Branco Sobre Branco - CEP 20.000

Page 1


Guilherme Zarvos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Branco sobre branco CEP 20.000/ CEPensamento (1990-2008) Uma possível rota

Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC-Rio como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras. Orientadora: Marília Rothier Cardoso

Rio de Janeiro Junho de 2008


Guilherme Zarvos Branco sobre branco CEP 20.000/ CEPensamento (1990-2008) Uma possível rota

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Letras do Departamento de Letras do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo relacionada.

Profa. Dra. Marília Rothier Cardoso Orientadora PUC-Rio Prof. Dr. Roberto Correa dos Santos Co-Orientador UERJ Prof. Dr. Ericson Siqueira Pires PUC-Rio/ UERJ Prof. Dr. Sérgio Luiz Ribeiro Mota PUC-Rio Profa. Dra. Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba UERJ Profa. Dra. Camila do Valle Fernandes de Miranda FUNCEB Prof. Dr. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 13 de junho de 2008.


Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador. Guilherme Zarvos Graduado em Economia pela PUC-Rio em 1980. Mestre em Sociologia pela UFRJ em 1989. Poeta, com vários livros publicados, é fundador do Centro de Experimentação Poética – CEP 20.000 e Conselheiro da Fundação Darcy Ribeiro.

Ficha Catalográfica

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Zarvos, Guilherme Branco sobre branco: CEP. 20.000 / CEPensamento (1990-2008): uma possível rota / Guilherme Zarvos ; orientadora: Marília Rothier Cardoso. – 2008. 218 f. : il. ; 30 cm Tese (Doutorado em Letras)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Inclui bibliografia 1. Letras – Teses. 2. Panorama cultural contemporâneo. 3. Centro de Experimentação Poética 20.000. 4. Centro de Experimentação Pensamento. 5. Arte contemporânea do Rio de Janeiro. I. Cardoso, Marília Rothier. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. III. Título.

CDD: 800


Macha Oh, como toca a música! Eles estão nos deixando, um deles foi para sempre, para sempre, ficaremos sozinhas para começar nossa vida outra vez. É preciso viver... É preciso viver... Irina (Repousa a cabeça no peito de Olga.) Chegará o tempo e todos saberão o porquê de tudo isso, o porquê desse sofrimento; não haverá mais mistérios, mas, por enquanto, é preciso viver... É preciso trabalhar, apenas trabalhar! Amanhã irei sozinha, vou ensinar na escola e darei toda minha vida àqueles que, porventura, precisem dela. Agora é outono, logo virá o inverno, cobrirá tudo de neve, mas eu vou trabalhar, eu vou trabalhar...

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Olga (Abraça as duas irmãs.) A música é tão alegre, tão animadora e dá vontade de viver! Oh, meu Deus! O tempo vai passar e nós iremos com ele, para sempre. Esquecerão de nós, dos nossos rostos, das nossas vozes, e de quantas éramos, mas o nosso sofrimento vai se transformar em alegria daqueles que viverão depois de nós, a felicidade e a paz reinarão na Terra e aqueles que vivem agora serão lembrados com boas palavras e serão abençoados. Oh, minhas queridas irmãs, nossa vida ainda não terminou. Vamos viver! A música é tão alegre, tão feliz, parece mais um pouquinho e saberemos por que vivemos, por que sofremos... Ah, se pudéssemos saber, se pudéssemos saber! Tchecov

Para Claudia, Adriana e Beatriz: As Três Irmãs.


Resumo

ZARVOS, Guilherme; CARDOSO, Marília Rothier. Branco sobre branco: CEP 20.000 / CEPensamento. Uma possível rota. Rio de Janeiro, 2008. 218 p. Tese de Doutorado – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Este trabalho compõe-se de diferentes modos de estruturação textual, acompanhando uma tendência pós-moderna. Através da fabricação de suas memórias pessoais, o autor apresenta e avalia a atuação do CEP 20.000, de que participa como coordenador, desde a fundação, em 1990. A perspectiva crítica é a do observador da cidade, uma espécie de flâneur do panorama cultural, de onde colhe a matéria para

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

sua escrita, produzida em intercâmbio com uma rede de amigos. A primeira pessoa do discurso quer-se propositalmente frágil, empenhada na experiência de deixar-se atravessar por uma pluralidade de vozes e pontos de vista. Ao longo dos capítulos, misturam-se crônicas, desenhos, e-mails, cartas, entrevistas, notícias de jornal, fotografias, poemas, contos e fragmentos de outros textos, inéditos ou já publicados, cuja seleção e articulação foi planejada de modo a dialogar com o discurso acadêmico. Trata-se de uma proposta alternativa de trabalho escritural adequado a uma compreensão ampla da história do presente.

Palavras-chave Panorama cultural contemporâneo; Centro de Experimentação Poética 20.000; Centro de Experimentação Pensamento; arte contemporânea do Rio de Janeiro.


Abstract ZARVOS, Guilherme; CARDOSO, Marília Rothier. White on white: Center for Poetic Experimentation 20.000 (1990 – 2008) / Center for Thought Experimentation. A possible path. Rio de Janeiro, 2008. 218 p. Thesis. Literature Departament. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This work is composed by different modes of text framing, according to a postmodern tendency. While weaving his fictionalized memories, the author presents and evaluates the performance of CEP 20.000 which he has helped founding, in 1990, and coordinates till this day. His perspective is that of the spectator of the town life, a kind of flâneur in the cultural scenery, where he gathers up the subjects for his writing produced in interchange with a net of friends. The first person of speech PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

intends to be fragile since it is meant as an experience of textuality intertwined by a plurality of voices and viewpoints. The chapters are built in blocs alternating with a miscellany of chronicles, drawings, e-mails, letters, intervews, news, photographs, poems, short stories and fragments of other types of texts, published or not. The choice and articulation of this material was planned to establish a dialogue with the accademic discourse. The goal of the essay is to propose a writing strategy adequate to a broad understanding of the history of the present.

Key-words Contemporary cultural scenery; Center for Poetic Experimentation 20.000; Center for Thought Experimentation; contemporary Rio de Janeiro art


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Sumário 1 – Abertura

14

2 – Histórico

37

3 – Antecedentes (anos 50/60) – T.C.A.

49

4 – Berlim

102

5 – Irmãos ou Textos Escolhidos

117

6 – Loja/Penetrável/Biblioteca/Instituto/Site/Televisão - CEPensamento

202

7 – Bibliografia

207

F1


Lista de fotografias F. 1 – Yvonne Zervos e Picasso em 1968

7

F. 2 – Fumacê do Descarrego: parte superior – Botika, Alexandre Volgler e Luis Andrade. Embaixo – Guilherme Zarvos e Motorista (Crente e furioso). Foto: Odir Almeida

12

F. 3 – Cartaz de Inauguração do CEP 20.000 – 22 de agosto de 1990 – Desenho de André Brito

13

F. 4 - Boato, Poética, Nina Becker, Guilherme Zarvos, Heloísa B. de Hollanda e Chacal. Último dia do Terças Poéticas – 05 de junho de 1990

14

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F. 5 - Participantes do evento comemoração - CEP20.000 9 anos – Casa França-Brasil – 1999

14

F. 6 – Carlos Emílio Corrêa Lima, foto de Thiago Gaspar, Diário do Nordeste – 2007

46

F. 7 – Apartamento de Guilherme Zarvos, na Gávea, lançamento do livro 7+1 – 1997

47

F. 8 – Haydée e Nicolau Zarvos, com sua filha Helena em NY, pouco antes do falecimento – 1948/1949

55

F. 9 – Tito de Mello Zarvos com amigo

55

F. 10 – Nicolau Zarvos com amigos

55

F. 11 – Maio de 68 em Paris

66

F. 12 – Primavera de Praga – 1968

66

F. 13 – Passeata dos 100 mil – 1968 – Foto de Evandro Teixeira

66

F. 14 – Sergio Zalis - Cor, Imagem, Poética

72

F. 15 – Quasi cinema, Block Experiments in Cosmococa CC3 “Maileryn” – Idem

72

F. 16 – Capa do livro Hélio Oiticica de Waly Salomão – Perfis do Rio – Relume Dumará

72

F. 17 – Quasi cinema, Block Experiments in Cosmococa CC3 “Maileryn” Hélio Oiticica / Cor, Imagem, Poética

73

F. 18 – Nildo da Mangueira com Parangolé P4 Capa 1, 1964 – Idem

73

F. 19 – Quasi Cinema, série serie series Neyrótika, New York, 1972 – Idem

73

F. 20 – Relevo Espaciais, óleo sobre madeira, 1959 – Idem

73

F. 21 – Quasi Cinema, série serie series Neyrótika, New York, 1972 – Idem

73

F. 22 – Thereza Maria C. Alvim na Europa – 1ª metade dos anos 50

74

F. 23 – Thereza Maria A. Zarvos no Galinheiro da fazenda Itapura de São Paulo na segunda metade dos anos 50

74


F. 24 - Thereza Cesario Alvim em Florianópolis no verão de 1975/76

74

F. 25 – Gabriela Gelusa e Mauro Berman

83

F. 26 – Nicolau Zarvos Filho na Muralha da China em seu “exílio” – Início dos 60

95

F. 27 – Guilherme Zarvos com irmãos e primos na casa da avó em São Paulo – Início dos 60

95

F. 28 – Nicolau Zarvos Filho no Egito em seu tempo de “exílio” – Início dos 60

95

F. 29 – Praia de Copacabana, Thereza Cesario Alvim e filhos – Início dos 60

95

F. 30 – Capa do livro de Botika Uma autobiografia de Lucas Frizzo, Azougue editorial 2004

99

F. 31 – Banda Aneura – Planetário da Gávea, 2001

99

F. 32 – Trabalho de Guga Feraz – Rio de Janeiro, início do Milênio

99

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F. 33 – Guilherme Zarvos, Eunildo Rebelo, Guilherme Bauer – Outro Preto – inicio dos 80

101

F. 34 – Thereza C. Alvim e filhos – Copacabana – início dos 60

101

F. 35 – Guilherme Zarvos – Fazendo Capão Bonito – início dos 80

101

F. 36 – Sérgio Buarque de Holanda na fazenda de José Luís Pasin, autografando o livro Velhas Fazendas do Vale do Paraíba, São Paulo, 1975

101

F. 37 – Beatriz e Guilherme Zarvos – casa de Maria Amélia e Sérgio Buarque na Rua Buri – 1963

101

F. 38 – Sérgio Buarque de Holanda – Berlim, 1930 – Foto Kofle Habe

101

F. 39 – Nicolau Zarvos Filho com Nicolau Zarvos Neto (Nick) – 1955, casa de toras com flanboyant – Fazenda Três Barras, SP

101

F. 40 – Nicolau Zarvos Filho e Guilherme Zarvos – 1995

101

F. 41 – Nicolau Zarvos Filho – Fazenda Capão Bonito, MS – 1997

101

F. 42 – Praga

102

F. 43 – Idem

102

F. 44 – Idem

102

F. 45 – Berlim

103

F. 46 – Idem

103

F. 47 – Kreuzberg – Berlim

104

F. 48 – Idem

104


F. 49 – Resto do Muro de Berlim

104

F. 50 – Ponde de Oberbaumbrücke – Berlim

106

F. 51 – Dora e Cristina Canale – Berlim

107

F. 52 – Trabalho de Maurizio Cattelan em Art Now

107

F. 53 – François apartamento Anestis Azas – Kreuzberg, Berlim

109

F. 54 – Idem

109

F. 55 – Guilherme Zarvos – Festa em Berlim 2007

111

F. 56 – Cristina Canale

112

F. 57 – Edith Piaf

112

F. 58 – Desenho para Stencil de André Brito

115

F. 59 – Parque Victoria – Berlim

115

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F. 60 – Praga. Página 116 F. 61 – Renato Silva dançando “créu” para a torcida do Fluminense

117

F. 62 – Página do Inventário CEP 20.000 – 10 anos. Diagramado por Sônia Barreto

124

F. 63 – Capa da revista Grumo , nº 6.2

126

F. 64 – Chacal

127

F. 65 – Guilherme Zarvos

132

F. 66 – Mauricio Antun

132

F. 67 – Oswaldo Pereira

133

F. 68 – Rubinho Jacobina

133

F. 69 – Nill

133

F. 70 – Guilherme Bernardi

133

F. 71 – CEP 20.000

133

F. 72 –Bob N. em performance da banana

133

F. 73 – Aimberê César na performance de Bob N. – CEP 20.000

133

F. 74 – Rod Britto

134

F. 75 – Tatiana Dauester e Felipe Rodarte

134

F. 76 – Alex Hanburger e Argent – CEP 20.000

134

F. 77 – Capa de Livro

135

F. 78 – Viviane Mosé

141

F. 79 – Mariza Monte

141


F. 80 – Cecília Palmeiro

141

F. 81 – Paloma Vidal

141

F. 82 – Anna Paula Mattos

141

F. 83 – Horácio

142

F. 84 – Diógenes

143

F. 85 – Capa de livro da coleção Séc. XXI

147

F. 86 – Idem

147

F. 87 – André Brito em seu ateliê

148

F. 88 – Ignácio Brito – filho de André Brito

148

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F. 89 – Presidente Ernesto Gaisel, Golbery do Colto e Silva, João Figueiredo e General Frota

157

F. 90 – Trabalho de Jarbas Lopes

177

F. 91 – Idem

177

F. 92 – Idem

177

F. 93 – Idem

177

F. 94 – Gentil Carioca – parede/trabalho de Fernando de La Rocque

179

F. 95 – Idem

179

F. 96 – Idem

179

F. 97 – Idem

180

F. 98 – Capa de livro de Jarbas Lopoes

181

F. 99 – Inhotim – Pavilhão Tunga

188

F. 100 – Inhotim

188

F. 101 – Fuscas de Jarbas Lopes – Inhotim

188

F. 102 – Inhotim – Trabalho de Tunga

189

F. 103 – Inhotim – Trabalho de Ernesto Neto

189

F. 104 – Inhotim – Trabalho de Waltércio Caldas

189

F. 105 – Inhotim – Pavilhão Adriana Varejão

190

F. 106 – Cena de invasão de campo de futebol

191

F. 107 – Borboleta Manoel Ferreira

206


BRANCO SOBRE BRANCO = CEP 20.000 / CEPensamento (1990 – 2008)

Uma

Possível Rota

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F2

Rio de Janeiro, 2008.

Foto de Odir Almeida - Performance Fumacê do Descarrego, com Luiz Andrade, Alexandre Vogler, Botika e Guilherme Zarvos. Realizada na Semana Santa com motorista evangélico furioso.


CEP 20.000 n° 1 – Agosto/1990

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F3

F3

UIRAPURUPARIU Luis Andrade


1 Abertura

Terça-feira

Poética – Abril/1990

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F4

CEP 9 ANOS F5

Participantes do evento na Casa França-Brasil – 1999.


15 “Um dos vetores de maior intensidade na realização da dissertação foi a produção de questionamentos sobre o desenvolvimento do próprio processo de investigação”. (Ericson Pires)

“...não há nada, nada, nada farão para retê-los” seu sincero Kungfutseu Ezra Pound - Canto LXXVII1 Gosto da frase inicial da dissertação de mestrado Zé Celso e a Oficina-Uzyna de Corpos, de Ericson Pires2. Eu gostaria de tê-la escrito. A ressignificação, a transvaloração 3 das propostas do escrever, logo, das formas e do objeto de estudo, variáveis estudos, é o exercício mais amplo desta tese de doutorado, utilizando alguns caminhos do movimento CEP 20.000 (Centro de Experimentação Poética),

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

suas/algumas significações, além de outros movimentos e ações passados na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1990. Daí a vinculação às linhagens de movimentos culturais canônicos anteriores. A “memória esponja” 4. Se falo em diferentes narrativas < poderiam ser duzentas ou mais > de diferentes curadores/interventores no processo de entendimento, é porque cada um foi influenciado, naturalmente, por um sem número de interações, fundamentais para que um texto ou uma linguagem seja produzido. E numa visão que passa por Nietzche, estruturalistas e pósestruturalistas, chegando a Antonio Negri, a possibilidade de novos homens e sociedades. A mudança do

S

R. E

1

POUND, Ezra. Os Cantos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. Dissertação defendida em janeiro de 2000, no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRio, e publicada em 2005 pela Editora Annablume (Pires, 2005). É esta última versão que será utilizada neste trabalho. 3 Segundo a apropriação que Viviane Mosé (Mosé, 2005) faz do conceito nietzscheano, “transvalorar” significa “tornar maleáveis, móveis, fluídas” as palavras, e, logo, a linguagem, o que permite superar as cristalizações conceituais e, no caso do tratamento da história do CEP 20.000, alterar o presente no passado, e o passado no presente. 4 Imagem criada por Roberto Corrêa dos Santos (Santos, 1999) para representar os mecanismos seletivos da memória individual. Esta é apresentada pelo autor como complexo mental que opera por triagem, retenção e significação de lembranças. Assim, a “memória esponja” exibe uma estrutura de composição permeável, podendo valer-se do esquecimento para filtrar materiais a serem absorvidos. 2


16 Procurei dar uma compreensão positiva temporal para um mapeamento que, no limite, tenderia ao grande mapa de Borges5 – Biblioteca infinita, sem Tempo, num somatório de labirintos justapostos - através da

Realidade/Palavra,

contendo as expressividades de cada moVImento. Assim como pensa Danto (Danto, 2006), me parece essencial para uma tese contemporânea deixar claro que utilizei saberes de várias procedências e que explicito o caminho, tal qual o fio que marcará a trajetória no labirinto até a questão que deve ser enfrentada, e que este enfrentamento é a criação de uma mitologia, a mitologia de um corpo eu, de um corpo nós – o CEP 20.000 na cidade e com suas transformações. Ou, de outra forma, o texto pode tomar o caminho de uma ficção sem inocência, utilizando a memória vinculada aos fatos curados por escritores de estudos de cultura, ou, ainda, como mais uma das possíveis alternativas, tornar-se um somatório de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

problematizações.

DEU NO JORNAL

“Gay assassinado será enterrado como indigente”.

Após ter o

filho assassinado durante uma briga com o pai, a dona-de-casa Renata Moreira de Souza, de 33 anos, enfrentou ontem mais um dia de sofrimento ao saber que o rapaz terá de ser enterrado como indigente. Rogério Moreira de Souza, de 18 anos, não havia sido registrado em cartório.6

5 6

Ficções Jardim de caminhos que se birfucam - 1941 O Globo, Rio de Janeiro, 03/06/2006.


17 ROSANA BINES: “Oi, Guilherme. Cheguei à idéia de uma ‘escrita indigente’ a partir da leitura da página 2 do seu exame de qualificação:

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

"Deu no Jornal - Gay assassinado será enterrado como indigente. Após ter o filho assassinado durante uma briga com o pai, a dona-de-casa Renata Moreira de Souza, de 33 anos, enfrentou ontem mais um dia de sofrimento ao saber que o rapaz terá que ser enterrado como indigente. Rogério Moreira de Souza, de 18 anos, não havia sido registrado em cartório. “A indigência nesta manchete de jornal tem a ver com o fato de o rapaz não ter sido registrado em cartório, possivelmente pela omissão do pai, que não reconhece o filho ao nascer e não o reconhece novamente aos 18, como ‘gay’. Daí pensar uma ‘grafia indigente’ como escrita órfã, de pai e de país. A certidão de nascimento da sua escrita não passa pelo crivo da nação burocrática, de suas instituições, de seus carimbos e sintaxes protocolares. Tampouco passa pelo crivo paterno. Sua escrita quer outra forma de existir, que não nasce de uma linhagem vertical, hierarquizada, de pai/pátria para filho, mas se espraia horizontalmente, buscando as conexões fraternais, os irmãos do CEP, a rede de amigos. A grafia indigente funda uma outra família. Na página escrita, o que se lê é quase uma ação entre amigos. O ‘eu’ autoral mal sobrevive, sem as histórias, poemas, imagens, afetos que não lhe pertencem e que o atravessam. A indigência se faz sentir também aí. No ‘eu’ paupérrimo que assina a tese. Mas que fique claro, a pobreza não é contingência. É eleição, é arte de complexa urdidura. Espero que este breve verbete dê conta do recado.Um beijo, Rosana.”

A tese se dá quando as variações de linguagem – memória, crítica, conto, crônica, blog, desenho, poesia, fotografia, textos e falas de outros ou construídos com outros - vai formando uma teia, exposta aqui, no Penetrável7, no CEPensamento, no filme CEP 20.000, de 2006 (pode ser visto no Youtube), dirigido por Daniel Zarvos, assim, para além do objeto livro, se transforma através da internet em um objeto guardador/ virtual. Este trabalho de margem identifica, ainda mais, a tese coletiva. O livro não existiria sem a participação direta de outras intervenções, para além das citações das técnicas acadêmicas. Como na peça Seis personagens à procura de um autor8 ou no processo de criação de uma novela ou de um romance. A criação do livro/tese exigiu que alguns personagens ajudassem o autor. Tese Factory9?

7

Hélio Oiticica - Em 1960, cria os primeiros Núcleos, também denominados Manifestações Ambientais e Penetráveis. 8 Peça de Luigi Pirandello. 9 Estúdio multimídia de Andy Warhol em N.Y (63/68)


18

Articulo memória, fatos, citações, e problematizo se houve um movimento CEP 20.000 (Centro de Experimentação Poética). E se houve, o que é um movimento? E o que teria sido o movimento no movimento Rio de Janeiro, entre a década passada e este início de milênio? Ou, concluindo não ter havido um movimento, como me apropriar do significado do termo para que se alarguem as margens e o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

termo caiba, agora, para o entendimento do CEP 20.000 e sua continuidade o CEPensamento? M

T

M o

M

men

o

VI M

Pode-se fazer um paralelo com o processo da arte de Moacir10, que diferente do Bispo do Rosário, ainda nem nome composto tem. O filme do Walter Carvalho, mostra o processo criativo de um artista plástico11 em que o preenchimento do espaço, no caso um vidro sendo filmado por baixo, se dá pela formação de diferentes composições não alinhavadas, até que estes campos, inicialmente

10

Artista plástico considerado esquizofrênico que vive no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. 11 Walter Carvalho. Moacir Arte Bruta, 2005.


19 desligados, vão sendo preenchidos, formando a obra harmonicamente interligada. O “behind the reason”12 do processo criativo de muitíssimos artistas plásticos.

Aqui se pode citar Heleanor Heartney (Heartney, 2002) afirmando que, a partir do pós-estruturalismo dos anos 60, pensa-se que a linguagem, “no sentido de uma estrutura complexa de códigos, símbolos e convenções, que nos precede e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

determina, essencialmente, o que nos é possível fazer e, até mesmo, pensar”. Ou seja, “não criamos a linguagem a partir de nossa experiência concreta do mundo” (Heartney, 2002: 9). E então se ampliam os sistemas de signos produtores dos fatos culturais: para cada década ou pedaço de tempo ou espaço sempre haverá novos caminhos (suportes, tintas, palavras, formas, fatos) dentro das novas necessidades da fala contemporânea. Qualifico a dicção que roteirizo, o desenho, as escolhas de citações e a linguagem empregada como poÉticA – necessariamente fora dos padrões de uma escrita que propõe neutralidade, para um suposto melhor entendimento, dentro do encantamento Moderno. Acreditando que este escrever também gera um entendimento correspondente ao que considero um saber transmissível e instigante, inclusive num meio acadêmico. Camila do Valle Miranda (Miranda, 2004), contribui exemplarmente quando no começo de sua tese de doutorado cita Eduardo Lourenço mostrando que “nós não escrevemos sobre um objeto, mas a partir dele” (Lourenço Apud Miranda, 2004: 1) e, logo depois, cita também Benjamin Abdala Júnior: “seria possível encontrar parte daquilo que faltava à margem de partida” (Abdala Junior Apud Miranda, 2004:1), fortalecendo a defesa de uma escrita mais libertária como tese de doutorado, sem os padrões uniformizadores da escrita metodológica visando a padronização que já se denominou de metodologia científica.

12

O que é Fluxos? O que não é! O porquê. – Jon Hendricks. Catalogo Banco do Brasil – 2002.


20 DADO AMARAL: “Os Lusíadas” trata da fundação, de Portugal fundando o seu império alémmar ultramarino. E o CEP estava sendo uma fundação, a gente tinha uma energia de fundação, de “vamos criar uma coisa, vamos fundar agora um espaço, um tempo, um evento, um lugar”. E o Boato foi assim pro primeiro CEP, e certamente o Guilherme foi assim, o Chacal foi assim, o Emanuel Marinho foi assim, com essa energia... e isso se imprimiu, eu acho, no universo. Que o CEP se estabeleceu, ficou e tal. A gente fez coisas radicais no CEP, a gente jogou bola. Um dia nosso espetáculo era jogar uma pelada, a gente botou umas galinhas vivas no palco e jogou futebol. Fizemos umas coisas muito doidas. Centro de Experimentação Poética pra gente foi de fato um centro de experimentação... poética, plástica, musical, sensorial, enfim... PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Mas isso é a minha memória de quatorze anos atrás, que de qualquer forma já é um tempo é que eu acho que tem uma poesia nela, uma beleza.13

A procura de outras possíveis margens por quem já foi classificado de “fronteiriço” ou de “borderline” parece constituir meu ethos. “Fronteiriço” quem primeiro utilizou, como termo/rótulo chamado psiquiátrico foi Dr. Jaderson Cahu, com quem aprendi a me entender mais. A segunda denominação, agora numa análise de texto, foi empregada por minha mestra, talvez ou provavelmente perto da fronteira, Heloisa Buarque no seu texto sobre Zombar: “Coloca-se numa perspectiva borderline onde a possibilidade do trânsito entre prosa, poesia, cartas, anotações aleatórias, fluxo de pensamentos dispersos e indagações políticoexistenciais torna-se concreta”14. Parece-me que o fronteiriço, além de transitar entre lugares, não respeitando linhas, pode também ampliar os limites de onde se supõe localizado. Um inaugurador. Ao procurar fora de seu lugar, é forçado por circunstâncias a transvalorar, o que envolve a aceitação ou o entendimento de um novo conceito. No primeiro encontro de corredor no Departamento, que não é de Estado, mas da Instituição, com Heidrun Olinto, ela me provocou sobre o meu estar (ma(u)l ?) entre o ser moderno e o 13

Dado Amaral, do grupo “Boato”, em entrevista concedida em 2004 para o filme CEP 20.000, de Daniel Zarvos, lançado em 2006. 14 Zombar Guilherme Zarvos, Ed. Francisco Alves, Rio de Janeiro – 2004.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

21


22 pós-moderno. Imbuído de um pré-conceito sobre um pós-moderno lido sem maleabilidade enchi-me de arrogância e da certeza – típica do moderno: – Sou moderno -, respondi. E a face rosada de minha professora ficou vermelha. Não de raiva, sabia. De vigor. Tendo conversado com meu amigo, Roberto Corrêa dos Santos, co-orientador deste trabalho, querido amigo, disse-lhe que entraria de Zorro nas primeiras aulas – havia escolhido inicialmente a da Marília Rothier, a orientadora desta tese, como possível experiência sobre o lugar onde um fronteiriço deve estar, já que passara em último lugar dos dez classificados, estando ela na Banca. Roberto, paciente, me desincentivou a performance. Ainda pensei em chamar o jovem escritor (por algum tempo organizador do CEP) e músico, Botika, para me entregar uma carta, ele vestido de Zorro, mas a performance e a verdade que foram necessárias acabou na realização de beber cerveja em sala-de-aula, com o respeito devido aos professores. O que em mim PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

tem de borderline eleva às alturas minha ansiedade. Era o excessivo respeito ao saber que me desestabilizava. Ericson Pires falava para eu relaxar, pois “tempo haveria, tempo haveria” 15, que o processo de doutoramento é feito por um ziguezague entre margens, e que aconteceria a chegada necessária. Induziu-me a ler (não sei se tinha consciência do ato para a aceitação da minha condição de estudante doutorando com quase 50 anos) o saber espinosista: “Alegria gera Alegria”16. O pós-moderno de Heidrun e o Nietzsche de Marília e Roberto foram se misturando no processo de transvaloração17 e se juntando com Marx, Freud (e seu mal-estar) e Darcy Ribeiro e Balzac – as leituras que haviam me solidificado. Aumentei a margem da razão. E este híbrido, de que fala Heartney: “o real retornou em formas que denotam uma mudança da consciência representada pelo pós-moderno” (Heartney, 2002: 77). É isso o que possibilita, agora, no final da primeira década do milênio, no Rio de Janeiro, e para a classe média, o questionamento do poder do artista e o engajamento solidário, para as classes populares, (a ampliação da fala) e, para o que tenho de Moderno, a certeza de estar participando de uma teia que é a única, que me possibilita uma visão de “pertencer a uma grande narrativa” (Danto, 2006: 8). 15

Homenagem ao poema Canção de Amor de J. Alfred Prufrock, de T.S.Eliot (Eliot, 1981: 57) Síntese espinosista na qual Deus é natureza e o homem é possuído da capacidade de frear as paixões. Logo, este pode pretender controlar o desejo de conquistas desmedidas. A conquista maior será estar com o Deus natureza e a possibilidade da geração da alegria para todos. Alegria gerando alegria (Espinosa, 1973). 17 Friedrich Nietzsche - reavaliação dos valores. 16


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

23


24 MICHEL MELAMED: Cara, assim... eu acho que o CEP foi o meu, o nosso, sei lá ... foi o meu, o nosso, pícola (...) década de vinte, pequenino, Greenwich Village, até Paris década de vinte, um momento para gente. Não sei se tem esta importância para cidade, para o país, mas para gente, para os artistas que participaram teve essa coisa do encontro, da... porque era todo mundo muito jovem e todas estas discussões estavam envolvidas. O próprio fazer artístico, a atividade qual é, a linguagem, a possibilidade de participação (...) onde se está interferindo, qual é a questão política que está sendo tangenciada. Então, eu acho que o CEP foi isso. Um encontro sem a dificuldade de denominar, porque um movimento pressupõe um (o telefone toca)... Pelo menos de uma forma, a tal formal, a questão do movimento é uma certa uniformidade estética, conceitual, que nunca foi o meu objetivo, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

apesar de que a ausência de uma unidade estética pode ser considerada como uma unidade estética. Até pelo que você colocou antes que existia uma ênfase na linguagem, na comunicação da poesia falada e tal. Então, existia um tipo de unidade. Mas nunca houve esta organização para que se tornasse um movimento. Nunca foi colocado dessa forma. Acho que está no nome: Centro de Experimentação Poética. A idéia era um espaço para experimentação.18

Lembro-me da minha incompreensão sobre o romance Stella Manhatan, de Silviano Santiago, e com seu formalismo de alternância de narrativas, o mesmo acontecendo com meu Morrer, que Sergio Cohn e Ericson Pires entenderam enquanto eu, que acabava de escrever, ainda não havia entendido. E foi no embate de fronteira na sala-de-aula que fui ressignificando questões éticas e estéticas muito arraigadas. E mesmo discordando de tanta obrigação de créditos para a formação – achando que seminários seriam de melhor valia – passei a aceitar melhor as diferenças dentro e fora do contexto acadêmico. Desasnei-me19 mais um pouco. Agora que eu, Zarvoleta, encontrei prumo e alegria e a escrita vibra com coração de estudante, reconheço a leveza que me trouxe o entendimento 18

Michel Melamed, poeta multimídia, em entrevista concedida em 2005 para o filme CEP 20.000, de Daniel Zarvos, lançado em 2006. 19 Termo típico do jogo semântico de Darcy Ribeiro.


25 corporal, para além do entendimento racional, do significado de ser para além do moderno, daí ampliando meu ser moderno e o meu ser pós-moderno. Perdendo a certeza, conseguindo ampliar margens, com a possibilidade do erro tão bem defendida por Ericson Pires (Pires, 2005), caminho para além das garantias modernas, sem me distanciar totalmente de experiências como a de Hugo Chaves ou de outras saídas críticas. No mundo de hoje, experiências autoritárias devem cada vez mais ceder a experiências libertárias. O homem, sua individualidade, protegida pela maioria. E a certeza de que vida e escrita são corpo, (com a lembrança de Adorno (Adorno, 1986) e de sua defesa do bem escrever) faz desta tese um poema. O CEP, que me fez poeta, merece ter uma escrita interpretativa poética, onde o bem escrever, o susto e a descoberta oracular, a música, a luz têm

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

espaço de possibilidade, agora num universo de saber universitário.

DEU NO JORNAL20

Atenção, o que está acontecendo? Canta, Ericson. Espero que o ritual negociado com o Departamento da Universidade contribua para que instituições possibilitem

20

Imagem do filme argentino XXY (Lucía Puenzo, 2008), Caderno Teen, O Globo, 04/03/2008.


26 (e interessados se entusiasmem), dentro das mais variadas alternativas formais, a obtenção do título de Doutor em Letras. No meu caso: PUC/ RJ 2008. O título comprobatório da qualidade do saber. Grande probabilidade de obter trabalho, pago por hora, de boa graduação fiduciária. E que haja para alguns criadores universitários – os que “traem a tra(d)ição”

21

, os que reinventam para além de

produtos aparentemente definitivos, os Nômades do Simbólico, ou outro nome de alguma nova banda de caras de doutores, Os “Realmente te amo porque as estrelas são furos na lona”22 - o aumento da permissibilidade para que os seus produtos23 – esta tese, o anúncio da tv, o beijo –, não sejam estanques em (in)(e)stantes vendáveis. A necessidade da criação pela criação.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

DEU NO JORNAL “Baby Boom”.

Com títulos como “Baby Einstein” e “Baby Mozart”, os

DVDs feitos para bebês conquistam mercado no Brasil, que já tem produção própria. Venda cresce 80% por ano Matheus Cancela, de seis meses, diante de imagens de um dos DVDs da série “Baby Einstein”, a que assiste diariamente; sua mãe limita o tempo diante da televisão.

Efeito calmante Rodrigo, de um ano e sete meses, adora DVDs para bebês, segundo sua mãe, a estudante Jaqueline Monteiro Pena, 23. Ele assiste cerca de quatro horas por dia. Jaqueline diz que é “muito elétrico” e que se acalma com os DVDs.24

21

Referência à tese de doutorado de Ericson Pires (Pires, 2004), onde este defende que as palavras traição e tradição dividem a mesma origem etimológica. Tradição significaria “entregar a alguém” e traição “entregar alguém”. Assim, “trair a tradição” implica movimentar a experiência da criação e denunciar os mecanismos de estagnação identificados com o poder. 22 Homenagem a um verso de uma poesia ainda não publicada de Michel Melamed. 23 Aqui me aproprio da trasvalorização realizada por Ericson Pires para o termo “produto”. Tradicionalmente associada à linguagem empresarial, a palavra amplia-se para definir inclusive realizações artísticas ou teóricas. 24 Folha de São Paulo, São Paulo, 23/04/2006.


27 Tanto Nietzsche, na visão de Klossowski, demonstrado por Viviane Mosé (Mosé, 2005) em sua tese de doutorado, como Antônio Negri, vão entender o fundamento da linguagem como estrutural para a existência das relações de cultura. Este modelo serve para a atualidade, como serve e serviu a luta de classes em Marx e as possibilidades da tecnologia em Darcy Ribeiro revendo Marx. O jogo da escolha da forma do texto-corpo visa à ampliação da linguagem/visão e é próprio, até mesmo por ser pertinente no momento adotar as ampliações dos sentidos através de novas formas – como em algum outro momento foi/será o materialismo dialético – e faz gosto para o eu poeta que analisa um movimento poético que analisa o corpo

e

Cidad

. O corpo movimento CEP 20.000 e o meu corpo

memória, que é corpo fragmentado ou escrita indigente – corpos que mais no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

momento me afetam; ou, dentro do possível, os que conscientemente desejo que me afetem. A utilização de adiposidade de citações e de informações já banalizadas na rememoração de cada década, as lacunas de décadas, a explicação insuficiente vem dá necessidade do corpo/fala/escrita momentâneos, com a adoração pelos livros Rua de sentindo único e Infância em Berlim por volta de 1900, de Walter Benjamin (Benjamin, 1992), e Antes & Depois, de Paul Gaugain (Gaugain, 2006), portanto, proponho que a leitura do texto se faça aceitando que (este é um texto teste e um texto gerador de texto) que serão modificados no produto livro de editora e no site CEPensamento onde a tese e a mitologia serão, sem inocência, ampliados: “erros necessários” (Pires, 2004). Aqui falo do samplear, da exagerada necessidade de citações para validar o conhecimento da Universidade, dificultando a experimentação, lembrando que o Conservatório25 deve alargar suas margens para o contemporâneo, falo, too to, da res (transvaloriz) ignific (a) ção, da traição necessária, da democratização radical, da existência de um estar pós o moderno, de uma utopia e vai sem inocência.

O embate de idéias

que provoquem a Sociedade de Controle.26 A sinceridade. Produto válido,

25

Conceito utilizado por Roberto Corrêa dos Santos, contextualizando a necessidade do guardar e do curar. O filósofo pretende afastar-se do significante conservador. 26 Sobre o conceito de Sociedade do Controle, ver História da sexualidade: o cuidado de si de Michel Foucault (Foucault, 1985a).


28 validável com valor variável, pela Universidade. O Branco sobre Branco27 como fonte. Vivendo a qualidade que se pode admirar na:

Ex p

ex

e PE ME n

x rit

o T

AçÃo28

E outros jogos lúdicos ou variáveis do conhecimento. “E, no entanto, valeria a pena”...29 utilizar meu movimento principal nos últimos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

16 anos, minha dança CEP, minha pena e minha asa CEP. (H)aja CEP.

DEU NO JORNAL “Canibal alemão é condenado à prisão perpétua”

FRANKFURT.

Julgado pela segunda vez, o alemão que matou um homem depois de comer seu pênis (com o consentimento da vítima, que também comeu o próprio órgão genital) e que depois se alimentou de carne humana durante semanas foi condenado ontem à prisão perpétua.30

27 28 29 30

Quadro/marco do abstracionismo pintado por Malevitch em 1917, ano da Revolução Russa. Homenagem ao poema Lance de dados, de Mallarmé. T.S. Eliot, Op. Cit. O Globo, Rio de Janeiro, 10/05/06.


29 Para que haja CEP 20.000, num trabalho acadêmico, necessito assentar as bases de outras falas, para além da minha, já que o processo principal do CEP se deu através da palavra falada. Venho transformando a palavra falada sem documentação em palavra gravada, filmada e escrita, formando um território de onde se possam alargar “fronteiras”. Tenho criado fontes primárias, através de publicações e entrevistas, que aqui estão entrando em itálico ou com diferentes outros destaques. A demonstração do caminho lógico e estético deste modelo de tese e de livro, neste caso, já inteirado com a virtualidade e a inserção de músicas, curtas, biografias em rede, trabalhos de artes plásticas de outros artistas já apontados no Penetráve-Loja-Site-TV-CEPensamento, será constantemente modificado, e que também me faz, como escrevi anteriormente, inventar o trabalho. Além disto, o que pode ser, numa tese, adiposidade – memória de família e a citação resumida dos lugares comuns do que tem sido a Cultura PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Nacional desde os anos 50, esta minha escolha dentre escolhas de outros serve de base pedagógica para futuros leitores menos ligados à rede histórica e às próprias percepções de suas origens e rompimentos.

BOB N: É a trajetória do nada ao lugar nenhum, né? Na verdade não é dos anos 90, eu queria discordar aqui. Os artistas dos anos 90 são uns chatos (risos). E tem o pessoal mais da virada do milênio, onde eu me encaixo, que é um pessoal meio perturbado O “Marssaris”, a Laura, o Guga, o Arjant que estava por aqui. Pessoal dos anos 80 tinha aquela celebração da pintura, aquele dinheiro todo daquele mercado de capitais foi uma ótima, a gente perdeu essa. Aí depois veio o pessoal dos anos 90 que fazia tudo em coisa de proveta, em vidrinho, parecendo luminárias. Tirando a Márcia X gloriosa e maravilhosa. O resto era um pessoal que, acho, veio muito aqui ou também fez isso aqui e curtiu muito aquela galera como o Alex Hambúrguer, o Aimberê, que já faziam um outro tipo de trabalho mais aberto, já menos ligado ao objetivo. Lembro da primeira vez que a gente saiu por aí, a gente foi pra praia. Eu pendurei banana nos coqueiros, a Laura levou uma vaca, o Márcio


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

30


31 Ramalho botou umas tripas de bode, o Botner botou uma gaiola. A gente fez coisas desse tipo. Agora já tem mais uma rapaziada assim. Naquele tempo era o seguinte, ninguém queria ver o que a gente fazia. Não tinha espaço nos salões e por isso a gente foi pra praia. Já que a gente não conseguia participar dos salões, das galerias, dessas coisas, a gente foi pra qualquer outro espaço.31

Arthur Danto cita como qualificação do contemporâneo “o sentimento de não mais pertencer a uma grande narrativa” (Danto, 2006: 6). O excesso de informação, a cada vez menor defasagem entre descobertas e aplicação prática das tecnologias, o estar à procura, através do corpo que clama, do “que está acontecendo” fazem com que o que eu tenho de Moderno – para além da grande narrativa mítico-poética – ainda deseje uma narrativa mítico-poética com aparência de verdade racionalista. Daí que as referências temporais da minha PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

cronologia são comprováveis, formando um longo encadeamento ou discurso que será útil, repito, para apoiar quem deseja entender meu pensamento, no caso, meu pensamento sobre o CEP 20.000 e seus curadores e sobre alguns lances do “dado” Rio de Janeiro. É claro que é sempre falho pretender entender as pessoas, segmentando-as em gerações etárias. Os sentidos históricos têm sempre mais sofisticação, como por exemplo, como entender o fato de o Golpe Militar ter sido efetuado em 1964, no Brasil e, na Argentina, um outro Golpe, com a semelhante característica, ter acontecido em 1976, quando a abertura política ocorria no Brasil. Tanto estariam certos os estudiosos de uma visão marxista da história, por destacarem vários traços comuns que uniram os dois golpes e que podem ser somados ao do Chile em 1973, como os que se atêm a cada país ou caso, investigando as diferenças qualitativas e temporais de cada movimento. Este tipo de raciocínio pode ser aplicado à análise dos participantes do CEP 20.000. As observações sobre curadoria e sobre os diferentes públicos atuantes nesse período de 18 anos de funcionamento do Centro,

OXUMARE,

podem levar a

deduções significativas e momentaneamente prováveis. A Indigência como porto. A mobilidade do levantar acampamento na praia de Ipanema, no 30 de dezembro em festa de cerveja liberada e muita fartura da rapaziada da Maré.

31

Fala do artista plástico Bob N no lançamento da revista CEPensamento, no Espaço Cultural Sérgio Porto, outubro de 2005.


32

Amanhã Vou ao Fórum O tempo calmo de um botequim de Del Castilho O xerox 0,4 centavos faz o livro nascer barato E do carro ganho com o suor do último dinheiro Que meu pai guardava em moedas de ouro num banco paulista E que herdei do primogênito de uma família cigana De uma família de loucos de gentis e raparigas sacanas Eu também sou do país dos Mourões

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Também assassinei e dei abrigo a miseráveis

O tempo claro de um domingo na Zona Norte Faz me lembrar dos que foram e dos que virão Eu que acreditei em Deus um dia Que acreditei no mal com alegria Que não me importo com rima pobre Juntando beleza e nobreza e benfazeja e Alegria: alegria gera alegria

E da pobreza das redes das terras dos Mourões da serra do Siará Grande E dos engenhos já maiores de Pernanbuco Velho dos engenhos Gigantes do açúcar industrial E da sombra da mangueira verde quase musgo Onde aprendi que ler era mais importante que viver Que viver é mais importante que morrer e que de viver É que vivem os livros


33 E fui embora. Abandonei o silêncio cheiroso das mangueiras Verdes das mangueiras chamuscadas pela geada agora cinza E amarela abandonei meu pai e as mangueiras centenárias Eu que do país dos Mourões abandonei meu pai Mourão E sua brutal macheza. Fui para São Paulo virar viado Fui para o Rio de Janeiro virar viado fui para Kopenhagen Amsterdan Cairo e São Francisco misturar pau e drogas e Nunca mais olhei para o país dos Mourões e fui abandonando Os machos e enrabando os machos amando e me afastando Das mulheres e desprezando o espetáculo fácil e a fragilidade Das paixões, fui descobrindo o amor, a contrução da Política e da crença no futuro. Abandonei as Mangueiras cheirosas de verde musgo um dia

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Invadidas desapropriadas em nome dos Sem Terra Ainda não sabia que o país dos Mourões desmoronava Apenas senti a tristeza pelo chão vermelho de terra que perdera E engoli mais uma perda. Fui para São Paulo perder a facilidade do dinheiro Fui ao Rio de Janeiro viver sem desejo de posse e de rumo Era a poesia que gritava seus encantos. Nunca achei que viver valia Vida têm os outros. Eu tenho ouvido para a vida que faz poema

É domingo de tarde no centro de Del Castilho Nada é castigo sou orgulhoso do homem que me fiz Do canto que faz o mundo do humilde que sabe tanto Eu criador do universo tão forte quanto Deus Eu que criei Deus e distribuí riqueza Eu tantas vezes eu ajudei a diminuir fome e tristezas

Sou da família dos Mourões De Ursula, Gonçalo, Léa, Gerardo e do menino Tunga Eu pai de Guilherme, Michel, Ericson, Tarso, Botika, Vitor, Paulo, Rod Pai de tantos guris, pai de Isabella, Joana, Gisah,


34 Tatiana, Francesca, de tantas raparigas em fogo e flor Eu macho mourão resolvi viver de vida.

da bo

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

minhas certezas da boca nasceram

MateiminhamãepaiopaísinteiroDepoisdaprisãomerecupereiJájulgueieabsolviAlibe rdademefoidadapelapalavraescrita


35

Marquinhos

Ontem morreu Marquinhos; meu irmão ligou lá de Minas. Daniel Caetano do celular para a secretária eletrônica. Seria enterrado no São João Batista.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Queria ligar para o Daniel. Para a mãe do Marquinhos. Jurei ir cada vez menos ao cemitério. Lá não é lugar de encontros. Mas estar com o corpo num caixão do meu Marcos seria possível. É a realidade que está e eu estou lá mesmo já estando escuro. Mesmo não sendo hora de cemitério.

A nossa vida de amigos errantes passa na minha cabeça. Não será a hora de desvelar todos os detalhes. Aparecerão se eu durar o suficiente para escrever durante um nevoeiro de abril. Agora é hora de ver sua cara no centro do oco que vi centena de vezes. É hora de dizer como gostei deste irmão tão torto como eu.

Marquinhos começou a morrer desde que conheci mirrado com amigos ele pediu um chope, eu falei que ele não podia. Assim já era demais.Viajei voltei ele estava maior, sempre inteligente e com o mundo mágico dos sonhos desse amigo que vi se consumindo

Enquanto eu me consumia. Não achou seu pai na intensidade desejada Morreu seu avô querido. Casou teve um filho, a saga de Marquinhos está aí para enfrentar o mundo do início de 2005. Seu filho, pequeno não conhecerá seu pai. Terá, entretanto, um caminho menos infeliz que seu pai, meu adorável e um dia vivo adorado amigo.Andamos por

todos os lugares bebendo e rindo e nos compreendendo. Achava que Marquinhos seria escritor. Seria se quisesse. Seria o que quisesse mas a marca da morte o aplicou antes do que a mim. É 2005 e tudo está fora e dentro. Deu reativo no meu exame O Sérgio ficou grávido com a Aracy e Marquinhos parou de lutar contra o câncer. Marcia x tão amada artista também morreu. Logo depois inesquecível Eliane Duarte Ele estava fazendo faculdade de economia e transacionando câmbio na Banco do Brasil.

Marquinhos estava para subir num cargo e ganhar dinheiro como gente grande. A maldita da doença veio quando não era mais para vir. Marquinhos tinha sua


36 mulher e filho e um sonho que iria acontecer. Não aconteceu. Das últimas vezes que estive com ele não deixávamos que a morte se intrometesse Continuávamos com planos. Mas eram planos agora sim de quem sabe que não os acomodaria.

Estou triste hoje é verão chuvoso. Fecho os olhos e vejo Marquinhos. Um pouco mais velho que o mirrado Marquinhos que conheci em 88. Nunca o vi desejar mal. No máximo da tensão era sempre puro. No máximo da esculhambação era sempre bom. Não estou sendo laudatório. Era assim e ele era único. Marquinhos foi marcado para morrer cedo. Uma espécie de Jesus Cristo do estilhaçado início deste verão.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

POS Eu prefiro ir embora Junto com tia Maria Amélia, Clementino e Oscar Prefiro ir embora antes de Minhas três irmãs – Claudia, Adriana e Beatriz E meu irmão Nick SI Eu preciso ir embora como foram Thereza e Nicolau Darcy, Tio Sergio, Tia Gilda e Tia Maria do Carmo Posso ir embora pois meu passado Se foi e enxergo o futuro Torço para ele - palíndromo do eterno vai vai e vem vem Vejo-o como sempre torci. Um

VEL G Mundo mais justo A cigarra e a formiga va Ficam. Duas vão comigo.

I

vai vem vem A

e


2 Histórico

O XU O Centro de Experimentação Poética, CEP 20.000, é um projeto coletivo e teve, em seus 18 anos (1990/2008), vários curadores e ideólogos. Dentre os principais: Michel Melamed, Guilherme Zarvos, Chacal, Tavinho Paes, Guilherme Levi, Ericson Pires, Viviane Mosé, Bruno Levinson, Joe, Nill, Domingos Guimarães, Vitor Paiva, Botika, Mauricio Antun, Aimberê César, Tarso Augusto, Rod Britto, Laurent Gabriel e o grupo Boato. A necessidade de escrever sobre um movimento

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

recente, que ajudei a fundar e do qual sou um dos curadores, tem diversas origens.

Maré Vai minha visão. Era uma vez o sol de junho em Berlim, nudez32 faz felicidade, 1989, o Muro parecia que não ia desmilingüir. A cara dos soldados da Alemanha Oriental na fronteira era bastante agressiva. Conversei com políticos do SPD, com jovens em Berlim Oriental e em Cracóvia, com a juventude que entupia igrejas, e ninguém previa tamanha rapidez de mudanças. Recebi um flyer – nesse tempo só quem filipetava com força, no Rio, eram os políticos e seus companheiro(a)s, ou cabos eleitorais, ou o pessoal do teatro. Esqueci-me das publicidades do precário, do “compro ouro” e “trago sua garota de volta”, porém tudo era diferente de receber um panfleto num bairro barato e com gente feliz, Krouzberg, na ilha33 chamada Berlim, e chegar lá numa espelunca qualquer e ouvir o som dos recém punks, dos “novos aristocratas” aos “alternativos”

34

, tocando e trocando para/com dezenas

ou mais de duas centenas de jovens que sabiam porque estavam ali. Festa e ação política. Naquela época, Moderna, não estavam tão difundidos esses happennings como “Produtos Nômades”. 32

Ver sobre nudez alemã no romance Beijo na Poeira (Zarvos, 1990). Sobre Berlim Ocidental antes da queda do muro, ver também Beijo na Poeira (Zarvos, 1990). 34 Jovens que recebiam o mínimo do governo para estudo universitário, seguro-desemprego ou outras facilidades, e vivem para viajar sem a preocupação de acúmulo de capital. 33


38 ROBERTO ATHAYDE: [O CEP] É um endereço em que o prazer disputa uma forte vocação educacional sem que se possa nem se queira saber qual é sua motivação principal. Seria reunir amigos com uma cabeça artística e, numa ponte entre o Baixo Gávea e Santa Teresa, apresentá-los a outros tantos para que mostrem mutuamente seus últimos trabalhos? Ou seria um palco aberto ao novo, disponível a baixo custo à população carioca para criar e conhecer o fermento das inquietações líteromusicais? Essas duas vocações se fundem no Teatro Sérgio Porto numa atmosfera em que o estranho e o novo são bem-vindos e em que se pode afinar a rebeldia do espírito diante da injustiça e da feiúra, mas também em que se mantém um clima de ação entre amigos e talvez até um certo ar de família (...) Dá ao público carioca a oportunidade de ver o que é feito porque o artista quer criar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

e transforma em prazer a sua angústia e não porque algum produtor percebeu o marketing de alguma coisa.35

Estava tentando um Políticas. Na Berlim. Quem não na Alemanha Ocidental, anos, era ir morar na ilha rapaziada bizarra. Já livro de ficção Podia exercer uma do que a máscara que no Brasil: a de político social-democrata, viés libertário, ligado preferencialmente Simplificando, num acanhado que o Brasil costumes individuais, européia forte e sem podia viver com por mês e a Eu somaria outros sonhos: ser viado.

doutorado em Ciências Universidade Livre de quisesse servir o Exército e tivesse menos de 18 e viver. Tinha uma contei no meu primeiro O Beijo na poeira. identidade mais livre satisfeito detonava e heterossexual, nacionalista, com a um partido, no poder executivo. país menos na aceitação dos com uma cultura custo alto, já que se menos de mil dólares Universidade era grátis. ser doutor ser escritor e

Desenho de Fernando de La Roque para a capa do livro Barriga D’água de Rod Britto.

35

Roberto Athayde, dramaturgo, em depoimento à revista CEP 20.000 – Inventário (1990-2000) (CEP 20.000, 2000)


39 Mas a saudade do Brasil, do Baixo Gávea, da política, me impediu de ficar. Era a primeira eleição direta para presidente e Brizola poderia ganhar. A transformação acelerada possível. Dentro do respeito à Constituição. Esperava. Educação e Salário Mínimo melhores e distribuição de renda. Nada que não se pudesse fazer no Brasil – país em que as elites não gostam do povo36. A possibilidade de ser homossexual sem rancor não me prenderia lá.

DEU NO JORNAL

“MP investigará os custos da Cidade da Música”. O Ministério Público PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

abre inquérito hoje para investigar os custos da construção da Cidade da Música Roberto Marinho, na Barra da Tijuca. Os promotores da Promotoria da Cidadania e Tutela Coletiva querem esclarecer como uma obra orçada pela prefeitura inicialmente em R$ 80 milhões já custa aos cofres públicos R$ 461,5 milhões (576% a mais) em construção, projeto e consultorias, como mostrou O GLOBO.37

OBS – Assim deve agir um jornal isento. Muitas vezes O Globo e o resto da grande mídia não o é – a melhor, em conteúdo é A Folha de São Paulo aos domingos. A Veja comprada seja por qualquer direita internacional vai ser lida, quando a Carta Capital ficar de igual para igual, pela direita dos 10%. Merece. A grande mídia agindo como ideólogo com a desculpa da concorrência. Esta grande mídia, controlada por pouquíssimas famílias, como mostra Ciro Gomes38, produz visando ao consumidor, portanto, distanciando-se de um engajamento mais ideológico. Uma pretensa neutralidade ou posições visando ao consumidor que quer mais notícias “objetivas” e pouca opinião política. Não acredito neste caminho.

(I)DADE

(CI)DADE

BER(O) LI

36

BER(A) LI

Leitura feita por Darcy Ribeiro em As Américas e a Civilização (Ribeiro, 1983). O Globo, Quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008 – Caderno Rio, pág. 19. 38 Entrevista com Ciro Gomes publicada na edição do jornal Folha de São Paulo de 17/02/2008. 37


40 Voltei. Cheguei sem doutorado, com um romance quase pronto e a certeza do que queria. Participar. Influenciar. Ter experiências para compartilhar. Morava desde 1982 no Baixo Gávea, fui vendo as modificações que levaram o local a juntar gente com afinidades possibilitadoras de originar um movimento. Era a intuição que se manifestava e até hoje se manifesta. A razão só leva a mais uns passos. A experiência e a observação e a ação e o olhar para o que foi feito e a aprendizagem com outros é o que vai fazendo o caminho dentro de inúmeras possibilidades, caminho que dependerá de abandonos e esforços modificáveis.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Mandamento

Não vou xingar mais uma vez meu pai Tenho gente mais solene para xingar Uma Instituição inteira menos a Chiquinha Esqueci, falha, das minhas queridas professoras Homens nem deveriam existir no meu harém Na reencarnação só haverá mulheres Ainda vou pensar no caso dos eunucos Nesta vida sem harém continuarei a pagar putos Não vou xingar mais uma vez papai Tenho dinheiro para cachaça escolhi um bar Do lado. Tem um maneta, um perneta e o dono Mais barrigudo que eu. E olhe que ambos Parem todos os dias. Quando contamos moneda.

Era leitor de romance. Queria ser um escritor que me sustentasse com o que escrevia. No dia que vi um casal bonito, Alexandre Wanderley, com cara de surfista, porém modificado por um olhar que era mais concentrado, mantendo a doçura, que não era a de um surfista mais normalmente estilizado; ela, Dada


41 (Maria Eduarda Glicério), muito bonita e com um livro do Rilke na mão. Era um dia bonito na Praça Antero de Quental, já os conhecia de vista do Baixo Gávea, intuí que a poesia poderia ser um meio de me comunicar com a gente jovem e sem tanto preconceito. A rapaziada do Baixo: neste grupo poderia ser homossexual sem enorme sofrimento ou ter de viver apenas com amigos homossexuais. Neste grupo eu poderia mostrar meu saber. Darcy Ribeiro, Goa e Berlim já haviam me iniciado.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

DEU NO JORNAL39

“Presos de MG convivem com ratos e sarna”. Cubículos de 30 m2 fedem a urina, fezes e abrigam 50 homens que nunca saem para banho de sol e têm ferimentos. Baratas, ratos, lacraias e 50 homens dividindo, 24 horas por dia (...)

39

Jornal Folha de São Paulo cotidiano C3 – domingo, 10 de fevereiro de 2008.


42 Falei com Darcy Ribeiro. Expliquei que queria desenvolver um projeto ligado à poesia para juntar gente. Desde 1983, quando comecei a trabalhar com ele, queria desenvolver um trabalho ligado à arte e ele desejando para mim um caminho promissor, dentro da “política real”, achava que eu devia trabalhar com um horizonte maior. A Educação Pública ou a eleição para uma das três Câmaras. Achava que a minha proposta de intervenção como a posteriormente chamada CEP 20.000 era ligada por demais às demandas da classe média e que a classe média sempre encontra solução. Mesmo dentro do Programa Especial de Educação40 não pude atuar como queria no Programa de Animação Cultural41. Apesar de conversar muito sobre o assunto com o mestre, foi através da indicação de João Luiz de Souza que vi muitos dos meus anseios sendo postos em prática. Darcy falou para eu conversar com o poeta Gerardo Mello Mourão, Presidente do Fundo Rio, da Secretaria Municipal de Cultura, sendo o Prefeito, Marcelo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Alencar, do PDT. Falou que provavelmente Gerardo gostaria da proposta, e gostou. E também conversei com Aluísio Leite que era um dos sócios da Timbre, ex-sócio da livraria Muro, e que me alargava os horizontes da poesia contemporânea e da crítica. O quem é quem poético da cidade naquele momento.

VIVANE MOSÉ: Foi a minha chegada no Rio; foi a minha porta de entrada. Eu não conhecia ninguém aqui, eu tinha acabado de chegar, fiz uma oficina com o Chacal no Parque Lage e ele me falou do CEP. Eu já tinha ouvido falar também e eu comecei a aparecer. Eu não falava poemas ainda no palco. Quer dizer, eu nunca tinha falado aqui no Rio só em Vitória. Eu nunca ia pro CEP, no início, como poeta, eu ia para assistir e adorava, adorava. E conheci , então, todo mundo. O Michel, o Levi, o Zarvos, o Pedrinho, o Paulista, a Leca, e etc. ... muitas pessoas mesmo. Muito legal. Até que um dia eu disse pro Chacal que eu queria falar um poema e ele meio que brincou: “Mas você vai falar?”. Falei .. eu já fiz isso em Vitória, pouquíssimas vezes antes do CEP. Umas quatro, cinco vezes, eu tinha falado poemas assim. E fui a primeira vez. E foi muito, muito legal. E de lá para cá sempre freqüentei como poeta, sempre falando poemas. Raramente eu estava no CEP ... só um poeminha. Então, para mim, o CEP tem a cara do Rio, do que é para mim o Rio de Janeiro. Tem o que eu não encontrava em Vitória de espaço, de encontro, e tem essa multiplicidade, essa pluralidade de manifestações em um espetáculo que dura quatro horas e todo mundo participa. Uma bagunça bastante 40

Núcleo gerador dos CIEPs que foi presidido por Darcy Ribeiro entre 1983 e 1987. Parte do Programa Especial de Educação dedicado à contratação de jovens artistas para atuarem nos CIEPs. 41


43 organizada, na verdade. É desorganizado aparentemente, mas não é. Tem todo um jogo super legal. É super-responsável. Eu me lembro que quando eu ia entrar no palco era super-nervoso, tenso, porque é um show; não é uma brincadeira. É um show e está todo mundo ali pagando para assistir. Público enorme, sempre, casa lotada. Então, para mim, é difícil falar do CEP, porque é a minha cara, sempre foi a minha cara.42

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Surgiu o Terças Poéticas.43

No último dia estava cansado da obrigação de trazer muita gente, mesmo que de graça, para o teatro da Faculdade da Cidade44 para os encontros com pensadores/escritores que admirava tanto. Este modelo já não me entusiasmava, e conversando com Chacal falei que o modelo tinha limites, ele sugeriu que mudássemos o modelo, pensamos em nos concentrar num novo projeto, para além dos canônicos. O Sérgio Porto não era muito usado, Tertuliano dos Passos me conhecia, Chacal tinha nome e Carlos Emílio Corrêa Lima assegurava à Instituição que não ultrapassaríamos os limites aceitáveis de comportamento.

Terça-feira Poética Sempre às 17h, no auditório da Faculdade da Cidade

ABRIL 17 EROTISMO E POESIA Gerardo de Mello Mourão 24 AUGUSTO DOS ANJOS – UM POETA MALDITO Ferreira Gullar MAIO 08 NOSSOS LOUCOS “ANOS 20” Silviano Santiago 15 UMA VIAGEM A PASSÁRGADA COM MANUEL BANDEIRA Francisco de Assis Barbosa 42

Fala de Viviane Mosé no filme CEP 20.000, de Daniel Zarvos (2006). Evento que originou o CEP 20.000, em que nomes canônicos se misturavam a atuantes do Baixo Gávea. 44 Onde aconteceram, entre abril e junho de 1990, os primeiros encontros do “Terças Poéticas”. 43


44 22 DRUMMOND: “VAI, CARLOS! SER GAUCHE NA VIDA” Antonio Houaiss 29 JOÃO CABRAL DE MELO NETO – A CONSTRUÇÃO DA POESIA João Cabral de Melo Neto e Antônio Carlos Secchin JUNHO 05 TROPICALISMO E POESIA Heloísa Buarque de Hollanda (Chacal e Boato se apresentam) Se você tem mais de 15 anos, traga sua poesia (ou não traga), mas participe.

Entrada Franca. Havia trabalhado e convivido com Márcia Cibilis Viana, que me falara da tática dos movimentos revolucionários na América do Sul, aonde os grupos de guerrilha

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

chegavam com alguma proposta de convívio e perguntavam quem era o melhor marceneiro, quem era o melhor açougueiro, o melhor músico, e conversavam com cada um, posteriormente os reuniam para falar das necessidades do local, portanto, falando de transformação política, formando um conjunto de possíveis lideranças. O Baixo Gávea fervia e eu bebia e perguntava quem era o melhor músico, provocava os jovens com cara inteligente questionando-os se eram poetas, juntava com os letristas das novas bandas, com gente de teatro, e filipetava nas universidades, principalmente na noitada da Gávea, o Baixo Leblon tinha dado um tempo, PUC, UFRJ, FACHA, bar do Mosca, no Posto 9 e pelas ruas, pelas ruas e ia conhecendo vários jovens que queriam mostrar suas práticas.

MUDANDO Mudo. De assunto que já estou cansado da linearidade do discurso. Pensar o CEP pode ser transvalorar conceitos como mostrava Nietzsche, a angústia das possibilidades e escolhas como falava Sartre, a dialética materialista, o dinheiro do contato oficial possível – o fim é gerar um produto/movimento me inserindo como um dos muitos curadores. Mas era tão mesquinho perto do que já vira dentro de um governo como foi o de Brizola de 1983/1987, onde Darcy conseguiu, por escolha do Brizola e capacidade do Darcy, impor os CIEPs para além de outros programas importantes como o projeto de reestruturação dos transportes da Região Metropolitana para o qual Jaime Lerner havia sido


45 chamado: num governo sempre há diferentes visões e falta de recurso. A mistura da capacidade de agregação e das escolhas estéticas era o que provavelmente daria resultado. Deste mesmo modo, o CEP 20.000 já nasceu com propostas de ação e curadoria divergentes, que serão detalhadas no momento da análise dos anos 90, mas que me parecem remeter às questões pessoais dos dois formuladores de início, eu e Chacal, o que ajudou e mais ainda atrapalhou o desenvolvimento do CEP 20.000. Com a entrada efetiva de Michel Melamed, em 1994, outros caminhos se apresentaram. A razão das diferenças é que, apesar de eu ser seis anos mais moço que Chacal, meu ethos constitutivo tem base na noção dos “fundadores da pátria”, e tomo esta noção a partir de uma linha de pensadores, escritores, políticos e familiares que remetem ao Romantismo e à Proclamação da República, mas tem o auge do amadurecimento dos anos 50 até o AI-5, em 1968. Chacal, de modo contrário, tem como referência a figura de Oswald de Andrade, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

relido pelo chamado “desbunde” do início dos anos 70, impulsionado pelos participantes da Revista Navilouca, descrita por Heloisa Buarque de Hollanda como “a mais importante publicação de conjunto de pós-Tropicalismo(...)” (Hollanda, 2004: 80). Aliás, vou entendendo agora, a influência das irmãs de Ricardo Duarte Chacal, dentre elas, oito anos mais velha, a maravilhosa Eliane Duarte. O poeta, ainda em fase de esportes, sua outra irmã Marisa Duarte foi casada com o Vergara, viveu, na sua casa, o auge da Bossa-Nova e a continuidade da Geração 65. Foi de ouvido nada bobo de moleque e de adolescente, único filho homem, mimado, que o bardo Chacal – depois com Bob Dylan ou Oswald e com sua ida para Londres, em 72 – já tendo publicado, mimeografado de maneira bela, o Muito prazer, Ricardo (1971) e O preço da passagem (1972), teve a epifania, para uma nova fala oral para a poesia que combinasse com sua escrita. O Preço da Passagem foi lançado no MAM num evento multimídia organizado por Vergara. Intuí essa influência com o lirismo de seu último livro Belvedere (Chacal, 2007); foi ali, e agora retorna, que o poeta nasceu.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

46

F6


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

47

F7


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

48


3 Antecedentes (Anos 50/60) – T. C. A.

1954 – O tiro que Vargas deu com a bala e com a “Carta Testamento” é o divisor entre o Brasil de um desenvolvimento autoritário – primeiro Governo Vargas – o Brasil de uma tentativa de democracia autônoma voltada para a melhoria das condições de vida da chamada “massa” ou “povo”, que estava associado à palavra “nação” – segundo Governo Vargas – e o Brasil da tentativa de governo liberal acoplada à política norte-americana do pós-guerra: a Pax americana e a Guerra Fria. Na Argentina, Perón, na linhagem de Getúlio, é destituído em 1955, e Cuba,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

tornando-se em seguida comunista, tem sua revolução em 1958/59.

Nasci em 1957. Meu tio Cleon, irmão de meu pai, morre de overdose aos 22 anos de idade.

Thereza Visito minha mãe no Jardim Botânico Faz 2 anos que ela morreu Parece que faz uma vida Tenho tanta saudade Das conversas Do uisquinho, até do barulho nervoso do gelo O excesso de uísque ajudou a matá-la Pena que os excessos matem Já conheci quem morreu de amor De excesso e falta

A árvore que eu e minha irmã escolhemos para depositar suas Cinzas não tem nada de excepcional É uma Tiliaceae da Malásia


50 Ela me parece velha Foi um descuido espalhar as cinzas numa Árvore que pode tombar logo Mesmo antes da minha morte Me parece um canto agradável Ela deve estar contente no céu Estou aqui na terra

Depositar cinzas de cremação no Jardim Botânico É proibido. Tirar fotos de casamento pode Imagino se todos depositassem seus mortos no Jardim Botânico se assemelharia ao Ganges Todo humano deveria passar uma tarde PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Olhando uma cremação no Rio Ganges, na Índia Depois de pôr fogo no morto, com a presença da Família, com um pedaço de pau dilaceram-se os Ossos e o crânio que são muito resistentes ao Fogo. Tudo é calmo e sagrado. As cinzas vão para o rio

Minha mãe não sofreu muito ao morrer Eu e minha irmã ficamos contidos. Nossa família é Assim. Fatalista. Já me falaram que é um resquício Aristocrático. Sempre nos orgulhamos da República. Em volta da Tiliaceae nasceram cogumelos Cada vez que visito minha mãe tem novidade Em volta da árvore. Minha mãe está sempre

Presente e o chão sempre apresenta surpresas Os cogumelos formam um ajuntamento como uma ninhada Do meio salta uma flor! É da raça das Therezas.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

51


52

Minha incapacidade de prosseguir sem ser confessional Thereza Maria de Carvalho Cesario Alvim, depois Zarvos, nasceu no Rio de Janeiro em 1932, filha de um Juiz (desembargador), José Cesario Alvim e neta de dois Senadores da República Velha: um deles, por Minas Gerais, Cesario Alvim, homem probo e liberal-conservador. Quando morreu, é lenda na família, o seu inventário dizia “devo a fulano, a sicrano...”. Por sinal é bom ler Oito Décadas – Memórias, de Carolina Nabuco, para ver as dificuldades financeiras que mesmo um homem como Joaquim Nabuco podia ter.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

“ De todos os presentes que recebi na infância o que maior alegria me causou foi ser trazido por meu Pai, inesperadamente, uma tarde ao voltar da cidade. Pareceu-me um verdadeiro milagre receber de uma só vez quatro livros (incrivelmente quatro!) da pena de minha querida Condessa de Ségur. Meu pai deve ter tido, naquele dia, um inesperado reforço às suas finanças, que eu bem percebia não serem boas”. (Nabuco, 1973)

Cesário Alvim foi Prefeito do Rio de Janeiro no Império. Contra, na Constituição de 1889, a criação do Imposto de Renda; morreu com dívidas ao fisco, que seus filhos herdaram. A irmã de José Cesario Alvim, pai de Thereza, Sylvia, que morreu na Gripe Espanhola de 1918, era mãe, entre outros, de Virgilio Alvim de Melo Franco, do Senador Affonso Arinos e de Maria do Carmo Melo Franco Nabuco. Com a escolha de Benedito Valadares para interventor de Minas Gerais em 1933 a família Melo Franco se divide, pois Rodrigo Melo Franco de Andrade continua trabalhando com Getúlio e com a morte de Virgilio, vista por parte da família como um possível atentado político, a família acaba por ajudar na fundação da UDN. Em 1931, no casamento de Maria do Carmo Alvim de Melo Franco com José Tomas Nabuco, Getulio Vargas estava presente já que Afrânio de Melo Franco, pai de Maria do Carmo, era Ministro da Justiça de Vargas. O rompimento com Getulio leva um certo engajamento da família Cesario Alvim com a UDN. A irmã de Thereza Maria, Maria Amélia, sua irmã mais velha e que ajudou a criá-la, foi mulher de Sérgio Buarque de Holanda. A diferença entre os onze filhos que sobreviveram à mãe Maria do Carmo de Carvalho Cesario Alvim – esta passagem do texto transforma-se numa homenagem às Marias e aos Buendias – era enorme e, por problemas de saúde na família – com uma irmã – parte dela foi morar na França. Era 1939. Minha mãe, Thereza, além de ter participado, com 7 anos, da retirada de Paris, na fronteira da França com a Espanha observou horrorizada espanhóis franquistas esperando, com pedaços de pau, espanhóis refugiados tendo de voltar por causa do avanço alemão. Viu a cara de horrorizado de seu pai. O senso de justiça ia para o bem se formando. O patriciado é colocado por Darcy Ribeiro como fazendo parte do topo das classes sociais junto com o patronato. Esta diferenciação se fazia mais presente tempos atrás. O patriciado – altos funcionários dos três poderes e empresas estatais no exterior etc, do país – possivelmente hoje não receba tantos provimentos quanto o setor privado. Está página é um diálogo de afeto por um


53

leve.

passado que me é Gente representando o conservadorismo como homens da pátria. Cada um com sua ideologia. VITOR PAIVA: (...) é, ao mesmo tempo, um palco de livre circulação de arte e um espaço de livre circulação de pessoas. A princípio, o cerne do evento é a poesia falada. Mas essa especialização se estende democraticamente na direção da música, da performance, teatro, da dança, do cinema e de qualquer outra arte ou mídia que venha a nascer ou que tenha aqui sido esquecida. O artista se mistura com o público – e, na maioria das vezes, é mesmo do meio da platéia que ele surge caminhando na direção do palco, após ter sido evocado por um dos que, porventura, estejam apresentando o CEP naquela noite – e o novato com o mestre. A química inominável do evento é mesmo essa (como se fosse um cheiro

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

ou uma sensação que só ali existe): confiar no seu instinto para dar ao CEP o devido mérito que você sabe que ele tem, mas que ele não ostenta. Aparenta, logo de cara, ser o melhor lugar em que você já esteve na vida, e um lugar qualquer que pode se diluir na memória nesse próximo segundo.45 Num período posterior – não muito longo, mas fundamental –, Thereza morou com sua irmã, em São Paulo, e Sergio Buarque fazendo charme, incentivava suas leituras e a deixava confiante na temida e suada biblioteca formada aos poucos, com esforço, dele e de Maria Amélia. O que sobrava ia para os livros, às vezes para o desespero dela, que chegou a proibir o marido de aumentar as contas nas livrarias e, num código cúmplice, ele passava seus objetos de trabalho e de prazer para Babá, que os contrabandeava para casa para que Maria Amélia fingisse que não sabia. Tudo com muita seriedade e alegria. “Alegria gera alegria”. Este ambiente tanto da rua Haddock Lobo, como posteriormente, minha mãe já estava casada, na rua Buri, trouxe para a adolescente e jovem mulher o entendimento da importância do saber. O seu outro avô, o Senador Costa Carvalho, era um empreendedor paulista e um político que representava os interesses internacionais. Filho de baiano. Participou da fundação do Banco Mercantil e do jornal O Estado de São Paulo. Morreu no exílio devido à Revolução Paulista. Para minha mãe ele representava um mau exemplo de forma de fazer política. Na minha casa, desde 45

Vitor Paiva, no artigo Sobre vivências (Zarvos, 2005), poeta e músico, participou da organização do CEP entre 2000 e 2003.


54 que me entendo como gente, 7 anos, tinha de ser ético e defender posições políticas. Pelo menos meu irmão Nick e eu. Após a primeira palavra urrada na direção do povo que habita o Sérgio Porto nesses dias de CEP, tudo se encaixa. O poema lido no palco é a cerveja tomada no bar do teatro. O beijo da gatinha e do gatuno na fila da entrada é o passo da dança do Minotauro é a chapinha na testa do Maurição meu chapa é o tremer da palma do cara que vai rodopiar um solo de guitarra enquanto Shakespeare finalmente se permite botar a mão nas ancas e dançar em movimentos ridículos uma dança chamada moderna, porém démodé.46 Com meus cabalísticos sete anos veio o Golpe de 64, Thereza era jornalista da Última Hora e a política passou a ser cada vez mais premente na minha família. Thereza Maria havia se casado em 1953, em Paris, com Nicolau Zarvos Filho, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

filho de um migrante grego: Nicolau Zarvos, casado com Haydée (Motta Mello, de solteira) Zarvos, filha de uma família, naquele momento, decadente, dos ciclos dos fazendeiros do café do interior paulista. Seu pai foi prefeito de Lins, cidade onde meu pai nasceu. Nicolau Zarvos, foi um grande comerciante e especulador de mercadorias, morreu com 49 anos, após uma operação feita nos EUA. Nicolau chegou ao Brasil vindo da Grécia com 11 anos, sem dinheiro algum, seus dois irmãos foram embora logo, e aos 23 anos já era um homem rico. Emprestou a sede do PC em São Paulo, em 1945, e ajudou a financiar o comício no Pacaembu porque gostava do Prestes, que conheceu enquanto exportava café e Prestes estava no exílio na Argentina. Estranho, agora me dou conta: dois bisavôs e dois avôs morreram fora do Brasil.

Era 1949, e meu pai, com 23 anos, não soube administrar o dinheiro da família, o que acarretou sua primeira falência e a saída do Brasil, quando casou com minha mãe. Ajudado pela família, faliu novamente e novamente foi para fora do Brasil, em 1959 e minha mãe com nós cinco, eu com dois anos, viemos para o Rio de Janeiro. Não vi meu pai de 2 até os 8 anos de idade.

46

Idem.


55

SÉRGIO COHN:

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Uma particularidade do CEP que vai contra, de uma forma muito positiva, uma certa lei do nosso tempo que é uma lei de privilegiar o falar ao ouvir. O CEP 20.000 sempre foi um espaço de fala, mas vindo de São Paulo sempre me surpreendeu chegar aqui um bando de garotos sentados ouvindo poesia e concentrados. Isso é mais surpreendente do que parece, não só por ser garotada e poesia, mas porque eu tenho uma editora. Quando você abre uma editora e fala: “vou editar poesia”, você descobre uma coisa terrível. Poesia não vende, isso todo mundo sabe. Mas você recebe 500 originais por dia. Todo mundo escreve poesia. Eu tenho uma editora, todo amigo meu fala que tem um primo que escreve poesia, tenho um vizinho que escreve poesia. Esse pessoal não consome não se interessa por poesia. Isso é uma coisa muito séria. Essa coisa do querer muito se expressar, mas não querer ouvir o outro, é quase uma doença, se não for uma doença mesmo. É uma coisa muito séria do nosso tempo.47

F9 F8

F 10

Mas era antes – 1953. Thereza Maria, católica, virgem, achando-se e sendo inteligente e vivaz, tendo freqüentado a PUC do Rio de Janeiro no início do tempo de Candido Mendes, Rachel Jardim e Álvaro Americano, ainda no prédio do Colégio Santo Inácio, queria, com 21 anos, viver muito e ser feliz. Pensou, quando em Paris, numa visita prolongada à sua família, que seria maravilhoso casar-se com Nicolau, um “grego” de 26 anos muito gastador e galanteador, e só quando foi morar com ele numa fazenda no interior do Estado de São Paulo – o fim do mundo para uma jovem criada em Copacabana – é que descobriu o outro lado da moneda. Lendo Eça de Queiroz e sofrendo, convenceu meu pai a mudar-se para São Paulo. Nicolau, mais tarde, vociferava que foi isto que o levou à bancarrota, pois o padrão que Thereza Maria esperava, somado às dificuldades de plantio, levaram47

Fala do poeta e editor Sergio Cohn no lançamento da revista CEPensamento, no Espaço Cultural Sérgio Porto, outubro de 2005.


56 no a cometer trapalhadas que culminaram com sua falência e a possibilidade de prisão. Embarcou, com a ajuda de sua família, para a Europa. Esperava que Thereza fosse com ele e que aguardassem juntos até que a situação jurídica no Brasil melhorasse. Não sei se nós cinco irmãos iríamos ou ficaríamos com minha avó materna em São Paulo. Thereza Maria, deu o seu grito-que-fico no Brasil e, para horror desta parte da família paulista, se mudou com os rebentos para o Rio de Janeiro. A família greco-quatrocentona estrilou e falou que se Thereza Maria ficasse em São Paulo teria o que fosse necessário, porém, no Rio de Janeiro, o mínimo. Com sua infância numa casa de estilo normando na rua Gullar, atual Duvivier, sua adolescência na Avenida Atlântica, agora se apinhava com babá e os cinco filhos na Miguel Lemos, num apartamento que hoje me pareceria “uma graça”, mas nas primeiras recordações que tenho – tinha três anos – o que sentia era falta de espaço. Era a troca de um duplex na Avenida Paulista, perto do casarão da minha avó, para a liberdade sem muito dinheiro na capital cultural do país: “... de dia falta água, de noite falta luz...”. Thereza, já bebericada, anos depois repetia: – Fiquei socialista por pena de rico.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Era fim de 1959.

DEU NO JORNAL48 (para Pedro Luis, Carlinhos Brown e Filhos de Gandi)

“Grupo chinês Mistura Olodum e Monobloco”. Criado em 2006 pela dupla de

músicos americanos – de origem asiática – Jimmy Biala e Leon Lee(...)

48

O Globo, Segundo Caderno – pág 8 - sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008


57

Certas estavam as mães de Thereza e Nicolau. Enquanto o par romântico combinava o casamento relâmpago em Paris, uma lembrava: – Falaram-me do gênio ruim de Nicolauzinho. Lembre-se minha filha, ele é oriental -. Enquanto isto Nicolau recebia uma carta de sua mãe dizendo que ele deveria pensar melhor:

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

– Ela é carioca.

(Pedro Luiz e a Parede)

(Martinália)

(Cabelo e Michel Melamed)

(Seu Jorge)

Para lá dos 70

Envelhecendo com dignidade, convivendo com as Doenças, seja a diabetes, que deixa minhas pernas Negras, o coração de mudanças de ritmo e de humor,


58 O pulmão com água. Envelhecendo e esperando a Morte. Sem revolta. Comendo de tudo. Tudo é Proibido. Sonhando com viagens que não posso Executar. O médico manda exames, às vezes os Faço, às vezes nem envio de volta: ficam no armário Canetas, relógios, fotos da família, contas já pagas e Várias pílulas, todas as cores, chego a tomar 17 ou Mais por dia. Se estou com raiva não olho a Prescrição. Esqueço. O que mais pode me acontecer

(Bia Grabois)

Morrer? Já nem sei o que é isto. Estou tão próximo Da morte que ela já nem existe. Estou dentro do Enlace da morte. Eu quero é que se foda. Desculpem -me. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Envelheço com dignidade.

No Rio, Thereza Maria deixou de ler O Globo e deixou a UDN e passou a ler o Última Hora e a gostar do PTB. Lembrava-se do olhar de ódio, que sentiu pela primeira vez nos empregados, no dia da morte do Presidente Vargas, num almoço na casa da mãe de Ausinho, apelido familiar de seu marido. A Questão Popular aparecia. Darcy Ribeiro dizia que neste dia rompia com o Partido Comunista e começava a entender e a gostar do Trabalhismo. A família Melo Franco representando a UDN era acusada de brindar com champagne a morte do eterno Ditador.

1

49

Carolina Nabuco – Oito Décadas – Memórias

49


59

ERICSON PIRES: Minha leitura crítica não é para destruir o projeto, de maneira nenhuma, porque não existe outro nicho possível. E é o que estava falando na aula hoje lá. "Beleza, CPC 1962; 64, 65, 66, você tem o Paissandu, tem o Teatro Opinião, o Cinema Novo”, mas sei lá ...eu acho que a gente é fruto disso, de criar espaços de resistência diante de um marasmo ... resistência afirmativa, resistência pela vida, na vida total ... diante de um marasmo em que a década de 90 acabou se configurando. A supremacia de um projeto que a década de 80 já ensaiava. Sem querer causar algum dano, lógico ... mas as coisas escapam ... e o ruído do CEP, noise ... deu uma respiração à cidade, pelo menos à classe média, essa classe média desesperada carente de espaço, diante desta perspectiva que é ... é uma PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

respiração tão necessária que não tem como esquecer isso ou a gente esquece isto para viver isto como diria o bom Nietzsche.50 O Brasil é um país confuso. Não é à toa que Darcy Ribeiro afirmava que fomos o último país do mundo a acabar com a escravidão. Parte dos escravos foi posta para fora das fazendas e os donos receberam indenização. Com os que ficaram nas fazendas convivi até os meados dos anos 90, quando o MST resolveu invadir a parte que me caberia deste latifúndio. Tempo haverá, tempo haverá, de ter um jardim em Maricá. O Brasil é um país confuso, insisto. Getúlio Vargas, estancieiro no Rio Grande do Sul, tendo estudado em Ouro Preto, Minas Gerais, foi Ministro da Fazenda de Washington Luís. A Revolução de 30 foi apoiada por Minas Gerais e por Virgílio de Melo Franco, o irmão que seria o “político” importante da família Melo Franco. Preterido como interventor por Vargas que indicou Benedito Valadares, rompeu com Getúlio. A parte de Minas, denominada liberal – assim defendia o Senador e importante intelectual Affonso Arinos de Melo Franco, para elogiar D. Pedro II – esquecendo de falar do escravismo e das eleições sujeitas a renda, os eleitores não passavam de 2% da população – levou Virgílio à presidência da UDN. Outra parte dos Melo Franco ficou com Getúlio. Primeiro Presidente

50

Ericson, poeta e professor, em entrevista concedida em 2004 para o filme CEP 20.000, de Daniel Zarvos, lançado em 2006.


60 do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual IPHAN), da sua

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

fundação em 1937 até 1968, pouco antes de sua morte, Rodrigo Melo Franco de Andrade


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

61


62

gerou, com Capanema, Lúcio Costa, o salão de 31 e Oscar Niemayer. Gerou Joaquim Pedro de Andrade, seu filho, já sem Melo Franco no nome. Vargas, com a Revolução de Trinta, deixou seu positivismo falar mais alto: na sua ditadura deu o voto para as mulheres, ampliou o espectro dos votantes e criou o Salário Mínimo, perseguiu e deixou serem torturados comunistas e derrotou os integralistas. De um dos seus lados, fundou o PSD, que gerou Juscelino, que foi gerado por Benedito Valadares. Com sua mão esquerda, criou o PTB e João Goulart, grande estancieiro gaúcho, vizinho de Getúlio, democrata, que teve a cabeça pedida pelo “Manifesto dos Coronéis” de 1954, pois Vargas propunha 100% de aumento para o salário mínimo e João Goulart era o Ministro do Trabalho. O salário mínimo só com o Governo Lula, decorridos 60 anos de sua PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

criação, passa dos 100 dólares, até mesmo de 200, com o nosso Real por demais valorizado - SM 04/1995 – R$ 70,00; SM 04/2008 – R$ 415,00 - e que desde os anos 50 só vinha caindo, caindo e a violência aumentando, aumentando. Getúlio, com sua mão esquerda, criou também Brizola, casado com a irmã de Jango, que, junto com Rondon, Anísio Teixeira, Mestra Fininha e os poderosos matadores Ribeiros da velha Montes Claros criaram Darcy Ribeiro. Nicolau, meu pai, era inscrito no PTB de Getúlio, mas foi Thereza, prima dos Melo Franco, que conheceu Darcy e apresentou-o a minha irmã Claudia. Casaram-se. Desta confusão tenho também sido criado. Estes imbróglios serão menos óbvios e a República das Famílias ou de outros grupamentos privados ou públicos dará lugar a misturas menos homogêneas com a democratização radical que não se dará

CONTUNDENTE

com netos e bisnetos de políticos Fundadores da

República e nem dos cantores da MPB e dos jogadores de futebol. Será o Socialismo Moreno de Darcy Ribeiro, a Sociedade de Controle ou a Barbárie... Voltemos ao salon bleu, ainda nos anos 50. O francês ainda é a língua mais importante do Ocidente.


63 1955 é o ano da vitória da chapa PSD-PTB, Juscelino e Jango, a UDN, partido liberal, representante dos interesses do capital internacional, que desejava uma modernização acoplada ao capitalismo mundial, não aceitava a vitória do PSD e do PTB. Tentou a frustrada anulação da eleição de Juscelino Kubitschek, incluindo a ridícula aparição de Carlos Lacerda vestido para a guerra com outros patéticos. Juscelino entra em cena com um projeto liberal, porém utilizando a força do Estado para seu “Plano de Metas”. De um lado abre o país ao capital internacional representado pela indústria automobilística, por outro cria condições para o surgimento autônomo da cultura brasileira de nível internacional representada na arquitetura por Oscar Niemayer, no cinema por Nelson Pereira dos Santos, na pesquisa gráfica pela Revista Senhor e pelo Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, na poesia, no Rio de Janeiro, pela pesquisa de Ferreira Gullar, em seu A luta corporal, e em São Paulo pelo Concretismo. Nas artes PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

plásticas inicia-se, em 1951, a Bienal de São Paulo e a entrada do abstracionismo. Surgem Helio Oitcica e Ligia Clark. Na música, João Gilberto e Tom Jobim.

DEU NO JORNAL Apesar de ter investido US$ 12 bilhões no combate ao narcotráfico nos últimos seis anos – sendo US$ 4,5 bilhões doados pelos EUA –, o governo da Colômbia continua perdendo essa guerra.51

Os anos 50 representaram para o mundo a radicalização da fundamental questão da divisão de um planeta entre a democracia liberal e a ditadura do proletariado. No vácuo há os movimentos de descolonização e de emancipação simbolizados pelas guerras da Argélia e Vietnam, em que a França sai de cena como potência bélica e começa a diminuir sua influência como núcleo do desenvolvimento

51

O Globo, Rio de Janeiro, 26/05/06.


64 cultural do Ocidente. Sartre resistia com o Existencialismo carregado de culpa e, na Itália, o Neo-Realismo carregado de soluções... e a ascensão de Nasser, no Egito, representando uma terceira via de desenvolvimento entre o capitalismo e o comunismo. A China havia feito sua Revolução Comunista em 1949 e a Índia em 1947 se tornado independente. O país que desde o início do século passado se apresentava como a maior potência econômica, os EUA, após sua vitória na Segunda Guerra, pretende se tornar o porta-voz das conquistas capitalistas, representado pela Bomba Atômica, a penicilina, a pílula, a geração Beat, a calça jeans e o Rock and Roll. A URSS (Rússia) responde com gastos para a internacionalização do Comunismo e com o homem no espaço. A terra é azul.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Azul

Cores mudam gente Cores mudam casa Mudam até a cor da cor da caneta Se eu tivesse que nascer de novo Seria uma cor: Talvez verde... azul... não sei Acho que até vermelho, amarelo E cinza, mesmo achando Desagradável ser vermelho, amarelo Ou cinza para sempre. A idéia de Ser azul ou verde na próxima encarNação não me parece má.


65

Thereza Maria vem para o Rio de Janeiro, tornando-se, again, Thereza Maria Cesario Alvim. Logo conhece os atores Cláudio Correia e Castro e Adriano Reis, com os quais flerta, porém, é com Paulo Francis que tem um namoro mais longo. Como francês era fundamental, colocou uma professora em casa para ensinar os cinco filhos. Odiei. Achei graça no exagero do Paulo Francis que deu para nós uma enciclopédia Larousse, por via das dúvidas. Não adiantou. Aprender francês em enciclopédia não dava pé. No colégio Andrews, onde era obrigatório o francês, eu escrevia: “Je ne gost pas de estudier francê”. Os dois professores, que tive, me passaram. Devia ser por desejo da Coordenação. O inglês já ocupara o espaço em meados dos anos 60. Só passei para o doutorado tendo de fazer uma prova de subdesenvolvido, de exigência de uma terceira língua, fora a dos gringos da América do Norte e fora do necessário espanhol. Fiz minha performance e o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

professor Júlio Diniz me olhou com ódio quando eu argumentava a questão, para mim fundamental, se seria lógico uma prova de língua estrangeira para um doutorado de literatura francesa na Sorbonne. Ele, entre raiva, zombaria e desprezo me disse: – Você já viu a prova? Você acha que não passa? -. Fui para a casa de um Mestre do Departamento de Letras da PUC, meu amigo do CEP 20.000, Paulo Fred, que sendo filho de francês e estando fazendo a cabeça no candomblé, logo, de resguardo, tinha tempo de me ensinar a língua. Com sua capacidade afetiva me acalmou e, descobri na terceira aula, embebido em cerveja que ele não podia beber – Fred me via delirar palavras de provas anteriores – e que eu sabia ler o francês básico. Mais um fio desatado de passado. Darcy Ribeiro, que sempre só procurou ler em português e espanhol, me dizia que 98% do conhecimento letrado necessário para a formação de um bom intelectual pode advir das duas línguas que ele exagerava serem as mesmas. Quanto ao Inglês e ao Francês, dizia, era suficiente o básico. Quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Sorbonne, em 1979, um jornalista abobado perguntou como ele tinha recebido o título sem falar francês. Quase estragou a festa do maestro que respondeu com raiva: - Eu recebi o título não porque leio em francês, mas porque sou lido.

SE RE

A

JAMOS LISTAs


66

EXIJAMOS

O

IMPOSSÌVEL

F 11

F13

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F 12

LIBERDADE

LIBERDADE

ABRA

AS

2

A SASOBRENÓS

Thereza Cesario Alvim, pelas mãos do editor e namorado, Francis, começa a escrever para a Revista Senhor e entra para o Última Hora, inicialmente escrevendo crítica de teatro, e com o Golpe de 64, passa a ter uma coluna, que de costumes logo se torna uma coluna política. Não era tão fácil, no início dos anos 60, para os padrões brasileiros, entender uma desquitada, de nome antigo, mãe de cinco filhos, bebendo para além de muito bem e jornalista política de oposição.


67 MARCIA CIBILIS: vc me pediu, e eu respondo. uma história de fracassos, eu sei te faria bem. mas não é bem assim, explico... eu era uma criança sensível e crédula no meio de uma esquizofrenia comunista. explico pai intelectual, mãe bovary e eu , aqui,,, ou lá.. ou sei lá.... era cheia das certezas aos dez , pior aos onze,,, cheguei no rio em 61 achando que o brizola era amado. fui para o brasileiro de almeida ledo engano. brizola odiado . lacerda , o cara. . comecei a ficar gauche . não parei mais .

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

até hoje.. naõ faço nada errado do ponto de vista formal.... acho que se tiver que ir pra cadeia tem que merecer... meus ídolos não morreram de overdose mas talvez de velhice. darcy , brizola, mas eles só me amaram no fim. sou uma filha da puta da revolução que eles não fizeram... sou uma mal amada da revolução...

fiz qualquer coisa na vida para ser justa, e sigo fazendo fugi do arrivismo, do oportunismo, mas talvez em algumas vezes o narcisimo me pegou.mas se tiver uma causa justa, me chama que eu vou, mesmo sem mim eu vou... se quiserem saber minha história oficial clica no google, e ta tá na real perdi mermão... na vera, um dia nóis ganha... ah..... aí fiz doutorado e fui deputada, professora pesquisadora, mas não fui, nunca enganadora meu nome é marcia maria d'avila viana.


68 o nome que meu pai me deu. graças a deus

ps sou atéia ou melhor tentei ser a toa. hoje sou avó

Comecei a conviver com Marcia em 83, início do primeiro Governo Brizola. Era vice-presidente PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

da FAPERJ, fundadora do PDT, filha do Secretário de Governo, Cibilis Viana e companheiro de Brizola desde a prefeitura de Porto Alegre nos anos 50. Professor de Economia da UFRG, Ministro de Brochado da Rocha. Darcy era presidente da FAPERJ, acumulando a Secretaria de Cultura e logo o Programa Especial de Educação – Brizolões. Era Zarvoleta seu assessor. Cursando meu mestrado na UFRJ, vindo de uma viagem para a Bolívia, Titicaca e Cuzco, paisagens mais belas do planeta, com bolsa indígena a tiracolo, falando do festival de Águas Claras, e da minha campanha nas comunidades onde aprendi o que é viver, admirador das recémcriadas Associações de Moradores. Marcia me deu um sermão, pois era um caminho que ajudava a enfraquecer o Partido. Fiquei sem certeza como em várias conversas com Darcy. Porém sua inteligência e paixão, a crueza de sua convivência com Brizola e Cibilis no exílio no Uruguai, “cérebro de gallina”!, o envolvimento com ações de luta armada, seguido de um desbunde londrino, os contos de como havia sido formado o PDT após Golbery do Couto e Silva ter afanado a legenda PTB, fez-me enternecer por Marcia no primeiro dia. Ela é dos que Roberto Corrêa dos Santos define como “Os Exaltados”, na ordem de Glauber, Waly Salomão, Hélio e Pedro Pellegrino, Arthur Omar... sua poesia com minúsculas à la poesia marginal, faz sua voz estar presente, até hoje, influenciada pelos 70’s de Piccadily Circus. Comunista libertária. O fracasso de que fala Marcia foi, para toda sua geração, que não fez concessões aos tempos de implantação do Fascismo de Mercado.


69 A vivacidade de Thereza dominava: – Mas Samuel, eu não entendo de teatro o suficiente (afirmação sem provas, já que me foi contada). – Mas é isso que quero, uma pessoa comum, com bom gosto e inteligente. Não quero uma especialista. E arrematou brincando: – Ainda mais uma Cesario Alvim na Última Hora. Sua sobrinha e cúmplice, seis anos mais nova, Miúcha, casa-se com João Gilberto, e seu sobrinho, Chico Buarque, ganha o festival da Record de 66 com “A banda”. Em 65, antes do meu pai retornar, vi com ela o espetáculo Opinião e fiquei embasbacado. O mesmo com o happening Opinião 65, no MAM. No ano anterior havia ficado triste e calado com o golpe de 64. Thereza parava muito pouco em casa entre trabalho, recuperação do tempo perdido de sua juventude e boemia. O perigo de prisão começava a rondar. Sem muito dinheiro, mas com bem mais que a média, contratara uma babá, muito ignorante, que tratava a mim e a minhas três irmãs na base do tapa. Thereza Cesario Alvim, humanista, porém “da pá virada”, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

deixava acontecer e meu mundo era de uma tristeza só. Apenas, nas peças do Tablado, lendo Monteiro Lobato e no colégio, o mundo era melhor. Tinha, em 1964, entrado para o Colégio Andrews e era abertamente protegido pelas professoras. O colégio era, naquela época, do Professor Carlos Flexa Ribeiro, udenista. Ele fora Secretário de Educação do Carlos Lacerda e candidato em 1966 a governador, quando perdeu para Negrão de Lima, um dos dois únicos eleitos da oposição consentida.

Violência Profissional Por que não se permite plantar da boa, cada um na sua moradia, para utilização personal?

Por que não se permite portar da buena, cada um na sua rota? Animal.

Meu nojo pela política repressiva contra os maconheiros É coisa do diabo, do coisa ruim, do capeta.


70

Traidores, vivaldinos, pais-monstros

Um bró da minha idade foi parado por um guardinha com carro lustroso nova (I)PM.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Praia de Ipanema. Cutucaram-lhe até as bolas – os violentos profissionais.

GADA

V

P A ME SS

A

O Seu filho tricolor levou pimenta no olho na Porta do maracanã. Reclamou ponto. Um PM dera um Tapa em uma senhora que vendia cocadas.

A polícia da maioria parva e seus justos apostos chefes-traficantes Metralhadoras, granadas, helicópteros, invasão de domicílio, humilhação Presos por trouxinha ou por roubar 1 queijo. Prisão. Abandono.

U


71

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Perda de futuro. Democracia bastarda votada por bastardos.

LOGO

OS

LIBERTÁRIOS

SERÃO

CENTENAS

DE

MILHÕES

CONECTADOS

ABAIXO A DITADURA E A REPRESSÃO DA SOCIEDADE DE CONTROLE

VI

VA

HELLIO

OI

TI

CICADO


72 WALY SALOMÃO: F 14

F 15

Hélio Oiticica

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

(...) como está escrito em seu notebook: Nova York, 22 de julho de 1973: “... meu avô tinha um sonho: transformar e morar numa casa que fosse TEATRO DE PERFORMACE MUSICAL: não importa: muita gente já viveu SONHOVIDA-TEATRO, na verdade seria como CASA-TEATRO comunizar palco-platéia-performance no dia-a-dia: tão distante e tão perto do que eu quero.” (...)fez HO perceber que o BABYLONEST (Ninho da Babilônia) da Segunda Avenina constituía uma cidade cosmopolita compacta. Kindergarten, playgroud, laboratório, motel, boca, campus universitário contido em uma cápsula ambiental. O NINHO era provido de aparelhos de TV e controle remoto zapeando sem parar, jornais, rádios, gravador, fitas cassetes, livros, revistas, telefone (o fone não subutilizado como mero meio pragmático mas a conversacarretilha compulsiva com suas vívidas interjeições parecendo improviso quente de jazz, talking blues e rap), câmera fotográfica, projetor de slides, visor, caixas de slides classificados, caixa de lenços de papel, garrafas e copos descartáveis, canudos, pedra de ágata cortada em lâmina etc. etc ... (...) Podendo passar dias e dias sem pisar o pé fora de casa chocando no ninho, entretanto, a rua estava tatuada no seu corpo-alma com um tão intensa osmose trashy que nele se aplicaria, sob medida, as linhas action poetry de Frank O’Hara: I’m becoming / the street (Estou me tornando / a rua). “Bosta, Get Lost”, envio Hélio um texto assim com este título sarcáustico para o marchand Luiz Buarque de Hollanda. Que também riu e levou na esportiva. Nova York representou a descoberta de novas rotações e afinidades eletivas. Afinidade eletiva: a) com Gertrude Stein, que recuperou os gestos submersos prévios à cobertura semântica, mas, também, pela escolha decisiva do presente contínuo e por seu horror por tudo que cheirasse museu e mofo; aquela que disse: “Você vê que são as pessoas que geralmente cheiram a museus que são aceitas, e que os novos não são aceitos porque seria necessário aceitar uma diferença completa. É dificil aceitar que é mais facil ter um pé no passado. Daí porque James Joyce foi aceito e eu não fui. Ele se inclinou em direção ao passado e, no meu trabalho, a novidade e a diferença são fundamentais.”

F 16


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

73

F 17 F 18 F 19

F 20

F 21


74 Gostava muito do Andrews, apesar da cena esdrúxula de ter de cantar o hino nacional, por causa do golpe de 64, e dos óculos escuros da Diretora, que o Darcy, voltando do exílio, chamou de “estilo Geisel-funéreo” como os novos edifícios da orla com vidros fumê. Porém, apesar dos pesares, tinha orientadora pedagógica. Meu primeiro texto publicado num livro foi um relato, hoje se chamaria de poesia, em que contava que minha mãe havia me dado um cachorro, por orientação psicológica, por causa da minha solidão. O cachorro fazia muito barulho e não a deixava dormir. Ela acordava pontualmente ao meio dia com suco de laranja e os jornais trazidos por Tânia. Era a hora que íamos para o colégio. De ônibus escolar. Pelo menos ficava livre dos beliscões da Odete. Ela voltava tarde do jornal e da noite. Um beijo ao ir para o colégio e um quando ela chegava e eu e meus irmãos já tínhamos ido dormir. A hora irritante do Jornal das 8. Às vezes não conseguia dormir e esperava o beijo de boa noite. 1964 é um ano que não esquecerei. No PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

somatório de meus mais de 50 anos, acho minha mãe algo irresponsável, porém fabulosa. Algo com o seu filho pingulim.

F 23

F 22

Como a gente se debate para morrer. Para trocar de vida Sair do abrigo. Onde está minha família? Estou refreado Só saio de casa a pé ou de carro à noite Passeio num raio de 3 quilômetros, o resto é fadiga

F 24


75 O passado vai se apagando. Vendi uma boa parte dos meus livros E discos Bom, é claro, saber que um brother está bem. Que a vida abençoa a vários Porém vai tudo perdendo a nitidez. O apagar da memória é morte A falta de desejo de conhecer o novo: – Henrique Cunha, venha já aqui A diretora quer falar com você! Sentado no quarto e sala, ainda, como amo cada pedaço daqui Não consigo morrer tão fácil. Não consigo esquecer. E, sem isso, fica mais difícil renascer.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Sófocles

Era 59, Resnais mostrava seu Hiroshima mon amour. Amor de quem? O amor que não pode dizer seu nome? No final do filme mostra-se o casal quando ele diz “me chamo Hiroshima”, em francês, com seu jeito, de paletó e corte de cabelo a la existencialista, de japonês ocidentalizado. Ou ela responde ou ela disse antes, “me chamo Havre”, em francês, a francesa que no início do filme podia ser japonesa. A confusão de identidade é o fio narrativo. Uma França, através do diretor, tentando entender o passado recente, desonroso, da sua capitulação sem resistência frente ao exército alemão. O que fazia o grande comandante do existencialismo Francês, preso em 40 pelos alemães, solto em 41, entra para a Resistência em 42 e publica O Ser e o Nada na França ocupada em 43? “É provável que quando for enviado à morte, ele vá com essa mesma absoluta indiferença”, escreve Primo Levi(p.42) no seu livro É isto um homem?, uma frase tipicamente existencialista. No final da vida Sartre numa entrevista que causou polêmica disse que sempre foi um homem feliz e que o pessimismo existencialista estaria ligada a uma questão estética. Entendo sua fala como pensador que procura encontrar respostas para seu tempo e não pensador que procura a verdade. Assim o filme de Resnais não procura uma verdade, não quer documentar os resíduos da bomba, apesar de que uma pequena cena de exposição de cadáveres já faz o coração do espectador se proteger frente ao indizível. Quer através da ação de


76 personagens entender o sofrimento de quem tem a sensação da perda ou da incomunicabilidade. Um impossível diferente do choque documental da fotografia.Você esqueceu, você não esteve lá: é sobre Hiroxima ou sobre a França, já que a personagem trai a pátria quando se envolve com um soldado alemão e tem de sair da cidade e tem o cabelo raspado na Libertação da França.

Ela fala:

você me ama, você me mata, numa sedução sado-masoquista, não querendo nem podendo esquecer seu passado que para ela é desejosamente perverso. E culpado. Ela não quer o amor razoável de seu marido francês, ela também não quer a ousadia de um novo amor. Ele, por outro lado, nessa união onde não há nome e de certa forma pessoa, quer objetivamente esquecer o passado e o encontra na francesa. Ambos são casados com outros. Ambos traem. Ambos sentem a sensação do passado que condena. Ambos estão num mundo, que promete

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

utopias, após duas guerras com dezenas de milhões de mortes e de uma selvageria nunca antes tão brutal e racional, tendo seu símbolo maior no Holocausto. Tudo é relativo, às vezes penso na tristeza, melancolia de povos que Darcy Ribeiro definia como “Povos Testemunhos”52, herdeiros dos Impérios Asteca, Inca e Maia, onde houve uma redução de 10 para um, em 50 anos, de suas populações que continuam sentindo a falta de identidade e a exploração classista como entraves para sua

libertação.

Para sua existência. Chiapas é um caminho

demonstrado. Morales conduz o processo e deveria conversar mais com o Lula. Ou o caso da população negra, pela radicalidade da opressão, mas também envolvendo mestiços considerados pardos e negros e mamelucos, ou nordestinos de origem popular, nossa massa de brasileiros que vivem com uma identidade emprestada já que, apesar de se acharem felizes, ainda não tiveram nem a possibilidade de se acharem infelizes. O filme de Resnais é triste, principalmente quando o casal conclui que seria melhor se ela tivesse morrido em Nevre, ou never ou neve, ou morrido para viver, espero, como no meu Morrer. A fala do japonês contém uma afirmação política muito respeitável. Sofrer não é esquecer política. Sofrer pode ser causa de ganho político e filosófico. “A filosofia a marteladas” de Friedrich Nietzsche. O casal do filme, apesar de não conseguir se comunicar, talvez apenas quando fazendo sexo, é solidário. Ela vivendo mais sua morbidez provavelmente menos incapaz de solidariedade e amor. Penso que se 52

Darcy Ribeiro – As Américas e a Civilização.


77 não é possível vivenciar o próprio luto, pelo excesso de racionalismo ou pulsões latentes, talvez seja melhor vivenciar outro luto, através de ações solidárias. Que o grito sufocado do desespero individual seja lançado por causas maiores. O filme de R

e s n a i s é brilhante quando a francesa que não pode falar de

seu amor proibido nem com seu marido, pode falar quando seu amante: assume o papel do alemão. Ele agora é ele. A música doce, a traidora da alma conturbada, embala, como uma mãe acolhedora, enquanto o espectador olha a cena onde o

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

japonês pede esquecimento.

Aqui entra É isto um homem? – Primo Levi. É bom comparar com o título Ecce Homo de Nietzsche, Eis o Homem, frase atribuída a quem mostrou Cristo a Pilatos. Juntando os títulos: – Eis um homem. É isto um homem? Nietzsche afirma que, superando a adversidade, se alcança a felicidade do Para Além do Homem. Para Aristóteles a felicidade é o que procura o homem na Justa Medida de seu período grego. Sendo que um homem com um grau de adversidade incomum talvez não possa alcançar a felicidade. Mesmo discordando da verdade do Herói ou da adversidade para sempre dos marcados pela insuficiência física, dentre a maioria próxima ao que se denomina normal – “de perto ninguém é normal”... Canta Cae, canta. Sigamos com Primo Levi, um escritor que pode não ter sido feliz, que pode ter se matado aos 68 anos. Tem gente que não tem certeza


78 de seu suicídio. Acho que quem se suicida aos 68 anos está cometendo eutanásia e não é um suicida débil. Mais tristes as mortes de Paul Celan e Walter Benjamin bem mais moços. Vamos entrar nas páginas de Primo Levi onde o escritor não se propõem a novas denúncias e sim a estudar serenamente, sem largar sua visão de cientista, o porquê de muitas pessoas ou povos continuarem a achar que o outro é seu inimigo, que o estrangeiro é seu inimigo. Antônio Cícero acredita, a partir de sua leitura de Kant, que a filosofia moderna tem como função pensar e manter a liberdade. Espinosa na sua Ética lembra “alegria gera alegria”, mas vamos ao indizível, e o trabalho de luto, que se chega a afirmar que consiste em matar o morto. Quem é o morto? E Levi diz que quando a ação individual passa a uma sistemática racional, isto leva ao extermínio em massa e no caso do nazismo aos campos de extermínio. O Te(ay)lorismo de Estado. “Lembre-se das crianças mortas”, cantam Vinicius de Moraes e Ney Matogrosso. O perigo é atual e real. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Não só para judeus. Para muito mais gente. E como mostra Levi para quem defende a doutrina do extermínio tudo é rigorosamente certo. É a inversão de Aristóteles, ou a apropriação de que sendo Política a ação do bem comum, sendo o Eu ideal diferente de outros Eus, vale de tudo para acabar com o outro, já que se pensa apenas em defender seus iguais, não imaginando a possibilidade de alargar os Eus. Jorge Mautner lembra de algum ecologista radical que achando o homem o mais nocivo dos seres, propõe a aniquilação da espécie de Gaia.

Ésquilo

Dante Alighieri

W. Shakespeare

Voltando, Levi me parece mais verossímil quando alcança as palavras que se aproximam do que ele realmente viveu, do que não há palavras para expressar. Quando narra num processo mais mecânico o livro perde força e, seu estilo é


79 transformado; é de thriller, uma linguagem quase de aventura, perdendo sua força poética e de denúncia. Denunciar, num grande livro, não é dizer o que aconteceu, está no como diz o que aconteceu. Se pegarmos frases ditas em catástrofes ou em situações limite, ditas no estupor, saídas nos jornais, o caráter de verdade instaurada está nas palavras, é possível ver o que aconteceu,

o grito do

horror. Pois uma descrição curta do inferno da prisão já havia sido feito por Fyodor Dostoievsky, em A casa dos mortos e não muito bem sucedida.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Eurípides

Choderlos de Laclos

F. Nietzsche

O inferno insuportável de Crime e Castigo é onde Dostoievsky chega ao horror. Ao indizível. Para mim, até hoje, insuportável de ler até o fim. A beleza trágica do Inferno de Dante e de Nietzsche, os ciúmes em Otelo, o insuperável choque de Medéia, Édipo e Prometeu Acorrentado, a perfídia em Relações Perigosas, de Choderlos de Laclos, Absalão, Absalão de Faulkner e o Estrangeiro, de Camus, são bons livros didáticos para entender a megalomania e a inveja.

Fyodor Dostoevsky William Faulkne

Albert Camus


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

80

Paulo Celan


81 M a g i a d e

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

S i g i l o s

Sigilização é uma das técnicas mais simples e das eficazes formas de obter resultados mágicos usada por mágicos contemporâneos. Depois de ter conseguido sentir os princípios básicos da sigilização e ter experimentado alguns dos métodos mais populares de lançar sigilos, pode continuar a experimentar formas de sigilos que sejam únicas para si.

Fogo Isto é simplesmente a projecção do sigilo para o vazio ou multiverso no “pico” da Gnose/Vacuidade. Exemplos disso incluem o orgasmo, chegar a um estado de desmaio por hiper ventilação ou ser-lhe feita uma pergunta sobre a conversa aborrecida que supostamente estava a ouvir.

Por Phil Hine


82

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Chico Maestro

Mauro Durão e Chico apareceram para ver na televisão o jogo botafogo x flamengo. Sem som. Dava para ir trocando idéia. Minha alma botafoguense vibrou no primeiro gol. Futebol pode ser bom. No segundo tempo um pênalti errado e o tricolor, do lado, falou: – futebol está perdendo a linha. É tudo marcado para o flamengo ganhar. O flamengo parece um produto da Rede Globo. Por isso que tricolor tem bronca da Globo. Ouvimos Jazz, conversamos sobre a vida. Mostrei minha tese/livro para o Chico e ele falou para abrirmos o site da Magia

Sigilosa.

Me falou que eu estava escrevendo

sigiloso

e mostrou seus

sigilos para nós. O jogo terminou na trave do flamengo no ataque do botafogo no último segundo dos acréscimos. A torcida botafoguense desde o grande time de 66, ou antes, sei lá, é sigilosa.


83

F 25

Kiko eu, eu kiko, kiko Erison, Kiko Laurent – Estúdio do Kiko Os Impadinhas eram uma galera eu Ulisses Fernando Marcelo e Rogério. Nos conhecemos a gente tava sempre junto no Baixo Gávea. Era 88, o verde da praça alucinava, as meninas também. Todos, sexys. Aquele estúdio que alugávamos em

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

botafogo era em frente da rua parada pelas obras do metrô. Naquela época já sabíamos que éramos ótimos. Naquela época. Era o fim cobra. Início de nós. Naquele mesmo tempo começamos a conhecer pessoas que começaram a tratar a gente como artistas. Tinha um maluco que nos convidou pra falar nossas letras lá na Faculdade da Cidade. Porra! Foi meio sem graça mas além de agradar, o Antonio Houaiss ficou atônito. No dia, o Poética fez sua última apresentação. Isabela. De ruas. Das ruas. Minhas nossas ruas. Das noitadas e da CAL. No dia, a poética de cada um. Terça-poética com bambas e novos sambas. ssssssss. Evento de evento sem necessidade de evento. Isabela. Vasques. Ximenes. Lomes. Todas vermelhas. Ruivo alucinante. Palco da cidade. Dentro: eu quero falar. Mourão, Gerardo: cúmplice. Financiando com o Fundo Rio. A merreca fundamental em Plano

Collor.

Resistência

PDT.

Isabela:.

Corredor.

Precisos

preciso

preciso...falarfalar....longa letra. Chico Buarque em performance interminável. Gerardo: – Guilherme falou no meu ouvido com sua voz de poeta ligado ao Olímpo, o que é isso, Isabela cantava cada vez mais como se estivesse possuída. O poeta insistiu depois de mais três minutos: Guilherme, acho que é melhor chamar o segurança – falou com delicadeza. Isabela, então, revelou com seu sorriso de 16, 17 anos que era sua performance. Beijos para todos e alívio na mesa conferencista. Eu. Outros. 88. Exército. Sandinistas. Sexo juvenil...como ver o velório de Prestes sem sentir dor? Minha dor: não ser nenhum nem ninguém que esteja vivo em outro tempo. Amo. Por que tenho que amar... minha chegada no


84 rio, movimento estudantil, OJL, molotov, greve geral, sindicato ferroviários. O plano era atravessar 3 ônibus na Brasil e parar a porra da cidade. Depois que veio a poesia. Essas coisas que eram muitas, Baixo Gávea Miguel Couto Vera Fisher. Cep que era em qualquer canto, pai que mesmo morto e brigado com metade desta esquerda besta. Tava lançando livro do meu pai na ABI. Minha poesia começava lá. Tava no Impadinha, no gramado alucinante, quase cama, com Marcelo, Ulisses e Fernando e várias mulheres... com algumas delas rolou bacana, várias. Seres protetores. Era ótimo quando rolava na cama praça lá no Postinho. Todos dias até as 8 da manhã. Cerveja sem Guarda Municipal e outras leis da Sociedade de Controle. A noite encontrava-se com o sol: sete vezes por semana... Isabella, Lollo, Claudinha, Leca, Carlucho, Maurição, Carlinhos Punk... comecei a me interessar por outras formas de arte, e ver que tinha muita gente do caralho fazendo coisas muito além do nosso mundo. Comecei a ver que tinha muito mais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

que o Rock... e isso nem fez me embolar com a rapaziada que caminhava para outro mundo. O Baixo foi crescendo de maneira absurda. Já estava antes no território, mas vi o dia que, após um CEP, final de novembro ou começo de dezembro e férias. Os bares foram ampliando por lá e nunca ofereceram uma cerveja. Nunca promoveram um evento da galera. Dinheiro e dinheiro. Se tivesse gorjeta, é claro. O chopp era caro e bebíamos sentados no meio fio e no jardim Santos Dumont. Lacerda, sim, até hoje um Gentleman maior. Em 93, virar noite fazendo miguelito não bastava. Tinha que ir me arrastar no baixo, Marcelo Pelicione e todos esses que tiveram que sartar fora pra não virar manada de partido, era noite, era todo santo dia, e o rio ainda era rio. Anarquia. Ralph, namorado de Gabi Duviver. Ralph, Anarco Punk, todo. Poeta de vida. Suicida de classe. Movimento vivo. Nudez no Acre. Dai-me misticismo e luta pela terra. Fazendo performance com banana. Eu ele, esmagando com uma borduna a matéria sólida de ferro. O esmagamento como nascimento. Manifesto do Planeta dos Macacos. Fim da CAL. Revolta saí com mais dez. Um coletivo de teatro contra o estabelecido. Teatro = vida. Nada de fazer cópias. Grupo Revolucionário Menino de Deus. No Arpoador alucinação 1991 de todos. Ninguém tinha visto tanta tocha, tanta gente, tanto espaço cênico. Grutas. Gatos cagando e correndo. O público como numa Procissão seguindo os Meninos Revolucionários. O evento promovido pela Prefeitura incomodando os vizinhos do Arpoador, teve o som


85 cortado na hora do silencio determinado pelas Autoridades. Cláudio Monjope Antunes. Gênio inventor da música eletrônica carioca. Inventor de novos sons. Música total. Comendo Rimbaud. Carlo Sansolo, Claúdia Pipoca , Ericson Pires. GRMJ. Desejo de invenção. O Evangelho segundo Glauber. Arpoador. Música. Teatro. Rua. Muitas Ruas. Naquele dia de cão ouvi com a rapaziada um tiro. Descemos. Era Maurício estirado no meio da praça, perseguido e morto por um segurança do poder do fraco. Mataram Maurício, tão jovem. Bar Sangres. O que se podia fazer era não mais botar os pés no bar dos acobertadores dos matadores. Na grama da praça, apesar das porradas, era muito mais digno. Jane: em final de 97 me casei. Tive Lucas. Faz 18 anos que toco baixo e mantenho meu estúdio. Agora Estúdio Túnel. Tenho saudade do Estúdio do Nanico e a sociedade louca com PA do Zarvoleta. Várias gravações de poesia para o CEP. Estão num mundo. Mais de uma dezena de falas precisas. Apareçam no Estúdio Túnel e no Penetrável

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

CEPensamento. Estarei lá.

FERNANDO SANTORO: Nós temos o Pedro Amaral, Tiago, Pedro Santos várias pessoas que seguiram essa trajetória de representação do pensamento nas fronteiras da filosofia com a poesia e com a literatura em geral. E é dessa fronteira que eu queria trazer pra vocês uma experimentação de uma idéia, que não é nova, mas é interessante, que é de uma ficção filosófica. Assim como existe uma ficção científica existe essa ficção filosófica. Ainda que a ciência seja o domínio da verdade e que a filosofia ainda pretenda ser um domínio de reflexão da verdade nós podemos fazer ficção da ciência e ficção da filosofia. Eu gostaria de apresentar fragmentos dessa ficção, que tem uma história, mas a partir de agora vocês comecem a decidir o que é verdade e o que é mentira.53 53

Fernando Santoro, poeta e professor, em depoimento no lançamento da revista CEPensamento, no Espaço Cultural Sérgio Porto, outubro de 2005.


86

Anos 60 – Enquanto os EUA aumentavam seu poder, a Europa e o Japão se recuperavam da guerra. Imagine um Japão com uma Tóquio quase sem luz

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

elétrica no final dos anos 50 e o que era o Japão em 1970. 20 anos ganhos. e pensar no Brasil entre 1982 e 2002. 20 anos perdidos. A Alemanha arrasada e faminta em 1945 e a Alemanha em 1965. Imaginar o Brasil daqui a 20 anos. Espero que, cada vez mais, seja tempo de crescimento e de maior igualdade de oportunidades dentro da democracia. É para você Et-leitor. Os marcos culturais Beatles na Inglaterra, Sartre aderindo ao maoísmo em 68 e a geração de 68, os pós-estruturalistas na França e Marcuse na Alemanha representando uma problemática contrária à ditadura do proletariado. Marcuse e Foucault demonstram seu saber nos EUA. E Che nas florestas bolivianas. Nos EUA, o movimento da contracultura, com Andy Warhol, Fluxus, Movimento Hippie, Woodstok, inicialmente incentivados pelo Estado: inclusive com difusão de drogas nos guetos do país racista. Isto não podia passar em branco no Brasil.


87

DEU NO JORNAL54

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Estados Unidos da América

EUA Os dados são piores, pois na faixa de 18 a 24 anos de população masculina negra, este índice aumenta. Imagine, imagine que faz muitos anos que esses índices vêm aumentando. Quantos negros americanos vivos já passaram pelas prisões?

54

Jornal O Globo, Pág. 36, O Mundo – Sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008.


88

“EUA podem destruir satélite espião a partir de hoje”.55 Governo promete indenização caso haja erro; analista diz que China usará operação

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

justificativa para militarizar o espaço.

Escrever uma nova poesia é como abrir o peito Hoje nadei 2.000 metros

55

Folha de S. Paulo, A26 – domingo, 17 de fevereiro de 2008.


89 Nesta terra cá, na cultura, o símbolo do início da década é o CPC, pretensamente um indutor de uma ação política engajada para ajudar na transformação social, sectário, como mostra Arnaldo Jabor56, mas que carrega um símbolo da vanguarda concretista, Ferreira Gullar, para posições poéticas + pedagógicas com sua fase de poesia de cordel e longe da sua atual fase conservadora na política e na estética. O CPC contava com verba federal. A massa estudantil era de 1% da população brasileira. Passados quase 50 anos e não chegamos aos 10% nem com os programas do atual Governo Federal possibilitando que as universidades particulares troquem vagas por impostos e com o aumento do financiamento para estudantes. As Universidades Federais nas áreas humanas possuem bibliotecas de dar dó. Voltando, aos 60, a participação da juventude engajada se revela através, e sem permissão, de João Cabral e sua Morte e Vida Severina, levada por estudantes da PUC, com música de Chico Buarque, no teatro da PUC paulistana em 1966. Com o Golpe, o CPC – agora sem a ajuda estatal, com a crescente perseguição aos líderes estudantis e operários, após o episódio dramático da queima do prédio da UNE – se reorganiza PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

e, entre outros, o dramaturgo Boal lança em dezembro de 64 o Opinião, agora já fazendo um lírico espetáculo de resistência. Heloísa Buarque de Hollanda (Hollanda, 2004) mostra com presteza que o título ainda afirmava que era necessário ter uma opinião e que a arte deveria ser condutora de soluções. A mistura de cantores e compositores de origem popular, Zé Kéti, negro, João do Vale, miscigenado, do Nordeste, e Nara

Leão advinda da Bossa Nova , Zona

Sul, agora representando a resistência democrática da classe média. Obteve grande sucesso e lançou, com a saída de Nara

Leão, Maria Bethânia no centro das atenções, e com ela

outro grupo de músicos e ideólogos representados pelos autodenominados Tropicalistas. Até 1968 a tensão política permitia as manifestações da classe média – já que as lideranças petebistas e comunistas estavam no exílio – que desaguaram nos Festivais da Canção. A Jovem Guarda caminhava paralela. No cinema, em 1964, é apresentado Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, Liberdade, Liberdade, de Flávio Rangel, no teatro, e, nas artes plásticas, Opinião 65, em que o figurativo, com influência italiana e norte-americana, aqui é levado a uma crítica mais contundente ao sistema: por exemplo, com o Carlos Vergara, Rubens Gerchman e Antônio Dias. Pouco depois, já trabalhando com o corpo, e considerado geração 70, a radicalização política em 3D de Antonio Manoel que participa das ações públicas, como a Apocalipopótese, com Lygia Pape e Rogério Duarte no Aterro do Flamengo, que Helio Oiticica comandava. Barrio estava nas paradas. 56

Jabor, Arnaldo. “As patrulhas ideológicas estão de volta”. O Globo, Rio de Janeiro, 08/05/2203.


90

CARTA AO PAI Pai, faz tão pouco tempo que voltei a entende-lo. E sem compreensão não pode haver amor. Você definido por Tio Antonio Carlos como “albino”, era na verdade um disléxico e não sabia. Agora, tão pouco tempo faz dois meses, lendo um jornal eu tive um rittornello. Você nem morava no Brasil e trocando sol sal, chol chal e sei lá mais que trocas, e sua mãe me levou ao psicólogo: senti pela conversa dos mais velhos que podia ser algo como propensão à esquizofrenia nos meus 6 anos só. Deu dislexia:

entretanto o QI alto, sabe, vai

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

compensar. Nunca compensei sem muito esforço, mais que eu podia. E agora voltar e agora viver sem culpa a dislexia.

A dislexia genética, meu sonhador. Sai difícil dizer

te amo

após tanto desentendimento. Mas, agora, hoje, ouvindo Miles Davis, fumando Parati, terminando a tese, com um casal de patos na varanda e seus flamboyants amados, amados, muito amados, como a casa que você construiu na fazenda de São Paulo, toda de tora encerada, escura, quase negra, cada tora, pai, era linda e os Flanboyants – como os véus da mamãe e da Tia Maria Amélia nos casamentos. Quanto tempo me atrapalho e agora entendo o ser disléxico. Liberdade para os pássaros. Mas como um homem que aos 18 anos comandava com pulso de gênio grego 3.000 trabalhadores abrindo a mata do noroeste paulista deixando aparecer o

Tietê e Urubupungá, como

poderiaabertamente supor-se albino, termo que você não ouviu, ou disléxico, denominação adequada às crianças?


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

91


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

92

Mas agora não era 1964, era 1965 e Nicolauzinho voltou. Com ele uma guinada radical na minha vida. “Vida louca, louca vida”.57

Era uma noite de sexta-feira na Chácara Pirajuçara – uma bela propriedade comprada caro, com lago e carpas, alameda de castanheiras, bosque úmido cheio de marias-sem-vergonha, vermelho batom de uso para o dia, piscina enorme, gramados, bichos de fazenda, cavalos de corrida e de pólo. Era lá que nós cinco, moradores do Rio de Janeiro, passávamos parte das férias, quando não na Avenida Paulista ou na fazenda do interior de São Paulo. Minha avó, afetuosa, dedicada, porém distante. Já tivera o sofrimento da perda do marido em 1949, a do filho, Cleon, em 1957, e a saída do primogênito em 59. Ela não tinha nada dos gregos, porém, tinha uma obsessão pelo filho mais velho. Nicolauzinho era o filho mais gostado. Eu não sabia, porém Haydée, com 65 anos, sofria do coração. Sentia falta do meu pai. Comigo, uma disparidade de renda em relação aos primos paulistas, 57

Título de canção composta por Cazuza.


93 mas já com o orgulho do saber e da política, porém, tudo confuso, e a sensação de injustiça e de decadência e de sufoco e de melancolia e de asma e de hérnia sobrepunham-se à alegria da estética. Os jardins, já não tão bem cuidados, eu garoto de tufo a tufo, depois o jardim podado pela nova Av. Paulista. A alargamento da Av. Atlântica não me mexeu tanto. O mar ficou mais longe. O barulho das ondas e o cheiro da maresia afastavam-se das minhas noites dormidas na casa da avó Maria do Carmo. O sentido da solidão era o que é agora comer biscoito, trabalhar muito e assistir 15 minutos de televisão para me fazer dormir. Será que eu desliguei o interruptor ontem ou envolvi meus olhos com a canga

SO

(L)

U

ÇÃO

Toda a família estava reunida naquela sexta-feira, e além da excitação, havia

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

apreensão. – Quem vai chegar hoje? Perguntou minha tia e madrinha, Helena, irmã do meu pai, para vários primos, e eu respondi: – Nicolau! E ela riu, cúmplice. Falei por falar, para causar alegria e para me mostrar. Característica que conservei até pouco tempo.

LUÍS ANDRADE: O ano de 1990 foi significativo para nós. Ele (re)inaugurou politicamente um espaço-tempo para as artes brasileiras. Sob os auspícios de uma Presidência da República nefasta, a extinção de importante órgão público dedicado ao fomento, arquivo e circulação da cultura – leia-se FUNARTE – deu início a um período quase-medieval para determinados campos da atividade criativa no Brasil. No gesto, as artes visuais foram atingidas, incluindo-se aí também o cinema – vitimado à época com o fim da Embrafilme. Nos anos que se seguiram após essa jogada de desmonte dos processos de discussão ético-estética, o país – em particular a cidade do Rio, sede do órgão extinto – teve de enfrentar um vazio minuciosamente calculado para neutralizar alguns de seus setores e personagens. Quem testemunhou, sabe. Inventariar os episódios. Nota: Semelhanças com os idos de dezembro de 1968 não seriam coincidência quando, por decreto, as condições de invenção, produção e circulação da atividade cultural no país se viram submetidas a duras políticas executivas, entrando num período invernoso de subsistência – onde o profissionalismo, tal como o concebemos, vira necessariamente exceção. (Andrade, 2003).


94 Meu tio Tito, o mais rico e charmoso dos irmãos naquele momento, vinha com seu carro esporte e todos olhavam – os que sabiam, um pouco apreensivos – e o carro veio se aproximando na curva que cerca o gramado. Eram dois vultos, e sem saber, já sabia que era Nicolau que chegava. Aí a confusão de abraços. Quando me dei de frente com ele achei-o estranhíssimo. Tinha sotaque em algumas palavras, era mais formal que o Paulo Francis e seu terno cinza escuro em 1964. Thereza terminando o namoro por Jorge Miranda Jordão, ela e Francis bebendo uísque no único bar na praia da Barra da Tijuca. Um imóvel pequeno, porém de bom estilo moderno, anos 50, Jorge roncando de calção largo na praia, meu irmão e o tempo passavam e a conversa demorava. Jorge, capotado, e eu não queria brincar com o Nick. Fora por causa das uvas verdes, que sabia caras, enormes uvas verdes, uvas italianas, em tempo de dificuldade de importação, que aceitei acompanhar minha mãe com os dois e meu irmão. Sei lá porque queria ir. Estava PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

culpado por ter matado a escola. No dia seguinte fui docemente repreendido pela professora. Era Rio de Janeiro pré-Golpe de 64, a poucos dias da tragédia, e era feliz nessa sensação, era infeliz nessa sem(s)ação. Mas não era o terno formal, elegante e desleixado do Paulo Francis, era meu pai, sério, com gestual Poderoso, com os cabelos brancos, impressionantemente brancos. Contive-me para não mostrar qualquer estranhamento. Tive que ressignificar o que estava esperando. O pai que me mandava presentes e cartões de todos os lugares do mundo, mas que não aparecia, apareceu e, no mesmo dia, minha avó teve de ceder-lhe o quarto e não o vi agradecer. Bateu no meu irmão Nick, pois ele fumava e usava cabelos cumpridos à la Beatles. Ele gritava e assustou os filhos. Para mim, apareceu o Poderoso. Para Roberto Atayde, mais tarde, a sua entidade Dona Margarida.

É preciso salientar que algumas Universidades – como a UFRJ, UERJ, Universidade Cândido Mendes, PUC, entre outras – mesmo que em alguns casos viciadas em modelos anacrônicos de ensino – o que inclui os cursos de arte – desempenharam papel relevante no período. Para começar, temos de admitir que algumas dessas instituições passaram a abrigar em seus corpos docentes personagens da crítica de arte brasileira, artistas e pesquisadores, representando nesse sentido uma forma de resistência ao desmantelamento generalizado do meio ou circuito, conforme pudemos observar. A presença expressiva de membros


95 atuantes nos muitos campos da arte brasileira dentro dos setores de educação superior é, talvez, um dado novo entre nós. (Andrade, 2003).

1965 – foi um ano confuso F 26

E a confusão apareceu. Nicolau explicou que não pôde trazer muitos presentes, pois não caberiam nas malas. Não sabíamos que algum temor ainda havia da pequena possibilidade de ser detido. Convidou-nos para ir à principal rua para compras, na rua Augusta, para a melhor loja de brinquedos de São Paulo, que já não era grande coisa em relação aos presentes que recebíamos dele vindos por estranhos caminhos de amigos que nem sabíamos quem eram. E vinha um trem elétrico que de tão grande nunca foi montado, bonecos com luzes e movimentos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

hiper-tecnológicos. Maravilhosos bonecos de guerra feitos de chumbo com que Nick não me deixava brincar, mas que eram magníficos com todos os detalhes. E os lápis carrandache da Claudia, que de forma mais bondosa deixava-me estragar um ou outro. E chocolates das Arábias. E Thereza, que mal me dava um ursinho de pelúcia ou bola de futebol. Não era falta de dinheiro. Era de mãe sem tempo mesmo. Nicolau falou impositivo: – Comprem o que quiserem –. As prateleiras longas e de cor escura, o vazio da loja pela manhã, os jogos inúteis, autoramas sem graça, bolas coloridas, radinho de pilha de plástico, revólveres fajutos e só um forte apache muito do mais ou menos. Realmente, esperava comprar brinquedos e lápis-de-cor muito melhores. Não sabia que a indústria nacional era tão inferior às internacionais dos países mais ricos e as lojas de importados não eram coisas para criança. Importados fundamentais eram o cigarro, o uísque, perfume e, para os mais ricos, carros, vestidos para mulheres e pano de terno e camisa para os homens. F 27

F 28

F 29


96

Nicolau era realmente estranhíssimo. Gostava dos militares no poder, adorava o Brasil. Acreditava na indústria nacional, amava passear com os filhos pelo país mostrando fábricas de minério ou cimento, a Amazônia, e plantações de todos os tipos: até de pimenta. Recebera da mãe uma enorme fazenda no Mato Grosso, agora do Sul. Falava mal do irmão que o espoliara: Ficamos com a terra, porém sem as vacas. Ele ameaçava matar e capar, enchia-nos de comida – breakfast com obrigação de um bife grosso de filet mignon, dois ovos de galinhas caipiras, salsicha e suco, para, então, só depois, os filhos poderem comer o adorado pão com manteiga na chapa feito por Seu Clarito. O leite vinha direto das vacas e era gorduroso fazendo-me ter saudades do CCPL de saco, um pouco aguado e bem mais bebível que tomávamos em casa. Leite puro de vaca só com Ovomaltine. Aí é para matar de bom! - principalmente na fábrica, na época simpática e moderna, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

na beira da Rio–São Paulo.

Longos passeios, eu, que viajava ao lado de Nicolau que pilotava, depois de 10 horas de andanças ameaçava dormir e ele gritava: – Machegas, filho meu!, e Zarvoleta aos 8 anos começava a desconfiar se estava realmente em ponto de

machegas. Sabia que ele nos amava, mas era estranho. O dia em que seu poder me transvalorou foi quando meu irmão jogava futebol com amigos que incluíam vizinhos pobres da chácara. Um primo mais velho, não era primo irmão, porém morava lá e era mandão, um pouco louco, se insurgiu montando um cavalo de pólo ameaçando taquear para acabar com o jogo de futebol. Meu pai também se insurgiu como um

Deus Louco

e gritou paralisando bola, cavalo, pés e


97 olhos: – Pára e sai daqui, meu filho está jogando! É tudo meu, é tudo meu! - A humilhação para o primo quixotesco foi evidente, e, enquanto

eu fraco

do

Nietzsche, fiquei mais forte com o grito do meu pai, quixotesco de casca dura, e antevi meu poder. Era tudo falso e eu já intuía.

Elefante

Neste dia tudo pode acontecer. Sentar na sacada da sede da fazenda e olhar o longe. O rosa e azul que tanto comove traz conforto na conversa pai e filho de 8 anos.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

- Gosto, gosto de elefantes! Se eu pudesse eu teria uma fazenda de elefantes! - Como não, vou lhe comprar uma fazenda para criar elefantes. Ele falava transmitindo entusiasmo. O sonho era seu vento interno. Não me agüentava de felicidade. Iria ter uma fazenda de elefantes. A namorada de meu tio olhou-me como fosse o maior dos idiotas. Senti-me no reflexo dos seus olhos um estúpido. O enganável. Nunca mais falei de fazenda de elefantes com meu pai. Às vezes ele preferia contar quanto custava um excelente hipopótamo. Não queria um monte de hipopótamos na fazenda. Tanto faz. O mal já havia acontecido.

Fui ver por estes dias de 2006 o filme Buenos Aires 100km de Pablo José Meza (Argentina, 2004), lá mesmo em Buenas, que trata de jovens com seus grandes e pequenos momentos indefinidos entre 9 e 15 anos. O que mais me chamou a atenção no filme foi que a narrativa era anti-épica, o que domina os filmes que pretendem chamar a atenção no cinema chamado de realista norte-americano. Ou porcarias como Tropa de elite, Central do Brasil, a nova fase de exploração dos pobres de Lúcia Murat ou a do grande cineasta Moacir Góes – Paquito da Xuxa. Sartre já falava que quando alguém é um escritor notável, como ele, ao rever sua vida, buscará os tempos e fatos que interessam para a formação da narrativa


98 (Sartre, 1984). Como os primeiros textos do jovem, futuro-global, geniosinho. Mais rápido foi o pai de Picasso que, dizem, desistiu de ser pintor profissional e ao ver Pablo com 9 anos sendo

Mestre, tratou de investir em Pablito. O

mesmo se dá na minha fábula, meu mostrengo mapa que enredo com breques e outros treques. Os fatos fundamentais não são os do dia-a-dia-a-dia. Entretanto os fatos do dia e da noite são imprescindíveis para uma análise que envolva o corpo.

Viva William Reich

E para uma análise

freudiana. Os garotos do filme têm a falta de potência que sentia e não aceitava. Sempre desejei fatos fortes e sonhos. O que hoje aspiraria como tranqüilidade, na época, era castração e impotência. Numa mesma família, fatos semelhantes terão PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

visões diferentes.

Transparência

Em um mês fui preso embriagado e recebi um soco, o coice, que me quebrou uma costela Briguei com amigos, construí uma pequena casa e plantei árvores frutíferas. Ajudei a lançar O filme do CEP 20.000 e li muito. A qualificação se aproximava. Este quarteto repleto de Sangue tem todas as cores matizes para transparecer. Branco sobre o Branco.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

99

F 30

F 30

F 31

F 32


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

100

A


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

101

F 33

F 36

F 39 F 34

F 37

F 40

F 35

F 38

F 41


4 Berlim (Comédia da Procura Perdida)

IV. Os livros e as prostitutas gostam de voltar as costas quando se expões.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Walter Benjamin

F 42

F 43

F 44


103

F 45

Berlim 17 de maio de 2007

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Voltar a Berlim. Desta vez de avião: vendo que a cidade, transformada após a queda do Muro, a racionalização da cidade, a imposição vencedora, que não se propõe esmagadora. Não há obsessão por arranhas-céus, tal o World Trade Center ou um gigante de Hong Kong ou Cingapura. Berlim continua plana e verde. Somente a herança dos prédios altos e pobres, tais os de Copacabana de fase não muito boa. A herança da arquitetura Moderna do comunismo é muito feia. O táxi segue e a sensação da queda do Muro não aparece. A localização do apartamento do Anestis Azas, que trabalha com teatro, fica na Wiener Straße 20, praticamente ao lado do Maddonna, o bar de que tanto falei no Beijo na poeira, não podia ser mais perfeito para um remember. Na frente, a piscina pública. Maddonna escuro e vazio. Mais decadente. Não há grandes mudanças em Kreuzberg. O apartamento de Azas é grande, sólido, solidário. Ele foi para Grécia, visitar seus pais e o aluguei: o Timo me ajudou no contrato com seu amigo. 300 euros um mês. Claro, é Kreuzberg e seus antigos problemas: tem de alcançar seis lances de escada para dar de cara com a porta. Tudo de madeira antiga para durar. Os degraus são grandes e meu corpo, fora de forma, levando minhas tralhas, parece que poderia ser derrotado pela escada, se não visse em cada andar surpresas de berlinenses alternativos. Quando não estou mais agüentando, sem ter a certeza de que meu lugar é o do andar de cima, paro e olho para um par de sapatos usados de enfeite na porta de um apartamento. Propriamente mágico. Dou uma respirada. Tenho a certeza de que é a última parada. A que me fará chegar e abrir a porta maciça. Quem são os pais tão doces que colocaram na porta de casa tal par de talismã de lã?

F 46


104

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

A melancolia da Alemanha educada está presente. Os bárbaros não fazem parte deste universo. É aqui que ficarei lendo e escrevendo numa Berlim pós-punk. Mas mal entro e olho a cama confortável no chão, a cozinha com uma TV que não funciona, o telefone que não sei como ligar, uma máquina banho, que menos ainda sei usar, colocada na cozinha ampla que também é sala de estar, de almoçar, de olhar a janela de ver. Vista ou TV. A vista funciona. Lindo inesquecível verde musgo de Berlim. O verde mais escuro do que o do Brasil e da Mata Atlântica se aproxima da força amazônica mas tem o tempo do norte da Europa. Com a particularidade de ser bem diferente do verde inglês. Oh lets gone talk about garden. Começo a me perguntar quem me ajudará a ver a nova cidade. De que me serve esta vinda a Berlim? Algo me diz, neste segundo, que o redondo do mundo são voltas que trazem e levam idéias e culturas de países para encontros ou para rodopios. Sem destino e/ou com destino certo. Bem pós-pós, arrepiante dança de anos recentes. Se for para ter uma rota pessoal, bom é caminhar sem rumo como propõe Walter Benjamin.

F 47

F 49 F 48

Fui dar uma volta no quarteirão, entrei em um cyber café de propriedade de turcos enriquecidos. Trouxe uma surpresa agradável. Lá, uma supersaudável alemã de rosas no rosto me oferece, porque pergunto se é bom, um pequeno pacote de biscoitos naturais. Nada estranho, só lembranças de antes da queda do Muro. Ela sorri, escrevo um e-mail para meu amigo poeta Timo Berger dizendo que achei a chave e que estou bem e que amanhã nos vemos e, quando estou entrando no pátio interno do prédio um antigo freak recuperado, com uma cara de ex-freak já não drogado me pergunta como já perguntei para poetas: Você toca baixo?, estou formando uma banda e necessito de um baixista. Acho graça e começo a entender a relação entre Kreuzberg e o CEP. Sorrio dizendo que se fosse músico seria meu instrumento e vou me preparando para subir a escada e descansar vendo os sapatinhos talismãs.

18 de maio Ser subdesenvolvido não é condição e isto Darcy mostrava. Ser subdesenvolvido e sem potência é decisão. Uma tribo indígena isolada é desenvolvida, apesar do pequeno aparato tecnológico. O deslumbre mais conservadorismo político, que é não olhar de normal/igual, mas olhar para admirar o tempo todo, sem o lirismo do borderline, pelo segundo olhar ou pelo terceiro, via televisão e outras mídias e maximizar a lisonja admirado, fazendo a troca e a liga fake, é o subdesenvolvimento. Kreuzberg não mudou. E nem por isto me parece mal. Tinha


105 medo de um pior. Confirmou o porquê do meu retorno ao Brasil em 89, mesmo para além da campanha do Brizola. Era desejo Brasil gerador de uma vida mais colorida, diferente das cores de cá, too much dark, mine fraund. Porém essas essências de diferentes coloridos, os anos me fizeram esquecer e agora retornam. Aprendi olhando. Esqueci. Confirmo. Uma das importantes fontes geradoras do CEP 20.000 foi Kreuzberg antes da queda do Muro de Berlim em 1989. Meus oito meses zonzado serviram para Algos – irmão de Hepifania. Andar por Wiener Straße ou outra rua mais charme e simpatia. Hoje continuei recebendo olhares de alemães alegres. Não esqueci a moça de ontem. Sabem que estou olhando para um mundo que não é o meu, mas que não sou nem um típico turista, nem morador estrangeiro. E se fosse estrangeiro? Olho com simpatia as pequenas lojas de rua de Kreuzberg. Alegria gera alegria.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

FALANDO NISTO... Os turcos – aqui se fala com benevolência de gerações de alemães, turcos, nascidos na Alemanha, com direitos políticos desiguais, como nos países em que a cidadania vem por ligação sangüínea. Algo incompreensível se passando num país de base multirracial/multicultural democrático. Os turcos estão mais prósperos e, mesmo não desejando um intercâmbio cultural mais afetivo, estão mais fortes e portanto assimilados e assimiladores. Nos restaurantes baratos, um suco enorme de laranja com cenoura, carne do tipo turco, um assadão sendo fatiado na hora, em camadas finas, com batata frita molhada, e muita salada e húmus dá para matar laricas afobadas e serve ao bom gourmet too-to. Tudo por 5 euros, uns 12 reais. É bom demais!

Os 300 euros do apartamento, o euro a 2,70 reais inclui água, luz e taxas. Se soubesse ligar o telefone, também não pagaria. Tudo na de brother alternativo. Já penso em achar alguém para esquentar o cafofo. O tempo está agradável, maio gostoso, azul, mas um frio que serve para usar duas camisas e um cachecol para sair nas noites que começam depois das dez. Aí que escurece e a lua e Vênus mandam piscadelas. Mas se você fosse morar aqui com aluguel por ano, tu descolava um quarto por 100 euros. Cerveja no bar de rua 2,5 euros. Aí que moram os gastos. Bom para os que não bebem cerveja. Coca-cola light grande no supermercado 0,79 euros e o mais absurdo para os irresponsáveis do Brasil: veja, seu gerente do Metrô: um bilhete válido para toda a semana, quanto quiser, fim de semana vinte e quatro horas, sai a 25 euros. O Brasil, muito mais pobre, a cada bilhete de uma ida, quase um euro. Se for por mês, em Berlim, é ainda mais barato. Na Argentina, custa três vezes menos que no Brasil. No Rio de Janeiro, o metrô é eficiente, curto e caro. Seus otários. Os que deixam rolar monopólio e quem nos usam sem protestar. Caro mesmo só a piscina aquecida aqui na frente do prédio: 4 euros por hora e mais um para guardar os pertences. claro nadar é bom e eu gosto mas acabo pagando todo dia pra tomar banho quente pois a máquina chuveiro na cozinha do Azis, além de não saber como funciona, é tão apertado como uma transada num fusquinha nos anos 70. O que era apertado?


106 Procure no dicionário, o pau dos mulos, ôpa desculpem-me!, o pai dos burros. Brasil; a multidão que não se manifesta politicamente em coletivo. Prefere votar no BBB e comprar jornal quando uma desgraça de morte infantil comove os corações culpados. Em que situação você mataria seu filho? Aqui, olhando como melhorou a cidade, sem excessos, como alardeavam no Brasil, entendo que fazer política é mais importante que ter ficado na Alemanha para ter, naquela época, um namorado gay.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

O SOL DE MAIO ESTÁ LINDO E CAMINHO PELA PRIMEIRA VEZ A TRAVESSIA A PÉ PELO RIO QUE SEPARAVA NESTA PARTE AS DUAS ALEMANHAS

ALE MANHA HÁ Chorei ao cruzar a ponte de Oberbaumbrücke. A ponte antiga de gosto duvidoso, impressionante, entretanto, marrom com tijolos aparentes e cheia de curvas que remetem ao gótico alemão tardio, é horrorosa, mas é, agora, minha Ponte da

Liberdade. Poder andar de Kruzerberg para Friedrichshain olhando tudo que é belo. Pontos cools da cidade e sentir felicidade no peito, pois o Muro de Berlim era uma aberração. Eu sou mais feliz neste momento e choro choro choro como num filme ou às vezes como com um livro, com uma notícia, com um jardim, pois tantos perderam tantas vidas e foi necessário um Muro e tantos continuam a morrer e outros Muros são erguidos e nada disto, em teoria, é necessário. A liberdade é azul e verde. Escrevo para compartilhar raciocínio.

F 50


107

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

19 de Maio

F 51

O apartamento da Cristina (Canale) é bem perto do meu. Estou na Wiener Straße e ela na Oranien Straße. É só seguir reto. Dei uma passada para saber do qual é das plásticas na cidade e para vê-la. Sua filha é uma graça, fala bem português e a possibilidade de conversar com uma brasileira com código de pensamento comum me ajuda a entender como está Berlim. Fico olhando para o gato da filha, que depois descubro que é um gato de brinquedo. Os gatos de brinquedo, de uma nova pelúcia, são impressionantes. Durante um tempo parecem verdadeiros. A Julia Ckseko fez com um amigo uma performance no MAC Niterói, em que o ator, seu amigo, falava de um bicho híbrido que me parecia um gato vivo. O performer não chamava o gato de gato chamava-o de bicho híbrido e um pequeno de 9 anos parecia acreditar nas suas explicações muito sérias sobre tal fenômeno da natureza. Na verdade, um gato como o da filha da Cristina Canale. Ao mesmo tempo Dora, filha única, está na idade de querer um bicho vivo, mas quem é que vai tomar conta do bicho e não tem bicho e ela brinca com seu bicho de vida virtual. De maquininha de brinquedo que recebe ordens: – Toma banho, vá se vestir, hora de dormir, etc... e a máquina faz barulhinhos de vozes diferentes de gatos. O que me aflige. Continuo preferindo os bichos. Os que não dão trabalho, como o Pato e a Pata. São melhores que cágados e tartarugas. Também sinto falta das falas literárias, as fábulas ou histórias de bichos contadas pelas mamães. Belas mamães de noite, garantem belas manhãs. Cristina, que está em ótima fase com sua pintura, um figurativo inteligente e suave, teve a sabedoria de pôr sua filha numa escola bilíngüe. Ali, ela convive com gente de três continentes ou quatro, falando português. As culturas se aproximam pela língua e não mais pela dominação colonial ou a dominação subserviente à moda antiga: costumes das elites. Cristina também é direta: – não vou lhe dar o cachorro. Quem vai cuidar do cachorro quando a gente viajar para o Brasil? Sugeri que a Cristina dividisse um cachorro de uma amiga no Rio e seria o cachorro da pequena Dora e ela mandaria fotos e cartas para o cachorro e a amiga da Cristina, poderia ser a mãe, responderia com fotos e pequenos au aus em português. Assim Dora teria um cachorro longe, mas teria o cachorro. Ou não teria? Penso que esta proposta de metodologia envolve uma virtualidade sem pequenos computadores. Gosto dos bichos aflitivos realistas de brinquedo. A virtualidade libertadora é a do desejo e do pensamento criativo. Quem me dá um gato? Um gato híbrido viado?, pergunta um assanhado. Virtual na mão?, insiste Felipe, por exemplo, não é um gato viado, é muito mais um gato cachorro. A questão do(a)s bichos virtuais me encuca.

F 52


108

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

20 de maio

Foi ontem, mas conto hoje. Passeava pela enésima vez pela Wiener Straße, pensando como é legal estar num apartamento de um berlinense que tem o pôster do grupo Oficina, na apresentação de Berlim d’os Sertões. Euclides no céu e Zé na Terra, como é preciso ser preciso, para adaptações como esta ou como o próprio Zé com Rei da Vela, Hamlet e Boca de Ouro. José Celso Martinez Corrêa é capaz de adaptar os maiores textos em tão boas escritas de teatro. No momento, junto com Oscar Niemayer, Paulo Coelho, os MPBs, artistas plásticos e Lula, é o grande representante da cultura nacional. Ando afastado do teatro, mas José Celso traz nos Sertões até mesmo o que de melhor temos nas artes plásticas condensado em humanos e panos. Principalmente na segunda parte de O Homem. Ia pensando e passei por um cilindro enorme de três metros de altura e um de diâmetro, colocados pela cidade, em que se divulgam cartazes dos acontecimentos. Em 1989 era nos grandes latões de lixo, que dava pra se ver o que estava acontecendo. Informações no lixo é a boa. No Rio de Janeiro as lixeiras de plástico laranja das ruas, um pouco maiores com espaço livre de divulgação. Vou encher cada poste da área com cartazes xerocados do CEP. CEP no lixo é a boa. Xerox de capas de livro no lixo é a boa. A briga vai esquentar com a Mãe Diná que promete a pessoa amada em três dias. Que sejam ambos. O costume do anunciar livre nos deixa livres. O Rio, tão tacanho e privatista, nas políticas públicas, poderia ceder esses espaços com a bela originalidade do lixo. Incluo aí todos os novos escritores, faladores, tocadores, dançantes, oradores etc...Vinha pensando, quando um jovem belo muito belo me perguntou: – vc sabe onde se compra maconha por aqui? – Fiquei espantado, achei que era racismo, o branquela perguntar para mim, moreno, provavelmente vestido de forma extravagante, e falei: pergunte no Madonna ou em outro bar para um cara da sua terra. Ele riu e eu ri, falei, vou te seguir, ele respondeu e vi que não era alemão: mais um francês na minha vida. Ó maleditos. E não demorou muito e apareceu um alemão, querendo da brenfa too to e aí entendi que estava na frente do parque que vende maconha, e o trio formado entrou parque a dentro. Lá constatei que a maioria dos vendedores são jovens turcos ou de origem da África Negra, e me aceitei em ambas as caras/cores. Já sabendo do racismo francês, e de certa questão de lógica, deixei pra lá a visão estereotipada do meu novo amigo anjo gaulês. Todo anjo é terrível. Ele não era direitista trabalhava em um estúdio de música com a alegria nômade dos jovens que podem morar e trabalhar em qualquer dos países da comunidade européia em Berlim ou Londres; mais alguns meses, ele irá para a Grécia e depois quem sabe, raves em Lisboa. Algo que podemos fazer na América Latina e depois na África e depois... Mas não gostei de François, me pareceu vulgar, o que ele negou veementemente, e comecei a chamá-lo de Felipe. Felipe é provinciano, foi apenas uma vez a Paris, tem 20 anos, bochechas vermelhas, uma leve tendência para os franceses de futuro rechonchudo. Simpático e levemente conservador. Defensor da comida do interior francês, Felipe tem dificuldade de leitura, pois foi criança hiper-ativa e talvez com déficit de atenção, a especialista lhe disse que quando perdesse a concentração, em qualquer lugar, tirasse as bolas coloridas de malabares e as jogasse até se concentrar. Ele anda para todos os lugares com elas, suas amigas coloridas. Ele fala muito, com corporeidade latina. O alemão, Thomas, apenas olha. Já fomos ao parque e, no apartamento, tiramos fotos e todas


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

109 as traqualadas normais: – vc se daria bem no Rio, no posto 9 em Ipanema, com estes malabares e sua hiper-atividade . Não falei beleza, mas ele notou. Os olhos brilharam como brilham os de todo francês belo, nesta idade, brilham: como um abajur turqueza ou os faróis Batmóvel turquesa. Os olhos de Thomas eram azuis tristes, como os de Marcos no Beijo na poeira. Trocamos e-mails e juras de amizade para sempre como em qualquer cidade do planeta. François ou Felipe, enquanto jogava suas bolinhas coloridas – eram quatro – não parava de conversar, agora um pouco mais devagar. De repente parou, pois eu não conseguia entender o que estava me dizendo sobre o seu aprendizado de matemática: ao invés de 2 + 2 = 4 ele desenhava duas casinhas mais duas casinhas, o que para ele era uma demonstração de sua incapacidade para matemática. Daí de tanto desenhar casinhas, passou para o cartoon, ele desenha razoavelmente bem, não com a paciência do André Brito – e depois para o caminho de técnico de som, bem prático, para poder morar onde bem quiser: Por que Berlim e não Paris? Porque é bem mais barato. Eu tinha entendido que ele conseguia fazer 44 casinhas vezes 44 casinhas rapidamente, sei lá de que maneira, e lá vinha um condomínio ou o antigo conjunto residencial. Loucuras do tio Zarvoleta. Culpa, too to, de Felipe falar jogando bolinhas e de seu péssimo inglês. Já imaginava ter descoberto mais um eugênio neste mundo cheio deles. Thomas disse que tinha de ir embora pois havia combinado com seu amigo do sul da Alemanha em sua casa e que se quiséssemos estávamos convidados. Já era perto das dez e o dia se despedia.

F 53

F 54

Não vou falar muito do Thomas. Quem quiser mais descrições de alemães que leia o Beijo na Poeira. Ele mora em Neukölln, onde também mora meu amigo poeta Timo Berger. É um bairro com muitos moradores turcos. Não é um bairro rico. Entrei no seu apartamento, logo escureceu e ele, rindo, ligou as luzes da sala e tudo ficou em luz negra e ele queria ainda que ficássemos com uns óculos de 3D, pretensamente para aumentar a psicodelia. Porém não era necessário: os quadros pintados por sua namorada, Zaíde, que atualmente viajava pelo México, um pouco naifs, porém bonitos, com quantidade de tinta de volume expressionista, naturalmente se realçavam com a luz negra. Os óculos 3D feitos de papel celofane machucavam meu nariz e atrapalhavam tudo. Os dois grandes posters de op art correspondiam com a luz negra muito bem também. Lembrei do Holli. Agora um Holli mais avançado na lógica das artes plásticas. Zaíde tinha seu atelier num quarto ao lado. Ele não fazia nada, de trabalho, se estivesse interessado em falar. Ele vive. Já não é uma boa? Seu amigo simpático, que estava lá quando chegamos, look punk do sul da Alemanha, na onda queer, ou ondas parecidas tem um jeito fantasia. Perguntei se tinham outros como ele na pequena cidade onde vive. Gehard apenas riu. Naquele ambiente psicodélico nos abraçamos como se


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

110 tivéssemos tomado ecstasy. François-Felipe me olhou com os olhos brilhantes, não de mínimo desejo, mas de sedução francesa. Achei graça de tudo, mas como meu sobrinho Daniel falou, sou ótimo nas duas ou três primeiras horas de bebida, depois péssimo. Daí, sabendo disto, e que nem iria rolar parada de amizade mais forte com o Felipe, pois o tinha convidado para conhecer um pub das antigas e ele falou que ficaria ali, saí soltando alegria, mesmo com desapontamento sobre o François, pois havia descoberto o que necessitava para a tese: Kreuzberg mudou, mas não virou um local de alto consumo. A mudança é lenta e positiva. Não havia mais o que fazer em Kreuzberg ou Neukölln. Eles ficaram soltando fumaça, por canudinho, como um jogo erótico, de boca para boca trocando porções de fumacinha de fim de adolescência. Felipe safado, entendia o erótico da parada. O alemão, que propôs, não sei. Parece-me que era mais para sádico. Algo largado sádico. O imobilizador. O ilusionista sem consciência. Havia tomado cerveja e vinho na casa de Thomas, saí ainda desejoso, na voracidade dos solitários, parei num pub típico de Berlim, numa esquina qualquer não muito distante. Lá dentro dois ex-contraculturais, agora entediados senhores de cabelos grisalhos e roupas pretas e uma senhora bêbada que foi puxando conversa, puxando conversa e só no outro dia percebi que havia trocado de casaco com alguém no bar. Deixado o que comprei no Brasil, de temperatura mediana, próprio para maio de Berlim e trazido um grosso, de inverno. Por achar que o casaco podia valer mais que o meu e que eu dera prejuízo para um dos ex-contraculturais aborrecidos, andei de bar em bar na região tentando achar o Pub dos alternativos entediados e da bela doida. No fim, liguei para Timo que mora lá e para o Thomas. Nada. Timo resolveu da melhor forma: – Este casaco não vale nada. Pode ter sido que o alemão tenha pedido para trocar o casaco e você achou legal. Coisa de amizade de doidões. – O senso de humor não tão característico de um alemão como o Timo, alemão aberto para a melancolia, me solucionou o drama ético. Achei razoável o presente que dei ou que recebi, numa provável troca inclusive de brindes. O que ganhei, se não serve aqui em maio, que fique para algum inverno. Possivelmente em Bariloche. Ou no verão da Patagônia. Uma resistente roupa para pingüins.

22 e maio. Hoje é sábado, passei por Schöneberg, bastante mudado e sem bom gosto; é território de bares gays sem graça. À noite de meia idade está ampla e sem graça. A da garotada, é sempre garotada, alegre, saudável, um pouco saudável demais. Algo sem graça para um dionisíaco. Pode ser bom. Healthy: - Quase uma Suécia , exagera o beberrão. Prefiro a Lapa. Por outro lado, hoje sábado, foi um dia lazarento. Não bebi e tive quer ficar ouvindo os porcos, porcos, porcos, uns porcos alemães parrudos, parecendo os red necks do sul dos EUA, em sua juventude abobalhada e cruel, só que menos agressivos e pragmáticos que seus pares norte-americanos. Tais germânicos mostram sua fragilidade de gigantes sem pensamento e brutamontes quebrando garrafas nas calçadas e batendo cabeças. Não agridem os em volta, apenas ocupam espaço e gritam agitados, com ecos do tenebroso passado da ascensão de Hitler. Dezenas de porcos, bichos soltos pela cidade e pelo metrô. Descobri: hoje foi final de qualquer jogo de futebol. Possivelmente um campeonato. Agora entendo gente com cara de ver futebol até


111 no Madonna. Até Kreuzberg fica menos fleumática em dia de final de futebol. A noite está sendo horrorosa. Vou dormir. Sou um rapaz de bem. 23 de maio

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F 55

Havia uma retrospectiva no Hamburger Bahnhof do Joseph Beuys, com a mistura de trabalhos magníficos e outros datados: por exemplo, pendurar um sobretudo que parece um uniforme de guerra, provavelmente nazista, numa parede, um antiparangolé que o artista chama de terno, um possível traje por ele usado na Segunda Guerra já não tem o impacto de referências cada vez mais longínquas da Segunda Guerra... De certa forma andando por essa Alemanha pós-queda do Muro, pacífica, faz com que a sensação de estarmos no país da agressão nazista pareça um pesadelo que se esquece ao abrir os olhos pela manhã. Daqui a quantos anos estes crimes da Alemanha serão vistos como mais um genocídio como vários outros imensissimamente cruéis? Divago... Isto não tira a grandeza do Beuys, mas me faz imaginar a temporalidade de uma obra de arte. Ter a consciência da liberdade total e do efêmero. De outra forma esta exposição solidifica o monumental. Recordo-me da Documenta de Kassel, em 87, logo após sua morte e a monumentalidade de suas instalações e um culto quase místico a Beuys, me deixaram levemente desgostoso. O vazio alemão do pós-guerra vai se apagando mas está presente. Nos EUA o assassinato de milhões no Vietnam ou no Iraque traz um bando de maluquinho a falar alto nas esquinas, purgações pessoais, mas não há o vazio do sentimento de culpa mais amplo no cidadão da América do Norte. A saúde pragmática das certezas da Nação e a quantidade de humanos frágeis, loucos falando pelas ruas, vidas despedaçadas sem necessidade na demência dos EUA. Em outra sala uma retrospectiva do Anselm Kiefer, misturando a fase dos anos 80, quadros que nunca me fizeram a mente, com estruturas cenográficas onde, por exemplo, se vê uma biblioteca de livros gigantes de metal, um penetrável, evocando o enredo de uma biblioteca que sobra de uma catástrofe, que perdura em decomposição metálica, durável. Entretanto estes penetrável não tem a gentileza de um trabalho do Hélio Oiticica. De qualquer forma, Kiefer mistura a inteligência plástica com a monumentalidade maravilhosa. Realmente nem sei se a curadoria tinha a idéia de uma mostra de arte em conversa com cenografia, tudo está escrito em alemão, que não compreendo, mas me detenho imaginando o fim de um espetáculo de teatro, o monólogo sem ator, o


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

112 trabalho de Stephan Von Heune, com seu Der Mam Von Jüterlos, que é uma máquina/corpo, da cintura para baixo, um sapateador, com uma bateria automática do lado e uma caixa de som com música e texto. Fiquei pensando num espetáculo itinerante sem ator, mesmo numa praça pública. Como atores que se transformam em estátuas, pintados, nas performances de rua, agora a obra se transformando em atores feitos de material numa mostra de rua. Com o instigante Huene, o belo trabalho de Mathilde Tiers Huene, “Ne Me Quitte Pas”: uma reprodução de uma mulher em tamanho natural, perfeita com o gato de Dora, que vista de primeira, no espaço sombreado parece uma performance com uma mulher estátua viva. Este trabalho do ano 2000 traz ao fundo a música de Edith Piaf e o trabalho de luz rege a ilusão de movimentos mínimos da mulher transbordando de melancolia quando se vê frente à tristeza invocada pela música e mesmo pela roupa retrô da boneca/atriz. Vou saindo da exposição e me lembrando de dois artistas que venho acompanhando faz tanto tempo e que estão com trabalhos correspondentes nesta mostra. O primeiro é o Aimberê Cesar: o seu zen-nudismo, que tem origem nos anos 80, onde corpo, nudez, improviso e relaxamento produzem um efeito mais forte do que o vídeo Brontosaurus, do Sam Taylor-Wood, que é apenas um homem com seus movimentos e sons que remete ao ideal de um homem das cavernas. Aimberê, pelo contrário, traz um saber do homem para além do racionalismo, mantendo a história da contracultura presente. É o homem racional que não se despe, já está despido, que não demonstra, que está e essencialmente está: aí sua força. Outro artista é o fotógrafo Odir Almeida, que mais esconde do que mostra seus trabalhos, constituído de fotos, para muitos abjetas, de corpos de mulheres em cirurgias plásticas. A cor puxada para o marrom ou roxo, os ângulos fotografados pelo artista transformam partes dos corpos e de suturas, em um trabalho não figurativo. São fortes e têm seus correspondentes aqui na exposição. No entanto aqui no Museum Für Gegenwart, o principal museu de arte contemporânea de Berlim, os trabalhos com o abjeto não tem sutileza. Querem chamar atenção apenas pela repugnância. Conto uma exposição sem contextualizá-la. Tá tudo no a(A)lemão, mermão. O museu que não existia em 89, está situado no lado em que era Berlim Oriental. Na área de áudio-visual, está sendo projetado o filme, “History of the main complaint”, 1996, Willian Kentridge. Um velho poderoso esta em coma moribundo engolido pela morte, e vai-se recuperando até que volta a ser o homem de todos os mandos. É, fechou, estou cansado, vou subir o escadão do Azas. Os sapatinhos me darão força. Andei hoje como se tivesse trinta anos.

F 56

F 57


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

113

25 de maio Acordo tranqüilo. Ontem, domingo fui ao X39, um lugar na Oranien Straße que na maioria dos dias tem shows de música pesada mas que no domingo abre para uma noite GLS insólita: Uns 50 pares, principalmente de homens, dançam, rodopiam sorridentes com os pescoços rígidos de olhos nos olhos para não perder os movimentos, dança de salão com música suave e muita luz, como num palco de um cabaré. A postura feliz e concentrada, procurando o bem dançar dos casais lembra a Alemanha de Weimar. Dá para ver que todos fazem aulas, e vêm praticar, como num ringue de patinação no gelo. Exuberantes são os rodopios. Muito suaves, elegantes, contrastando com os hábitos mais contidos, interiorizados, do alemão educado ou da selvageria tosca dos teutônicos das fanáticas torcidas de futebol. Dei uma nadada, o parque está vazio e vou para o café com telefone e computadores. Abro o e-mail e um susto! Vitor Paiva manda um “o que fazemos?”. O Sergio Porto pegou fogo! Quase engoli a manhã pelo estômago. Não sei o seu telefone. Minha preocupação é se morreu gente. Por um segundo me lembro do fogo na boate de shows argentina, com mais de uma centena de mortos, (até este acidente os loucos portenhos tinham o hábito de jogar morteiros durante os shows). Bem argentino. Neste dia aconteceu a tragédia quando um morteiro acertou um lugar inflamável do teto. Me lembro que o Sergio Porto tinha sempre a saída de emergência interrompida. Eu, como organizador


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

114 anti-social, dava gritos até que liberassem a saída de emergência. Algo como um criador de casos, sabe? Tenho pouquíssimos telefones do Rio comigo, o jornal da internet não diz nada e escrevo para Vitor, histérico pedindo detalhes, se aconteceu alguma coisa, que merda, e tenho que esperar o Vitor me confirmar o que houve, se não é uma maluquice dele, sei lá! Acho que vou ter um troço! Calma Zarvoleta, Zarvoleta calma, vou seguir o que tinha de fazer nesta manhã. Quando se está longe, toda notícia é amplificada. Você está cercado por gente que não te compreenderá se puxar assunto. Sigo meu table time, já que na segunda os museus estão fechados e ligo para a embaixada para deixar um livro na biblioteca e saber se eles aconselham sobre a possibilidade de tradução na Alemanha para a literatura brasileira. Conversar, colher dados para o doutorado. Não estou de férias ou de curiosidade de animação. Flano, porém, com algum método. O dia está do capeta, outro desencontro: telefonei para a embaixada, a Cristina Canale tinha me dito que havia uma adido cultural recém-empossado, mas que parecia ser na boa. Faço questão, agora ainda mais, em chegar nos lugares de importância cultural e saber o que significa cultura para as embaixadas. Questão para tese de doutorado. Depois que se admitiu que a embaixada deve ser além de uma representação do Estado e principalmente do Poder Executivo, um local para representação e impulsão comercial, inclusive de bens simbólicos, do país, procuro o adido cultural ou algum outro trabalhador para saber qual é, como está, o que se faz, o mínimo que uma representação deveria saber sobre os caminhos da cultura e do saber num país. Mas a miséria em relação à cultura é total e um senhor de Sá, deve ser parente do Araribóia, ou do seu coleguinha Estácio - fez questão de dizer-se carioca, deve ser por isto, titio Está(cio)(nada) de Sá falou que mal conhecia Berlim e me passou para, alguém, que desesperado por eu estar querendo saber alguma coisa numa segunda-feira e além disto querer passar lá na embaixada para deixar um livro na biblioteca que deveria estar aberta ao público. Escuta a voz de uma alemã que leva tudo a sério e me fale quase em loud voice que não tem mais biblioteca aberta ao público, que os livros estão num porão que o Instituto Cultural foi desativado. Pobre Brasil ainda dos de Sá e seus leves e adocicados perfumes e sua seborréia no couro cabeludo. Ainda séria, disse-me para eu procurar um professor, renomado na Universidade Livre, que traduziu escritores brasileiros, lembrando-me que ele era um homem muito ocupado, e fui ficando fulo da vida, no jogo do empurra-empurra de uma representação que tem adido cultural para os poderosos. Desavergonhado de Sá! E olhe que a política internacional está muito melhor com o Celso Amorim. Deveria era ter um órgão regulador no Itamaraty que visasse valorizar a cultura. E não colocar adidos que pelo telefone – fala Sinhô – não pareçam odiar pequenos mascateiros da cultura. Por exemplo um poeta ou o DJ Abaxaqui. Vou saber quando voltar. Os EUA agora estão representando menos de 20% de nosso comércio internacional and I hope logo chegue aos 10% ou 15%. Não é gorjeta de garçom não, é um número bom de troca-troca com os mui amigos do Norte. Viva o etanol e o biodiesel! Viva a África e Glauber Rocha!


115

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F 58

Mas não adianta esquentar muito a cabeça, tempo haverá tempo haverá. Saí e fui na direção da biblioteca do Ibero – Amerikanisches Institut, pois o Timo havia me falado para passar lá: uma surpresa, uma bela surpresa. Dentro da principal biblioteca de Berlim, o anexo grande, maior do que eu poderia supor, a biblioteca ibero americana. Lá dentro, fora a segurança, que segurança é chato em qualquer lugar, só pessoas educadas e encorajadoras e uma tecnologia de acesso a informações moderníssima. Falei que queria doar uns livros. Aqueles que eu queria doar para a biblioteca da embaixada do Brasil, que está no porão: além de alguns livros meus, Rod Britto, Paulo Fichtner e Márcio-André (os que eu tinha mais de um em casa): além de material do CEP20000. A moça que me atendeu agradeceu muito e falou: -mas vamos ver se tem algum livro seu - fiquei meio sem graça que por eu achava que não tinha, mas como o acesso era tão bonito, ela se ofereceu para me ajudar a acessar: fui eu. E a surpresa grande de ver dois títulos meus na telinha. Claro que fiquei muito contente, mas a raiva que sinto da estrutura do Itamaraty, se iguala em relação ao Brasil não ter ótimas bibliotecas como a Alemanha ou os EUA sobre culturas do mundo inteiro. Vou descansar lá no parque, porque o dia está muito azul, e um dos motivos que vim para Berlim, em maio, já tempo de sol quente, foi para ver como andava o Parque

F 59


116 Vitória e a areia grama para o belo exercício da nudez: desacompanhados ou em

família

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

grupos, . Fui para Görlitzer Park lá da Wiener Straße para ver como é que tava. Cheio como um final de praia no 9 em maio: quer dizer, não estava craudiado. Eram 5 da tarde de uma segunda feira e parecia que era hora do sol mais forte. O sol afligia a pele, os olhos e as retinas. Finalmente um dia de praia verde e de nudistas. Mas qual, ali pelo menos, não sei no Vitória, o leve exercício da nudez foi abolido. Mas tinha de tudo. Muita gente bebendo vinho ruge, gente de cabelo colorido, magros, o típico moderno, legal, um pouco neo-liberal que sobra neste mundo cheio de pardal eletrônico nas ruas e câmeras para vigiar nas avenidas. Essa turma era mais punk em 89, os alternativos e os jogadores, antes era peteca, agora é frisbe. Cachorros calmos, um bar tocando rock e a tarde indo embora e eu já querendo ir para Praga tomorrow. Eu te conheço, Berlim.

F 60


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

5

Irmãos ou textos escolhidos

F 61

F 61


118 1970 – Neste ano viro homem: 1970

Se em 1964 viro gente, ou melhor, não vou dar uma de Herodes, deixo de ser criança pequena, 1970, agora aos 13 anos, tudo muda. Nos dias de 1990 e 2000 já se virava gente aos doze e mulher aos onze. Virar gente é pensar que pode ter os direitos de foder ou de ficar bem sacaninha, de achar que sabe mais, de namorar sério, de experimentar os proibidos.

Ia batendo punheta desde 68: o Ano que não terminou58, quando minha mãe chegou ao quarto e disse feliz que Jorge Miranda Jordão havia sido solto, e, completamente sem graça, eu implorava aos deuses que fizessem meu pau baixar,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

pois queria correr para a sala e corri, ainda não tinha baixado tudo, o pijama era fino e enquanto ia rindo e falando com o Jorge, o medo era que notassem o pequeno bruto.

Para crianças, naquele momento, não se falava de tortura. Já sabia que havia tortura, e Jorge, se tivessem me dito, pareceria ainda mais herói. Eram necessários os heróis, naquele momento (mesmo que nem herói ele fosse), que desafiassem a ditadura. Falou que o problema era as ratazanas, enormes. Desconfiei que ele e ela trocaram um olhar cúmplice e, depois, tempos depois, soube que realmente havia sido torturado e que havia protegido Thereza dizendo que ela era esquerda festiva, socialite, o que para a repressão parecia ser a mesma coisa. Eu possuía “La Passionária” boêmia em casa. Eles cantaram a Internacional, ela gritou pela sua dama espanhola, o uísque rolou e fui dormir desconfiado, aliviado e feliz.

Nesse ano viro homem. Desconfiado.

58

Livro de Zuenir Ventura.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

119

HB A análise dos movimentos culturais, mais precisamente dos movimentos artísticos, do gosto das classes sociais com acesso à informação e ao poder político dominante, tem em Heloisa Buarque de Hollanda a mais criativa e sistemática pensadora e ativista no Rio de Janeiro nas décadas de 60 e 70. Seus livros Impressões de Viagem, a coletânea Patrulhas ideológicas, seu ensaio Anos 70 - Literatura e sua antologia 26 poetas hoje, formam um conjunto elegante e inteligente e apontam caminhos que um pensador, um acadêmico, pode seguir, em cima do momento histórico, para daí curvar outros desenhos. Ela representa, de maneira generosa e talentosa, a voz dos vencedores sob a perspectiva de 2008. Naquela época o seu pensamento não simbolizava o poder constituído. Vivíamos na ditadura militar. Hoje, na verdade foi semana passada, numa fala sobre a Universidade em 1968, Heloisa corajosa, mas desiludida, compara a efervescência dos anos sessenta com a cena contemporânea, dado o pragmatismo do estudante e das faculdades focados no Mercado, a pensadora vê a atual efervescência transferida para as ONGs. Gosto de Heloisa até quando erra: Darcy sempre reclamou dos professores que fingiam ensinar e dos alunos que fingiam aprender, na cumplicidade medíocre visando apenas a diploma e


120 salário. Acho que Heloisa deveria se aposentar da UFRJ e ficar apenas na Editora Aeroplano, no seu site e em sua ONG. É corajoso e vergonhoso pensar a Universidade sem força de renovação. A efervescência de pensamento é Santo Forte. Heloisa falava rapidamente para um público específico. No PAC, lá na UFRJ, Helô vibra como uma garotinha. As ONGs, principalmente quando funcionam, têm um papel importante, porém o local da “anti-elite”, protegida para pensar, na Academia, não pode ser menosprezado. O texto do Luis Andrade mostra isto. Mas, de qualquer forma, foi bom o toque da HBL. Zarvoleta, que está deixando de ser por de mais bonzinho, abriu o instituto CEPensamento e espera contar com o apoio de H. B. de H. Zarvoleta e suas asas azuis para todos os lados, com colibris, pintassilgos, canarinhos, patos, gansos e galinhas pousam em local de independência e criatividade. Os alunos vão ter de ler e de achar

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

alguma coisa diferente de seu penetrável professor.

Darcy Ribeiro (no exílio) e Celso Furtado já desenvolviam uma explicação política e econômica profunda para os descaminhos e apontavam soluções de alto alcance para os problemas brasileiros. Mas pensar o CEP 20.000 como movimento artístico, e dar-se a liberdade de escrever enquanto a ação se dá, com uma liberdade quase jornalística, é percurso facilitado por Heloisa. Escrevo para vários ETs, ou um só, que, daqui a 30 anos, como refaço agora com os livros de Heloísa Buarque de Hollanda, vai poder ver ondular o escrito entre o pensamento em tempo real dele e o meu tempo atual. Cito Heloisa para também chamar a atenção para seu posicionamento político. Era a época da anistia e da volta dos exilados, momento em que se utilizava, erroneamente, o termo


121 GERALDO CARNEIRO:

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Caro Guilherme, Em 72, eu já havia escrito pelo menos umas cinqüenta canções e duas dezenas de poemas. Pra mim, é um ano cabalístico, porque foi em 72 que escrevemos, Egberto Gismonti e eu, nossa primeira canção, chamada Água &Vinho. Depois vieram outras quarenta. Não imaginava que um dia me dedicaria à dramaturgia, embora, nesse mesmo ano 1972, nós dois novamente tivéssemos escrito canções para a peça Encontro no Bar, escrita por nosso amigo Bráulio Pedroso. Acontece que o Astor Piazzolla escutou em Buenos Aires as primeiras canções que eu tinha escrito com Egberto, e me chamou, através da Nana Caymmi, para fazer canções com ele. Em seguida, o Astor me convidou para escrever o libreto e as letras de um musical sobre Evita Perón. Foi a minha primeira experiência dramatúrgica, passei quatro meses em Roma trabalhando nela diariamente com Piazzolla. Na volta, Bráulio me pediu o texto para ler e me convidou para escrever com ele um musical inspirado na vida de Carmem Miranda, encenado em 1979,com música de John Neschling, direção de Antonio Pedro e elenco capitaneado por Lucélia Santos, Nei Latorraca e Grande Otelo.Foi minha segunda experiência dramatúrgica.Nesse meio tempo, em 1974, publiquei meu primeiro livro de poemas, chamado Na Busca do Sete-Estrelo. Eu tinha entrado para a PUC, em 72, e me aproximei do Cacaso, nosso professor de Teoria da Literatura. O Cacaso propôs a mim e ao João Carlos Pádua que fizéssemos uma coleção de livrinhos de poesia, a que, casualmente,dei o nome de Frenesi, chupado no nome de um filme do Hitchcock. O Cacaso chamou o Francisco Alvim e o Roberto Shwarz (que morava em Paris, escrevendo uma tese magnífica sobre Machado de Assis) para completar o nosso time e assim compusemos a nossa galera. Exatamente por ter a poesia como atividade central da minha vida, fui chamado para traduzir A Tempestade, do Shakespeare,em 1981, pelo grupo Pessoal do Despertar, do qual faziam parte vários atores que se tornariam meus amigos e/ou colaboradores,como Maria Padilha, Miguel Falabella e Daniel Dantas. O texto foi encenado em 82 e 83, com grande repercussão, no Parque Lage.Foi uma farra, ganhamos um bom dinheirinho e fomos felizes por dois anos. Nunca houve cobranças ideológicas por parte de meus amigos poetas. As atividades – a música, a poesia, o teatro ou a dramaturgia televisiva – sempre se harmonizaram. Em suma, creio que nunca houve incompatibilidade entre essas diversas linguagens. Mesmo porque nós, artistas contemporâneos, muitas vezes nos alimentamos da multiplicidade, da heterogeneidade, da diferença. Acredito que, hoje, sejam raros os escritores a quem não seduzam as sereias da música, do cinema e das artes plásticas.E confesso que cultivo o sonho já tantas vezes sonhado de procurar uma linguagem atual capaz de reunir a poesia e a dramaturgia. Pode ser um anacronismo ou uma excentricidade, mas se as musas conspirarem a favor, como dizia o filósofo Ibrahim Sued, Gigi eu chego lá. grande abraço, Geraldo


122

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

DEU NO JORNAL59

Condenados à morte são principal fonte para transplante. Desde 1° de julho, o comércio de órgãos humanos foi tornado ilegal pelo governo da China. (...) Mas o comércio continua, estimulando uma ativa indústria de execuções penais e de transplantes, segundo a entidade de defesa de direitos humanos Anistia Internacional.

“crise do populismo” para definir um período tão mais complexo. Ao mesmo tempo, Heloisa Buarque emprega termos mais avançados, como “modernização reflexa” que pode ser bem entendido no livro Os Brasileiros, de Darcy Ribeiro. O pai, mais canônico – “toma que o filho é teu” – no Brasil, da utilização deste termo populismo, que serve mais para confundir do que para explicar é o Francisco Weffort. Era um teórico sofrível ligado ao PT e que depois virou um mais sofrível ainda Ministro da Cultura do Governo Fernando Henrique Cardoso. Marilena Chauí, teórica também ligada ao PT, utilizava o termo com mais largueza. Desconfie de quem sai dizendo que Lula, Garotinho, Jango, Nestor 59

Jornal O Globo, pág 56 O mundo 3ª edição – Domingo, 29 de outubro de 2006.


123 Kirshner, Chaves, Jânio Quadros, todos são populistas. O argumento é que os projetos políticos desses tão díspares líderes são direcionados à população sem uma articulação com os movimentos organizados e com partidos políticos fortes. Prefiro utilizar projetos populares para Jango, Lula, Kirshner e Chaves (se bobear algum teórico do

rame-rame populismo vai incluir até o Allende), todos

diferentes porque tudo é sempre diferente; mas populismo, atualmente, seria os projetos que prometem algum benefício para o povo e nenhuma intenção de mudança da realidade do país e aí, citaria Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Garotinho e tantos mais como realmente populistas. Tinha um populista que queria ser visto como liberal, ACM na Bahia. Intelectuais muitas vezes empregam conceitos para facilitar a definição do que não estão com vontade de explicar e prejudicam o entendimento dos futuros leitores que vão incorporando a expressão que já vem de conjunturas tão distintas, como a dos Populistas na Rússia, com PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

posições contrárias ao iniciante Bolchevismo, que, após a vitória, acabaram por dar um ar pejorativo às propostas progressistas do Partido Populista. Com o passar do tempo, o teor negativo do termo foi difundido para o mundo inteiro através de políticos, intelectuais e professores universitários.

Beijo para Sônia Barreto.

Beijo para Dri Simões.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

124

Convites

F 62

F 62


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

125

PALOMA VIDAL:


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

126

F 63

beijo para Isadora.

F 63


127

CHACAL

F 64

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Corria o ano de 1990. Era abril, talvez maio. Eu vagava pelo mal assombrado pátio interno da Escola da Comunicação da UFRJ, na Urca. A convite de alunos, tentava fazer um recital e vender alguns livros. O tempo era de vacas esqueléticas. Collor, recém eleito, confiscara a poupança. O mercado se retraíra ao osso. Minha língua seca não conseguia atrair nenhum incauto inquieto para degustar o verbo. Eu dava voltas e não saia do lugar. Corta. Guilherme Zarvos, escritor inédito então, economista político e ativista da cultura, entrava pelas portas da rua, para promover um evento chamado Terças Poéticas, na Faculdade da Cidade. Ele vinha com o gás de quem tem ouro nas mãos. Corta. Sem um mínimo de audiência, com a palavra amarfanhada pelo desuso, pensei em correr dali. Talvez para o Pinel, ali do lado. Ou para o bar mais próximo. Então deu-se o encontro, que na Alquimia, chamam de Macktub. Guilherme me convidou para participar da última Terça Poética que iria versar sobre a Poesia dos anos 70. Heloísa Buarque de Hollanda, professora e ensaísta, iria fazer o painel pânico da época e eu, apresentar poemas meus e de outros vates d’então. Agradeci o convite e fomos secar uma gelada. A ECO ficou para trás.

Terças Poéticas

Essa idéia de gênio de Guilherme Zarvos era o seguinte: a cada terça ele chamava um nome de renome para falar sobre algum poeta ou movimento. Então Ferreira Gullar falou sobre Augusto dos Anjos. Silviano Santiago discorreu sobre o Carnaval em Bandeira, Oswald e Mário de Andrade. Antônio Carlos Secchin palestrou sobre João Cabral de Melo Neto, com a presença rara do poeta. E fechava com Heloísa falando da poesia dos 70. Se só assim fosse, já seria o máximo. Mas Zarvos, esse argonauta, ousou mais. Depois que o sábio terminava sua arenga, Zarvos chamava ao palco, poetas da novíssima geração para bradar seus versos. Deu-se então o que em física quântica, se chama eureka: os veneráveis portadores do saber sabiam da lira brusca da nova idade e vice versa ao contrário. Na platéia, os brothers que iam ver seus xarás emitirem impropérios em forma de verso conheciam o conhecimento. Zarvos a tudo cerimoniava, com o olhar rútilo de quem encontra uma ninfa numa esquina. Eu, então com 40 anos, vibrava com aqueles mitos do verbo (tive o prazer de trocar palavras com João Cabral após a palestra de Secchin) e me estupecfava com a galera sangue bom que fechava o programa. Entre a novíssima guarda, estavam grupos como o


128 Boato, artistas saltimbancos, alunos de jornalismo da PUC e Pó, Ética !, turma de militantes do verbo e livres atiradores da lira como Guilherme Levi, então com 16 anos, que tremia ao falar poemas psicodélico sobre o Baixo Gávea. Senti que ali, como há vinte anos, a Poesia falava do mundo e da vida das pessoas. Algo, como na química orgânica, denominado diamante.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

CEP: a Poesia propriamente dita Da Faculdade da Cidade para o baixo era um pulo. Aí entre uma e outra cerveja, achei que o Terças tinha que continuar para o bem da humanidade. Ele argumentou que mesmo com o apoio do RIOARTE, era um projeto de vida curta. Nomes de renome são pessoas caras e ocupadas. Mas (olha a brecha) havia espaço para um projeto que levasse poesia ao público. O nome CEP pulou da garrafa. Era ágil, rápido, como zap. Centro de Experimentação Poética explicava ao resto a quem de direito. Da palavra a ação, fomos ao RIOARTE falar com Tertuliano dos Passos, então presidente do Instituto, que nos recebeu com sua proverbial fidalguia. E logo aprovou a proposta. No projeto inicial, o CEP pretendia ter três oficinas: teatro, música e poesia para dar noção de espaço, tempo de dicção para quem estivesse a fim de se iniciar nos mistérios de ser em cima de um palco. O resultado das oficinas seria mostrado num show mensal no Espaço Cultural Sérgio Porto, do RIOARTE. As oficinas, que seriam realizadas na Faculdade da Cidade, não vingaram. Mas o CEP decolou numa noite de quarta-feira de agosto de 1990. Chovia, a divulgação oficial tinha sido ruim a ponto de não ter saído nem na programação diária dos jornais. Mas às nove e meia da noite, molhadas, as pessoas começaram a chegar. Ás onze, casa cheia. Quando o chamado é forte, você vai. Eu, fui.

Fase Heróica Boato, Emmanuel Marinho, Guilherme Levi, Michel Melamed, Felipe Rocha, Macarrão, Bruno Levinson, Cara do Tempo, Afax Lá, Coma, Impadinha de Jiló, Anderson Guimarães, Saliva Voadora levavam a galera do Baixo, da PUC, a gataria. Eu chamava Tavinho Paes, Alex Hamburguer, Artur Omar, Carlos Emílio, Pedro Luís, Mano Melo, Ricardo Basbaum, Márcia X, Aimberê Cezar que levavam os corações veteranos. Nos primeiros tempos, o bar disputava com o palco, as atenções. Com o tempo, as pessoas foram acostumando o ouvido e a poesia, a música, a performance, o CEP é um tipo de camisa que a pessoa veste. Uma trama que te entretece. Uma outra pele.

Gracias, gracias, gracias

Nesses cinco anos, muito samba, rock, funk, baião de vários, passou pelo palco do Sérgio Porto. Fausto Fawcett, Arnaldo Brandão, George Israel, Dulce Quental, Waly Salomão, João Gilberto Noll, Bernardo Vilhena, Jorge Salomão, Sérgio Serra, Ana Maria Magalhães, Rogério Skylab, Jorge Mautner, Cazé Pecini, Maurício Antoun, Diba, Eudoro


129 Augusto, Seis Mãos, Barrão, Luiz Zerbini, Fernanda Abreu, Sérgio Mackler, André Costa, Márcia Thompson, Força Aérea Brasileira, Sônia Barreto, Tatiana Greenberg, Juca Filho, Mulheres que dizem Sim, Debora Colker, João Nabuco, Priscila Teixeira, Pedro Lage, Claufe Rodrigues, Nei Reis, Marcelo Paredão, Manoel Gomes, Marise Lima, Banda Bel, Vagabundo Sagrado, o paulista Todos Os Que Caem, Cafi, Zeca Araújo, Carlos Bevilácqua, Marcos Chaves, Ernesto Neto, Raul Mourão, Neide Archanjo, Maria Gladys, Bianca Remoneda, Helena Inês, Xico Chaves, Tony Costa, Mimi Lessa, Os cachorros das cachorras entre tantos, passaram por lá para experimentar entre mais de seiscentos jovens artistas. Gostaria de citá-los todos, mas o espaço é curto como a memória.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Evoé Com o fundamental apoio do RIOARTE, essa dicção informal, sem muito rapapé, deu filhotes como CEP Vintemilsíca (um CEP só de música) tocado por Guilherme Zarvos e agora por Michel Melamed e Guilherme Levi, de dois em dois meses no Sérgio Porto e do Humaitá pra Peixe, produzido por Bruno Levinson, segundas e terças de um mês por ano. O CEP faz cinco anos em 95. Pode-se dizer que uma geração está sendo informada por ele. Pessoas que querem se divertir trabalhando e trabalhar se divertindo. Ao RIOARTE, por fim, nossas reverências. As quatro gestões que o presidiram nesses cinco anos de CEP, tiveram a lucidez de entender a importância do projeto e de saber, com elegância, compreender alguns excessos. Arrependei-vos e rejubilaivos. O CEP vinte mil está no ar!

Beijo para Daniel Zarvos

Beijo para Kiko Ramos


130 Brasília

Voando ver sobre as asas de Lúcio seguindo sua coluna vertebral Tocando teclas nódulos e assistindo Para além das asas as irmãs Guará e Tabatinga. Vô vi vi Brasília brincando De amar. Há tantos: o lutador gentil como Um pequeno urso acariciado pela mãe Protegendo e protegido seu amigo Parelha o desavergonhado Fashion Vô vi ver Fashion a estátua do belo Magérrimo levantando seu braço Raio Flach Gordon apontando a estrela PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

E seu corpo manequim Esticando-se pois mais que estrelas Apontava o limite do corpo heróico Já que alguém o afrontava e seu corpo Empinado desafiava como a solidez De obra de Oscar ou de uma pena de Ema todos seres do cerrado Vô e na sala de aula modernosa USP Ou PUC tanto faz fala-se do Moderno autoritário de Brasília Vô a Brasília de Juscelino de Oscar De Lúcio e de Darcy vô pelas Super Quadras no entardecer de um inverno E me sento com o Denílson na UNB e O pequeno urso, o Grosseiro, o inseparável Fashion e seus mais sete ou nove amigos Que andam soltos flor do cerrado Porém não tão soltos que possam soltar o Celular de cada genitora e vejo a igreja e Vejo os santos e os vitrais, tudo flutua e Sigo para outro caminho Da procura que o dedo determina.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

131

.

.


132 MAURÍCIO ANTOUN:

e Maurição

Maurição

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

eu

F 65

F 66

Da metade para o final dos 90 tudo degringolou. Casei-me, ora, pois pois. Queres um biscoito, ou churros? Em 87 meu filho já estava grandinho, dois anos, e era época de voltar à ativa no Baixo (Gávea). Ali na Praça do Jockei, a Santos Dumont. Na Marquês tinha os dois bares que ficam debaixo dos edifícios de quarto e sala. Agora é chamado bar Depósito. Para os que ali se depositam desde o meio dia: junto ao depósito do lado do bar, ora pois pois. O bar que eu abri no início da Marquês, o Cinema Scope, que fica na atual padaria Zona Sul, que era outra zona na época, tinha como vizinha, a perpétua Funerária da Gávea, para lá de seus 25 anos pétreos. Uma vez um aloprado e seu amigo aloprado pediram para experimentar um caixão. Experimentaram: com o papa-defunto pétreo atendendo a todos com sua pétrea fisionomia. Menos mutável que uma pedra no agreste. Os edifícios dos bares da Marquês, em cima do depósito, quarto e sala populares da época da Praia do Pinto, do finalzinho do Pinto - removida pelo Governador Lacerda e que deu no Selva de Pedra, no Planetário e no estacionamento da PUC - vão muito bem. Ainda havia fábricas se despedindo da Zona Sul e trabalhadores postos na rua. Neste edifício que quase morei, habitaram Chacal, Fausto Facwet e Puppy da doidera dos sessenta. Foi em Londres e em 69 voltou ditando moda. Não dá para esquecer também da Claudia Aragão, moradora que me emprestou o Quampérios que não conhecia. Achei demais o tal Chacal que, só conhecia de ouvir falar, e logo fui apresentado ao ser vestido de Fauno, no Suvaco de Cristo dos 90. Estes botecos, que até hoje trazem uns pequinotes da PUC e maladragem antiga, me levou para a saideira no Baixo. Lá embaixo. Neste dia pularam do muro da PUC e fomos juntos ladeira ao Baixo. Eram uns punques bem genuínos,


133 Nietzsche, que estudava na PUC, Toni, Carlinhos Peruano, uma panquinha deliciosa, eu chegando no baixo, ficava no meu útero, um espacinho no final do balcão, onde só me cabia, e a rapaziada zoada parava para beber um copo de um em um, de dois em dois. Agora lá é o galeto. Na época do Dias Santos o Baixo estava tomando rumo. O Dias Santos ficava até as 5 da manhã vendendo cerveja de garrafa. O hipódromo fechava ainda depois e vendia chope. O pior banheiro do mundo. Me lembro de uma vez na fila do banheiro feminino do hipódromo duas maluquinhas se aproveitaram da distração do barman e entraram na cama frigorífica do bar e fizerem as necessidades lá dentro. Os Impadinhas de jiló, grupo de rock and roll e suas mulheres lindas traziam beleza e os bêbados das antigas: ficavam de voyerismo com elas. Mais velhos, que tinham mais dinheiro e pagavam bebida pra todos e a coisa rolava. Rolava e depois no caminho da minha casa toda galera que resistia tinha o bar, Funerária, que era do Lozeirinho, técnico de cinema, que ia até às sete. Foi quando ele desistiu do bar que comprei e montei o

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Cinema Scope.

F 67

F 68

F 69

F 70

Em 88 lotou demais e a cerveja do Dias Santos ficava quente e o Dias Santos fechava mais cedo. Fim de cerveja fecha porta. Até 89 o Baixo crescendo e os bares fechando mais cedo. A herança das noitadas foi a continuação das noites no gramado da praça, a galera toda, após e depois, durante, com bebidas do tipo garrafão de vinho e conhaque de mel e cachaça e a noite continuava até o dia raiar . Todos os dias. Domingo é que era mais sombrio.

F 71

F 72

F 73

Em 1990 no final do ano, pouco depois do primeiro CEP 20.000, uns três meses, sei lá qual a influência do CEP nisto, mas estava sentado com o Tavinho Paes, no hipódromo e a gente viu que tinha estourado. É como um dia que acontece: tudo brilha. Dava para ver


134 que era um outro estágio para o Baixo Gávea. Na ingenuidade fora do tempo, nosso início dos 90, ainda a certeza de profissão remunerada, a primeira vez do palco e o encontro das ruas. Era os Impadinhas de jiló, o Carlucho e a Leca, O vem a Mim as Criancinhas, Paulista, Guilherme Levi, Michel Melamed, Maguilinha, Boato, Pó-Ética, que terminou como grupo no primeiro dia do CEP em agosto de 1990. Isabell Lomez, La Budista, Urubu e os punks da tijuca, a galera do posto nove. E foi se juntando com o pessoal chamado pelo Chacal - Tavinho, Arthur Omar, Márcia X, Alex Hambúrguer e Aimberê..

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F 74

F 75

F 76

A cena da época era rock puro, com o BRock dos anos 80 onde quer que a gente tivesse enchendo a cara aparecia um produtor musical te dando cartão. Também nesse começo dos 90 as bandas da Zona Norte começaram a aparecer: tinha o Piu Piu, o Gangrena, Joe e Gamela . Tínhamos a mania de em todo show do Gangrena roubarmos a garrafa de cachaça do despacho que eles faziam durante o show. Eles nos juravam ódio, sempre que conseguíamos esticar a mão nos palcos e roubar a cachaça. Abri, com a ajuda da minha mulher no meio do BG, o tal Funerária, que chamei de Cinemascope – não me formei na UFF de Cinema a toa. Mas o pessoal continuava a chamar de funerária, foi uma experiência metafísica ter tido um bar no Baixo, mas eu consegui me equilibrar sabe o diabo como. Aqui vale uma saudação ao Torquato Mendonça, que conheci no Baixo Leblon em 78, ele estava querendo montar uma exposição e entrou no meu bar arrasado porque era tudo muito caro pra ele - tinha que montar umas molduras e cavaletes pro seu trabalho. Torquato desabafou comigo e uma amiga minha que nem conhecia ele ficou ouvindo e se ofereceu pra emprestar a grana. Mal sabia que era a fundo perdido, Torquato era de Alagoas, e em 68 ele saiu na capa das Ùltima Hora botando fogo num Camburão. Sua mais penetrável proeza, dizia ele, foi ter tirado o Cazuza do armário. Em seu enterro foi desfeita uma lenda que era espalhada faz milênios pelos ruminantes das noites que Torquato era filho de latifundiário alagoano; conversando com um amigo da família, presente para saber se ele era o morto suposto, me contou que seu pai era motorista de praça em Maceió. Torquato dizia que num protesto com a sua família na copa de 70 ele se trancou com a televisão no banheiro no intervalo do jogo. E assim foi. Ninguém viu o tri.


135

Tempo de protesto. Tempo do torcedor de radinho e chefe da milícia:

General

Tortura. Torquato era o anti-tortura. De uma elegância sem par. Coloquei o nome dele no cineclube particular... (perguntar Maurição como acessar na internet) Muda. Muro. No segundo ano de seu primeiro governo César Maia eleito por uma coalizão reacionária começou a fechar os nossos sonhos, usando a desculpa do tráfico fechou o Baixo Gávea por decreto. Nenhum bar, ambulante ou isopor particular podia ficar na praça depois da uma da

matina, ele jogou a Guarda Municipal de forma truculenta

em cima da garotada e ficava lá num canto fiscalizando pessoalmente o desmanche. Tem gente que jura que viu o alcaide fiscalizando o fim de noite da garotada. Devia estar com saudade da época de Síndico do seu Condomínio antigo lá na Barra.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Agora que subiu de vida está morando no Pepino.

Para C. com carinho F 77


136 TAVINHO PAES:

DOS MARGINAIS AOS MARGINALIZADOS

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Desorganizadíssimo, fragmentado, sem lideranças e marcado por insanos acessos de vaidades e invejas, o movimento dos poetas ditos marginais, que nos anos 70 e 80 pulularam de galho em galho por aí, ainda está para ser compreendido e discutido. Até segunda ordem, este período não possui nenhum atrativo. Embora pareça ter acontecido a séculos atrás, os anos '70, no Brasil, começaram exatamente no dia 13 de dezembro de 1968, quando foi assinada a única constituição real que o país já teve: o AI-5 – pelo menos este pequeno texto paraconstitucional foi o único a ser realmente respeitado e aplicado com eficiência a todos os segmentos da nação. Enquanto os americanos curtiam seus Woodstocks de amor livre com drogas leves e os europeus engajavam-se nas ruas pelas utopias revolucionárias socializantes, no cone sul das Américas, o hippie e o politizado foram desumanamente caçados por uma milícia pública ignorante, insensível e de uma violência descomunal. O pau-de-arara, o choque elétrico e outras modalidades de tortura física e degradação humana desenvolveram-se tanto que acabaram exportando seu know-how para as simpáticas ditaduras vizinhas. Nesta ocasião, apesar de direitos civis e humanos não terem nenhum valor, muita gente desbundou e saiu por aí cuspindo fogo com suas metralhadoras cheias de lágrimas... Pouco a pouco, numa época em que pouco já era demais, desviando da polícia e das patrulhas ideológicas, foram surgindo os jornalecos nanicos e as poesias mimeografadas. Grupos ou indivíduos isolados produziram uma assustadora quantidade de poemas, cuja qualidade estética não se sustenta diante de modelos vitoriosos como o Modernismo de 22 ou a Geração de 45, adotados pela Academia e pelo Saber institucionalizado. Trata-se de uma Babel de abobrinhas perdida para sempre junto com os fantasmas de seus convictos perdedores. Todos os que puseram as manguinhas de fora, naquele tempo de Vazio Cultural identificado, sucumbiram à cólera. Com exceção de um ou outro nome, a morgue onde seus anônimos cadáveres foram abandonados continua misteriosa e obscura e os campanários onde se enterraram não recebem flores nem em dia de finados... À luz do que se diz desta época, tenho a nítida impressão de que fabriquei uma obra melancolicamente medíocre e desenrraizada. A diarréia poética patrocinada pelo slogan do "sexo, drogas & Rock'n'Roll" foi uma espécie de crime sem solução em que a vítima se identificava com o criminoso e vice-versa. Décadas depois, apesar de desnecessário, o exame destas fezes inocentes tornou-se tão aceitável quanto recomprar antigos discos de vinil, remixados digitalmente em Compact-Discs... Como participei ativamente deste período, a sensação de estar ausente de meu destino, vez por outra, me encurrala num poço de advinhações, sem fundo e sem água potável. O mundo fica escuro ao meu redor e passo a ter a urgência de encontrar alguma coisa que me devolva ao meu umbigo. Às vezes, sinto-me como um pintor que se viu privado de sua aquarela. Muita coisa aconteceu na minha vida desde que vendi meu último livreto numa mesa de bar (1986). Fiquei tão diferente daquele cara que assediava gente comum nos bares que até minha morte parece ter me rejeitado. Prá ser sincero, não desejo viver tudo aquilo novamente. Não me arrependo, mas não gostaria de reviver nada daquilo outra vez. Motivos que só eu sei me garantem que um replay seria profundamente desagradável.


137

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

O que se chamou de Poesia Marginal ou Geração do Mimeógrafo não possui instrumentos capazes de garantir que se salte no tempo sem provocar confusão. O mundo em que aquelas tolices românticas sobreviveram à beira do abismo, mudou muito de lá para cá. O que nos anos '70 era conhecido por Imperialismo Cultural, hoje, com a globalização, pode ser traduzido para Franchising. A cocaína se tornou tão abundante e vulgar que falar de maconha não faz o menor sentido. O Mandrix do novo milênio chama-se Prozac. O hippie perdeu espaço para o yuppie. O Vietnã está no Iraque e nas montanhas afegãs. O muro de Berlim está sendo erguido no deserto palestino. A geração saúde prefere uma academia cheia de máquinas acompanhada de uma vitamina de asteróides anabolizantes a uma dose de LSD numa praia deserta. O Cinema Novo dos Gláubers e Leon Hirzmans está sendo feito para a TV, a serviço e soldo das agências publicitárias. Os militantes xiitas da esquerda renderam-se aos ótimos salários do Serviço Público (onde ninguém é empregado: vários são colocados). O rebelde passou a ser chamado de hiper-ativo. Se antes se tomava drogas para se fugir da realidade e abrir as portas da imaginação; hoje, as mesmas drogas, no formato aceitável de enérgéticos, são usadas para que se entre de vez na realidade imediata, cada vez mais impenetrável em seus bolsões de tempo calcificado. Os DJs acabaram de vez com os solos de guitarra e as letras foram suprimidas em suas maquininhas alienantemente corretas. Tudo se tornou tão by-passado que posso afirmar que o Passado que se gostaria de resgatar está prá lá de ultra-passado! As contradições atuais são monumentais. A ausência da prática da dialética torna necessário esqueçer as dores e os sofrimentos dos tempos da repressão para não perturbar o sono dos que nos concederam a dádiva da democracia e que. hoje, participam da máquina de estado. Os que discordam do estado de direito que vivemos são considerados incorrigíveis e chatos que não sabem viver sem reclamar. Chegam até a citar problemas sexuais e de idade para justificar a ranzinzagem destes inimigos do progresso neo-liberal, onde, a cada melhora no bolso da classe média e seu conseqüente consumo de bens descartáveis corresponde um avanço nas estatísticas de miséria. Parece até que as oportunidades de trabalho, a distribuição de renda, o acesso à boa educação e à saúde pública são assuntos que já foram resolvidos a contento; quando não são tratados como índices de eficiência manipuláveis em processos de eleição. Não se deve falar mal da esquerda democraticamente instalada: pode-se dar munição para um inimigo que divide com os Amigos dos Amigos, os empregos dos altos escalões assalariados do estado... Parece que vivemos no melhor país do mundo. Não temos terremotos, furacões, ataques terroristas, manifestações de racismo preconceituoso, passeatas, etc... A violência das periferias, a truculência dos esquadrões de extermínio, o poder de fogo dos traficantes de drogas, a fome e a prostituição infantil são assuntos que a imprensa diária irresponsávelmente fuça, com o intuito único de baixar nosso astral. Quem precisa se preocupar com isso, depois que votou num cara que vai resolver tudo em seu nome? Será que alguém se elege só para garantir salário e aposentadoria depois do mandato sufragitário? Acomodamos nossas frustações utópicas num universo de conquistas sociais tardias e contraditórias. Somos um povo mais pacífico do que coelhinhos de desenhos animados. Não existem mais os anarquistas, os comunistas, os guerrilheiros, os doidões... Quem precisa disso, se temos à mão um grupo de vitoriosos? Somos quase hexa-campeões de futebol, nosso vôlei é medalha de ouro, Ayrton Senna é uma unanimidade internacional e o Massa é massa! Nem a canalha que subloca o poder é a mesma. Novos nomes garantem a renovação das células psico-partidárias. Estamos tão satisfeitos com as novidades que não temos tempo para perder com quem quer que nos enche o saco com reclamações e prioridades. Se um ou outro rouba mas faz; se o outro compra a direita para aprovar democraticamente


138 regras que garantam a revolução socializante dos anos passados; não custa nada continuarmos pagando impostos calados e sossegados. Impunidade é chic e vale a pena para quem tiver coragem. Cueca sempre foi lugar para se guardar a mala...

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Cada um cuidando de sua vida, vigiando o outro e com uma coisa em comum: tentando levar vantagem em tudo! – eis o nosso modelo de socialismo interativo! O máximo que fazemos é falar mal dos políticos em mesinhas de bar; uma ou outra greve em serviços populares essenciais; um ou outro grupo rebelde de funkeiros xingando a polícia e elogiando as ações do Comando Vermelho. Tudo tão previsível quando as profecias de Hermann Khan. O único dado inusitado é que continuamos a ser o país dos eternos domingos. Todos nós queremos um domingo tranqüilo, uma cervejinha entre amigos, um mergulho no Atlântico e gols de Romário na TV. Ainda vamos ser o país do futuro que Stephan Zweig entreviu, antes de se suicidar. Mas, por enquanto, temos que nos resignar com a condição de sermos o país do Presente. Aliás: o país do maior presente contínuo pensável! A única história que nos interessa é a do Presente. O futuro é sempre amanhã e o passado é uma aporrinhação que só merece atenção quando falamos dos mortos. Quando um jovem escuta que o aquecimento global e a poluição vai acabar com o mundo, para que se incomodar com esse futuro medonho, cheio de desgraças inevitáveis? É melhor viver o presente. É mais fácil encontrar heróis defuntos num passado que se pode dourar com a boa vontade das esperanças religiosas e a passividade dos bem educados que não reclamam de nada e são considerados do Bem. Afaste-se dos brigões. Aceite o que te garante o emprego e as oportunidades. Fique na sua, sem ser covarde... O que se convencionou chamar de Anos Rebeldes, continua sendo um território sombrio, de onde heróis guerreiros e inocentes ultrajados, vez por outra, merecem ser resgatados e homenageados. Identificar mudanças sutis no dia-a-dia da cultura das utopias é algo muito simples, já que as mudanças que podemos entrever na linha do tempo registrado não foram ordinárias nem definitivas. Com a dialética em decadência, aqueles que se acostumaram a engraxar os coturnos dos ditadores e babarem ovos de chiquérrimos socialites, foram reciclados pelas manhas da multimídia e, hoje, se tornaram democratas fogosos, pacifistas conscientes e liberais ad extremun. Torturadores servem aos misteriosos funcionários do Itamaraty; são eleitos para o Congresso em estados recém-criados e fazem discursos dignos da Igreja progressista do PT. A corrupção, o nepotismo e a miséria continuam dando um show no horário nobre. Pessoas de todas as idades estão sendo seqüestradas às dúzias, todos os dias. Juízes fraudam descaradamente o INSS. Narcóticos são tão comuns quanto pipoca numa sessão de cinema. O exército é requisitado pela opinião pública para policiar as ruas das grandes metrópoles. A decadência é lights. Ou será diet? Apesar dos grandes progressos no campo das ideologias e do fim da guerra-fria, a velocidade com que as mudanças estão entrando no nosso cotidiano ainda não trouxeram respostas para todos os nossos problemas imediatos. Temos que lidar com coisas como AIDS, traficantes, crianças de rua, muçulmanos xiitas, assassinos seriais, blitzes organizadas por marginais fardados de policiais, etc. Rouba-se carro com muito mais freqüência que na época do Lúcio Flávio – onde, ainda, era possível dizer que polícia era polícia e bandido, bandido! Algumas coisas boas também estão acontecendo. Existem os ecologistas do Greenpeace; a MTV; a Internet; os Rolling Stones, incluindo Copacabana em sua turnê mundial. Há toda uma nova geração ligada em saúde e esportes; malhando em academias; estudando em cursinhos de teatro, sonhando com o estrelato na TV Globo, pilotando computadores e video-games. Está tudo indo muito bem, embora ninguém possa responder ao certo Para Onde? nem Porque? Será que a poesia que surgiu e desapareceu enquanto os anos rebeldes iam enlouquecendo poderia fazer sentido hoje em dia? Será que se eu saísse vendendo meus


139

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

livretinhos por aí, poderia novamente pagar aluguel, viajar pelo Brasil, comer em restaurantes da moda, bancar certo lazer nos fins-de-semana? Com certeza: NÃO! Pelo que pude observar numa experiência realizada em outubro de 1994, a recepção nas mesas de bar já não era a mesma. Remontei um livrinho antigo e passei duas semanas zanzando de bar-em-bar, de mesa-em-mesa. Foi um pesadelo minimalista. Antes, eu driblava a polícia política; vinte anos depois, tive que diplomaticamente enfrentar a ignorância contratada dos leões-de-chácara e me perguntar: Será que ninguém percebe que esta força, formada por seguranças contratados, todos com passagens pelos departamentos militares da polícia e, alguns, delas desligados por corrupção e abuso de poder, é uma força de ataque que está se portando como se fosse uma força de defesa capaz de manter a paz e a tranqüilidade de quem se diverte em áreas de exclusão chamadas de VIPs? Será que ninguém se deu conta que ao votar pelo NÃO ÀS ARMAS deixou em aberto a possibilidade destes contingentes para-militares terem acesso legal ao mercado do chumbo e da pólvora? Será que ninguém se dá conta de que basta um desvio na ordem pública para que a tragédia anunciada entre em ação e estas forças trabalhem como hutus numa Ruanda panamericanizada? Antes, quando circulei com meus livretos por aí, havia toda uma situação de instabilidade nos direitos civis garantindo a cumplicidade entre as partes; hoje, a falsa sensação de liberdade que se vende ao público, sob um clima de Glasnost tropicalizada, é quase psicótica e reage negativamente aos assédios voluntários de quem não é da sua turma, sua tribo, seu gueto identificado. A força de coalizão empregada para garantir a atmosfera de democracia plena está mistificando uma guerra suja, surda e muito mais violenta, cujas vítimas ainda estão por ser contadas e cujos lados em que os combatentes defendem suas vidas não podem mais ser escolhidos. Na nova guerra, você será automaticamente co-optado pelo lado em que está, independente da sua vontade, das suas idéias e das suas determinações. Tropa de Elite só serve para ecitar uma Troca de Elites... A Poesia saiu dos trilhos. Pode ser escrita a partir de pesquisas, de acordo com a demanda por um assunto específico, em função de um dado estatístico. Pode ser recitada em eventos que parecem psicodramas de auto-ajuda por poetas que não merecem nem tapas na cara. Ao invés de um pacotinho de poemas vendidos de mão-em-mão, economicamente é preferível passar adiante envelopes de cocaína batizada com a higiene das favelas. Papel por papel, o que se identifica com drogas tem mais consumidores à vista e máxima tolerância do mercado. O mar não tá prá peixe... Diante do imponderável, quem quiser arriscar tem que competir com o ridículo e com ele não se estranhar. Não é para desafinar o coro dos contentes. O objetivo não é responder se a poesia ainda existe ou se a poesia que se faz ou que já foi feita pode ser constantemente atualizada. Não defenda a duvidosa qualidade teórica de sua própria produção nem ofereça ao seu orgulho uma satisfação bisexta ou imediata. Todo o esforço que precisa ser injetado nos trabalhos que hoje consomem tempo e imaginação de quem os pratica deve pretender única e objetivamente fornecer uma visão de dentro do processo poético que marca a geração em desenvolvimento. Pode ser que os futuros estudos desta época, simultaneamente fértil e doente, fiquem facilitados com estes esforços.

Pode ser que eu esteja cometendo mais uma indelicadeza. Sempre fui chegado a cometer uma descortesia. Idiossincrasias são parte do menu contemporâneo. Quem sobreviver, verá a merda em que isso tudo vai dar!


140

Tavinho Paes by the web (channels) blogs http://tavinhopaes.wordpress.com http://tavinhopaes.slide.com http://www.guarulhos2zero.com.br/publicacao/glog/215 www.tavinhopaes.com.br http://tavinhopaes.podomatic.com próprio >> www.youtube.com/tavinhopaes www.youtube.com/MOMOssexuais evento >> www.youtube.com/voluntariosdapatria www.youtube.com/poeMAMUtante report >> www.youtube.com/FLIPorto

web sites www.poemashow.com.br podcasts http://olouconoar.cronopios.com.br video channels booklet >> festival >> www.youtube.com/poesiavoa evento >> evento >> www.youtube.com/rockepoesia --

Tavinho Paes by the web (channels) blogs http://tavinhopaes.slide.com

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

http://www.guarulhos2zero.com.br/publicacao/glog/215 web sites www.tavinhopaes.com.br www.poemashow.com.br podcasts http://tavinhopaes.podomatic.com http://olouconoar.cronopios.com.br video channels próprio >> www.youtube.com/tavinhopaes booklet >> www.youtube.com/MOMOssexuais festival >> www.youtube.com/poesiavoa evento >> www.youtube.com/voluntariosdapatria evento >> www.youtube.com/poeMAMUtante evento >> www.youtube.com/rockepoesia report >> www.youtube.com/FLIPorto

http://tavinhopaes.wordpress.com


141 F 78

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

VIVIANE MOSÉ:

F 79

Fraterno F 80

F 81

F 82


142

ECO NO

OU

NA

Então 1974. Desde 72, eu Zarvos, fumava, tomava

MIA

Mandrix e rolava bacana.

Me sentia sôo much, mas foi minha época mais feliz, juntamente com o período de trabalho direto com Darcy, quando publiquei ou organizei cada livro ou ações com outras mídias , em vários dos CEPs e no Baixo-Gávea-Posto-Nove, até o fim do século passado. Mas era loucura demais e, agora, a felicidade está plena, pois termino o livro/tese. É bom trabalhar. Ouviram

Inocentes Caros?

Não

pude ser um apaixonado e me apaixonei pelo saber e trabalho: - Sua tese é moral – fala Marilia Rothier. É, foi, fico pensando no Cícero, Horácio e outros Moralistas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Romanos e no meu cumpadi

Diógenes

que deu uma bela esnobada no

Alexandre, o Grande.

Horácio F 83

Mas apesar de ter conseguido a anistia, Horácio perdeu o que lhe restava dos bens paternos, tendo que trabalhar em Roma como escriba (ou escrivão), o que lhe permitiu poder divulgar seus primeiros versos, resultando em uma amizade com outro poeta romano, Virgílio. Virgílio apresentou Horácio ao confiante ministro do imperador Augusto, Caio Mecenas. Este, por apreciar as qualidades e o talento de Horácio, se tornou amigo do poeta e o incluiu nos círculos literários. Graças à amizade entre Horácio e Mecenas, o poeta pôde conseguir sua ascensão, visitando freqüentemente o palácio imperial, se tornando também amigo do imperador. Horácio se tornou o primeiro literato profissional de Roma. Sátiras (35 a.C. e 30 a.C.): "Na realidade, ninguém nasce sem vícios: o melhor é quem / cai nos mais leves."


143

Diógenes de Sinope

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

A vida de Diógenes de Sinope (404-323 a.C.) foi um exemplo de engajamento filosófico. Era filho de Hicesias, um moedeiro de quem herdara o ofício. Foi obrigado ao exílio, das moedas, segundo entretanto, por ter alterado o valor consta, para atender ao oráculo de Delfos. Em Atenas, tornou-se aluno de Antístenes (445-360 a.C.), fundador da escola cínica (de Cinosarges, ginásio onde este ensinava, e depois de kynikos, os que vivem como os cães), e passou a viver de modo simples e austero, de acordo com a sua apenas o que fosse condição de exilado, possuindo necessário para sua existência — um bastão e um alforje com seu manto. Chegou a morar num tonel de barro do templo dedicado a Gaia, em Corinto. Mereceu a alcunha de cão por desprezar as convenções sociais e praticar tudo que fosse natural em público, desde a F 84 alimentação ao sexo. Considerava a franqueza a coisa mais bela nos homens. Antes de sua ida para Atenas, escreveu uma obra chamada A Pantera que, como toda sua obra posterior, foi perdida, restando apenas as anedotas registradas por seu homônimo Diogénes Laerte (séc. III d.C.).

Ninguém o prendeu e se tornou canônico. Êta Moralista, Cínico, dos bons. Os Moralistas romanos eram muito pragmáticos para meu gosto. Satiricon, de forma oposta, é a moral elevada. Mas comecei a surfar de olho nos surfistas e nas mulheres gostosas que não me davam mole. Preferiam os belos parafinados. As que ficavam eram as de FAMISOLIA A

ECO

NO

FALL

MIA .

Tudo bem, também queria uma. Amei todas as minhas namoradas, mas não era a parada, minha parada era pé na estrada com um irmão. Tinha falta de um

Fraternidade entre iguais.


144

Lápis Sobrancelha Já não posso amar com o mesmo arroubo O coração de batida pássaro é lápis sobrancelha O toque segura inseguro ou firme: fantasias O frêmito passado. Dou-lhe de presente Tão longe o crescimento. Mesmo a iluminação Memória deslizes fingidos e trucentas possibilidades Cansaço, juro acredite, cansaço I OOOOO

D

É

IAs

é não atrapalhar O

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Fingir que não olha com gula a alegria alheia. Viu? Estavam de mãos. Sou o Pluft ou o Tenebroso Trocar toca totem e esticar a linha OO obrigatória Neste ano todos viram homem.

Comecei a estudar psicanálise, jogar xadrez e ouvir jazz com Roberto Luís Franco. Opa, FAMILIA, não é ele não. Queria ser psicanalista, muito para me “curar” de desejos tão sacanas. Aqui no Brasil exigia-se Faculdade de Medicina e as duas únicas Sociedades de Psicanálises existentes, Rio de Janeiro e Brasileira, não aceitavam gays: – Muito imaturo, sabe, numa sociedade hetero o núcleo psicótico do rapaz está muito atiçado – e outras baboseiras. Com os Lacanianos, com Magno-pop, já tendo passado por Foucault e Lacan, tudo vale a pena se a alma não é pequena. Sabia que em Londres era permitido cursar psicanálise apenas com o diploma de psicologia. Com foco no pau, nem levantei a hipótese de fazer psicologia no Brasil e daí fazer a formação em Londres. Tinha a tal análise obrigatória de uns dez anos com um psicanalista para Formação, carrrrérrimoooo, too to, mas o pau empinado da idade e o dinherito de papa que aceitou na hora minhas argumentações e zarpamos, juntos com a

FAMÍLIA visitar Londres,

em chamas, O IRA bombandeando, meu tio foi atingido, logo em seguida, na


145 saída do Hilton, mesmo hotel que ficávamos e na saída da Torre de Londres uma bomba estourou logo que a eco mia família saiu. Meu pai propalou: – A Inglaterra já não é a mesma. Você não pode ficar aqui –. Entrei em estado de choque, mijei na cama aos 17 anos. Pelo menos foi na cama gostosa do Hilton. Mas perdi, perdi. Hoje, soropositivo, penso que poderia estar mortinho do Zarvos e quase chego a agradecer Nicolau, o Macho. Intuição Grega. Muito karma de viadagem. “Viadagem, viadagem, isto não passa de viadagem, espremia suas espinhas Guilherme Levi no CEP inicial. Se demorou tanto tempo para eu me contaminar é porque voltei para o Brasil e para o sexo seguro com poucos amigos que não dizem o nome e namoradas happy

family. Na verdade com homem não havia

penetração: - Coisa de viado -. Nem beijo: - Coisa de viado -. E no desejo não

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

vaidinha?

É bom lembrar qu e os “d iferen tes” são uma enorm e mu ltidão. Algo como a té 11 % da popu la ção mund ia l é formada d e hom ens e mu lh eres homossexua is, ind epend en te men te de ra ça, co r, na ciona lidade, cond ição cu ltu ra l ou so cia l. Algo como a té 30 % da popu lação , tamb ém sem d ife rença d e ond e mo ram ou como tenham sido criado s, são d e hom en s e mu lh eres b issexua is. Isto qu er d izer que a té qua tro p essoa s em cada d ez sen tem desejo po r p e ssoa s do m esmo sexo, d e vez em quando ou sempre 60.

Foi o cara que disse, vão reclamar com eles. Safadinhos. Só com o amiguinho né, suas bichas loucas. Pro velho aqui só num porre tão louco que minha soropositividade e sei lá o que vem aí pela frente não permite. Atualmente amo meus dois patos e me cuido e cuido dos outros como mamaitaliana. Acho que a transmissão não se deu por sexo, já escrevi sobre isto, num poema no Zombar... “hoje esperava aspirar”... Mas pouco importa. Importa, garotos eu vi, que é muito mais fácil se contaminar do que parece. Tese Moral.

Elogio. O poder de criar história. A pequena verdade desvendada. E muitas verdades atochadas. Como um caminhão de lixo desgovernado. Só o que interessa é a poesia e as artes-plásticas. O resto é como fim de resto de porão de navio. E o ratinho Rafael, aquele

60

Diferentes Desejos; Adolescentes homo, bi e heterossexuais – Claudia Picazio.


146 da televisão, o bichano do circo, a cobra do teatro e o burguês tarado ouvindo ópera. O inflamado poeta a querer ser cantor. Cuidado cantor. O poder do desencadeamento da inteligência. Mais forte que a mais possante das drogas. Elogio: cada uma das falas farsantes, dos mágicos do impróprio, outro dia um cara disse que o poeta sublima, que facilita o real, que se deve deixar a força da expansão das contradições sociais ir até que a arte seja substituída pelo real. Deve ser como cada um pegando e levando para sua moradia o que pode, o que consegue. Carregar o caixão nas costas. A sublimação é a arte dos dentistas para iludir o paciente e a dor. Todos crescemos juntos: poesia junta imagem e som.

Voltei para o Brasil e para a pouca sacanagem, e fui levando. Um amigão, dos que servem para conversar falou: - Guilherme, sendo rico você pode dar até o cu.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Senti-me espantado com tal raciocínio vindo de uma pessoa de tamanha beleza e sinceridade. Ele na curva do praticamente hetero. Anos 70, morou, rolava de tudo. Era 1975 e meu cérebro mudou. Sempre gostei de economia, aprendi a ler jornal, quatro ou cinco jornais: Estadão, Folha, Gazeta Mercantil com Nicolas e minha Tê, Última Hora e, depois, Correio da Manhã e afinal o antigo JB. O Globo comecei a ler em 94 quando o JB estava ruim e nas tabelas e tão conservador quanto. Não me arrependo. Mas é insuficiente. A Família Marinho deveria criar um jornal de esquerda. Não é Produto, querido Rodolfo?

Se era para ser rico e poder ministrar rapazes e casar e fazer política comprando rádios de Mato Grosso do Sul até São Paulo, pelo interior, orientava meu gurupai, o pássaro dos sonhos, era o que fui fazer. Papito disse: -Se não fizer economia não entra na fazenda. Entrei para a PUC sem saber o que era uma equação de segundo grau. História e geografia me salvaram.


147

ANDRÉ BRITO:

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F 85

F 86

Naquele bar em Ipanema, a idéia era fazer um jornal. Foi a primeira reunião. Entre outros, me lembro do Carlos Emílio, Carlos Mundi, de você e o Pedro Amaral. Tinha mais gente mas não me lembro. O jornal estava pronto. Na nossa cabeça. A segunda reunião, era sempre depois dos Terças Feiras Poéticas, naquele bar da Joana Angélica. Não era cheio, dava para levar uma conversa em paz. O bar já não existe, o bar não está na parede. Nem dói. Dói a memória da penumbra de um bar quase vazio e lá fora o tempo chuvoso e dentro só certezas e alegria. No segundo encontro o Pedro Amaral levou a idéia do nome: devia se chamar Trépano. Na sua pouca idade com poucas fodas misturou a palavra de cunho sexual com o significado que é o instrumento, desde os Egípcios, que servia ou serve para abrir crânios. Poeta de início forte, logo começou a editar o Espalha Fato no CEAT onde estudava e que, de forma bissexta, existe até hoje. Uma revista legal. O Trépano ficou meio no ar, a coisa caminhou para o lado do CEP, que logo começou, em agosto, fomos todos para a zoação, fundar o CEP e só deu explosão criativa no Sérgio Porto, mas a idéia de um jornal escrito, não havia PC, para um jornal experimental barato e rápido de fazer, muito menos acesso a Internet: o Trépano não vingou.Tudo mudou? Tudo vale a pena? Pquena ne est u spaciun (definir em l) se alamaalma não é pequena, quem quer o rio, terminar o quadreto. Então Carlos Emílio disse que colocaria o suposto jornal (nós, jovens iniciantes), dentro do Jornal Oficial do Rioarte: o Letras e Artes. Primeiro veículo, fora do colégio em que publiquei ficção. Carlos Emílio, sempre generoso era o editor do Letras e Artes, jornal de Cultura do Rioarte e colocou no jornal toda uma rapaziada que rolava no CEP. Parece que Gerardo só brecou o Michel e o Levi. De resto nosso poeta Gerardo Mello Mourão, que garantia as peripécias de Emílio, foi de grande fidalguia enquanto Carlos Emílio voava em seu tapete de língua de lobo de gelo dourado: - Vou publicar vocês todos. Vou dar uma festinha para comemorar o próximo número em minha casa em Santa Teresa na Almirante Alexandrino 555: - Franguinho e vinho tinto de garrafão diretamente de Pelotas. Estão todos convidados -. O primeiro cartaz do CEP eu que desenhei. CEP eram as cartas para várias pessoas saindo de várias mãos de um corpo crumbiano e um cigarro, já que algo mais natureba ia ser to too explanado. Mantive a sujeira limpa, na lei, de uma guimba para o dionisíaco e contracultural CEP 20.000. Junto do CEP explodiu o Baixo Gávea, o quarto e sala bombava, a mulherada também, ainda tinha um franjão de star, estava saindo do teatro, e no conspiratória, o apê da Rodrigo Otávio pareceu o Paulinho, que vinha das minhas andanças na Farme, na antiga Ipanema de onde nasci e meus avós, chegantes de Portugal e Espanha, exatamente de Málaga, com a energia do poeta andaluz, migraram e deixaram-nos viver. Meu avô tinha alguns bares e lojas, mas bebeu quase tudo. Bendito galego. O prédio não foi demolido, atravessou a especulação imobiliária que com, o Sergio Dourado, escancarou a Zona Sul. Do meu pai, que virou nome de dinossauro Nurhachius Ignaciobritoi, meu filho levou o nome de Meu pai e tetra avô Ignacios, da Paraíba. Com meu pai, para domar, toda a família era linha dura, aprendi a desenhar. Com quatro anos ele já me levava, para dar um tempo para minha avó, que me criava, para UFRJ, na Paleontologia, era ainda lá, na Praia Vermelha, e enquanto desenhava fósseis, eu ficava desenhando fósseis. Obrigado papa Ignácio. Por isto coloquei o nome de meu pai no meu filho e estou de espírito santo. Imagina se tivesse posto o nome do meu avô Gratuliano, e que foi interventor na Paraíba em 1932 e ficou importante durante o regime militar. Casou-se com Adelaide Machado, Filha do Aureliano Machado, Dono da Revista da Semana, fundada em 1900. Gratuliano, Poderoso, não se interessou pela Revista da Semana, queria a Editora Americana, a seriedade da política com fio de bigode, já era época da Manchete com mulher boa na capa. Gratuliano faliu como o


148

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

doutor do policarpo fechando o portão do asilo. A tradicional Revista da Semana Gratuliano já tinha defenestrado antes. Gaisel foi Secretário da Fazenda de Gratuliano, que apesar do nome estranho, era filho do primeiro Inácio, do século 19. O desembargador. Gratuliano, apesar das finuras se descontente tirava o cinturão de coro grosso da Paraíba e arremessava em cima da mesa arregalando os olhos em ameaça. Não desejo o mal para ele. Que não vá para o inferno. Naquele dia, Carlos Emílio estava infernal, com tudo. Era a festinha de comemoração do primeiro LA (Letras e Artes). O Carlos Emílio já tinha aprontado uma com o Gerardo antes do RIOARTE. O Gerardo custeava o LA, do próprio bolso, e o chamou para ajudar, já que ele não agüentara a Barra de Princeton, onde tentava o mestrado. Por sinal o C.E, de CE, saiu quase expulso do Rio, e não conseguiu uma vaga na UERJ, excelente escritor que era, pois apresentou uma projeto de mais de duzentas folhas, analisando a forma do O , nos manuscritos de Guimarães Rosa no Grande sertão. Aí teve que ir fazer o mestrado no Sertão mareado da minha amada Fortaleza.

F 87

F 88


149 Sigo

Entrei para a faculdade de Economia. Na época tinha o dilema: UFRJ ou PUC? Andava com a galera que queria o Poder. Não era dinheiro naquela época. Era

S

R. E

A UFRJ, com pensamento mais progressista, mas sem os amigos do colégio. Na PUC, 1976, mesmo sem saber o que era equação de segundo grau e derivada, ia levando. Fazia matérias na História e até no Direito. As Ciências Sociais, para um graduando de economia, era muito sectária e lerda. Meu grande professor foi Edmar Bacha. Pena que se perdeu com a desilusão do Plano Cruzado. Tinha um modelo inovador que incluía até a renda mínima do atual Senador Suplicy e dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

bons economistas. Perdi o livro didático para um jovem estudante de economia, que se dizia heterodoxo, mas acabei por constatar o que ele queria, naquele momento, era o Sistema Financeiro. Espero que me devolva logo. Desejo conhecer economistas que pretendam participar de ações como sa da revista Olkos, dos editores André da Paz e Raphael Padula, com o apoio da Petrobras.

Aqueles que não falam de “efeito preguiça” para quem recebe bolsa família. É preguiça de teórico pago para agradar patrão ou patrão da economia Moderna, Capitão de Indústria, incapaz de ver o futuro da humanidade: - A concorrência é grande, meu rapaz. Dê a vara, mas não o peixe -, aí peixe. Pedro Malan era um professor bonitão, porém sem muita paciência para os alunos. Deu um livro sobre vantagens comparativas e sonhava com um posto no exterior. Conseguiu e conseguiu bem mais. Com meu colega Gustavo Franco, já na fase de ultraliberalismo, quase quebraram o Brasil. Quando Malan falava nos “esqueletos” encontrados para ir aumentando o déficit fiscal e a dívida interna, com crescimento econômico pífio, dizendo que a culpa era das crises internacionais, me perguntava o porquê do FHC entrar de sola nesta crença.


150 Brizola falava: - Fernando Henrique? No fundo um burro. Estuda, estuda, mas não compreende -. Gustavo Franco era um amigo querido. Já no São Vicente de Paula tinha uma banda de rock com seu sumido primo Marco Aurélio Alencar. Foi para os EUA e sei lá. O ex-presidente da Petrobrás, Shigeaki Ueki, que chamavam de maluco porque dizia que a bacia de Santos e arredores nos dariam 500.000 barrisdia, e todos duvidavam, no final do Governo Gaisel, e agora com mais um nome indígena, o campo Tupi: Salve a Poesia do Romantismo Indígena, que os índios são parentes dos chineses. Salve a autonomia bípede! Fala Marcia Cibilis: Estado no controle da economia e direcionamento educacional do o Estado, com controle de muitas empresas nacionais e internacionais com os Fundos de Previdência + Fundos Soberanos + tecnologia e empresas privadas ganhando produtividade = 7% de crescimento ao ano, chineses para chineses, vão superar per capita real ali pelos atuais 5 mil dólares anuais e mais um clube, Corinthians, e a Índia, o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Flamengo, na classe média somada a mesma renda para a América do Sul. Não é mole não. As matérias primas terão de ter muitos brimas, bons negociantes e os países ricos, fora os EUA, que são expansionistas e deverão formar o enorme mercado do México até o Canadá e se latinizar, para ganhar educação. Civilização. E a África! É a África a última das superexploradas pela ganância internacional. O japonês Ueki foi para os EUA e sumiu do noticiário, too to. Em casa, nós, irmãos, brincávamos de teatro durante horas, cada um com seu personagem em qualquer lugar. Era para a gente mesmo. Quando alguém brigava com a maioria, os vencedores diziam: Tchau, ele vai para a Europa! Quem ia para a Europa desaparecia. Né, Nicolas? Para os políticos-tecnocratas pós-70, o esconderijo passou a ser a terra do Brother Sam. Gustavo Franco, na Graduação, escrevia contos iniciais com talento e tocava pistão. Foi fazer doutorado em Harvard e voltou desarvorado. Cheio de si no mundo desorganizado e acumulador dos anos 80 e 90 do final do século passado. Coréia e depois China mostravam um caminho bem diferente e a

Anta Brasil dos economistas neoliberais patinava.

Mas foi legal o período de convívio na PUC, ouvindo Edmar Bacha, André Lara Resende, Chico Lopes, Wilson Suzigan, Paulo Guedes e o aparecimento (na PUC) de Pérsio Arida; foi melhor ainda aprofundar conversa com o Armínio Fraga que, de família de gente íntegra, se mostrava claro, altamente técnico e bom. Era o aluno que eu respeitava. Não tinha uma posição ideológica clara. Queria o bem.


151 Foi ser professor nos EUA, porém pulou para o mercado com o Soros, foi diretor do Banco Central e segurou as pontas do Brasil pós-dilúvio de 1998, Acho arriscado ele, na Gávea Empreendimentos, mexer com fundos mui grandes, mas sempre vou admirá-lo. Preferia ver Armínio num governo progressista. Cada vez mais acredito, além de outras possibilidades, numa atual fase de capitalismo cooperativo. Armínio Fraga, tendo que perceber um mundo globalizado sobre a perspectiva de fundos de Investimentos, tende a, atualmente, ter de falar visando seu público de Investidores. Isto, até agora, permite que a participação pública de Armínio se dê sem sua completa potencia de Homem Público. Espero que ele ouse mais e entre num forte apoio para Projetos

de Disseminação de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Hábito de Leitura. Só a leitura salva diz o pastor Jávouletrar.

DEU NA REVISTA61 WARREN BUFFETT, O NOVO DONO DO MUNDO. O megainvestidor ultrapassa Bill Gates no ranking dos bilionários com estratégias que incluem – quem diria – comprar reais. O megainvestidor Warren Buffett, que comanda uma empresa de investimento batizada com o nome esquisito de Berkshire Hathaway, nunca foi dado a badalações. Não seria agora, com a notícia de que ele assumiu o primeiro lugar na lista dos mais ricos do mundo da revista Forbes, com uma fortuna pessoal estimada em US$ 62 bilhões, que as coisas seriam diferentes (...) Para muita gente, Buffett, de 77 anos, até exagera no estilo de vida frugal que costuma levar. Nunca circulou pela noite com celebridades ou pseudocelebridades. Continua a morar na primeira casa de três dormitórios que comprou, em 1958, logo depois de se casar, por US$ 700 mil (em valores atualizados), em Omaha, Nebraska, no Meio-Oeste Americano (...) Numa entrevista para a rede de TV americana NBC em 2007, Buffett afirmou que não andava com telefone celular nem tinha computador em sua mesa de trabalho. Em 2006, Buffett anunciou que doaria sua fortuna à Fundação Bill e Melinda Gates, de seu amigo menos rico Bill Gates. Muita gente imaginava que Buffett deixaria seus bilhões para os três filhos, Susie, Howard Graham e Peter – da primeira mulher que, Susan, que morreu em 2004 (há 2 anos, Buffett casou-se com Astrid Menks, de 62 anos). “Quero deixar para meus filhos o suficiente para que eles possam fazer qualquer coisa, nas não tanto que eles não queiram fazer nada”, disse.

61

Revista Época, Primeiro Plano – 10 de março de 2008.


152

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

MILU Minha cama está arrumada Foi a faxineira que arrumou O chão do banheiro faltou me dar sopinha O lençol lavado está cheiroso Suas mãos e as minhas não se tocaram se Aproximaram quando lhe dei o dinheiro Não que seja o pior pagador do mundo Não que ela fique infeliz com o dinheiro Minha alma não está arrumada Escrever poemas como este cheira engajamento As revistas de poesia não querem que se lembre De salário mínimo ou de sub-emprego O poeta conceituado deve falar para seus comparsas atualizados Minha alma está dilacerada. Ontem a síndica e A sub-síndica proibiram o porteiro de ler em serviço Havia lhe dado Drummond Bandeira e Graciliano Ramos Sonhei que a leitura lhe tomasse o levasse para o Segundo Grau. As duas urutus proibiram o porteiro da Noite de ver uma micro-televisão que ganhou As alegações são as mesmas: - não prestam atenção O prédio que moro faz 22 anos, nunca aconteceram Grandes defeitos por lá, tem portão eletrônico Os porteiros têm tempo livre porém devem olhar para o portão Não podem deixar de mirar as grades do portão de um apartamento Onde moradores de sala e quarto representam a classe média do Brasil. A que tem desprezo pelo seu povo. A degenerada a medrosa Do movimento Basta, do Pedro Bial e da Tolerância Zero Ontem dei dez reais para dois pivetes que imploravam comida e Um ainda tentou puxar o dinheiro que ficou comigo Corri atrás dele e nem sabia o que faria quando pegasse o Pequeno. Gritei solta o dinheiro e ele soltou e seu amigo chorava Um segurança o pegou foram embora para um lugar pior Desculpe-me, revista de gente bacana culta que não quer ouvir Histórias velhas que quer imagens sem cotidiano Mude logo para o poeta da outra página e se o outro insistir Em contar casos que você lê a toda hora no jornal troque De revista de jornal ou pense que dá para trocar de vida.


153 Borbulhantes A pedido de Thereza, que gosta.

Livros, livros e livros, e o despertar da

cidade. Nada ruirá com livros.

Sensacional: nesta terça, dia 30 de outubro, às 19 hs, Sergio Cohn acerta mais um golaço. Dá inicio à sua coleção Azougue Editorial de pesquisa com entrevistas de grandes. Coleção Encontro. Procura que tu encontra. Nesta terça dia 30 na pizzaria Piola, free free too to, algo de Sampa, cai bem, enchanté com espumante, borbulhante como o tal, lá na Paul Redfern , aquela do fim de Ipanema, entrevistas nos trazendo de volta figuras. Saudade de figuras tais. Entrevistas de toda uma vida várias entrevistas por livros, livros no preço que dá para comprar. O seu favorito entre tantos favoritos. 20 reais.E estão lindos. Livro com entrevistas de Vinicius de Moraes, Darcy

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Ribiero, Milton Santos, Sganzerla e Jorge Mautner. Vou estar

sóbrio

nesta, , pois cavalo sobe e desce escadas, morros caem a cidade se transforma e zomba, o Padilha ganha dinheiro, a Globo faz série, e Serjão lança uma série mais séria e divertida e os Livros! E a memória! E a saúde! Salvem os grandiosos sábios de nossa história! Se minha irmã, Claudia, for e ficar duas horas no mínimo, ficarei a(en)gra(n)decido. O mesmo digo para Marcia Cibilis e demais companheiros, amigos e admiradores do Darcy Ribeiro.

4 de novembro – Lembra Paulo Roberto Tonani, Sarau Letras da Favela –Roda de poesia da Rocinha, no domingão, ao invés do Faustão,às 18:30, no Salão da AMABB – Travessa Palmas 3, quase esquina com a Via Ápia, Rocinha. Se encontrarem com o vai para casa Padilha procurando vídeo pirata, olhe para o lado e dá o famoso. Pô, o cara é um corta festa. Vai pra casa Padilha, já previa o Jô Soares faz tanto tempo. Oracular, quando o ego não tá demais, o gordo. Já iniciei meu regime e vou entrar com água e tudo na galera da Torreão.

DIA 8, de novembro, às 19 horas, Márcio-André e a temida turma da zona norte, todos armados de cultura e de paixão, querendo pegar eu bolinha e meus amigos, salvos por Luluzinha na hora certa. Luluzinha é demais! Mais Márcio e A Confraria do Vento, lançam no OI FUTURO, tudo bem? Como estava no passado? Como? Como estava no passado. Oi, o que, como estÁ – cada segundo passa a cada segundo contado, oi presente,

bem?, no Oi Futuro

tudo

lugar que respeita, atualmente com certeza, a poesia, através do curador Alberto Saraiva, Márcio e a Turma da Zona Norte


154 compartilhando com Bolinha, Luluzinha, Chiquinho e Francisquinho, estarão conduzindo boas bolas para sua revista Confraria do Vento, a primeira impressa, a revista eletrônica já tem um tempo e é ótima, com qualharada de gente de alto nível. Márcio e sua rapaziada são lutadores, a revista não é barata pois está, segundo Marcio André, tinindo, luxuosa, e custou caro para a editora que teve lindo apoio da UFRJ. Acredito. Levo fé. O importante é dar uma passada no

sóbria

OI Futuro e conferir o esforço da Confraria do Vento. Fincarei minha sola, , às 19 horas. De agora em diante para quem quiser ver as palhaçadas e grosserias do Zarvoleta bêbado, a rainha loooouuuca, diria Fred Miscelania, marcarei dia e

Borbulhante

. De resto me internarei hora para entrar no êxtase dionisíaco. com meu poeta em seu mosteiro por seis meses. Uma borbulhante por mês, por favor, garçom mais uma, cherri, pois ninguém é de ferro.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Heloisa Buarque de Hollanda e sua Aeroplano acertam mais uma majestosa. Heloisa minha diva visionária, lança Cidade Ocupada do mui amado Ericson Pires. Nosso doutor pegou sua tese de doutorado e junto com Heloisa a transformou num livro de teoria de estante de casa e livraria e biblioteca de intensíssima inteligência e afetividade. Com a capa homenageando a bela galera de artes

plásticas do Rio.

Dia

27 de novembro, ainda falta, entretanto já vou berrando no SESC do Flamengo, às 19 horas, Cidade Ocupada, de Ericson Pires.

memé, dia 27 de novembro

Rapidinhas mas gozosas, daquelas na escada do prédio. Carlos Emílio Corrêa Lima, avisa lá de Fortaleza, como o Rio tem saudade de nosso Carlos Emílio, o Estado do Ceará deveria financiar o doutorado de letras de Carlos Emílio na PUC daqui. Seria bom para a cidade tê-lo de volta. Por um tempo!, segreda Tavinho Paes. Mas C. Emílio e uma rapaziada de primeira, fala Chico Inteligência Vieira e Marcelo Bittencurt, Lançaram 33 poetas Antologia

........

Massa Nova, no Dragão do Mar em Fortaleza Paloma Vidal e a rapaziada da Grumo lançam a número 5 da revista Argentinabrasileira GRUMO.

...

Viva Buenas Aqui no Rio saiu o Ralador também número 5. Parece ser o número da sorte do mês. Borbulhantes para Guga Ferraz e Roosivelt Pinheiro, os

............ Quarta, 31,niver do filósofo Flávio Biolchini

editores no Lamas às 21hs. Comidas


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

155


156

Kant

....... Dia 5 de novembro, segunda às 19 hs, na Caixa Econômica da Av,

Chile, lá onde é o Teatro Nélson Rodrigues, grátis too to, exposição Brasil – na

visualidade Popular.Terminando, vale a pena chegar no OI

Futuro e ver exposição POIESIS com poesias visuais e de novas tecnologias muito bem escolhidas e os filmes do ZEBRA POETRY FILM FESTIVAL. Caminhos diferentes que a rapaziada pode se inspirar. Bão já estou tontão de informação. Sorte e que se preste atenção na conversa do ãoserão. Como saber? Além de comemorar os 50 anos do sábio e VJ Maurição (Antun), achar que o mundo pode mudar e que o atual sistema, baseado na falta de solidariedade, não é too to to naturalíssimo. Vai garotada de DCES, Pires, UJS, UNE, Partidos, Posto 9,

Gauche na vida, no dizer de Drumm(ã)ond.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Sindicatos, ser


157 Mais questões Para o pensamento escolar, incluindo a primeira fase do terceiro grau, da zona sul de estudos sobre a cultura contemporânea, tudo começa com JK e o fusca, passando pela reorganização do projeto gráfico do JB, pela entrada do concretismo, Pop e Fluxus, a luta política cultural do início dos sessenta – aí embarcando o CPC, OPINIÃO e Mostra OPINIÃO 65, Tropicália – a entrada dos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

militares apoiados pela classe média e a destruição do AI-5.

F 89

Já em 64, as principais lideranças da era Jango foram exiladas, só voltando em 79, com a Anistia. Os anistiados são boicotados pela nova cultura do se agarre no que você conquistou, dos 80. O Brasil de 1976 dá uma guinada. É o ano de lançamento dos 26 poetas hoje, e seu desespero, e seu afastamento do embate com a morte de botinas do Leviatã. Ainda bem que Sergio Cohn não deixou que a memória da Nuvem Cigana se fosse com a morte ou caduquice dos participantes, e fez com que as pontes entre o MAM do Rio de Janeiro, o olhar irônico sobre as

Dunas do Barato e a chegada do Posto 9 fossem traçadas com jeito

menos solene. Agora, pode vir o livro-gap que Xico Chaves prepara, sobre o tempo da Direção do Rubens Gerchman no Parque Lage. Maria Juça faria a do tempo dela. Vivi o começo do Circo Voador. Foi em 1980 e o Parque Lage estava abandonado. Esta restauração do passado vem sendo feita sem ousadia. Os Artistas Novos Ricos e os velhos poetas não desejam deixar fluir seu alegre início. Tão bem comportados que ajudam os acostumados,aos que esqueceram o que os porcos apagaram como Orwell mostrou; os que não vão deixando a memória não ajudar a constituir o novo país que persiste em não desmoronar, como depois de uma boa análise freudiana. O pragmatismo da encruzilhada. O Poema sujo


158 representando o fim das ilusões desenvolvimentistas com pitadas de transformação radical popular, e a mescla dos 26 de Heloisa ainda válida e cada vez mais canônica e belamente passada, e Trate-me leão dando voz ao novo grupo, o Asdrúbal, que dita muita moda até os dias de hoje, principalmente com a forte Regina Casé. E é 2010 e a rede Globo ainda se mantém no poder. Preferia várias TVs Futura, e haverá, e de outro lado com a Record brigando por um país mais conservador. TVs comunitárias, TVs públicas misturadas com sites propondo que faça você mesmo sua programação. Logo logo, meu irmão. E Gil é ministro da Cultura e Caetano vota contra Lula e Chico vende DVDs aos montes sobre sua vida realmente bonita, o filho da classe média idealizado. E os que cercam, principalmente o poder irradiador dos dois baianos, são agraciados pela sorte. Jorge Mautner agradece a Jesus Cristinho, é verdade grande poeta, mas faz corte à dupla de Sãos, Caetano e Gil, que tendo vivido em São Paulo no início dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

sessenta se embolam com os irmãos Campos e logo depois com os Mutantes e ao mesmo tempo, pouco antes, com a irmã Bethânia e ainda com Nara. Dupla que ama Vinicius e Sergio Buarque e a Semana de 22 (principalmente Mário de Andrade) e que depois, logo depois, 40 anos depois, no Rio de Janeiro, se abraça com Jards Macalé, Torquato Neto, Helio Oiticica, que se embola com os chamados marginais. E até agora é a memória dos vencedores que fica e acho que bem fica no país cordial, “afinal a ditadura matou muito menos aqui do que na Argentina”, pensam uns, “ao menos a ditadura tinha um projeto de desenvolvimento”, dizia Caetano no seu show, no Canecão, no início dos 90. E o país do que poderia ter sido não é

Beijo para Zoy

pensado e o tempo passa e como muitos pensam a escravidão passou. E já faz mais de 100 anos e a escravidão não passou. Os a(u)(r)tistas ricos no poder com seus empregados ganhando 80 vezes menos é o natural. Seria intragável mudar a


159 história quase feliz do Brasil entre 58 e 68 e, para os freqüentadores do Píer, até 72... Só que não é verdade. Ou é verdade? O Brasil de 22 era uma enorme Semana de 22 que mal saiu nos jornais do Rio pois estes estavam mais preocupados com a Feira de 22. E Ericson Pires foi o primeiro a me lembrar da tomada do poder dos modernistas simbolizada pelo hotel em Ouro Preto. E vou lendo mais e mais e de certa forma, a tomada do poder por Gil com o Tropicalismo e posteriormente os poetas marginais e, logo, o Rock Brasil dos 80. Todos têm algo em comum. Era como se só fosse possível o fio firmeza da tomada do poder dos modernistas – esquecendo o que foi devido a Getúlio Vargas, nunca engolido por muitos modernistas, vários no poder com Getúlio – inventando a Cultura Nacional em que os negros só entraram como personagens principais faz tão pouquinho tempo.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

sSorrrrrrrrrrrio.

Anastassakis e Lancellotti


160 CAMILA DO VALLE:

Máquinas de legitimação (In media res) ...Os nomes dos referenciais de saberes disciplinares para a cena desse diálogo central sobre culturas que até há bem pouco tempo — e ainda hoje em alguns espaços — eram consideradas periféricas(1) precisam proliferar de forma caleidoscópica. E essa proliferação também pode ir do tenso ao lúdico. Mas é uma proliferação fundamental para que no campo das idéias exista um acompanhamento paralelo do que entre instituições, organizações políticas e empresas se chama “Mercosul”. E este acabou por ser um parágrafo-epígrafe.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Num artigo intitulado “Cisão portenha” e publicado em 19 de junho de 2006 no suplemento literário “Prosa e Verso” do jornal brasileiro O Globo, o autor termina o texto da seguinte forma: Seja como for, a prosa argentina contemporânea está vivíssima e quicando. Muito longe de serem fixas, as oposições falam tanto de sua força como de sua ambigüidade. Encontra-se à espera de um trânsito maior entre os leitores brasileiros, dentro e fora da universidade, por supuesto.

A autora que ora se apresenta se surpreendeu com o acordo repentino entre suas próprias conclusões e as do autor ao final do artigo publicado no jornal, pois havia passado todo o tempo da leitura rabiscando questões no próprio jornal e problematizando afirmações ou categorias e este era o primeiro momento de concordância. O primeiro problema apareceu no primeiro parágrafo, quando o autor do artigo afirmara: “Do outro lado do ringue, escritores com menos preocupação teórica e abundante reclamação sobre a leitura acadêmica, que não os ‘aceita’”. Neste ponto: interrogação. Mas esses autores argentinos buscam essa aceitação da leitura acadêmica? Talvez esta seja uma questão brasileira, das chamadas “margens” buscarem legitimação nos chamados “centros”, e centros entendidos aqui como instituições. No caso do Brasil e de seu problemático número de leitores, o “centro” é justamente a “máquina legitimadora”, que é composta eminentemente por um acordo entre universidade e mercado(2). O “centro” é também o lugar onde vive o leitor. Ou melhor, “a máquina legitimadora” é sempre onde vive o leitor. No caso do Brasil, mais ao “centro”. No caso da Argentina, em células coletivas espalhadas ao longo do território argentino, dentro e fora de instituições e mercado. Levanto a hipótese de que o atual mercado de livros na Argentina, bem mais abrangente e abundante, e as correias de transmissão que põem idéias em circulação poupam, seguramente, a maior parte dos escritores editados pelas centenas de editoras dessa preocupação. Mas logo no início do segundo parágrafo, o autor da matéria do jornal usa essa expressão da qual gostei e me apropriei e que me parece servir como parte de uma resposta a ser formulada à questão problematizada anteriormente: “máquinas de legitimação”. O que os escritores argentinos têm em mãos — e avanço ainda a hipótese de que eles mesmos criaram as tais — são verdadeiras “máquinas de legitimação” independentes da academia e produzidas por redes que incluem as oscilações do mercado de livros. Essas máquinas são uma verdadeira “tecnologia social”.


161

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

As redes argentinas são compostas de pequenas e médias editoras, blogs onde a discussão ferve, farta e paradigmática mídia eletrônica, cyber-cafés de preços muito acessíveis, oficinas literárias onde a criação é coletivizada, movimentos culturais que se articulam com movimentos sociais — vide a experiência da editora Cartonera; a experiência do movimento de poesia Yo no fui, desenvolvido numa penitenciária feminina; e a experiência da galeria de arte Belleza y felicidad: suas preocupações de articulação com códigos culturais de camadas mais pobres da sociedade —, atores sociais que são dublês de escritores, artistas e produtores culturais, ou seja, mediadores sociais e, fundamentalmente, um mercado leitor variado, promissor e aparentemente inesgotável de consumidores de projetos de literatura. Parece-me que os produtores desse sistema literário-cultural na Argentina apontam questões e soluções que as tradicionais “máquinas de legitimação” brasileiras não dão conta, pelo menos não prontamente, de acompanhar ou corresponder. É a partir dessas constatações que acredito que a discussão da relação “sistema democrático” e “produção literária” já caminha bem mais adiantada na casa do vizinho portenho. Esta questão específica nos leva a uma visita ao blog de um escritor, tradutor e editor argentino no dia 04 de agosto de 2006...

1- Não creio que seja uma coincidência: há bem pouco tempo é que a América Latina tem demonstrado, em vários países que a compõem, uma tendência mais evidente à esquerda. Claro que hay — sempre — que ressignificar, ressemantizar se preferem, “esquerda”. 2 - Há dois capítulos no livro La batalla de las ideas, de Beatriz Sarlo sobre o panorama das idéias na Argentina entre 1943 e 1973 que são dedicados à dicotomia academia x excluídos: “El divorcio entre doctores y pueblo” e “Contra el ‘duro corazón de los cultos’”. Buenos Aires, Ariel Historia, 2001. páginas 24 a 27 e 33 a 36. Chamo a atenção para este livro e para o período histórico nele analisado exatamente por encontrar fortes razões para acreditar que a discussão se põe no país vizinho em outros termos e em outros tempos, embora esses termos e essa discussão talvez ainda seja válida para o caso brasileiro. Indico também o livro Semear Horizontes – uma História da Formação de Leitores no Brasil e na Argentina, de Gabriela Pellegrino Soares, tese defendida na USP e publicada pela Editora da UFMG em 2007. 3 - Ver www.monolingua.blogspot.com


162 Território presentes I De resto a Globo e logo Record com talentos mais populares e de produção entediante vise, como público, o antigo Povão. O Povo Moreno de Darcy. Axé, Forró, Sertanejo, Mela Cueca. Não apareceu uma escrita popular como Henry Miller, Fante, Jack Kerouac, Jack London, Edgard Allan Poe e tantos mais no exirmão, defenestrado por arrogância, os EUA. Por sinal, gosto da distribuição da Globo para filmes: O Auto da compadecida, A grande família e Antônia são bons exemplos de mistura de produtos de televisão popular e cinema. Esmaguem Dom João escreveria um Voltaire desesperado com a falta de mobilidade social do Brasil no início do milênio. Ou a fácil cooptação ou adaptação como no caso de meu amigo e querido D2 e dizem o maravilhoso Seu Jorge. Não posso acreditar que Seu Jorge assinou o “Cansei”. Gosto demais do Seu Jorge. D2 para conversar

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

malandragem. O sorriso dos seus olhos é bom. Mas viva o funk a força

FUNK. Porco Invejoso - Coração Porco

Nasci porco. Com toda a gracinha rosa que me foi destinada e com a naturalidade de ir engordando, no meu caso numa pocilga. O dia da minha morte foi um assombro. Fincaram uma estaca no coração porco e todos se arregalaram pois não berrei. Não fui um porco com morte normal. Fiquei calado invejando a todos que sofreram mais do que eu.


163 Aqui em 2008, os vitoriosos pós-64, pós-79 e a Abertura Política, estão no cinema com sua potência, paixão e dinheiro, e na música, impregnando e mostrando sua bioideologia com status de inteligência e mobilização. Gilberto Gil, no Ministério da Cultura, com toda a qualidade como melhor Ministro da Cultura, ainda deixa a desejar, dada sua importância, saber e dignidade. No pior período do último governo Lula, acuado pela oposição, Gil teve uma atitude ímpar na defesa do presidente, sua presença na ONU jogando futebol ou cantando com Kafi Oonani deu dignidade a todos os brasileiros, mas Gil, que tem o temperamento do somatório tanto tropiocalista, como de outras várias vertentes posteriores e não exigiu do Presidente a verba mínima justa para sua pasta. O 1% prometido. O fim da CPMF atrasou a entrada de recursos parsaaaaaa Gil estar no nível que poderá chegar e fazer com que a Cultura seja disputadinha com triunfo pelos partidos. Caetano Veloso tocando com amigos da galera do CEP 20.000 (Pedro Sá e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Marcelo Callado), Nelson Pereira dos Santos e Arnaldo Jabor: tudo muito Rio de Janeiro. O filho do filho de quem se tornou pai poderoso. “Esmaguem a maldita”, assinava Voltaire, contra a Igreja, lembra Roberto Athayde; esmaguem Dom João VI e sua patota que ainda cerca, com a ajuda da Rede Globo e seus heróis animados, a cultura da classe média brasileira, já passados mais de 40 anos do festival da Record de 1966. Os Situacionistas já escreviam claro nos anos 50. Êta gente brasileira talentosa e politicamente duradoura, no país do salário mínimo duradouro mínimo e da educação duradoura

nojenta. Agora com Lula o

mínimo deu uma animada e já passou dos 200 dólares. Vai ser mais. Antes, até FHC, era sempre abaixo dos cem dólares por mês: - ora Dolores! Se tiver que lhe pagar mais, terei de contratar, infelizmente, uma diarista -. E Dolores encontrou um taxista cinqüentão pintoso e resolveu ir morar em Araruama: By, By, madama, mudei..

Fernando de La Rocque


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

164

PAULO FICHTNER


165 Territórios presentes II E ficou João Cabral e logo os Concretistas. É Machado de Assis e pula para os modernistas e pula para os setenta e pula para os oitenta, ainda sem saber o que vem. Nem Lima Barreto é lembrado. Nem Ângela Maria. Nem Clementina de Jesus. Nem Miltinho, nem, nem mesmo Luiz Gonzaga... Arranjar outra forma de pensar o Brasil junto com a distribuição da renda. Depois do projeto desenvolvimentista de Jango ser defenestrado com o Golpe Militar, foi à vez de os tropicalistas, já havendo um consumo de classe média para sustentá-los – sem cargos no governo. Agora, muitos, com cargo no poder. Um poder que começa a ser alcançado aos poucos, por baixo: o poder popular. Lideranças artísticas, ainda cooptadas facilmente por dinheiro, e lideranças populares caladas na bala de policiais. Mas isso é bric-brac do logo-logo. Aqui é reforçar a sensação de que, não saímos das questões nacionais. A África é aqui. Hollywood too to. E tu, qual PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

é a?


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

166


167 Conto Entretanto conto.

A Juíza Inácio entrou com seu terno mais bonito. Queria dar boa impressão. Seu nome não é estranho, falou a ajudante da juíza. Magra, baixinha e sorridente, Luiza se formou na PUC do Rio, onde vira Inácio tocar no Festival da Primavera. Tinha até ficado interessada nele: – me lembro, te vi tocar lá na PUC! – Inácio deu seus dados para sua quase fã e foi para o corredor do Fórum da Vara Criminal do Fórum. Tudo limpo e calmo. A estagiária do seu advogado falou que não achava que era a juíza, a fã, pois havia sido muito simpática. Inácio ainda pensou com

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

esperança de que tudo, hoje, poderia estar indo bem para ele. Tudo começou num bar no Leblon, Inácio já tocado. Um playboym, filho de um Poderoso não gostando de um mendigo que delirava na porta de seu prédio, jogou o cachorro em cima do mendigo, Inácio entrou no “que é que você está fazendo?”sem saber que o playboy era o vizinho do bar e filho e neto de Poderosos médios da Polícia, Exército, Ministério Público ou Judiciário, ou gente que dava sempre dinheiro para o segurança, gente mão aberta, chamados, por cada um dos garçons e seguranças, de senhor e doutor. Inácio disse que ele não podia fazer isto, que o cachorro iria morder o mendigo e o playboy disse que seu cachorro tinha direitos, o Estatuto do Animal, pois o mendigo havia desrespeitado seu cachorro. O segurança tomou seu lado, o playboy ameaçou Inácio que achou melhor ir embora. Quando Inácio ia saindo de carro, o playboy já estava dizendo para o PM Barbosa que Inácio havia agredido o cachorro sem motivo, o segurança afirmava que Inácio desacatara a todos com palavrões, o PM disse e o garçom que era amigo do segurança que confirmou que Inácio estava fora de si, pois embriagado, e o PM levou Inácio, Playboy , segurança, garçom e cachorro para a DP. Eles ficaram demorando num depoimento entre eles, já havia um segundo policial e todos afirmaram a mesma história. Demorava muito e Inácio falou que queria ir embora e o policial da DP disse: o preso tem direito a um telefonema. Inácio não acreditou mais, viu que era sério e chamou um advogado, amigo de um amigo, pensando que não era nada. O advogado chegou e disse que tinha de pagar


168 fiança e depois o caso foi encaminhado até chegar na juíza: Embriaguez. Falaram que ele estava dirigindo bêbado, todos viram, no volante, o desacato à lei. Nos autos, constou que Inácio havia tratado rudemente o cachorro e seu dono Cachorrão. Inácio andou ouvindo que ele era filho de um Poderoso, até matador se necessário. O preço do amigo do amigo advogado, podendo ser pago em 18 meses, era mais caro que o carro – “mas está abaixo da tabela” e é muito trabalho –. Falou o advogado charmoso, amigo do amigo. Hoje é o julgamento.

ABAIXO A DITADURA DEIXEMURUBUSSABIÁSBORBOLETASCIGARRASEPASSARINHOQUEB EBEUDAFONTEVOAREM

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Realmente a fã não era a juíza. A juíza era um tribufu com cara de poucos amigos. Inácio perguntou, achando meio inconfortável a posição da cadeira. Posso mexer a cadeira? A juíza de caras de amigos muito cara da juíza, com seus bigodinhos e cabelo mal-arrumado, com ódio nos olhos, parecia personagem da Janete Clair. A excelentíssima tremia ao sentar no seu cadeirão e o advogado olhou e fez um sinal para que ele mantivesse a calma, quando ele mudou um pouco a cadeira e a juíza falou ríspido “deixa a cadeira no lugar”e Inácio viu que a tarde não era para ele e a cor da tarde era a da luz branca do Fórum da Juíza Despenteada, da Juíza Gorda e com um buço avançado. Sua Excelência deve ter achado o ar-condicionado ruim. Começou a pingar em seus trajes-de-baiana e no processo. Piorou quando caiu de sua colher um pedaço de mamão papaia. Era gula pois vinha o sorvete a seguir: Traz logo que não deu para o lanche. Não está vendo que estou entalada de processos?! Sua assistente falou com a assistente da Poderosa e o lanche foi servido até o fim. Inácio querendo falar e a juíza com bolo de aipim entupindo boca e nariz. O advogado do Inácio ficou emudecido pois da coisa ruim poderia sair uma voz de prisão junto com um arroto. A Juíza iniciou o inquérito e enquanto Inácio tentava argumentar, ela interrompia e ele pedia se poderia Excelência, explicar melhor sua posição - e ela com um sonoro não e da boca parecia que havia saído um arroto. Por fim ela disse um simples pessimamente educado e autoritário: – Pare de falar -. O advogado havia lhe dito que Inácio teria amplo direito de defesa.


169 -

Só quero argumentar que o maior símbolo do Brasil sempre foi financiado por cerveja, que meus amigos não sabem desta, lei – Juíza ríspida: Há, Há, Há...para que estudam – ? A lei foi aprovada em 97, pune de seis meses a três anos o motorista embriagado e com desacato piora. No anúncio ninguém fala, é: se beber não dirija. Não fala da lei, deve ser para não estragar o ânimo do brasileiro e sua cervejinha, já que é o PM que identificará o biriteiro e a lei criminal não especifica quantidade, diferente é o caso de leis de punição chamadas administrativa: - Leva que a carteira é tua, pensou Inácio quando Barbosa, na delegacia, lhe retirou o documento com um leve sorriso. Ai, não molha a mão do guarda não, vai dar prisão...

Já deu para entender o que é o judiciário hoje para o Inácio que pode pagar ou

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

vender o carro e pagar. E para a parte do povão, que a chama de Vossa Meretríssima? Ao invés de Meritíssima ou outra honraria mais apropriada. Excelência, o advogado sopra doce, como seu perfume caro, no ouvido de Inácio. Estamos em 2008, logo vão terceirizar os presídios. Tratar melhor os presos. Até lá é chapa quente, coisa de doido, do diabo. Qual o caminho que vamos seguir? A juíza tremia. O advogado depois falou que provavelmente ela estava passando por problemas, que ser juiz criminal é terrível. Não me importa, a mal-educada não pode tratar alguém assim. Será que trata mal o marido porco como ela? Vestida de trabalho de santo de umbanda, as banhas formando o mar que quase matou Ulisses, uma santa barata comprada em Aparecida do Norte e ela comia sorvete e sujava o processo de sorvete e ela comia mamão e sujava o processo de mamão. Era nepotista e corrupta. Não alta corrupção, mas já juntara dois milhões em aplicações e tinha um belo apartamento em Icaraí. Passou 5 anos em prisão domiciliar com vista para o Rio de Janeiro.


170

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Renato Resende – A Escrita da Sinceridade: Fica claro o caráter heterotópico do CEP 20.000 em relação ao mainstream, o projeto carrega consigo também algumas marcas características dos movimentos pós-modernos. Uma delas é a diluição das fronteiras entre as artes (fronteiras estas ferozmente guardadas pelo conceito de especificidade de cada gênero artístico promovida pelo projeto modernista). Outra, não menos importante, é a sua relação com o poder. Ao contrário das vanguardas modernistas, que lutavam umas contras as outras e contra os movimentos culturais e artísticos que as precediam, num constante esforço pela hegemonia cultural e embate entre inovação e tradição, num momento pós-modernista os bens culturais da tradição elevam-se à mesma plataforma do possível ao lado das novas tecnologias e todas (ou quase todas) as escolas artísticas, que se tornam “produtos” disponíveis por seu mero valor de uso, liberadas de sua carga histórica62, enquanto “a tendência é a busca da separação entre saber e poder: o saber não deriva do poder, o saber está à deriva em relação ao poder. O poder não é a meta, o que se busca é a autonomia”63. Mas assim como a valoração igualitária de todos os bens culturais promovido pela estética pós-moderna não representa necessariamente uma perda em relação às conquistas modernistas nem tampouco uma submissão à indústria cultural e ao poder dos meios de comunicação em massa, a separação entre saber e poder não acarreta obrigatoriamente uma postura apolítica, uma incapacidade de separar o joio do trigo. Pelo contrário, pode significar uma atitude fundamentalmente política. São conhecidas as relações entre ideologia e estética, e não são poucos os autores contemporâneos que têm se dedicado a estudar as implicações do advento da estética na cultura ocidental (desde que o termo foi cunhado por Baumgarten em 1750, ou seja, na aurora do Iluminismo, da modernidade) e suas relações com a política, a estrutura social e a forma como o homem experimenta o mundo e a si mesmo. Assim, o crítico literário marxista Terry Eagleton afirma na introdução de seu A ideologia da estética: “Meu argumento, latu sensu, é de que a categoria do estético assume tal importância no pensamento moderno europeu porque falando de arte ela fala também dessas outras questões, que se encontram no centro da luta da classe média pela hegemonia política. A construção da noção moderna do estético é assim inseparável da construção das formas ideológicas dominantes da sociedade de classes moderna, e na verdade, de todo um novo formato da

62

Dou como possível exemplo a recente publicação (em outubro de 2006) de livros individuais de três jovens poetas membros do coletivo “Os sete novos”. Os amigos Domingos de Guimaraens (também artista visual e performer), Mariano Mariovatto e Augusto de Guimaraens Cavalcanti lançaram (durante um evento do CEP no Sérgio Porto) e promoveram seus livros juntos, muito embora cada um deles parta de extrações poéticas diferentes e (até o final do século 20) antagônicas: Mariano da vertente modernista culta de Pound e Eliot e dos concretistas paulistas, Domingos do simbolismo (ignorando de certa maneira tudo aquilo que parece caro a Mariano) e Augusto de uma tradição mais recente do pop e da melhor poesia de extração marginal (leia-se Ana Cristina César). Ver Rezende, Renato. “Boas estréias de um coletivo poético singular”, caderno Prosa & Verso. OGlobo, 16/12/2006. 63 Coelho, Teixeira “Pós-modernidade: ‘paradigma de todas as submissões’?” em Moderno pós moderno. São Paulo: Iluminuras, 2005, p. 216. O autor continua: “Não há heróis e vanguardas na autonomia; uns e outros prevêem o fenômeno da filiação, da subordinação, enquanto na autonomia o que há é um suceder simples de movimentos que se ligam por coordenação. Na autonomia existem apenas os co-manianos, como na utopia de Fourier: todos coexistem, assumidas como tais, fugindo da monomania neurótica, terrorista. A vanguarda e o herói, assim como o poder, são desnecessários”.


171

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

subjetividade apropriado a esta ordem social.”64 Para além do uso da arte como mensagem política ou da estetização da política (como apontado por Benjamin), há uma relação mais profunda e visceral entre o estético e o político. Essa relação há anos tem sido o foco de estudo de Jacques Rancière na Universidade de Paris VIII. Segundo ele, existe na base da política uma estética que determina maneiras de estar em comunidade, que aponta aqueles que tem competência para enunciar, que determina o teor da experiência dos espaços e dos tempos. “É a partir dessa estética primeira que se pode colocar a questão das práticas estéticas, no sentido em que entendemos... como formas de visibilidade das práticas da arte, do lugar que ocupam, do que fazem no que diz respeito ao comum. As práticas artísticas são maneiras de fazer que intervem na distribuição geral das maneiras de fazer e nas relações com maneiras de ser e formas de visibilidade”. 65 A proposta do CEP 20.000 é política no sentido mais originário do termo, ao propor uma nova forma de relacionamento, criação e fruição artística entre os cidadãos da cidade, da polis. Essa proposta (possivelmente não única ao CEP 20.000, mas efetivamente tentada pelo CEP) inclui uma mistura democrática de pessoas e da apresentação de seus produtos artísticos sem a passagem por um crivo seletivo prévio; a promoção de uma indiscernibilidade entre os gêneros artísticos (teatro, performance, música, literatura, etc); a dissolução das fronteiras entre arte erudita e arte popular (poesia falada ou canção x poesia culta); uma fruição coletiva e participativa e também – antenado com a tendência pósmoderna –, a transposição da barreira entre arte e vida66, entre atitude e produção artística. Atitude coerente entre vida e discurso sempre teve Chacal (pilar fundamental sempre presente no palco e nos bastidores do CEP 20.000 desde a primeira hora até hoje) e seus companheiros da Nuvem Cigana67, 64

Eagleton, Terry. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. Tradução de Mauro Sá Rego Costa., p. 8. 65 Rancière, Jacques. A partilha do sensível – estética e política. São Paulo: editora 34, 2005. Tradução de Mônica Costa Netto,. p. 17. Nesta obra, Rancière define a partilha do sensível (conceito cunhado por ele para estabelecer as bases das relações entre estética e política) da seguinte forma: “Denomino partilha do sensível o sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha de espaços, tempos e tipos de atividade que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha”.(p. 15). 66 Aproximando-se, como bem nota Terry Eagleton em Teoria da literatura – uma introdução (São Paulo: Martins Fontes, 2003; tradução de Waltensir Dutra), de “um ressurgimento, em nosso tempo, da vanguarda radical que tradicionalmente perseguia esse objetivo” (p. 319). Talvez não por acaso, ao apresentar seu excelente Regurgitofagia no teatro Sérgio Porto, em 2004, Michel Melamed, vestido numa túnica negra de mártir, mendigo e monge, lembrava imediatamente as figuras inesquecíveis das vanguardas européias do início do século 20: o dadaísmo de Tzara, mas mais que Tzara, Hugo Ball, recitando seus poemas sonoros. (Ver Rezende, Renato “Regurgitofagia – a poesia expandindo suas fronteiras”, caderno Idéias, Jornal do Brasil, 11/09/2004). 67 Para uma história detalhada da Nuvem Cigana, ver o livro organizado por Sérgio Cohn, Nuvem Cigana – poesia & delírio no Rio dos anos 70. Na introdução, Cohn declara: “A Nuvem Cigana, através de suas Artimanhas, realizou de maneira sistemática, pela primeira vez no Brasil, a poesia moderna falada... Nas Artimanhas, a poesia pode finalmente se libertar da solidão do papel para se tornar uma manifestação coletiva. Para usar a feliz expressão de Chacal, o Brasil descobriu ‘a palavra propriamente dita’”, p. 5. Outra boa fonte de informações sobre a Nuvem Cigana e outros grupos da chamada ‘geração mimeógrafo’ dos anos 1970 é Impressões de viagem, de Heloísa Buarque de Hollanda.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

172 indubitavelmente um movimento precursor do CEP e também, a seu modo, uma heterotopia. Essa coerência existe em Guilherme Zarvos de maneira mais radical na medida em que seus textos – o próprio corpo de sua literatura – são constituídos pelo lugar de confluência entre a poesia, o discurso político, o relato biográfico, o apelo ao diálogo, à missiva, ao manifesto e outras vozes68, numa mistura de gêneros e intenções que por sua vez se confundem com seu trabalho como performer69 e ativista cultural. Num dos ensaios da sessão “Políticas dos poetas” de seu livro Políticas da escrita, Jacques Rancière analisa o lugar do lirismo na poesia moderna. Segundo o pensador francês, a tripartição dos gêneros poéticos entre trágico, épico e lírico foi uma manobra retrospectiva feita pelo pensamento romântico, que inseriu o lirismo no par clássico tragédia/ epopéia, pretendendo que ele (o gênero lírico) já existia em Platão e Aristóteles. Na verdade, porém, ainda segundo Rancière, o advento do gênero lírico foi a expressão estética/política de uma poesia não representativa que, por assim ser, recusava o controle filosófico e político implícito no esquema representação/enunciação dos gêneros trágico e épico. Para Rancière, “o lugar do lirismo é um lugar vazio nesse esquema, o de uma poesia in-significante ou inofensiva porque não é representativa e porque não coloca nem esconde nenhum desvio entre o sujeito poeta e o sujeito do poema”.70 Assim sendo, ao investir nesse lugar vazio, o lirismo mina os antigos esquemas de representação/enunciação e suas estruturas políticas implícitas e propõe uma nova partilha do sensível71. Tomando consciência de si mesma, a poesia, no lirismo, cria uma “co-extensividade” entre o eu (o eu lírico) e seu discurso, e permite uma forma de o poeta constituir-se e, ao mesmo tempo, como ressonância de seu canto, constituir seu interlocutor, o leitor. Ao investigar a poesia de Charles Baudelaire em seu já clássico Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo, Walter Benjamin indica como o poeta parisiense radicaliza ainda mais essa função do lírico, já então embotada, ao, em Flores do mal, pela primeira vez “usar na lírica palavras não só de proveniência prosaica, mas também urbana”72, transmutando o léxico lírico e fazendo dele uma alegoria. É nesse mesmo sentido revolucionário e renovador, e portanto político, que eu leio o lirismo e o confissionalismo exacerbados de um livro como Morrer, que ao ser publicado, em 2002, não recebeu nenhuma atenção da mídia ou da crítica, embora seja, em minha opinião, um dos mais potentes livros de poesia publicados no Brasil nas últimas décadas. Em Morrer, que é dividido em duas partes, “Morrer” e “Transbordamento”, Zarvos faz de si mesmo um personagem, o Zarvoleta, ao mesmo tempo 68

Ver Rezende, Renato, “Zarvos, a liberdade pela palavra escrita”, caderno Prosa&Verso, OGlobo, 13/11/2004. 69 Ver, por exemplo, Muro Burro / esmaguem D. João VI, vídeo registrando a performance de Guilherme Zarvos e Domingos de Guimaraens (com a coloração de André Brito, Marcus-André, Cecília Pavon, Renato Rezende e outros) no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC) durante o evento “O museu como obra de arte”, domingo 29/04/2007, com a curadoria de Cláudia Saldanha. 70 Jacques Rancière. Políticas da escrita. São Paulo: editora 34, 1995. Tradução de Raquel Ramalhete, p. 107. O ensaio no qual Rancière desenvolve essas idéias intitula-se “Transportes da liberdade (Wordsworth, Byron, Mandelstam)”. 71 O lirismo moderno deveria então ser pensado, em primeiro lugar, não como uma experiência de si ou uma descoberta da natureza ou da sensibilidade, mas como uma nova experiência política do sensível ou experiência sensível do político.” Ibid, p. 108. 72 Walter Benjamin. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. Tradução de José Carlos Martins Barbosa/ Hermerson Alves Baptista, p. 96.


173

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

teatralizando e sendo absolutamente sincero em seus arrebatamentos/desesperos/reflexões e esperanças. O livro termina num misto de posicionamento e diálogo com o leitor (que é sempre tratado como um ser consciente e inteligente) – estratégias típicas da literatura de Zarvos – que transcende quaisquer questões meramente autobiográficas (embora sempre as use como trampolim):

Você está louco: Quanto mais você se envolve mais você se envolve. Então é isto. Outro dia li uma autobiografia em que o importante formador de opinião escreve que tem uma atração pela beleza masculina, mas que na prática não realiza a experiência homossexual. Enquanto isso pipocam nas noites do Rio histórias de seus affairs com jovens esbeltos. Pergunto-me, como ficcionista, tendo toda a liberdade de expor situações bizarras, deixando ao leitor a opção de acreditar, o motivo que levaria um escritor a manter uma versão falsa sobre sua sexualidade se ninguém é obrigado na sua autobiografia a falar de todos os ângulos de sua vida: – Só pode ser caso de mãe ou pai vivos – arrisca um amigo. Acredito que exista um espaço em relação ao sexo e às drogas, com todo o sofrimento que possa surgir com sua materialização, que o Estado e os moralistas não detêm a legitimidade de se arvorarem punidores implacáveis. Daí Uma Contribuição Para o Conhecimento da Ação De Minorias. O mundo pode evoluir para uma sociedade mais permissiva e fraternal. Tratando os transbordamentos com compreensão e solidariedade.

Na referida entrevista inédita para a revista Azougue, Zarvos advoga a favor de uma “estética da sinceridade”. Em um email do dia 03/06/07 o poeta elabora sobre o tema da seguinte maneira: “A estética da sinceridade é a tentativa de pensar as máscaras e deixar as máscaras moldarem. Porém tendo o compromisso ético que todos os humanos merecem. [...] A estética da sinceridade pode fugir da autobiografia, da escrita confessional sem pulsão. Tem algo de sado-maso..., o poder de encantar, mas tem o ser pedagogo e crente no futuro melhor. O universo das palavras de colaboradores que não querem que o mundo seja mais libertário, o poder, que varia através da grande mídia e as vanguardas desligadas dos necessitados; sempre estará sendo feita ação para necessitados, mas a completa e obscena junção que o Moderno conseguiu amalgamar até o presente é injusta e ignóbil. Daí a sinceridade para dizer a verdade momentânea e para utilizar a Máscara, mais uma máscara. A sinceridade pode jogar com a força do outro como um lutador de jiu-jitsu.” Tal estratégia de desmascaramento, de uma consciência da máscara inevitável, e de sua utilização para o alcance de uma experiência mais genuína, parece ressoar e responder às proposições para uma


174

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

superação da estética defendidas por Giorgio Agamben em seu O homem sem conteúdo. Grosso modo, segundo o filósofo italiano, cujo conceito de vida nua é um dos três tópicos propostos pela Documenta de Kassel de 2007, o julgamento estético, tornando-se o pólo predominante da cultura ocidental a partir de Kant, esvaziou a arte de todo o seu conteúdo, ou seja, de sua capacidade de transmitir e compartilhar uma experiência.73 Desta forma, nada seria mais urgente do que a destruição e superação da estética e o resgate da arte em sua função originária (no sentido da poiesis grega, arte como pro-dução: dar presença a algo; ou modo de verdade compreendida como desvelamento) para desviarmos de um destino niilista.74 Para Agamben, a arte contemporânea é mais efetiva quanto mais logra desmascarar suas próprias estruturas, deixar a nu os fundamentos do edifício estético, e apontar para suas falhas e fissuras, transcendendo a dimensão do juízo estético e superando a distância entre a coisa a ser transmitida (a experiência, o conteúdo) e o ato de transmissão.75 Através de uma prática literária neste sentido fundamentalmente anti-estética, a obra de Zarvos procura o contato com o Outro e o emprego de uma palavra que, trazendo-o para perto de si, num verdadeiro corpo a corpo, possa em última análise transformar as relações sociais.76

73

“Art is now the absolute freedom that seeks its end and its foundation in itself, and does not need, substantially, any content, because it can only measure itself against the vertigo caused by its own abyss.” Giorgio Agamben. The man without content. Standford: Standford University Press, 1999. Tradução de Georgia Albert, p. 35. 74 “Perhaps nothing is more urgent – if we really want to engage the problem of art in our time – than a destruction of aesthetics that would, by clearing away what is usually taken for granted, allow us to bring into question the very meaning of aesthetics as the science of the work of art” Ibid, p.6. “The examination of aesthetic taste, then, leads us to ask whether there might not be a link of some kind between the destiny of art and the rise of that nihilism that, according to Heidegger’s formulation, is in no way a historical movement like any other, but which, ‘thought in its essence, is… the fundamental movement of the history of the West’”. Ibid, p. 27. 75 “The extreme object-centeredness of contemporary art, through its holes, stains, slits, and nonpictorial materials, tends increasingly to identify the work of art with the non-artistic product. Thus, becoming aware of its shadow, art immediately receives in itself its own negation and in bridging the gap that used to separate it from criticism, itself becomes the logos of art and of its shadows, that is, critical reflection on art.” Ibid, p. 50. “An inadequation, a gap between the act of transmission and the thing to be transmitted, and a valuing of the latter independently of the former, appear only when tradition loses its vital force, and constitute the foundation of a characteristic phenomenon of non-traditional societies: the accumulation of culture.” Ibid, p. 107. 76 Tal possibilidade me lembra as proposições do misterioso pensador americano Hakim Bey, que, num curto ensaio/manifesto denominado “Pornografia” do seu livro Caos – terrorismo poético & outros crimes exemplares. São Paulo: Conrad, 2003. Tradução de Patrícia Decia e Renato Rezende, afirma coisas como: “Para nós, a ligação entre poesia & corpo morreu junto com a época dos bardos – lemos sob a influência de um gás anestesiante cartesiano.”, “No Oriente, às vezes os poetas são presos – uma espécie de elogio, já que sugere que o autor fez algo tão real quanto um roubo, um estupro ou uma revolução.”, “Se os legisladores se recusam a considerar poemas como crimes, então alguém precisa cometer os crimes que funcionem como poesia, ou textos que possuam a ressonância do terrorismo.”, “Os Estados Unidos oferecem liberdade de expressão porque todas as palavras são consideradas igualmente insípidas. Apenas as imagens contam...”, pgs. 31-32


175 Ação comum I Hino de Amor a Jarbas Lopes: pego o ônibus, salto na parada 22, em Maricá, passo na casa do Jarbas Lopes, Ana me diz que ele está no sítio, que foi com Marcos, que o encontro no caminho, que, me explica, fica logo ali. Jarbas está lá em cima e entro no portão do Bela Vista. Com medo de cachorros mordões, caminho fazendo barulho, não estou com medo, vou cantando ou chamando pelo Jarbas para que dê tempo de correr caso o mordão me mire. Nada. Tudo é paz no sítio com gramado com subida com árvores quase centenárias. Lá em cima, tendo já visto Jarbas olhando a vista da lagoa na rede, me emociono com a oficina mirante de Flavian. Um penetrável de madeira, vermelho, uma casa ateliê, formalmente moderna, com quatro pequenas torres, entrada de luz, espaço para um casal dormir, depois, Jarbas me mostra. Fazia tempo que desejava rever Pascal Flavian através de seu trabalho. Sua doçura está na minha casa com um dos seus PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

cadernos e a lembrança de pontos espalhados pelo mundo, de Lojas/Museus, encontros de artistas andarilhos e solidários. A Loja/Penetrável CEPensamento (20.000) vai estar nesta lista no dia 14 de julho. A queda da bastilha em relação ao CEP 20.000. Ali, no entanto, no encanto do sítio de Jarbas o trabalho de Flavian encanta, poderia ser uma Loja, um ateliê. Mas os implacáveis cupins devoram a madeira e a bela casinha algum tempo depois ruirá, como as baias lá da chácara em São Paulo, como o corpo e muita memória. Restarão fotos, espero, que não sumam como nas fotos do Solar da Fossa, que Jards Macalé me prometeu mostrar e ainda não apareceram. Toninho Vaz está para publicar a história do Solar. Não poderia estar em melhores mãos: Biógrafo competente e corajoso. Por enquanto vai,

ABRACADABRA Apareça Solar da Fossa.


176 Solar da Fossa - De volta ao Rio de Janeiro, tornou-se um dos "moradores" do SOLAR DA FOSSA. 1966 para alguns, como Rogério Duarte, por exemplo, foi o período da euforia, da efervescência, da eclosão da Tropicália, que aconteceu no Solar Santa Terezinha, mais conhecido por Solar da Fossa desde o dia que Fernando Pamplona mudou-se para lá para curtir a fossa da dor-de-cotovelo de um casamento desfeito. Era um mítico casarão branco, com esquadrias azuis, em estilo colonial, que ficava bem perto da Cervejaria Canecão, na encosta do Morro da Babilônia, no Bairro Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

- Originalmente, em meados do século XIX, o lugar serviu de residência para o vigário geral do Rio de Janeiro. Mais tarde, dirigido por freiras, foi transformado em asilo de idosos e pensionato para moças até virar uma espécie de apart-hotel. Por uma providência divina, veio cair nas mãos de dona Jurema, uma senhora loura, de olhos azuis, que os moradores mais bem humorados comparavam à escritora George Sand por causa de seu gosto por charutos. - A responsável pela portaria e tesouraria era a dona Lourdes que, num respeito incomum, jamais incomodava os hóspedes, a não se por motivos expressos de trabalho. Um das primeiras moradoras foi a dona Beth, conhecida como “quebra-galhos” por ministrar remédios aos doentes, cuidar dos passarinhos dos viajantes e, como tinha telefone, objeto raríssimo por lá, anotava os recados para os vizinhos, num total de 85 apartamentos, que compunham os vários corredores do Solar da Fossa. Como dona Jurema não exigia fiador para o aluguel de 200 cruzeiros novos, muito barato em comparação a outros lugares, vários artistas em início de carreira foram morar lá e o Solar da Fossa se tornou, em pouco tempo, uma espécie de lenda da cultura brasileira. - Rogério Duarte[1], que, de tanto visitar Caetano Veloso, tornou-se um dos moradores do Solar da Fossa, recorda o ambiente e o período: “A arte brasileira lá no Rio daquela época tinha de um lado os cariocas, filhinhos de papai tipo Cacá Diegues, Nara Leão e tal, e tinha os nordestinos, que estávamos começando a carreira naquela época... A gente morava no Solar da Fossa. Os bacanas moravam na Vieira Souto. Nara Leão morava na Vieira Souto. Nunca ela iria morar no Solar da Fossa. Mas nós, nordestinos, Caetano, Gil, Gal, Bethânia também - Zé Keti, Paulinho da Viola, Chico Buarque de Hollanda, Edu Lobo, Francis Heime, Duda Machado, Arnaldo Jabor, Odete Lara, Paulo Diniz, Carlos Pinto, Paulo Leminski, todo mundo que penou até se dar bem, passou pelo Solar. Toquinho, Gutemberg Guarabira, os integrantes do Grupo Vocal, MPB-4, os atores como Maria Gladys, Cláudio Marzo, Betty Farias, Miriam Pérsia, o letrista Abel Silva. Não digo que era um lugar de miseráveis ... Quando morei lá eu era Diretor de Arte da Editora Vozes. Não era um lugar assim lenhado, mas ... Em geral atores, a nordestália de gente é ... que tava mal começando a carreira na Globo ... quase todo mundo da Globo passou por ali. Uma miríade de artistas globais também passou pelo edifício. E ali aconteceram coisas muito interessantes e terríveis ... algumas ... jogo de pôquer roubado no apartamento, altas bacanais, surubas memoráveis e coisas terríveis, Ahhhhh ... algumas inconfessáveis... Lá, mantive diálogos extraordinários com Torquato Neto no apartamento onde Duda e Caetano moravam. Torquato não morava lá, já era casado, mas não saía de lá. Nunca me esquecerei de um dia em que a gente saiu ali e o Solar tava cercado pelo exército... O Solar foi demolido, já na década de 70, pelos militares para dar lugar ao Shopping Rio Sul. Confesso que 1966 foi o período da euforia, da efervescência, foi um período áureo. Um período de grande euforia criativa onde os cartazes de cinema, muitos deles foram feitos ... as capas dos discos da Tropicália foram feitas nesses anos entre 65 e 68 que antecederam a minha prisão. Foi a eclosão da Tropicália, que acontece justamente lá no Solar da Fossa, uma antiga sede de fazenda no bairro de Botafogo, que virou precursor dos atuais apart-hotéis na cidade do Rio de Janeiro no fim dos anos 60”. [1] Duarte, Rogério. Entrevista concedida a Narlan Matos, publicada na Revista Purtunhol, Universidade de Koln, Alemanha, em 2002. E em depoimento ao autor. Por Kenard Kruel.


177 Ação comum II Tem muita gente que gosta de esquecer o passado. Jarbas me convida para sentarmos debaixo de uma árvore, os cachorros com raça de rua – mansos, doces como as árvores, as ruas e o sítio – se acomodam e iniciamos uma longa conversa que vai deixando o escurecer e bichos de mato que voam e que picam aparecerem e a meditação do Jarbas vai sem pressa aparecendo e vou entendendo mais meu amor e o que nos une. A proposta do mestre para um encontro para uma fala em São José dos Campos. Vai aparecendo na fala de Jarbas inteligência que me

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

contagia, a do artista plástico: para

além da razão.

F 90

F 91

F 93 F 92

A primeira vez que vi o Jarbas Lopes foi no seu acampamento, de barraca estilo MST organizado, sentado como hoje, conversa que vai e vem, no Circo Voador. Vogler estava lá, senti emoção pela fala afetiva e desencontrada, com muitas pausas, que normalmente não é a fala do poeta, carregado de palavras e pressa. Poeta urbano. E fui seguindo as peripécias do poeta manual visual plástico papel tinta bicicleta, fuscas, circo, dança, poeta Jarbas Lopes, por esses anos até a conversa com o sopro já saído do inverno de setembro em Maricá. Minha ansiedade vai indo embora: – Vc sabe que sou positivista, no sentido de considerar muito a história cronológica. – Que é isto Zarvos, não acho que nossa conversa lá seja sobre meu trabalho, é sobre política, acho –. As palavras saem da


178 boca do Jarbas com uma iluminação jovial. Até me esqueço que não temos muita diferença de idade. Eu 57, ele 64. Uma eternidade de diferenças de identidades que vão se atenuando, amalgamando, misturando discursos e ritmo, criando cumplicidade, entendimento, consolidando o saber. Jarbas Lopes propõe o futuro. Neste momento mudar o tempo: bicicletar, andar a pé, respeitar seus filhos e o que é Público. Jarbas estudou em escola pública em Austin, Nova Iguaçu, minha querida Austin e hoje seus filhos estudam em escola pública em Maricá: – Que isso de escola particular –, fala com a voz calma e alegre, – vai moldar a vida dos filhos como saber para passar de ano e começar um trabalho de que eles nem sabem se gostam e um tipo de vida de que nem sabem se gostam – vai meu resumo do seu resumo. Integridade. E não que isto não contenha estratégia de ação. Há um planejamento e um comando na ação do Jarbas. Tive a alegria de ser convidado para a primeira viagem dos três fuscas três cores, o Troca-Troca, e ri e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

trabalhei muito num ritmo de dança fréerica, com Luís Andrade e todos os amigos com quem convivi em três dias. Dormindo em lugares comunitários com 15 pessoas, em diferentes cidades, dividindo salas e quartos comuns. Afetividade no precário. Bom comportamento sem coerção. Sua filha de treze anos, Janaína, tem um dom supra com deliciosa inteligência, fala comigo como se fosse de sua idade, minha idade, me desmonta e remonta. (Picasso diz que não se deve ouvir elogios, tira energia. Dalai Lama defende.) Sua mulher Anna, gentil e carinhosa, o moleque é ainda moleque. Seu pai é também Jarbas. Jarbas é o Jarbinhas, tem muito em comum com seu pai, quem foi bem criado. Assim, Jarbainhas cria tão bem. Músico, que viveu de fazer festas no auge das discoteques, o Jarbas pai nos passou toda viagem (rota Van) – Rio- Conselheiro Lafaiete, Rota 2 BH- Inhointi – educação e sabedoria. A arrogância não mora nessa rota. Encontro sensitivo e portador de atenção. Curiosidade arguta e alegre –

alegria gera alegria

como nos gentis happenings da Gentil Carioca. Ponto fundamental de saber e de generosidade neste Rio de demandas sempre por realizar.


179

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

A Gentil Carioca

Dirigida pelos artistas Laura Lima, Márcio Botner e Ernesto Neto, a GENTIL já nasceu misturada para captar e difundir a diversidade da arte no Brasil e no mundo. Crê que cada obra de arte é um cadinho cultural com potência de irradiar cultura e educação. Assim como pensar, fazer, documentar e transformar a história, a GENTIL é um lugar para revitalizar contextos, sejam artísticos ou políticos. Seu endereço fixo toma lugar de concentração e irradiação da voz de diferentes artistas e idéias. F 94

F 95

F 96

A GENTIL também preconiza a ampliação do campo de ação potencial da arte ao estimular a rede de colecionadores e amantes da arte em geral. Quer potencializar novas formas de convivência com ela e intensificar o debate crítico-artístico, atento às inúmeras delicadezas de seu pensar, sua sagacidade, seu sentido criador e transformador.


180

O incrivel painel acima de Fernando de La Rocque foi acusado de pornográfico. Gerando à Gentil Carioca a necessidade de se explicar na delegacia.

F 97

Ontem, A Gentil fez 4 anos e havia, sei lá, quase uma centena, como um belo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

bosque, de artistas plásticos convivendo em gentileza. Salve Gentileza e o Grupo Boato. Axé para Dado Amaral, Beto Valente, Cabelo e toda a rapaziada! E mesmo com o ritmo feérico da cidade grande, na Gentil a naturalidade impera. Também fui, hoje, depois da Gentil, à maravilhosa apresentação dos Babilaques do Waly Salomão, na Oi Futuro, com seus excessos de grades e seguranças, mas que conta com a amizade acolhedora de Alberto Saraiva. A curadoria do Waly é do Luciano Figueiredo, o melhor do Waly finalmente mostrado. Waly Salomão, Ernesto Netto, Hélio Oiticica e Jarbas Lopes, seres penetráveis e penetrados, passam a ser, nesse meus três dias, quase a mesma pessoa. Gente que amalgama. Cada um com seus cada um. Inesquecíveis.


181 Ação comum III: Jarbas Lopes

F 98

Visitamos o interior do trabalho de Flavian, vimos o entardecer, Jarbas falou do perigo que ronda Maricá preservado, os cachorros dormiam, fomos

descendo

no

chuta

pedregulho, e tomamos lanche em família. Vamos para seu ateliê e aí a memória de seus trabalhos vai aparecendo, tudo é delícia. Pego umas das suas revistas energéticas, e vou indo embora. Vou bebendo meu guaraná, substituidor decerveja, em direção à estrada para voltar ao Rio pelas ruas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

de terra, e ouço um grito longe do ateliê:- Vai de Guaraná! Pego um ônibus, estou cansado e satisfeito, para Niterói, comparando a estrada de noite com a Avenida Brasil do início dos 80 descrita por Jarbas. Tenho, na lembrança, a imagem seu rosto contando que aos 17 anos, viu a entrevista de Darcy Ribeiro feita por Roberto D’ávila, era tempo de curiosidade por tudo, já não bastavam pipas, futebol, gatas e bolinha de gude. Nem as festinhas dance agitadas pelo pai. Passou a estudar economia, publicidade e artes, um belo seguidor, de alguma forma de Darcy, como Darcy adoraria saber. Meu Mestre amado, propulsor deste hino, Jarbas Lopes. Daqui a três dias irá para Oregon passar mais de um mês. Quem sabe levará “O Jogador” na bagagem e convidará seu pai, eterno sonhador, para mais uma despedida em Las Vegas. (Rio, 2007)


182 FERNANDO DE LA ROCQUE: Guilherme, eu sei que você não é milionário, e que gasta mais do que pode, mas também sei que, se você quisesse, e confiasse um pouco em mim, poderia ter muito mais dinheiro, eu já te disse que você tem uma marca excelente (embora você discorde ser uma marca o CEP20.000), que está no mercado há 17 anos, que tem um conteúdo não só consistente, inteligente e interessante mas também importante, que reuniu milhares de artistas (que como eu começaram do zero),mas infelizmente, Zarvos, o CEP ainda não cresceu, ainda é um adolescente rebelde de calças curtas, e anda mal das pernas. cara, a roda gira, o Brasil tem o direito de progredir, temos muito pouco pra o nosso tamanho, queremos mais! corre, zarvos, estamos atrasados. todos queremos conforto, os artistas cansaram de serem vistos como os coitadinhos, os fudidos, os marginais. artista tem conta pra pagar, família pra ajudar, e também gosta de restaurante, de coisa boa, de conforto. artista quer apito. e se não ganha, o pau vai comer lá fora, porque geralmente o artista é mais reconhecido fora do que aqui dentro. no Brasil tem que morrer pra ter valor. se quer saber o que acho, acho que marginal é o caralho,eu sou um profissional, e estou me profissionalizando cada dia mais, eu olho pra frente, não tenho nostalgia nenhuma quanto menos do que eu não vivi. esse negócio de ser romântico funciona muito bem pra quem nasce rico. eu preciso trabalhar. tenho quase 30 anos, não quero ser mais um Peter Pan.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

o Negócio agora, Guilherme, é botar as idéias na mesa, temos tantos meios de comunicação quanto pessoas pra consumi-las. vamos, eu te convido, vamos sair da garagem, que tal um rolé no jardim? que tal uns frutos? você plantou tão bem as sementes que eu to aqui, com o posicionamento de um profissional, que com muito esforço diário, se convence em acreditar que o amanhã existe e que tudo pode melhorar. vamos, Guilherme, corre, estamos atrasados. o toque da impressora, da encadernação e da ilustração da capa. Quando você quiser, estarei disposto a fazer seu reposicionamento, porque aposto na sua idéia, aposto em você, e no cep 20.000. Já conversamos um pouco sobre isso, na sua varanda, ano passado, quando ainda não tinha patos lá. Desejar sorte é perda de tempo. Temos que abrir os olhos, o que está acontecendo? veja - o que está acontecendo!" (e.p.) sobre a tese, cara, eu acho que você tem que fazer tudo nela, tudo, não deixa ninguém tocar, deixa tua marca em tudo, você tem desenhos maravilhosos, lindos, ponha um desenho seu na capa, vai por mim. Se quiser, te dou uns toques, como dei ir. Quando você acordar, me liga pra a gente ir pro jardim. Abraço de filho, e de pai Fernando de La Rocque77

77

E-mail enviado por Fernando de La Rocque.


183

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Ação comum IV

Maior calor, vou dar uma saída e fumar um cigarro. Por que não deixam o ar condicionado ligado Hum.. Não, não pode ser. Mas pode. Eu liguei pro guichê. Não pode não – e vira-se de costas. Mas eu liguei pro guichê – fala mais alto. Pode não – fala de costas. Chega outro que fala baixinho: é que ele é claustrofóbico. Quem, o cachorro? Não, meu irmão. Mas qual o problema do cachorro ir no bagageiro, será que ele agüenta? Não agüenta. Vai no bagageiro ou não vai. Já estou dando uma facilitada. O motorista voltou. Mas o cachorro é claustrofóbico. Não, claustrofóbico é meu irmão. Vai ficar preocupado, vai passar mal. Então tá – deixa com o apoio da torcida. Entra o irmão claustrofóbico no ônibus. Troca de olhares estranhos entre homens e cachorro e os outros passageiros. O problema é que ele é claustrofóbico. Mas e aí? Chega a senhora. Mãe, o que fazemos? Pega o cachorro lá dentro que ele é claustrofóbico. Volta o irmão com o cachorro e o irmão claustrofóbico. Volta o irmão claustrofóbico para seu banco – ainda bem que o cachorro ficou, diz como Se pedisse desculpas. O que vai acontecer com o claustrofóbico sem o cachorro. Moral da história. Mas Camarada, o fulano é um ladrão. Não é bom como você fala. Camarada, falei que o fulano é bom, mas é capitalista. No bagageiro o galo preto embrulhado, amarrado com barbante e jornal Já nem cacarejava de tão fraco. Poderá servir para despacho ou para almoço Ao molho pardo. A senhora do rádio de pilha atrás ouve a pastora: – Jesus disse que os filhos acabariam matando os pais. Este caso da menina; Pai matar filha é coisa de possuído. Os outros dois companheiros de viagem na frente conversavam quando foram Presos, ele venezuelano e o outro brasileiro, ambos nos EUA, por evasão de Divisas. Não se conheciam, ficaram amigos e, hoje, fazem negócios seguros com malas transportadas por ônibus.


184 HELMUT BATISTA:

CEP – Helmut, eu te conheci, deve ter sido em 89, você já atuava com arte pública em Viena. Como é que era o trabalho? HB – Eu em 88, estudava ópera. Eu não conhecia nada do sistema brasileiro de artes. Eu já tava há 6 anos fora do Brasil. Eu saí do Brasil em 81 para fazer engenharia e fui parar na Europa vendendo biquíni e fui parar em Viena na Ópera de Viena. O caminho é longo, não entra em detalhes. E fui parar no que chamam de Intervenção Urbana. Por um acaso. CEP – E houve perseguição? HB - Às minhas primeiras “intervenções urbanas”. Passava algumas noites me escondendo dentro de um supermercado e mudava as etiquetas de garrafas, escondido a noite, etiquetas que eu havia preparado anteriormente. Dava para mudar milhares de garrafas. Era época das primeiras máquinas de fotocópia coloridas que me possibilitavam xerocar barato durante o dia e fazer as intervenções.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

CEP – E, nessa época, não tinha filmadora nos supermercados? HB - Viena não era uma cidade de grandes supermercados com filmagem. E nem existia esse tipo de equipamento direito, e ninguém nunca me pegou e não tenho documentação para isso, mas as intervenções eram perfeitas, como se fossem garrafas de vinhos e garrafas de leite. CEP - O Marcio André gosta muito do Banky que é um cara que, entre outras ações, fez, desde o final dos anos 90 anos, fez ações parecidas como colocar bichos tipo besouro com minúsculas bombas num museu de história natural: um “mosquito bomba”. No Brasil, nessa década, também temos exemplos de intervenção e de ações públicas como a de Guga Feraz. O que você via no Brasil quando chegou em Artes Plásticas? HB - Quando eu voltei, em 97, voltei por causa de mamãe que tava doente. CEP -Como de um espaço privado você passou para um espaço publico. E como eram as intervenções? HB – Primeiro, teríamos que definir o que é espaço privado e o que é espaço público. Eu me pergunto, por exemplo, o cartaz da play boy apesar de ser um espaço privado, tanto espaço físico da publicidade, tanto a própria revista, o domínio dela na psique nacional, ao meu ver ela se torna pública. E Ela vive no espaço público. E o publico no Brasil é bem diferente do que em Viena. Ilegal no Brasil, é praticamente ser legal, e em Viena é o contrário. Portanto essas questões do espaço público também depende do seu contesto e, portanto não dá pra analisar isso de uma maneira globalizada. Ao interferir num espaço publicitário em Viena, eu estava dentro de uma pisque nacional cometendo um delito, aqui no Brasil, praticamente todos nos estamos cometendo um delito de alguma maneira. Então olhando dessa perspectiva, as intervenções eu nem vou defini-las como públicas nem como privadas, dentro do contexto desta entrevista, mas como ações de nível político, artístico, cultural. CEP – Já, nos anos 90, quando passei a conviver mais com você, desde o começo você tinha proposta do coletivo e o primeiro deles foi em 98?


185 HB – Em 98, depois de 1 anos de volta ao Brasil, eu inauguro o Espaço Capacete, que na época se chamava espaço P, com os artistas Ricardo Basbaum e Ana Infanti, dentro de um apartamento aqui no bairro do Flamengo. CEP – Você morava no apartamento? HB - Sim, morava com outros 2 amigos, um apartamento coletivo. CEP – A idéia de coletivos, já vinha de Viena ou foi um chamamento do Rio? HB - Eu nunca pensei nessa questão do coletivo como uma partida de uma proposta. Quando a gente age como artista ou agitador cultural a gente sempre tem o coletivo dentro do consciente. Afinal de conta tudo que queremos é conversar. CEP – Além dos encontros que você continua a promover, como você participa da rede dos artistas residentes?

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

HB – A questão dos residentes é uma tentativa de inverter a nossa identidade nacional, afinal de contas o Brasil foi feito de imigrantes, e dês da ditadura quebrou o fluxo de imigrantes. A principio estamos no fluxo contrário da nossa própria identidade. E a proposta de trazer residentes de outros países é quebrar isso. CEP – Você nasceu em que ano? HB – 64. CEP – Seu pai inicialmente foi perseguido? HB - A gente teve que se exilar em 67, eu tinha 3 anos de idade. CEP – Darcy me falou que seu pai no governo Jango tinha uma proposta de construção de algumas hidrelétricas de menor porte que daria mais energia que Itaipu e não acabariam com Sete Quedas, você sabia disso? HB – Não. capacete@capacete.net

CEP: O pai de Helmut é Eliezer Batista. Um dos maiores engenheiros e planejadores do Brasil.


186 AIMBERÊ CESAR:

1. Marcia X e Alex Hamburger

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Em 1983, Ana Cavalcanti, ex-namorada do Mauricio, apareceu em nossa nova casa no Grajaú, acompanhada de Márcia X78, sua parceira no projeto de intervenção urbana “Chuva de Dinheiro”.

Nesta chuva performática, várias notas de dinheiro de cerca de 2 metros eram jogadas do alto de um prédio na Cinelândia. Acabei participando desta performance, que foi meu primeiro gesto de aproximação do universo da arte contemporânea. E isso em plena década de 80, em que se dizia só existir pintura. Foi amor à primeira vista... Logo depois, no Morro da Urca, já com a participação do Mauricio Ruiz e do Alex Hamburger, fizemos a performance “Motim no Cruzeiro”, um desdobramento da idéia do super-dinheiro, do super-valor. Assim começou uma parceria, que duraria por muitos anos: Aimberê Cesar, Mauricio Ruiz, Marcia X. e Alex Hamburger. Produzimos muitas performances, instalações, vídeos e horas e mais horas de papo sobre filosofia, política, vida e arte. Fundamentalmente, o que nos unia, era a idéia da desconstrução de conceitos estéticos e comportamentais. O corpo-presente como ferramenta para a quebra de expectativas e tabus. Éramos um grupo que se auto-ajudava, mas mantínhamos bem claras as nossas individualidades, de forma que, apesar de nos falarmos diariamente e fazermos vários trabalhos juntos, dando apoio, teorizando e discutindo sobre os trabalhos uns dos outros; nunca nos assinamos enquanto um grupo e sempre tivemos trabalhos bem distintos. 2. The Zés Manés79 Formado em 1986 por mim, Márcia X, Alex Hamburger, Mauricio Ruiz e Ricardo Basbaum, tocávamos instrumentos que não dominávamos. “The Zés Manés” era um grupo de libertação sonora e comportamental: – uma subversão na lógica do espetáculo. No Museu da República, no evento “Arte Contra a Fome”, levantamos as camisas para mostrar nossas barrigas desnudas, com pneuzinhos e outros volumes. Num CEP de 1991, contando com mais meia dúzia de Zés Manés, gritamos SOCORRO, em coro com a platéia. – Palavra proibida de ser berrada em vão... Essa catarse do SOCORRO libertado foi nossa última apresentação.

3. Zona Franca Algum tempo depois do Segundas Urbanas, conversando com o artista plástico Edson Barrus, tivemos a idéia de fazer um evento multimídia com o objetivo de radicalizar na experimentação. Ele me apresentou ao Alexandre Vogler, Guga Ferraz, Roosivelt Pinheiro, Adriano Melhem e Ducha, que tinham um espaço/ateliê, na Fundição Progresso.

78

79

http://marciax.uol.com.br

http://zen-nudismo.1br.net


187 Juntos, no início de 2001 fizemos o Zona Franca80. O evento acontecia todas as segundas, na Fundição Progresso, que se mostrou um espaço perfeito para nossas intenções iconoclastas. O Zona transformou-se rapidamente no evento mais underground da cidade.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Acontecia de tudo, artes plásticas, performance, dança, poesia, música, vídeo, etc.

A cada edição tínhamos alguns convidados para abrilhantar a noite, e uma parte aberta à participação do público (Lance Livre). Tudo com entrada opcional a R$ 1,99. O evento durou um ano e provocou grande interesse no circuito das artes, em virtude de seu caráter anárquico e imprevisível. Era literalmente uma zona aberta à experimentação artística, sem nenhum tipo de preconceito. Esta foi sem dúvida a experiência mais revolucionária da minha vida. Anos depois, em 2006, o Projeto Zona Franca, através da curadoria do Ricardo Basbaum, foi parar no museu alemão Württembergischer Kunstverein81 em Stuttgart, como exemplo de Coletivo Brasileiro.

4. Alfândega O sucesso do Zona Franca gerou frutos: Os dois “Alfândega”82 – mega eventos multimídia, no Armazém 5 do Cais do Porto, organizados por mim, Vogler, Guga e Roosivelt, com patrocínio da Prefeitura. O Alfândega gerou um ambiente de confraternização entre artistas de diferentes áreas, com um público diverso, que ia de intelectuais a estivadores do cais, passando por surfistas, dondocas e jornalistas, entre outros. Uma espécie de sonho, cheio de situações inusitadas. Mais de 1500 pessoas, entrada franca, com iluminação, sonorização, UTI móvel, brigada de incêndio e até equipe de seguranças a nossa disposição... Um evento com ótima repercussão na mídia, chegando a ser indicado como um dos destaques do ano de 2003 pela crítica d’ “O Globo”.

80

http://welcome.to/zonafranca http://www.wkv-stuttgart.de 82 http://paginas.terra.com.br/arte/aimberecesar/alfandega 81


188 Ação comum V: Inhotim Volto a Inhotim. Da primeira vez que a vi não vale. Estava sob a égide da batuta do Maestro Jarbas Lopes, levei uns 2.000 xerox de variados poetas e artistas plásticos para distribuir em BH e nas pequenas paradas que iríamos fazer. No arredor de Brumadinho, onde fica a obra. Panfletagem CEP. Trabalhei ardentemente e cumpri minha palavra de estar sóbrio. Os fusquinhas, símbolo do Brasil e mais ainda de Minas Gerais, contagiavam os passantes. Luis Andrade e Abel, filho do Jorge Duarte, iam dando gás e no outro fusca, Jarbas acenava para que a cobra de brinquedo não ganhasse outra forma. A troca de acenos, o sorriso para os três carros-circo. Mas confesso, estava cansado. Quando chegou no último dia, dia da apresentação para o público em Inhotim, descansei bebadoricando e o jardim magnífico e a obra True rouge do Tunga foram as perplexidades que se

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

mantiveram explosivas no meu cérebro demente. Tinha de voltar para Inhotim antes de terminar a tese. Desta vez com o Fernando de La Rocque. Ônibus da madrugada e um hotel na zona da prostituição. Local mais boêmio de BH. Andamos das 9 da manhã, abertura do espetáculo, até às 5 da tarde quando todos em Inhotim merecem descanso. Inhotim é uma das obras imperdíveis do Brasil, junto com a Floresta Amazônica, a Floresta Atlântica, o Rio de Janeiro com Pão de Açúcar-Praia-Cristo-e-Salgueiro-na-rua, o Centro Histórico de Salvador e o Pantanal.

F 99

F 101 F 100

Inhotim supera até as Cataratas do Iguaçu e os Pampas Gaúchos. O artista que criou tal espaço chama-se Bernardo Paz. Ele é alegre e tem cabelos revoltos brancos. Não sei quando deixou de ser empresário para se tornar artista. A


189 amizade com Burle Marx e o gosto estupendo dos dois para a criação do jardim. Bernardo continuou contratando paisagistas de igual qualidade para juntos irem desenhando 25 hectares e depois mais. Sem ter a grandiosidade do Jardim Botânico ou dos Jardins desenhados no envolta de Versailles. Mas o verde de Inhotim, as escolhas das tonalidades verdes, fortes, escuras, vibrantes, em nenhum desses dois jardins pude sentir. O artista Bernardo e suas equipes criaram um coração pulsante verde, explosão de um desabrochar de uma buceta se abrindo. A convivência com Tunga levou Bernardo ao mundo da Arte Contemporânea. Danado Tunga! Além de ser, junto com Niemayer, um dos maiores artistas

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F 102

F 103

F 104

plásticos vivos, ajudou a criar o Sergio Porto, tem ajudado uma galera de novos artistas e agora a sua contribuição para a tomada de consciência do artista Bernardo Paz. A galeria que homenageia Tunga flutua na beira de um lago moderno. A transparência de suas paredes deixa sem vontade da aproximação com a obra. As paredes nos protegem da obra e vice-versa. Viver o vermelho. Mas Bernardo Paz não para aí. Criou para sua amada, Adriana Varejão, a merecida homenagem-tempo-templo, já com a arquitetura contemporânea que está no bom tamanho para aguçar quem for conhecer. Só vi um ato de amor, proteção e intensidade desta forma no Taj Mahal. Mas aqui o amor é de artista para outros artistas vivos. Vou me oferecer como amante para o Bernardo e ganhar uma jóia, não como esta, não mereço, nem como a do Tunga, não mereço, mas como amante do distúrbio merecerei jóia proporcional. Lá em cima, o planetário Tunga, a cobra circo Jarbas, uma obra incomum de Waltércio e jardins que as fotos podem apenas demonstrar. Arquitetura, paisagismo, arte contemporânea, educação, muita educação. Para além do artista, do ambientalista, me enche de felicidade a educação a educação a educação de cada uma das pessoas que trabalham no projeto; o perfeito design dos objetos que cercam todo o jardim. Tudo tem a marca do artista Paz e, como objeto único da humanidade, a


190 arquitetura de base moderna se mistura com o jardim explosivo, com dezenas de artes magníficas, sendo as bem tratadas salas lindas de Adriana, Cildo e Jarbas Lopes marcas de como se deve, quando se pode, apresentar um artista. Minas deixou de ser um retrato na parede. Quando Gil terminar seu tempo no ministério, com a sabedoria em que Mitterrand presenteou a França com Jacques Lang, o próximo Presidente pode colocar um artista depois da saída de outro grande artista. Do magnífico artista da música para o magnífico artista das plásticas.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F 105


191 A explosão do genero para Ericson Pires

História do créu Patos, Patolagem, tapinha no pau debaixo do calção pode. Lembranças dos 17 e do créu-créu de sapos e da juventude em flor. Mocinhas com mocinhas, rapazes e seus amigos, dois deles, volta e meia, deixam suas namoradas em casa para sair com a louca que grita e quer mais de um. Créu-créu. Na primeira, o rapaz que convidou a moça não queria que o amigo visse sua bunda e resolvesse fazer sacanagem, na terceira, era tudo peladão e muito créu... sei lá quem com quem,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

não estava lá. Foi o da calça fechada que contou querer, estranho, diferente, o rolo a três uma vez por semana. Melhor quando o Pó de Arroz ganha. Com uma moça. F 106

Milharal

Vendo troco e dou Todos meus bens simbólicos Por 300 ha de milho 1 namorado E 2 filhos Livros aos milhares e quadros = Milharal


192

* Namorado mecânico Filhos esperança

Procuro Seguro Bancário para tal empreitada Apenas 1 livro por dia. Apenas por hoje Biblioteca Pública museus há avidez juvenil Dentista 2 vezes por ano. Posto de saúde Luz elétrica piscina morna

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Trato por e-mail.

* Babilaque PG.


193 Mais um dia de 117. As surpresas da transformação recente, que vai vindo do crescimento simbolizado pela Parada Gay. Fui uma vez, fiquei na casa do Tarso Augusto, vendo toda a

família de São Paulo, pai, mãe, bebê, tomei vários

leite de moça com cachaça, tomei muita cerveja, dancei muito de baixo da faixa orgulho, descobri vários prédios modernos, um do Niemayer, lindo, que não conhecia, o Copan. Sempre exagerado, neste dia estava tinindo. O Centro de São

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Paulo, passeado, tomado, transeuntes, bem diferentes dos que via

apressado no viaduto do Chá ou Anhangabaú, escolha o nome. Uma nova São Paulo festeja como só na São Silvestre ou na Fiel. Ou no dia 24 horas de Cultura. Explode de alegria. São Paulo ganha cor e ritmo. Chego na casa do Tarso, numa das ruas que dão na Augusta; depois do leite moça com cachaça com gosto de São Paulo pobre. Como um sanduíche gorduroso do Bar Moda da esquina, o sanduíche é horroroso. Os barbudinhos são paulistas, mas tudo é a nova São Paulo e tudo gira mistura de cachaça e batida de leite horrorosa e sanduíche gordurosíssimo; chego na casa do Tarso, que estava no Rio, um amigo dele jornalista, horrorizado, me vê vomitando do quarto ao banheiro, e depois para que não ficasse um nojo, limpa o chão do carioca sem vergonha.

DEU NO SITE83

83

http://pt.shvoong.com/humanities/1715967-hist%C3%B3ria-da-parada-gay


194

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

A bandeira com as cores do arco-íris, que simboliza a comunidade gay em várias partes do mundo, também estará na festa. Mas este ano trará uma novidade: as cores verde e amarelo serão agregadas como um pedido de respeito e paz para os brasileiros e brasileiras e, claro, em uma homenagem ao Mundial 2002. Em 1996, teve um ato na Praça Rooselvelt, em São Paulo, que reuniu cerca de 300 pessoas. "A grande maioria era de travestis e drag queens, pessoas que não têm problemas com visibilidade. Não têm medo de se expor", conta Lula Ramires, que participa da organização da parada desde o começo. No ano seguinte, 1997, a manifestação juntou 2 mil pessoas e já no formato de passeata desfilou pelas ruas paulistanas festejando e reivindicando maior respeito para a comunidade GLBT. Em 1998, 8 mil pessoas e, em 1999, 35 mil cidadãos tomaram as ruas da cidade. Em 2000, os militantes organizaram uma série de eventos que antecediam a parada. Para eles, educar é preciso. O desafio foi vencido: 120 mil pessoas celebraram o orgulho naquele ano. Em 2001, o evento, segunda a polícia militar, traz 200 mil pessoas para as ruas e junto com a multidão desfila a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy. Além disso, surge o Gay Day no parque de diversões Hopi Hari que levou 8 mil GLBT às montanhas russas, rodas gigante e afins. Já a edição de 2005 levou entre 1,8 milhão (dados da polícia local: estimativa de assistência às 17:00 locais) e 2,5 milhões (dados dos organizadores: estimativa de participantes durante toda a parada) de pessoas preenchendo por completo a Avenida Paulista em São Paulo. Em 2005 o tema foi "Parceria Civil Já: Direitos Iguais, Nem Mais Nem Menos"(...) A Parada do Orgulho GLBT de São Paulo é considerada por alguns como o evento que atrai mais turistas àquele estado, ficando atrás apenas do Carnaval do Rio quando falamos de turistas internacionais.84

Nunca como gay, queer tão alegre borboleta, me senti assim emocionado. Já tinha ido na de São Francisco em 95, foi um lixo como a maioria das paradas produto. Em Fresco, vários vestidos, sem a elegância do Carnaval em Veneza, muita família protestante, com filhos de poderiam estar na Disneylândia, numa programa de domingo, maçã do amor e coisa e tal. Protestantes-não, acostumados. Católicos-não, reprimidos. A do Rio de Janeiro é engraçada mas pouco politizada. Gay putatia. Sou mais o Carnaval. Já tem mais de dez anos que, em frente do bar Garota de Ipanema, na Vinícius, tinha o amassódromo: umas setecentas pessoas

84

http://pt.wikipedia.org/wiki/Parada_do_orgulho_LGBT


195 se amassavam e um penetrável de corpos suados de carnaval e desejo se mantinham compactos como uma água morna. Modernidade Líquida. Corpo tomando a rua inteira. E no vem vai do espaço líquido, todos se lambuzando de outros, parte do mesmo. Os mais afoitos atravessavam a rua e sentiam corpos, beijos, todo mundo sem camisa. Very gay my friend. Comecei a notar que mudava

o

paquidérmico

desejo

ainda

hoje

majoritariamente

Controlado. São Paulo assumiu a Parada como realização sua. O típico votante do Mario Covas, a família paulista contemporânea. O Pós-moderno, os Estudos Culturais. Uma festa. A Av. Paulista tomada e a enorme bandeira no meio tocando eletro, as bibas dançando e muita rapaziada e suas namoradinha e

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

seu violões com capa gasta-punk e os skates.

Mais um dia na 117, faz dois anos, por aí, achava estranho que os boys ficassem mantendo o pau intumescido, mostrando que tem e que se brinca, e conversando naturalmente com o colega de profissão. Daí evoluiu para luta de jiu-jitsu, dois boys com sungas vermelhas, cercados por boys, muito deles continuando um suposto chama-freguês e dá lhe ver luta brincando de abre e fecha muitos paus. Levemente disgusting. A evolução segue para stripes praticando sexo e novamente a maioria dos assistentes são os do brinca-pau. Trabalho. Logo vem o concurso de quem bate uma mais rápido e os colegas de profissão ficam torcendo. Hoje, ser penetrado é uma normalidade. A maioria com mulheres e casos complicados. Muita energia e paixão rolam na 117.

Paulo Motta eu, eu Paulo Motta


196

Era domingo, FLA-FLU, apesar dos times serem formados com reservas de ambas as equipes – apenas o fluminense contava com UM titular, Thiago Neves –, o jogo teve uma grande repercussão por parte da imprensa e foi aguardado com grande expectativa pelos torcedores das duas equipes, mesmo com os dois times já classificado para as finais do campeonato.

Pronto, foi só a torcida tricolor, depois dos 2 gols até o momento – lembrando do jogo anterior em que o Thiago Neves já tinha se destacado – aumentar sua festa e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

começar, mesmo que um pouco acanhada, a tirar um ‘sarro’ da torcida rival. O jogo, ainda pela sua metade, estaria entrando no início de uma polêmica que gerou grande repercussão – não apenas na dupla fla-flu, em outros times rivais. O jogo já estava em torno de 35 minutos da etapa final quando o jovem jogador Thiago Neves, com seus 2 tentos já assinalados na partida, tabela com seu companheiro de time, passa por três marcadores – sendo que o último passando a bola entre suas pernas – e toca na saída do goleiro adversário e, na comemoração, embalado pela sua torcida, comemora o gol, virado para a torcida adversária

dançando

o hit do momento,

‘crééééu’

. O ritmo

vem do funk e o funk, mesmo cheio de sujeitos-homens, tem seus protetores deuses afro-brasileiros e na hora da festa, na hora de incorporar, o g ê n e r o e x p l o d e.

O jogo continua, o fluminense ainda, no final do jogo, com Maurício,

faz o 4° gol tricolor e, com o apito final, a metade tricolor do Maracanã – o público havia sido algo em torno de 60 mil presentes – começa a cantar:

crééééééééééu,

“-

créééééééééééu,


197

crééééééééu”. E os jogadores dando créus para a torcida adversária humilhada. Créu de tricolor nos flamenguistas dançava Thiago Neves, rindo e soltando as cadeiras, e a energia do membro iluminado do jogador metia gostoso em cada flamenguista que além de cabeça inchada, foi para casa sentindo o créu inchando.

Um exemplo conhecido é o de Roberta Close, que nasceu menino mas sempre acreditou ser uma menina, tomando hormônios desde a adolescência, travestindo-se e modificando-se até passar por uma operação para mudança de sexo. Roberta tem os genes de um homem, tinha a aparência física de um homem, é heterossexual

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

(visto que se considera uma mulher e gosta de homens) e tem a identidade de uma mulher.

Os programas esportivos discutiam se era ou não um ato de desrespeito, de provocações. No final, por parte da mídia, o Fluminense acabou saindo como o culpado da história. A Globo protege o Flamengo por ter a maior torcida. O Botafogo foi garfado recentemente contra o Flamengo. E o Souza com cara de da

pesada foi absolvido apesar de suas provocações constantes. É Vasco do Eurico e Flamengo da Globo.


198 A coisa rolou nos outros times, principalmente no Botafogo, entraram nessa onda de usar em suas provocações,

o ‘créu’ , Creio em Deus pai, no Espírito

Santo e na Mãe Maria, que consulto amortecido por incenso e fumaça de charuto baiano, que consulto uma vez ao ano com I-Ching, vida após o moderno, a perda do pudico, a perversão como brincadeirinha de jogos de casas. Trair o gênero é acabar com o gênero? 85

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

PEDRO LAGO : Minha primeira experiência teatral foi num curso relâmpago que fiz. Em um mês pude conhecer um pouco da linguagem do palco e ainda fiz uma apresentação para o público. A peça era Ópera do Malandro, do nosso Chico. Não fiz a peça toda, apenas uma cena, onde interpretei Max Overseas. Adorei! A tensão, a garganta seca, a resposta imediata do público, a sinergia com o elenco, o chopp de depois, os cumprimentos, nossa, tudo! Então decidi continuar. Me matriculei em outro curso, só que, desta vez, semestral, onde no final, apresentaria uma peça inteira. Confesso que estava muito tranquilo até saber qual peça e qual personagem faria. A peça? Esta que intitula este texto. O personagem? Veludo, a bicha do cortiço. Nossa! interpretar uma bicha louca logo de cara? Confesso novamente que temi, mas temi o que precisamente? Então, eis que dou de cara com o medo de todos os homens do mundo, o homosexualismo. Interpretar um gay no teatro, por mais que seja divertido (e muito) é realmente dureza, ainda mais para um iniciante como eu. Tive que descobrir a bicha que havia dentro de mim para fazê-lo. A feminilidade, a delicadeza, a voz fina e, sobretudo, o preconceito. Quem diz que não tem preconceito com viado é mentiroso, por mais que se tenha amigos que são ou se tenha convivido com um, seja no trabalho ou em qualquer lugar, é só uma bicha te cantar pra você já querer agredir alguém. Enfim, entrei sem medo (mas com receio) no personagem. Confesso que a vergonha foi bastante complicada de superar, teatro não é bloco das piranhas, mas o mais difícil foi a minha relação comigo mesmo e com esta polêmica questão. Aos poucos, todo o discurso liberal que sempre tive foi se tornando realidade. Sempre disse, e repito, que não tenho preconceito com bicha, apenas gosto de respeito, como todos. Fiz vários laboratórios, desde ir comprar vinho no supermercado vestindo o figurino (maquiagem e tudo) até ir na Vila Mimosa. Ator que é ator, precisa ter essas experiências. Lembro bem, que na ocasião do supermercado, a menina do caixa nem olhou na minha cara. Lembro, que quando fui na Vila Mimosa, vi que as pessoas que alí trabalham são gente como todo mundo (questão que é levantada na peça), que ninguém é mais que ningúem e nem tão diferentes assim. A peça foi bem, fiz meu Veludo bem, faria de novo e posso dizer que se ainda existia algum homofobiazinha dentro de mim, sumiu de vez. Posso dizer que compreendi na pele aquela frase do Picasso: "A arte é uma mentira que nos ensina a verdade". 85

Pedro Lago é um garotão que fez Marketing e agora se junta ao teatro e à poesia como vida. É um sujeito-homem em crise. Seria este e-mail camisinha um texto queer. Cecília Palmeiro responde.


199

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

CECILIA PALMEIRO: Belleza y Felicidad: ¡un quilombo en Buenos Aires! La escena porteña, tradicionalmente caótica, introdujo a fines de los años noventa una nueva variante que inauguró un nuevo modo del arte, un escándalo, un quilombo: Belleza y Felicidad. Tres amigas, Cecilia Pavón, Fernanda Laguna86 y Gabriela Bejerman, las figuras más relevantes de Belleza, señalaron cuáles eran las posibilidades disruptivas de mi generación, qué podíamos romper, qué bombas tirar, cómo agitar. Qué quilombo armar. La palabra quilombo, ya propia del lunfardo, gíria de rua de Buenos Aires, viene del portugués brasileño, como muchas otras cosas fundamentales para los argentinos. Quilombo significa en portugués el espacio tomado, construido, ganado por esclavos fugitivos. En su primera acepción argentina, quilombo es un prostíbulo. En ambos casos designa un espacio marginal que reúne sujetos pertenecientes a minorías que, desde el margen, garantizan y cuestionan a la vez el funcionamiento de las instituciones hegemónicas: la familia burguesa, la fazenda y el modo de producción esclavista87. En su acepción moderna porteña, quilombo es un lío, un descontrol, un espacio que no respeta la norma del orden y el progreso, del buen gusto, del deber ser. Belleza y Felicidad no fue meramente una editorial ni una galería de arte: era un quilombo. Y Fernanda y Cecilia, las fundadoras, son agitadoras, quilomberas culturales. Porque tanto el espacio Belleza como ellas están en contra de las reglas de funcionamiento de la escena en la que irrumpen. Yo las conocí en la facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. Eran un escándalo. Al lado de ellas todos éramos unos caretas. Los profesores más interesantes las adoraban. Es extraño como el proyecto de Belleza se relaciona con la academia, y especialmente con la americana. Luego de terminar la carrera de Letras, Cecilia se ganó una beca de maestría en la Universidad de Seattle. A partir de sus viajes de investigación a Buenos Aires durante la maestría, juntó millas que le alcanzaron para dos pasajes a Salvador, Bahía. Le cambió uno de los pasajes a Fernanda por un cuadro, y las dos partieron. Allí descubrieron un modo de circulación literaria que era completamente diferente al de Buenos Aires. La literatura de cordel: se trataba de pequeños libritos folletinescos que se vendían colgados de una cuerda en negocios que mezclaban la literatura popular con otras chucherías (objetos baratos devenidos más tarde en kitsch). Esa idea de mixtura de materiales heteróclitos resultó clave para Belleza. Porque se trataba justamente de desacralizar la literatura, exponer su carácter de mercancía. Ese carácter ideológicamente negado en una circuito cultural basado en el privilegio de clase, que sostiene un modo de producción literario bancado, tanto en las grandes editoriales como en las universidades, por la explotación cuasi esclavista disfrazada bajo el manto del prestigio –el prestigio de pertenecer a la ciudad letrada. Entonces al regresar Ceci y Fer fundaron Belleza y Felicidad, primero como sello editorial para el cual la 86

Fernanda Laguna y Cecilia Pavón fundaron Belleza y Felicidad a finales de 1999, primero como sello editor y después como galería de arte. Cecilia se desvinculó del proyecto hacia 2002 y Fernanda continuó con la galería hasta 2007. Gabriela es íntima amiga, musa y compañera del proyecto. 87 Y luego capitalista. Los quilombos señalaban la crisis de un modo de producción, a la vez que abrían el horizonte de posibilidad de una utopía liberadora. Sin embargo, a fin de cuentas lo que señalaron fue la transformación del sistema esclavista a uno igualmente cruel: el capitalismo feroz.


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

200 literatura no era solo una mercancía sino una cosa barata, y luego como galería de arte, donde no se trataba de nuclear artistas en un ámbito cerrado, sino de juntar personas que hacían distintas cosas y las compartían con los amigos, poniendo en duda el estatuto del arte y conceptos como calidad estética, especificidad y autonomía. Es decir, borrando los límites conservadores entre las mercancías destinadas a las élites y los objetos destinados al consumo de masas. En Belleza convivieron los textos de los autores contemporáneos más canónicos con las baratijas que las chicas compraban en el barrio de cosas baratas en Buenos Aires (el mítico barrio de Once), con bandas de punk rock, cumbia villera, objetos de artistas de la calle, o cualquier cosa que a Fer le llamara la atención. A partir de entonces, Belleza y Felicidad se convirtió en un espacio extraño, único en Buenos Aires. Es la antítesis del modelo cultural argentino. En vez de importar los formatos de la alta cultura europea (a los argentinos nada les gusta más) en la trayectoria típica del centro a la periferia, Ceci y Fer tomaron un modelo menor de un país periférico con una vastísima tradición popular oral y un canon literario que se vuelve contra su propio elitismo. Y eso que todavía nadie en Argentina conocía bien la poesía marginal brasileña, de donde en realidad venía esta movida. El proyecto de Belleza fue un escándalo que reconfiguró la escena literaria argentina y hasta cierto punto latinoamericana. Porque el proyecto de Belleza no se agota en ese local, cerrado desde diciembre de 2007. Fernanda participó también de la editorial Eloísa Cartonera, un plan de acción que se erige contra el modo de producción capitalista de la literatura. Los libros son fabricados artesanalmente por los editores (especialmente por el editor y fundador Wáshington Cucurto) y los compañeros cartoneros, a quienes se les compra el cartón a 5 veces su precio en el mercado y que participan del diseño de tapas artesanal, así como de la venta de los libros y originariamente de las verduras en el local “No hay cuchillo sin rosas”, librería-editorial-verdulería de barrio. Eloísa publica los autores jóvenes más rupturistas y escandalosos así como los más consagrados como Ricardo Piglia, César Aira, Fogwill o Haroldo de Campos. Y, quizás lo más interesante, abre la puerta un circuito de traducciones, robos, y contrabandos más que fructíferos entre Argentina y Brasil. Esta serie de cortocircuitos y afectividades genera una antiestética de lo trash marcada por un pensamiento queer. Porque justamente lo queer apunta a la articulación entre desigualdad y diferencia, se trata de romper el círculo infame (y sobre todo aburrido) de la alta cultura y dedicarse a las líneas de fuga, a la exploración de lo trash. A las Cosas de Negros. A la cumbia, el travestismo, el descontrol. En esta zona liberada conocí a Guilherme Zarvos y al CEP 20.000, sus impulsos dionisíacos y libertarios, su hacer arte con la vida, siguiendo la consigna de la poesía marginal. Ahora somos una red internacional de quilombo y de confusión. Una asociación ilícita. Ninguém agüenta já a normalidade, me dijo Guilherme una noche, trata-se de trabalhar desde a anormalidade. Creo que no se puede hablar de un grupo homogéneo, pero sí de una política en común: la de destruir todas las jerarquías a su paso empezando por las de clase y de género, en una actitud queer que exalta el valor crítico de la diferencia. “La belleza es la felicidad Cuando está enojada” dice Fernanda ¿Contra quién o contra qué está enojada la belleza? Contra la cultura, contra la alta cultura que es un mundo falocéntrico y aburrido. Y entonces la belleza inocente y cínica a la vez, le hace cosquillas. Se burla, juega con ella hasta revertirla. El lenguaje se vuelve otro, una fiesta, una orgía. Donde todo puede


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

201 pasar, el amor y la muerte, pero sobre todo la liberación, como observa Washington Cucurto. Liberación de los límites del lenguaje, del buen gusto, del canon literario, de la subjetividad. Y entonces la disolución. Y ese es el riesgo de la literatura en general, y de esta poética en común en particular: la disolución que es el objetivo de la felicidad siempre postergada, sueño incumplido de la humanidad, oscuro y contradictorio proyecto de la modernidad occidental. La disolución de lo humano en la naturaleza, primera o segunda, del sujeto en el objeto. La felicidad entonces es el universo corporal, erótico y perverso, que escapa de la norma del sujeto moderno. Es la lógica de este exceso la que produce la fuerza motora de la escritura: la contingencia, la casualidad y la espontaneidad. Porque el exceso no responde a una economía racional: todo está ahí porque sí. Porque es divertido, porque los límites están para ser destruidos, y porque la transgresión es la norma de la literatura moderna. Y las chicas lo saben. Siempre la literatura tiene que ir en contra de su propia tradición para considerarse literatura, y porque el arte desde los años 20 es de vanguardia. Pero la literatura argentina es seria, muchas veces comprometida. Desde el siglo XIX lucha por su autonomía y por no depender de la política (al mismo tiempo sólo puede pensar su función en términos políticos, y está bien que así sea). Pero por eso es solemne, porque, salvo raras excepciones, es consciente de su responsabilidad. La literatura argentina se hizo cargo de la tarea de construcción de una nación, de una lengua y de una tradición. Sabemos que las mujeres nunca somos invitadas a esos quehaceres. Mucho menos las poetas jóvenes. Ahora, en el siglo XXI, no se trata de construir instituciones, sino de destruirlas. Y la destrucción de instituciones es ocasión de fiesta. Esa es la felicidad enojada: la belleza de un mundo en pedazos que se construye nueva y efímeramente en cada texto, en cada evento y en cada performance. Las chicas solo quieren divertirse: decía Cindy Lauper en los 80, cuando nosotras éramos niñas. Ese es el lema que marcó nuestra generación, y se vuelve un lema político y literario. La propia vida se convierte en una performance, como vemos en la revista o diario de amigas ceci y fer, poeta y revolucionaria. Allí Ceci dice: el futuro es mujer. Girls just wanna have fun. Creo que Guilherme piensa como nosotras.

Viva, Seu Samí e Sherazade!

BRANCO SOBRE BRANCO = UMA POSSÍVEL ROTA.


6 Loja/Penetrável/Biblioteca/Instituto/Site/Televisão – CEPensamento

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

CEP 20.000 - CEPensamento

Loja/Penetrável/Biblioteca/Instituto – CEPensamento: A loja foi fundante para o aparecimento do obj eto/livro/tese CEPensamento. A loja CEPensamento, é composta de trabalhos, das mais variadas plásticas, de poetas, no sentido alargado do termo, que necessitei distanciar da minha casa. A proposta vem de uma conversa com Guga Ferraz, Ericson Pires e Alexandre Vogler sobre como criar um espaço múltiplo, que contivesse uma memória materializada em produtos palpáveis, mas que funcionasse com outras possibilidades territoriais. O termo “loja”, já havia sido utilizado anteriormente. Penetrável em homenagem ao saber de Oiticica. Uma loja sensorial e de provocação para a produção de pensamento. Livros, shows, vernissage, mostra de arquivo e inicialmente uma biblioteca com cerca de 700 livros do acervo particular de Guilherme Zarvos para leituras compartilhadas. Haverá cursos-aulas-vendas e ligações com outras instituições. O Penetrável tem 15 m², fica localizado na sobreloja de uma galeria aberta 24 horas tendo um teatro para 70 lugares no mesmo andar da CEPensamento. Sua localização fica na Rua Corrêa Dutra, 99 SL 206, Catete.


203

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

TV CEPensamento:

O primeiro capitulo do Programa CEPensamento TV já foi elaborado com a fundamental participação de André Brito. A intenção é que se faça, como na loja, ou no site, produtos multiplicáveis e de baixíssimo custo: e bom conteúdo e câmera. Os programas que abordam a Cultura Contemporânea Carioca estão mesclados com o Livro Tese / Instituto Penetrável / Site. Por não ser um programa de entretenimento com temporalidade definida, os meios contatados são TVs públicas, educativas, comunitárias e para cursos em escolas de ensino médio e do 3° grau, ai incluído um participante do CEP para um debate com os participantes. Contatos através do site CEPensamento.


204

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Site CEPensamento:

Endereços eletrônicos: www.cepensamento.com.br www.cep20000.com.br O site CEPensamento tem o intuito de mostrar o trabalho de centenas de artista que participaram do CEP 20.000, criando perfis e links direcionados pelos artistas e pensadores que convivem faz 18 anos. O exemplo da página abaixo mostra que uma das portas da página central levará para cada um dos participantes e que, no momento, têm seus trabalhos mostrados nos nomes em azul. Posteriormente novos e novos e novos 18 anos de convívio mostrarão um livro eletrônico para pesquisa de um momento da cidade do Rio de Janeiro. Além disto, haverá interação através da porta “contatos” ou vendas através da porta “loja”.


205

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

F 107

(...) e Deus com a sua Divina Misericórdia e grande poder seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meus inimigos; e o glorioso São Jorge, em nome de Deus, em nome de Maria de Nazareth, em nome da falange do Divino Espírito Santo, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, do poder dos meus inimigos carnais e espirituais e de todas as suas má influências, e que debaixo das portas do seu fiel ginete, meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós, sem se atreverem a ter um olhar sequer, que me possa prejudicar (...)


206

Banca examinadora:

Autor – Guilherme Zarvos Orientadora: Marília Rothier Cardoso (PUC/RJ) Co-orientador: Roberto Corrêa dos Santos (UERJ) Sério Mota (PUC/RJ) Ericson Pires (PUC/UERJ)

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

Maria Antonieta Jordão Borba (UERJ) Camila do Valle (FUNCEB) Suplentes: Rosana Bines (PUC/RJ) Paloma Vidal (UNICAMP)

OBS: De acordo com os orientadores, um debate com o público seguirá ao processo institucional do doutoramento. 13 de junho de 2008, sala 302 F: PUC/RJ – 14 horas

Colaboradores Paulo Guilherme Motta (design técnico); Anna Paula Mattos (leitura acadêmica); Paulo Fichtner (revisão); Gustavinho (produção geral).


7 Bibliografia

ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. São Paulo: Basiliense, 1986. Coleção Cantadas Literárias. ADORNO, Theodor W. O ensaio como forma In: CHN, Gabriel (Org.). Theodor W. Adorno. São Paulo: Ática, 1986. Coleção Sociologia. AGAMBEN, Giorgio. The man without content. Standford: Standford University Press, 1999. ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. São Paulo: Ática, 1981. Série Bom Livro. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

ALVIM, Francisco. Lago, montanha. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1981. ALVIM, Thereza Casario (Org.). O golpe de 64: a imprensa disse não. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. ALZER, André Luiz; CLAUDINO, Mariana. Almanaque Anos 80: lembranças e curiosidades de uma década bastante divertida. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. AMADO, Jorge. Capitães da Areia. Rio de Janeiro: Editora Record, 1994. AMARAL, Aracy A. Blaise Cendrars nos Brasil e os modernistas. São Paulo: Editora 34/ Fapesp, 1997. AMOREIRA, Flávio Viegas. A biblioteca submergida. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003. _______. Edoardo, o Ele de Nós. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. ANDRADE, Luis. RIO 40º Fahrenheit. In: Revista Concinnitas. N. 5. Rio de Janeiro: Instituto de Artes/ UERJ, 2003. ARISTÓTELES. A Ética. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d. Coleção Clássicos de Ouro. ASSIS, Machado de. O alienista. Porto Alegre: L&PM, 2006. Coleção L&PM Pocket.


208 AVERBUCK, Clarah. Das coisas esquecidas atrás da estante. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003. Coleção Rocinante. AZEVEDO, Carlito. As banhistas. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1993. Série Poesia. AZIMOV, Isaac. Cronologia das ciências e das descobertas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993. BAHIANA, Ana Maria. Almanaque Anos 70. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade Líquida. Folha de São Paulo. São Paulo, 19 de outubro de 2003. Caderno Mais. _______. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. Coleção Prestígio. BANDEIRA, Moniz. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 19611964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. BASBAUM, Ricardo (org.). Arte Contemporânea Brasileira: texturas, ficções, dicções. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001. BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Diário do Hospício e O cemitério dos vivos. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1988. Coleção Biblioteca carioca. BARROS, Silvio. Poema Crime. Rio de Janeiro: 7Letras, 1999. BATISTA, Rossetti; LOPEZ, Telê Porto Ancona; LIMA, Yone Soares de (Orgs). Brasil: Primeiro tempo modernista – 1917/29 (Documentação). São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/ USP, 1972. BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. BENJAMIN, Walter. Rua de sentido único e Infância em Berlim por volta de 1900. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1992. BETTO, Frei. Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Mariguella. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. BEY, HAKIM. Caos: terrorismo poético & outros crimes exemplares. São Paulo: Conrad, 2003.


209 BÍBLIA SAGRADA. Antigo e Novo Testamento. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969. BORGES, Jorge Luis. Ficções. Porto Alegre: Globo, 1976. BOSCO, Francisco. Invisível rutilante. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1999. BOSCO, Francisco. [Depoimento] In: CEP 20.000 – Inventário 1990-2000. Rio de Janeiro: CEP 20.000, 1990. BOTIKA. Cep 20000 In: Revista Cepensamento 20.000. N. 1. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005. _______. Uma Autobiografia de Lucas Frizzo. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004. BRITO, Antonio Carlos de. Beijo na boca. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1975.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

BRITO, Rod. Barriga D’Água. Rio de Janeiro: CEP 20.000/ CEPensamento, 2003. BROWN, Dee. Enterraram meu coração na curva do Rio. Porto Alegre: LP&M, 2003. Coleção LP&M Pocket. _______. (Orelha, sem título). ZARVOS, Guilherme. Zombar. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2004. BURNS, Eduard McNall. História da civilização ocidental. Porto Alegre: Globo, 1983. CAMINHA, Adolfo. Bom-crioulo. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967. CASTRO, Moacir Werneck de. Mário de Andrade: exílio no Rio. Rio de Janeiro: Rocco Editora, 1989. CESAR, Ana Cristina. Cenas de abril: poesia. Rio de Janeiro: Edição da Autora, 1979. CHACAL. América. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1975. _______. Comício de tudo. Poesia e prosa. São Paulo: Brasiliense, 1987. Coleção Cantadas Literárias. _______. Belvedere [1971-2007]. São Paulo: Cosacnaif; Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. Coleção Ás de colete. _______. Quamperios. Rio de Janeiro: 7Letras; São Paulo: Cosacnaif, 2007.


210 CHARTERS, Ann. Kerouac: uma biografia. Rio de Janeiro: Campus, 1990. CHEVALIER, Scarlet Moon de. Areias escaldantes: inventário de uma praia. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. COELHO, Teixeira Pós-modernidade: “paradigma de todas as submissões”? In: Moderno pós moderno. São Paulo: Iluminuras, 2005. COHN, Sergio. O sonhador insone. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006. _______ (Org). Nuvem Cigana: poesia & delírio no Rio dos anos 70. Rio de Janeiro: Azougue, 2007. _______. Horizonte de eventos. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2002.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

COOPER, David. Psiquiatria e antipsiquiatria. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982. Coleção Debates. COSTA, Jurandir Freire. A inocência e o Vício: estudos sobre o homoerotismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992. CUCURTO, Washington. Coisa de negros. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. DANTO, Arthur. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus Editora, 2006. DORNBUSCH, Rudiger; FISCHER, Stanley. Macro-economics. Londres: Mc Graw-Hill Kogakusha, 1987. DOS ANJOS, Augusto. Eu e Outras Poesias. São Paulo: Martin Claret, 2006. DURAS, Marguerite. O Amante. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. DUNCAN, Isadora. Isadora: fragmentos autobiográficos. Porto Alegre: L&PM, 1996. Coleção L&PM Pocket. EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. _______.Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ELIOT, T. S. Poesia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. Coleção Poiesis. ESOPO. Fábulas de Esopo. Porto Alegre: L&PM, 2007. Coleção L&PM Pocket. ESPINOSA, Baruch de. Ética. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleção Os Pensadores. FANTE, John. 1933 foi um ano ruim. Porto Alegre: L&PM, 2003. Coleção L&PM Pocket.


211 FAULKNER, William. Absalão, Absalão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP/ Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995. FERRAZ, Eucanaã. Desassombro. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003. FERREZ. Capão Pecado. São Paulo: Labortexto Editorial, 2000. FLAUBERT, Gustave. Uma ressurreição da cidade de Cartago. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. Coleção Clássicos de Bolso. FICHTNER, Paulo. Contra o chão e o vento. Rio de Janeiro: Confraria do Vento Editora, 2007.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

FOUCAULT. Michel. História da sexualidade I. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. Coleção Biblioteca de Filosofia e História das Ciências. _______. História da Sexualidade III. O Cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985. _______. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense, 2006. Coleção Ditos e Escritos. FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL/ MEC, 1980. GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro? Rio de Janeiro: Codecri, 1979. Coleção Edições do Pasquim. GALVÃO, Patrícia. Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão. Rio de Janeiro: Agir, 2005. GAUGUIN, Paul. Antes e Depois. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2006. Coleção L&PM Pocket. GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. GINSBERG, Allen. Uivo, Kaddish e outros poemas. Porto Alegre: LP&M, 1999. Coleção L&PM Pocket. GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d. Coleção Clássicos Brasileiros. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.


212 GUARNACCIA, Matteo. Povos: Amsterdam e o nascimento da contracultura. São Paulo: Conrad, 2001. Coleção Baderna HENRIQUES NETO, Eudoro Augusto Afonso. O misterioso ladrão de tenerife. Rio de Janeiro: 7Letras, 1997. HARD, Michel e NEGRI, Antônio. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001. HEARTNEY, Heleanor. Pós-modernismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. HENDRICKS, Jon. O que é Fluxus? O que não é! O porquê. Brasília/ Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, Detroit: The Gilbert and Lia Silverman Fluxus Collection Fundation, 2002. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Anos 70: literatura. Rio de Janeiro: Europa Editora, 1979-1980. _______. Asdrúbal trouxe o trombone: memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004. _______. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde (1960/70). Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004a. _______. Cultura e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004b. _______. Esses Poetas: uma antologia dos anos 90. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 1998. HONNEF, Klaus. Andy Warhol (1928-1987): a comercialização da arte. Lisboa: Taschen, 1992. HOPKINS, Gerrad manley. Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986. INTERNACIONAL SITUACIONISTA. Situacionista: teoria e prática da revolução. São Paulo: Conrad, 2002. Coleção Baderna. IUMNA, Maia Simon; DANTAS, Vinicius Dantas. Poesia Concreta. São Paulo: Abril Cultural, 1982. Coleção Literatura Comentada. KONDER, Leandro. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. Rio de |Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.


213 KONDER, Konder. Walter Benjamin; o marxismo da melancolia – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. LANCELLOTTI, Domenico. [Sem título] In: Revista Cepensamento 20.000. N. 1. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005. LEVI & ANA. Levianas: óperas completas. Rio de Janeiro: Edição dos Autores, 1984. LEYLAND, Winston (Org.). Sexualidade e criação literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. LIMA, Carlos Emílio Correia. A cachoeira das Eras: a Coluna de Clara Sarabanda. São Paulo: Editora Moderna, 1979. LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. MALAPARTE, Curzio. A pele. São Paulo: Abril Cultural, 1972. Coleção Os Imortais da Literatura Universal. MÁRCIO-ANDRÉ. Intradoxos: movimento perpétuo. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007. MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem Anos de Solidão. Rio de Janeiro: Record. MARTINS, Luís. João do Rio: uma antologia. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, s/d. MELAMED, Michel. Regugitofagia. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2004. _________. “Reflexões regurgitofágicas/ não se fazem mais antigamentes como futuramente”, em CEP 20000 – Inventário 1990-2000. MELLO, Luiz Antonio de. A onda maldita: como nasceu e quem assassinou a Fulminense FM. São Paulo: Xamã, 1999. MELO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1980. MELLO, Adriano Melhem de; NAPOMUCENO, Felipe; SÜSSEKIND, Felipe; VALE, Marcio do (Orgs). Rua: revista de imagem. N. 1. Rio de Janeiro: 7Letras, 2000. MOURA, George. Ferreira Gullar: entre o espanto e o poema. Rio de Janeiro: Relume Mumará, 2001. MISHIMA, Yukio. Confissões de uma máscara. Lisboa: Assírio e Alvim, 1984.


214 MIRANDA, Camila do Valle Fernandes. Uma literatura de semicolônia? Acerca do Portugal dos ingleses e da Inglaterra de Eça de Queiroz. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Departamento de Letras/ PUC-Rio, 2004. _______. Mecânica da distração: os aprisântempos. Rio de Janeiro: Design [casa 8], 2005. MONK Ray. Wittgenstein: o dever do gênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MOSÉ, Viviane. Nietzsche e a grande política da linguagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. MOURA, George. Ferreira Gullar: entre o espanto e o poema. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 2001. Coleção Perfis do Rio.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

MOURÃO, Gerardo Mello. Os Peãs. Rio de Janeiro: Record, s/d. MUSUMECI, Leonarda; RAMOS, Silvia. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. Coleção segurança e Cidadania. NABUCO, Carolina. Oito décadas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. NAZARIAN, Santiago. A morte sem nome. São Paulo: Planeta, 2004. NEILL, A. S. Liberdade sem Medo: radical transformação na teoria e na prática da educação. São Paulo: IBRASA, 1963. NIETZSCHE, Frederich W. Ecce Homo: como tornar-se o que se é. São Paulo: Abril Cultural, 1974. Coleção Os Pensadores. _______. Crepúsculo dos ídolos, ou, Como filosofar com o martelo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. NOVAES, Adalto (Org.). Anos 70: Literatura. Rio de Janeiro: Europa Editora, 19791980. OLINTO, Heidrun Kieger e SCHOLLHAMMER, Karl Eric (Orgs). Literatura e Cultura. Rio de Janeiro: Editora PUC, 2003. PAES, Tavinho. Beijinhos (Sampler Remix Edition ‘95). Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1995. _______. “CEP 20.000 x 15 [acerto de contas]” In: Revista Cepensamento 20.000. N. 1. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005. PAIVA, Vitor. Tudo que não é cavalo. Rio de Janeiro: Edição do autor, 2004.


215 ______. “Sobre vivências” In: Revista Cepensamento 20.000. N. 1. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005. PARALELOS. Contos da Nova Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Agir, 2004. PAULA, José Agrippino de. Panamerica. São Paulo: Max Limonar, 1988. PESSOA, Fernando. Tabacaria e outros poemas. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. Coleção Clássicos de Ouro. PETRÔNIO. Satíricon. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. _______. O Eu profundo e outros Eus: seleção poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

PIRES, Ericson. Tradição delirante: produtores e produção de arte na contemporaneidade. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Departamento de Letras/ PUC-Rio, 2004. _______. Cidade ocupada. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007. Coleção Tramas Urbanas. _______. Zé Celso e a Oficina-Uzyna de Corpos. São Paulo: Annablume, 2005. PICAZIO, Cláudio. Diferentes Desejos: adolescentes homo, bi e heterossexuais. São Paulo: Sammus, 1998. POERNER, Arthur José. O poder jovem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. PÔRTO, Sérgio. As cariocas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 1996. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005. _________________ Políticas da escrita. São Paulo: Editora 34, 1995. RASEC, César. Jorge Mautner em movimento. Salvador: Editora do Autor, 2004. RIBEIRO, Darcy. As Américas e a Civilização. Petrópolis: Vozes, 1983. _______. Aos trancos e barrancos: Como o Brasil deu no que deu. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1985. _______; MOREIRA NETO, Carlos de Araújo (Orgs.). A fundação do Brasil: testemunhos (1500-1700). Petrópolis: Vozes, 1992.


216 _______. Gentilidades: Uirá vai ao encontro de Maíra; Casa Grande e Senzala; Salvador Allende e a esquerda desvairada. Porto Alegre: L&PM, 1997. Coleção L&PM Pocket. _______. O processo civilizatório: estudos de antropologia da civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. _______. Encontros: Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007. RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. São Paulo: Globo, 2001. ROCHA, Pedro. 11. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2002. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d. Coleção Clássicos de Ouro.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

RUFFATO, Luiz. Eles eram muito cavalos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001. RUSSEL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Vols 1, 2 e 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977. SALES, Augusto; GONÇALVES FILHO, Jaime (Orgs). Paralelos: 17 contos da nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Agir, 2004. SALOMÃO, Waly. Hélio Oiticica: qual é o parangolé. Rio de Janeiro: RelumeDumará/ Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 1996. Coleção Perfis do Rio, Vol. 8. SANTIAGO, Silviano. Viagem ao México. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. SANTOS, Roberto Corrêa dos. Modos de Saber, Modos de Adoecer. In: Modos de Saber, Modos de Adoecer: O Corpo, a Arte, o Estilo, a História, a Vida, o Exterior. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. _______. O livro fúcsia de Clarisse Lispector. Rio de Janeiro: Otti Editor, 2001. _______. Matéria e Crítica. Rio de Janeiro: 7Letras, 2002. SARAIVA, José Hermano. História concisa de Portugal. Europa-América, 1981. Coleção Saber.

Lisboa: Publicações

SARDANA, Zuca. Ás de Colete. Edição do Autor, 1979. SARTRE, Jean Paul. As palavras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Além do Visível: o olhar da literatura. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. SERRES, Michel. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004.


217 SILVA, Anna Paula de Oliveira Mattos. “O encontro do velho de pastoril com Mateus na manguetown” ou “As tradições populares revisitadas por Ariano Suassuna e Chico Science”. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Departamento de Letras/ PUC-Rio, 2004. SITUACIONISTA; Teoria e Prática da Revolução/ Internacional Situacionista. São Paulo: Conrad Editorial do Brasil, 2002. SOARES, Luiz Eduardo; MV BILL; ATHAYDE, Celso. Cabeça de Porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. SONTAG, Susan. Diante da Dor dos Outros; São Paulo: Companhia das Letras, 2003. STIVENS, Wallace. Poemas. São Paulo: Cia das Letras, 1987.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

SUNSHINE, Gay. Sexualidade e Criação Literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. VAN GOGH, Vincent. Cartas a Théo. Porto Alegre: L&PM, 2007. Coleção L&PM Pocket. VAZ, Toninho. Para mim chega: a biografia de Torquato Neto. São Paulo: Casa Amarela, 2005. VEIGA, José J. A hora dos Ruminantes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. VIANNA, Martha. Uma tempestade como sua memória. A história de Lia, Maria do Carmo Brito. Rio de Janeiro: Record, 2003. WALCOTT, Derek. Omeros. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. WHITMAN, Walt. Folhas das folhas da relva. São Paulo: Brasiliense, 1983. Coleção Cantadas Literárias, Vol. 11. WILDE, Oscar. Sempre seu, Oscar: Uma biografia epistolar. São Paulo: Iluminuras, 2001. ZARVOS, Guilherme. Darcy Ribeiro: evolução de uma teoria para a América Latina. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Departamento de Sociologia/ UFRJ, 1988. _______. Beijo na poeira. Rio de Janeiro: Pós-Diluviana, 1990. _______. Nacos de carne. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.


218 _______. Ensaio de povo novo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. _______. (Org.). 7 + 1. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1997. _______; MELAMED, Michel; CHACAL, (Orgs). CEP 20.000. Inventário: 1990 – 2000. Rio de Janeiro: CEP 20.000, 2000. _______. Zombar. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2004. _______. (Org.) CEPensamento 20.000. N.1. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005. _______; Miguel Jost. Conflito – liberdade e possibilidade: Entrevista com Alexandre Moura Dumans In: Revista Transdições. N. 1, Vol. 1. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410451/CA

_______. Branco sobre Branco – uma poética da sinceridade. In: Grumo Latinoamérica. N. 6; Vol. 2. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. _______. A Bíblia (marchinha em andamento). Rio de Janeiro, 2008 __________________entrevista a Mônica Montone. Clube Culturall http://www.culturall.com.br/poesia/guilherme_zarvos.asp, s/d.

In:

__________________ entrevista a Sérgio Cohn, Pedro Cesarino e Renato Rezende. Inédito.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.