Sua pureza sexual não é apenas um símbolo de santidade, mas um símbolo de não-contágio com aqueles que se opõe ao seu povo. Pelo contrário, Solano é paciente, sabendo que necessita ter paciência para se ter nas mãos os frutos da vitória e conceder aos seus dias melhores, a vitória que as oligarquias paraguaias até então não lhes concedeu.

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BASTOS, 2003. p. 170. BASTOS, 2003. p. 170. 11 BASTOS, 2003. p. 170. 10


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2.4. O sofrimento do messias em busca da liberdade dos seus Os personagens messiânicos sempre surgem em momentos em que um povo está enfrentando crises com relação a um opositor. Os tempos bíblicos do Velho Testamento estão recheados deles. Moisés que retira o povo judeu da escravidão faraônico-egípcia; Josué, de significado Yeshua – Deus Emanuel (Deus conosco) — alguém que liberta, sendo concedido a este o dever do sacrifício de levar o povo judeu à vitória final contra os cananeus, sendo que Josué é considerado em absoluto uma sombra profética de Jesus Cristo. Os nomes têm as mesmas raízes judaicas; os vários profetas que escatologicamente procuravam livrar o povo judeu, ou de um inimigo físico (um povo), ou de uma inimiga iniqüidade, que, por consequência levaria ao primeiro — muitos desses homens perderam a vida. Levinás defende a ideia de que “[...] a escatologia não é política.”12 O livramento vem por um homem do povo que sente as mesmas dores do povo, não da política em si mesmo, pertencendo este papel ao Estado que tem esta responsabilidade e na maioria das vezes “lava as mãos”. Nenhum desses homens pensou em poder, em fixar seu nome nos anais da história. Solano preenche todos os pré-requisitos desse ser messiânico. Todo o futuro de Tebicuary Costa está nas mãos de Solano Rojas. Ele levanta o povo e toma de assalto o engenho. Mata a Harry Way — o segundo dono da fábrica — e os demais fogem. Os tebicuarenses pensam em queimar o engenho, mas Solano enquanto líder enxerga como um Zé Bebelo em Grande sertão: Veredas: “— La fábrica no é’el enemigo de nojotro.”13 O engenho que servira de mote de escravidão, transforma-se em liberdade, mesmo que por pouco tempo: Se pusieron a trabajar noche y día sin descanso. Lo hacían con gusto, porque al fin sabían, sentían que el trabajo es una cosa buena y alegre cuando no lo manchan el miedo ni el odio. El trabajo hecho en amistad y camaradería. 14

O Estado que deveria proteger o cidadão comum, vem com o exército

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LEVINÁS, 2004. p. 274. ROA BASTOS, 2003. p. 177. 14 ROA BASTOS, 2003. p. 182. 13


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e prende a Solano Rojas como o cabecilla do levante e destrói o engenho. “Tebicuary Costa del Guairá volvió al punto de partida. Pero en lugar del verde de antaño había sólo escombros carbonizados […] en lugar de humo flotaban cuervos en el aire seco y ardiente del valle.” Todos os que participaram da tomada do engenho foram presos e o último a ser solto foi Solano Rojas “Pero había tenido que dejar los ojos en la cárcel en pago de su libertad.”15

3. ROA BASTOS: UM MESSIAS PARALELO A SOLANO ROJAS Solano Rojas não será um reflexo do próprio Augusto Roa Bastos? Será que próprio escritor não estaria profetizando seu exílio como um messias que se dá pelo povo paraguaio? Tebicuary Costa, enquanto periferia paraguaia não seria uma metáfora do próprio Paraguai enquanto metáfora da periferia do mundo? Augusto Roa Bastos foi duramente perseguido por escrever obras que foram uma crítica aberta a José Gaspar Rodrigues de Francia, a Carlos Antônio Lopes e Francisco Solano Lopes, como no caso da obra Yo el supremo, e, por consequência ao ditador General Stroessner. Com a guerra civil de 1947 se vê na necessidade de exilar-se na Argentina simplesmente porque escrevia textos que metaforicamente criticavam os grandes ditadores do passado, por não alinhar-se a um Paraguai secularizado, seguindo a premissa de que o bom intelectual é aquele que não escreve para agradar um grupo da nação, não está na vanguarda da crítica para vender obras e fazer sucesso com bestsellers. Para Julien Benda In. Edward W. Said os verdadeiros intelectuais são [...] aqueles cuja atividade não é essencialmente a busca de objetivos práticos, ou seja, todos os que procuram sua satisfação no exercício de uma arte ou ciência ou da especulação metafísica, em suma, na posse de vantagens não materiais, daí de certo modo dizerem: ‘Meu reino não é deste mundo’ [...]16

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ROA BASTOS, 2003. p. 182. SAID. Edward W. Representações do intelectual: as conferências Reith de 1993 / Edward W. Said; tradução Milton Hatoum. – São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 21 16


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As palavras de Benda é uma prova de que o intelectual, enquanto intelectual deve ser tão messias quanto um de seus personagens, como ocorre com Roa Bastos e Solano Rojas. Se não verte o sangue, é despojado do direito à nacionalidade como ocorreu com este. Em um exílio forçado por não encontrar espaço para a liberdade de expressão e proferir palavras que ecoem a um processo de libertação, Bastos vai à busca de novos ares onde possa transpirar as gotas de sangue de seu povo, ecoando dos calabouços da ditadura e da Operação Condor. Benda ainda diz que “[...] os verdadeiros intelectuais devem correr o risco de serem queimados na fogueira, crucificados ou condenados ao ostracismo.”17 Se não volta de uma prisão como Solano Rojas, Roa Bastos volta do exílio em 1982, é expulso por Stroessner, sendo cassada sua cidadania, regressa em 1989 com a deposição do ditador; se não cego como Solano Rojas, mas volta no fim da vida, idoso sem poder gozar do direito de ter vivido boa parte de sua vida e a liberdade de escrever em solo pátrio; no entanto, vendo seu povo retomar os caminhos da democracia e sonhando com dias melhores. Enfim Há uma discrepância inerente entre os poderes de grandes organizações (de governos a corporações) e a relativa fraqueza não só de indivíduos, mas de seres humanos considerados subalternos, minorias, pequenos povos e Estados, culturas e etnias menores ou subjugadas. [...] o intelectual deve alinhar-se aos fracos e aos que não tem representação. Hobin Hood, dirão alguns.18

Se o trabalho dignifica o ser humano, muito mais para o trabalhador quando seu ofício busca a dignidade humana, mesmo que esta custe a sua. Morre em si para que outros tenham vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDALA JR., Benjamin (Org.) Margens da cultura: mestiçagem, hibridismo e outras misturas. São Paulo: Boitempo. 2004.

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SAID, 2005. p. 22. SAID, 2005. p. 35.


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BASTOS, Augusto Roa. El trueno entre las hojas. In. Cuentos completos. Colección Homenaje. Compilación: Miguel Angel Fernández. Prólogo y edición: Jorge Aiguadé. Edición Económica. Ed. El Lector. Asunción – PY. 2003. BÍBLIA SAGRADA – Referências em cadeia Thompson. Ed. Vida. São Paulo. 2000. CANESE, Natalia Krivoshein de., ALCARÁZ, Feliciano Acosta. Diccionario Guarani – Español / Español – Guarani. Colección Ñemitÿ. Tercera Edición. Asunción. 2006. CARVALHO, Aldair Lucas. O último brado guarani. In. Etnias olvidadas. Editora Nicanor Coelho. Dourados – MS: 2006. LEVINÁS Emmanuel. Diálogo sobre o pensar-no-outro. In. Entre nós – Ensaios sobre a alteridade. Ed. Vozes Ltda. Petrópolis – RJ: 2004. SAID. Edward W. Representações do intelectual: as conferências Reith de 1993 / Edward W. Said; tradução Milton Hatoum. – São Paulo: Companhia das Letras, 2005. UNESCO (Org.). Vidas e Valores do Povo Judeu. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.


O TEATRO INFANTIL NO PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA: 1999-2003 Marielle Duarte CARVALHO1 Célia Regina Delácio FERNANDES2 RESUMO Este artigo objetiva mapear as peças teatrais infantis que circulam nas escolas públicas do Brasil, por meio de compras governamentais realizadas nos anos de 1999, 2001, 2002 e 2003 pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE. Em vista disso, serão levantados e estudados os seguintes dados: peças teatrais selecionadas; critérios de seleção; autores, ilustradores e editoras contemplados; datas de escrita, publicação e encenação das peças teatrais; e as características presentes no gênero. Assim, o artigo pretende compreender a importância das políticas públicas de leitura no boom de publicações de peças teatrais que houve a partir de 1999 e contribuir para subsidiar a construção da história do teatro infantil no Brasil.

Pa e : Políticas públicas de leitura, peça teatral, PNBE. Pallav avrras as--chav ave

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Bolsista PIBIC/UFGD. Atriz, diretora e pesquisadora teatral. Acadêmica do 4º ano de Artes Cênicas/ Teatro pela UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados. Participou na Execução de projetos artísticos e culturais junto a diversas instituições, como UFGD, SESC e SESI. Atuou na Cia. Tudo - Teatro Universitário de Dourados e dirigiu a Cia. UFGD Companhia da Universidade Federal da Grande Dourados. Atualmente é diretora do grupo Cia. Tudo - Teatro Universitário de Dourados. E-mail: lelly_98@yahoo.com.br 2 Professora Adjunta II da FACALE/UFGD. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1990), mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1996) e doutora em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (2004). Participou da elaboração das Linhas de Ação para a Política Nacional do Livro e do Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL (2006-2008), e coordenou o Programa Pró-Letramento no Estado de Mato Grosso do Sul (2008-2009). É coordenadora do PROLER - Comitê Dourados-MS. Email: celwal@terra.com.br


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ABSTRACT This research aims to map the children’s theater that circulates in the public schools in Brazil, through government purchases during the years 1999, 2001, 2002 and 2003 by the National School Library - PNBE. In view of this, there will be raised and studied the following data: theater selected; selection criteria, authors, illustrators and publishers covered, dates of writing, publishing and staging of theatrical plays, and the features present in the genre. Thus, the research aims to understand the importance of public policies in the boom of publications reading of plays that were from 1999 and to help subsidize the construction of the history of children’s theater in Brazil.

Ke yw ord s: Reading public policies, drama, PNBE. Key rds

INTRODUÇÃO Algumas pessoas têm uma noção rudimentar do que seja teatro, acreditando que ele se resume em palco e plateia, divididos por uma longa cortina preta: no palco, atores declamando textos decorados; na plateia, espectadores sentados em cadeiras confortáveis. As pessoas que acreditam nesse teatro não fazem ideia que “teatro também é literatura antes de se transformar em cena” (FALABELLA, 2007, p.138). Em vista dessa especificidade, refletir sobre a produção cultural para as crianças na área do teatro significa levar em consideração um amplo leque de possibilidades de enunciação do produto teatral. Essas possibilidades incluem aspectos referentes à criação dos textos ou do roteiro, à direção e à atuação, até os mais diversos signos, dentre eles, figurino, maquiagem, cenografia, iluminação, que integram a obra em sua totalidade. (SANTOS; BENDER, 2003). Na perspectiva do crítico Nazareth (2005, p. 99), “o texto teatral não é para treinar entonação ou leitura. Texto teatral é para ser entendido como uma história contada com uma estrutura diferenciada”. Nesse contexto, destaca-se que o teatro infantil, apesar das dificuldades, continua crescendo e quebrando alguns tabus como, por exemplo, a crença de que fazer teatro para criança é algo fácil. É preciso lembrar que “quem é mais ator do que a própria criança? Os jogos da infância são verdadeiros espetáculos. E a criança, na sua maravilhosa espontaneidade, não se preocupa em ter espectadores, ela faz teatro pelo próprio teatro.” (AMARAL, 1983, p. 48).


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É preciso ressaltar que não há receita para fazer um bom teatro para o público de menor idade. Na proposta de Nazareth, o interessante é que os mediadores vejam que “o teatro infantil precisa ser repensado na sua importância como Teatro, enquanto Obra de Arte, como literatura dramática, como elemento transformador do homem” (2005, p.102). Percebe-se, atualmente, uma escassez de dramaturgos para o teatro infantil. Segundo Amaral (1983, p. 51), há autores improvisados para o público infantil, autores que escrevem sem conhecer e dar a devida importância a esse destinatário, ensinando-lhes, por meio dos textos, situações que podem vir a predicá-lo com uma visão distorcida ou moralista. De acordo com a crítica (CUNHA, 1997; SANTOS; BENDER, 2003; LAJOLO; ZILBERMAN, 2004; NAZARETH, 2005; ZILBERMAN, 2005), o teatro para criança precisa mesclar fantasia e realidade, apresentando personagens fantásticos e comuns, por meio de uma linguagem simples. As peças destinadas para crianças têm como personagens principais objetos, animais personificados, fantasmas meio humanos, bruxas, fadas, em sua maioria, marcados por humor e riso. Além da ausência de dramaturgos, discutir qualidade de peça teatral num país carente de bibliotecas e de leitores implica em discutir a necessidade de políticas públicas de leitura no Brasil. Nesse sentido, é fundamental refletir sobre os programas governamentais de incentivo à leitura, em especial, o Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE, pois por meio dele é que crianças e jovens de 4ª, 5ª e 8ª séries podem ter acesso a textos e iniciar suas experiências mais significativas no teatro infantil. Esse programa, coordenado pelo Ministério da Educação – MEC e executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento e Educação – FNDE, surgiu em 1997 com o objetivo de formar leitores e oferecer aos professores e alunos de ensino fundamental um conjunto de obras literárias e textos sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil. A partir de 1999 o programa concentrou a distribuição em acervos de obras literárias, por isso, elegeu esse ano para o período que compreende esta pesquisa. Em vista do exposto e da importância que o gênero vem assumindo no contexto atual, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) somada ao boom de publicações nessa área no final da década de 1990, em decorrência das políticas públicas de leitura (FERNANDES, 2007), que incluiu a seleção de peças teatrais no PNBE, este artigo propõe-se a fazer um mapeamento das peças teatrais infantis que circulam nas esco-


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las públicas do Brasil, por meio de compras governamentais realizadas nos anos de 1999, 2001, 2002 e 2003 pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE. Para tanto, primeiro foram identificadas as peças teatrais adquiridas pelo PNBE nos anos de 1999 a 2003; em seguida, foram investigados os critérios de seleção que nortearam a compra desses acervos e, na sequência, averiguados os autores, os ilustradores e as editoras contempladas. Ao lado disso, foram levantados dados referentes às peças teatrais e às características presentes no gênero. Desse modo, este artigo espera contribuir para a divulgação de peças teatrais de qualidade nas escolas públicas e para a elaboração de uma possível história do teatro infantil no Brasil.

PEÇAS SELECIONADAS E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS TÍTULOS O PNBE distribuiu uma grande quantidade de títulos contemplando os gêneros poesia, conto, romance, peça teatral e clássico universal. Com relação à peça teatral, ao realizar o mapeamento, observou-se que os títulos selecionados durante os anos de 1999-2003, um total de 15 (quinze) peças, foram todos de autores renomados. Com base no levantamento, o número de peças selecionadas durante os cinco anos do programa ainda é pequeno, tendo em vista a importância da leitura do texto teatral no espaço escolar. Podem-se visualizar na tabela 01 as peças selecionadas. De acordo com a apresentação da tabela 01, percebe-se que no PNBE/ 1999 apenas um título foi escolhido, a coleção Teatro I: Pluft, de Maria Clara Machado, que reúne as peças iniciais mais conhecidas: O chapeuzinho vermelho, O boi e o burro a caminho de Belém, A bruxinha que era boa, Pluft, o fantasminha e, por fim, O rapto das Cebolinhas. No PNBE/2001 cinco peças foram selecionadas: Pluft, o fantasminha, O fantástico mistério de Feiurinha, O macaco malandro, Hoje tem espetáculo: No país dos prequetés e Eu chovo, tu choves, ele chove... No PNBE/2002 quatro peças foram distribuídas: O rapto das Cebolinhas, Os saltimbancos, Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina e História de lenços e ventos. Por último, no PNBE/2003 cinco peças foram escolhidas: O menino narigudo, A fada que tinha idéias, Os Cigarras e os formigas, O Cavalo Transparente e Dois Corações e quatro segredos.


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TABELA 01– PEÇAS SELECIONADAS – PNBE/1999 - 2003 AC E RV O 19 99

TÍTULO

AUTOR

EDITORA

Teatro I: Plu ft, o fantasminha

M aria Clara M ac hado

AGIR

AC E R V O 2001 T I TU L OS

AU T O R

E D IT O R A

Sylvi a Orth of

Objetiva

A na Mari a Machado

Nov a Front eira

P edro Band ei ra

FTD

O macaco m al an dro

Tatiana Belink y

Moderna

Pl uft, o fantasm inha

M aria Cl ara M ac had o

Eu chov o, tu ch oves, ele chov e... Hoje tem esp etácu lo: no paí s dos prequ etés O fantástic o m istério d e Feiurinha

Com panhi a das Letri nhas

AC E RVO 200 2

TÍTULOS

AUTO R

História d e lenço s e v entos

Il o K rugl i

O rapto das cebol inhas Os salti mb an cos Zé V agão da R oda Fi na e sua m ãe Leop old ina

M aria Clara M ac hado

EDITORA Record Com panhi a das Letri nhas

Ch ico Bu ar que

Glob al

Sylvi a Orth of

Nov a Front eira

AC E RVO 200 3

TÍTULOS

AUTO R

EDITORA

A fada que tinha idéias

Fer nanda Lopes d e Alm eida

L&PM

Dois Coraçõ es e quatro segredos

B eto A nd retta e Lil iane Lacoc ca

Salamandra

O Cav alo Tr ansparente

Sylvi a Orth of

Qu inteto Editor ial

M aria Clara M ac hado

Nov a Front eira

W alc yr Carr asc o

Moderna

Os Ci garras e os form igas O meni no n arigudo


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O PNBE/1999 foi composto por 110 obras, sendo 106 escolhidas pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ e 04 pela Secretaria de Educação Especial (SEESP) do Ministério da Educação, para formar o acervo de 36.000 mil escolas públicas. Os livros foram distribuídos para as escolas, auxiliando na formação das bibliotecas, e designados para alunos matriculados nas 1ª e 4ª séries do ensino fundamental. Um contrato entre a FNLIJ e o FNDE foi de grande importância para as escolhas das obras. Os títulos foram selecionados pela FNLIJ, que obedecia a critérios de seleção solicitados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. Seguindo as trilhas de Fernandes (2007, p. 66), “os critérios de seleção das 106 obras não constam nos documentos oficiais examinados, mas foram obtidos no site da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil”. Assim, foi possível verificar que os livros para serem escolhidos teriam que ser “altamente recomendados e premiados”, e o principal critério de escolha seria a qualidade do livro, observando-se, em iguais condições, texto, imagem e projeto gráfico. Os livros escolhidos deveriam ser de ficção e nãoficção (narrativa clássica, narrativa contemporânea, poesia e teatro). No ano de 2000, o governo investiu em uma melhor formação de professores para as escolas que participavam do programa, tendo como meta apoiar e incentivar seus docentes. Já nas três edições seguintes ocorreram grandes mudanças: as coleções foram intituladas Literatura em minha casa, ou seja, os livros não foram distribuídos mais com o objetivo de formar biblioteca e auxiliar o trabalho dos professores, mas pela primeira vez os livros foram distribuídos para os alunos. Dessa maneira, eles puderam ler com seus familiares e até trocarem com seus colegas, conforme proposto na propaganda governamental: Livro é gênero de primeira necessidade. Livro é pra levar pra casa. É para criança ler com a mamãe, o papai, a vovó, a família toda! É um objeto para ser amado pela criança. Pra ela dormir abraçada, escrever seu nome nele, colorir suas figuras, usufruí-lo... Deixe a criança viver com o livro! (MEC, apud, FERNANDES, 2007, p. 62).

Como o governo ampliou o programa, distribuindo livros diretamente para as crianças, foi necessário comprar livros com preços mais acessíveis. Nesse sentido, foram utilizados alguns critérios para que os livros saíssem mais baratos. Tais critérios fizeram com que diminuísse a


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qualidade das coleções como, por exemplo, o material para confecção do livro, a padronização do tamanho, tanto de comprimento, quanto de largura, e das ilustrações. É importante destacar que as ilustrações do miolo do livro foram poucas e em preto e branco, com uma qualidade não muito boa. Essas especificações quanto ao material estavam explícitas nos editais, e caso os livros não fossem confeccionados de acordo com o edital, eles já eram descartados e não continuavam no processo de seleção. O PNBE/2001 foi composto por 06 coleções, cada uma com 05 gêneros: poesia de autor brasileiro, conto, novela, clássico da literatura universal ou peça teatral. Tais coleções foram distribuídas somente para os alunos matriculados nas 4ª e 5ª séries do ensino fundamental. Segundo a portaria nº 1.930, de 23 de agosto de 2001, a avaliação e seleção das obras ficaram a cargo de um colegiado, e os trabalhos a serem executados pelos membros deste colegiado obedeceram às normas e orientações solicitadas pela Secretaria de Educação Fundamental - SEF. (BRASIL, 1997) A comissão do PNBE foi instituída pelo Ministro de Estado da Educação, presidida pelo titular da SEF e coordenada pelo titular da CoordenaçãoGeral de Avaliação de Material Didático e Pedagógico da SEF. O PNBE e a SEF contaram com a colaboração das Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municípios de Educação. O FNDE ficou responsável pela pré-inscrição das coleções, pela triagem (selecionando as obras que estavam dentro dos padrões estipulados, como capa, tamanho da obra, quantidade de páginas exigidas, tamanho do papel, ilustrações e cores) e aquisição das coleções selecionadas, supervisão, monitoramento e controle de qualidade da produção das obras, distribuição das coleções recebidas; enquanto a SEF ficou responsável pela pré-análise das coleções, avaliação e seleção das obras, e as Secretarias Estaduais participam do colegiado, monitoramento e distribuição das obras. De acordo com as resoluções, os critérios de seleção foram considerados quanto à tipologia, à temática e à seleção de obras e autores, à textualidade, estética e o material, obedecendo ao principal critério que seria a adequação das obras ao público-alvo. O material usado para elaboração dos livros foi de fundamental importância na compra e na escolha das coleções, pois encontra-se no edital o tipo de material que deve ser usado na preparação dos livros antes de serem entregues para avaliação. O PNBE/2002 foi distribuído somente para alunos matriculados na 4ª série do ensino fundamental e os critérios de seleção ficaram a cargo de um colegiado, nomeado, que recebeu as instruções da SEF. O acervo foi compos-


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to de 8 coleções de diferentes editoras, sendo cada uma com cinco gêneros: uma obra de poesia brasileira ou uma antologia poética brasileira; uma obra de contos brasileiros ou uma antologia de contos brasileiros; uma obra clássica da literatura universal, traduzida ou adaptada; uma peça teatral brasileira ou obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira. Os critérios de seleção ficaram mais claros no edital de 2002. Os livros, mais uma vez, para concorrer, deveriam passar por uma triagem, ou seja, uma primeira avaliação. A triagem era feita por uma empresa contratada pelo FNDE/MEC. Os livros para serem aceitos deveriam seguir alguns critérios (não puderam concorrer obras que fizeram parte do PNBE/ 2001, cada volume deveria conter no mínimo 48 páginas) para concorrer à seleção. Dentro dos critérios de seleção, as obras deveriam seguir um modelo de qualidade no conjunto de cada obra. Quanto à tipologia, os títulos deveriam pertencer as categorias estipuladas. Ressalta-se que as peças escolhidas no PNBE/2001 estavam excluídas. Quanto à temática, as coleções deveriam apresentar temáticas diversificadas, divertidas, adequadas ao público-alvo, com a finalidade de motivar a leitura e transmitir culturas de diferentes locais, considerando a problematização e a contribuição para o desenvolvimento ético do leitor e, em hipótese alguma, poderia promover a discriminação. Quanto à seleção de títulos e autores, aqueles já conhecidos se sobressaíam quanto aos outros. Destaca-se que foram escolhidos autores de distintas localidades do Brasil. Quanto à textualidade, a natureza dos textos deveria ser constituída por distintas épocas. Assim, os textos deveriam ser amplamente representativos, favorecendo a estética diversificada e o desenvolvimento da leitura literária. Tendo em vista o público pretendido, os autores deveriam contemplar as expectativas desse público-alvo. Foram levados em consideração aspectos da estruturação dos textos, os recursos estéticos e literários utilizados, o equilíbrio da obra e o enredo, circunscrevendo as características do gênero e do estilo. Quanto ao projeto gráfico, foi analisada a apresentação física da obra, ou seja, a relação texto e imagem, distribuição espacial, capa, tamanho da mancha e recursos gráficos. Os livros deveriam ser atraentes, com tamanhos e letras adequadas, erros de impressão e revisão foram aspectos negativos na escolha da obra. Já as ilustrações deveriam ser inovadoras e contribuir para uma capa atraente e uma leitura de qualidade. Também


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deveriam dialogar com os textos, enriquecendo a leitura e usando linguagem visual apropriada para o público-alvo. Foram desaconselháveis clichês e ilustrações que pouco acrescentam à leitura. Quanto ao projeto editorial, indispensável para enriquecer a coleção, levou-se em consideração a finalidade e o leitor, tendo que estabelecer uma relação entre os volumes: apresentação dos livros e da coleção, equilíbrio na autoria e no tamanho dos volumes, oferecimento de informações relevantes (bibliografia, glossário, notas explicativas, informações históricas). A estética e o material usado para elaboração dos livros, mais uma vez, foram de grande importância na compra e na escolha das coleções. Em 2003, ocorreram outras mudanças, que ampliaram e deram continuidade ao projeto Literatura em minha casa, atendendo alunos matriculados nas 4ª e 8ª séries do ensino fundamental, e também alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos – EJA. O Edital de 2003 repete as mesmas recomendações dos anteriores, acrescentando informações relacionadas à qualidade do livro: obras faltando folhas, inacabadas e que deveriam ter modificações, não seriam aprovadas, pois somente foram aceitas para passar pela triagem obras que atendessem a todas as exigências do edital. Em linhas gerais, os critérios de seleção do PNBE de 1999 a 2003 foram sistematizados na tabela 02, próxima página


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TABELA 02 – CRITÉRIOS DE SELEÇÃO – PNBE/1999 – 2003

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DO PNBE PNBE/1999

PNBE/2001

PNBE/2002

PNBE/2003

- livros altamente recomendados e premiados. - a qualidade do livro: texto, imagem e pro jeto gráfico. - tip ologia; - público alvo; - temática; - seleção de obras e autores ; - a textualidade, estética e o material em um todo; - qualidade do livro. - tip ologia; - temática; - seleção de títulos e autores; - textualidade; - projeto gráfico; - ilustrações; - projeto editorial. - critérios de o rdem conceitual (relacionados ao projeto editorial); - temática; - seleção de títulos e autores; - textualidade; - projeto gráfico; - ilustraçõ es;

Como se pode observar, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas pelos próximos editais. De acordo com os estudos de Fernandes (2007, p.62): Embora pareça que os critérios estejam todos muito bem explicados, poder- se-ia perguntar: o que seria considerado qualidade de texto, imagem e projeto gráfico pela FNLIJ? O leitor paciente pode encontrar a resposta na leitura minuciosa dos comentários sobre as obras.


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TABELA 03 – AUTORES CONTEMPLADOS E SEUS RESPECTIVOS DADOS TABELA DE AUTORES AUTOR(A)

PNBE/1999 PNBE/2001 PNBE/2002 PNBE/2003

Maria Clara Machado

X

X

X

X

Sylvia Orthof

X

X

X

Pedro Bandeira

X

Ana Maria Machado

X

Chico Buarque

X

Ilo Krugli

X

Tatiana Belink

X

Walcyr Carrasco

X

Fernanda Lopes de Almeida

X

Beto Andretta & Liliana Iaccocca

X

DADOS DOS AUTORES CONTEMPLADOS NO PNBE 1999-2003

AUTOR(A)

GÊNERO

ORIGEM

ETNIA

Ana Maria Machado

F

Santa Tereza (RJ)

Branca

Fernanda Lopes de Almeida

F

Rio de Janeiro (RJ)

Branca

Maria Clara Machado

F

Belo Horizonte (MG)

Branca

Sylvia Orthof

F

Petrópolis (RJ)

Branca

Tatiana Belink

F

São Petersburgo (Rússia)

Branca

MeF

Mooca (SP)

Branca

Pedro Bandeira

M

Santos (SP)

Branca

Chico Buarque

M

Rio de Janeiro (RJ)

Branca

Ilo Krugli

M

Buenos Aires (Argentina

Branca

Walcyr Carrasco

M

Bernardino de Campos (SP)

Branca

Beto Andretta & Liliana Iaccocca


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Ano 14 • No 58 • Nov.-Dez./2011-Jan./2012

AU TORES E ILU STR AD ORES CONTEM P L AD OS AUT LUS TRAD ADO TEMP ADO Convém ressaltar que os textos teatrais mais lidos e encenados são de autores consagrados, tais como: Maria Clara Machado, Tatiana Belinky, Silvia Orthof, Ilo Krugli, Ana Maria Machado, entre outros. Desse modo é importante questionar: há outros dramaturgos que escrevem peças infantis? Fazer a inscrição para participar do programa não é fácil, pois um edital estabelece as regras, repletas de detalhes quanto ao material para o exemplar ser impresso. Para a inscrição e avaliação das coleções de literatura, o edital é publicado no Diário Oficial da União e disponibilizado na Internet, que determina as regras de aquisição e o prazo para a apresentação das obras pelas empresas detentoras de direitos autorais. Ao realizar o levantamento dos autores selecionados, observa-se que o principal critério de seleção parece ter sido as peças premiadas, pois os autores mais conhecidos têm uma certa preferência. Nota-se, na tabela 03, que a dramaturga Maria Clara Machado foi a mais selecionada para compor os acervos nos anos da pesquisa, tendo títulos escolhidos durante os quatro anos. A autora Silvia Orthof é a segunda mais selecionada, tendo participado de três anos: 2001, 2002 e 2003. Percebe-se, na tabela 03 [página anterior], que os outros autores participaram somente de um ano do acervo. Concorda-se que Maria Clara Machado foi uma das dramaturgas que mais escreveu textos para o público infanto-juvenil e com eles recebeu todos os prêmios brasileiros para textos dramatúrgicos, incluindo o “Prêmio Molière de autor”. Somando a isso, sua peça mais famosa, Pluft, o fantasminha, encontra-se traduzida em diversas línguas. Ao levantar os dados dos autores, pode-se perceber na pesquisa que 100% dos autores selecionados são de etnia branca, 70% concluíram faculdade no exterior, e escreveram suas peças aproximando-se ou entrando na meia idade e já com diploma superior. Todos esses autores passaram a juventude morando no eixo Rio-São Paulo e 80% ganharam prêmios com seus textos. Convém destacar que em suas biografias3 a maioria passou a vida dedicando-se quase que exclusivamente a escrever peças teatrais. Nota-se que o levantamento do gênero dos autores revela equilíbrio entre os sexos, porém o gênero feminino se sobressai com 60%, enquanto o

3

Foram levantadas todas as biografias dos autores selecionados, no entanto, não foi localizada a de Beto Andretta.


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gênero masculino 50%. Outra questão interessante é a falta de diversidade étnica, pois a maioria dos autores é branca, sem nenhuma representatividade negra, indígena e asiática. Tal constatação levanta uma dúvida: será que não há dramaturgos negros para o teatro infantil? Acredita-se que seja um dado preocupante a ausência de diversidade étnica entre os autores, porque os valores, os modos de vida, os diferentes aspectos da cultura, receios, angústias, realizações e alegrias, são transportados como marcas em cada produção cultural. Com essa mesma preocupação, foram mapeados alguns aspectos referentes aos ilustradores dos títulos selecionados:

TABELA 04 – ILUSTRADORES CONTEMPLADOS PNBE/1999 – 2003 ILUSTRADORES CONTEMPLADOS NO PNBE/1999-2003 TÍTULOS

ILUSTRADORES

GÊNERO

ORIGEM

ETNIA

Teatro I: Pluft, o fantasmin ha

Sergio Kon

M

São Paulo (SP)

Branca

O fan tástico mistério de Feiurinh a

Avelin o Guedes

M

São Paulo (SP)

Branca

Hoje tem espetáculo: no país d os

Gerson Co nforti

M

Nova

Branca

prequetés Eu chovo, tu ch oves, ele cho ve...

Glen da Ru binstein

F

Friburgo(RJ) São Paulo (SP)

Branca

O rapto das cebolinh as

Sergio Kon

M

São Paulo (SP)

Branca

O macaco malandro

Os saltimbancos

Sô nia Magalhães

F

Araçatub a (SP)

Branca

Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe

Gerson e Pedro

M

Nova

Branca

Leopoldin a

Co nforti

Histó ria de lenços e ventos

Ilo Krugli

M

Bueno s Aires

Branca Branca

Friburgo(RJ)

O menino narigud o

Avelino Gu ed es

M

(Argentina) São Paulo (SP)

A fada qu e tinh a idéias

André Neves

M

Recife (PE)

Branca

Os cigarras e os formigas

Ricard o Leite

M

Rio de Janeiro

Branca

F M

(RJ) Santos (SP) Juq uiá (SP)

Branca Branca

O cavalo transparente Dois Corações e qu atro segred os

Vivian Suppa Miad aira

O perfil dos ilustradores das peças infantis ficou caracterizado como de pessoas brancas, aproximando-se ou entrando na meia idade, com diploma superior, residentes no eixo Rio-São Paulo. Foram escolhidos 13 ilustradores: 11 do gênero masculino e 3 do gênero feminino.


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A partir disso, foram observadas as recorrências dos ilustradores nas coleções. Em primeiro lugar desponta Sergio Kun com a ilustração de três peças: a coleção Teatro I, Pluft, O rapto das Cebolinhas; Pluft, o fantasminha, todas da autora Maria Clara Machado. Em segundo lugar, Avelino Guedes ilustrou duas peças de autores diferentes: O fantástico mistério de Feiurinha e O menino narigudo. No caso específico dos livros analisados, observa-se que somente em três peças há ilustrações de personagens de etnias diferentes, ou seja, as ilustrações, apesar de serem poucas e em preto e branco, não retratam personagens com características culturais diferentes como, por exemplo, cor de pele, cabelo e boca. Foi possível perceber a presença de personagens figurantes ilustrados na cor preta [cf. Figura 1] que não se referem às personagens que atuam na peça.

Figura 1. Ilustrado por Gerson Conforti.

Encontra-se em A fada que tinha idéias três imagens de personagens coadjuvantes ilustrados na cor preta. Na figura 2, vê-se os três irmãos, filhos da Dona Relâmpaga com a ilustração do Irmão do Meio na cor preta. Pode-se visualizar, na figura 3, a diversidade na família dos Relâmpagos: Dona Relâmpaga em primeiro plano e, atrás dela, o Irmão Maior e o Irmão do Meio em tonalidades diferentes. Na figura 4, nota-se uma quebra de paradigma, pois pela primeira vez é possível ver uma fada negra, desconstruindo um padrão de fadas criadas pelos autores ou ilustradores. Segundo Fanny (1991, p. 36), “A fada, a princesa, a mocinha, são sempre protótipos da raça ariana: cabelos longos e loiros, olhos azuis, corpo esbelto, altura média, roupa imaculada...”.


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Figura 2. Ilustrado por André Neves.

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Figura 3. Ilustrado por André Neves.

Figura 4. Ilustrado por André Neves. Na peça Dois corações e quatro segredos encontram-se seis figuras ilustradas na cor preta, mas sem protagonista negros e somente personagens coadjuvantes negros. A figura 5 apresenta um menino negro na plateia, que assiste à peça com outras crianças, possibilitando a reflexão sobre a inclusão e a ausência de crianças negras no teatro. A figura 6 exibe a imagem de uma menina negra, figurante, brincando. Na figura 7, nota-se a ilustração de personagens variados, como índios, marinheiros, boi etc. A figura 8 apresenta o personagem Nego Veio parado no meio do palco de costas para o público: trata-se de um personagem negro bem sabido, como pai de santo, responsável para dar respostas a Manoel e solucionar a trama. A figura 9 mostra ilustrações de caboclos personagens também coadjuvantes. Na figura 10 visualiza-se a imagem de uma mãe negra. Como se vê, a única peça que privilegiou a ideia da diversidade foi Dois corações e quatro segredos, porque apresenta uma grande diversidade cultural e étnica.


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Figura 5. Ilustrado por Miadaira.

Figura 6. Ilustrado por Miadaira.

Figura 7. Ilustrado por Miadaira.

Figura 8. Ilustrado por Miadaira.

Figura 9. Ilustrado por Miadaira.

Figura 10. Ilustrado por Miadaira.


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De um modo geral, excetuando as ilustrações mencionadas, verificou-se, que as peças parecem ser escritas para um certo público: crianças brancas. Nota-se que as três peças com personagens ilustradas na cor preta não estão representadas dessa maneira por causa dos autores, e sim por mérito dos ilustradores. Reforça-se ainda que no PNBE de 1999 a 2003 não há representatividade de autores e ilustradores da etnia negra, indígena e asiática.

EDITORAS CONTEMPLADAS TABELA 05 – EDITORAS CONTEMPLADAS T A B E L A D E E DIT O R A S E D I T O RA S

PN B E /1 9 9 9

FTD

PN BE / 2 0 0 1

P N B E / 2 0 02

P N B E / 20 0 3

X

X

Q u in te to E d ito ria l

X

N o va F ro n te i ra

X

X

C o m p a n h ia d a s Le tr in h a s M ode r na

X

X

X

X

S al am a n d r a Ag i r

X X

O b je tiv a

X

Gl o b a l

X

Re co r d

X

L& P M E d ito r e s E D I T O RA S

X LOC A L

P OR TE

Gl o b a l

SP

G ra n d e

C o m p a n h ia d a s Le tr in h a s FTD

SP

G ra n d e

SP

G ra n d e

Q u in te to E d ito ria l

SP

G ra n d e

M ode r na

SP

G ra n d e

S al am a n d r a

SP

G ra n d e

Ag i r

RJ

G ra n d e

N o va F ro n te i ra

RJ

G ra n d e

O b je tiv a

RJ

G ra n d e

Re co r d

RJ

G ra n d e

L& P M E d ito r e s

RJ

G ra n d e


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Com relação às editoras contempladas, é preciso esclarecer que as editoras são todas conhecidas e de grande porte, sendo onze editoras escolhidas para publicação dos quinze títulos selecionados, conforme se pode visualizar na tabela 05 [página anterior]. Observa-se que as editoras estão localizadas em grandes centros: 06 (seis) na cidade de São Paulo, 04 (quatro) na cidade do Rio de Janeiro e apenas 01 (uma) no Rio Grande do Sul. É importante destacar que algumas como, por exemplo, FTD e Quinteto Editorial e também Moderna e Salamandra pertencem ao mesmo grupo editorial.

CARACTERÍSTICAS DOS TÍTULOS SELECIONADOS PARA O PNBE/1999 – 2003 Apesar dos problemas a serem superados nas representações mapeadas, é preciso destacar que o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) é de grande importância para os alunos do ensino fundamental das escolas públicas terem acesso às obras literárias. É por meio do PNBE que muitas crianças e adolescentes têm a oportunidade de entrar em contato com um texto teatral e de conhecer várias peças de qualidade, destinadas ao público infantil. Nesse contexto, ressalta-se como já foi mencionado, que mesmo os textos teatrais publicados, lidos e encenados, são de autores mais renomados como Maria Clara Machado, Tatiana Belinky, Silvia Orthof, Ana Maria Machado entre outros. Esses textos foram escritos em sua maioria entre os anos de 1952 a 1960, e fazem sucesso até os dias de hoje, conforme se pode observar na tabela 6:


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TABELA 06: DATA DE ESCRITA, PUBLICAÇÃO E ENCENAÇÃO DOS TÍTULOS SELECIONADOS (PNBE/1999 – 2003) DADOS SOBRE A DATA DE ESCRITA, PUBLICAÇÃO E ENCENAÇÃO DOS TÍTULOS SELECIONADOS NO PNBE (1999 – 2003)

TÍTULO OS Teatro I: Pluft, o fantasminha A bruxinha que era boa O rapto das cebolinhas O chapeuzinho vermelho O boi e o burro a caminho de Belém Pluft, o fantasminha O fantástico mistério de Feiurinha O macaco malandro Hoje tem espetáculo: no país dos Eu chovo, tu choves, ele chove... O rapto das Cebolinhas Os saltimbancos Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina História de lenços e ventos O menino narigudo A fada que tinha idéias Os cigarras e os formigas O cavalo transparente Dois corações e quatro segredos

ESCRIITA PUBLICAÇÃO O ENCENAÇ ÇÃO 1957 1955 1956 1952 1956 1953 1955 2001 2000 2001 2001 1952 2002 1997

1957 1955 1957 1955 1956 1953 1955 2001 2001 2001 2001 1955 2002 2000

1957 1955 1958 1952 1956 1953 1955 2002 2001 2001 2002 1952 2002 1997

2002 2003 1982 1976 1998 2003

2002 2003 2003 2003 2003 2003

2002 2003 1982 1981 1999 2003

As 15 peças selecionadas para o PNBE/1999-2003 são todas de linguagem simples, adequadas ao público alvo, com personagens marcantes e engraçados, com temas diversificados e atrativos, com espaço e tempo variados. Podem-se visualizar na tabela 7 [próxima página] os temas, o tempo e o espaço abordados pelas peças selecionadas:


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TABELA 7: TEMAS ABORDADOS NAS PEÇAS ANALISADAS (PNBE, 1999 – 2003). TÍTULOS

ESPAÇO Uma casa perdida, um s ótão O fantástico mistério de Presente Salão do castelo da Resgate dos co ntos Dona Branca; casa dos Feiurinha de fadas pais de feiurinha; casa das bruxas; sala de t rabalho de escritor; O macaco malandro Partilha Passado Um campo; a casa do indeterminado, macaco Obediência e Hoje tem espetáculo: Presente Quint al; Chão; Casa de No país dos prequetés autoritarismo uma velha; Eu chovo, tu choves, ele Presente Galinheiro Relação de patrões chove... e O rapto das cebolinhas Desaparecimento; Presente Horta do Coronel roubo Os saltimbancos Revolta Presente Barranco da est rada; estrada Zé Vagão da Roda Fina e sua Relação ent re mãe Presente Trilhos; estação mãe Leopoldina e História de lenços e ventos Sequestro Presente O quintal O menino narigudo Aparência, beleza Presente Pátio da escola; biblioteca; quadra; casa de Roxane; rua; casa de Cirano; quarto de Cristiano A fada que tinha idéias Liberdade de Presente Céu; casa de Clara Luz; t rês casinhas ; portão da expressão casa dos relâmpagos; s alão do palácio Os cigarras e os formigas Amor Presente Uma praça; casa das batistas; casas dos formigas; casa dos cigarras; janela da casa dos formigas; porta da casa O cavalo transparente Persistência Presente Mar; mar vermelho Dois corações e quatro Mo rte Presente Milharal

Pluft, o fantasminha

TEMAS Medo

TEMPO Presente

segredos

Como se vê, mapeados os temas das peças, há variedades, porém, alguns temas aparecem com maior frequência, sendo: 1) relação familiar entre pais e filhos: na peça Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina, a Locomotiva Leopoldina mostra um exemplo de uma mãe


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atenciosa e muito preocupada com o futuro do seu filho, procurando sempre ensiná-lo a trabalhar para ser “alguém na vida” (ORTHOF, 2002, p.9); Zé Vagão representa um filho preguiçoso que não quer saber de trabalhar e muito menos de ser alguém na vida, só quer ficar deitado e vive inventando dores. Também na peça Pluft, o fantasminha a mãe de Pluft, além de atenciosa e protetora, sempre encoraja o filho a encarar seus medos e anseios. Na peça Os cigarras e os formigas, encontra-se pais protetores em excesso, ou seja, pais que escolhem o futuro dos filhos, representando pais autoritários. Em contrapartida, A fada que tinha idéias narra uma história em que as mães, além de protetoras e atenciosas, vivem com medo de fazer coisas que fujam das regras, enquanto as filhas desobedecem às mães e fazem tudo que tem vontade, quebrando o modelo de obediência e afetando o poder instituído na família e no reino. Nas peças citadas, exceto na última, os filhos são sempre educados, obedientes e medrosos, reforçando a hierarquia familiar burguesa. 2) sequestro e desaparecimento: a peça O rapto das cebolinhas narra a história do rapto de uma espécie rara de cebolinhas, criando um suspense que prende a atenção do leitor do início ao fim. Da mesma forma, a peça Dois corações e quatro segredos aborda essa temática: a protagonista Morte, disfarçada de várias faces, sequestra o amor de Manoel e, a partir disso, ele tem que encarar uma grande aventura para salvar sua amada Manoela da morte. 3) comportamento humano relacionado à amizade, ao egoísmo, ao amor, ao preconceito, à injustiça, à solidariedade, ao medo, à emoção, à aventura, à separação. A peça O menino narigudo mostra uma grande amizade e cumplicidade entre Cirano e Cristiano. Nessa direção, Pluft, o fantasminha relata o sentimento de amizade, medo, aventura e solidariedade do protagonista para com a menina Maribel. Também a peça História de lenços e ventos apresenta sentimentos nobres de amizade entre a protagonista Azulzinha e outros personagens, que se arriscam para salvar a vida da amiga. Percebe-se, ainda, no desenrolar das tramas, a tentativa de estabelecer uma ponte entre o real e o imaginário, com situações criadas e apresentadas com o intuito de discutir determinadas temáticas (predominantemente de cunho familiar e social) mesmo que a fantasia permanece. Com efeito, as temáticas das obras abordam temas do cotidiano, havendo criação de situações inusitadas, nas quais o elemento fantástico figura de maneira a tornar algumas histórias mais atrativas.


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No que tange ao tempo e ao espaço das narrativas, averiguou-se a recorrência do tempo presente, aproximando o leitor da história, e que os locais descritos são os mais diversos possíveis. Menções à religiosidade, no contexto das peças analisadas, foram inexistentes. (BRASIL, 1997)

PERSONAGENS Apesar da diversidade de estilos das obras e de formas de apresentação dos personagens, em algumas dimensões eles coincidem, pois muitos personagens analisados motivam uma identificação com o leitor, ou seja, vivem situações semelhantes àquelas da realidade do leitor (decepção, emoção, temor, medo, admiração, amor etc.). Tais sentimentos, de acordo com Lajolo e Zilberman (2004, p.22), a criança precisa viver e conhecer desde pequeno. Foram contados, na análise quantitativa, 40 personagens na capa, 161 personagens4 no texto, 45 personagens adultos, 25 personagens crianças. Percebe-se que o número de personagens femininos é maior que o de personagens masculinos, o que já se observa como uma vitória em relação à igualdade entre sexos, porque se constatou que a mulher não está em papel de coadjuvante nas tramas; 15 personagens mães e 11 personagens pais, havendo predominância de 55% de personagens animais, seguida 20% de personagens criança, e depois 7% de personagens mães e 4% de personagens pais, em seguida 15% de personagens maravilhosos (fadas, fantasmas) e 5% de personagens personificados (chuveiro, pingo, nuvem, alface etc.). Os personagens crianças das peças são criativos, e não tem medo de errar. Como se observa na peça A fada que tinha idéia, a personagem Clara Luz quebra o paradigma, pois não é uma personagem esporádica, como costumamos ver as crianças. Nesta mesma peça vê- se uma aluna atenta, interessada, diferente da aluna comum que aprende com o professor, pois é a aluna que ensina a professora; é desconstruído o estereótipo de aprisionamento das atitudes comportamentais das crianças. Quanto às personagens crianças viverem problemas do dia a dia das crianças como, por exemplo, preguiça, fingimento de doenças para chamar muitas vezes a atenção ou até não fazerem nada mesmo, é um caso bem normal para o personagem Zé Vagão da Roda Fina da peça Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina. 4

As peças O rapto das cebolinhas e Pluf, o fantasminha só foram contadas apenas no PNBE/1999.


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Personagens pais e mães das peças selecionadas não seguem o mesmo padrão estético, divergindo das constatações de Fanny (1999, p. 36) que relata que os pais e as mães “seguem mais ou menos os mesmos padrões estéticos: talvez com óculos ou barba ou cabelo cuidadosamente penteados”. Esse estereótipo esta presente apenas na peça Os cigarras e os formigas em relação à profissão dos pais; a mãe surge como dona de casa, esposa dedicada, principal responsável pela educação dos filhos. Em relação à estética, os personagens seguem uma caracterização diferente da contada por Fanny, pois apresentam cabelos arrepiados e um enorme bigode, mostrando desleixo. Já as mulheres da trama são gordas, umas de cabelos lisos e arrumados, já outra bem dona de casa, mal arrumada, com pantufa nos pés e cabelos erguidos por uma tiara.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As coleções que compõem o programa apresentam uma diversidade importante de gêneros literários (romance, novela, conto, poesia e teatro) para serem trabalhados nas escolas públicas. Este artigo, no entanto, ateve-se em mapear e estudar os critérios de seleção das peças teatrais compradas durante os anos de 1999 a 2003. Embora a quantidade de peças pesquisadas tenha sido pequena, totalizando 15 (quinze) obras nos quatro anos do programa, é importante reconhecer que, ao comparar com anos anteriores, em que não houve nenhuma compra, foi dado um grande passo em relação ao gênero teatral. Após fazer o levantamento das peças selecionadas, evidencia-se uma preocupação quanto aos critérios de seleção dos autores e das editoras, pois, conforme foi demonstrado, houve repetições no período estudado. É visível que os autores consagrados influenciam os especialistas na escolha dos títulos, por isso, há autores selecionados mais de uma vez com peças diferentes. Como se sabe, há falta de dramaturgos para o público infantil, portanto, seria importante mudar alguns critérios para oportunizar escritores menos conhecidos ou mesmo desconhecidos, incentivando novas produções nesse gênero. Nota-se que as editoras selecionadas são todas de porte grande, sendo localizadas em grandes centros, ou seja, 06 (seis) na cidade de São Paulo, 04 (quatro) na cidade do Rio de Janeiro e 01 (uma) no Rio Grande do Sul. É importante destacar que algumas editoras como, por exemplo, FTD e


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Quinteto Editorial e também Moderna e Salamandra pertencem ao mesmo grupo editorial. Nesse contexto, observou-se que os autores e os ilustradores são todos de etnia branca, o que talvez explique o fato de os personagens utilizados nas peças seguirem um certo padrão europeu. Em vista disso, há uma certa homogeneidade quanto à representação dos personagens presentes nas ilustrações e nos textos verbais. Outra observação digna de nota é que essas representações revelam valores, modos de vida, diferentes aspectos da cultura, receios, angústias, realizações e alegrias, que são transportados como marcas nessa produção cultural. Ressalta-se que não há dúvida quanto à qualidade das peças selecionadas, o que se questiona são quais os critérios considerados relevantes para a escolha das obras, dos autores e das editoras selecionadas, assim como as lacunas presentes no edital. Por que não há editoras e autores desconhecidos contemplados? Para finalizar, apesar dos problemas detectados, as peças selecionadas pelo PNBE/1999-2003 apresentam uma diversidade importante de temas para serem trabalhadoscom as crianças nas escolas públicas e, assim, contribuem para a formação do leitor literário no espaço escolar.

REFERÊNCIAS

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CARRASCO, Walcyr. O menino narigudo. Ilustrações Avelino Guedes. 1. ed. São Paulo. Moderna, 2003. KHÉDE, Sonia Salomão. Personagens da Literatura Infanto-Juvenil. São Paulo: Ática, 1986. KRUGLI, Ilo. História de lenços e ventos. Ilustrações Ilo Krugli. 1. ed., Rio de Janeiro: Record, 2002. MACHADO, Ana Maria. Hoje tem espetáculo: no país dos prequetés. Ilustrações de Gerson Conforti. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. MACHADO, Ana Maria. Os cigarras e os formigas. Ilustrações Ricardo Leite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003. MACHADO, Maria Clara. O rapto das cebolinhas. Ilustrações Sergio Kon.. 1. ed., São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. MACHADO, Maria Clara. Pluft, o fantasminha. Ilustrações de Sergio Kon. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. MACHADO, Maria Clara. Teatro I: Pluft,.Rio de Janeiro: Agir, 1995. ORTHOF, Sylvia O Cavalo Transparente. Ilustradora Suppa. 1. ed. São Paulo: Quinteto Editorial, 2003. ORTHOF, Sylvia. Eu chovo, tu choves, ele chove..., 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. ORTHOF, Sylvia. Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

O b r as te ó r i c as teó ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 2. ed. São Paulo: Scipione, 1991. AMARAL, Maria Lúcia. Teatro para Crianças. In: ________.Criança e Criança: literatura infantil e seus problemas. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1983. p. 47 – 58. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.


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CUNHA, Maria Antonieta Antunes. O teatro para crianças. In: ________. Literatura infantil: teoria e prática. 16. ed. São Paulo: Ática, 1997. p. 135-154. FALABELLA, Cida. Teatro e literatura: encontros e possibilidades. In: ________. PAIVA, Aparecida et al. (Orgs.). Literatura: saberes em movimento. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2007.p. 137 – 144. FERNANDES, Célia Regina Delácio. Leitura, literatura infanto-juvenil e educação. Londrina: EDUEL, 2007. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história & histórias. 6. ed. São Paulo: Ática, 2004. NAZARETH, Carlos Augusto. O que é qualidade em teatro infantil? In: OLIVEIRA, Ieda de (Org.). O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? Com a palavra o escritor. São Paulo: DCL, 2005. p. 91-102.. SANTOS, Vera Lúcia Bertoni; BENDER, Ivo. Criança, teatro e dramaturgia. In: JACOBY, Sissa. (Org.). A criança e a produção cultural: do brinquedo à literatura. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003. p. 161-181. ZILBERMAN, Regina. Yes, nós temos teatro. In: ________. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. p. 144-154.


ASAS E MIGALHAS (súbito pedido de voo) Patrick Vieira de SOUSA1

U

m instante mínimo, um lugar comum. Pessoas vagando, vidas passando. Tudo era nada e alguém era ninguém. Lá estavam pombas voando e pousando na praça. Ambivalentes, sendo elas mesmas. Migalhas de pão eram jogadas, enquanto eram chutadas: as pombas e os pedaços. Uma praça qualquer em que as pessoas sentiam qualquer coisa. O mundo estava em êxtase, porém sendo ele mesmo não se podia refratar. No entanto, na praça havia um homem que sabia que choveria mais tarde. “Os dias comuns são tão cheios de si que no fim mudam-se sem que sejamos avisados.” As pombas lá estavam; lá estava o homem e lá estava tudo o que se poderia ver, tanto quanto se quer ver. — Por que elas estão comendo as migalhas tão quietamente, assim sendo chutadas? Eu sei que elas podem voar e também sei que elas sabem, porque me olham sabendo. Mas e quanto às migalhas, sendo que voam? Estes animais são tão malditos assim que foram beatificados por isso? Se eu fosse uma pomba eu teria vergonha de chorar para mim mesmo só porque eu saberia voar. Assim sendo, se eu fosse comedor de migalhas e tentasse voar, poderia eu ser beatificado? Ao que me consta, o nada é feito de fonte natural aqui. Isso se soma às quantas verdades que puderem ser ditas em um único instante. Porém, o que me consta não é o fato de se poderem comer migalhas, é o fato de ser santo sem que as migalhas sejam também. Acho que eu estou preso em um sintagma. Então o homem não se fazia notar tanto quanto as pombas fariam. Mesmo que ele estivesse disposto a ser pomba, ou a ser migalha o que lhe intrigava como homem era o porquê de se ser santo se o que sobra não é nada.

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Nasceu em Campo Grande (MS), em 8 de março de 1989. É escritor e acadêmico de Letras da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. Este é seu primeiro texto publicado.


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— Joga-se o pão à pomba como se nada mais fosse necessário para nós. E o que temos de ser somos, mas por que esquecemos ainda me falta o conceito. Está mais do que claro aqui que vai chover. Mesmo que eu não chova, vai chover sim. Não que esse seja meu desejo, porque a pomba santa que não é branca e come migalhas está sendo-se como eu jamais fizera. Eu tenho orgulho de vê-las tanto quanto elas têm orgulho de estar diante de nós em vosso reino. E mesmo que eu caia — em qualquer lugar que eu possa cair — assim que eu ver uma pedra vou jogá-la em alguém como se pedisse desculpas — se eu puder enterrar alguma história eu enterraria as migalhas das pombas que não têm história nenhuma e ainda assim ficam durante anos! E essas migalhas me sufocam tão pesadamente que eu não tenho força de detê-las, mesmo que elas sejam eu! (!!) Parece-me que me revelei, o que sou hoje não poderei ser mais. Agora que o homem revelara sua essência humana, não poderia correr risco algum de ser visto pelas pombas e ser devorado pelas mesmas. Escondeu-se atrás de um poste desejando que no ato final não se tocasse músicas sacras, porque ele não sabia como cantá-las sendo somente migalha. E mesmo que ele estivesse escondido em meio à multidão, de certa forma ele sentia uma culpa interior tão forte que nem mesmo ele sabia como se questionar. O que ficara no ar, era o som de ato incerto, como se antes das pombas a vida não soubesse se organizar. — Eu não quero que elas me digam o que fazer, mas se eu as fosse quanto de poder eu teria? E se eu pudesse mesmo pedir asas que se fossem quando eu visse migalhas eu teria o poder de decidir se você vem ou fica? Ao rebento de um quando eu nascera, é de certa forma difícil de acreditar que essas pombas não tenham virado pó a minha semelhança. Quanto mais tempo eu passar gritando dentro de minha própria ojeriza não vou caber num instante organizado. Meu contraponto atual é que estou tão distante de um lugar chamado casa que quando vejo as migalhas meu subconsciente se torna periférico. E eu continuo correndo porque sem meus pés eu poderia ter asas. E se eu chorar mais uma vez por não ter asas, eu terei de ficar com meus pés? O grito que silencia essas pombas é tão cantante que a musicalidade do momento passa-se a um ritual onde água e canto se confundem. Ambos correm e passam tão repentinamente que se eu olhasse dentro de mim eu correria para onde houver tempo sobrando. O que está me consumindo não é mais o instante em que as migalhas foram jogadas, mas sim o tanto de pombas santas que caem do seu às migalhas e mesmo


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assim não me dizem quanto tempo ainda vão passar dentro de meu corpo. Porque se essa miséria é o que sou agora o meu futuro será de migalhas? E se o meu futuro é de migalhas quem sou eu no presente? O homem estava cada vez mais confuso e não sabia acreditar se as palavras que derivavam de sua própria boca eram as mesmas que ele estava dizendo. Fez-se tão quieto que não gostaria mais de ser ele mesmo. Estava tão perplexo e inquieto que começou a suar frio. Suas mãos iam sendo coçadas por movimentos que não se poderia dizer serem para aquecer ou para extinguir a aflição. Havia ainda mais pessoas na praça o que aumentava ainda mais aquele sentimento arrebatador dentro dele. — Será que alguém além de mim foi capaz de notar que as pombas estão enchendo este lugar em busca de migalhas? Será que eles entendem que também estão enchendo o lugar? Me pergunto se algum deles já cogitou a ideia de que podemos estar tão acostumados ao que vemos que nem ao menos temos a ideia de que são as migalhas que estão nos construindo. Há tanto pão. Oh meu Deus há tanto pão sendo entregue às pombas que me pergunto se realmente não estamos tão santos que enchemos o mundo com os restos e estamos esperando que os céus desçam com as pombas pra nos socorrer. E nesse mundo que me quer tão sóbrio a ponto de me encher as vistas com asas tão viscosas, me pergunto qual a função da liberdade? O homem começava a transparecer nervosismo. Estava encostado numa parede e sem perceber, desistiu de se esconder e foi até onde as pombas estavam reunidas em sua maioria. Ele nem mesmo percebera antes de ser tomado pela cólera em que as perguntas lhe haviam colocado, a velha senhora alimentando as pombas. Transparecida num acalanto tenaz, ela o estava observando. Quando ele a percebeu foi quebrado pela onda de choque que ela o transmitia. Entrou num estado de inércia e as pombas começaram a subir. O bater de asas em revoada não lhe apaziguaram as incertezas. Quando fixou novamente o olhar para a senhora percebeu que ela já o fitava os olhos. Teve uma súbita sensação de ternura, logo após uma sensação decrépita de que algo importante já fora há muito tempo esquecido. Começou então um turbilhão de pensamentos. — O que esta senhora pode ter haver com as pombas? Será que ela é capaz de entender que as alimenta de migalhas e que talvez ela em sua realidade seja o sinal de que o precipício vem subitamente entre os temores da carne? E se ela é capaz de entender que talvez possa estar alimentando as pombas com migalhas de pão porque é nessa santificidade de ações que ela


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talvez esteja encontrando a justificativa para tornar-se parte dos santos pássaros voadores. Mas vejo que há tanta fascinação em poder dar um pedaço porque a liberdade dos que voam não chegou a nossas mãos. A senhora ainda o olhava permanentemente. Era um cruzar de olhares. Agora já não havia mais pombas e é certo que ela ainda possuía algumas migalhas na mão. E por mais que fosse nenhuma moça nova, não havia nela nenhum sinal de que estava pronta para morrer. Ao menos que se pensasse em sua aparente idade e que se acusasse assim o fim da vida. Mas o homem não tinha o poder de lhe dar à sombra, estava constrangido aparentemente, mas não lhe desviava o olhar. Estava preso, porque fizera tantas perguntas e nem mesmo chegou a cogitar que uma mão levemente fria poderia estar alimentando os pássaros. E ainda que essa mesma mão pudesse não representar nenhum aspecto que lhe deixasse a vida furtiva, foi incapaz de perceber que a senhora estava no auge de sua completude e que todos aqueles pássaros poderiam a estar seguindo porque a mesma era capaz de reconduzi-los ao caminho anterior ao das migalhas. — Qual será a força súbita que me prende as pernas enquanto essa velha senhora tem essa forte expressão que me toma toda a consciência? E inspirado nessa pergunta percebeu que a velha senhora já arqueava o corpo fazendo sinal como se fosse levantar. Talvez ela enfim lhe daria as respostas de que tanto precisava, já que ela tão sublimemente estava alimentando os pássaros com migalhas que eram as migalhas que os eram. Estava atônito porque agora a verdade iria transparecer nua e crua e velha e eterna. Antes que os pássaros voltassem, estava a senhora disposta a lhe dar as repostas? O corpo dela aos poucos tomava formato ereto e o coração do homem de acelerava enquanto os olhos dos dois estavam fixados um no outro. O torpor final os aguardava. A velha senhora então mexeu os lábios e transpôs o som: — É... as pombas já se foram. Vai chover. Devemos fazer o mesmo.




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