7 minute read

ENTREVISTA

Next Article
DIAFRAGMA

DIAFRAGMA

ENTREVISTA/ MURRO#07 COM/ JUIZ JOSÉ CARLOS DO VALE MADEIRA

POR COMPACTUARMOS COM UM MUNDO QUE SEJA LIVRE DE TODO E QUALQUER PRECONCEITO, A CIA CARNE AGONIZANTE VEM A PÚBLICO INFORMAR A TODES QUE AS IMAGENS CONTIDAS NA CAPA E NO INTERIOR DESTA PUBLICAÇÃO NÃO CONDIZEM COM O PENSAMENTO DOS INTEGRANTES DO GRUPO E DOS RESPONSÁVEIS PELA REVISTA MURRO EM PONTA DE FACA. PORTANTO, FORAM RETIRADAS.

Advertisement

ESTADO DE DIREITO X AÇÕES AFIRMATIVAS

De um lado, editais lançados em 20 de novembro de 2012 pelo Ministério da Cultura, gestão de Marta Suplicy, com o propósito de fomentar e facilitar o acesso e a produção de negros nas artes. Do outro, um cidadão comum, move uma ação contra a União, a Funarte e demais órgãos sob o fundamento de exclusividade à etnia negra e que, por decisão do Juiz José Carlos do Vale Madeira, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão, resulta na suspensão dos editais. Inclusão? Exclusividade? Racismo? Quem responde é o próprio juiz, em entrevista exclusiva à Murro em Ponta de Faca. MURRO - Por que suspender os editais de incentivo à cultura negra? JUIZ JOSÉ CARLOS - Por tratar com exclusividade a etnia negra é que me pareceu acintoso ao princípio da isonomia e da razoabilidade. Repugna o senso comum que num concurso dessa envergadura, com recurso público do Estado Brasileiro para fomentar a cultura se possa isolar as demais etnias. Isso não existe e acaba estimulando um confronto entre as diversas etnias. Nós temos é que primar pela unidade brasileira para evitar esses embates. No entanto, registrei na decisão que esses editais não estavam ajustados àquilo que se denomina juridicamente de sequer um parâmetro de cota. Se o concurso tivesse estabelecido um limite de cota para negros, um limite de cota para brancos ou algo equivalente, como já ocorre com os concursos de vestibular e públicos, não haveria qualquer contratempo.

MURRO - De quem parte a decisão de suspender o edital? JOSÉ CARLOS - Essa ação não foi promovida pelo Ministério Público Federal, não foi promovida por nenhuma associação. Foi promovida por um cidadão comum, um advogado aqui do Maranhão chamado Pedro Leonel Pinto de Carvalho, que moveu a ação contra a União, contra a Funarte e demais órgãos com o propósito de suspender esses concursos do Ministério da Cultura, sob o fundamento de comprometer o princípio da isonomia, na medida em que os concursos conteriam cláusulas que estabeleçam e/ ou estabelecem exclusividade para a participação de negros. Então, diante disso, lancei uma decisão reconhecendo que esses editais ofenderiam o princípio da isonomia, porque não possibilitavam a participação de outras etnias e entendi que havia um comprometimento do princípio da razoabilidade, porque a sociedade brasileira é uma sociedade plural e multifacetada e que precisa ser representada em todas as suas vertentes.

MURRO - O que você considera grave no edital, a ponto de suspendê-lo? JOSÉ CARLOS - O problema dos editais é o caráter de exclusividade. Na minha decisão de dez laudas há uma passagem que digo: embora o Estado tenha o dever de fomentar medidas administrativas com feição políti ferencial a grupos historicamente discriminados na sociedade brasileira – quais sejam negros, índios e pobres – não se pode olvidar que essas medidas que se inserem pratica tiva não podem se sobrepor aos parâmetros éticos do direito sob pena de subversão aos princípios da isonomia, da razoabilidade e da moralidade administrativa.

MURRO - Então, o problema é por ser exclusivo, e não preferencial? JOSÉ CARLOS - Eu cito uma posição doutrinária do professor Joaquim Barbosa, Mi

ENTREVISTA/ MURRO#07

“O que a Ministra sustenta é isso: que esse concurso foi voltado para fortalecer a cultura negra. E eu penso que isso não é algo razoável. E amanhã se pode instituir um concurso somente para a etnia branca ou somente índios ou outra qualquer? Eu acho que isso acabaria criando esses chamados guetos culturais”

nistro do Supremo Tribunal Federal, que defende a questão da chamada discrimi um grupo historicamente discriminado para inseri-lo na sociedade. É diferente de dar um tratamento exclusivo. Então eu digo que esse tratamento preferencial não pode servir de pretexto para estruturação estatal de guetos culturais, que provoquem por intermédio de ações com timbre da exclusividade o isolamento de negros, colocando-os em compartimentos segregacionistas. Ou seja, que não possam ser compartilhados por outras etnias. E o que eu entendi é que esse concurso isola aquela etnia, somente os negros podem participar e não possibilitam uma interação das diversas etnias que compõem esse intenso mosaico étnico cultural da sociedade brasileira.

MURRO - E o que poderia ser revisto? JOSÉ CARLOS - Se o concurso estabelecesse cota limite para todos participarem, ainda que expressiva, 50%, para os negros a inserção do negro no mercado das artes, penso que não haveria nenhum problema.

MURRO - Quando a decisão de suspensão foi tomada? JOSÉ CARLOS - Eu decidi isso no dia 14 de maio, mas a ação teve um percurso de dois meses, pelo menos. Porque quando foi ajuizada a ação, se ouviu a União, a Funarte e o Ministério da Cultura, para que eles se manifestassem sobre esse pedido. Eu ouvi a todos e eles se manifestaram no processo, mandaram diversos documentos, recebi os advogados da União, um representante do Ministério da Cultura no meu gabinete, que vieram me expor o sentimento deles acerca do tema. E eu examinei a questão com extrema sensibilidade e lancei essa decisão com esse convencimento, mas foi assegurada a oportunidade de ampla defesa.

MURRO - E em relação ao pronunciamento da Ministra Marta Suplicy, dizendo ser uma decisão “racista”? JOSÉ CARLOS - Ela diz que a minha posição tem um viés racista e eu não vejo a decisão como sendo racista. Pelo contrário, é uma decisão que se harmoniza com o princípio da isonomia, que não se contrapõe ao sistema de cotas. Se ela tivesse instituído o sistema de cotas, evidentemente que a discussão seria outra, mas não há cotas nesse concurso, há exclusividade. Ela disse que a decisão ia na contramão da decisão do Supremo Tribunal Federal, que já reconheceu as cotas, e eu também reconheço as cotas. Já julguei dezenas de casos no Maranhão assegurando o direito de cotas nas Universidades e tenho essa concep para possibilitar a acessão dessas classes so das na sociedade brasileira.

MURRO - Qual foi o posicionamento do Ministério e demais órgãos quando comunicados da ação? JOSÉ CARLOS - Representantes do Ministério estiveram aqui, eles mandaram as có te, e o que eles sustentam basicamente é isso. Ou melhor, o que a Ministra sustenta é isso: que esse concurso foi voltado para fortalecer a cultura negra. E eu penso que isso não é algo razoável. E amanhã se pode instituir um concurso somente para a etnia branca ou somente índios ou outra qualquer? Eu acho que isso acabaria criando esses chamados guetos culturais – um concurso de negro, outro de branco, outro de descendentes asiáti a pluralidade. MURRO - O que é ser branco no Brasil? JOSÉ CARLOS - A questão não se coloca tão somente no plano étnico propriamente dito. O branco, na visão que se tem, é o aquele que dominou essa sociedade por longos anos e que conquistou os melhores espaços, as ilhas de poder existentes no país. É preciso dar oportunidade, dar voz às demais etnias, e já se abriu muito a essa possibilidade. O Estado deve fomentar medidas político-administrativas para que isso ocorra, mas sem criar uma linha de confronto entre as diversas etnias. Os negros, as mulheres, os índios podem e devem buscar posições melhores na sociedade e isso pode ser feito com sistema de cotas.

MURRO - para incluir as demais etnias? JOSÉ CARLOS - Eu sou plenamente favorável, até por convicção ideológica mesmo, a esse sistema de cotas, porque acho que possibilita o essencial, que é dar um tratamento preferencial a um grupo historicamente discriminado. Não é possível dar um tratamento exclusivo. É essa subtileza daquilo que é preferencial e daquilo que é exclusivo, e que precisa ser mais bem avaliado pela Ministra. Ela está trabalhando com uma premissa equivocada, a meu ver, de que é uma decisão racista e ela, de certo modo, me ofende, de uma maneira acintosa, porque não tenho nenhuma postura racista e a questão é de ordem técnico-jurídica, em respeito à constituição da República do país. É criar mecanismos para que todos possam participar dentro de um Estado democrático, que pretende ser democrático, e de uma perceptiva da isonomia, assegurar a todos iguais direitos, dando tratamento preferencial àqueles sociedade pela própria dinâmica do poder e dominação da sociedade brasileira.

POR COMPACTUARMOS COM UM MUNDO QUE SEJA LIVRE DE TODO E QUALQUER PRECONCEITO, A CIA CARNE AGONIZANTE VEM A PÚBLICO INFORMAR A TODES QUE AS IMAGENS CONTIDAS NA CAPA E NO INTERIOR DESTA PUBLICAÇÃO NÃO CONDIZEM COM O PENSAMENTO DOS INTEGRANTES DO GRUPO E DOS RESPONSÁVEIS PELA REVISTA MURRO EM PONTA DE FACA. PORTANTO, FORAM RETIRADAS.

This article is from: