O caso é outro – o outro

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O CASO É OUTRO – O OUTRO Ao rodar O MEU CASO mestre Manoel de Oliveira reata com José Régio um diálogo à beira do abismo. Separados pelo rigor lírico do morto, pelo humor tenaz do vivo, os autores convivem no filme num contraponto quase barroco (não se indisponha, leitor, quanto mais plural de ímpetos a obra for, mais se resolve pelo ângulo e pela mágoa) em que o colorido pudor não anula o arrebatamento pela palavra. A própria ideia de construção da qual o filme é mensageiro e exemplo nos leva a constatar que este trabalho é um passo em frente no entendimento estético de Oliveira que desta feita privilegia a dialéctica da ironia plasmada no jogo entre os elementos fílmicos em detrimento da saturação da unidade plano. Ponto final nas polifonias desenfreadas. O cineasta dá e corta a palavra — o corte do plano é mais ambíguo do que os fantasmas de queda do pano — quanto mais abertos e fechados introduzir (a lista de antíteses seria fastidiosa) na trama de dois fios (fio da palavra/fio da imagem) mais alarga o campo de acção da imagem e a necessidade da acção pela palavra. Manoel de Oliveira nunca chegou a vestir a pele de Job. Por isso o seu optimismo é mais aceitável do que toda a hipócrita segurança que reina por essa Europa. Job porém não é acessório nem decorativo. Funciona como lastro na bebedeira do autor, a saber como parábola da inocência e da criação. A humanidade enquanto autora dos seus próprios casos (mitos?) não deve renunciar à descrição do fruto desses casos ainda que os não possa colher. Os mortos preparam a conversa com os vivos — é essa, parece-me, a modernidade possível do teatro. R. G.


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