O SHOW NÃO DEVE CONTINUAR SE NÃO MELHORAR Pensar cansa. A grande mediocridade das produções de espectáculo, nacionais ou internacionais, deve-se à tentação da rotina — receitas gastas —, da mecanização — rentabilidade da repetição — e sobretudo ao medo de perturbar o público cuja inércia é a mais segura garantia de fidelidade. Acontece porém a gente do espectáculo sentir necessidade de fazer um balanço da sua prática, mesmo que isso implique pô-la em causa, e de encontrar colegas e produtores que trabalham em áreas vizinhas. Assim, no Outono passado, realizaram-se em Braga os II Encontros de Dramaturgia, organizados pela Companhia de Teatro da cidade, tendo por objecto as relações entre «Cinema, Teatro e Televisão» (os primeiros encontros foram consagrados aos problemas da tradução dos textos de teatro), cujas Actas acabam de ser publicadas. Vários membros da redacção da nossa revista participaram nos citados encontros. As Actas transcrevem na íntegra as comunicações e os debates. Das primeiras destacaremos as de Jorge Listopad que, após ter mostrado como as diferenças ontológicas coincidem com as diferenças históricas, culturais, etc., expõe a necessidade de respeitar essas diferenças e especificidades — quando não de as alimentar —, e de inventar na passagem duma forma para a outra, duma linguagem para a outra, «equiparações» pertinentes; no dia seguinte, ilustra esse conceito comentando a realização para a televisão duma encenação de «Macbeth» depois da montagem da peça de Shakespeare no teatro; de António Roma Torres, que da sua experiência de psicoterapeuta extrai as virtualidades e as riquezas do directo — no teatro e na televisão —, contrapondo-o à gravação, e lembrando que enquanto o «instinto de plateia» existe em cada um de nós e permite um feed-back emocional, uma das funções da memória é justamente o esquecimento, e o que o registo sistemático pode revelar-se nefasto na medida em que impede o esquecimento salutar para uma selecção; de Maria João Serrão que expõe as consequências ao nível da consciência do corpo, e até da língua e da cultura, de uma boa mestria da voz, e indigna-se perante o desprezo a que esta componente primordial tem sido votada ao nível da aprendizagem, tanto no plano profissional (actores) como no plano escolar (futuros cidadãos); de Saguenail que tentou analisar a forma como, ao longo da história do cinema, o recurso às técnicas teatrais não raro possibilitou uma renovação e um alargamento do campo do discurso e da estética cinematográfica; de Cecília Neto que fala do delicado problema da relação com os actores; de Acácio de Carvalho que recorda a necessidade tanto duma concepção global do espectáculo como duma linguagem específica para cada tarefa especializada... Porém, estes Encontros primaram pela riqueza dos debates suscitados — e devemos deplorar a ausência dos realizadores e técnicos de cinema que não responderam ao convite que lhes fora dirigido no sentido de participarem nesta iniciativa. (Será que o cinema nacional ocupa neste momento os profissionais a tempo inteiro? Ou será que o estatuto de realizador de cinema, abusivamente assimilado ao de artista, os confinou numa actividade estritamente onanista?). Além deste programa, singularidade assinalável dos Encontros, os debates articulam-se com uma sessão de oficinas no decorrer das quais rapidamente se constatam desfasamentos entre a prática e a teoria. Este ano as oficinas dedicaram-se ao registo em suporte vídeo duma cena da peça «Arquicoiso» — então em representação pela Companhia de Teatro de Braga. As gravações aparecem reproduzidas nas Actas sob forma de sequências de enquadramentos colocados em paralelo. É assim possível observar que as opções tomadas pelos profissionais (realizadores de televisão) ou amadores diferem, no fim de contas, bastante pouco, nomeadamente em termos de ritmo — conquanto os planos acompanhem e restituam a acção, a sua duração e sucessão parece relativamente autónoma, logo pouco significativa. A publicação atempada destas Actas fornece um precioso instrumento de reflexão — considerando a raridade deste tipo de textos — a todos quantos se interessam, seja a que título for. — espectador, profissional ou crítico —, pela encenação, e poderá constituir um documento de base para prosseguir um estudo comparativo das estéticas em questão (tanto quanto sabemos, a reprodução das gravações efectuadas nas oficinas é uma iniciativa única).
A GRANDE ILUSÃO não poderia deixar de participar nestes Encontros. Ao noticiar agora a publicação das Actas — disponíveis junto da Companhia de Teatro de Braga —, só podemos lamentar que manifestações desta ordem — fora dos circuitos de promoção mundana, política ou universitária — não se realizem mais regularmente e não encontrem mais eco nos círculos da cultura e da informação. A. R. T., R. G. e S.