Inicialmente domingo

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Inicialmente Domingo Ponto final duma obra cinematográfica cindida em duas fases pelo seu autor, FINALMENTE DOMINGO parece, em muitos aspectos, reatar estranhamente o discurso dos primeiros filmes de Truffaut. Despreocupação por vezes na fronteira do grotesco, desvios, jogos de palavras, alusões — trata-se em boa verdade dum filme de cinéfilos para cinéfilos. As situações ficcionais nunca são de facto tomadas a sério, mas muito pelo contrário apresentadas como convencionais. E o filme constrói-se com desenvoltura, evidenciando constantemente os protótipos convencionais que vai contudo respeitando até ao desfecho. A mania antológica de Truffaut exerce-se de maneira imperceptível, ao nível formal, infringindo sistematicamente todas as regras de direcção e de montagem que só se podem aprender numa escola de cinema. Todavia Truffaut, sucessor espiritual de Bazin, contribuiu para a fixação teórica dessas «regras» que permitem a «invisibilidade» da montagem, para além de ter leccionado no I.D.H.E.C.. Aliás, o filme tem um certo ar de filme «de escola», desta vez realizado não por um aluno mas por um mestre. Ausência dos trabalhos pesados de «desdramatização», antes o júbilo da manipulação cinematográfica. Nada de esquiva — como seja a «câmara subjectiva» —, o realizador pratica ostensivamente a batota: Barbara não vê o rosto do assassino quando este mata Louison porque a câmara não o apanha, o espectador é informado no fim, não das deduções da detective amadora, mas da sua descoberta (o gabinete do advogado comunica directamente com o salão da esteticista), etc. O espectador deve aceitar deixar-se guiar, de olhos «vendados» pelas imagens impecáveis — Nestor Almendros comunica o seu prazer em trabalhar a luz no estilo mais convencionalizado do cinema: o filme «negro», de quando Hollywood ainda não se tinha «livrado» dos mestres expressionistas. Mudanças de ângulo que não se tentam justificar, montagem rápida, o cinema enquanto comboio eléctrico. O prazer que sentimos ao ver este filme — inesperado após vários filmes em que Truffaut se comprometia sem recuo ou, pelo contrário, jogava o jogo das mais cansadas metáforas sobre a ficção inseparável da vida — vem-nos duma transparência da ficção que, sem facilidades — como, por exemplo, mostrar o estúdio (E la nave va, The ladies' man, High anxiety) — nem didactismo — como o movimento em abissa tão banalizado desde OITO E MEIO (A NOITE AMERICANA ou até INSERTS ou O ESTADO DAS COISAS, apesar destes dois últimos não se limitarem, felizmente, a este discurso) — lembra permanentemente a sua natureza fílmica. A evolução da intriga assenta na capacidade, por parte dos personagens investigadores, de representar papéis — trata-se uma vez mais duma convenção presente nas boas comédias hollywoodianas de Bells are ringing a The Sting. Nada de novo neste filme, a não ser uma respiração mais leve, liberta, se não das convenções, pelo menos das suas prevenções e pretensões, uma iconoclastia amadurecida. Algures, a serenidade de quem conseguiu dar forma aos seus sonhos cinematográficos de juventude, ainda que estes tenham perdido alguma frescura. S.


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