IMPRESSÕES, SOL NASCIDO I A imagem Do real, a parte visível é demasiado cerrada para ser apreensível. Mesmo uma fotografia tem de a reduzir, enquadrando-a, determinando um ponto de vista, um ângulo. Ao isolar elementos, ao destacá-los, a imagem atribui-lhes um sentido – que não desvenda, contrariamente ao texto que, traduzindo uma significação, inventa-a tanto quanto a trai.
II A gravura Nascida antes da imprensa, a gravura é a primeira técnica de difusão. A reprodutibilidade técnica, embora faça desaparecer a «aura», colectiviza a obra, torna-a manipulável e, dessacralizada, utilizável e útil. A imagem era uma reprodução, infiel, do visível; ontologicamente, ela tinha de ser reprodutível.
III A colagem O cubismo e os seus «papéis colados» (papiers collés) tinham antecipado o processo elaborado por Max Ernst, após o dos «decalques» da matéria, das «colagens». Processo essencialmente poético: trata-se de operar, segundo a fórmula de Pierre Reverdy, a «aproximação de duas realidades», de compor a imagem a partir de elementos isolados do real decomposto.
IV A literalidade O princípio poético de base é a fé nas palavras. Preferir a literalidade à convenção. Assim, um motivo assimilável a uma catana, tanto pela forma como pela cor sanguínea, terá como função literal cortar as caras. Todos os elementos recortados para a colagem podem, por seu turno, ser cortados.
V A abstracção O indizível existe. Em contrapartida, tudo é matematizável. De simplificação em simbolização, a imagem pode transformar-se num simples signo, num ícone abstracto: o azul basta para evocar o mar e um círculo basta para representar uma ilha. A «abstracção», na história da pintura, começa como uma forma de representação.
VI A multiplicação O princípio da colagem permite aproximar uma imagem de ela mesma. E assim introduzir nuances: uma cara igual, à excepção de alguns traços, exprime – e vivencia – sentimentos diversos. A cara deixa de ser prioritariamente um retrato, passando a apresentar-se-nos como uma paisagem sentimental.
VII A sobreposição Associada a outros elementos, tendencialmente simbólicos como a serpente ou a cor vermelha, a cara pode também resumir toda uma história, lendária ou vivida, originária ou original. O motivo esbate-se sob a acumulação dos signos. O olho é obrigado a abrir caminho – de cima para baixo, do escuro para o claro, ou ao contrário.
VIII A autor-idade Na origem, a palavra «artista» designava simplesmente o mestre-artesão. O convívio com Manuela Pimental levou JAS a desenvolver e valorizar os seus dotes manuais de artífice. Todavia, não deixou de sentir a nostalgia de um reconhecimento enquanto artista. Profundamente, à gravura ele prefere a monotipia. Ao amarrotar a folha gravada ou ao gravar sobre uma folha amarrotada, JAS concilia, no final da cadeia de fabrico, técnica de reprodução com confecção de um objecto único.
Saguenail Fevereiro 2019