PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO
próxima sessão
Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa
15 ABR 2012 Curtas-metragens de Vittorio de Seta Vinni lu tempu de li pisci spata, 11’, 1954, Itália Isole Di Fuoco, 11’, 1954, Itália Pastori di Orgosolo, 11’, 1958, Itália Un giorno in Barbagia, 14’, 1958, Itália I dimenticati, 20’, 1959, Itália
Cinema/Vídeo Carla Pinto
Momento XXI
Ciclo O Sabor do Cinema fev - abr 2012
Auditório
Apoio Institucional
Apoio
Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584
01 AbR 2012 (Dom), 16h00 FILMES DE ANTÓNIO CAMPOS A Almadraba Atuneira, 26’, 1961, Portugal Ex-votos Portugueses, 36’, 1976, Portugal Falamos de Rio de Onor, 62’, 1973-74, Portugal
Título do filme: A ALMADRABA ATUNEIRA Realização: António Campos Imagem: António Campos Som: António Campos e Alexandre Gonçalves Música: Extractos da Sagração da Primavera de Stravinsky Montagem: António Campos PORTUGAL 1961
Título do filme: FALAMOS DE RIO DE ONOR Realização: António Campos Produtor: António Campos Imagem: António Campos e Acácio de Almeida Som: António Campos Sonoplastia: Alexandre Gonçalves Financiamento: Fundação Calouste Gulbenkian e Centro Português de Cinema (CPC) PORTUGAL 1973/1974
Título do filme: EX-VOTOS PORTUGUES Argumento: António Terramoto, José Mota e António Campos Realização: António Campos Produção: António Campos Intérpretes: Horácio Filipe, Raimundo da Luz, Armando Terramoto, Fernando Oliveira, Dina Pereira, Arménia, Paulo Alexandre, Adelino, António Ferreira Fotografia: Acácio de Almeida e António Campos Som: Carlos Pinto Montagem de som: Alexandre Gonçalves Montagem: António Campos PORTUGAL 1976 “Um amador trabalha consoante a sua própria necessidade […] e está nesse sentido “em casa” onde quer que trabalhe: e se fotografa, fotografa aquilo que ama ou que lhe é necessário de alguma forma – decerto uma actividade mais real, e portanto mais honrada, do que um trabalho efectuado com vista ao ganho que não o próprio trabalho… certamente mais significante a nível pessoal do que um trabalho efectuado por dinheiro, ou fama, ou poder, etc… e seguramente mais significante a nível individual que um emprego comercial – pois o verdadeiro amador, mesmo quando colabora com outros amadores, está sempre a trabalhar sozinho, avaliando o seu próprio sucesso em função do interesse que sente pelo trabalho mais do que os objectivos alcançados ou o reconhecimento dos outros.” Stan Brakhhage In Defence of Amateur, 1971 A palavra «ímpar» conviria como uma luva ao cineasta António Campos, não fora a sua postura, mais teimosamente discreta do que propriamente «directa», desencorajar adjectivações ad hoc. Na verdade, a despeito o lugar solitário e especial que ocupa na história do cinema português, não há «caso» que se lhe compare de persistência amante em construir a sua obra fora dos salões da capital onde desde há muito se discutem subsídios e tricas mais do que artes e ofícios. Por outro lado, não obstante a extensão da sua filmografia, ele continua a ser um artista quase desconhecido pois, mesmo após o seu desaparecimento, as retrospectivas e homenagens, raras, tardaram. «Etnografia de salvaguarda», «cinema directo», «olhar poético» são algumas das fórmulas-chavão que têm servido para rotular o seu trabalho, talvez por o seu percurso parecer demasiadamente oposto à pose expectável
do artista. Ora, António Campos, sistematicamente inscrito na linhagem do «cinema directo», talvez esteja mais próximo das inquietações do neo-realismo e de preocupações mais raras, como sejam as de Flaherty ou de Epstein, que aliam as respostas do mítico às interrogações do documental. «Amador» é a palavra que, com cinismo paternalista, mais vezes aparece a propósito da sua atitude como fazedor de filmes: mas alguém sonharia apelidar de «amador» o poeta Pessoa da MENSAGEM, o pintor Júlio das meretrizes e dos vadios, o cineasta Oliveira do ACTO DA PRIMAVERA? Se não perdermos de vista que o nosso autor realizou uma boa fatia da sua obra antes do 25 de Abril e do desaparecimento da censura, «amador» seria, no planeta Campos, alguém que, sujeito à tensão do presente, movido por um leque de necessidades pessoais e de imperativos artísticos e políticos, se envolve, longe do barulho das luzes e da ribalta lisboetas, numa visitação do real que se transforma em passado ao ritmo de 60 segundos por minuto e 24 fotogramas por segundo com vista à construção crítica do futuro. De resto, o pequeno programa desta sessão tenta dar conta disso mesmo: três filmes realizados em dois períodos bem diferentes, A ALMADRABA ATUNEIRA, ainda em pleno fascismo, como afirmação de um país que o poder ignora; EX-VOTOS PORTUGUESES e FALAMOS DE RIO DE ONOR, situados na viragem da revolução, explicitamente evocada no texto do primeiro e ainda mais presente no segundo, enquanto procura, nos costumes mais ancestrais, da semente de um futuro possível, feito de partilha e troca fraternas, longe do capital e da capital. A ALMADRABA ATUNEIRA descreve a faina do atum numa ilha próxima de Tavira (engolida pelo mar no ano seguinte). A montagem de som só será feita em 1974, graças a um apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Os espectadores fiéis d’O Sabor do Cinema não deixarão de lá detectar um parentesco evidente com a aventura de resgate dos mundos perdidos patente nas curtas-metragens de Vittorio de Seta que serão apresentados na última sessão deste momento do ciclo sazonal. Decididamente apostado em procurar a proximidade do povo trabalhador, António Campos regista a última campanha de um arraial algarvio da ilha de Abóbora. São os rostos e os gestos, os instrumentos de trabalho e o próprio trabalho, a presa e a maneira como se debate que interessam o cineasta que, graças a estes elementos, compõe um quadro eloquentemente triste mas não destituído de grandiosidade. FALAMOS DE RIO DE ONOR foi rodado entre Outubro de 1972 e Agosto de 1973, mas só veio a ser apresentado em Outubro de 1974. A produção contou com o apoio do Centro Português do Cinema (primeira cooperativa de cineastas, a cavalo sobre a revolução dos cravos) e da Fundação Calouste Gulbenkian (onde António Campos trabalhou nos anos setenta e se terá certamente cruzado com António Reis). Significativamente, o filme
que nos revela uma mítica aldeia comunitária da raia (ou seja, situada no cu de Judas e do mundo) começa com um enterro. Logo a seguir, dois pastores falam de moças e de «não ir para Espanha». O trabalho rural, motivo central da composição, é evocado por quadros expressivos: mulheres que dão de mamar nos campos, aproveitando a pausa das suas lidas, durante as quais as crianças descansam à sombra de um casaco; arados a rasgar a terra; homens a semear; camponesas e camponeses a ceifar. Uma voz solene comenta poeticamente: “Os campos ficaram verdes mas as mãos secaram.” Todo o som se organiza de modo a formar um corpo multifacetado: ouvem-se versos, frases soltas (“Ó mulher, tu queres-me muito a mim?”), explicações sócio-etnográficas, música de igreja, diálogos, entrevistas… O cineasta explora as possibilidades da montagem assíncrona, afastando-se definitivamente do paradigma do documentário convencional. Após uma missa cantada ao ar livre e a seguir à declaração de fé em Santa Bárbara Bendita (sonora unicamente), fala-se em imigração. Ao de leve: “…ela está em França…” E de novo somos confrontados com imagens de trabalho enquanto ouvimos a leitura da carta de privilégio outorgada pela Rainha D. Leonor a Rio de Onor, aldeia que contém fronteira e estrangeiro no seu seio. O peso da igreja é traduzido pela sua presença constante. O padre declara que Rio de Onor está moribundo porque as pessoas não seguem os exemplos dos antepassados, nomeadamente os que o professor Jorge Dias descreveu, não sem alguma dose de mitificação, 20 anos antes em «Rio de Onor: Comunitarismo Agro-pastoril». É através da personagem ficcional de uma mulher de Lisboa, supostamente a passar férias em Rio de Onor, que nos são dadas a conhecer as características comunitárias do trabalho e das decisões estruturais na aldeia. Essa mulher de Lisboa vai, aliás, servir de pretexto para várias explicações, nomeadamente sobre a fronteira ou sobre as razões da extinção do dialecto local. O filme acaba, de maneira tão significativa quanto começara, com duas despedidas: a da mulher de Lisboa a quem os autóctones dizem “… não quero que leve má recordação desta terra…”, e a de um casal que vai emigrar. Percebe-se que, até certo ponto, FALAMOS DE RIO DE ONOR funciona como uma volta a Portugal numa só aldeia. Ora é também de Portugal, mátria madrasta, submisso à fé supersticiosa e à crença originada tanto pelo abandono quanto pelo obscurantismo que nos fala a curta-metragem EX-VOTOS PORTUGUESES, sendo de sublinhar que as obras votivas que a religiosidade motiva provocam no cineasta e nos artistas da sua geração um misto paradoxal de repulsa e de fascínio. Com o recuo que hoje podemos ter relativamente à época «conturbada» que viu nascer estes filmes, conseguimos avaliar quão importante a reflexão sobre a religiosidade, concentrada ou difusa, apontava, e aponta, para uma vertente decisiva do conhecimento desta(s) terra(s) e desta(s) gente(s).