A inteligência musical de
André Mehmari Vivendo a música e a vida: O que grandes músicos, críticos e maestro pensam a respeito da melhor maneira de interpretar música e transformar o som - por Joêzer Mendonça
JD-Xi: Daniel Baaran desvenda o pequeno notável da Roland
Rock Progressivo: A música erudita do século XX - por Amyr Cantusio Jr, nosso novo colaborador!
Villa-Lobos & Sonia Rubinsky: Um projeto que deu (muito) certo! - por maestro Osvaldo Colarusso
Revista
Keyboard ANO 3 :: 2015 :: nº 22 ::
:: Seu canal de comunicação com a boa música!
Brasil www.keyboard.art.br
Índice
06 SUAS COMPRAS: Cds, DVDs e Livros
MATÉRIA DE CAPA: André Mehmari
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08
OPINIÃO: Vivendo a música e a vida,por Joêzer Mendonça
SAÚDE: Quais os efeitos da música sobre a nossa saúde e o nosso comportamento, por Carol Dantas
32 LANÇAMENTO: JD-Xi, o pequeno notável da Roland, por Daniel Baaran
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46 PERFIL: Conheça o músico Alan Flexa
CULTURA: Villa-Lobos & Sonia Rubinsky: um projeto que deu (muito) certo! - por maestro Osvaldo Colarusso
Expediente
36 SOBRE OS SONS: Rock Progressivo: a música erudita do século XX, por Amyr Cantunio Jr.
54 PONTO DE ENCONTRO: Ensino e bloqueio de conhecimento, por Luiz Bersou
58 EXPERIÊNCIAS: Um piano suspenso, por Mateus Schanoski Revista
Maio / 2015
Revista Keyboard Brasil é uma publicação mensal digital gratuita da Keyboard Editora Musical.
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Brasil
Editora Musical
Diretor e Editor executivo: maestro Marcelo D. Fagundes / Chefe de Redação e Design: Heloísa C. G. Fagundes / Caricaturas: André Luíz Silva da Costa / Marketing e Publicidade: Keyboard Editora Musical Correspondências / Envio de material: Rua Rangel Pestana, 1044 - centro - Jundiaí / S.P. CEP: 13.201-000 / Central de Atendimento da Revista Keyboard Brasil: contato@keyboard.art.br As matérias desta edição podem ser utilizadas em outras mídias ou veículos desde que citada a fonte. Foto:
o Gal Oppid
Matérias assinadas não expressam obrigatoriamente a opinião da Keyboard Editora Musical.
04 / Revista Keyboard Brasil
Espaço do Leitor Bom dia a todos! Com enorme prazer que compartilho essa incrível matéria que a Revista Editora Keyboard Brasil fez sobre minha carreira musical! Muito obrigado por esse privilégio!! Herbert Medeiros, músico, referindo-se à coluna Perfil – via facebook. Os caras são muito top, tá 'loco'!! Bruno Carmo – via facebook. Top Mano! Quero ler essa matéria do Daniel Baaran e me livrar de um monte de cifra. Ayudes Diniz – via facebook. Muito grato por publicarem meu texto. É sempre um prazer poder dar mais educação e cultura para este país atolado na mediocridade e corrupção!!! Amyr Cantusio Jr., autor do texto “Robert Moog e seu sintetizador” – via facebook.
Editorial
Aí sim! Já baixei a Revista! Pedro Junior – via facebook.
Pelotas e meu mestre Manzarek! Essa revista deve tá f*** demais!!! Alguns minutos depois... Legal a matéria do Mateus Schanoski!!! Massa também que abordaram o assunto dos timbres do Manzarek, enfim a galera vai ter mais conhecimento sobre GIBSON G101 que tanto incomodei por aqui heeh, prá chegar o timbre no nord hehe... Afinal, de vox estamos bem servidos. Só um detalhe: na matéria esqueceram de falar sobre a sonoridade do G101, que é muito característico e dá um diferencial: ele possui níveis ajustáveis de sustain que davam variações de release e era por isso que o Manzarek adotou ele ao vivo , é como se fosse um órgão piano ou piano órgão! Não como no Vox, que tem um som mais seco sem sustentação depois que a tecla é solta!! Agora, só falta o pessoal da nord disponibilizar os samplers do g101 na biblioteca do site heheh!! Sonhar não custa nada... Ricardo Farfisa – via facebook. Pesquisas, pesquisas e mais pesquisas?? Fruto da leitura da Keyboard Brasil de Abril, da Editora Keyboard! Porque não custa nada enriquecer com um pouco de informação... Eduardo De Lima Balio – via facebook. Parabéns pela revista do mês. Amei o texto da Carol Dantas. Alto nível!!! Osvaldo Colarusso – via facebook.
Foto: Arquivo pessoal
Grande Pedro! Parabéns a todos! Paulo F. Palmieri – via facebook.
Heloísa Fagundes - Publisher
Este mês, a Revista Keyboard Brasil traz, além da matéria de capa, uma entrevista exclusiva com o premiado André Mehmari, apontado como referência para os novos pianistas da cena musical brasileira. Também apresenta seu mais novo colaborador: Amyr Cantusio Jr. , também premiado músico e de grande talento. Por isso, uma honra termos ao nosso lado! Agradeço sempre por conquistas como essa, pois somente assim, conseguimos dar continuidade a um trabalho que julgo ser de grande importância para nosso país. Agradeço aos leitores pelos comentários nas redes sociais, pois nosso objetivo está sendo alcançado, ou seja, estamos espalhando cultura para muitos, muitos leitores! E, não se esqueçam: curtam, compartilhem, mas não deixem de comentar nossas matérias, pois vocês farão parte da seção: Espaço dos Leitores! Excelente leitura e fiquem com Deus! Revista Keyboard Brasil / 05
Suas compras
O Som dos Acordes Exercícios de acordes para piano de Jazz
Autor: Lulu Martin Editora: Gryphus Páginas: 70
Resultado de uma vida inteira dedicada à prática musical, o livro foi escrito para todos aqueles que estudam composição, arranjo e orquestração!
Site: gryphus.com.br e-mail: gryphus@gryphus.com.br
O livro O Som dos Acordes - exercícios para piano de Jazz, escrito por Lulu Martin, é um condensado do conhecimento musical adquirido ao longo da vida profissional do brilhante músico, que começou seus estudos através da Berklee College of Music, renomada escola de música popular e Jazz situada em Boston, EUA. O livro tem o intuito de organizar e facilitar o estudo das diferentes tonalidades musicais e melhorar a compreensão das relações entre escalas e acordes, tornando-se um
trabalho bem estruturado para aqueles que necessitam entender melhor como fazer todas as inversões e voicings ao piano.
Lulu Martin é pianista carioca renomado. Recebeu formação musical nos EUA, através da Berklee College of Musiuc, em Boston. No Brasil, atuou com artistas da MPB em shows, projetos musicais e gravações, tais como: Luis Melodia, Raul de Barros, Marcio Montarroyos, Ed Motta, Lulu Santos, Joanna, Tim Maia, Moreira da Silva, Ney Matogrosso, Ângela Roro, Otávio Bonfá, Orquestra Tabajara, Leo Gandelman e muitos outros. É compositor para audiovisual e propaganda. Trabalha em ambientes musicais diferentes e possui experiência com o ensino de piano e de música. 06 / Revista Keyboard Brasil
! E D A D I V O N
Matéria de Capa
André Mehmari O impressionante músico que faz verdadeiras expedições sonoras 08 / Revista Keyboard Brasil
GAROTO PRODÍGIO NA INFÂNCIA, REFERÊNCIA AT U A L PA R A N O VO S PIANISTAS, COMPOSITOR R E Q U I S I TA D O P O R ORQUESTRAS, INDICADO AO GRAMMY LATINO COM O ÁLBUM 'NONADA'. SÃO MUITAS AS QUALIDADES D O P I A N I S TA A N D R É MEHMARI. A REVISTA KEYBOARD BRASIL DESTE MÊS TRAZ, ALÉM DA MATÉRIA ESPECIAL, UMA ENTREVISTA EXCLUSIVA COM O MÚSICO QUE FALA DE SUA VIDA, CARREIRA E PROJETOS FUTUROS. Heloísa Godoy Fagundes
P Fotos: Divulgação - Facebook
ianista multiinstrumentista, arranjador e compositor André Mehmari, 38, é um do mais originais e completos músi-
cos brasileiros da sua geração. Sua inteligência musical propicia a criação de obras maduras e impressionantes, tornando-se um músico requisitado, desde muito jovem, em importantes festivais e concertos, além de várias turnês pelo mundo.
Revista Keyboard Brasil / 09
Desde pequeno, André Mehmari sentia-se atraído pelos sons vindos do piano de sua mãe, dona Cacilda. Profissioalmente amadurecido, construiu um estúdio em sua residência, cujo nome foi escolhido em homenagem a um de seus compositores preferidos, Monteverdi.
Trajetória... Nascido em Niterói mas criado em Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo, aos 5 anos de idade, André Mehmari teve seus primeiros contatos com a música através de sua mãe. Na adolescência, uma de suas primeiras profissões foi tocar nos bailes de sua cidade um repertório, acreditem se quiser, composto por sambas e lambadas. Com seu ingresso na ECA-USP, mudou-se para São Paulo em 1995. Paralelamente ao estudo autodidata de arranjo e composição, na biblioteca da faculdade, o músico aprimorava sua educação musical com professores como: Amílcar Zani, Willy Corrêa, Olivier Toni, Régis Duprat e Lorenzo Mammi. Tornou-se mais conhecido pelo grande público quando venceu, em 1998, o primeiro Prêmio Visa de MPB. Participou como solista em importantes festivais de jazz brasileiros como o Chivas Jazz, o Heineken Concerts e o TIM Festival, e internacionais como o Spoleto Festival USA (André Mehmari Trio) e os Blue Note de Tokyo e Milão.
Fotos: Arquivo pessoal
Apontado como referência para os novos pianistas da cena musical brasileira e premiado, tanto
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na área erudita, quanto na popular, André tem suas composições e arranjos tocados por alguns dos mais expressivos grupos orquestrais, de jazz e de câmara, entre eles OSESP, Sinfônica Brasileira, Banda
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piano é minha casa. música é meu país! – andré mehmari
Mantiqueira, Orquestra Experimental de Repertório, Sujeito a Guincho, Quinteto VillaLobos, entre outros, Na cerimônia de abertura dos Jogos Panamericanos do Rio de janeiro, em 2007, obteve grande sucesso criando fantasias orquestrais baseadas na música de Tom Jobim, VillaLobos e Chico Buarque, apresentadas no Maracanã. Como instrumentista, já atuou
ao lado de Milton Nascimento, Sérgio Santos, Guinga, Mônica Salmaso,Toninho Horta, Ná Ozzetti, Dori Caymmi, Ivan Lins, Edu Lobo, entre muitos outros nomes da música popular brasileira, transformando-os em trabalhos gravados que atingiram enorme sucesso. É o caso do album 'Nonada', indicado ao Grammy Latino, em 2008. Revista Keyboard Brasil / 11
Entrevista
André Mehmari: ‘‘As dificuldades que enfrentei no início da carreira só serviram para me tornar um músico mais pleno e íntegro. Fui meu próprio patrocinador, desde o início, fugindo sempre de situações onde eu não poderia exercer minha arte em sua plenitude’’. 12 / Revista Keyboard Brasil
Revista Keyboard Brasil: Primeiramente gostaria de agradecê-lo por ter nos dedicado um tempo em sua agenda atribulada concedendo-nos essa entrevista. André Mehmari: Fico agradecido pelo espaço e pela atenção. Revista Keyboard Brasil: Fale um pouco sobre a música na sua família. Sabemos que você aprendeu a tocar piano com sua mãe. Então, como foi sua infância nesse sentido? André Mehmari: Reza a lenda que comecei a nascer no banquinho do piano que minha mãe havia ganhado do meu pai quando este soube da gravidez e da chegada do filho primogênito. Sendo assim, é bem difícil precisar o momento em que comecei a ser exposto a um ambiente musical. Pode ter acontecido ainda no útero, quem sabe. Mas o que importa mesmo é que este ambiente era extremamente diversificado e intenso. Minha mãe tocava no mesmo piano Chopin, Jobim e Nazareth, sem dar nome aos bois. Eu cresci achando eles todos lindos bois, sem me preocupar com o nome deles. Acho que isso se reflete na forma como vivo a música desde sempre. Isso se intensifica cada vez mais, e a diversidade de ambientes musicais que frequento hoje é a prova de que não existem fronteiras na música, a não ser aquelas criadas pelos próprios músicos e pelos vendedores de música como produto. Revista Keyboard Brasil: Quais suas lembranças musicais mais antigas? O
que se ouvia? André Mehmari: Certamente minha mãe tocando piano, violão, acordeom e cantando MPB. Ela me conta que certa vez eu, muito novinho, fiquei emocionado ao vê-la tocar sanfona. De fato, para mim o fole do acordeom sempre me fascinou como metáfora de pulmão, de vida. Revista Keyboard Brasil: Podemos afirmar que o ambiente familiar foi fundamental para a escolha de sua profissão. Mas, pensou em seguir outra carreira? André Mehmari: Certamente o ambiente foi um grande estímulo, mas não venho de uma tradicional família de músicos, como tantas que conhecemos. Nunca pensei em seguir outra carreira, embora muita coisa diferente de música atraia meu interesse. Comuniquei à minha família aos 11 anos de idade minha decisão de ser músico profissional. Todo mundo deu risada do menino decidido. Mas era isso mesmo, estava decidido! Até, nesta época, eu já ajudava financeiramente a família tocando órgão eletrônico em bailes e festas sociais em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Revista Keyboard Brasil: Sabemos que começou a compor ainda adolescente e, aos 15 anos de idade já havia escrito cerca de 200 composições! Como era esse processo? O que mudou? André Mehmari: a composição aparece na minha vida junto com a improvisação, por volta dos 8 anos de idade. Posso até dizer que o improviso servia como um prólogo para a composição, este estágio Revista Keyboard Brasil / 13
mais avançado de organização do material musical. Durante a adolescência, eu compunha quase que diariamente, como exercício. Guardo esses cadernos e estas fitas k-7 com todo carinho e elas registram muito bem o desenvolvimento de minha personalidade musical, que já era bem eclética desde o início, embora igualmente rigorosa e criteriosa em suas escolhas. RKB: Você é autodidata em muitos instrumentos, certo? Além dos instrumentos de teclas como o piano e o acordeom, quais você toca? AM: Toco alguns outros, embora tenha tido cada vez menos tempo para me dedicar minimamente a cada um deles. Em ordem de afinidade eu diria: piano, cravo, acordeom, viola de arco, flautas, guitarra, contrabaixo, bandolim, violão, clarinete, violino e bateria.
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RKB: Quando e como começou a trabalhar com arranjos e produções musicais? AM: Aos 13 anos, já escrevia arranjos para grupos da cidade onde cresci. Fui o menino prodígio que tocava vários instrumentos e tocava com os músicos mais experientes da cidade. Meu primeiro arranjo orquestral escrevi aos 19 anos, e foi tocado no projeto Arranjadores, no Sesc Pompeia, sob regência de Gil Jardim. RKB: O que mais agrada: escrever para instrumentos solo, pequenos grupos ou orquestras? Existe alguma característica particular em seus arranjos? AM: Cada grupo traz seus desafios, suas delícias e particularidades. Eu gosto de escrever música sabendo que ela será bem cuidada por quem vai tocar. Meus arranjos procuram sempre lançar uma luz diferente sobre o tema abordado e nunca meramente dar uma ‘‘roupinha nova’’ para aquele tema. No meu caso, criar um arranjo é muito próximo do processo composicional.
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Foto: Izilda França
Mehmari representa um novo projeto para a música brasileira, uma recriacão de nossa tradicão popular com o alto padrão de execucão da música erudita, mas sem perder jamais a ginga, ou fazer “samba de branco”!
RKB: Quais foram os pianistas que mais influenciaram sua maneira de tocar o piano? AM: Egberto Gismonti, Bill Evans, Luiz Eça, Keith Jarrett e Glenn Gould, entre muitos outros mestres.
– Irineu Franco Perpétuo, Jornalista e crítico musical.
RKB: A valorização da música de qualidade e do virtuosismo fora do Brasil fizeram você pensar, em algum momento, em mudar de país? Completando essa pergunta: enfrentou dificuldades no início de sua carreira? AM: Amo meu país e sua grande tradição
RKB: Tentando democratizar a música clássica você fez parte, como convidado, de um projeto musical e educacional, apresentando obras de Ernesto Nazareth. Infelizmente, você foi alvo de vaias e xingamentos vindos dos cerca de 600 alunos com idades entre 10 e 12 anos. Para você, esse episódio lamentável,
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RKB: Você transita muito bem entre o popular e o erudito. Como surgiu a ideia? Por que seguiu por esse caminho? AM: Eu transito pela música e ela é meu país. Desde muito jovem, ouço a pergunta: vai seguir isso ou aquilo? Sinto que até hoje a melhor resposta que dei foi através de minha produção musical, mais do que em palavras. Seguirei assim!
André Mehmari pilota um cravo com a mesma tranquilidade com que escreve para orquestra (parece ter algumas décadas a mais de vida, tamanho o domínio da escrita musical). é lírico como Jobim e atrevido no piano como Brad Mehldau)! – João Marcos Coelho, Jornalista e crítico musical.
acontecido em 2013, deveu-se a qual explicação? AM: A explicação é que vivemos num país que nunca priorizou a educação. O Brasil bate e espanca seus professores, literal e metaforicamente. RKB: A falta de sensibilidade e de conhecimento musical de nossas raízes nesse episódio o fez mais forte para a divulgação de seu projeto 'Ouro Sobre Azul'? (Para quem não sabe, esse trabalho o fez figurar entre os melhores instrumentistas do ano de 2014). AM: Acho que a grandiosidade da obra de Nazareth permanece intacta, e meu projeto ‘Ouro Sobre Azul’, tão bem recebido aqui e em todo lugar, é a prova de que esta música não é objeto de museu e está viva, sempre aberta a novas cores e leituras. Revista Keyboard Brasil / 15
Foto: Divulgação
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musical, embora esta seja tão maltratada pela mídia e pelos próprios brasileiros. Mesmo assim, nunca pensei em me mudar do Brasil e criei raízes musicais muitos fortes por aqui, construindo um belo estúdio e fortalecendo laços com nossos músicos. É claro que todas as viagens que faço para fora tem enorme importância e vejo coisas por lá que não temos por aqui. Temos um longo caminho a percorrer em muitos aspectos, mas somos incrivelmente desenvolvidos em outros. Tom Jobim dizia: ‘‘Lá fora é maravilhoso mas é uma merda. O Brasil é uma merda mas é maravilhoso’’. As dificuldades que enfrentei no início da carreira só serviram para me tornar um músico mais pleno e íntegro. Fui meu próprio patrocinador, desde o início, fugindo sempre de situações onde eu não poderia exercer minha arte em sua plenitude.
RKB: Suas performances ao piano são de pura entrega, você dança com as pernas, interage com o público, ao mesmo tempo que realiza interpretações vigorosas. Isso torna suas apresentações criativas e o público fica com a sensação de quero mais. Fale sobre isso. AM: Obrigado. Sinto que essa entrega é fundamental para poder transmitir toda carga emocional que existe na música que toco. Não sou nem nunca serei um burocrata da música e, para mim, cada novo concerto é um novo desafio onde reencontro temas que toco desde sempre, mas sempre com um novo olhar, olhar de menino encantado. Talvez essa alegria de menino seja bem evidente para um público atento. RKB: Já disseram que você tem a inventiva de Hermeto Pascoal e a sensibilidade interpretativa de Egberto Gismonti. Dois pilares da música instrumental brasileira. Essas influências notáveis em sua música fizeram com que surgisse o CD ‘Gismontipascoal’, dedicado à dupla (trabalho esse que recebeu o prêmio da Música Brasileira), em duo com o bandolinista Hamilton de Holanda. Mas, suas influências não se limitam a apenas esses dois ícones nacionais, estamos certos? AM: Tenho inúmeras influências e, cada uma delas, marcou minha alma musical profundamente e ajudou a forjar minha própria voz interna. Estudo desde sempre a grande tradição europeia de compositores. Este estudo é infinito.
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RKB: Sozinho ou com parceiros musicais de peso, como Proveta, Tutty Moreno, Mônica Salmaso, Egberto Gismonti, Ivan Lins entre outros, você já lançou ao todo, quantos trabalhos até hoje? Consegue apontar os preferidos? AM: É muita coisa que gravei! De fato, não conseguiria apontar um ou outro mas, para mim, sempre o mais recente tem um brilho diferente. Neste caso, é o álbum em trio com Neymar e Sérgio chamado ‘As Estações na Cantareira’. É o próximo que nem ainda existe ... Esse é o melhor! RKB: É um privilégio ter o domínio sobre os meios de produção através de seu estúdio Monteverdi. Isso evita aborrecimentos como a falta de controle sobre seu próprio trabalho. Esse foi o motivo para sua criação? Há quanto tempo o criou? AM: Eu me gravo desde os 8 anos de idade. Meu sonho de ter um estúdio vem daquela época, quando eu fazia etiquetas com o nome fictício de ‘‘gravadora AM’’ ou coisa assim. Meu Estúdio Monteverdi é certamente o desdobramento deste sonho antigo e me dá total autonomia para criar a música que desejo (sem qualquer filtro de marketing) e com a máxima qualidade técnica disponível hoje. Estudei muito e investi bastante, e hoje a qualidade de som que temos é elogiada por mercados muito exigentes como o japonês, por exemplo. No Japão, aliás, já lancei cinco discos. Assim, não dependo da aprovação de projetos de incentivo para fazer um disco e não fico à mercê de uma banca julgadora que pode se equivocar em seus julgamentos. Minha música não será barrada por este ou aquele jurado mal humorado! Disso estou protegido. Revista Keyboard Brasil / 17
Discografia ou, melhor, a sua maioria... (2015) As Estações na Cantareira, em trio com André Mehmari, Neymar Dias e Sérgio Reze. (2014) Ouro Sobre Azul – Trabalho que o fez figurar entre os melhores instrumentistas do ano de 2014. (2014) Engenho Novo: Duo de Marília Vargas (soprano) e André Mehmari (piano) — canções folclóricas e obras de Chiquinha Gonzaga, Villa-Lobos, Waldemar Henrique e Vinícius de Moraes. Arranjos de Mehmari. (2013) André Mehmari e Mário Laginha ao vivo. (2012) CD TRIZ – Disco que reúne o trio André Mehmari (pianista), Chico Pinheiro e Sérgio Santos (violonistas). Repertório inédito e autoral. (2012) Mehmari & OABS (CD e DVD André Mehmari e a Orquestra à Base de Sopro de Curitiba) – Show ao vivo, gravado em 2010. (2011) Canteiro. (2011) Afetuoso – Inicialmente distribuído somente para o mercado japonês, tendo com centro instrumental o trio de piano, baixo e bateria. Mehmari contou com a participação especial de Ivan Lins, na clássica balada 'Mãos de Afeto'. (2010) Gismontipascoal – em duo com o bandolinista Hamilton de Holanda (Prêmio da Música Brasileira), dedicado à música de Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal. (2010) O Brasil não existe. (2009) MiraMari – com Gabriele Mirabassi, recebido como um dos melhores discos daquele ano. (2008) De Árvores e Valsas – primeiro trabalho composto somente de material autoral. Figurou em algumas importantes listas de 'melhores do ano'. (2008) Nonada – indicado ao Grammy Latino. (2008) MPB Baby - Clube da Esquina - Música Instrumental para Pais e Filhos (2007) Contínua Amizade – vencedor do Prêmio Rival/Petrobrás na categoria instrumental. (2006) Opus Brasil Ensemble interpreta Villa-Lobos, Mehmari, Françaix. (2005) Angelus – encomendado pelo Quarteto de Cordas de São Paulo, por ocasião dos 70 anos do grupo. (2004) Lachrimae. (2002) Canto. (2001) Improvisos – André Mehmari, Célio Barros e Sérgio Reze. (1998) Odissea – André Mehmari, Célio Barros e Sérgio Reze. (1998) Vencedores do I Prêmio Visa de MPB Instrumental – André Mehmari e Célio Barros. 18 / Revista Keyboard Brasil
Foto: Arquivo pessoal
RKB: O André Mehmari hoje é um músico realizado profissionalmente? AM: Cada vez mais, e cercado de amigos que participam ativamente desta história. E, é natural que eu gostaria de ver meu país crescendo culturalmente aos longo dos anos mas, infelizmente, minha percepção de realidade não me diz isso.
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RKB: Você acaba de lançar o cd ' Estações na Cantareira', com distribuição pela Trattore, um projeto em que retoma o formato de piano trio ao lado do contrabaixista Neymar Dias e do baterista Sérgio Reze. Conte-nos sobre esse trabalho. AM: Este disco tem, como peça central, as quatro estações na cantareira, compostas para um show no Sesc Vila Mariana, junto com outros três compositores: Arismar, Dante Ozzetti e Proveta. O trio é o grupo instrumental presente na maioria das faixas, porém também toco alguns outros instrumentos complementares, para dar um colorido mais diversificado. Este disco também serve de comemoração pelos 20 anos de parceria e amizade com o baterista Sérgio Reze. Neymar também é um grande virtuoso da viola caipira e usamos essa sonoridade em alguns momentos do disco. RKB: Quais são seus projetos futuros? AM: A gravação do volume dois da música de Nazareth e duos inéditos com Antônio Loureiro, Danilo Brito, Chico Pinheiro, além da intensa atividade como compositor para orquestras.
Sim, é um “engenho novo” revitalizar as cancões (folclóricas ou não) brasileiras com acompanhamentos e harmonias de uma tal criatividade que torna as antigas melodias merecedoras de um novo interesse. – Maestro Osvaldo Colarusso, sobre o cd ‘engenho novo’.
digital brasileiro. Poderia nos dar sua opinião a respeito de nosso trabalho? AM: Fico feliz em ver uma publicação que prima pela qualidade de suas publicações. Fundamental que tenhamos um espaço como esse! Longa vida à revista! RKB: Obrigada novamente pela entrevista e sucesso sempre, André! AM: Sucesso à vocês e parabéns pelo trabalho!
Saiba mais sobre André Mehmari. Acesse:
RKB: O foco da Revista Keyboard Brasil é o mundo das teclas, pioneira no mercado
Revista Keyboard Brasil / 19
Opinião
Vivendo a música
ea
VIDA
20 / Revista Keyboard Brasil
Foto: Arquivo pessoal
Joêzer Mendonça: pesquisador incansável do universo musical.
O QUE GRANDES MÚSICOS, CRÍTICOS E MAESTROS PENSAM A RESPEITO DA MELHOR MANEIRA DE INTERPRETAR A MÚSICA E TRANSFORMAR O SOM? DESCUBRA O SIGNIFICADO DE QUATRO PALAVRAS MÁGICAS! * Joêzer Mendonça
O
terror do escritor é a folha em branco. O terror do intérprete musical é a
folha cheia de pontos pretos. Pianistas, violinistas, trompetistas, cantores, enfim, estudantes e concertistas em geral, todos
procuram a melhor maneira de interpretar a música, de transformar em som aquele punhado de linhas e pontos pretos. E tudo começa bem antes de entrar no palco. Preste atenção:
1. Escutar
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Estamos tão ocupados em aprender a tocar que não paramos para escutar o que tocamos. É bom ouvir os grandes mestres tocando. Mas é melhor ainda escutar a si mesmo, como disse Daniel Barenboim. Não para vangloriar-se, mas para sondar sua própria interpretação, perceber falhas, autocriticar os defeitos.
A arte de executar uma peca musical é a arte de tocar e escutar ao mesmo tempo. –
Daniel
Barenboim,
pianista e maestro argentino.
Revista Keyboard Brasil / 21
2. Ler Partituras musicais fazem suas exigências particulares para entrar no palco. Mas há muito músico que passa por cima do que está escrito e enche de pedal romântico as peças renascentistas ou ponteios brasileiros, acelera onde é lento, faz rubato onde se pede um tempo. O intérprete tem liberdade, claro. Às vezes, é preciso colocar óculos escuros em Bach para dar um passeio com ele fora do museu. Mas, fico com Maria João Pires que define interpretação de maneira brilhante!
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Aperceber-se da alma do compositor e, mais tarde, contá-la aos outros como contaria a história de alguém.
– M a r i a J o ã o P i r e s p i a n i s ta
portuguesa naturalizada brasileira.
3. Expressar
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Os professores costumam exigir certos sentimentos de meninos e meninas de 10 a 13 anos quando estão tocando um melancólico noturno de Chopin ou uma delicada sonata de Beethoven. Não adianta. Como expressar através da música, algo que ainda não se viveu? Por favor, ninguém precisa sair por aí derramando sentimentalismo. Porém, muita gente bem grandinha está a tocar, mas não consegue nos tocar. Parece que estão tocando a Apassionatta numa máquina de datilografia (ok, geração Y, num teclado de computador). É preciso aprender com quem sabe das coisas, como João Marcos Coelho, nosso brilhante crítico musical.
O segredo da interpretacão é fazê-la com o frescor do primeiro encontro e com a intensidade do último. – João Marcos Coelho
jornalista e crítico musical
22 / Revista Keyboard Brasil
4. Viver
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Sábio foi Arthur Rubinstein ao ser perguntado em uma palestra na Julliard School sobre quantas horas por dia era preciso para praticar o instrumento. Não é à toa que foi considerado um dos melhores pianistas do século XX!
Pratiquem, no máximo, de duas a três horas por dia. No restante do tempo, vão viver a vida. Ou vocês não vão ter nada do que interpretar.
Entendeu o que quis dizer? Até mais!!!
– Arthur Rubinstein (1887-1982) judeu-polonês, naturalizado
americano, um dos melhores pianistas virtuosos do século XX.
* Joêzer Mendonça é mestre e doutor em Musicologia pela UNESP. É professor do curso de Música da PUC-PR e pesquisador as áreas de música popular e sacra. É autor do livro ‘‘Música e Religião na Era do Pop’’.
Revista Keyboard Brasil / 23
Saúde
Quais os efeitos da MÚSICA sobre a nossa saúde e o nosso COMPORTAMENTO? 24 / Revista Keyboard Brasil
ACIMA DE NOÇÕES DE GOSTO PESSOAL OU TENDÊNCIAS CULTURAIS, A MÚSICA REPRESENTA UM PODER QUE JÁ ERA CONHECIDO DAS SOCIEDADES MAIS ANTIGAS. PORÉM, INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ATUAIS VÃO MAIS ALÉM, APONTANDO SUA ENORME INFLUÊNCIA SOBRE OS ASPECTOS FÍSICOS, MENTAIS E EMOCIONAIS EM NOSSO CORPO. SOLUÇÕES ESTAS QUE CONTRIBUEM DE MANEIRA POSITIVA PARA A NOSSA SAÚDE! Carol Dantas
S
omos os seres vivos com mais alto poder de pensamento racional, maior capacidade associativa, enormes recursos de memória e
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o único ser vivo que domina a fala articulada; a verdadeira coroa da criação. Para nós, o conceito de sermos influenciados por um som, que é algo abstrato e efêmero, que só existe no tempo e na nossa imaginação, pode parecer estranho. Temos a clara noção de gostar ou não gostar de uma música e isso pode nos levar a pensar que esta escolha baseada no gosto pessoal é a única influência que a música pode ter sobre nós. Quem diria, então, que por trás dos fones de ouvido pode estar a solução para o stress, o remédio para a dor e até mesmo o segredo para encontrar um amor? Muita gente nem imagina, mas a música é capaz de fazer isso e muito mais pelas nossas vidas. E, acredite! Todos os gêneros podem
contribuir para o nosso dia a dia, contanto que a canção agrade aos ouvidos e ao coração. É o que dizem as investigações científicas! Conheça alguns desses efeitos: Revista Keyboard Brasil / 25
1. A música alivia o stress Sabe aqueles CDs com sons de natureza ou instrumentos suaves que foram feitos especialmente para promover o relaxamento?! Pois é, eles funcionam. Mas um estudo demonstrou que a música clássica também funciona para aliviar o stress, sendo mais efetiva e rápida do que ficar em silêncio, por exemplo.
2. A música melhora o desempenho Por algum motivo obscuro, costumamos considerar a raiva um sentimento ruim e associá-la somente a coisas negativas. Porém, um estudo realizado com gamers comprovou que aqueles que ouviram músicas que expressavam raiva enquanto jogavam conseguiam pontuações melhores. Isso acontece porque a raiva nos faz focar no resultado, aumenta a persistência, nos dá uma sensação de controle e nos deixa mais otimistas com relação às metas a serem alcançadas.
3. A música diminui a dor e controla a ansiedade Quando nenhum remédio surtir efeito, dê um play na sua música preferida! Pesquisas mostram que as músicas que nos agradam aumentam significativamente a tolerância e o controle sobre a dor, além de diminuírem a ansiedade se comparado com uma condição de silêncio. 26 / Revista Keyboard Brasil
4. A música ajuda a combater a insônia
5. A música melhora a performance
Adultos saudáveis, normalmente adormecem dentro de 30 minutos. Mas, depois dos 50 anos de idade, as pessoas apresentar mais dificuldade, e isso tende a piorar com o avanço da idade. A música ajuda a combater a insônia, pois atua como um sedativo, reduzindo a quantidade de noradrenalina - uma substância química do cérebro relacionada com o estresse - que circula através da corrente sanguínea. Nos estudos, os tipos de música mais eficazes são New Age e o jazz clássico.
Se você é daqueles que não se exercita sem os fones de ouvido, saiba que seguir seu gosto musical pode ser muito mais produtivo na hora de correr, malhar ou praticar algum esporte. Um estudo comprovou que pessoas que ouvem somente o que gostam na academia conseguem aumentar a distância da pedalada de alta intensidade, enquanto outras pessoas apenas relatam desconfortos durante a atividade.
6. A música melhora o humor Estudos revelaram que a música também tem colaborado para o aumento do nível de neurotransmissores, como a serotonina, que estão ligadas ao humor. Desta forma, a música ajuda você se sentir bem, alegre. Revista Keyboard Brasil / 27
7. A música ajuda no amor Ninguém aqui duvida de que uma música especial possa ajudar a criar aquele clima romântico, certo?! Mas e para aqueles que ainda não tem um amor? Pois o segredo também está na música, já que uma pesquisa sugere que as mulheres ficam mais suscetíveis a passar seu telefone para um homem depois de ouvir uma música romântica. (Agora, não me perguntem porque somente as mulheres fariam isso...)
8. A música salva vidas Em casos de emergência, se uma pessoa precisar de uma reanimação cardiorrespiratória é importante saber a frequência com que a massagem deve ser feita. Para isso, o Dr. John Hafner, da Escola de Medicina da Universidade de Illinois usou o clássico “Stayin' Alive”, dos Bee Gess, para ensinar aos seus alunos o tempo certo em que o procedimento deveria ser executado. Cinco semanas depois, repetiram o exercício enquanto cantavam a mesma canção de memória. Impressionantemente, os profissionais da área médica concluíram que o “metrônomo mental resultou numa melhora da capacidade técnica e da confiança na realização das massagens cardíacas”.
9. A música aumenta o QI Existem várias evidências de que a música tem um efeito direto na inteligência humana. Um estudo afirma que ouvir musica clássica pode potencializar a atividade cerebral. Experiências revelaram que alunos que assistem a uma apresentação com música clássica ao fundo se saem melhor em uma avaliação do que aqueles que simplesmente acompanham à palestra. 28 / Revista Keyboard Brasil
10. A música pode melhorar seu trabalho Ouvir música durante o trabalho ainda é um assunto que divide opiniões. Existem estudos que apontam que a presença da música pode diminuir a produtividade, atrapalhar a leitura e afetar a memória, mas, por outro lado, ela traz um impacto emocional positivo. Para aqueles que defendem a presença de música no ambiente de trabalho, as canções contribuiriam para a criatividade e aquelas que têm letras positivas são capazes de fazer as pessoas colaborarem mais e se sentirem mais úteis. Sua utilização no ambiente de trabalho foi motivo de pesquisa há alguns anos, na ex-União Soviética. É o que mostrou um instituto para estudos médicos e biológicos, ao informar os resultados de testes mostrando que o ritmo e o tempo da música tiveram um impacto imenso no organismo humano: “a música especialmente selecionada, aumenta a capacidade de trabalho dos músculos. Concomitantemente, o tempo dos movimentos do trabalhador muda com a alteração do tempo musical, aumentando sua produtividade. É como se a música determinasse um bom e rápido ritmo de movimento.”
11. A música pode fazer de você alguém melhor Um estudo realizado com crianças de 8 a 11 anos durante um ano mostrou que os pequenos se tornaram pessoas mais compassivas porque passaram a desenvolver a inteligência emocional. Já na Venezuela, as aulas obrigatórias de música na escola resultaram na redução de crimes e em um menor número de desistência por parte dos alunos.
E para você? Conte-nos um pouco da influência que a música tem na sua vida enviando um e-mail para contato@keyboard.art.br
Revista Keyboard Brasil / 29
Revista Keyboard Brasil informa:
Lanรงamento
JD - Xi
o pequeno notรกvel da
32 / Revista Keyboard Brasil
COMO ESPECIALISTA DA ROLAND, MEU DEVER É DESVENDAR TUDO SOBRE CADA INSTRUMENTO QUE CHEGA AO BRASIL. HOJE ESCOLHI O PEQUENO, POTENTE E ACESSÍVEL, JD-XI! RECHEADO DE RECURSOS E EQUIPADO COM 37 MINI TECLAS, VAMOS AO QUE INTERESSA? Daniel Baaran
Daniel Baaran: é músico autodidata, especialista de produtos da Roland e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
Revista Keyboard Brasil / 33
H
oje, vou falar sobre um lançamento da Roland do qual eu gostei muito: o JD-Xi. Nós,
especialistas, somos os primeiros a desvendar os mistérios de cada lançamento que chega ao Brasil. Com o JD-Xi não foi diferente. Porém, fiquei muito animado, pois, além de o instrumento atuar com os melhores sons de synth da Roland, ainda vinha com uma parte de síntese analogical – o grande diferencial dele para os teclados de sua categoria. Ou seja, um sintetizador híbrido analógico e digital. Outro grande diferencial é o sequencer que ele possui. Você pode criar loops ou frases em cada parte do JD-Xi. Quando me refiro nas “partes" do JD-Xi, estou falando da possibilidade de sons simultaneos que podemos usar ao mesmo tempo, duas são digitais de alta qualidade chamada pela Roland, de Super NATURAL Synth, a terceira parte é dedicada aos sons de bateria e, a quarta parte temos a tão desejada síntese analógica. Para retratar melhor os recursos do JD-Xi vou explicar um pouco o que cada botão ou knob faz. A primeira função importante é a “Part Select”. Lá você pode selecionar a parte que vai tocar, gravar ou deixar muda, sendo duas partes digitais, uma de bateria e uma analógica. Quando você está nas duas primeiras partes, as digitais, o knob grande vira um botão de categoria onde você seleciona a família de som que deseja, leads, pads, bass, keyboard, etc. Para mudar os sons de cada família, basta 34 / Revista Keyboard Brasil
pressionar os botões - Tone + , assim você verá que no visor aparecerão os nomes de cada som. Na terceira parte, dedicada à bateria, também terão vários sons consagrados das baterias eletrônicas da Roland. A quarta parte você já não terá a troca de “Tones”, ou seja, outros sons, porque quando você trabalha com síntese analógica, seu intuito é sempre a criação de um novo som, o que torna tudo muito único e pessoal. Quando o botão “Anolog Synth” é selecionado, a magia do mundo analógico acontece. Você terá a possibilidade de selecionar a forma de onda, apertando o botão “Oscilator”, sendo os tipos: dente de serra, triangular ou quadrada. Um knob é dedicado à onda quadrada onde você pode definir o seu tamanho. Todos os parâmetros de um sintetizador estão presentes no JD-Xi, parâmetros como CUTOFF, RESONANCE, os ENVELOPES, etc, tudo na mão, de uma forma bem simples possibilitando, assim, o uso do JD-Xi até pelos tecladistas que estão começando a entrar no mundo maravilhoso dos sintetizadores. Outro recurso, muito interessante, é que você pode utilizar até 4 efeitos simultâneos. Os dois primeiros (dois knobs) você seleciona o efeito que deseja dedicar a eles, os dois últimos knobs são dedicados um para Delay e outro para Reverb. Como sempre nos teclados da Roland os outros comandos são bem
intuitivos, OCTAVE DOWN e UP para oitavar os sons e, assim, obter uma escala maior, Tap tempo e um knob dedicado para alterar o beat de sua performance, tudo como sempre foi nos teclados da Roland. Outra função que é uma novidade no mercado é a “Auto Note”. Essa função é muito divertida e interessante. Basicamente você toca o teclado com a sua voz, isso mesmo! Dependendo da nota que você canta ele vai gerar uma nota no teclado, independente de que som esteja selecionado, você pode criar frases vocais e executá-la junto com os sons do teclado. Para finalizar, vou falar um pouco sobre um recurso muito desejado pelos DJ's e tecladistas de música vintage, o sequencer!!! O sequencer do JD-Xi é muito intuitive e você pode trabalhar de duas formas: gravando através de steps (usando os números de compassos que estão em cima do teclado, por exemplo, a
peça do bumbo nos steps 1, 5, 9, 13 e 15, onde teremos um bumbo reto). Ou, você pode também gravar em tempo real, selecionando o botão “Real Time Rec”, não importa qual forma escolher, podendo até mesmo usar as duas ao mesmo tempo. A gravação sempre será muito divertida! Espero que aproveitem cada recurso desse gigante de 37 teclas! Eu, sem dúvida, recomendo a compra do JDXi para somar em seu “SET” de teclados. Lembre-se sempre que todos os produtos Roland vem com a assessoria do suporte Roland através do site (link página 32) www.roland.com.br/suporte. Caso tenha alguma dúvida, visite o s i t e ( l i n k p á g i n a 3 3 ) www.keyboardcenter.com.br . Lá, fiz um review demonstrando um pouco dessa máquina fantástica. Quero agradecer, mais uma vez, a sua atenção e lembre-se: TAMU JUNTO, sempre!!!
Revista Keyboard Brasil / 35
Sobre os sons
ROCK
PROGRESSIVO: a música erudita do século XX A banda Genesis, em estúdio, gravando com orquestra.
36 / Revista Keyboard Brasil
COMO NOVO COLABORADOR DA REVISTA KEYBOARD BRASIL, HOJE FALAREI UM POUCO SOBRE O UNIVERSO MUSICAL DO ROCK PROGRESSIVO E ALGUNS DE SEUS EXPOENTES. PARA QUEM NÃO CONHECE COM CERTA PROPRIEDADE, O GÊNERO E MOVIMENTO MUSICAL CRIADO POR ROQUEIROS INGLESES EM MEADOS DE 1967, SAIBA QUE O MESMO ERA COMPOSTO POR MÚSICOS, EM SUA MAIORIA, PERTENCENTES À CLASSE MÉDIA, COM BOM NÍVEL SOCIOCULTURAL, QUE ADMIRAVAM A LITERATURA, AS ARTES PLÁSTICAS, A FILOSOFIA, O TEATRO, ALÉM DE TEREM ESTUDADO, E MUITO, EM CONSERVATÓRIOS E UNIVERSIDADES. É O CASO, POR EXEMPLO, DE RICK WAKEMAN E KERRY MINEAR (TECLADISTA DO GRUPO GENTLE GIANT). OS QUE ERAM AUTODIDATAS FIZERAM O QUE TODO MÚSICO QUE SE LEVA A SÉRIO DEVE FAZER: PRATICAR, NO MÍNIMO, OITO HORAS POR DIA. O ECLETISMO MUSICAL EXISTENTE ALI, IA MUITO ALÉM DO POP/ROCK DOS ANOS 50 E 60: MISTURAVAM MÚSICA ERUDITA (BARROCA, CLÁSSICA, ROMÂNTICA E CONTEMPORÂNEA), JAZZ, MÚSICA FOLCLÓRICA, MÚSICA ELETRÔNICA ALTERANDO, NATURALMENTE, A INSTRUMENTAÇÃO BÁSICA DOS GRUPOS DE ROCK, FAZENDO COM QUE GUITARRA, BAIXO E BATERIA PASSASSEM A “CONVIVER” COM SINTETIZADORES, OBOÉS, VIOLINOS, VIBRAFONES E BANDOLINS. POR ISSO, O ROCK PROGRESSIVO NÃO É PARA MUITAS OU QUALQUER CABEÇA. ELE, ASSIM COMO A MÚSICA ERUDITA, EXIGE UM CERTO COMPROMISSO DO OUVINTE, SEJA NA ÁREA INTELECTUAL OU ESPIRITUAL. NÃO É UM ROCK SIMPLES COM 3 ACORDES MAS, SIM, COMPOSTO DE MÚSICAS REFINADAS. E, NÃO SENDO DE FÁCIL ASSIMILAÇÃO OU REPRODUÇÃO, MUITAS VEZES É TIDO COMO INCOMPREENDIDO. *Amyr Cantusio Jr. Amyr Cantusio Jr., novo colaborador da Revista Keyboard Brasil: ‘‘O rock progressivo não é uma mera curiosidade histórica do tempo do vinil - é um capítulo importante da história do rock com ramificações que se estendem até aos dias de hoje’’. Revista Keyboard Brasil / 37
O
rock progressivo atravessou as fronteiras e barreiras entre os mundos da música, da mente e da alma. Foi buscar nas raízes da antiguidade seu tempero. Inspirações diretas na música clássica, barroca, medieval e ancestral. A fusão justa com estilos como ragas hindus, jazz, folk e blues, aliados à técnica erudita, com grandes faixas – longas e experimentais – são a pedida psicodélica neste estilo, que teve seu início em meados de 1966. Muitos me perguntam como surgiu o estilo progressivo ou, quem foi o primeiro... Mas não existe o primeiro. O
rock progressivo é fruto de uma evolução e de pesquisa musical, pós-desenvolvimento da música eletrônica e do jazz. No entanto, os primeiros vestígios da mescla e da evolução do estilo são encontrados com os Beatles, principalmente dentro do rock. Mais exatamente, a partir de 1966. Obviamente, nos ano 60 já tínhamos vários artistas arrebentando, como Frank Zappa e a psicodelia do Pink Floyd, por exemplo. Mas, somente no final desta década, que a metafísica surgiu na música. Faziam parte o existencialismo e as constantes perguntas pelos mundos alémTerra, do Espaço Cósmico e da vida pósmorte. De certo que aqui cito a inserção de temas variantes da literatura de Ficção e Filosofia Oriental. Grandes letras, bem elaboradas e permeadas de existencialismo, seja revolucionário ou onírico.
38 / Revista Keyboard Brasil
O Casa, assim como várias bandas brasileiras de rock progressivo dos anos 70, é bastante cultuado no exterior, tamanha a sua qualidade musical. A banda começou quando José Aroldo Binda (Aroldo) e Luiz Franco Thomaz (Netinho), dois ex-integrantes da banda Os Incríveis, juntaram-se a Carlos Roberto Piazzoli conhecido como Pisca , Carlos Geraldo Carge, exintegrante da banda Som Beat, que tocava baixo e guitarra, e Pique, ex-integrante da banda de Roberto Carlos que tocava órgão, piano, saxofone e flauta. No começo, ficaram conhecidos como "os novos Íncríveis", fazendo shows por todo o Brasil. Seu repertório incluía músicas de Elvis Presley, Paul Anka, Chubby Checker, Neil Sedaka, entre outros. Nas apresentações vestiam figurinos, se maquiavam e davam grandes performaces teatrais no palco. Lar das Maravilhas (1975) foi o segundo álbum da banda brasileira. Considerado um dos melhores discos de rock progressivo do país, esta obra trazia uma grande evolução no estilo musical do grupo.
Casa de Máquinas Revista Keyboard Brasil / 39
17 minutos, sem refrão e ‘‘indançável’’! O “grande terror” para os não iniciados no universo progressista é a duração das faixas. É comum, nos álbuns de prog-rock, uma única faixa ocupar o lado inteiro de um LP, totalizando entre 18 e 21 minutos de duração. Isto é a média. No álbum duplo “Incantations”, do multiinstrumentista Mike Oldfield, há apenas uma única música que dura exatamente 1 hora, 12 minutos e 44 segundos! Mas, claro, não existe uma “obrigatoriedade” de todas as músicas terem longa duração. Seria enfadonho enumerar alguns exemplos, mas há várias músicas com apenas três, quatro, cinco ou seis minutos. E, até menos. “For Absent Friends”, do Genesis, tem menos de dois minutos de duração. Outro “grande terror”: todos nós sabemos que há um refrão em todas as canções que estão no Top 10 de qualquer rádio. Como os discos de rock progressivo não foram gravados com o objetivo de tocar em rádios, e considerando-se que a letra de uma música de 17 minutos é bem maior do que um hit de três minutos, temos aqui uma “pequena revolução musical“: o rock progressivo “matou” o refrão. E, apenas para observação, não há registros de que Rudolf Nureyev, Mikhail Baryshnikov, Fred Astaire e Gene Kelly tenham escutado discos de rock progressivo. Mas, se isto tivesse acontecido, eles não conseguiriam dançar ao som de clássicos do prog-rock, como a música “Dogs”, do Pink Floyd (álbum “Animals”): são 17 minutos, sem refrão e “indançável”.
40 / Revista Keyboard Brasil
Pink Floyd Revista Keyboard Brasil / 41
E, foi por volta de 1968, que eclodiram inúmeras bandas de uma só vez, como Jethro Tull, Genesis, Yes, Pink Floyd, Led Zeppelin, The Nice (do tecladista Keith Emerson) Van Der Graaf Generator, Moody Blues, Procol Harum e o último grandioso álbum dos Beatles: Abbey Road. Foi uma explosão de sentimentos na cabeça das pessoas. Movimentos hippies e revolucionários se alastravam pelos quatro cantos do planeta. Foi a época de grandes festivais e concertos. Woodstock, Monterey e Ilha de Wight. Surgia um vasto oceano de bandas que criariam tudo que podia ser criado em matéria de som: Grateful Dead; King Crimsom; Gentle Giant; Tangerine Dream; Aphrodite Child (do tecladista Vangelis); E, L & P; Electric Light Orchestra, etc... Além do fenomenal movimento experimental alemão denominado Kraut Rock. Na Europa, a cena pegava fogo. Muitos pensam que a cena inglesa foi a principal produtora de obras-primas musicais progressivas. Mas não foi. Bandas como Premiata Forneria Marconi (conhecida como PFM); Le Orme; Banco; Museo Rosembach; The Trip; Loccanda delle Fate e Maxophone fazem o berço italiano ser um dos mais apreciados até hoje, no gênero. Na Alemanha, Grobschnitt; Gila; Novalis; Anyone's Daughter; Electra; Eloy; Cornucópia; Stern Combo Meissen, Can e Embryo faziam suas apresentações teatrais. Na França, surgiam Gong; Ange; Atoll; Edhels; Monalisa; Shylock, entre outros... 42 / Revista Keyboard Brasil
No Brasil? Sim. Bandas maravilhosas como Moto Perpétuo (Guilherme Arantes), Terreno Baldio, Casa das Máquinas (Cargê e companhia), O Terço, Mutantes na segunda fase, Módulo 1000, e tantos outros fizeram a cabeça da turma nesse período.
Lembrando que o rock progressivo também flerta com a música erudita contemporânea como a minimalista de Steve Reich e Philip Glass; e a Serial Dodecafônica de Arnold Schoemberg, além da eletrônica e concreta de Stockhausen Varèse e Pierre Schaeffer. Tudo fluiu como uma grande corrente esotérica, como no período barroco, renascentista ou clássico, dando luz a grandes músicos e respectivas obras. Um dos mais metafísicos e vanguardistas grupos desta era foi o Genesis (Inglaterra). A fusão com temas apocalípticos, filosofia grega, temas surrealistas, fábulas e contos de Lewis Carol, mais a fabulosa arte cênica de Peter Gabriel, com sua voz e criatividade, tornaram esta uma banda inimitável. Também o Yes, com Rick Wakeman e o fantástico Power Trio Emerson, Lake & Palmer (estes colocariam temas eruditos clássicos em grande quantidade na sua música pomposa e experimental, onde os teclados e synths, somados à técnica jazzística destroçariam ouvidos e cérebros nos 70!) Hoje, o movimento persiste no neo e no progressive metal com muita garra e intensidade. Vide Dream Theater, Fates Warning, Enchant, Marillion, Pallas, etc. Eu comparo o período de 1968-1978 do
rock, com os grandes ciclos do Barroco, Renascença e Clássico na Europa.
Grandes obras, extremamente complexas e intrincadas, coisas de arrepiar, foram construídas e elaboradas nesta década bizarra e espiritualista. A grande deixa no progressivo são as obras literárias e nomes de filósofos (muitas bandas underground deste estilo tem nomes de grandes filósofos) inserida na música quase erudita misturada ao rock e à psicodelia. Creio que Aldous Huxley, Edgar Alan Poe, H.P.Lovecraft, Carlos Castañeda, John Milton e Dante Alighièri foram muito citados nas obras, além da grande influência da filosofia indiana com bandas mergulhadas em livros como Vedas ou o Movimento Hare Krishna, entre outros. O ocultismo de Madame Blavatsky e de Aleister Crowley idem. Para finalizar, apesar de grandes momentos, o progressivo foi praticamente combatido e quase eliminado da história da música e do próprio rock, por preconceito, ignorância e falta total de visão interior, por muitos críticos acéfalos e pessoas mal informadas, com pouca alma. Hoje, no calor do revival dos LPs, muita coisa tem vindo à tona. E, com a própria indústria do CD nos anos 90, várias coisas saíram da obscuridade. Contudo, o rock progressivo não é para
muitas ou qualquer cabeça. Ele, assim como a música erudita, exige um certo compromisso do ouvinte, seja na área intelectual ou espiritual. Não é um rock simples com 3 acordes. Basta saber que muitos músicos do rock progressivo receberam um nível mais elevado do que a média de treinamento formal: Rick Wakeman estudou no Royal College of Music. Os integrantes da banda Dixie Dregs eram estudantes de música na Universidade de Miami, onde o guitarrista Steve Morse estudou com Pat Metheny e a banda Dream Theater foi formada por um grupo de alunos da Berklee School of Music. Carl Palmer, do ELP, estudou na Guildhall School of Music and Drama. Annie Haslam, vocalista da banda Renaissance, recebeu formação clássica (era soprano e possuía um alcance vocal de cinco oitavas). Phil Collins, baterista e, mais tarde, cantor da banda Genesis e a vocalista Sonja Kristina, do Curved Air, realizava produções teatrais em Londres! Cito, a seguir, mais de vinte trabalhos imperdíveis para quem quiser adentrar um pouco mais nesta selva atmosférica de preciosidades auditivas. Obviamente muito vasta e quase infinita. Portanto, é somente uma iniciação! E, você, leitor? Quer completar a minha lista? Mande seu email para contato@keyboard.art.br Até a próxima!
*Amyr Cantusio Jr. é músico (piano, teclados e sintetizadores) compositor, produtor, arranjador, programador de sintetizadores, teósofo, psicanalista ambiental e historiador de música formado pela extensão universitária da Unicamp. Revista Keyboard Brasil / 43
44 / Revista Keyboard Brasil
Perfil
46 / Revista Keyboard Brasil
ALAN FLEXA SAIBA QUEM É O MÚSICO AMAPAENSE CONHECIDO NA CENA MUSICAL POR SUAS TRILHAS NO ESTILO NEW AGE E POR SUAS PRODUÇÕES COM BANDAS. Heloísa Godoy Fagundes
N
DISCOGRAFIA (1998) Humanoides (2010) Alquimia (2011) Khaminari (2012) Spirits (2012) Memorias Del Psiconalt (2015) Camboja (2015) Ayra (em produção) PARTICIPAÇÕES Desiderare - caleidoscópio Villa Vintém- Berro de menestrel Nova Ordem - direito civil
Fotos: Divulgação
ascido em Macapá, capital do Estado do Amapá, Alan Flexa, 34 é compositor, produtor e tecladista de música instrumental. Tem lançados, até o momento, 8 EPs. Seu trabalho tornou-se notório dentro do estilo New Progressivo por conta de vários álbuns voltados à meditação, relaxamento e trilhas produzidos ao longo de sua carreira. Entretanto, as músicas de Flexa possuem elementos de vários outros estilos, tais como: Rock, Jazz, Clássica, World, Eletrônica e Minimalismo. Fascinado pelas possibilidades sonoras dos sintetizadores eletrônicos, aos 13 anos, iniciou seus estudos musicais no instrumento passando, em seguida, para a música popular e o Jazz. Começou a tocar em diversas bandas de Rock, Pop e MPB, ocasionalmente apresentando-se como tecladista e guitarrista em bares e casas noturnas. Em 1998, Flexa desligou-se do grupo Afromururé (música experimental amazônica) e produziu o seu primeiro EP solo, intitulado HUMANOIDES – inaugurando o selo Symphony que, mais tarde, mudaria de nome para Zarolho Records (bastante conhecido pelas bandas do underground amapaense). Em abril desse ano, Flexa entrou em estúdio para a produção de seu mais novo trabalho, intitulado Ayra. Aguardem!
(1) Ouça Clip oficial do álbum Spirits The universe, de Alan Flexa. (2) Capa do novo trabalho intitulado Ayra. Revista Keyboard Brasil / 47
Cultura
01 / Revista Keyboard Brasil 48
*
&
Villa-Lobos
Foto: Arquivo pessoal
Maestro Osvaldo Colarusso: colunista da Revista Keyboard Brasil e incansável pesquisador musical!
Sonia Rubinsky
Um projeto que deu (muito) certo! GRAVAR A OBRA COMPLETA DE HEITOR VILLA-LOBOS NÃO É TAREFA FÁCIL E, A PIANISTA SÔNIA RUBINSKY – CONSIDERADA UMA DAS MELHORES PIANISTAS BRASILEIRAS DA NOVA GERAÇÃO – NÃO FOI A PRIMEIRA. PORÉM, A CAMPINEIRA RADICADA EM PARIS CONQUISTOU UM GRAMMY E CRÍTICAS MAIS DO QUE ELOGIADAS. ** Maestro Osvaldo Colarusso
Há vinte anos começava uma epopeia
G
ravar a obra integral para piano solo de Heitor VillaLobos é uma árdua tarefa.
São mais de dez horas de música! Já houveram
algumas tentativas que acabaram ficando incompletas sendo um lamentável exemplo o da excelente pianista Debora Halasz para o selo BIS, que parou na metade. Coinci-
dentemente as duas únicas pianistas a concluírem este ambicioso projeto para selos internacio-nais nasceram em Campinas, de famílias de origem judaica, e eram até meio aparentadas. A primeira delas foi Anna Stella Schic (1925-2009), que terminou sua epopeia em Paris em 1980. Ao contrário de Sonia Rubinsky, no entanto, gravou para um selo Revista Keyboard Brasil / 49
praticamente desconhecido, Solstice. Naquela época a gravação ocupava mais de dez LPs, e quando a série foi passada para CD lembro que os elogios da crítica especializada foram unânimes, e, como de costume, esta histórica gravação passou desapercebida por aqui. A segunda pianista a concluir este árduo trabalho, como disse, foi Sonia Rubinsky. Há 20 anos ela gravou um CD para o selo NAXOS com obras de Villa-
Lobos, gravação esta realizada em Santa Rosa, na Califórnia. Pelo que a própria Sonia Rubinsky me contou, este CD não faria parte de nenhuma integral, seria apenas um CD com músicas de Villa-Lobos. Por isso ela escolheu uma obra do primeiro período importante do compositor, a “Prole do bebê” Nº 1, uma obra do segundo período, as “Cirandas”, e uma obra do período final do autor, “Homenagem a Chopin”.
Uma longa espera... Se o CD foi gravado no final de 1994, por problemas administrativos da gravadora, ele só foi lançado no final de 1999, 5 anos mais tarde! O sucesso do
CD foi tão grande (ganhou o Grammy latino de melhor música clássica, em 2009 e foi considerado um dos 5 melhores lançamentos do ano, pela revista Gramophone) que a gravadora, a partir dele, resolveu INVESTIR numa integral. O segundo volume, gravado em condições técnicas bem melhores no Canada, em abril do ano 2000, incluiu a “Prole do bebê” Nº 2, as “Cirandinhas”, “A Lenda do Caboclo”, “Ondulando” e a “Valsa da dor”. O volume 3 foi gravado no mesmo ano, no mês de setembro, e incluiu a “Suíte Floral”, o “Ciclo Brasileiro”, “Brinquedo de roda”, “Danças Características africanas”, “Tristorosa”, e os “Choros” 1,2, e 5. O quarto volume foi gravado em outubro de 2003, mais uma vez no Canada, e inclui a “Bachianas brasileiras Nº 4”, o “Carnaval das crianças”, “Francette et Piá”, além de 50 / Revista Keyboard Brasil
pequenas obras como “A fiandeira”, “Simples coletânea”, “Poema Singelo” e “Valsa romântica”. É a partir daí que Sonia Rubinsky percebe que gravar uma integral exaustiva da obra para piano de Villa-Lobos envolveria um esforço que englobava incluir algumas obras que Anna Stella Schic (grande amiga de Sonia Rubinsky) deixara de lado. Por isso, em janeiro de 2006, ainda no Canadá, ela grava o Volume 5, com 48 peças do “Guia prático”, algumas que Anna Stella não gravou (Anna Stella gravou apenas 21 peças do Guia Prático). Este volume 5 recebeu críticas elogiosíssimas, com destaque para mais uma crítica bem positiva feita pela revista inglesa Gramophone. A gravadora, percebendo o sucesso da série oferece ainda melhores condições para os três últimos volumes. As gravações foram realizadas em Paris, onde a pianista mora atualmente, e um fantástico piano Fazioli, deram condições especiais para a artista. O Volume 6, gravado em março de 2006, que incluiu “Sul américa”,
Foto: André Fossati
Sonia Rubinsky: Considerada uma das melhores pianistas brasileiras da nova geração.
Revista Keyboard Brasil / 51
À esquerda: O Grammy recebido por Sonia Rubinsky em 2009.
À direita: Anna Stella Schic, a primeira a gravar uma integral da obra pianística de VillaLobos.
“New York sky line”, “As três marias”, “Saudades das Selvas brasileiras”, também apresenta a mais complexa obra para piano do mestre, o “Rudepoema”, obra que se beneficiou bastante deste excepcional instrumento usado na gravação. Indo além da integral realizada por Anna Stella Schic, este volume 6 realizou duas primeiras gravações mundiais: “Serra da piedade de Belo Horizonte” e “Carnaval de Pierrot” (completada por Amaral Vieira). Em fevereiro de 2007, seguindo os conselhos de Anna Stella Schic, Rubinsky incluiu no Volume 7, os 5 Prelúdios para violão transcritos para piano, por José
Vieira Brandão. Também aparecem o ballet “Amazonas” e mais algumas primeiras gravações mundiais: “Feijoada sem perigo”, “Cortejo Nupcial”, “Canções de Cordialidade” e “Valsa lenta”. O último volume, o de N° 8, foi gravado em abril de 2007. Neste volume encontramos alguns itens inéditos do “Guia Prático” (39 músicas), “Ibericabe”, “Suíte infantil 1 e 2”, e, em primeira gravação mundial peças escritas como música incidental para o texto teatral “A marquesa de Santos”. Foram mais de
13 anos de um trabalho insano. Villa-Lobos merece !!!
Um trabalho prá lá de elogiável... Sonia Rubinsky, graduada na Juilliard School de Nova York, é uma
pianista muito ligada à música contemporânea. Grande intérprete de Almeida Prado (que lhe dedicou a “Cartas Celestes XII”) tocou obras complicadas como “Night Fantasies” de Elliot Carter (1908-2012), que aliás a conheceu e a orientou na execução desta complicada composição. Por causa disso as complexidades, especialmente rítmicas, da obra 52 / Revista Keyboard Brasil
de Villa-Lobos são tratadas com um tipo de precisão rara entre os pianistas. Exemplo disso encontramos na “Suíte floral” (que apresenta uma polirritmia bem complicada) e sobretudo no “Rudepoema”. Neste aspecto, muitos pianistas são um tanto quanto “aproximativos” quando aparecem problemas quase insolúveis. Não é o caso de Sonia Rubinsky. A precisão também nos encanta na “Prole do bebê” Nº 2, uma coleção que
inclui as páginas mais ousadas do autor. Outro ponto bem positivo da pianista é que ela executa a “Prole do bebê” Nº 1 do jeito que Villa-Lobos escreveu, sem os acréscimos que Arthur Rubinstein incluiu e que todos os pianistas adotam. Não fosse somente
a excelência musical destas gravações, ainda teríamos mais coisas a elogiar. Sonia Rubinsky escolheu 8 obras primas da pintura brasileira como capa dos 8 CDS. Desta forma, o mundo todo pode conhecer pinturas de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Lasar Segall, Cícero Dias, Djanira, Guignard e Ismael Nery. E, além disso, os comentários musicais estiveram a cargo do professor James Melo, um musicólogo brasileiro que vive, há décadas, em Nova York. Cheio de informações precisas e úteis, os textos do professor Melo são de uma altíssima qualidade e são, para mim, uma enorme fonte de informações. Mantive, há algumas semanas, uma longa conversa com Sonia Rubinsky, isto via Skype (como disse ela mora atualmente em Paris), e muitas das
informações que redigi vieram deste longo diálogo. Foi possível perceber que ela trata este seu trabalho, iniciado há 20 anos, como um ponto muito importante para a divulgação internacional da obra de nosso maior compositor. O selo NAXOS já deixou de ser uma referência internacional, e tem até se tornado um “selo de aluguel”, apesar de manter até agora o excelente projeto da integral da Sinfonias de Villa-Lobos com a OSESP. Creio que Sonia Rubinsky gravou esta integral na hora certa e no lugar certo. Alguns itens permanecem uma referência incontestável, sobretudo o “Rudepoema”, a “Prole do bebê” Nº 2, o ballet “Amazonas”, a “Suíte Floral” e a “Homenagem a Chopin”. Para facilitar a vida dos brasileiros esta coleção de CDS foi lançada aqui pela movieplay, mas consegui-los não é tarefa fácil. Possuir estes 8 CDS em casa é quase uma obrigação para todo músico brasileiro, e, por ter sido feita de forma exaustiva (a própria pianista tem severas críticas a algumas obras menos felizes do autor) funciona como uma indispensável fonte de pesquisas.
* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do Povo. Conheça o blog clicando em http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/ ** Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). No passado, esteve à frente de grandes orquestras como a do Coral Lírico do Teatro Municipal de São Paulo e a Orquestra Sinfônica do Paraná, além de ter atuado como solista. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver, paralelamente, atividades como professor, produtor e apresentador de programas de Música Clássica na Emissora Estadual do Paraná. Desde 2011, é responsável por um dos blogs mais importantes de música clássica no Brasil, o Falando de Música, do jornal paranaense Gazeta do Povo e, como colaborador da Revista Keyboard Brasil, desde 2014. Revista Keyboard Brasil / 53
Ponto de Encontro
(da Música, Arte, Beleza, Educação, Cultura, Rigor, Prazer e Negócios)
ENSINO e BLOQUEIO de
Conhecimento ATUALMENTE, O MUNDO PASSOU A SER IMPORTANTE PARA AQUELE ALUNO QUE É NATURALMENTE “AUTODIDATA”. MAS, ONDE FICA O PAPEL DO PROFESSOR NESSA HISTÓRIA? * Luiz Bersou
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A estrutura da informação que hoje se 1. faz disponível...
F
az algum tempo entrei no site de um museu em Athenas e pesquisei o conteúdo de 250 can-
Fotos: Divulgação
ções de guerra de um militar francês que participou dos conflitos pela libertação da Grécia contra a Turquia em outros tempos. Estava tudo lá. Entrar nos sites de entidades de conhecimento está cada vez mais prático e mais democrático. Tal fenômeno acontece no mundo todo. Muitas vezes, nos defrontamos com a superficialidade do conhecimento oferecido em muitos sites, e mesmo a qualidade do seu conteúdo. Cabem, então, cuidados naturais para se trabalhar com informação que tem origem e rastreabilidade. Há, pois, uma mudança incrível.
Da falta de livros para estudar, evoluímos para uma situação de excesso de material para ser estudado. O mundo passou a ser importante para aquele aluno que é naturalmente “autodidata”.
Foto: Arquivo pessoal
Luiz Bersou: nosso colunista traz, em sua coluna, os mais diversos e importantes assuntos!
2. A figura do
professor...
Todo professor pode ser interpretado de várias formas. Ele se constitui em um canal de conhecimento. Trata-se do caso mais frequente. Ele conduz a um conhecimento especializado baseado em uma determinada doutrina e um determinado padrão de experiência. Esse tipo de conhecimento foi muito importante nos chamados regimes monótonos caracterizados pelas experiências de trabalho e atividades que se repetem sempre. Ele pode ser interpretado de outra forma, tal como um rompedor de canais de conhecimento. Muitos canais de conhecimento. São aqueles que tomam conhecimento de doutrinas que se apresentam ao mundo do ensino, mas ao mesmo tempo atuam no sentido de que essas
doutrinas precisem ser constantemente colocadas à prova e cotejada, ou seja, comparar com outras teorias do conhecimento. Revista Keyboard Brasil / 55
Ele também pode ser interpretado como aquele que busca conhecimento em todo lugar, de toda natureza. Não se prende a especializações. Vai em busca de leis mais profundas e de conhecimentos que alimentem essa busca. Vem, então, a percepção de que o papel principal do professor não é apenas transferir conhecimento, nas condições atuais do mundo complexo, ele precisa ser um agente de transformação e da estruturação da capacidade de pensar. Esse tipo de conhecimento é hoje muito importante pelo aumento das atividades complexas em nossa experiência de vida. Tudo é muito rápido,
nada se repete, os desafios do dia a dia são sempre diferentes.
A figura do 3. professor - Talòs... Talòs - uma expressão do grego antigo. O seu significado era “estar com
os deuses”. Era papel dos professores
Sócrates nasceu em Atenas, provavelmente no ano de 470 aC, e tornou-se um dos principais pensadores da Grécia Antiga.
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de então, pesquisar qual tipo de conhecimento aproximava mais o aluno do “estar com os deuses”. Talòs é raiz das expressões modernas, talento e vocação. Busca da felicidade e êxito do aluno pela adequação do seu perfil e personalidade aos desafios da profissão. Vemos, dessa maneira, um outro papel na figura do professor. Pela visão ampla das diversas ciências que ele, como rompedor de canais de conhecimento adquire, pelo conhecimento interessado em relação a cada aluno, ele pode ser um grande construtor de futuros talentos que farão toda diferença na construção e evolução da sociedade.
A figura do professor
A figura do professor 4. - o grande ensino... Todas as figuras notáveis da história humana tem uma característica comum entre todas elas. São seres que classificamos como “Pensadores Livres”. O “pensador livre” é aquele que convive com diversas etapas de ensino e relacionamento, ao longo de sua vida, convive com as diferentes doutrinas, entende o conjunto de influências que recebe a partir da escola, da igreja, da academia, das entidades de representação, dos governos e do local onde trabalha, percebe todas elas, respeita todas elas mas, ao mesmo tempo, se posiciona de forma independente e livre em relação a todas elas. Isso acontece em função de sua
capacidade de pensar, refletir e construir raciocínios que sejam produtos de sua própria alma. Na medida em que o professor participa da construção do “Pensador Livre”, ele está chegando ao máximo de sua contribuição à sociedade em geral e à sociedade do conhecimento em particular. Para o nosso ver, não existe papel mais nobre do que construir o Pensador Livre em cada aluno que venha a conviver.
5. - o ensino crítico...
Sempre aprendemos na escola que matemática e a língua mãe são a base de apoio de todo ensino. Com efeito, o entendimento da língua mãe nos permite entrar no entendimento dos signos, base da ciência da semiótica. Por outro lado, seja no ambiente familiar, seja no ambiente da escola, o ensino mais crítico que possa ser oferecido para um aluno é a capacidade de enfrentar e conviver com conflitos. A grande decorrência do aprendizado do enfrentamento de conflitos é a constituição do patrimônio de confiança de cada aluno. A partir desse patrimônio de confiança, o aluno é muito mais forte e consciente de suas possibilidades.
6.
Ensino e bloqueio de conhecimento...
Voltamos aqui ao início do presente capítulo. Em que medida o professor é um estimulador do aluno autodidata? Em que medida esse tipo de atuação pode transformar o ensino em um processo de bloqueio de conhecimento? Deve-se aumentar o risco do conhecimento de fundo ideológico? Essas são as perguntas que deixo aqui. Até a próxima!
* Atualmente dirigindo a BCA Consultoria, Luiz Bersou possui formação em engenharia naval, marketing e finanças. É escritor, palestrante, autor de teses, além de ser pianista e esportista. Participa ativamente em inúmeros projetos de engenharia, finanças, recuperação de empresas, lançamento de produtos no mercado, implantação de tecnologias e marcas no Brasil e no exterior. Revista Keyboard Brasil / 57
Foto: Paulo Rapoport
ExperiĂŞncias
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Os designers N.D. Austin e Jeff Stark são reconhecidos por criarem obras em espaços públicos não usados e esquecidos pelo poder público. Desta vez, o local escolhido no Brasil, foi a antiga e abandonada Ponte do Morumbi, hoje escondida pelas duas pontes atuais, bem próxima à Ponte Estaiada, ao lado da Rede Globo.
Um
Piano suspenso
DOIS DESIGNERS AMERICANOS, UMA PONTE ABANDONADA, UM PIANO SUSPENSO E UM PIANISTA FANTÁSTICO: HERCULES GOMES. Texto: Mateus Schanoski Revisão: Ricardo Alpendre
O
s designers N.D. Austin e Jeff Stark são reconhecidos por criarem obras em es-
paços públicos não usados e esquecidos pelo poder público. Esses espaços são reaproveitados sempre de maneira bem diferente e criativa. A maioria dos seus trabalhos é realizada sem apoio, patro-
cínio e autorização das prefeituras de onde essas obras são criadas. Em 2013, Austin instalou um bar em cima de uma árvore, no antigo terreno do Parque Playcenter, em São Paulo. Esse bar durou um mês e foi visitado por cem pessoas. Seus trabalhos também são secretos. Os convidados são um pequeno Revista Keyboard Brasil / 59
grupo seleto de pessoas, avisadas via email, apenas no dia do evento, sobre o horário e local em que essas obras serão expostas. Fui procurado pela produção do evento desse “Parque Suspenso”. A ideia era usar uma ponte abandonada no bairro do Morumbi, em São Paulo: a antiga Ponte do Morumbi, hoje escondida pelas duas pontes atuais, bem próxima à Ponte Estaiada, ao lado da Rede Globo. Um velho piano doado para o evento foi suspenso e colocado em cima dos velhos arcos da ponte. A altura era de 15 metros acima do nível do Rio Pinheiros. Fui convidado para tocar esse piano, mas a produção me disse: “Estamos procurando um pianista fantástico”. Enquanto a produtora me contava do projeto, o pianista fantástico que me veio à cabeça foi Hercules Gomes. Mostrei à produção, que era formada por estrangeiros, o trabalho desse grande pianista. Todos simplesmente enlouqueceram ao verem os vídeos de Hercules. Entrei em contato e ele aceitou prontamente. Hercules
Gomes então se tornou o nosso herói dessa ideia maluca. Sábado, 21 de março de 2015, fui encontrar esse piano suspenso. A única indicação que tivemos do local via e-mail, era: “descer na estação Morumbi de trem, atravessar a passarela e seguir a trilha azul”. Essa trilha azul era um respingo, como se fosse uma lata de tinta vazando no decorrer da calçada. Era quase que despercebido no meio de tanta gente vindo de dois grandes shoppings próximos à estação. Seguindo esta trilha azul, 60 / Revista Keyboard Brasil
você atravessava a ponte nova do Morumbi. Logo da ponte dava para se ver o piano já suspenso, tirando a atenção dos motoristas que ali passavam. A trilha terminava ao lado de duas árvores antes do final da ponte. Entre essas árvores havia uma escada feita de cordas e tábuas de madeira. Ao descer, você era obrigado a passar por debaixo da mesma ponte, bem próximo à ciclovia da Marginal. Para acessar essa ponte desativada, foi necessário colocar uma rede de proteção. Tudo um pouco complicado e sujo, pois choveu a semana toda e no dia do evento também, e havia muito barro. Chegandose à Ponte, ou ao Parque Suspenso, como o projeto foi apelidado, tinha-se uma ideia da altura em que o piano estava, no ponto mais alto da ponte, em cima dos arcos. A equipe passou a madrugada anterior içando o piano da ponte nova para a ponte desativada. Ele foi apoiado sobre três grandes vigas de madeira. Havia também, embaixo da ponte, um gerador, para enviar energia para a iluminação e o pequeno sistema de som ali instalado. O afinador do piano teve que realizar seu ofício nas alturas também. As 17h30, os convidados começaram a chegar. Todos foram avisados para irem com calçados confortáveis e levarem guarda chuva. Chuva? Parece que ela não assustou nem aos convidados, nem ao nosso pianista. Simplesmente o momento se tornou algo único, uma experiência inovadora, histórica e divertida, no meio de uma megalópole. O evento também contou com performances de um trapezista e da
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tocar nas alturas foi Louco, surreal! Estou pasmo até agora...! A impressão que tive é a de que a gente estava colocando "vida" em lugar morto; que a gente estava lembrando do esquecido; que a gente estava colocando uma espécie de pequeno coracão (piano com pianista + trapézio com trapezista + ponte abandonada com público em festa) em um local insignificante de uma máquina gigantesca que é São Paulo.
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Fotos: Paulo Rapoport
Mateus Schanoski: Esse evento tornou-se algo único, uma experiência inovadora, histórica e divertida, no meio de uma megalópole, como São Paulo!
– hercules gomes, pianista
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O evento também contou com performances de um trapezista e da Banda Mustache e os Apaches, após o pequeno concerto do Hercules Gomes.
Banda Mustache e os Apa-ches, após o pequeno concerto do Hercules Gomes. O piano continuará lá. Ele não foi retirado. Provavelmente cairá lá de cima assim que as vigas de madeira cederem, e se espatifará no asfalto da ponte. Aí sim se tornará uma obra de arte, não acham? Não aconselho a nenhum pianista/alpinista tentar tocar nesse piano, o que seria bem perigoso. No dia do evento, N.D. Austim,
Jeff Stark e toda a sua equipe cuidaram muito bem da segurança do nosso herói e de todos os convidados, mesmo parecendo perigoso. Após cinco dias, passei de carro na ponte ao lado, e pude ver que o piano ainda estava lá. Espero que ele dure muito tempo, fazendo parte da paisagem de São Paulo.
* Mateus Schanoski é graduado em Piano Erudito (Conservatório Bandeirantes), Piano Popular (CLAM e ULM), Teclado e Tecnologia (IT&T). É tecladista, pianista, organista, sideman, arranjador, produtor musical, professor e colaborador da Revista Keyboard Brasil. CONTATOS:
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