Mario Camelo Música: hobby que virou profissão
Jerry Lee Lewis: 80 anos do pianista matador!
Samsung e-Festival: Revelando talentos e viabilizando carreiras!
Hercules Gomes: Agilidade, leveza e os desafios de um grande pianista!
Cultura e poder na imagem institucional a favor das empresas: A música como combinação ideal!
Revista
Keyboard ANO 3 :: 2015 :: nº 26 ::
:: Seu canal de comunicação com a boa música!
Brasil www.keyboard.art.br
Índice
06
07
LANÇAMENTO: Mustache & os Apaches
22
32
ESPECIAL: 80 anos de Jerry Lee Lewis
PONTO DE VISTA: Música e pintura: Dois universos que se completam, por maestro Colarusso
DIVULGAÇÃO: CD Viva Hermeto
Expediente
MATÉRIA DE CAPA: Mario Camelo
38
42
REVOLUÇÃO MUSICAL: Space Rock, por Amyr Cantusio Jr.
46 PERFIL: Hercules Gomes
08
POR DENTRO: Samsung e-Festival 2015
54 PONTO DE ENCONTRO: Cultura e o poder da imagem institucional a favor das empresas, por Luiz Bersou
58 MÚSICA DOS SENTIDOS: A Pianista e a bailarina!, por Patrícia Santos
Revista
Setembro / 2015
Keyboard www.keyboard.art.br
Brasil
Editora Musical
Revista Keyboard Brasil é uma publicação mensal digital gratuita da Keyboard Editora Musical. Diretor e Editor executivo: maestro Marcelo D. Fagundes / Chefe de Redação e Design: Heloísa C. G. Fagundes Caricaturas: André Luíz Silva da Costa / Foto da Capa: Denis Ono / Marketing e Publicidade: Keyboard Editora Musical Correspondências / Envio de material: Rua Rangel Pestana, 1044 - centro - Jundiaí / S.P. CEP: 13.201-000 / Central de Atendimento da Revista Keyboard Brasil: contato@keyboard.art.br pa: Foto da ca ara Gustavo V
As matérias desta edição podem ser utilizadas em outras mídias ou veículos desde que citada a fonte. Matérias assinadas não expressam obrigatoriamente a opinião da Keyboard Editora Musical.
04 / Revista Keyboard Brasil
Editorial
y A talentosíssima Sonia Rubinsk ista e o presente por ser capa da Rev 23. ero Keyboard Brasil edição núm
Heloísa Fagundes - Publisher
Setembro é um mês bastante aguardado. Época de ExpoMusic, a maior feira de música da América Latina, que este ano está em sua 32ª edição trazendo shows, workshops, palestras, oficinas, sessões de autógrafos, sorteios e exposição com
Espaço do Leitor Muito obrigado à Editora Keyboard pela matéria. Samuel Quinto – via Facebook uuuhhhuuu!!! Parabéns pela Revista!!! Naira De Brito Poloni – via Facebook
mais de 1.000 novidades em instrumentos musicais, equipamentos eletrônicos, acessórios, tecnologias e aplicativos para o desenvolvimento de plataformas digitais. E, por falar em novidades, a Revista Keyboard Brasil apresenta este mês uma matéria de capa com Mario Camelo, tecladista da banda Fresno que concedeu
Queria muito uma!! (Referente à matéria sobre as máquinas de escrever partituras, edição 24). Amyr Cantusio Jr. – via Facebook
uma bacana entrevista para nosso colaborador Mateus Schanoski. Completando 80 anos de uma vida explosiva, a revista
Obrigado mais uma vez pela oportunidade! Orlan Charles M Prado – via Facebook Parabéns pela bela entrevista com Orlan Charles! Claudio Santos – via e-mail Eu estou colecionando todas as revistas Keyboard Brasil! Parabéns por estar cada vez melhor! Emerson Gomes Torres – via e-mail Que máquina é essa?? Não sabia que existia! Matéria excelente!! (Referente à matéria sobre as máquinas de escrever partituras, edição 24). Paulo Braga – via G-mail
traz, também, uma matéria especial sobre o ilustre aniversariante Jerry Lee Lewis. E, diante do atual quadro de descalabro em que se encontra nossa música, empresas surgem com projetos espetaculares, como é o caso do Samsung e-Festival. E, ajudando a melhorar este quadro, a dica é a leitura das próximas páginas! Curta, comente e compartilhe o que nossos experientes e competentes colaboradores trazem gratuitamente, porque cultura é com a Revista Keyboard Brasil! E, aguarde novidades
para as próximas edições! Revista Keyboard Brasil / 05
Mustache & os Apaches Fotos: Divulgação
Lançamento
Contato para shows: Sammantha Donadel (11) 97076-6392 (11) 2667-6394 shows@presspass.com.br
06 / Revista Keyboard Brasil
* Agência Press Pass comunicação e marketing
D
e início apresentando-se nas calçadas da Avenida Paulista, região central de São Paulo, a
banda indie-folk Mustache e os Apaches logo se destacou por ser capaz de transformar qualquer lugar da cidade em um espaço para shows! Hoje, com apenas quatro anos de estrada e composta por Pedro Pastoriz (voz, violão e banjo), Tomas Oliveira (voz e contrabaixo), Axel Flag (voz, viola e percussão), Jack Rubens (voz, guitarra e bandolim) e Lumieiro (voz, washbord e bateria) realiza apresentações por todo o Brasil e no exterior, compõe trilhas para filmes, seriados e novelas. Recentemente, foi indicada na categoria de melhor grupo popular do 26º Prêmio da Música Brasileira. O novo álbum da banda, intitulado Time is Monkey, possui letras que contam histórias e percepções abordando pontos controversos da nossa sociedade como o individualismo, consumismo e o deslumbre do showbizz, sempre com uma linguagem divertida e irônica. Com ares tropicais, influências da psicodelia e muito rock'n' roll, temperado com vaudeville, música latina e africana, Gravado no Estúdio Canoa, produzido e mixado por Guilherme Jesus Toledo, do selo Risco, no qual a banda integra o cast; masterizado por Arthur Joly (Reco-Master) e apoio do Estado de São Paulo / Secretaria de Estado e Cultura / Programa de Ação Cultural 2014 (PROAC).
Fotos: Divulgação
Divulgação
Intérpretes: André Marques, ao piano; John Patitucci, no contrabaixo; Brian Blade, na bateria e a participação especial de Rogério Boccato. Gravadora: Borandá
Viva Hermeto Da Redação Resultado do projeto realizado pelo músico e produtor André Marques pianista titular do grupo de Hermeto Pascoal há mais de 20 anos – em parceria com a gravadora Borandá, Viva Hermeto traz o repertório exclusivamente do grande compositor brasileiro Hermeto Pascoal. Gravado em Nova Iorque (EUA) no final de 2014, o CD apresenta além de André Marques ao
piano, os renomados músicos John Patitucci, no contrabaixo, Brian Blade, na bateria e a participação especial de Rogério Boccato. Capa do álbum criado pela fotógrafa e designer argentina Maria Birba. Viva Hermeto veio para saudar a figura emblemática do grande músico Hermeto Pascoal, fortemente associado à figura de "performer" pelo seu virtuosismo!
Revista Keyboard Brasil / 07
MatĂŠria de Capa
08 / Revista Keyboard Brasil
Mario Camelo
são
virou profis e u q y b b o h : a ic s Mú
O PERNAMBUCANO DE RECIFE, MARIO CAMELO, 30, TECLADISTA DA FRESNO, BANDA QUE COMPLETA 15 ANOS DE ESTRADA, NUNCA IMAGINOU QUE A MÚSICA – QUE ATÉ ENTÃO ERA TRATADA COMO HOBBY – PUDESSE O LEVAR PARA TÃO LONGE.
Por: Mateus Schanoski Revisão: Ricardo Alpendre
M
ario Camelo começou
dinheiro que ganhava dos cachês,
a tocar teclado aos 9 anos
investia nos instrumentos. Decidiu
de idade, por influência
mudar para São Paulo em julho de 2010,
de um amigo de seu meu pai e da avó,
a convite da banda Fresno para fazer a
que sempre tocou piano. Porém, na
Turnê do disco “Revanche” como
adolescência, todos os amigos queriam
músico contratado. No ano seguinte,
ser guitarristas e, sendo assim, largou o
gravou o EP “Cemitério das Boas
teclado. E, da MPB se jogou no Heavy
Intenções”. Em 2012, foi convidado
Metal. Entretanto, como queria montar
para seguir como sócio e integrante da
uma banda e todos queriam ser
banda onde está até hoje. Atualmente,
guitarristas, decidiu voltar ao teclado.
seu principal trabalho é com a banda
E, assim vieram as paixões pelo piano e,
Fresno e, nas horas vagas, produz
depois por synths. Tempos depois,
singles/trilhas, além de gravar em
formou-se em Ciência da Computação.
estúdio com outras bandas. A seguir,
Trabalhando com Informática e fazendo
leia a entrevista exclusiva de Mario
mestrado, passou a tocar nas noites de
Camelo para nosso colaborador Mateus
Recife somente para se divertir. Com o
Schanoski. Revista Keyboard Brasil / 09
Entrevista Revista Keyboard Brasil: O que significa Fresno? Mario Camelo: Quando Lucas e Vavo, juntamente com os ex-integrantes, deram o nome à banda, sabiam apenas da existência da cidade chamada Fresno, na Califórnia. É a 5ª maior cidade de lá e a 36ª maior dos Estados Unidos, com cerca de 500.000 habitantes. Aos poucos, foram encontrando outros significados. A segunda descoberta foi a espécie de árvore chamada Fresno, a qual virou o símbolo da banda. A terceira descoberta foi o rio Fresno, que se situa em Portugal. Sabendo desses três significados, nomearam o segundo álbum de O RIO, A CIDADE, A ÁRVORE em 2004. Revista Keyboard Brasil: Como você começou a tocar? Mario Camelo: Eu tinha por volta de 10 anos de idade, quando tive contato com um amigo do meu pai que tocava teclado. Ficava do lado dele assistindo e admirando, tentando memorizar os dedos em cada tecla para tentar tocar depois. Eu não tinha a mínima noção musical. Foi quando ele me ensinou uma música chamada “Roberta” de Pepinno Di Capri (um cantor italiano). Meus pais me viram tocando e perguntaram se eu queria aprender música e eu disse: “Sim” (risos). Então, me colocaram numa escolinha de música para aprender teclado. Era divertido porque além de mim, minha avó já tocava piano há anos e ela entendia 10 / Revista Keyboard Brasil
sobre técnicas e execuções muito mais que eu. Então, além de ir para a escola de música, eu tinha uma professora particular pertinho de mim (minha avó). Fui evoluindo com o tempo, até o momento que meu repertório começou a mudar aos 14 anos. Meu gosto musical mudou a MPB para o heavy metal; deixei o teclado um pouco de lado e comecei a tocar guitarra. Toda aquela brincadeira do intervalo do colégio de sentar com os amigos e tocar violão deu início a uma banda. Foi nessa época que eu tive as primeiras bandas, Iron Maiden Cover, uma banda pop rock, entre outras. Porém, guitarrista no colégio tinha de monte e, às vezes, era difícil ter uma banda. Então pensei: “poxa, eu sei tocar mais teclado do que guitarra, vou voltar com mais vontade no teclado para ser o melhor de todos no colégio para me chamarem para tocar”. Estudei um bocado, entrei no conservatório de Pernambuco para aprender piano e, comecei a escutar mais bandas de heavy metal melódico, feito o Angra, Strato-varius, Sonata Arctica, Nightwish... Aos 17, deixei um pouco a música de lado para prestar vestibular para Computação. Até então, a música era somente hobby na minha vida, mas sempre me acompanha-va. Revista Keyboard Brasil: Como você entrou para a banda Fresno? Mario Camelo: Como eu tinha falado, a música era hobby na minha vida. Eu me formei em Computação e tive inúmeras bandas enquanto estudava e trabalhava. Em 2008, eu estava em Recife tocando
Em 2008, eu estava em Recife tocando covers com amigos que não encontrava há muito tempo. Eles tinham uma banda chamada Terceira Edição e estavam morando em São Paulo. Por coincidência, eram amigos e vizinhos da Fresno. A Fresno iria fazer um show no Clube Português em Recife, junto com outras bandas como Glória (SP) e a Terceira Edição (PE). Então, um dia antes do show deles, tiveram uma folga (day-off). Antigamente, eu tinha uma banda chamada INPub com todos os integrantes da 3E onde tocávamos apenas covers de rock britânicos de música de gostávamos. Então, fizemos praticamente uma festa onde todo mundo das bandas que iriam tocar no dia seguinte compareceu. Foi aí que eu conheci o pessoal da Fresno pessoalmente. Na época, Lucas e Tavares subiram no palco, tocaram algumas músicas conosco e, então, me assistiram tocar. Logo após o show, os dois Fresno's vieram falar comigo: “Cara, estamos gravando um novo disco e precisamos de um tecladista que tenha bom gosto feito você, vamos nessa para São Paulo fazer essa nova turnê?” Daí já viu, né? Um ano depois recebi a ligação do Lucas dizendo que estavam terminando o CD e queria que eu tocasse a turnê com eles. Eu estava no meio do mestrado, larguei tudo e vim tentar seguir a tão sonhada carreira de músico. Revista Keyboard Brasil: Você fez aulas de teclado e também Mestrado em Ciências da Computação. Sua formação ajudou a entender melhor o mundo das
teclas? Mario Camelo: Acredito que sim. Não pela parte de programação, mas pela parte de interesse, o buscar algo novo. Como surgem teclados novos a cada ano, a computação também é assim: a cada mês surge algo novo. Programar um timbre ou entender o teclado é algo de interesse que pode ser obtido por qualquer pessoa, basta querer e gostar. Revista Keyboard Brasil: Antes da Fresno, você já tinha trabalhado com música autoral? Como foi entrar de cabeça nessa? Tanto compor quanto se profissionalizar de vez na música e ainda vir morar em São Paulo? Mario Camelo: Sim. Eu tive duas bandas autorais antes da Fresno, primeiro tive um prazer imenso em fazer parte de uma banda de heavy metal melódico chamada Terra Prima. Nesta banda, eu tive irmãos, os quais me fizeram evoluir bastante tecnicamente, era exigido bastante. Passei muito tempo tocando e compondo com essa banda, inclusive já fizeram turnê na Europa e tocaram em vários festivais importantes. Hoje, eles estão gravando o seu segundo disco. Também participei de uma banda de world music chamada Mamelungos, com a qual eu tive a oportunidade de gravar o primeiro CD. Essa banda me ensinou muito musicalmente, andar por vários ritmos e juntá-los de uma forma harmônica sem ter contraste. A Mamelungos foi uma das bandas que eu tive que deixar para vir para São Paulo. Entrar de cabeça na música foi colocar responsabilidade em Revista Keyboard Brasil / 11
Foto: Gustavo Vara
12 / Revista Keyboard Brasil
Surgida em Porto Alegre há quinze anos, a banda Fresno é formada por Lucas Silveira, Gustavo Mantovani, Mário Camelo e Thiago Guerra.
12 / Revista Keyboard Brasil
Revista Keyboard Brasil / 13
muita coisa que eu não tinha, como a música em si e até em investir em equipamentos, os quais sonhava em ter, mas não era prioridade de um universitário (risos). Voltei a estudar mais piano, principalmente no blues e no jazz. Alguns perguntariam: “poxa, o cara toca numa banda de pop rock e vai estudar jazz?” Pois é, era um caminho que eu gostaria fora do pop rock e que, de uma certa forma, me ajudaria mais à frente na carreira de músico. Até então, eu estava tocando na Fresno como músico contratado e ninguém sabe o dia de amanhã, não é mesmo? A música é algo que você precisa ser muito bom, muito bom mesmo, para te chamarem para fazer algo depois. Vir tentar música em São Paulo foi algo excelente, eu me adaptei muito bem por aqui, gosto de toda movimentação e loucura que é esta cidade. O mercado de música abrange muitos espaços como ser instrumentista, tocar em bandas, compor, gravar jingles, lecionar, arranjar, produzir, etc... E todas essas áreas você encontra bem em São Paulo. RKB: Você e o baterista Thiago Guerra, são pernambucanos, Lucas Silveira é cearense, apesar do sotaque, e o Gustavo Mantovani é gaúcho, morando em São Paulo. Parece que com essa formação a banda está abraçando os quatro cantos do Brasil. Você acha que isso ajuda a diferenciar a Fresno de outras bandas daqui? MC: De uma certa forma sim. A criação de cada um como pessoa, como profissional, musicalmente falando, agrega bastante. 14 / Revista Keyboard Brasil
As opiniões se mixam e formam uma coisa única. Mas, o que diferencia a Fresno das outras não é só o estilo musical e, sim, a vontade de todos em um único objetivo: a banda e colocá-la como prioridade de vida. Nós trabalhamos arduamente para fortalecê-la e, de uma forma que seja prazerosa. A partir do momento que se perde o prazer, cada um vai deixando o foco de lado e daí alguns vão ficando para trás. RKB: Antes de você entrar para a banda, os arranjos de teclados eram quase todos tocados e criados pelo compositor principal, o Lucas. O que mudou no processo de composição da Fresno com a sua entrada? MC: A primeira oportunidade que eu tive de composição foi nos shows. Não digo nem composição mas, sim, em rearranjar. Os arranjos já existiam, eu estava colocando do “meu jeito”, modificando o jeito de tocar, e os timbres também. Mas se for falar exclusivamente em compor, eu só consegui compor algo em 2011, com o EP “Cemitério das Boas Intenções”. Algumas músicas já estavam prontas e eu nunca tinha escutado. O Lucas e o Tavares estavam produzindo esse álbum que seria a minha primeira contribuição artística para a banda, e também a volta da independência, em relação à gravadora e à banda. RKB: Você gravou os três últimos discos da Fresno: em 2011, Cemitério das Boas Intenções; em 2012, Infinito; em 2014, Eu Sou a Maré Viva; e um DVD ao vivo dos
15 anos da banda. Todos independentes. O que mudou para você na banda de lá para cá? Você acha que a banda fica mais livre sendo independente? O trabalho é mais complicado? MC: Eu presenciei e vivi a banda saindo da gravadora e seguindo independente. Mas a Fresno começou como uma banda de colégio, e conseguiu um sucesso no seu estilo sendo independente. A gravadora já pegou a Fresno fazendo sucesso e, só direcionou para um lugar onde ela chamou mais atenção. Ou seja, a banda já sabia como viver independente, sem ninguém de fora colocando o dedo e tomando as decisões. Acho que sair da gravadora e tocando o trabalho desse jeito, como vem sendo, só tornou a Fresno mais madura e mais forte do que antes. O trabalho é complicado em qualquer canto, mas quando você faz o que gosta, tudo se torna divertido e desafiador. RKB: Desses discos, dois são EPs, porém algumas músicas são mais longas. Por que a escolha desse formato? Uma banda grande não costuma gravar neste formato. Por que vocês estão apostando em EP? MC: Com a internet, a mídia digital, toda essa globalização e acessibilidade, surgiram mil vezes mais bandas novas para se apreciar. Antigamente, as pessoas iam numa loja de disco, escolhiam um disco, escutavam na loja mesmo e compravam. Levavam para casa e passavam semanas escutando somente um disco. Hoje em dia, com a facilidade de ter uma música em um aparelho pessoal como o telefone,
o qual você pode levar para qualquer lugar e escutar música em qualquer momento, você tem também a facilidade de ter duas mil músicas na sua mão. As pessoas, às vezes, escutam várias músicas sem nem ao menos conhecer o artista! Para você investir em uma gravação de um CD e as pessoas comprarem o teu produto para apenas escutarem uma ou duas músicas, termina sendo um desperdício financeiro e artístico. Você se doa e trabalha bastante para elaborar todas as músicas querendo mostrá-las para as pessoas e ocorre esse desperdício! E isso não é legal. Então, no formato do EP com 4 ou 5 músicas, você trabalha mais cada uma do que antigamente, quando lançavam-se 12 a 15 músicas. Esse formato vem sendo bem respeitado pelas pessoas e tendo retorno muito positivo. RKB: Como instrumentista, qual é seu processo diário de estudo? O que você gosta de tocar? Você passa mais tempo tocando ou programando? Qual é seu setup nos shows da Fresno e por quê? MC: O processo de estudo ultimamente vem sendo tocar com meus companheiros. Quanto mais você toca, mais você se supera. Uma das coisas que todo mundo me falava, e que entrava pelo o ouvido e saía pelo outro, era fazer exercícios físicos. Isso fez uma diferença absurda estudando em casa e nos shows, te torna mais disposto fisicamente e mentalmente. Na hora de pôr a mão nas teclas, isso vem me ajudando bastante. E venho estudando muita leitura, partitura; meu objetivo é conseguir ler qualquer coisa e tocar. Isso Revista Keyboard Brasil / 15
Foto: Luringa
16 / Revista Keyboard Brasil
Mario Camelo: “O que diferencia a Fresno das outras não é só o estilo musical e, sim, a vontade de todos em um único objetivo: a banda! Colocá-la como prioridade de vida! Nós trabalhamos arduamente para fortalecê-la e, de uma forma que seja prazerosa. A partir do momento que se perde o prazer, cada um vai deixando o foco de lado e daí alguns vão ficando para trás.”
Revista Keyboard Brasil / 17
tem um valor importantíssimo para você pegar qualquer conteúdo na internet que você gostaria de aprender, e seguir estudando sozinho em casa, e também para chegar em um estúdio de gravação e o produtor mandar você tocar o que está escrito, termina sendo mais rápido e eficaz. Eu sou um cara de fases musicais, uma hora gosto mais de piano jazz, outra hora de synths voltados para os analógicos, digitais, eletromecânicos. E, atualmente, eu passo mais tempo fuçando (programando), descobrindo coisas novas. Meu setup nos shows da Fresno basicamente é gerado pelos sons de um workstation, Korg Kronos ou Korg M3, e um synth Moog Sub37 junto com um Korg KaossPad3. Às vezes, rola uma divergência de cenários para shows, onde tenho que mandar dois equipamentos para lugares diferentes, pois o mesmo backline não chegaria a tempo. Eu uso também um controlador da Behringer que é movido a pilha junto com um transmissor midi-wifi chamado MIDIjet. Nesse controlador eu tenho a possibilidade de me movimentar pelo palco, sem uso de fio, conseguindo gerar os sons do Kronos/M3 e do Moog. Eu possuo também um case onde eu mesmo fiz o projeto do produto, adaptado às minhas necessidades. Nele, eu tenho um Furman para gerenciar a energia toda do meu setup. Tenho uma mesa Behringer de 12 canais, onde faço toda a mixagem dos teclados e envio uma saída estéreo. Ainda, um compressor da DBX, que uso para fazer um efeito chamado sidechain, envio um kick de bumbo e teclado, ele processa isso, ele dá o efeito de sumiço do 18 / Revista Keyboard Brasil
Foto: Bruno Guerra
‘ ‘
Eu sempre tive um sonho de viver da música, fazer shows, viajar em turnês, conhecer lugares... Mas era só um sonho! Não imaginava que isso pudesse acontecer!
som do teclado a cada bumbo dado pelo baterista. Aquele efeito que vocês escutam bastante em música eletrônica. Tenho também uma placa de áudio da Focusrite chamada Scarlet. Eu a uso junto com um MacbookPro para disparar metrônomos e trilhas sequenciadas no show pelo Ableton Live. Também no laptop, uso um software chamado Mainstage para deixar toda a lista de timbres sequencialmente, conforme o repertório do show. Uso meus próprios DirectBox da Radial para não ter problemas com equipamentos de sons dos lugares que tocamos. Acho que é isso. RKB: Para gravar o último EP, qual equipamento usou e por quê? MC: Usei pianos do KorgKronos e do software AliciaKeys por questão de gosto. Muitos synths com arpejadores sincados, um Korg MS20-mini, que tem um filtro bem peculiar junto com Moog LittlePhatty2St. Eu queria testar algo diferente com 4 osciladores e o quão grave e agressivo poderia se tornar, entre um som de baixo e uma guitarra distorcida. Deu super certo. Usei, também, Rhodes do NordElectro3, que são incríveis. Vocoder do Korg R3, que é um teclado pequeno e muito poderoso e muita programação bem louca com o Kronos. Rolou muita diversão misturando efeitos de delay em cima de delay.
‘ ‘
- Mario Camelo
RKB: Após sua entrada na banda, as camadas, orquestrações, efeitos e sons eletrônicos ficaram mais evidentes do que antes. Você é o culpado disso? A Fresno está cada vez mais longe da Revista Keyboard Brasil / 19
sonoridade do primeiro disco, sendo cada vez menos pop. Vocês estão fazendo música para os fãs que estão amadurecendo ou estão criando um novo público? Mario Camelo: Acredito que o rumo que a Fresno vem tomando, se dá pelo fato da criatividade e do gosto musical de cada um da banda. Não só pelo tecladista (risos). A coisa da orquestração veio pela necessidade de mostrar uma grandiosidade nas músicas. Assim como o Queen, que é uma influência para alguns da banda, que tem essa coisa de músicas grandiosas, de serem apresentadas em estádios gigantes. A banda começou com adolescentes de 15 anos, então, naquela época ninguém tinha a experiência e a maturidade musical que tem hoje. Conforme cada um vai crescendo na vida, vai também crescendo no gosto musical, e vai se modelando. É impressionante também que conforme vamos crescendo, mudando, o nosso público permanece fiel e crescendo junto com a banda, trazendo cada vez mais pessoas novas. Às vezes, escutamos de uns e outros “poxa, eu conheço a Fresno só há um ano e estou achando demais”. Isso nos deixa cada vez mais realizados. RKB: Você também faz jingles, trilhas e grava para outros artistas. Fale desse projeto paralelo. Mario Camelo: Não é bem um projeto. Às vezes, surgem uns freelances, algumas produtoras que têm meu contato. Geralmente, são conhecidos ou indicados para gravar uns pianos ou trilhas 20 / Revista Keyboard Brasil
específicas para publicidade. E, algumas bandas chamam para inserir um teclado aqui, outro ali; e eu faço com o maior prazer. Eu queria ter mais tempo para fazer esse tipo de coisa. RKB: Como está sendo morar em São Paulo e ficar longe da sua família? MC: São Paulo, para mim, é uma cidade ideal para quem quer trabalhar, quem gosta da correria, quem quer estar no meio do caos. Gosto demais dessa cidade, é exatamente onde eu quero estar. RKB: Quais discos você gosta de ouvir? O que você está ouvindo de novo? Mario Camelo: Como eu falei, eu sou um cara que tem seus momentos. Comecei com MPB, Vinícius de Morais, Toquinho, Caetano. Já ouvi muito Iron Maiden, Metallica, muito heavy metal. Depois, comecei a escutar muito rock mais antigo como DeepPurple, Queen, Led Zeppelin, The Doors... Gostei muito do início do Bon Jovi no hard rock, depois comecei a escutar mais funk music como Jamiroquai. E um excelente músico, do qual eu sou bem fã, Jamie Cullum, que toca piano jazz pop. Escutei muito rock moderno como Muse, Thirty Seconds to Mars e, atualmente, tenho escutado bastante Nine InchNails e uma banda chamada M83. RKB: Por quais tecladistas você se influencia? Brasileiros e gringos. MC: Não seria muito bem um tecladista, mas é um produtor e vocalista que eu respeito bastante, Trent Reznor, do Nine
RKB: Quais dicas você pode dar aos tecladistas que estão iniciando na carreira? MC: Estude bastante, pratique ainda mais, conheça bastante sobre o que é velho para entender o que está vindo de novo. Se atualize todos os dias sobre a tecnologia. Teclado é algo que vem mudando cada vez mais. Experimente vários estilos musicais e, depois escolha um para você se tornar bom no que faz. Acima de tudo, acredite em você.
RKB: Quais são seus projetos futuros? MC: Meu futuro é junto com a Fresno. Todo meu trabalho é focado na banda, trabalhos burocráticos, composições, arranjos, tecnologias, entre outros. É se doar para banda. Evoluir, amadurecer e acreditar, musicalmente, são os pontos que venho trabalhando com meus companheiros. Saiba mais sobre Mario Camelo e a Fresno. Acesse:
* Mateus Schanoski é graduado em Piano Erudito (Conservatório Bandeirantes), Piano Popular (CLAM e ULM), Teclado e Tecnologia (IT&T). É tecladista, pianista, organista, sideman, arranjador, produtor musical, professor e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
Revista Keyboard Brasil / 21
Fotos: Acervo pessoal
InchNails. Também, o Jamie Cullum: a forma de tocar o jazz de um jeito diferente. Ele mescla o jazz e o pop e vice e versa, e é o que diferencia. Jean Carllos, do Oficina G3, que é um cara que entende de tecnologia super bem, e de quem tive o prazer de me tornar amigo e trocar várias ideias sobre teclados e música. O Fábio Ribeiro, que era da banda Angra e agora vem fazendo um som mais industrial com sua banda Remove Silence. O próprio Andre Mattos, que era vocalista do Angra, me influenciou bastante com toda sua maestria de arranjos para as músicas do começo do Angra.
JERRY L E E LEWIS 80 anos do pianista M A T A D O R
22 / Revista Keyboard Brasil
Fotos: Divulgação
Especial
EM PLENA METADE DO SÉCULO XX, ONDE O ROCK’ N’ ROLL COMEÇAVA A ECLODIR COM A GUITARRA DE CHUCK BERRY E O REBOLADO DE ELVIS PRESLEY, SURGIA UM CARA DE ESPÍRITO MAIS ADOLESCENTE COMPARADO AOS ROQUEIROS DA ÉPOCA – UM ÍCONE PERFEITO PARA UMA JUVENTUDE TRANSVIADA DISPOSTA A VIVER INTENSAMENTE AQUELES ANOS DE REBELDIA. Heloísa Godoy Fagundes
(1) Um dos fundadores do rock'n'roll e, supostamente, um dos primeiros bad boys, Jerry Lee Lewis é conhecido por ter um lado bastante temperamental. Certa vez, dirigiu em alta velocidade e alcoolizado até Graceland, a mansão de Elvis. Bêbado, e com uma arma em punho, exigia que Elvis saísse da casa para provar quem era o verdadeiro rei. (2) O matador também causou grande escândalo ao casar-se com a prima Myra, de apenas 13 anos de idade. Nesta foto de 1968, ambos aparecem com a filha Phoebe Lewis. (3) e (4) Dono de performances explosivas e memoráveis, Lewis já ateaou fogo ao seu piano de cauda no final uma apresentação. Descrito por seu colega Roy Orbison como o melhor artista cru da história do rock, Lewis poderia tocar qualquer coisa brilhantemente ao piano - blues, jazz, country, tudo. Porém, raramente escreveu suas próprias canções, mas interpretou-as como um verdadeiro matador!
Revista Keyboard Brasil / 23
Sun Records: Localizada em Memphis, Tennessee e fundada por Sam Phillips, a gravadora ficou conhecida por lançar astros como Elvis Presley, Carl Perkins, Roy Orbison, Johnny Cash e Jerry Lee Lewis.
J
erry Lee Lewis possui uma
biografia singular e uma das mais loucas da história do rock. Nascido no dia 29 de
setembro de 1935 em Ferriday (Louisiana, EUA), o cantor, compositor e pianista autodidata, teve apenas uma ou duas aulas de piano, sendo incentivado por seu professor a procurar um estilo próprio. Assim, Jerry começou a buscar suas influências no rádio e nas gravações de Hank Williams, Jimmy Rodgers, Al Jolson e outros artistas da música country americana. Outra grande influência para o músico foi a Haneys Big House – casa de blues em Ferriday, onde os temas e a batida foram inspiradores para um garoto criado em meio a fortes tradições cristãs tendo também, recebido por isso, muita influência da música gospel. Mas aquele caipira, nascido na Lousiana, vindo de uma família extremamente religiosa logo mostrou o impacto de sua música demoníaca e se auto intitulou um “wild one” (selvagem). Um primeiro exemplo disso aconteceu certa vez, na universidade religiosa Southwest Bible Institute, quando Jerry foi expulso depois de tocar uma versão de um canto em boogie woogie, freneticamente ao piano. Em 1952 gravou suas duas primeiras músicas, duas versões demo para uma gravadora. Essas músicas eram “Please 24 / Revista Keyboard Brasil
Don't Stay Away” e “New Orleans Boogie”. Em 1954, gravou outras duas músicas para uma rádio e logo o ritmo desenvolvido por Lewis, um misto de rhythm and blues, boogie-woogie, gospel e country, explodiu. A repercussão foi tão grande que, em 1956, Jerry e seu pai, Elmo Lewis, reuniram suas poucas economias e partiram para Memphis, rumo à gravadora Sun Records, a mesma gravadora de Elvis Presley, Carl Perkins e Johnny Cash. A audição, marcada em novembro de 1956 com a gravadora, foi ouvida pelo proprietário Sam Phillips, encantado com o talento daquele ousado jovem que, em pouco tempo, assinou o tão sonhado contrato. Sam Phillips estava certo! A primeira gravação de Lewis nos estúdios da Sun a versão da balada country “Crazy Arms”. Em 1957, seu piano e o rock de “Whole Lotta Shakin' Goin' On” renderam-no fama internacional. Logo viria “Great Balls Of Fire”, seu maior sucesso. Jerry tornou-se um fenômeno, entrando rapidamente nos postos mais altos da parada de sucessos, aproveitando o vácuo deixado por Elvis, que estava servindo o exército americano. O mesmo Elvis que, vendo e ouvindo Jerry Lee Lewis tocar disse, certa vez, que se conseguisse tocar piano daquele jeito, não cantaria nunca mais! Excelente músico, Jerry foi um dos primeiros a adotar arranjos pentatônicos ao piano e, sempre solava em escalas cromáticas de meio tom, o que causava perplexidade aos pianistas. Dono de Revista Keyboard Brasil / 25
26 / Revista Keyboard Brasil
‘ ‘
Vo u p a ra o Inferno, mas v o u p a ra l á tocando piano! - Jerry Lee Lewis
Revista Keyboard Brasil / 27
Foto: David McClister / Gardian
ns / Getty Foto: Redfer
Nas fotos menores:(1) A admiração de Jerry Lee Lewis pela música negra era nítida. O jovem vivia fugindo de casa para fazer uma visita proibida ao “bairro dos negros”, onde a “música do demônio” rolava solta até altas horas. Essa influência foi parte essencial na sua técnica ao piano. A mão esquerda, fazendo a base de blues negra, unida à mão direita, solista e totalmente ousada, gerava uma mistura ardente e explosiva. Era o Rock 'n' Roll exalando das cordas do seu piano. (2) Jerry Lee Lewis (à esquerda) na Sun Records em 04 de dezembro de 1956, com o 'Million Dollar Quartet', de Carl Perkins (segundo da esquerda), Elvis Presley e Johnny Cash (à direita).
performances explosivas e memoráveis incluindo atear fogo ao seu piano de cauda no final uma apresentação. Não é incomum que o músico até hoje, no alto de seus 80 anos, ainda chute o banquinho instrumento para tocar em pé, deslize e bata suas mãos pelas teclas, pise ou sente nelas. Mas sua vida também foi recheada de escândalos regados à muito álcool e drogas. Um dos primeiros escândalos, noticiado pela imprensa britânica, ainda no início de sua carreira, ocorreu no fim de 1958, em turnê pela Inglaterra. Ao descobrir o caso do músico de 22 anos com Myra Gale Brown, 13 anos, sua prima de segundo grau estando ainda casado com sua primeira esposa, a carreira do magnífico pianista foi por água abaixo. Discos foram retirados das lojas, shows 28 / Revista Keyboard Brasil
cancelados e expulso da Inglaterra. Em questão de meses, caiu no ostracismo, e passou a tocar em feiras agro-pecuárias em troca de mixaria. Suas músicas já não alcançavam o grande sucesso de antes. Nos anos 70, tentou uma infrutífera carreira country. Trocou de gravadoras e seguiram-se os escândalos: quatro mortes (um filho, duas esposas e o baixista da banda). Muitos shows realizados bêbado. Seu vício em cocaína – pelo menos – foi breve. Apesar de seus problemas pessoais, seu talento musical nunca foi questionado. Apelidado The Killer (O Matador) por sua voz poderosa e sua técnica ao piano, ele foi descrito por seu colega Roy Orbison como o melhor artista cru da história do rock. Em 1986, Jerry Lee Lewis foi incluído na primeira leva de
Revista Keyboard Brasil / 29
artistas a serem homenageados no Hall da Fama do Rock 'n' Roll. Em 1989, foi lançado o filme biográfico “A Fera do Rock” (Great Balls of Fire) que se tornou um grande sucesso. O músico foi interpretado por Dennis Quaid e o filme teve participações de Winona Ryder e Alec Baldwin. Em 2005, recebeu o “Prêmio Pelo Conjunto da Obra” da Record Academy, que também organiza o
Grammy Awards. Aos 80 anos e em plena atividade, Jerry Lee Lewis segue lançando álbuns e realizando shows. Pode-se afirmar, com certeza, que Jerry Lee não teve uma vida convencional. Entre bebedeiras, assassinatos, vícios e muitos casamentos pode-se dizer que a história do mito se confunde com a própria história do Rock.
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Ponto de Vista
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As Ninfeias de Monet. Impossível compreende-las sem a música de Debussy!
Música e pintura: Dois universos que se completam HÁ UMA GRANDE RELAÇÃO ENTRE A MÚSICA E AS ARTES PLÁSTICAS E, IGNORÁ-LAS FAZ COM QUE
PERCAMOS MUITO DA BELEZA E DO
CONTEÚDO DE MAGNÍFICAS OBRAS. SAIBA QUEM SÃO OS GRANDES PINTORES E COMPOSITORES QUE TORNARAM ESSA RELAÇÃO UMA
REALIDADE
HARMÔNICA!
** Maestro Osvaldo Colarusso
N
a história da música detectamos diversos momentos em que há um definido contato entre a arte dos sons e as artes
plásticas. Referência absoluta a este respeito é o livro em dois volumes “Miroirs de la musique” (Espelhos da música), do musicólogo francês François Sabatier, lançado na França pela editora Fayard. Infelizmente, este magnífico trabalho de pesquisa nunca foi traduzido para nenhum outro idioma, nem mesmo para o inglês. O assunto é apaixo-
nante, pois há um enriquecimento enorme nestes contatos entre dois tipos diferentes de pensamentos artísticos.
Coincidências não casuais Os exemplos de comparação das duas artes são inúmeros. Basta vermos que o pensamento musical ocidental se iniciou no mesmo momento Revista Keyboard Brasil / 33
O Chamado de Mateus, de Caravaggio. Paralelo com as inovações de Monteverdi.
em que a revolução arquitetônica e pictórica levou ao que conhecemos como Gótico. No momento em que as catedrais com seus riquíssimos vitrais ganhavam um aspecto muito mais exuberante no século XII, nascia a polifonia típica da música ocidental nas mãos de Léonin (1150-1210) e de Pérotin (1160-1230). Creio, por isso, indissociável as “Organa” deles (que eram padres, além de músicos) com os templos que nasceram na França naquela época. Querem mais exemplos? Saltemos alguns anos e vamos ao início do século XVII. Para comemorar a chegada de mais um século, o pintor italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) pinta em 1600 uma série de murais para a Igreja de São Luís dos Franceses em Roma, inaugurando um estilo de pintura que fazia uma enorme e bem definida divisão entre espaços claros e espaços escuros. Este dramatismo obtido pelo pintor italiano é pensado da mesma forma por um músico também italiano, contemporâneo de Caravaggio: Claudio Monteverdi (1567-1563). Na sua ópera Orfeo de 1607, na narrativa da Mensageira no segundo ato, é descrita a morte de Euridice com 34 / Revista Keyboard Brasil
cores extremamente contrastantes, em lugares em que são justapostas escalas diferentes representando a vida e a morte. As dissonâncias e as relações harmônicas radicais de Monteverdi tornam-se ainda mais evidentes ao compararmos a arte do compositor às telas de Caravaggio. O mesmo se passa na segunda metade do século XVIII, quando a simetria era buscada de maneira frenética por certos pintores como Jacques-Louis David (1748-1825) e que, nos mesmos anos de suas pinturas mais geométricas, Mozart (1756-1791) escrevia, na mesma cidade de Paris, as suas sonatas para piano de cunho mais simétrico. A comparação entre a Sonata em dó maior IK 330 de Mozart e a tela “O juramento dos Horácios” de David, criadas praticamente na mesma época e na mesma cidade, nos faz perceber que o mundo musical pode ser melhor compreendido ao percebermos o que o cercava. Aliás, em termos de paralelismos entre a pintura e a música, a cidade de Paris é campeã: As pinturas de grande formato de Géricault (1791-1824) e de Delacroix (1798-1863) encontram um paralelo evidente nas obras grandiloquentes de Héctor Berlioz (1803-1869), e o
impressionismo de Claude Monet (18401926) encontra uma ressonância gigantesca na arte do compositor Claude Debussy (1862-1918).
Exemplo único O exemplo mais claro de toda a história da música em termos de sua relação com a pintura é o nascimento da abstração nas mãos do pintor russo Wassily Kandinsky (1866-1944) e do atonalismo nas mãos do compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951). Existe uma farta correspondência entre os dois num período que vai de 1910 até 1914, mostrando que ambos procuravam uma nova direção mística para a arte. Em 1911 Kandinsky publicou seu livro “Do espiritual na arte”, muito admirado pelo compositor austríaco. Quando Kandinsky ouviu em Munique, as Três peças para piano opus 11 de Schoenberg ele de imediato pintou Impressão III (Concerto),
hoje em dia exposta na Lembachhaus em Munique. A negação do figuratismo do pintor veio de encontro a uma música que evitava qualquer escala musical já usada, sendo que os dois confessavam que o objetivo de suas ações era o mesmo: a transcendência espiritual. Nunca houve tamanha sintonia entre dois artistas de primeira grandeza como esta na história da música.
Século XX O século XX ocupa quase que o segundo volume inteiro do livro que eu já citei de François Sabatier. Realmente, o século passado apresentou coincidências que, em geral, podem ser compreendidas como consequência da comunicação mais fácil naquela época. Além dos exemplos já citados (impressionismo de Debussy e abstracionismo de Schoenberg) encontramos algumas coincidências impressionantes: as colagens musicais de
A obra de Kandinsky inspirada pelas Peças opus 11, de Schoenberg.
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Mural de Portinari para a Biblioteca do Congresso em Washington.
1959) dedicou seu Choros Nº 3 “Pica pau” de 1925 para a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973). A melodia indígena da obra é usada de forma a dar à partitura um ar parecido a muitas pinturas que Tarsila fez naquela mesma década de 20, sobretudo seu quadro Abaporu. A segunda coincidência de nosso maior compositor são os enormes afrescos musicais do “Descobrimento do Brasil” de Villa Lobos serem contemporâneos dos grandes murais que Portinari (1903-1962) pintou na Biblioteca do Congresso em Washington em 1941.
Foto: Arquivo pessoal
Stravinsky (1882-1971) em seu ballet Petruschka de 1911 são absolutamente contemporâneas às colagens feitas nesta mesma época pelos pintores Picasso (1881-1973) e Braque (1882-1963), e no final do século outra coincidência importante é o minimalismo musical com a pintura hiperrealista. Entre nós brasileiros temos duas coincidências também notáveis: pouca gente sabe que Heitor Villa-Lobos (1887-
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Conclusão Ignorar estas relações entre a música e as artes plásticas faz com que percamos muito da beleza e do conteúdo das obras citadas. Tanto o músico como o artista plástico se isolam em seus ateliers, em seus estúdios, e isto é nocivo para ambos. Dizem que são sete as artes, mas defendo que todas elas estão interligadas.
* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do P o v o . C o n h e ç a o b l o g c l i c a n d o e m http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/ ** Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado como solista. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresentador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil.
Revolução Musical
SPACE ROCK INICIALMENTE
CARACTE-
RIZADO PELAS PASSAGENS INSTRUMENTAIS LONGAS DOMINADAS POR SINTETIZADORES, USOS EXPERIMENTAIS DE GUITARRA E LETRAS COM TEMAS DE FICÇÃO
CIENTÍFICA,
O
SPACE ROCK ERA UMA VERTENTE
DO
ROCK
PROGRESSIVO. CONHEÇA A BANDA MAIS FAMOSA DO ESTILO E SUA DISCOGRAFIA PARCIAL!
* Amyr Cantusio Jr.
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D
ando uma pincelada nos primórdios do rock dos anos 60 vamos notar que, por volta de 1966, a coisa começou a ficar incrementada pelo intelectualismo,
sofisticação e novas experiências sonoras. Frank Zappa, Hendrix, Moody Blues e Beatles praticamente fundiram os horizontes do rock a outras facções musicais, criando bases que dariam surgimento ao psicodelismo, o rock progressivo e ao dito kraut rock alemão, irmão gêmeo do space rock inglês. Como já citei em outras colunas, a introdução dos teclados na linha básica do rock o mudaria profundamente, dando a característica sonora geral dos 70. Keith Emerson com o The Nice, mais tarde denominado EL&P, seria um dos fundadores do rock erudito experimental ao lado do Kraftwerk, Tangerine Dream, Pink Floyd e Van Der Graaf Generator, que deram o pontapé inicial para a evolução de milhares de bandas do estilo. Também, antes de citar diretamente o space rock, devo acrescentar o movimento minimalista norte-americano de 1967 com Steve Reich, Philip Glass e Terry Riley, sendo Glass o mais famoso pelo filme de Copolla [Koyannisqqatsi] e Mike Oldfield, que faria a obra prima do rock minimalista, “Tubular Bells” [trilha sonora do Exorcista]. Na realidade, ainda temos duas escolas de música eletrônica experimental dos anos 50: a de Stockhausen [Alemanha] e Schaeffer [França], que deram as bases aos experimentos roqueiros setentistas. Desta forma, surge o Kraut Rock na
Lemmy na época, integrante da Hawkwind em Copenhagen, 1972.
Revista Keyboard Brasil / 39
Alemanha, que além das bandas citadas acima, tinha na linha de frente obras estupendas como Can, Ammon Duul, Guru Guru, Embryo, Cornucopia, entre outros nomes. Todos estes grupos tinham em comum “camas” espaciais feitas com sintetizadores, guitarras com microfonia, vozes com efeitos especiais e bateras com flangers, phasers, ondulações. O space rock seria realmente um referencial para este tipo de rock, que pegou mesmo na Inglaterra com a banda mais famosa do expoente: o Hawkwind.
O space rock foi algo que não “pegou” mundialmente porque, na realidade, era um subgênero do rock progressivo, assim como o acid rock, que denominava as bandas do naipe do Pink Floyd. Bandas fusion como o Gong, por exemplo, poderiam figurar na lista do space rock, mas elas têm um diferencial básico que não se enquadram no gênero: são muito calcadas no jazz! Alguns discos do Tangerine Dream como o Cyclon ou Stratosfear são viavelmente space rock, mas o resto da discografia teria uma tendência quase total à denominação de música ou rock eletrônico (vide Escolas de Berlim e Dusseldorff). Nos anos 90, temos duas bandas inglesas de inspiração direta no space rock: o Ozric Tentacles e o Porcupine Tree. Além de uma centena de outras no Underground mundial. O Hawkwind se destacou pelos seus temas de ficção científica épicos, criados tanto pelo escritor Michael Moorcock como pelo letrista/vocalista 40 / Revista Keyboard Brasil
A irlandesa Stacia Blake) era a dançarina da Hawkwind - banda inglesa de space rock. Nas apresentações ao vivo, Stace dançava nua com pinturas fluorescentes.
Robert Calvert, além da presença estonteante da dançarina performática Stacia e do fundador do Motörhead, Lemmy Kilmister, que ficou na banda até 1975. A seguir, listei uma discografia parcial (já que consta, pelo menos, na discografia biográfica do grupo mais de 100 títulos!) que indico aos amantes ou aos que querem conhecer melhor o Hawkwind, a banda de maior expressão dentro do movimento space rock.
Até a próxima!
*Amyr Cantusio Jr. é músico (piano, teclados e sintetizadores) compositor, produtor, arranjador, programador de sintetizadores, teósofo, psicanalista ambiental, historiador de música formado pela extensão universitária da Unicamp e colaborador da Revista Keyboard Brasil. Revista Keyboard Brasil / 41
Por dentro
O SAMSUNG E-FESTIVAL TEM UM IMPORTANTE PAPEL NA DEMOCRATIZAÇÃO DA CULTURA E ACESSIBILIDADE AO PÚBLICO POR MEIO DA INCLUSÃO DIGITAL, ALÉM DO FOMENTO AO CENÁRIO INDEPENDENTE, COM A REVELAÇÃO DE NOVOS TALENTOS E O APOIO PARA VIABILIZAÇÃO DE SUAS CARREIRAS. ESSE CONCURSO COMPÕE A ECLÉTICA PLATAFORMA DE ATIVIDADES RELACIONADAS À MÚSICA, CRIADA PELA SAMSUNG. * Agência Press Pass comunicação e marketing 42 / Revista Keyboard Brasil
A primeira edição do Festival, em 2014, teve shows com o bandolinista e compositor brasileiro Hamilton de Holanda, a Orquestra Baile do Almeidinha e Gilberto Gil.
B
uscar os mais talentosos instrumentistas do país e revelar novos talentos da música brasileira e suas
composições originais é o objetivo do Samsung e-Festival que também oferece um prêmio em dinheiro no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), além de uma consultoria para criação de um plano de carreira. “Sabemos que a música é uma das maiores paixões dos brasileiros. Ela é capaz de
conectar pessoas à sua cultura e entre si. Por isso, em 2015, decidimos realizar diversas ações que unem nossa tecnologia à música. Acreditamos que essa mistura é capaz de proporcionar momentos inesquecíveis”, afirma Elaine Ishibashi, gerente sênior de Marketing Corporativo da Samsung no Brasil. Este ano, o renomado maestro e produtor Ruriá Duprat foi o responsável por avaliar e selecionar os 10 melhores artistas. Duprat produziu músiRevista Keyboard Brasil / 43
cas para longa-metragens, curta-metragens e centenas de fonogramas publicitários. Já escreveu arranjos para diversas orquestras ao redor do mundo, desde OSESP, Orquestra Sinfônica Brasileira e Orquestra Jazz Sinfônica à Filarmônica de Tóquio, Orquestra de Brandemburgo e Orchestre National des Pays de la Loire. Também atuou como arranjador, regente e pianista no DVD e CD Acústico MTV de Lenine, álbum vencedor do Grammy Latino de Melhor Álbum Pop. Ruriá também foi vencedor do Grammy Americano na categoria Melhor Álbum de Jazz Contemporâneo. “Constatar que tantos artistas de qualidade ficaram fora dos dez selecionados, é triste, mas faz parte da competição. E, saber que não estamos sozinhos e que a iniciativa privada, por meio de empresas comprometidas com a realidade como a Samsung, mantém a chama da criação e da produção instrumental brasileira acesa. A cena deste segmento da música está viva como nunca, graças a iniciativas como esta. Que assim seja”, declarou o músico Ruriá Duprat, líder do júri.
Prêmio Além do prêmio em dinheiro – no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) – o vencedor do Samsung E-Festival recebe uma consultoria para criação de um plano de carreira, e divide o palco com nomes reconhecidos do cenário musical brasileiro.
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Sansung e-Festival Canção
A banda vencedora... A bandavoou foi eleita a vencedora do Samsung E-Festival Canção de 2015 com a música ‘Nó’. Formada em 2011, na cidade de Recife, a banda é composta por Carlos Filho (voz, composições, cordas), PC Silva (voz, composições, cordas), Rostan Junior (bateria, percussões) e Lula Borges (baixo) e une música e imagem em sua perspectiva artística. O grupo tem o EP “bandavoou” e já participou de festivais reconhecidos, como FestValda (RJ), Festival Pre AMP (PE) e Festival Música y Paz (Montevidéu, Uruguai). Atualmente, os integrantes se preparam para o lançamento de seu primeiro álbum intitulado “Nó”. No dia 13 passado a banda abriu o show do cantor Milton Nascimento, no Ibirapuera, em São Paulo.
Sansung e-Festival Instrumental
A banda vencedora... A banda Urbem de Mato Grosso do Sul foi a vencedora do Concurso Samsung E-Festival Instrumental da edição 2015. Com a música 'Painel', foram contemplados pela categoria e venceram o concurso nacional mediante votação online do público. A banda é composta pelo quarteto Sandro Moreno (bateria), Bianca Bacha (vocais e ukulelê), Gabriel Andrade (guitarra) e Gabriel Basso (baixo) e é caracterizada por ritmos variados e improvisação, mesclando música brasileira e jazz contemporâneo. No início de setembro, celebrou sua conquista no palco do Teatro Oi Brasília, com o violonista e compositor Yamandu Costa. No próximo dia 30, se apresentarão no Teatro Bradesco, em Belo Horizonte, às 19:30 horas, juntamente com arranjador, regente, pianista e compositor Wagner Tiso e o violonista Thiago Delegado. Ingressos: R$ 20,00 inteira / R$ 10,00 meia entrada (a venda na bilheteria do teatro Bradesco).
Revista Keyboard Brasil / 45
Foto: Ney Couteiro
Perfil
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Toda agilidade e leveza de
HERCULES GOMES PIANISTA E COMPOSITOR, O MÚSICO CAPIXABA HERCULES GOMES, RADICADO EM SÃO PAULO, JÁ SE APRESENTOU EM IMPORTANTES FESTIVAIS NO BRASIL E NO EXTERIOR E É CONSIDERADO UM DOS GRANDES NOMES DA ATUALIDADE, NÃO SOMENTE POR SUAS HABILIDADES TÉCNICAS MAS, TAMBÉM, PELA ESCOLHA DO SEU EXPRESSIVO REPERTÓRIO! Heloísa Godoy Fagundes Revista Keyboard Brasil / 47
atural de Vitória (ES), Hercules Gomes já nasceu com luz própria. Vindo de uma família onde a riqueza era o amor àquele único filho, cujo pai, pintor de carros e músico autodidata, fora a fonte de
N
inspiração para que o menino iniciasse seus estudos por volta dos 13 anos – também de maneira autodidata – e pudesse se transformar em um dos mais promissores pianistas
da atualidade. Ainda muito jovem e sem muito preparo, passou a tocar profissionalmente em bandas do cenário musical capixaba. Contudo, sentia a necessidade do aprimoramento, do aprendizado teórico que lhe faltava. E, assim, estudou em algumas escolas e conservatórios de música, desistindo inúmeras vezes pela falta de dinheiro. Entretanto, sempre em busca de seu sonho, ingressou no curso de Música Popular na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), de onde saiu bacharel, tendo estudado com os professores Paulo Braga, Hilton Valente (Gogô) e Sílvio Baroni. Tanta dedicação e empenho fez com que Hercules iniciasse uma trajetória de grandes conquistas, constando a apresentação em alguns dos mais importantes festivais de música no Brasil e no exterior como o Festival Piano, em Buenos Aires (Argentina), o 25º Festival Internacional Jazz Plaza em Havana (Cuba) e o Festival Brasil Instrumental em Tatuí (São Paulo). Foi o vencedor do 11º Prêmio Nabor Pires de Camargo e do I Prêmio MIMO Instrumental. Já participou de trabalhos com músicos de renome como Letieres Leite, Arismar do Espirito Santo, Vinícius Dorin, Sizão Machado, Alessandro Penezzi, Wilson das Neves, Bruna Caram, dentre outros. Recentemente, participou do projeto Gravação dos Concertos Cariocas de Radamés Gnattali no qual interpretou o Concerto Carioca número 2 com a Orquestra Sinfônica de Campinas. Em 2013, lançou seu primeiro trabalho solo intitulado “Pianismo” com composições próprias que o firmou como um novo talento brasileiro e lhe rendeu muitos frutos. Todos merecidos. Leia a entrevista exclusiva a seguir! 48 / Revista Keyboard Brasil
Foto: Ney Couteiro
Trajetória...
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Os maiores desafios e sonhos com a música f o ra m s u rg i n d o a medida em que fui me aperfeiçoando profissionalmente! - Hercules Gomes
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Entrevista Revista Keyboard Brasil: Primeiro gostaria de agradecê-lo por nos conceder essa entrevista. Hercules Gomes: Eu é que agradeço pelo convite! Revista Keyboard Brasil: Vamos lá no início... Por que o desejo de aprender música? Sua família sempre o apoiou? Hercules Gomes: Meu pai tocava violão e baixo de ouvido. Cresci ouvindo. Foi graças a ele que comecei a tocar. Meus pais sempre me apoiaram sim. Revista Keyboard Brasil: Soube que de início, seu primeiro instrumento foi o violão. Pode nos contar sobre isso e sua transição para o piano? Hercules Gomes: Quando eu tinha uns 13 anos, meu pai começou a me ensinar alguns acordes no violão. Um pouco depois comecei a passar esses acordes sozinho para um teclado. Era um teclado que um amigo dele havia deixado lá em casa depois de um ensaio. Esse mesmo amigo mais tarde me passou alguns acordes no teclado e aí passei a tocar sozinho. Uns anos depois, época em que eu já tocava profissionalmente em bandas, tive algumas aulas particulares e fiz uns poucos meses de aula em um conservatório onde tive as primeiras lições de teoria que foram suficientes para passar no vestibular e começar efetivamente um ensino formal de música. Revista Keyboard Brasil: Você nasceu em uma família com poucos recursos 50 / Revista Keyboard Brasil
financeiros, mas com a ideia de transformar sonhos em realidade. Como era sua infância ao lado de seu pai, músico autodidata? O que ouviam? Hercules Gomes: Meu pai ouvia muito músicas da jovem guarda. Ele ouvia sertanejo também e tocava forró nos finais de semana. Apesar de eu considerar muito importante a vivência musical com meu pai na minha infância, o contato com o tipo de música que faço hoje não foi no ambiente familiar, foi através de amigos músicos. Os maiores desafios e sonhos com a música foram surgindo a medida em que fui me aperfeiçoando profissionalmente. E, principalmente, depois que sai da casa dos meus pais para estudar música. Essa fase em que estudei na UNICAMP foi um período muito difícil financeiramente. Entretanto, considero um divisor de águas, o período mais importante na minha formação como músico. Foi uma época que conheci muita coisa nova e estudei muito. Entrei em música popular, mas no meio do curso conheci o Sílvio Baroni e com ele conheci o piano clássico e a técnica do instrumento. A música que faço hoje é uma junção de tudo que fui aprendendo, especialmente dessa época em diante. Revista Keyboard Brasil: Sabemos que a vida do artista independente no Brasil é difícil. Você, como pianista independente, desdobra-se compondo suas músicas, produzindo e até mesmo vendendo seus álbuns. Fale sobre isso. Hercules Gomes: Sim, é extremamente difícil. Faço tudo no meu trabalho porque
é muito difícil achar um produtor que trabalhe bem e aceite trabalhar em parceria. Acaba sendo uma correria louca às vezes porque produzir dá tanto trabalho quanto estudar e tocar (às vezes dá até mais trabalho!). Espero um dia conseguir me dedicar só ao piano e ter alguém para cuidar dessas coisas, mas por enquanto não dá. Digo tudo isso, mas não é justo ficar reclamando porque sou muito grato ao carinho que as pessoas tem pelo meu trabalho e, às vezes, fico até impressionado com o alcance que tem. Hoje em dia com a internet, fica muito mais fácil divulgar o trabalho sem depender de grandes produções e gastos exorbitantes. RKB: De onde vem a inspiração para compor suas obras? Quais são seus compositores e pianistas preferidos que mais influenciaram sua maneira de tocar o piano? HG: Vem de toda experiência vivida, não apenas musical. As influências variam muito de uma época para outra. Hoje em dia, tenho ouvido muito os pianeiros brasileiros, desde os mais antigos como Ernesto Nazareth, Tia Amélia e Radamés Gnattali, até os mais contemporâneos como Laércio de Freitas. Tenho ouvido bastante choro, Pixinguinha e Benedito Lacerda especialmente. Nessa época em que estudava clássico gostava muito de ouvir intérpretes como Vladimir Horowitz e Martha Argerich, compositores como Rachmaninoff, Chopin, Liszt e Beethoven. Hoje, gosto bastante de Nikolai Kapustin. Eu ouvia muito Gozalo
Robalcaba (tirava solos inteiros dele), Herbie Hancock, Chick Corea, Oscar Peterson e também sempre tive, como grandes referências, pianistas brasileiros como César Camargo Mariano, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti e os mais contemporâneos como André Marques, André Mehmari e Irio Junior, além de tantos outros. Cada fase me influenciava (e ainda me influencio) mais por um ou outro, isso tudo além de outros instrumentistas e compositores. RKB: O piano é sua profissão e sua paixão. Mas já se decepcionou com a música? HG: Sim, até hoje me decepciono e acredito que isso é uma coisa que não vai parar de acontecer nunca. A pior das decepções é quanto se dá a vida por um trabalho e quase ninguém valoriza seu esforço, sua música. O segredo, entretanto, está exatamente na persistência. Sem dúvida, eu não estaria dando essa entrevista se tivesse desistido nos primeiros obstáculos que enfrentei. RKB: Como se deu o processo de composição até a finalização de seu primeiro trabalho solo, intitulado Pianismo? HG: Esse disco era um sonho antigo que eu tinha. O principal impulso que tive foi após vencer o Prêmio Nabor Pires de Camargo, foi depois disso que decidi gravar. Então, a primeira coisa foi a escolha de uma formação instrumental e do conceito. Optei pelo piano solo e voltado para música brasileira. Eu já tinha Revista Keyboard Brasil / 51
algumas músicas prontas e algumas outras compus ou fiz arranjo no decorrer do processo. O próximo passo foi a escolha de um bom piano, o piano tem que responder bem ao que exige o repertório. Optei pelo yamaha CFX. Em seguida, a escolha de uma boa sala com bons equipamentos, técnico, etc... Foi bem apertado o orçamento, mas felizmente consegui fazer tudo do jeito que queria. RKB: Pianismo foi um trabalho muito elogiado que lhe abriu portas. Fale sobre ele. HG: O Pianismo é um disco de piano solo que lancei em 2013 no qual gravei 6 composições próprias e 6 arranjos para músicas de compositores brasileiros como Edu Lobo, Hermeto Pascoal e Ernesto Nazareth. Felizmente, muitas pessoas conheceram meu trabalho com o piano depois desse disco. Comecei a ganhar alguns seguidores aos quais sou muito grato, pois é isso que faz tudo valer à pena: as pessoas reconhecerem sua música, seu trabalho, esforço. Acredito também que todas as críticas e oportunidades que apareceram graças a esse disco foi principalmente porque ele preenchia uma lacuna na música instrumental brasileira (especialmente a música para piano) que é a exploração do conceito de música popular brasileira com a exploração técnica do instrumento, mas sem fugir da linguagem de cada estilo.
HG: Pagode, além do funk carioca e do sertanejo, era a música que era tocada no bairro em que eu morava e em toda periferia que se possa imaginar no Brasil. Generalizando, as pessoas que vivem na periferia não sabem que existe outro tipo de música simplesmente porque não lhes é apresentado outro tipo de música (salvo algumas poucas iniciativas sócio-culturais que felizmente existem). Foi assim que comecei a tocar profissionalmente e, confesso que foi uma fase em que aprendi muito também. A partir daí, fui conhecendo outros músicos que foram me apresentando outros estilos (jazz, pop, rock, etc) e, assim, à medida que ia conhecendo e tocando outros estilos, ia me interessando cada vez mais em me aperfeiçoar. Foi, então, que procurei escolas de música para aprender teoria e, depois prestei vestibular. Considero que só a partir daí dei início ao estudo formal de música. O verdadeiro contato com o piano foi só a partir dessa época, só tive meu primeiro piano depois dos 21 anos de idade. Apesar de a música que faço ter muito do conceito de música erudita, principalmente por ser escrita, considero que é música popular porque soa mais como música popular. A junção do conhecimento técnico com o conhecimento de música brasileira, jazz e erudito só comecei a fazer após a época em que estudei em Campinas, entre os anos 2000 e 2006.
RKB: Porque sua primeira banda foi de pagode? Conte-nos sua trajetória até chegar ao universo da música erudita.
RKB: Seu virtuosismo impressiona e torna mais claro ao incorporar elementos de música brasileira ao piano. Por que
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escolheu essa mistura? HG: De música brasileira sempre gostei muito! A mistura acabou sendo uma coisa natural que foi acontecendo graças às inúmeras influências de inúmeros estilos que ouvi e toquei. Acho que acabei, de certa forma, juntando em uma única forma de tocar, um pouco de cada coisa que gosto. RKB: Quais são seus hobbies quando não está tocando ou compondo? HG: Eu piloto aeromodelos, embora já há muito tempo não consiga voltar à pista para voar, principalmente depois que minha filha nasceu. Hoje em dia, gosto muito de passar bastante tempo com ela. Agora, meu hobby acaba também se misturando muito com a profissão. Gosto de escutar música nas horas vagas, conhecer música nova. Gosto muito de ler também mas, para isso, preciso estar com a cabeça tranquila, fora da fase de correria. RKB: Tem projetos futuros? Quais? HG: Sim. Recentemente fiz alguns shows inteiramente dedicados a Ernesto Nazareth onde apresentei algumas das minhas Transcrições Nazarethianas. Elas nada mais são que arranjos meus para músicas de Nazareth aplicando toda influência de pianistas que surgiram depois dele. Quero registrar esse projeto em disco para lançar ano que vem. Tenho também um duo com o Flautista Rodrigo Y Castro onde trabalhamos principalmente repertório voltado para o choro e estamos iniciando um trabalho que em breve se tornará show e também disco. Será uma
Hercules Gomes: “O Pianismo é um disco de piano solo que lancei em 2013 no qual gravei 6 composições próprias e 6 arranjos para músicas de compositores brasileiros como Edu Lobo, Hermeto Pascoal e Ernesto Nazareth. ”
homenagem ao pianista e compositor Laércio de Freitas, um dos maiores gênios do piano brasileiro. RKB: Deixe um conselho aos músicos em início de carreira. HG: Estudem, busquem conhecimento, o máximo que conseguirem, pois é a única forma de se tornar um bom músico. Busquem sempre a música com que mais se identifiquem e nunca desistam dos sonhos. RKB: Sucesso sempre Hercules! HG: Muito obrigado!!!
Saiba mais sobre Hercules Gomes. Acesse:
Revista Keyboard Brasil / 53
Ponto de Encontro
(da Música, Arte, Beleza, Educação, Cultura, Rigor, Prazer e Negócios)
CULTURA E O PODER DA IMAGEM INSTITUCIONAL A FAVOR DAS EMPRESAS O PRESENTE TEXTO NADA MAIS É DO QUE UMA PROVOCAÇÃO ÀS EMPRESAS EM SEUS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO COM O MERCADO, ALGO QUE FICA CADA VEZ MAIS DIFÍCIL E QUE REQUER COMO DECORRÊNCIA, NOVAS FORMAS DE PENSAR A RELAÇÃO DE CADA UM COM SEUS CLIENTES. * Luiz Bersou ESTRATÉGIAS, POSICIONAMENTOS DAS EMPRESAS PERANTE OS MERCADOS. Estudos bem conhecidos nos contam que no mundo todo, em momentos de crise, as empresas que tem imagem institucional mais forte sofrem menos com as condições do cenário. É natural essa constatação. Suas bases mercadológicas são sempre mais consistentes e as defendem melhor. Essa imagem institucional no passado era construída com muitos 54 / Revista Keyboard Brasil
recursos a partir de projetos de comunicação. Esse momento passou. Modernamente, projetos de comunicação baseados em plataformas de relacionamento e mobilização a partir de projetos culturais, produzem excelentes resultados com custos muito, muito menores. Toda a diferença está que o fator cultural já é, por si só, um fator de agregação e confiança entre partes e, dessa forma, a comunicação para a mobilização é feita com muito mais facilidades e muito menos resistências. É
conhecido como em projetos culturais forças de mercado se apresentarem para participar e colaborar. Vamos ver, então, as razões desses resultados.
1.
CULTURA COMO PONTO DE ENCONTRO.
Cultura é algo mágico. Ela eleva os espíritos e serve de referência para o encontro de iguais. As trocas de conhecimento, contatos e valores acontecem sempre em contextos de agregação e convergência entre as partes. Todos crescem e há sempre um sentimento de completude, maturidade e integração.
2.
CULTURA COMO BASE DE REDES DE RELACIONAMENTO.
Pontos de encontro nos levam sempre para o potencial das redes de relacionamento. Temos, dessa maneira, ciclos positivos, redes de relacionamentos motivam pontos de encontro e pontos de encontro motivam redes de
relacionamento. Esse ciclo positivo acontece e os pontos de encontro e redes de relacionamento permanecem no tempo. Como decorrência dessa atividade, ocorre a agregação de valores que justifica o esforço de estar juntos e se comunicar sempre.
3.
CULTURA, LIDERANÇAS, ESTADOS DE CONFIANÇA E MOBILIZAÇÃO DAS PARTES.
A agregação de valor nas redes de relacionamento gera mobilização das partes quando estados de confiança são estabelecidos por conta da qualidade dos relacionamentos. Quando a mobilização acontece, tudo acontece. O conhecimento aumenta, o encontro entre as partes se acentua e mecanismos de fidelização aparecem, por conta das relações que se tornam preferenciais. Quando o fenômeno da fidelização acontece, sabemos que o estado de confiança é o maior possível para as condições de cada encontro.
Luiz Bersou: “No mundo da cultura, a música é a combinação ideal, seja nas artes plásticas ou gráficas, na pintura, na escultura, na decoração, na moda têxtil, na fotografia, no teatro...”
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4.
PROJETOS CULTURAIS – POR ONDE COMEÇAR.
No mundo da cultura temos a música, artes plásticas, artes gráficas, pintura, escultura, decoração, moda têxtil, arte floral, fotografia, teatro, propostas artísticas de outros países e, muitas vezes, esporte e artesanato. Sabemos que em todos esses temas, a combinação ideal é a da música conjugada com um ou mais temas. O começo ideal é, em todo caso, começar pela música e ir agregando outros temas de acordo com o sucesso da iniciativa.
5.
O QUE A KEYBOARD BRASIL SE PROPÕE A FAZER.
Já ativa em projetos relacionados à música, nesse momento de entrosamento
maior de empresas com projetos culturais, a Keyboard Brasil estuda propostas de abertura de projetos culturais iniciando pela artes plásticas. Os interessados são bem vindos.
* Atualmente dirigindo a BCA Consultoria, Luiz Bersou possui formação em engenharia naval, marketing e finanças. É escritor, palestrante, autor de teses, além de ser pianista e esportista. Participa ativamente em inúmeros projetos de engenharia, finanças, recuperação de empresas, lançamento de produtos no mercado, implantação de tecnologias e marcas no Brasil e no exterior.
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Música dos sentidos
A pianista e a bailarina PERFEIÇÃO E PRECISÃO, LEVEZA E DELICADEZA... MÚSICA E DANÇA EM SINTONIA APÓS UM ÁRDUO TRABALHO E MUITA DEDICAÇÃO DA FRÁGIL BAILARINA FRENTE À POSTURA IMPONENTE DA PIANISTA. * Patrícia Santos
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Pintura de James Abbott McNeill Whistler
A
s mãos percorrem de um lado ao outro suavemente, o movimento ordena a intensidade e o brilho, as notas são suspensas e
urgentes, a peça é ritmada de forma correta, porém a pianista altera o milímetro do tempo e firma o corpo mais bruscamente, além do que foi determinado. Nada se desconstruiu, apenas foi encontrado um novo som sob o mesmo escrito. A pianista procura um sentido, observa a menina de olhar retraído e perdido. Diante dos olhos da
pianista, dia após dia, está uma bailarina que dança em silêncio, buscando alinhar os passos, contornando as notas com seus saltos leves e pousando sempre em sutis ¹Arabesques. A bailarina sente que o ar escapa na passagem dos dias, por isso vai costurando os movimentos em forma de ²Adágio, deixando ressoar a respiração e retendo, dentro de si, o que resta ainda para respirar nesse mundo torpe. Ao ouvir o piano sendo executado por mãos vibrantes, a bailarina se pergunta: – “O que diz a melodia?”... Há uma certa aflição... A pianista ao mesmo tempo busca compreender o modo e, para onde? Para que se movimenta a bailarina? A bailarina, por sua vez, tenta acompanhar as dinâmicas impostas pela execução da pianista, as idades distintas e
o tempo curto e espesso, denso e rápido impedem qualquer entendimento. E, assim, há um desrítmo entre a pianista e a bailarina. A pianista precisa retardar o tempo exigido ou a bailarina deve acelerar para acompanhar o fluxo da harmonia? Há janelas por todos os cantos, todos os dias o som do sino entra através dos vidros. A bailarina imita o som do sino com passos fortes, e os arvoredos que se mexem com o vento, são sugeridos em ³ostinatos pela pianista, a bailarina desliza devagar em direção ao solo num 4 espacate, caindo, como as folhas caem ao chão. As chuvas se repetem nas tardes, e o ar de desentendimento sempre acontece. É preciso horas a fio de ensaios, para que o espetáculo se concretize! Antes são os erros e as linhas das duas mulheres que não se cruzam, não se olham, não se unem. Às vezes, a bailarina erra seus passos e saltos por entrar em contato com o clima do palco, sente os ruídos se instalarem em suas contagens e, logo perde a contagem por alguns instantes, como quando a pianista chega e toma seu posto em frente ao piano, a madeira do banco está velha, o perfume da pianista é muito doce e presente, impossível não aspirar, impossível não se entorpecer. É muito difícil a concentração da bailarina ao dançar, ela se deixa levar pelo toque das mãos e dos abraços, e as maldades humanas de vez em quando à
¹ ² ³ 4 Arabesques, adágio, ostinatos e espacate são posições realizadas no balé clássico. 60 / Revista Keyboard Brasil
paralisa. Quando a pianista dá o primeiro suspiro antes de pesar as notas, a bailarina já se comoveu. Por vezes ela não queria dançar! Por vezes, queria apenas contemplar! A bailarina parou por um instante para observar a pianista executar a peça com perfeição. A pianista é o ápice da perfeição! E, então, a bailarina se pergunta: – “Como é que a pianista conseguiu chegar a tal grau e, porque dançar não pode ser como tocar piano? ” E chega à conclusão de que a pianista já esteve neste papel algum dia. O papel de quem se dedica ao incomum e escolhe caminhos dos quais ninguém passou, o papel de alguém que desata os nós do novelo no labirinto, sempre sorrindo. A pianista se aborrece com tanta fragilidade. É impossível manter o ritmo e as dinâmicas, a bailarina dança fora dos compassos, não compreende o que pede para que ela faça. As mãos suam, a garganta seca e a bailarina tenta, o tempo inteiro, acompanhar a bravura do piano que aumenta, cada vez mais, numa amplitude maior dos que seus próprios saltos e giros. Houve uma queda, a bailarina sente a repulsa como um choro sufocante e desesperado ao ouvir as notas, e não aguenta. A pianista não pode ceder à fragilidade da bailarina, que precisa dançar para recriar os acontecimentos, para traduzir os acordes em seus gestos e possibilitar aos olhos, um novo desenho e uma nova visão. Precisam acertar seus declínios,
olhar uma para a outra, ir e voltar, gritar e chorar, cair e levantar, cansar e descansar e depois recomeçar. Uma sem a outra são como estrelas isoladas no céu, que ao se encontrarem, juntas, iluminam mais, trazem mais pedidos aos que fazem. Completam a constelação. A pianista é muito firme e, por sua postura imponente, encoraja a bailarina à se aperfeiçoar cada segundo. A bailarina não tem escolha, não pode ficar parada contemplando a vida, deve dançar, como é o esperado, é seu ofício, não há outro modo de ser e de agir, elas não sabem ser outra coisa, senão a arte. Toda a precisão da pianista foi despejada na alma da bailarina que se deixou inundar como uma correnteza que deságua no oceano, deixando-se cativar pela lucidez e a razão. A delicadeza da bailarina permaneceu na pianista e fez crescer e brotar, como uma árvore que dá frutos.
Muito já foi aprendido, pássaros jamais voam sem asas!
As luzes se ascendem, é chegado o momento aguardado, as duas mulheres são de uma à outra um extremo, uma ponte, arco-íris no horizonte, refletem as cores, transportam lembranças, visitam os corações solitários e os enchem de esperança.
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Foto: arquivo pessoal
As lágrimas cristalizam todo o trabalho árduo em emoção, sentimento nobre e pouco sentido, muitas vezes fingido mas, para as duas mulheres jamais escondido. Os rostos se alegram, se acalmam, acompanham as duas mulheres como se lessem um romance novo, como se assistissem o filme de suas vidas, como se vissem a vitória de uma guerra, que é vencida todos os dias, com beijos e o acalanto de um amor febril. A música impregnou na pele, nos poros, nas roupas, nos olhos. Quem ouviu a pianista e viu a bailarina dançar, não sabe sequer imaginar, como é uma sem a outra, as duas mulheres são o jardim em flores. Os aplausos se estendem aos corredores, por todos os cantos! Chegou o fim do espetáculo. A pianista e a bailarina se olham no espelho. E o olhar entende... São a mesma pessoa.
Patrícia Santos: Estudante de Música e de uma sensibilidade sem tamanho!
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