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saguenail et corbe
les années-lumière pholdulogie ininterrompue
os anos-luz foldulogia ininterrupta
tradução Regina Guimarães
Seguindo o conselho de Michaux frente às coisas e às paisagens a foldulogia intervém H À luz da foldulogia as coisas não brilham lustram H A foldulogia espia (não «expia») os defeitos da couraça do visível H Os ilusionistas utilizam fios e espelhos a foldulogia procura (infantilmente) fios e espelhos dissimulados no espectáculo do «real» H Se o sonho é a fonte sempre rejuvenescida e rejuvenescedora que permite medir o desfasamento entre imagem e matéria e abordar a impressão de irrealidade a foldulogia que nem é «ciência» nem mesmo terapia médica interessa-se sobretudo pelos sonhos fabricados H A foldulogia não tem dificuldade em desviar provérbios as palavras ladram mas a imagem passa imagem puxa imagem a palavra é mãe de todas as imagens uma imagem nunca vem só, etc. pois a imagem é uma operação comutativa, associativa e distributiva H 4
Suivant le conseil de Michaux devant les choses et les paysages la pholdulogie intervient H À la lumière de la pholdulogie les choses ne brillent pas elles se moirent H La pholdulogie s’attache (pas «s’attaque») aux défauts de la cuirasse du visible H Les illusionnistes emploient des fils et des miroirs la pholdulogie cherche (infantilement) fils et miroirs dissimulés dans le spectacle du «réel» H Si le rêve est la source toujours rajeunie et rajeunissante permettant de mesurer l’écart entre image et matière d’approcher l’impression d’irréalité la pholdulogie qui n’est ni «science» ni même thérapie médicale s’intéresse surtout aux rêves fabriqués H La pholdulogie n’est pas en peine de détourner des proverbes: les mots aboient mais l’image passe une image chasse l’autre lâcher le poids pour l’ombre une image ne vient jamais seule, etc. car l’image est une opération commutative, associative et distributive H 5
Para a foldulogia o passado historicamente confirmado não vale mais do que o passado mitificado ou até reinventado H A foldulogia é materialista analisa a matéria dos sonhos H A foldulogia não é policial mesmo que a encontre não substitui a «carta roubada» não é exclusivamente lúdica – considera a letra «desaparecida» dos exercícios lipogramáticos como um avatar dos jogos preciosos de corte – do conto de Poe guarda a glosa de Lacan da proeza de Perec os seus pesadelos recorrentes H A foldulogia pratica a psicanálise barata a psicanalogia não cura: o trauma não é erradicado despertado aparece em todo o seu inchaço infantil e ridículo como o mágico de Oz a terapia usa o humor a consciência-censura a consciência-sanguessuga consola-se o pensamento faz-se penso H A foldulogia não cataloga a foldulogia despreza a catalogia consciência sem ciência escava as ruínas da alma H 6
Pour la pholdulogie le passé historiquement confirmé ne vaut pas plus que le passé mythifié voire réinventé H La pholdulogie est matérialiste elle analyse la matière des rêves H La pholdulogie n’est pas policière même si elle la trouve elle ne remplace pas la «lettre volée» elle n’est pas exclusivement ludique – elle tient la lettre «disparue» des exercices lipogrammatiques pour un rejeton des jeux de cour précieux – du conte de Poe elle retient la glose de Lacan de la prouesse de Perec ses cauchemars récurrents H La pholdulogie pratique la psychanalyse à bon marché la psychanalogie elle ne guérit pas: le trauma n’est pas éradiqué réveillé il apparaît dans toute son enflure infantile et ridicule comme le magicien d’Oz la thérapie opère par l’humour la conscience-censure la conscience-sangsue se console la pensée se fait pansement H La pholdulogie ne dresse pas de catalogue la pholdulogie méprise la catalogie conscience sans science elle fouille les ruines de l’âme H 7
A foldulogia pode desembocar à falta de «arte poética» numa arte de viver também ela possui o segredo de passar «tardes absolutamente ociosas e muito tristonhas» e embora em quase tudo devedora de Baudelaire não teme o Tédio maiúsculo – segundo ela, a pasmaceira é uma panaceia H Retrospectivamente em toda a «obra» cometida não encontro nem um texto nem um filme que não interrogue as palavras e as imagens a sua natureza e as suas relações que não jogue com elas e delas não duvide Antes mesmo de conceber a disciplina à imagem do senhor Jourdain eu já praticava a foldulogia «sem o saber» H
La pholdulogie peut aboutir à défaut d’un «art poétique» à un art de vivre elle aussi possède le secret de passer des «après-midi tout à fait désœuvrés et très mornes» et bien que redevable en presque tout à Baudelaire ne craint pas l’Ennui majuscule – selon elle l’ennui porte conseil H Rétrospectivement dans toute l’«œuvre» commise je ne trouve ni un texte ni un film qui n’interroge les mots et les images leur nature et leurs rapports qui n’en joue et n’en doute Avant même de concevoir la discipline à l’instar de monsieur Jourdain je pratiquais déjà la pholdulogie «sans le savoir» H
O contrato com o céu tem se ser constantemente prolongado os pássaros nunca param de rubricar H Se o céu toma o mar por um espelho as nuvens tomam a espuma pelo seu reflexo? H A imagem destaca-se da sua origem o azul do mar reflecte o do céu mas apagou a sua celestialidade H Todas as formas contidas numa nuvem H O pássaro implica o céu H O pensamento é talvez uma luz ou uma sombra muito espessa ou o contrário H Da mesma maneira que o clima condiciona a cultura em que medida a luz me dita o pensamento? H A luz só beija aquilo com que fica face a face aquilo que lhe oferece a face – visto da fonte luminosa o universo tem duas dimensões – a sombra, ela, casa-se com todos os relevos H 10
Le contrat avec le ciel doit être constamment reconduit les oiseaux n’ont jamais fini de le parapher H Si le ciel prend la mer pour miroir les nuages prennent-ils l’écume pour leur reflet? H L’image se détache de son origine le bleu de la mer reflète celui du ciel mais en a effacé la célestialité H Toutes les formes contenues dans un nuage H L’oiseau implique le ciel H La pensée est peut-être une lumière ou une ombre très épaisse ou le contraire H Comme le climat conditionne la culture dans quelle mesure la lumière me dicte-t-elle ma pensée? H La lumière n’embrasse que ce qui lui fait face ce qui lui tend la joue – vu de la source lumineuse l’univers est à deux dimensions – l’ombre, elle, épouse tous les reliefs H 11
A experiência cósmica é o contrário da experiência humana: o candeeiro de cabeceira apaga-se para fazer o escuro as estrelas apagam-se para fazer a claridade H As coisas são a materialização da luz H As estrelas como outros tantos grãos de areia o universo como deserto o vento mais criador do que o verbo H Do céu e do tempo caem o efémero – a chuva, a neve, o granizo – e o eterno – o pó H Grande limpeza de primavera a paisagem é consertada sol e chuva empenhados na tarefa mas que calçada, que matagal, que vinhedo, que rego não foi regado com «sangue intelectual»? H
L’expérience cosmique est inverse de l’expérience humaine: la lampe de chevet s’éteint pour faire l’obscurité les étoiles s’éteignent pour faire la clarté H Les choses sont la matérialisation de la lumière H Les étoiles comme autant de grains de sable l’univers comme désert le vent plus créateur que le verbe H Du ciel et du temps tombent l’éphémère – la pluie, la neige, la grêle – et l’éternel – la poussière H Grand nettoyage de printemps le paysage est remis à neuf soleil et pluie s’y sont mis mais quelle chaussée, quel maquis, quelle vigne, quel sillon n’a pas été abreuvé de «sang intellectuel»? H
Talvez eu já tenha dito o que tento formular talvez já o tenha dito melhor sou habitado pelas mesmas palavras assombrado pelos mesmos mortos sou fiel aos meus fantasmas H A dado momento da minha infância tive a percepção dos ausentes dos seus apelos desde então ao ler dialogo com os mortos a cada passo transponho cadáveres H Interrogar as ruínas: não tanto reconstituir o que se desmoronou – templo ou palácio – mas antes procurar por que razão se deixou aquele rasto e conjecturar o que se terá escondido (imagens inexistentes da escravatura na Grécia antiga) H A areia é o rasto (a imagem em negativo) dos templos e dos palácios que se erguiam arrogantes e esplêndidos ou dos conquistadores que os destruíram? H Onde estarão «no areal os passos dos amantes» que não se desuniram H Invisível: o que já não é o que voltou a ser pó o passo na pegada a vontade no passo Invisível: o que ainda não existe o sopro H 14
J’ai peut-être déjà dit ce que je cherche à formuler je l’ai peut-être déjà dit mieux je suis hanté par les mêmes mots par les mêmes morts je suis fidèle à mes fantômes H À un moment donné de mon enfance j’ai perçu les absents leurs appels depuis en lisant je dialogue avec les morts à chaque pas j’enjambe des cadavres H Interroger les ruines: pas tant reconstituer ce qui a croulé – temple ou palais – que chercher pourquoi on a laissé cette trace et conjecturer ce qu’on aura caché (images manquantes de l’esclavage dans la Grèce antique) H Le sable est-il la trace (l’image en creux) des temples et des palais qui se dressaient arrogants et splendides ou des conquérants qui les ont détruits? H Que sont devenus «sur le sable les pas des amants» restés unis? H Invisible: ce qui n’est plus ce qui est retourné à la poussière le pas dans l’empreinte la volonté dans le pas Invisible: ce qui n’existe pas encore le souffle H 15
A patine que altera as superfícies pode ir até à mudança de significado H Na Grécia, em Itália, no Egipto, na China como na Índia as estátuas eram pintadas o tempo tornou-as cegas mineralizou-as (de imagens passaram a pedras) como a árvore no Inverno despida de suas folhas H O carácter suicidário da civilização humana reconhece-se pela sua obsessão da velocidade (só se pode acelerar o fim) todavia ninguém duvida que a agitação é vã embora se possa gastar o tempo de diversas maneiras nunca se pode «ganhar» tempo (no máximo perdê-lo, como na roleta) que entre conservantes, aditivos, corantes e edulcorantes sempre no limite da falsificação (como a medicina desportiva se mantém no limite do doping e a finança no limite da fraude) o fast food faz-nos comer merda e que a cultura de digestão rápida tende para a coprofagia intelectual H Um dia é feito de tantos instantes vagos tropismos vagas reduzidas à sua espuma debaixo de um manto de indiferença e não tanto de tédio pois a sua discrição torna-os semelhantes anula as suas diferenças e no entanto cada um deles isolado e ampliado poderia dar um mito H 16
La patine qui altère les surfaces peut aller jusqu’au changement de signification H En Grèce, en Italie, en Égypte, en Chine comme en Inde les statues étaient peintes le temps les a rendues aveugles les a minéralisées (d’images elles sont devenues pierres) comme l’arbre en hiver dévêtu de ses feuilles H Le caractère suicidaire de la civilisation humaine se reconnaît à son obsession de la vitesse (on ne peut accélérer que la fin) pourtant personne ne doute que l’agitation est vaine que si on peut dépenser son temps de diverses manières on ne peut jamais en «gagner» (tout au plus en perdre, comme à la roulette) qu’entre conservateurs, additifs, colorants et édulcorants toujours à la limite de la falsification (comme la médecine sportive se maintient à la limite du dopage et la finance à la limite de la fraude) le fast food nous fait bouffer de la merde et que la culture de digestion rapide tend à la coprophagie intellectuelle H Une journée est faite de tant d’instants vagues tropismes vagues réduites à leur écume sous une chape d’indifférence plus que d’ennui car leur discrétion les rend semblables abolit leurs différences pourtant chacun d’eux isolé et amplifié pourrait donner un mythe H 17
Os mortos são mais numerosos do que os vivos os projectos que as realizações as sombras que os raios os flocos que as poças de lama o invisível triunfa H Uma pessoa contém as emoções vive o quotidiano na frustração e no heroísmo sem sequer ter consciência de que o drama já foi escrito e de que nos limitamos a representá-lo uma vez mais sem nos darmos conta no registo degradado da rotina um dia de cada vez H Mais do que «o ouro do tempo» procuro o seu chumbo aquilo que ele arrasta aquilo que retarda a sua corrida H
Les morts sont plus nombreux que les vivants les projets que les réalisations les ombres que les rayons les flocons que les flaques de boue l’invisible l’emporte H On retient ses émotions on vit le quotidien dans la frustration et l’héroïsme sans même la conscience que le drame a déjà été écrit et que nous ne faisons que le rejouer à notre propre insu sur le mode dégradé de la routine au jour le jour H Plutôt que «l’or du temps» je cherche son plomb ce qu’il traîne ce qui ralentit sa course H
O imaterial – inclusive as imagens e as palavras – presta-se a todos os abusos H Propriedade do imaterial: o peso de uma palavra não depende do número de letras que a compõem H De tanto engolirmos em seco já só existem palavras que restauram algumas ostensivamente (as fachadas) outras furtivamente (cobras engolidas) H As palavras não são culpadas mas não há palavras «inocentes» – as palavras nascem depois da expulsão do Éden H A história das palavras – a etimologia tal como a fixação do uso – é a nossa H Nunca houve um «antes de Babel» a incompreensão entre os homens não provém de uma diversidade de línguas a mesma palavra na mesma língua não terá para dois locutores o mesmo sentido a «compreensão» é tão-só o consenso diplomático tácito e táctico para não aprofundar a diferença a «comunicação» assenta nesta convenção faz-se de conta que se compreende o outro quando não se tem a certeza de se compreender a si mesmo H 20
L’immatériel – y compris les images et les mots – se prête à tous les abus H Propriété de l’immatériel: le poids d’un mot ne dépend pas du nombre de lettres qui le composent H À force de tourner la langue dans sa bouche il n’y a plus que des mots ravalés les uns ostensibles (comme des façades) les autres fuyants (comme des couleuvres) H Les mots ne sont pas coupables mais il n’y a pas de mots «innocents» – les mots naissent après l’expulsion d’Éden H L’histoire des mots – l’étymologie comme le figement de l’usage – est la nôtre H Il n’y a jamais eu d’«avant Babel» l’incompréhension entre les hommes ne tient pas à une diversité de langues le même mot dans la même langue n’aura pas pour deux locuteurs le même sens la «compréhension» n’est que le consensus diplomatique tacite et tactique pour ne pas approfondir la différence la «communication» repose sur cette convention on fait semblant de comprendre l’autre alors qu’on n’est pas sûr de se comprendre soi-même H 21
Não são tanto as verdades que magoam antes as palavras (mas a verdade claro está tal como a mentira é feita apenas de palavras) H Exercício prático de foldulogia aplicada proposto por Hammett: fazer o inventário e o recenseamento de todas as mentiras contidas num texto mesmo muito curto um encarte publicitário uma informação jornalística uma declaração ministerial H Fazem-se jogos de palavras – nem sempre cómicos aliás por vezes mesmo grosseiros – o que se faz com as palavras sérias? fazemos com que sejam silenciadas? H Ao chamamento as palavras nem sempre respondem encolhem-se, encarquilham-se, murcham como folhas mortas deixando a nu o esqueleto da árvore do real sem palavras as ideias levantam voo como andorinhas anunciando o inverno sem que delas reste sequer um risco uma assinatura no azul não faz mal: as palavras não custam ideias o vento as leva em contrapartida a palavra que falta se voltar será tarde de mais (quantas coisas inexprimidas inexprimíveis por falta de palavras) H 22
Ce ne sont pas tant les vérités qui blessent que les mots (mais la vérité bien sûr tout comme le mensonge n’est faite que de mots) H Exercice pratique de pholdulogie appliquée proposé par Hammett: faire le décompte et le relevé de tous les mensonges contenus dans un texte même très court un encart publicitaire une information journalistique une déclaration ministérielle H On rapporte des «bons» mots – pas toujours drôles d’ailleurs parfois même grossiers – que fait-on des mauvais mots? les passe-t-on sous silence? H À l’appel les mots ne répondent pas toujours ils se recroquevillent, se ramassent, se fanent tels des feuilles mortes laissant à nu le squelette de l’arbre du réel sans mots les idées s’envolent telles des hirondelles annonçant l’hiver sans même laisser un sillage une signature sur l’azur ce n’est pas grave: une de perdue dix de retrouvées les idées, autant en apporte le vent en revanche le mot manquant s’il revient nous reviendra trop tard (combien de choses inexprimées inexprimables faute de mots) H 23
É frequente julgar-se que «uma palavra a mais» desencadeia querelas mas é mais provável que elas nasçam porque não foram pronunciadas palavras em número suficiente H Segundo algumas tradições as palavras poderiam servir para outros jogos que não as promessas – jogo da comédia – as ordens – jogo dos soldadinhos – os veredictos – jogo da punição – ou as informações – jogo do sabichão – jogos em que é a vida que está em jogo – jogo do sério – em que se joga o sentido da vida: os enigmas e as adivinhas os concursos de mentiras os cantares ao desafio ou simplesmente as fábulas, os contos e as intermináveis histórias H O pensamento trabalha sem nós darmos conta ignoramos os seus mecanismos (apreendemos apenas operações fragmentárias): será que a associação, a inversão, a decomposição, etc. funcionam simultaneamente? sistematicamente? Portanto pode-se partir das palavras e utilizá-las como iscos para pescar ideias. H
On croit souvent qu’«un mot de trop» déclenche les querelles mais il est plus probable qu’elles naissent parce que pas assez de mots ont été prononcés H Selon certaines traditions les mots pourraient servir à d’autres jeux que les promesses – jeu de la comédie – les ordres – jeu des petits soldats – les verdicts – jeu de la punition – ou les informations – jeu du baccalauréat – des jeux dont la vie est l’enjeu – jeu du sérieux – où se joue son sens: les énigmes et les devinettes les concours de mensonges les défis en vers ou simplement les fables, les contes et les interminables histoires H La pensée travaille à notre insu nous ignorons ses mécanismes (n’appréhendons que des opérations fragmentaires): l’association, l’inversion, la décomposition, etc. fonctionnent-elles simultanément? systématiquement? On peut donc partir des mots les employer comme asticots pour pêcher des idées H
A «verdade no vinho» será a mesma que mora no fundo do poço? será que só há verdades molhadas? H Em matéria de cadáveres escondidos no armário e de tesouros enterrados nos baús do sótão só descobrimos pó e imagens (um cadáver ou um tesouro é em si uma imagem) H Coração e corda têm a mesma raiz as emoções atam-nos o coração e as suas desrazões enforcam-nos (a paixão é um verdadeiro cadafalso a paciência é uma falsa capacidade) H A matéria – tamanho e peso – aprisiona: os pés estão presos à terra somente as línguas se soltam H O nada é ainda uma palavra o vazio, a falta, a ausência, imagens H Uma única palavra nomeação genérica pode poupar uma longa descrição mas a palavra «tapete» por exemplo é desprovida de suas cores de seus frisos de flores como um livro reduzido à sua página de rosto H 26
La «vérité dans le vin» est-elle la même que celle qui trempe au fond du puits? n’y a-t-il que des vérités mouillées? H En fait de cadavres au fond de l’armoire et de trésors enfouis dans les malles du grenier on ne découvre jamais que de la poussière et des images (un cadavre ou un trésor est en soi une image) H Cœur et corde ont même racine les émotions nous lient nous sommes pendus à notre cœur et à ses déraisons (la passion est potence la patience impotence) H La matière – taille et poids – emprisonne: le facteur livre un colis l’émissaire délivre un message H Le néant est encore un mot le vide, le manque, l’absence, des images H Un seul mot nomination générique peut économiser une longue description mais le mot «tapis» par exemple est dépossédé de ses couleurs de ses frises de fleurs comme un livre réduit à sa page de garde H 27
As palavras fixam tão-somente instantes o pensamento escapa-se sempre o tempo prossegue o escoamento indiferente e no entanto só pronunciamos veredictos H À medida que as imagens invadem o nosso meio ambiente o verbo faz-se caro H Quando a imagem não basta para descobrir o seu sentido o artista acrescenta-lhe um título Seria pois necessário intitular cada paisagem vista cada instante vivido H Debruçar-se sobre as falhas da linguagem: as palavras inadequadas as palavras ocas as palavras que faltam esclarecem-nos acerca do funcionamento e da função ideológica da imagem verbal H Uma palavra não é apenas a imagem de uma coisa ou de várias e diversas coisas mas igualmente de outras palavras Há parentescos paradoxais e bastardos a sua similaridade vale tanto como o seu contraste (exemplo: o canto grave da velha imóvel o canto agudo do móvel novo) – nesta propriedade assenta o «primeiro processo» de Roussel H 28
Les mots ne fixent que des instants la pensée toujours s’échappe le temps poursuit son écoulement indifférent on ne prononce pourtant que des arrêts H À mesure que les images envahissent notre environnement le verbe se fait cher H Quand l’image ne se suffit pas pour découvrir son sens l’artiste lui ajoute un titre Il faudrait ainsi titrer chaque paysage vu chaque instant vécu H Se pencher sur les ratés du langage: les mots inadéquats les mots creux les mots manquants ils nous éclairent sur le fonctionnement et la fonction idéologique de l’image verbale H Un mot n’est pas seulement l’image d’une chose ou de plusieurs et diverses choses mais également d’autres mots Des parentés paradoxales et bâtardes les lient leur similitude vaut leur contraste (exemple: passante comme une lettre à la poste figée comme une sentinelle à son poste – sur cette propriété Roussel a fondé son «premier procédé») H 29
Uma palavra mesmo justa nunca é a única possível uma palavra pode esconder outra (a «poésie faite partouze» – poesia-orgia de Verheggen) H Uma pessoa pode sentar-se na palavra cadeira diante da palavra mesa para comer a palavra pão se estiver inscrita na mesma página H
Un mot même juste n’est jamais le seul possible un mot peut en cacher un autre (la «poésie faite partouze» de Verheggen) H On peut s’asseoir sur le mot chaise devant le mot table pour y manger le mot pain si l’on est inscrit sur la même page H
A primeira função do real é talvez alimentar a imaginação – como a da «natureza» é inspirar a imitação H Mal é nomeada, toda a coisa fica apta a tornar-se símbolo H Uma cruz diante de um nome uma marca numa porta uma flecha numa fotografia bastam sem círculos concêntricos para fazer do homem um alvo ninguém se preocupa com imagens quando um simples signo de reconhecimento basta H As palavras remetem para realidades extradiegéticas como diz Genette escrever é uma primeira etapa necessária mas insuficiente para materializar o pensamento dar-lhe uma forma ao formulá-lo tecê-lo ao fixá-lo afixá-lo ao traçá-lo pois não se pode domesticá-lo apenas abafá-lo H Inventa uma palavra para nomear alguma coisa – que terias dificuldade em descrever – e ela acabará por existir H Uma palavra contém mil imagens H 32
La première fonction du réel est peut-être de nourrir l’imagination – comme celle de la «nature» d’inspirer l’imitation H Toute chose sitôt qu’elle est nommée est apte à devenir symbole H Une croix devant un nom une marque sur une porte une flèche sur une photographie suffisent sans cercles concentriques à faire d’un homme une cible on ne s’embarrasse pas d’image quand un simple signe de reconnaissance fait l’affaire H Les mots renvoient à des réalités extradiégétiques comme dit Genette écrire est une première étape nécessaire mais insuffisante pour matérialiser la pensée lui donner forme en la formulant la tisser en la fixant l’afficher en la traçant car on ne peut la domestiquer seulement l’étouffer H Invente un mot pour nommer quelque chose – que tu serais bien en peine de décrire – elle finira par exister H Un mot contient mille images H 33
As palavras aspiram à materialidade gostariam que a designação bastasse ao realismo que a enunciação solidificasse a ideia que o sujeito impusesse a sua necessidade ao arbitrário do signo que os títulos conferissem peso que os capítulos tivessem voz que as partes interessadas também pudessem julgar de outro modo que significaria uma «tábua das matérias»? H Como as palavras geladas do «livro quarto» o visível está cheio de filactérios (a não confundir com etiquetas) H Há verdades redondas e duras chamadas calhaus não sabemos decifrá-las mesmo quando delimitam o caminho mesmo quando batem no vidro da janela mesmo quando entram para dentro do sapato (não nos magoam mas incomodam-nos para sonhar ou andar preferimos livrar-nos delas) H Nunca há nada o nada esconde alguma coisa o nada é o biombo do invisível o nada revela a pista a seguir melhor do que uma pedrinha apanhada do que uma migalha engolida do que uma marca apagada o nada é uma falta um apelo a colmatar um cúmulo de discrição que gostaria de passar despercebido passar por ser ausência passar H 34
Les mots aspirent à la matérialité voudraient que la désignation suffise au réalisme que l’énonciation solidifie l’idée que le sujet impose sa nécessité à l’arbitraire du signe que les titres donnent du poids que les chapitres aient de la voix que les parties soient juges à la fois sinon que signifierait une «table des matières»? H Comme les paroles gelées du «quart livre» le visible est plein de phylactères (à ne pas confondre avec des étiquettes) H Il est des vérités rondes et dures appelées cailloux nous ne savons pas les décrypter même quand elles balisent le chemin même quand elles cognent à la fenêtre même quand elles se glissent dans la chaussure (elles ne nous blessent pas mais nous gênent pour rêver ou marcher: nous préférons nous en débarrasser) H Il n’y a jamais rien le rien cache quelque chose le rien est le paravent de l’invisible le rien révèle la piste à suivre mieux qu’un caillou ramassé qu’une miette avalée qu’une empreinte effacée le rien est un manque un appel à combler un comble de discrétion qui voudrait passer inaperçu passer pour une absence passer H 35
Durante séculos os motivos pictóricos primeiro tirados dos textos religiosos depois escolhidos no meio da paisagem «natural» foram infinitamente repetidos A variedade não é uma necessidade artística apenas comercial H Como os números impossíveis que se eliminarão a si próprios durante a resolução da equação a maior parte das imagens nasce por intermédio de um terceiro termo – oriundo tanto do património comum linguístico ou cultural como da experiência individual – que é silenciado desaparece uma vez cumprida a sua função associativa e nem chega a atravessar a consciência H Todo o objecto é virtualmente suporte de inúmeras imagens consoante o traço tido em conta: de um rosto as suas rugas as suas sombras as suas covas ou saliências ou até os seus pêlos e os seus cabelos ou reduzido à sua essência os seus olhos – o seu olhar – Todas são vãs todas por aproximação realce ou contraste revelam sob a pele o crânio H
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Pendant des siècles les motifs picturaux d’abord tirés des textes religieux puis choisis au sein du paysage «naturel» ont été infiniment répétés La variété n’est pas une nécessité artistique seulement commerciale H Comme les nombres impossibles qui s’élimineront d’eux-mêmes au cours de la résolution de l’équation la plupart des images naissent par l’intermédiaire d’un troisième terme – issu aussi bien du patrimoine commun linguistique ou culturel que de l’expérience individuelle – qui reste tu disparaît une fois remplie sa fonction associative et ne traverse même pas la conscience H Tout objet est virtuellement le support d’innombrables images selon le trait retenu: d’un visage ses rides ses ombres ses creux ou ses saillances voire ses poils et ses cheveux ou réduit à son essence ses yeux – son regard – Toutes sont vaines toutes par approximation soulignement ou contraste révèlent sous la peau le crâne H
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O homem contemporâneo vive no virtual confundindo o pensar e o despender logo existindo graças à despesa H A violência simbólica aproveita-se de fraquezas muito concretas H O imaterial não existe todo o sonho, toda a ficção assenta em dores bem reais bem ancoradas na carne exactamente como os números da bolsa correspondem a trabalhadores explorados direitos sociais confiscados economizados num mundo industrial do qual o campo de concentração continua a ser o emblema pois o homem constitui a matéria-prima a energia indefinidamente renovável e o produto manufacturado estandardizado condicionado H O habitat tradicional disperso mal sedentarizado inscrevia-se como mais um motivo no tapete da paisagem A concentração urbana moderna desenvolveu o modelo único matricial – do carro, casa móbil, ao prédio –: a caixa H 38
L’homme contemporain vit dans le virtuel croyant que «je dépense donc je suis» H La violence symbolique profite de faiblesses très concrètes H L’immatériel n’existe pas tout rêve, toute fiction repose sur des douleurs bien réelles bien ancrées dans la chair tout comme les chiffres du marché boursier recouvrent des travailleurs exploités des droits sociaux confisqués économisés dans un monde industriel dont le camp de concentration reste l’emblème car l’homme constitue la matière première l’énergie indéfiniment renouvelable et le produit manufacturé standardisé conditionné H L’habitat traditionnel dispersé mal sédentarisé s’inscrivait comme un motif de plus sur le tapis du paysage La concentration urbaine moderne a développé le modèle unique matriciel – de la voiture, maison mobile, à l’immeuble –: la boîte H 39
Só de fora podem as janelas ser confundidas com «aberturas» – em relação à fachada da qual seriam os olhos – de dentro são apenas molduras como as dos quadros pendurados nas paredes – a paisagem por detrás é uma pintura animada ou, mais frequentemente, na cidade, um reflexo: as fachadas estão diante de outras fachadas as janelas dão para outras janelas H O visível solicita a passagem para as imagens de que necessita para ganhar sentido e que o justificará o fixará o mineral – as pedras da calçada os calhaus e as beatas do passeio os candeeiros de rua cujas lâmpadas piscam as paredes que invejam os cartazes e os graffitis as fachadas que tentam romper o alinhamento o betão, as grades, as fechaduras – com paciência duradoura e insistência quotidiana o efémero – flora cuja vida se conta em horas fauna que se cruza com o nosso caminho fugitivamente – com temor e desespero inarticulado antes de mergulhar na indiferença na obsolescência no esquecimento antes de ser substituído H As actividades que todas as crianças praticam naturalmente – garatujar, cantarolar, assobiar, simular, saltar e dançar – tiveram para aceder ao estatuto de arte de se desnaturar a sua ritualização e espectacularização é antagónica da sua forma popular a sua promoção corresponde a uma confiscação – a desvalorização escolar é tão-só o corolário desse processo H 40
Ce n’est que de l’extérieur qu’on peut prendre les fenêtres pour des «ouvertures» – par rapport à la façade dont elles seraient les yeux – de l’intérieur elles sont seulement des cadres comme ceux des tableaux accrochés aux murs – le paysage derrière est une peinture animée ou, le plus souvent, en ville, un reflet: les façades font face à d’autres façades les fenêtres donnent sur d’autres fenêtres H Le visible sollicite sa mise en images qui seule lui donnera sens le justifiera le fixera le minéral – les pavés de la rue les cailloux et les mégots du trottoir les réverbères clignant de l’ampoule les murs envieux des affiches et des graffitis les façades cherchant à rompre l’alignement le béton, les grilles, les serrures – avec patience durable et insistance quotidienne l’éphémère – flore dont la vie se compte en heures faune qui croise notre chemin fugitivement – avec crainte et désespoir inarticulé avant de sombrer dans l’indifférence dans l’obsolescence dans l’oubli avant d’être remplacé H Les activités que tous les enfants pratiquent naturellement – gribouiller, chantonner, siffloter, simuler, sauter et danser – ont dû pour accéder au rang d’art se dénaturer leur ritualisation et spectacularisation est antagonique de leur forme populaire la promotion correspond à une confiscation – la dévalorisation scolaire n’est que le corollaire du processus H 41
As telas estão mortas ou pelo menos caducas – onde se pintavam quadros onde se projectavam filmes – o sol negro da foldulogia ergue-se nas lutas contra a televisão H A educação para todos terá sido a grande utopia não temos argumentos para a atacar frontalmente como a «revolução» ou para a limitar como a «liberdade» mas esforçamo-nos por liquidá-la à socapa não só porque as palavras são gratuitas e garantem em derradeira instância a liberdade do pensamento mas porque dominar as palavras permite resistir à ofensiva mediática e o seu poder de activação do imaginário proporciona prazeres que todo o ouro do mundo – ou «do tempo» – não poderia pagar H Tirando o ar que se respira e a vista do céu só as palavras são absolutamente comuns e gratuitas. H Escritas naturais: o escamar, a fenda, a fissura os líquenes, os musgos, os bolores a areia, o salitre, o pó escritas do tempo que interpretamos genericamente como sinónimos de decrepitude porque não sabemos lê-las H 42
Les toiles sont sinon mortes caduques – où se peignaient les tableaux où se projetaient les films – le soleil noir de la pholdulogie est porté par les luttes contre la télé H L’éducation pour tous aura été la grande utopie on n’a pas d’argument pour l’attaquer de front comme la «révolution» ou la limiter comme la «liberté» mais on s’efforce de la liquider en douce non seulement parce que les mots sont gratuits et garantissent la liberté ultime de pensée mais parce que leur maîtrise permet de résister à l’offensive médiatique et que leur pouvoir d’activation de l’imaginaire procure des jouissances que tout l’or du monde – ou «du temps» – ne pourrait payer H À part l’air que l’on respire et la vue du ciel il n’y a guère que les mots qui soient absolument communs et gratuits H Écritures naturelles: l’écaillement, les fentes, les lézardes les lichens, les mousses, les moisissures le sable, le salpêtre, la poussière écritures du temps que nous interprétons génériquement comme des synonymes de décrépitude faute de savoir les lire H 43
Os passos, mais do que os olhos desenham mapas (o Pequeno Polegar desenha o seu caminho em tracejado semeando pedrinhas) H Todo o devaneio, todo o pensamento até mesmo todo o raciocínio é viagem todo o rosto, todo o olhar é convite à viagem todo o gesto é itinerário toda a careta – suspiro ou sorriso – desenha um mapa H
Les pas, plus que les yeux dessinent des cartes (le petit Poucet trace son chemin en pointillé en semant des cailloux) H Toute rêverie, toute pensée tout raisonnement même est voyage tout visage, tout regard est invitation au voyage tout geste est itinéraire toute moue – soupir ou sourire – dessine une carte H
Se a imagem é ilusão só há ilusões – para os Indianos o visível é māyā H A primeira imagem – aquela que permanece emblemática no centro do céu ciclópico – é um olho H A abstracção, a convenção, tudo o que se prende com a pura ideia ainda precisa de imagens não há nacionalismo sem bandeira não há religião sem símbolo O indefinível é o que ainda não tem imagens H O invisível compreende também o oculto o inconfessável H Dissimular o invisível é a melhor maneira de o revelar (mais uma lição de Poe) H O real é talvez um imenso puzzle composto de todas as imagens reunidas mas cada imagem é ela mesma um puzzle ao qual faltam peças pormenores que impedem a visão geral a perspectiva a compreensão O real é feito de buracos H 46
Si l’image est illusion il n’y a que des illusions – pour les Indiens le visible est māyā H La première image – celle qui demeure emblématique au centre du ciel cyclopique – est un œil H L’abstraction, la convention, tout ce qui relève de la pure idée a encore besoin d’images pas de nationalisme sans drapeau pas de religion sans symbole L’indéfinissable est ce qui n’a pas encore d’images H L’invisible comprend aussi le caché l’inavouable H Dissimuler l’invisible est la meilleure façon de le révéler (encore une leçon de Poe) H Le réel est peut-être un immense puzzle composé de toutes les images assemblées mais chaque image est elle-même un puzzle dont manquent des pièces des détails qui empêchent la vue générale la perspective la compréhension Le réel est fait de trous H 47
O sentido da imagem é fornecido tanto pelo seu objecto como pelo seu fundo e pelas suas bordas o olhar é condicionado pelo enquadramento – Baudelaire disse tudo das «janelas» – que dizer então do buraco da fechadura! H O diálogo de Kafka sobre as imagens (figuras ou símbolos consoante as traduções) mostra bem que elas perdem todo o sentido se funcionarem em circuito fechado – assim a maior parte das citações servem de caução não de chave – é o seu desfasamento em relação ao real que as torna produtivas – excepto quando são lembrete ou presságio as «mises en abyme» não passam de jogo de espelhos narcísico mesmo no desenho de Rabier o enigmático não reside na multiplicação do ícone risonho mas na perversão da caixa de queijo transformada em jóia H Não há imagem sem defeito não há enunciado sem contradição H A luz cria o visível mas a sombra faz nascer igual número de imagens H Que é feito das sombras na sombra? H Se não lhe fosse colada aos pés o homem reconheceria a sua sombra? H 48
Le sens de l’image autant que par son objet est fourni par son fond et par ses bords le regard est conditionné par le cadrage – Baudelaire a tout dit des «fenêtres» – que dire alors du trou de serrure! H Le dialogue de Kafka sur les images (figures ou symboles selon les traductions) montre bien qu’elles perdent tout sens si elles fonctionnent en circuit fermé – ainsi la plupart des citations servent de caution pas de clé – c’est leur écart au réel qui les rend productives – si elles ne sont rappel ou présage les mises en abyme ne sont que jeu de miroir narcissique même dans le dessin de Rabier l’énigmatique ne tient pas à la multiplication de l’icone hilare mais à la perversion de la boîte à fromage devenue bijou H Pas d’image sans défaut pas d’énoncé sans contradiction H La lumière crée le visible mais l’ombre fait naître tout autant d’images H Que deviennent les ombres dans l’ombre? H Si elle ne lui était pas chevillée aux pieds l’homme reconnaîtrait-il son ombre? H 49
A conclusão do «Peter Schlemihl» de Chamisso enuncia o primeiro axioma da foldulogia H
La conclusion du «Peter Schlemihl» de Chamisso énonce le premier axiome de la pholdulogie H
Conhecer – pelo menos crer conhecer – é fabricar uma imagem H A imagem pode restituir o movimento não a vida toda a paisagem pintada é na verdade «natureza morta» H O olho só fabrica – a retina só retém – uma imagem: a do seu assassino Como a superfície de um pântano o olho percepciona – produz – reflexos instáveis incapazes de formar uma imagem por isso foi preciso inventar a placa fotográfica H A maior parte das fotografias – ao que parece tiram-se milhões delas todos os dias – são olhadas uma única vez como imagens – despertando uma recordação, evocando um sonho ou um desejo – antes de serem arrumadas como arquivos de mergulharem nos limbos ou de serem definitivamente destruídas graças a um simples clique H Mesmo fotográfica nenhuma reprodução é completa a imagem é limagem H A imagem não é apenas reprodução mas também maquilhagem H 52
Connaître – du moins croire connaître – c’est fabriquer une image H L’image peut restituer le mouvement pas la vie tout paysage peint est en fait «nature morte» H L’œil ne fabrique – la rétine ne retient – qu’une image: celle de son assassin Comme la surface d’un étang l’œil perçoit – produit – des reflets changeants incapables de former une image c’est pourquoi il a fallu inventer la plaque photographique H La plupart des photographies – il paraît qu’on en prend quotidiennement des millions – sont regardées une unique fois comme des images – ravivant un souvenir, évoquant un rêve ou un désir – avant d’être rangées comme archives de sombrer dans les limbes ou d’un simple déclic être définitivement détruites H Même photographique aucune reproduction n’est complète l’image est limage H L’image n’est pas seulement reproduction mais également maquillage H 53
A imagem não deve embelezar mas dignificar H A imagem é menos do que o real falta-lhe a matéria a rudeza a solidez a dureza a resistência a imagem é mais do que o real acrescenta-lhe o sentido H Não é só a imagem que faz a miragem mas também o seu tremor H A imagem ainda que por definição dupla pode ser única substituir o original até mesmo constituir o original o conceito de original é uma ilusão uma fraude ou uma ignorância H O visível «está estruturado como uma linguagem» só que existe uma infinidade de códigos que funcionam simultânea e separadamente a simbólica das cores, das flores, etc. o utente esqueceu-as e não liga pevide como se o real fosse cuneiforme H 54
L’image ne doit pas embellir mais dignifier H L’image est moins que le réel il lui manque la matière la rudesse la solidité la dureté la résistance l’image est plus que le réel elle lui ajoute le sens H Ce n’est pas seulement l’image qui fait le mirage mais aussi son tremblement H L’image bien que par définition double peut être unique substituer l’original voire constituer l’original le concept d’original est une illusion une fraude ou une ignorance H Le visible «est structuré comme un langage» seulement il existe une infinité de codes fonctionnant simultanément et séparément la symbolique des couleurs, des fleurs, etc. l’usager les a oubliés et passe outre comme si le réel était cunéiforme H 55
Breton no primeiro «Manifesto» fala do «estupefaciente imagem» mesmo um texto automático não é sem significação – exactamente como o relato de um sonho – o imaginário surrealista tão subjectivo ou tão submetido ao acaso por muito «objectivo» que ele seja não pode escapar à necessidade da crítica – Breton ele próprio em «Signo ascendente» a principia H As utopias sofrem talvez de um défice de imagens enquanto as imagens de tortura abundam as da felicidade são raras o inferno inspirou os pintores mas quantos – excepto Bosch – nos deixaram uma representação convincente atraente do paraíso? H
Breton dans le premier «Manifeste» parle du «stupéfiant image» même un texte automatique n’est pas sans signification – tout comme un récit de rêve – l’imaginaire surréaliste si subjectif ou si soumis au hasard – «objectif» – soit-il ne saurait échapper à la nécessité de la critique – Breton lui-même dans «Signe ascendant» l’amorce H Les utopies souffrent peut-être d’un déficit d’images alors que les images de torture abondent celles du bonheur sont rares l’enfer a inspiré les peintres mais combien – Bosch excepté – nous ont laissé une représentation convaincante attrayante du paradis? H
A percepção é projectiva a realidade é memorial as presenças são invisíveis as ausências ocupam o espaço quase todo H O «corte» (é o montador a falar) entre duas imagens cinematográficas planos ou fotogramas raccord ou elipse tem o mesmo estatuto que a imagem – é portador de igual número de significações suporte de igual número de projecções H Mito foldulógico por excelência, o homem invisível: de uma ligadura enrolada sobre o vazio fazer surgir uma cabeça e um corpo H O preto e branco foi inventado pela escrita H Câmara-alambique: transformar o visível em imagens extrair do real o inebriante H O cinema é de essência foldulógica: ver e mostrar o trabalho do tempo H Com a montagem o cinema introduz a consciência de que uma imagem só tem sentido em relação com outras imagens que a rodeiam ou a precedem A significação não só é projectiva como também extrínseca H 58
La perception est projective la réalité est mémorielle les présences sont invisibles les absences occupent presque toute la place H La «coupure» (c’est le monteur qui parle) entre deux images cinématographiques plans ou photogrammes raccord ou ellipse a même statut que l’image – est porteur d’autant de significations support d’autant de projections H Mythe pholdulogique par excellence, l’homme invisible: d’un bandage appliqué sur le vide faire surgir une tête et un corps H Le noir et blanc a été inventé par l’écriture H Caméra-alambic: transformer le visible en images extraire du réel l’enivrant H Le cinéma est d’essence pholdulogique: voir et montrer le temps à l’œuvre H Avec le montage le cinéma introduit la conscience qu’une image n’a de sens que par rapport à d’autres images qui l’entourent ou la précèdent La signification est non seulement projective mais encore extrinsèque H 59
A digitalização elimina a matéria mas também o tempo a imagem instantânea é o contrário da fotografia perdeu a sua fragilidade argêntica o trabalho de revelação (sem o qual se atenuam os pormenores por falta de contraste) o tempo da fixação (sob pena de escurecer até desaparecer) o nascimento num meio líquido o paralelo antropomórfico O digital é maquinal H Não é por se ter tendência a contar sempre as mesmas histórias a pintar as mesmas cenas, os mesmos temas, os mesmos motivos a multiplicar no cinema os remakes e as sequelas que as imagens se vão esgotando quanto mais imagens se fabricam mais restam imagens por inventar o futuro felizmente ainda não foi imaginado e o próprio passado está constantemente a ser reescrito H A artificialidade da representação cinematográfica no ecrã corresponde ao armanço festivaleiro fora do estúdio a imagem do cinema quer-se corte com a realidade demasiado prosaica ou demasiado pobre H 60
La numérisation élimine la matière mais aussi abolit le temps l’image instantanée est le contraire de la photographie elle a perdu la fragilité argentique le travail de révélation (sans quoi s’estompent les détails par manque de contraste) le temps de fixation (sous peine de noircir jusqu’à disparaître) la naissance en milieu liquide le parallèle anthropomorphe Le numérique est machinal H Ce n’est pas parce qu’on a tendance à raconter toujours les mêmes histoires à peindre les mêmes scènes, les mêmes sujets, les mêmes motifs à multiplier au cinéma les remakes et les séquelles que les images vont s’épuisant plus on en fabrique plus il reste d’images à inventer le futur heureusement n’a pas encore été imaginé et le passé lui-même est sans cesse réécrit H L’artificialité de la représentation cinématographique sur l’écran correspond à la frime festivalière hors studio l’image du cinéma se veut coupure avec la réalité trop prosaïque ou trop pauvre H 61
É raro estarmos entalados num assento sem fazer nada durante horas a situação sentada assegura o paralelo entre viagens e espectáculos Assim no cinema vemos desfilar no ecrã metaforicamente a nossa própria vida – vivida ou sonhada – como uma paisagem pela janela do comboio H As últimas palavras na literatura popular abrem para um futuro convencional – felicidade e muitos filhos – a derradeira imagem no cinema detém-se sobre o presente do beijo Entre os contos de fadas e os filmes o apocalipse aproximou-se H Prossegui com Manoel de Oliveira encontro após encontro ano após ano uma «discussão»: enquanto ele declarava que era impossível filmar o pensamento exemplificando «quando filmo um actor ignoro em que é que ele pensa» eu afirmava que só se pode filmar pensamento que ao captar das coisas e pessoas a sua imagem ao enquadrá-las aos desmaterializá-las como se extrai o álcool do mosto transforma-se o visível em ideia O cinema não concretiza a alegoria platónica antes a inverte H 62
On est rarement coincé sur un siège sans rien à faire pendant plusieurs heures cette situation assise assure le parallèle entre voyages et spectacles Ainsi au cinéma on voit défiler sur l’écran métaphoriquement sa propre vie – vécue ou rêvée – comme un paysage par la fenêtre du train H Le mot de la fin dans la littérature populaire ouvre sur un futur conventionnel – bonheur et beaucoup d’enfants – l’image de la fin au cinéma s’arrête sur le présent du baiser Des contes de fées aux films l’apocalypse s’est rapprochée H J’ai poursuivi avec Manoel de Oliveira de rencontre en rencontre d’année en année une «dispute»: alors qu’il déclarait qu’il était impossible de filmer la pensée exemplifiant: «quand je filme un acteur j’ignore à quoi il pense» j’affirmais qu’on ne peut filmer que de la pensée qu’en captant des choses et des gens leur image en les cadrant en les dématérialisant comme on extrait l’alcool du moût on transforme le visible en idée Le cinéma ne concrétise pas l’allégorie platonicienne il l’inverse H 63
Será que a meditação sobre a morte embora apague o medo e revele a vaidade torna a vida mais alegre? Será que a consciência das imagens ao permitir que delas nos libertemos torna a vida mais viva mais vivida? Será que o amor angélico ou platónico liberto das estampas japonesas da ginástica de kama sutra e dos romances cor-de-rosa é menos «louco»? menos «sublime»? mais puro? mais duro? mais duradouro? Não sejamos iconoclastas inventemos antes imagens novas para emoções sentimentos ideias ideais renovados H Mais do que as imagens fixadas são os esquecimentos que são significativos e reveladores H Invisível a revelar: a obra do tempo porque é que este pensamento não se formou mais cedo? H Não é a memória que não é fiável mas a atenção: de um texto ou de uma imagem ou de um acontecimento só guardo uma impressão global desfocada a fortiori falsa e detalhes parciais a priori insuficientes H 64
La méditation sur la mort si elle ôte la peur et découvre la vanité rend-elle la vie plus joyeuse? La conscience des images en permettant de s’en dégager rend-elle la vie plus vivante? plus vécue? L’amour angélique ou platonique débarrassé de ses estampes japonaises de sa gymnastique de kama sutra et de ses romans à l’eau de rose est-il moins «fou»? moins «sublime»? plus pur? plus dur? plus durable? Il ne faut pas être iconoclaste inventer plutôt des images nouvelles pour des émotions des sentiments des idées des idéaux renouvelés H Plus que les images fixées ce sont les oublis qui sont significatifs et révélateurs H Invisible à révéler: le travail du temps pourquoi cette pensée ne s’est-elle pas formée plus tôt? H Ce n’est pas la mémoire qui n’est pas fiable mais l’attention: d’un texte ou d’une image ou d’un événement je ne retiens qu’une impression globale floue a fortiori fausse et des détails partiels partiaux a priori insuffisants H 65
Relatividade e fé: uma palavra é apenas uma palavra uma imagem em si não tem valor no entanto uma palavra pode iluminar uma imagem pode fazer a diferença H A estátua não está no bloco de mármore nem o poema na página branca o ecrã deixa-se cobrir por qualquer filme o ar encher por qualquer canção o vazio tapar por qualquer coisa o verdadeiro nada só existe atrás de imponentes fachadas H Século anti-Pigmalião tendo falhado no fabrico de homens-robots querem hoje reduzi-los a imagens H Se toda a imagem apesar de muda se quer musical – dotada de ritmo, organizada em torno de linhas melódicas – no entanto não é por isso que se desenvolve no tempo Por outro lado na música nem o «cromatismo» de Debussy nem as tempestades wagnerianas atingem a visualização ou a verbalização As sinestesias entre os sentidos entre as «artes» continuam a ser metafóricas H 66
Relativité et foi: un mot n’est qu’un mot une image en soi est sans valeur pourtant une parole peut illuminer une image faire la différence H La statue n’est pas dans le bloc de marbre ni le poème sur la page blanche l’écran se laisse couvrir par n’importe quel film l’air remplir par n’importe quelle chanson le vide boucher par n’importe quoi le vrai néant n’existe que derrière d’imposantes façades H Siècle anti-Pygmalion ayant failli à fabriquer des hommes-robots on veut aujourd’hui les réduire à des images H Si toute image bien que muette se veut musicale – douée de rythme, organisée autour de lignes mélodiques – elle ne se développe pas pourtant pour autant dans le temps Par ailleurs en musique ni le «chromatisme» de Debussy ni les orages wagnériens ne parviennent à la visualisation ou à la verbalisation Les synesthésies entre les sens entre les «arts» restent métaphoriques H 67
A evidência evita o seu vazio camuflando-o o visível cega-nos H Mais do que o canto dos pássaros a música provém de pulsações internas – batida do sangue, respiração, secreção, digestão, etc. – é a imagem de sentimentos que são eles mesmos a imagem do invisível destilação visceral H Aquele que julga «ter a última palavra» encerrar a discussão solucionar o litígio impor a sua opinião ou a sua vontade engana-se: a última palavra é a que não foi pronunciada pertence ao perdedor e garante que a História após uma prescrição momentânea persistirá na sua fuga para a frente (como um condenado evadido) H Não é o pó que enterra livros e imagens é a acumulação de outros livros e de outras imagens H De nós só restarão palavras e imagens H 68
L’évidence masque son vide le visible nous aveugle H Plus que du chant des oiseaux la musique est issue de pulsations internes ‒ battement du sang, respiration, sécrétion, digestion, etc. ‒ elle est l’image de sentiments qui sont eux-mêmes l’image de l’invisible distillation viscérale H Celui qui croit «avoir le dernier mot» clore la discussion trancher le litige imposer son opinion ou sa volonté se trompe: le dernier mot est celui qui n’a pas été prononcé il appartient au perdant et garantit que l’Histoire après un arrêt momentané se poursuivra (comme un condamné évadé) H Ce n’est pas la poussière qui enterre livres et images c’est l’accumulation d’autres livres et d’autres images H Il ne restera de nous que des mots et des images H 69
Um livro é um herbário de palavras H A escrita feita de laços e nós segue o fio das ideias H O sentido nas entrelinhas faz parte da decifração do texto a leitura é um inquérito a escrita uma dissimulação as palavras indícios do indizível H A escrita é literalmente um pulular palavras engendram outras palavras que outras palavras alimentam que outras palavras defendem H Que a tradução seja traição não é constatação de defeito mas de condição pois toda a escrita é conspiração H Os dicionários sempre foram dos livros mais grossos há mais palavras disponíveis do que coisas a dizer H Corolário da função digestiva da alma o texto como dejecto as palavras fezes H Toda a letra é charco toda a palavra reflexo todo o texto estilhaço do espelho de tinta da escrita H 70
Un livre est un herbier de mots H L’écriture est faite de nœuds sur le fil des idées H Le sens entre les lignes fait partie du déchiffrage du texte la lecture est une enquête l’écriture une dissimulation les mots des indices de l’indicible H L’écriture est littéralement fourmillement des mots engendrent d’autres mots que d’autres mots nourrissent que d’autres mots défendent H Que la traduction soit trahison ne constate pas un défaut mais une condition car toute l’écriture est conspiration H Les dictionnaires ont toujours été parmi les livres les plus épais il y a plus de mots disponibles que de choses à dire H Corollaire de la fonction digestive de l’âme le texte comme déchet les mots étrons H Toute lettre est étang tout mot reflet tout texte éclat du miroir d’encre de l’écriture H 71
A escrita é simultânea e dialecticamente apropriação e restituição Montaigne citava os Antigos para os corroborar Rabelais pilhava o popular para o enobrecer Charles d’Orléans desafiava os cortesãos para os cultivar mas os intelectuais hoje escrevem para o «público» que desprezam H É falso dizer que «os escritos ficam» quantos textos capitais perdidos – bibliotecas incendiadas, autos da fé, sótãos esvaziados, etc. – dos quais só sobrevive uma referência, uma citação uma alusão imagem de imagens eco de voz puzzle de que só subsiste uma peça página revirginizada H As «civilizações do livro» são as civilizações da lei escrita – da proibição, da coerção, da prisão do tribunal, da sentença, da condenação e até da execução – contudo na origem «livro» e «livre» eram uma só palavra H Borges mostra no seu «Pierre Ménard» que voltar a dizer enuncia uma novidade portanto pouco importa se «tudo já foi dito» posto que se pode ainda voltar a dizer – a pós-modernidade assenta nesta aporia – a este nível de abstracção o problema dilui-se pois ao nível da consciência individual muito pouco foi lido ainda menos foi dito Em que limbos emerge aquilo que sabemos sem o termos lido ou o que não nos damos ao trabalho de verbalizar? H 72
L’écriture est simultanément et dialectiquement appropriation et restitution Montaigne citait les Anciens pour les corroborer Rabelais pillait le populaire pour l’ennoblir Charles d’Orléans défiait les courtisans pour les cultiver mais les intellectuels aujourd’hui écrivent pour le «public» qu’ils méprisent H Il est faux que «les écrits restent» combien de textes capitaux perdus – bibliothèques incendiées, autodafés, greniers vidés, etc. – dont ne survit qu’une référence, une citation une allusion image d’images écho de voix puzzle dont ne subsiste qu’une pièce page revirginisée H Les «civilisations du livre» sont les civilisations de la loi écrite – de la prohibition, de la coercition, de la prison du tribunal, de la sentence, de la condamnation voire de l’exécution – pourtant à l’origine «livre» et «libre» étaient un même mot H Borges montre dans «Pierre Ménard» que la redite énonce une nouveauté ainsi peu importe si «tout a déjà été dit» puisque on peut encore redire – la post-modernité se fonde sur cette aporie – à ce niveau d’abstraction le problème se dilue car au niveau de la conscience individuelle très peu a été lu encore moins a été dit Dans quels limbes surnage ce qu’on sait sans l’avoir lu ou ce qu’on ne se donne pas la peine de verbaliser? H 73
Claro que «eu é um outro» mas toda a coisa é uma outra H
Bien sûr «je est un autre» mais toute chose est une autre H
O «direito à imagem» não é redutível ao direito ao retrato à aprendizagem da pose e da mentira é busca de sentido interrogação projecção do rosto sobre a paisagem e sobre as constelações modelagem da poeira materialização dos sonhos travessia dos espelhos H Será preciso a experiência do afogamento o desfilar acelerado diante dos nossos olhos da vida às arrecuas para ver finalmente uma imagem da nossa própria existência? H Em vez de voltar a escavar a eterna questão do «ser ou não ser» perguntar a si mesmo de que é que se é imagem (particularmente pertinente no caso de Hamlet mas não só) H Os homens cuidam da sua imagem porque é sobretudo da sua imagem que sofrem H Embora todo o rosto seja já máscara e nós sejamos todos personagens e toda a nossa vida representemos papéis (plagiando mais do que improvisando) os actores são os que se assumem como imagens – que porventura até renunciam a ser eles mesmos se transformam em imagens – pois é a exposição que define a imagem H 76
Le «droit à l’image» n’est pas réductible au droit au portrait à l’apprentissage de la pose et du mensonge il est quête du sens interrogation projection du visage sur le paysage et sur les constellations modelage de la poussière matérialisation des rêves traversée des miroirs H Faut-il l’expérience de la noyade le défilement accéléré devant ses yeux de sa vie à rebours pour voir enfin une image de sa propre existence? H Plutôt que de retourner la sempiternelle question d’«être ou ne pas être» se demander de quoi on est l’image (particulièrement pertinent dans le cas d’Hamlet mais pas seulement) H Les hommes soignent leur image parce que c’est surtout de leur image qu’ils souffrent H Alors que tout visage est déjà masque que nous sommes tous des personnages et toute notre vie jouons des rôles (plagiant plus qu’improvisant) les acteurs sont ceux qui s’assument comme images – voire renoncent à être soi se changent en images – car c’est l’exposition qui définit l’image H 77
Quem se enganará mais Narciso que toma o seu reflexo como um desconhecido e se apaixona por ele o vampiro que não vê no espelho nenhuma imagem quando por ele passa ou aquele que se olha ao espelho convencido de que se está a reconhecer? H O reflexo sabe de que lado do espelho se encontra? H Mais do que reflectir o espelho tem como função fazer crer que atrás dele não há nada H Uma pessoa não é a sua própria imagem por um lado a nossa imagem escapa-nos por outro o ser transborda – infringe – a imagem H Não só somos imagem (que só o outro percepciona) como também somos detalhe de uma – ou várias – outras imagens (que ninguém percepciona porque o outro também é um detalhe dessa outra imagem) o sentido adivinhado ou reconstituído é uma necessidade mas traduz apenas a nossa cegueira H Como é que uma imagem pronta-a-vestir – uma roupa, um penteado, um perfume uma casa, um estilo de decoração, um mobiliário um destino de férias, um postal o último filme, a última moda, o último grito um gosto, um sonho, uma opinião consensual – poderia ser nossa? H 78
Qui se trompe le plus Narcisse qui prend son reflet pour un inconnu et s’en éprend le vampire qui ne voit dans le miroir aucune image à son passage ou celui qui se regarde dans la glace convaincu de s’y reconnaître? H Le reflet sait-il de quel côté du miroir il se trouve? H Le miroir n’a pas tant pour fonction de refléter que de faire croire qu’il n’y a rien derrière H On n’est pas sa propre image d’un côté notre image nous échappe de l’autre l’être déborde – enfreint – l’image H Non seulement nous sommes image (que seul l’autre perçoit) mais nous sommes aussi détail d’une – ou plusieurs – autre image (que personne ne perçoit car l’autre en est un autre détail) le sens deviné ou reconstitué est une nécessité mais ne traduit que notre cécité H Comment une image prête-à-porter – un vêtement, une coiffure, un parfum une maison, un style de décoration, un ameublement une destination de vacances, une carte postale le dernier film, la dernière mode, le dernier cri un goût, un rêve, une opinion consensuelle – pourrait-elle être nôtre? H 79
Mal a cultura se torna objecto de consumo e já não de referência não só a pressão do evento é inconciliável com a memória a inflação com o conhecimento mas a necessidade de renovação rápida condena as imagens a um apagamento igualmente rápido a sociedade «líquida» não tem consistência não tem consciência mas também não tem passado logo não tem futuro Como sempre, o automatismo engendrado ressuscita e alimenta o arcaísmo à falta de imagens que se lhe possam contrapor (a relação entre filmes de «acção», jogos vídeo, idade média de pacotilha e execuções públicas é evidente mas merece uma análise aprofundada) As imagens devem ser inseparáveis da sua crítica contê-la como a espessura das pinceladas nas telas de Vincent a ruptura dos planos nos quadros de Paul a decomposição e recomposição dos motivos em Pablo pois a «aura» é constituída de defeitos ética do único que se opõe ao cliché combate dogmas e princípios introduz a dúvida e o pensamento complexo incompatíveis com o conforto e a preguiça – sobretudo o conforto e a preguiça intelectuais – e só eles podem defender-nos da barbárie – antes de tudo a barbárie interna porque o «outro» mais monstruoso é ainda um reflexo deformado caricatural de nós mesmos H 80
Dès que la culture devient objet de consommation et non plus de référence non seulement l’événementiel est inconciliable avec la mémoire l’inflation avec la connaissance mais la nécessité de renouvellement rapide voue les images à un effacement aussi rapide la société «liquide» est sans consistance et sans conscience mais aussi sans passé donc sans futur Comme toujours, l’automatisme engendré ressuscite et entretient l’archaïsme faute d’images à lui opposer (le lien entre films d’«action», jeux vidéo, moyen-âge de pacotille et exécutions publiques est évident mais mérite une analyse approfondie) Les images doivent être inséparables de leur critique la contenir comme l’épaisseur des coups de pinceau sur les toiles de Vincent la cassure des plans dans les tableaux de Paul la décomposition et recomposition des motifs chez Pablo c’est de défauts qu’est constituée l’«aura» éthique de l’unique qui s’oppose au cliché combat dogmes et principes introduit le doute et la pensée complexe incompatibles avec le confort et la paresse – surtout le confort et la paresse intellectuels – et qui seuls peuvent nous défendre de la barbarie – avant tout de la barbarie interne car l’«autre» le plus monstrueux est encore un reflet déformé caricatural de nous-mêmes H 81
Uma pessoa é complexa e contraditória nunca se pode conhecê-la verdadeiramente nunca totalmente é por isso que a gente se apaixona mais facilmente por uma imagem do que por uma pessoa – mesmo no caso de Narciso – todos estamos prontos a tornarmo-nos imagem para que nos amem H
Une personne est complexe et contradictoire on ne la connaît jamais vraiment jamais totalement c’est pourquoi on tombe plus facilement amoureux d’une image que d’une personne – même dans le cas de Narcisse – chacun est prêt à se faire image pour se faire aimer H