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PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE”

PRÓXIMA SESSÃO

21 ABR 2013

A Ilha dos Amores de Paulo Rocha, 170’, 1982, Portugal

AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa Cinema/Vídeo Carla Pinto

Momento XXIII

CICLO O SABOR DO CINEMA 27 JAN – 21 ABR 2013 Auditório

07 ABR 2013 (Dom), 16h00 Apoio Institucional

Apoio

FILME Samuel Beckett, 20’, 1965, USA O MEU CASO Manoel De Oliveira, 92’, 1986, França/PortugaL Apresentação do filme de Manoel de Oliveira por António Preto.

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584


FILME Realização: Alan Schneider, Samuel Beckett Argumento: Samuel Beckett Fotografia: Boris Kaufman Câmara: Joseph F. Coffey Cenografia: Burr Smidt Montagem: Sidney Meyers Interpretação: Buster Keaton, Nell Harrison, James Karen, Susan Reed EUA 1965

A partir da inquietante proposta do bispo e filósofo empirista, seu conterrâneo, George Berkeley (1685-1753) – «ser é ser percecionado ou percecionar» –, nesta única incursão na escrita cinematográfica Samuel Beckett propôs-se efetivamente fazer-nos refletir acerca da angústia inerente a essa «condição do ser». Para tanto, recorreu – justíssima escolha, embora a primeira ideia fosse filmar com Charles Chaplin – ao já envelhecido ator Buster Keaton (Pamplinas viria a falecer 18 meses após a rodagem…), que se notabilizou como cómico na época do mudo e ficou conhecido do grande público como «o homem que nunca ri». A câmara acompanha a figura de Keaton (cuja «impassividade» é substituída pela opção de o fazer aparecer sempre de costas), um homem em trânsito cuja passagem assusta todos quantos com ele se cruzam… A personagem, ela mesma acossada, avança rente a uma parede, num mundo de aparência carceral, tentando furtar-se a todos os olhares, e acaba por se encarcerar num quarto (não sem antes, expulsar um gatinho e dois cães, tapar uma gaiola, um aquário e um espelho, rasgar um retrato – rosto de olhos esbugalhados, talvez avatar de divindade

suméria – pendurado na parede…). Trata-se de anular tudo quanto é passível de exercer a faculdade de ver. Instalado numa cadeira de baloiço, depois de rasgar fotografias sacadas de um envelope, acaba por adormecer. Ao despertar, dá de caras com o seu duplo que o olha nos olhos. Descobrimos então que o protagonista é… zarolho como uma câmara. Na verdade, se para Beckett o teatro se pode reduzir a UMA BOCA, não é surpreendente que o cinema se possa resumir a UM OLHO. Tão singularmente voraz o segundo como peculiarmente verbosa a primeira. Esticando despudoradamente a corda da deceptividade perversa e a pura obscenidade da simples presença, Samuel Beckett regressa à depuração do mudo para voltar a uma espécie de estaca zero: que questões em torno do olhar e ser olhado levanta a prática do cinema? A sua câmara dançante, a sua montagem brutalmente fluida dizem-nos o abismo onírico entre dois abrir e fechar de pálpebras – cortinas de carne atrás ou à frente das quais talvez apenas NADA aconteça, a não ser um muito penoso estado de vigília sob vigilância.

“Se há filme que me apeteça menos explicar, é justamente “O Meu Caso”. “O Meu Caso” não é o meu caso pessoal. É “O Meu Caso” de todos. Quer dizer, eu procuro ser o mais possível objetivo. Mas há uma coisa que eu não posso deixar, é de ser eu”. Manoel de Oliveira

O MEU CASO MON CAS Realização e Argumento: Manoel de Oliveira Assistentes de realização: Jaime Silva, Alexandre Gouzot, Xavier Beauvois Textos: 1) «O Meu Caso», José Régio; 2) «Pour En Finir et Autres Foirades», Samuel Beckett; 3) «O Livro de Job», Antigo Testamento. Tradução para Português: Jacques Parsi Fotografia: Mário Barroso Assistente de Imagem: José António Loureiro Cenografia: Maria José Branco, Luís Monteiro Guarda-roupa: Jasmim de Matos Caracterização: Veronique Vincent Cabeleireiro: Dominique Buisson Anotação: Júlia Buísel Direção de Som: Joaquim Pinto Assistente de Som: Gita Cerveira Sonoplastia/Misturas: JeanPaul Loublier Música: João Paes Direção musical: Armando Vidal Coreografia: Françoise Robillon Montagem: Manoel de Oliveira, Rudolfo Wedeles Produção: Filmargem; Les Films du Passage, S.E.T.E (França) PORTUGAL / FRANÇA 1986

O MEU CASO é um filme-manifesto que, significativamente, acontece na sequência do golpe de asa que, do telúrico ACTO DA PRIMAVERA ao caudaloso SOULIER DE SATIN, elevam a reflexão meta-cinematográfica de Manoel de Oliveira ao patamar das relações entre cinema e teatro, sendo porventura a sua adaptação da peça de Paul Claudel o momento mais radical (e sem retorno?) dessa reflexão. Com O MEU CASO, filme amiúde qualificado de críptico, o cineasta coloca ubiquamente os pés no chão do palco, do plateau e da plateia, aceitando partilhar com o seu espetador as ferramentas (os instrumentos de fixação/registo de imagem e som, bem como as próprias obras literárias) e as descobertas escandalosas que essas ferramentas lhe permitiram, a mais relevante das quais tem a ver com a própria vida da qual teatro e cinema são tentativas de representação, a saber: todos somos, simultânea e/ou sucessivamente, atores e espetadores. O olhar, o ser olhado, o lugar donde se olha, o dispositivo que possibilita e molda a visão estão portanto, como é natural, no centro das preocupações a que O MEU CASO dá corpo. Cena e plateia teatrais transformam-se em plateau de cinema e, a dada altura, um ecrã ocupa o fundo do palco e os espetadores para ele se viram, mantendo-se de pé como num irrisório comício. Por outro lado, a «intrusão» de Samuel Beckett no complexo tecido deste objeto fragmentário nada tem de gratuito ou acessório: na verdade, o «como proferir?»/«como continuar?» (proferindo e continuando…) do dramaturgo irlandês, cujo texto evoluiu, de modo implacável, no sentido da depuração e da rarefação, iluminam maravilhosamente o questionamento de Oliveira que, tendo levado o mais longe possível a sua refundação do cinema, se interroga sobre as condições de possibilidade da criação, à luz do pressuposto de que «não somos criadores, mas criaturas». Donde «O Livro de Job» cuja mise en image remata o ensaio e a répétition, tendo Oliveira o descaramento de figurar a voz e o discurso de Deus como algo que jorra de Máquina-Altifalante, para lembrar aos humanos a que ponto está vedado o conhecimento dessas tais condições de possibilidade: antes de mais da criação, mas não menos das vias tortuosas de distribuição dos papéis que as criaturas desempenham na cena da existência.

Dito isto, sublinhe-se que Oliveira, que sempre confiou ao público (quantas vezes ingrato!) uma função preponderante na construção de cada obra, avança e faz-nos avançar cautelosamente no processo de apreensão das várias faces do seu prisma de reflexão. O MEU CASO abre com a irrupção, no início de um putativo espetáculo, do Desconhecido (Luís Miguel Cintra, arrasador…) que, na hora da subida do pano, se propõe, em tom de desespero, expor «o seu caso», infinitamente mais urgente e pertinente do que o enredo da peça em cena naquele suposto teatro. Seguem-se interrupções – a de um modesto funcionário, a de uma volúvel actriz (magnífica Bulle Ogier…), a do autor agastado, a do espetador revoltado, a da trupe, etc. – todas elas glosando a ideia de que o caso é outro. Palavra corta palavra. Finalmente, por seu turno, o verbo e a cor interrompem-se para darem lugar ao texto de Beckett (em torno do «drama» único e obsessivo que é «estar no mundo») e a uma re-visitação / ré-pétition (acelerada, muda, a preto e branco e registada com outra objetiva embora re-filmada frontalmente) da peça já re-presentada. A escolha do texto regiano para corporizar o estado muito particular com que o filme nos confronta – o «fora de si» – revela-se de uma justeza tão clínica quanto cruel uma imagem consegue ser… Todo este caleidoscópico esforço de objetivação da subjetividade faz com que O MEU CASO não seja apenas um manifesto, mas também um lúcido balanço pessoal, um grito de denúncia da destruição do homem pelo homem, uma meditação grave e irónica sobre as relações do homem com Deus, um ensaio sobre o enquadramento e a profundidade de campo, um contributo para uma teoria geral da representação, uma interrogação sobre o som no cinema, etc. etc. etc. Não apenas golpe de asa, mas também golpe de mestre e golpe de misericórdia.


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