FERIDAS FALANTES O cinema de Helma Sanders-Brahms revela uma rara mestria, entre as demais admirável, no tratamento dos vários níveis de leitura que uma ficção oferece. O duplo movimento de radical estilização (que induz uma percepção política, social e histórica) por um lado, e de aprofundamento dramatúrgico das personagens e suas relações (vertente claramente intimista) por outro, origina efeitos paralelos de alegorização, teatralidade e análise psicológica sem que nesta cozinha alquímica nenhuma emoção se perca. Em ALEMANHA MÃE PÁLIDA, Lena é ao mesmo tempo a mãe da narradora, indelevelmente marcada pelos horrores da guerra, a ponto de somatizar o terror no próprio rosto e de tentar suicidar-se com gás no quarto de banho, e a mátria Alemanha martirizada, depressiva e culpada. Em O FUTURO DE EMILIE, as três personagens femininas encarnam simultaneamente os problemas da autora num plano quase biográfico, a problemática da família enquanto lugar de amor e ódio irresolúveis, mas também o conflito histórico ainda fresco entre a França e Alemanha. HERMANNS é o velho pai que a realizadora deseja conhecer e amar pela mediação do cinema e o soldado do exército de ocupação nazi angustiadamente interrogado pela filha. LAPUTA passa-se na «ilha volante» de Berlim (antes da queda do muro) ponto geograficamente equidistante entre Paris e Varsóvia onde por conveniência os efémeros amantes se encontram, mas não menos o local simbólico da ruptura, da incompreensão e da impossibilidade de diálogo entre o Leste e o Oeste protagonizados pelos dois elementos do casal. Em JUDEUS DE BERLIM, Leonard é um jovem enredado na busca da identidade judaica mas assume com hiperresponsabilidade mística a condição de sobrevivente. Etc. O Expressionismo é assim revisitado pelo estilo inconfundível, todo ele contenção e depuração, desta mulher-cineasta cujos filmes parecem ora mosaicos de mágoas inconsoláveis, ora farrapos de insuportável verdade. Talvez esta peculiar utilização do cinema como espaço de meditação explique o êxito que tem granjeado no Japão. Helma Sanders-Brahms ilustra o seu método com a imagem dos círculos concêntricos — aqueles que se formam em torno da pedrada no charco. O seu trabalho de criação é um grito que reivindica mais amor e amor melhor contra o cinismo paralisante das lições da História. R. G.