PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa Cinema/Vídeo Carla Pinto
MOMENTO XIV
SERVIÇO EDUCATIVO
CICLO O SABOR DO CINEMA
Programação/Coordenação Elisabete Alves Sofia Victorino Consultora Elvira Leite Assistentes Cristina Lapa Carla Almeida Diana Cruz
16 NOV, DOMINGO, 16h00 TRAUMA > João Alves FAHRENHEIT 451 > François Truffaut PRÓXIMA SESSÃO 23 NOV 2008 O DESTINO > Youssef Chahine
Informações: 808 200 543 Reserva Bilhetes: 226 156 584 Geral: 226 156 584 Rua D. João de Castro, 210 4150-417 Porto. Portugal www.serralves.pt | serralves@serralves.pt
APOIO
Título: TRAUMA Realização: João Alves Música: Pedro Moura PORTUGAL 2006 A hipótese de homens-livro, levantada por Truffaut-Bradbury em FAHRENHEIT 451 reactiva uma convicção, bastante comum mas com poucas consequências práticas na forma como valorizamos o humano, que geralmente se exprime pela negativa: «cada pessoa que perdemos é como uma biblioteca que desaparece». Esta pequena animação de produção caseira - cuja factura não deixa de lembrar a atitude desenvolta e comprometida com o fazer artesanal da arte dita «bruta» - constitui um belo exemplo de escrita fílmica na primeira pessoa, e funciona, de algum modo, como um «livro de artista», executado num novo suporte que já não o papel. Tudo feito à unha - parece ser o lema. Ora, a maneira como os objectos são produzidos não é, de todo, uma questão irrelevante. A auto-produção e o facto de o artista resolver, em situação de atrito com os materiais acrescido pela «falta de meios», os problemas que se lhe colocam, obriga-o a resolvê-los, justamente com aqueles que tem ao seu alcance. Pelo que a obra ostenta uma particular adequação dos meios aos fins. Aquilo que seria porventura um «erro», num contexto de produção regida por cadeias, especializações e correlativas divisões das tarefas, passa aqui a ser uma descoberta. E isso desperta no espectador uma vontade de mexer em tudo o que, estando ao seu alcance, lhe parece inerte, quando não paralisante ou mesmo vedado. Título: FAHRENHEIT 451 Realização: François Truffaut Argumento: François Truffaut e Jean-Louis Richard a partir do romance homónimo de Ray Bradbury Fotografia: Nicolas Roeg Música: Bernard Herrmann Cenografia: Syd Cain Guarda-roupa: Tonu Walton Montagem : Thom Noble Interpretação: Julie Christie, Oskar Werner, Cyril Cusack, Anton Diffring, REINO UNIDO 1966 À partida um livro inquietante, tido como clássico da ficção científica. Depois um filme marcante da obra de François Truffaut. Um filme preocupado com uma prática recorrente, ao longo da história do obscurantismo: queimar livros na praça pública para impedir que os livros façam pensar. Porque
entre pensar e rebelar-se, o caminho é, por vezes, curto. Porque os livros são a massa de que se fizeram muitas insurreições. Ora, nos idos de sessenta, está-se ainda perto da Segunda Guerra Mundial - cujo rasto nos parece bem presente nos derradeiros segundos do filme, em que os marginais se cruzam, na imagem e na paisagem invernal, recitando livros e caminhando compassada e pesadamente como refugiados num campo de concentração. Mas está-se sobretudo quase em vésperas de Maio de 68, uma revolta para a qual os livros (certos livros) e o desejo de uma relação outra com o saber livresco muito contribuíram. Maio de 68 foi um momento em que paredes e livros falaram. Sendo os livros os mais democráticos veículos de inquietação e conhecimento, não é de espantar que a perspectiva do silenciamento dos homens através da destruição dos livros inspire terror. Todavia, há algo de visionário na maneira como FAHRENHEIT 451 coloca o problema, não num contexto de guerra iminente ou efectiva, com todo o seu cortejo de misérias várias, mas num cenário de paz consumista, de desmemoriação por apego a um presente fútil, de obsessão individual pela preservação da «beleza» dos corpos, de omnipresença das antenas, de triunfo das imagens de sentido único, de reinado do virtual, de exercício do poder através da manipulação da informação, de vigilância reforçada, de elogio da delação... O NOSSO tempo antes de ele (nos) ter acontecido, em suma. O título FAHRENHEIT 451 designa a temperatura a que o papel entra em combustão. Os heróis deste filme futurista, recheado de cenas a vermelho e negro, são os bombeiros, cuja missão passou a ser queimar livros e perseguir leitores, e já não apagar incêndios e investigar pirómanos (aliás, essas tarefas caíram no poço do esquecimento como quase tudo o resto...). Percebe-se que a iliteracia galopante é um fenómeno recente e fulgurante, pois que o protagonista Montag ainda sabe soletrar. Não obstante uma óbvia vontade de atingir um vasto público com este seu filme algo inesperado, Truffaut permite-se algumas figuras de montagem e soluções de cenografia e de encenação tão astuciosas quanto densas (por exemplo, ao nível da descrição visual do conforto burguês, que traduz um igualitarismo superficial e responsável pela formatação dos imaginários). Pesem embora algumas marcas muito identificadoras de um tempo (e até de um lugar, o Reino Unido, onde este filme foi produzido e realizado), FAHRENHEIT 451 resistiu melhor à erosão dos muitos filmes com pretensões de universalidade plasmadas em obtusos modos de abstracção. Atrever-me-ia mesmo a afirmar que este filme, com as suas private jokes (Os Cahiers du Cinéma consumidos pelo fogo...) e a sua proposta de homens-livros / homens-livres, reunidos em comunidades à margem das cidades, adquiriu ganhou hoje leituras potenciais em número superior àquelas quem 1966 se propiciavam...