095 folha de sala 20nov af

Page 1

PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa Cinema/Vídeo Carla Pinto

Momento XX

CICLO O SABOR DO CINEMA OUT - NOV 2011 Auditório

20 NOV 2011 (Dom), 16h00

A POUSADA DAS CHAGAS MÁSCARA DE AÇO CONTRA ABISMO AZUL Apoio Institucional

Apoio

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584

Paulo Rocha


Tini zabutykh predkiv Título do filme: A pousada das chagas Realização: Paulo Rocha Assistente de realização: Jorge Silva Melo Fotografia: Acácio de Almeida Música: Jorge Peixinho Decoração: Jorge Silva Melo e Luís Miguel Cintra Montagem: Noémia Delgado Interpretação: Luís Miguel Cintra Produção: Centro Português de Cinema PORTUGAL 1972 Olhando de relance para a ficha técnica, percebe-se que Paulo Rocha reuniu uma equipa de primeiríssima água para este filme-charneira. Falando desse aspecto feliz da sua feliz aventura, o realizador utiliza a expressão «talento quase insolente» para qualificar os seus braços direitos… Com os contributos do compositor vanguardista Jorge Peixinho, a cultura e a sensibilidade cinematográficas dos seus futuros colegas Jorge Silva Melo e Noémia Delgado, o génio ímpar do actor e encenador Luís Miguel Cintra, do rigor inventivo do director da fotografia Acácio de Almeida, Paulo Rocha não podia estar mais bem servido. Apoiado por colaboradores deste calibre – todos eles artistas no sentido pleno –, a despeito das suas muito confessadas e coquettes «inseguranças», Paulo Rocha deu-se tranquilamente ao luxo de transformar uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian em laboratório de pesquisa de formas e de diálogo inter-artes. Paulo Rocha afirma que, após a rodagem de MUDAR DE VIDA, a sua visão do cinema mudara, também ela, radicalmente: «eu tinha deixado de acreditar no cinema clássico». Ora, num certo sentido, A POUSADA DAS CHAGAS está para o devir do cinema português como JAIME de António Reis, com uma subtil diferença: enquanto o filme do poetacineasta portuense não engendrou filmes-filhos, podendo apenas ser proveitosamente relacionado com a obra posterior de Reis-Cordeiro, o filme de Rocha terá obscuras (ou menos obscuras) descendências, não somente dentro da sua obra (já que foi muito provavelmente um balão de ensaio para a mui ambiciosa e sofrida ILHA DOS AMORES), mas não menos no trabalho de autores como José Álvaro Moraes, João Botelho. O próprio Manoel de Oliveira virá a experimentar, mais tarde, modos de mise en espace parentes das experiências rochianas. Não se trata obviamente de estabelecer comparações qualitativas entre o meteoro de Reis e esta curta marciana de Paulo Rocha, mas sim de sublinhar que, esgotado o fôlego, em escassos mas magistrais filmes, do chamado «cinema novo», em ambos os casos estamos perante objectos inqualificáveis, quer em termos de

género, quer em termos de escola (melhor dizendo: de situação dentro de uma história da arte portuguesa, capítulo cinema). Significativamente, ambos os filmes resultam, igual embora diversamente, de um mergulho em universos plásticos não cinematográficos. E, tanto ao nível da prática da «collage», como ao nível de uma direcção de actores «ritualística» e distanciada, A POUSADA DAS CHAGAS é – honra seja feita a quem o empreendeu e a quem confiou cegamente no empreendedor, prescindindo do embrulho guionístico e da vaselina do argumento «bem esguelhado» – um filme pioneiro no contexto nacional. O que não deixa de nos sugerir uma pergunta inquietante: que organismo financiador da arte cinematográfica em Portugal financiaria em 2011 um projecto como esta curta-metragem de Paulo Rocha? Ou seja: que entidade oficialmente rotulada de promotora da sétima arte está hoje disposta a encarar o cinema como… arte?

Título do filme: Máscara de aço contra abismo azul Realização e argumento: Paulo Rocha Primeiro assistente: Luís Alvarães Fotografia: Daniel Del Negro Música: Paulo Brandão Som: Vasco Pimentel Cenografia: Luís Monteiro Montagem: Manuel Mozos Produção executiva: João Pedro Bénard Produção: Suma Filmes Interpretação: Fernando Heitor, Inês de Medeiros, Vítor Norte, Miguel Guilherme, José Viana, Henrique Viana PORTUGAL 1989 Quase vinte anos após a POUSADA DAS CHAGAS e mais uma vez na sequência de uma encomenda (desta feita da RTP), com MÁSCARA DE AÇO CONTRA ABISMO AZUL, Paulo Rocha lança-se numa nova incursão-mergulho em universos de plasticidade extra-cinematográfica, retomando o parti-pris estético da collage e o protocolo que lhe é caro de «filmar em família» (no sentido de família artística). Recorde-se, a propósito, que o grande solitário Paulo Rocha, tem particular prazer em rodear-se de equipas compostas de jovens artistas prometedores, neste caso (e noutros) colaboradores que anteriormente foram seus alunos no Conservatório. Muito injustamente, este filme passou quase despercebido aquando da sua difusão (e durante muito tempo, tornou-se, aliás, inacessível…), facto tanto mais chocante quanto aquilo que agora passou mais ou menos a ser moda – filmar pintura e pintores, artes e artistas de vários feitios – parecia na altura muito menos apetecível, entre outros motivos por causa da formatação instituída via «filme-padrão». Uma obra como MA FEMME CHAMADA BICHO, do saudoso José Álvaro Morais, permaneceu, durante muito tempo, um quase óvni na cinematografia portuguesa. Claro que Paulo Rocha não inventou o «género», nem mesmo os seus recursos. Antes dele houve Manoel de Oliveira com Júlio, André Delvaux com Dieric Bouts, Henri Storck com Paul Delvaux ou Permeke, Alain Resnais com Van Gogh e Gauguin, e por aí fora. Quase contemporâneos de MÁSCARA DE AÇO CONTRA ABISMO AZUL, surgiram o VAN GOGH de Maurice Pialat e o episódio dedicado a Van Gogh em SONHOS de Akira Kurosawa. Recentemente, Edgar Pêra, cineasta fora do baralho cá do sítio (que foi aluno de Paulo Rocha), cometeu um filme sobre Souza Cardoso intitulado… CRIME, ABISMO AZUL, REMORSO FÍSICO, curta-metragem que, sem «copiar» a anterior obra rochiana, não deixa de lhe dever alguns processos e pressupostos. Porém, aquilo que

se nos afigura assaz deslumbrante é a postura de Paulo Rocha que, à maneira de Amadeo no início do séc. XX, se marimba completamente para as «regras do jogo» que moldam escola e ditam género. Sim, Amadeo é grande (e também a sua obra carece da projecção internacional que mereceria) por ter feito um manguito às caixinhas da pintura e ter sofregamente bebido na água do cubismo (ele mesmo devedor de Cézanne), nas fontes do expressionismo, no cocktail do cloisonismo, no sumo furta-cores do orfismo, e tudo quanto houvesse dentro era peixe. A obra meteórica de Amadeo apresenta-se-nos como um tratado de pintura, em especial da pintura sua contemporânea. Se o cubismo lhe apontou caminhos, ele próprio os minou e recolheu os estilhaços da explosão que daí podia advir. O seu cubismo é pois estranhamente livre, as suas telas barbaramente primitivas, misturando sofisticações citadinas com poesia rural e brutal. Atreveu-se a chamar «abstraccionistas» a pinturas suas, correndo deliberadamente o risco da incompreensão e da chacota na terra natal e madrasta. Etc. Que Paulo Rocha se sentisse fascinado pelo excesso e pela riqueza compositiva do pintor de Manhufe não é de espantar, pois que ele mesmo advoga com brio a hibridez das formas e das origens, dedilhando a suas cordas portuense e abrasileirada, lisboeta e ajaponesada, erudita e popular, camponesa com terra na sola e burguesa com requintes de urbanidade. Mas também será pertinente realçar que as telas de Amadeo, em ruptura com a biodimensionalidade e a perspectiva a um só tempo, estavam a pedi-las. O mandamento rimbaldiano «il faut être absolument moderne» ecoa com singular persistência nos tímpanos de Paulo Rocha, sempre disposto a trocar o conforto de um estilo próprio por pequenas ou grandes traições ao que dele seria expectável. Ora, se toda a reconstituição é traição, ele não hesita em esticar a corda até ao ponto de articular a visitação da pintura, com a encarnação da pintura, com a encenação da densidade social que está à volta da pintura (asfixiando-a ou oxigenando-a), usando anacronismos e alegorias, com desplante. Digamos que até o próprio pecado original e mignon da pintura – isto é, a sua natureza primeira e segunda de «arte decorativa» – se encontra convocada neste «filme-de-experiência» (vejam-se alguns fatos inspirados nos artefactos do orfismo). O título que o autor escolhe para o seu filme inspira-se em títulos de obras de Amadeo, enunciando-se assim todo um «programa». No entanto, desde logo se desencadeia um jogo de equívocos de sentido e conflitos de forma, na medida em que, não estando o comum dos mortais necessariamente ao corrente desse pormenor significativo, o título rochiano soa a BD marvel e a luta entre super-heróis. Pode o estimado público esperar TUDO de um espectáculo que desta sorte se anuncia…


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.