R 10 caderno eclipse 4 interior

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regina guimar達es

cadernos do eclipse 4 (maio a junho 2009)


LA CHANSON DE L’ENFANT-FUGUE l’enfant-fugue fume des mégots qui lui tombent du ciel comme des étoiles en trop 2


l’enfant-fugue s’écorche les genoux pour aller cueillir des roses sans destinataire l’enfant-fugue se regarde dans les flaques après s’être lavé les mains et le visage d’un môme inconnu l’enfant-fugue vole une pomme à l’étalage elle n’est pas assez verte pour qu’il se casse les dents l’enfant-fugue devient invisible dès qu’il s’adosse contre un mur couvert d’affiches l’enfant-fugue se fait du cinéma et il se paye une entrée pour être dans le noir l’enfant-fugue a les pieds trempés à force de parler la langue des sources 1-5-2009

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como esses solos que levam séculos a secar e, depois, inférteis, desenham apagando horizontes anteriores a horizontes onde os olhos pantanosos apenas podem pousar, eu me confio aos meus textos, duvidando que eles possam deformar ou transformar, mas desejando que eles sirvam a descansos imprevistos em camas já desfeitas já revoltas. este prazer aprazado habitado em seu deserto pelo prazer de escrever - o outro em mim descoberto passou pela capicua perdedora na ruela onde se esconde pela farda de floresta onde ela sempre se despe pela casa destelhada para que a noite lá nasça pelo cortejo irrisório dos que tombam de antemão de tudo quanto tropeça, cai e cola à cara do chão. 2-5-2009

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os olhos buscam sozinhos com razão ou sem motivo como cães os pés pesados da alma vão muito mais de mansinho por vezes parecem imóveis petrificados mas a boca insurrecta correrá sempre depressa e morderá o bocado que lhe retiram dos dentes antes que fique desfeito ou quase desfigurado com que linhas e agulhas se descose a poesia? não como pão profanado, não sobre mesa profana, apenas nome que emana da fome de cada dia 2-5-2009 caminho de mãos dadas com as tuas inesperadas e um ligeiro aperto faz-me saber que combatemos um sofrimento do outro mundo um mundo por nascer e um nascer sem lugar no mundo 3-5-2009 5


Senti o braço mais longo do que a perna e o coração mais pesado que a cabeça, para onde contudo corre todo o sangue. Falei-te então, de minorias tão pequenas que nem dentro de nós se fazem ouvir. Falei-te de ternuras tão acesas que nem o desejo mais brutal as obscurece. Falei-te de fábulas de homens contadas a animais incrédulos. E ainda que em desvantagem moral e carnal, do discurso me despedi depois de chamada à ordem, depois de ter cortado as garras tributárias do efeito. Mas quando o silêncio me governou, eu mostrei as unhas negras. 4-5-2009

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o retrato é um mal que não tem cura: uma vez tirado, dura, dura, dura. diz-se que os primitivos que cuidavam dos seres vivos com particular ternura − isto é: acautelando a sua fragilidade − não queriam ser retratados porque se sentiam roubados. também se diz que um bom retrato por vezes nos olha mais do que nós o olhamos e isso pode verdade a ponto de nos sentirmos vigiados. a única coisa que sei ao certo é que o único retrato oficial que me tiraram na vida foi fotografado no dia em que o meu pai morreu. ele não podia saber e eu também não. mas quando olho para esse retrato vejo que um pedaço de mim partiu sem eu acenar esse grande lenço que é toalha de Verónica e vaso de todas as lágrimas. 5-5-2009

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BRING ABOUT THE BEAST entre almas, haverá meu bem amado, quem não queira penar por algum tempo quem não se despenhe em vão tomando um dia de assalto o rochedo que gritava mais alto ao duro ouvido? traz-me essa música amnésica que cantavas sob um sol indivisível quando o passado não se partilhava e o desejo incomum era silêncio comprado a nenhuma testemunha. se te leio, meu amor, tu me desbravas, e em brava mata me embrenho como tabaco enrolado nesse dedo que não tenho. 5-5-2009

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FIREWORKS Aquilo que poderia ter soado a falso na barriga habituada a cantigas de embalar Aquilo que poderia ter soado a confissão no peito liso do deserto a arquejar Aquilo que poderia ter soado a saudade do presente na concha trémula da mão Aquilo que poderia ter soado a inconveniência na medida rasa de um mercador de sonhos Aquilo que poderia ter soado a confidência no crepitar das espadas e no cochichar da água é o fogo que me apaga. 6-5-2009

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ó sombra que declinas, me duplicas, me mordes as canelas, ó cadela, ó sombra, como então esconder-me em ti? ó sombra, como então caber eu nela? muito mais que eu mesma movediça mais versátil, verosímil, verdadeira e contudo te descubro tão submissa ó sombra, se me olhas, eu sucumbo com olhos doutro mundo neste mundo e nem conhecerei por onde parto porém, sei que num único me pedaço me quebrei, despedacei, desperdicei, sem que amor de mim conserve um só estilhaço 7-5-2009

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O pingo da torneira A atleta corre contra o lento curso do suor e o curso veloz do sangue. A paisagem desfila então com cabelo arrancado pela raiz. Entre uma e outra inspiração, talvez se socorra mentalmente da semelhança útil entre mentira e engano. Alguém lhe terá dito, quando ainda não corria, que perseguindo o que nos foge nunca podemos causar a desgraça de ninguém. A corredora, banhando em seu suor em seu sangue caleidoscópico, percebe a rotação da terra mas não o movimento que a aproxima da meta. 8-5-2009

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Para que alguém aja e haja espaço à sua volta, não é preciso que esbraceje mas que o espaço se mova como se chegasse a tempo, não é assim? De que se riem então os que, ficando quietos, confessam que só lhes restam infames conciliações e aqueles gestos discretos de quem arrasta consigo simpatias de matilha e peso de multidões? 8-5-2009

Mãe de me mim e afim, eu não sou um ponto perdido na lonjura mas sim um nó cego que as mãos das tuas mãos não poderão desfazer por serem hábeis de mais. Mãe de mim e outros mais, quando me escutas para onde vais? 8-5-2009 12


Há na dúvida um vento mais adverso do que nas puras certezas e se com vento converso das crenças mais impensáveis, sinto-me trama de tela embarcação reduzida à vocação de ser vela. Esquecendo o que é parecença e também o que não é o corpo não tem pudor chamando a dor como dor, incontinência ao silêncio, para se manter de pé. Lunar em vagas de ogivas, terrestre em lava acamada, não caibo em mim... Como caber em recados, em garrafas ou gargalos em barcos ou em papel? Converso contigo e vejo que se não tiras a venda é porque és vento de mim. Assim, eu vento de ti de mim para ti eu seja. 10-5-2009

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Que resulta do sulco do arado em tempo de secura tão completa a não ser a visão já obsoleta de uma obra quase apenas colossal? O olhar ciclópico da terra espalha a sua ubíqua lepra como rosa solitária onde não há roseiral. Do amor espero obra mais concreta do humor um sorriso cereal... O ópio do copista é sua letra, nem verbo, nem pecado original. 10-5-2009

BLAGUE Que dit-on au fruit devenu trop mûr? − Écrase-toi, lui dit-on. Et il s’empresse d’obéir. 10-5-2009 14


A paisagem embaciada baloiça ligeiramente dentro de seu vaso imenso de névoa e aguardente. As reses, disfarçadas de pau ou pedra, parecem altares onde só o olhar mereceria sacrifício, pois a sua mobilidade é desforra contra o fardo já pousado dos dias. És livre de olhar para este mundo a acabar mas não de ver, ouço em surdina. Como se passasse pontes após pontes e incontáveis cruzamentos me retivessem da única e direita linha e eu me soubesse apressada de decifrar um enigma. 10-5-2009

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O caminho do moinho O polimento da pedra seu grão, sua falha, seu veio, todos os passos inscritos que outros passos apagaram os sinais menos e mais e os sentidos escassos assim é o meu passeio. É um passeio sem rumo é um rumo sem passeio. Conversa, terna carícia, carícia longa conversa. E vice-versa. 11-5-2009

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Verónica Subirei esta ladeira com uma alma indistinta estampada nesta cara não sei se a minha se a tua... E para já não perder o que me larga e me agarra, afago aquilo que vem como se isso que acontece fosse apenas uma parte separada de outra parte a parte que se reparte quando só se junta a mim. Afago com mãos abstractas plebeias, leves e grossas − que a si mesmas se repetem − os crimes mais capitais que as palavras cometem. 12-5-2009

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Não tenho bom gosto. Se tal gíria existisse eu diria que me apraz o pretérito imperfeito eternamente imperfeito. Tenho um músculo matreiro no lugar do coração que fala alto e primeiro embora sinta pudor de tanta má criação. Não tenho bom senso, não. Vejo mulheres entrevadas nas árvores, quando desfilam, e homens agonizantes onde se cultiva os estilo da redoma e do canteiro. Prefiro o cheiro a urina de uma esquina que tresanda esquina eleita e favorita a qualquer cheiro subtil que não anda nem desanda. Ninho de pomba ou de rata me fazem lacrimejar − é grosseiro o que me mata. Sucata sempre a vibrar disposta a enferrujar a mim mesma me mutilo para ser vendida ao quilo. 13-5-2009

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Cavalete Ser passado e ter passado por aqui, por cá, por lá, mas sem passar por ali. Deixa-me ir onde não fomos que eu vou e volto já que vou voltando e até quero saber com que mãos se toca se remexe no passado mudando e voltando a pôr o que tiraste e não há o que levaste e não é. Deixa-me abraçar então o que em ti está de passagem e o que em mim faz a viagem contra luz a contra mão, deixa-me cruzar-me então tanto contigo e contigo que a terra não tenha abrigo onde esconda o que se dá. 13-5-2009

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Ao passo que caminhas e te cruzas com aquilo que te guia e te desvia, eu recuo até não ver sem me deter nas palavras que não usas e no trilho do possível se me escapam. Diversamente cortámos à cabeça à serpente que afinal era mulher à fêmea que afinal era serpente ao corpo que afinal já não me quer ao corpo que afinal já não te mente... Mas de caminhos melhor sabe a serpente de passos melhor sabe o barro fresco − de posse melhor sabe quem difere e num rosto ora vago, ora velado, consegue a prémio toda a gente. De que serve uma cabeça, dirás tu, a não ser para tombar dura e madura nesse chão tão comum e tão alheio a que chamam uma bela ocasião? 14-5-2009

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Il se peut que l’on se frotte à quelque chose Que l’un et l’autre on se frotte au sens propre Et qui s’y frotte s’y pique Il se peut que cela fasse une autre musique 15-5-2009 Com o corpo esvaziado de si mesmo, várias almas despertam estremunhadas e as valas logo se abrem onde esse corpo repousa mas onde as almas não cabem. Amigo coveiro, portador de enxada, diz-me que essa terra nem fere, nem ferra, pois não pesa nada. Amigo coveiro, contador de valas, mostra onde se arrumam as sobras das almas à outra agarradas. 15-5-2009 21


Choro de chuva estouvada que cais fora desta rota, vê que no céu se recorta do arco-íris fugaz uma bandeira inexacta que não traz horas de paz. E a perna agrilhoada de uma cor de fogo em fuga de uma cor de água pesada arrasta consigo o mundo mas fica agarrada à estrada. 15-5-2009

Quando se beija um morto ao de leve teme-se que ele nada sinta também se teme que ele estremeça levante a cabeça e devolva o dobro do que recebeu. Assim são os beijos maiores do que a vida no retorno e na perda no cuidado e no descuido. Depois de um breve beijo sobra um longo uivo. 16-5-2009 22


Com as calças nas mãos? Será mania ou maneira esta inversão de valores que me faria feliz não fora a felicidade ser esse réptil tão frio − se buscou calor em nós logo se espanta e se esgueira...? Não fazer coisas aos outros que a ti fazes sem remorso fazendo como se a dor lembrasse um mal-entendido quando nunca se desfaz. 16-5-2009

Prato do dia nessa brancura de grão de arroz nesse riso de arrozal ao sol nascente nessa dureza de grão de areia nesse suspiro de areal ao sol poente nada se habita nada se presente nada se grita tudo de pressente 17-5-2009 23


do amor, mais amaria a insolvência do que a fortuna amontoada, a conta feita os rasgos de pudor e de insolência que nos acenam finda a senda mais estreita do amor, eu saberia a incompetência e tudo o que lhe causa desarranjo o esgar da fera que será sacrificada em lugar do cordeiro ou do anjo do amor, eu mostraria outra fachada que não a da ruína restaurada nimbando de outros halos o olhar com brumas de paisagem arrombada do amor, eu não queria ver verdades nem a contra-verdade utilitária que se ajusta à ciência das vontades de execução mediata mas sumária 17-5-2009

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Désir du matin, désir de matin Há na parede espalhado em segredo horizontal um infinito rebanho − solidões de pastoreio e a flauta lá no meio a faca o naco de pão um olho que vê o prado como um imenso alçapão. Meu amor, peço perdão, se com a faca afiada cortei os dedos da mão em vez de esculpir a flauta ou de fatiar o pão. A infame criatura é agora massa em marcha de mil e tantas cabeças suas delongas são pressas juras, disputas, promessas, erro de deslocação e focinho cabisbaixo − assim haja erva e fome e o desejo que nos come. 18-5-2009

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Autre deixar e deixar de ser partir e despedaçar como se exerce um poder quer ele te faça agir ou talvez desperdiçar de pouco ou nada te valho de muito ou nada te velho sou valor acrescentado de tudo quanto não falho mas parece abandonado espelho velho, espelho velho, com a direita já lavro e com a esquerda sou ruga ferramentas do meu lado e corpo um dia ceifado pelo tom de um bom conselho 19-5-2009

Danos colaterais todas as noites uma patrulha de silêncios conduz esta indesejada 26


− nisso me tornei me tornarei − até à fronteira que me separa e me aproxima do meu exílio o corpo caminha estranho a si como se fora supérfluo caminhar pois cada lugar é cenário − dizias tu ou eu? − de batalhas já travadas sobre destroços de outras batalhas mas não me esqueço que a luz da ponta de um cigarro causou a morte de um homem e da sua música em trânsito não me esqueço do operário soterrado sob a construção vítima de outra guerra aqui ao lado e cada vez que os silêncios armados até aos dentes, me largam na linha de fronteira, lembro-me de outras linhas menos minhas tão minhas tão nossas 20-5-2009 27


Poemas em resposta a Saguenail On s’entraîne à mourir chaque fois que l’on se couche En dormant je m’accroche à toi comme à l’ange qui m’emporterait à travers le vide Alors que la nuit pourrait être plenitude et le sommeil invitation à s’exercer à aimer.

I C’est un vieux poème, plus vieux que le monde car tu trouves le monde trop exclusif pour être vécu sans en mourir. Aussi, puis-je le prendre à mon compte, mais pas à bon compte, car si l’on s’entraîne à mourir cela fait trop jeune pour être dit tout au long d’une seule nuit et à longueur de noirceur. Nuits accrochées voilà un souvenir que je n’invente pas, bien au contraire, c’est lui qui m’invente. Je fais des pieds des mains pour qu’il ne me hante pas car encorenuit et jour je suis accrochée à toi. Des fois tes bras sont si longs que je me sens plus légère qu’une fleur abandonnée à sa balançoire 28


et au vent de son histoire. Parfois ils sont plus courts et ils me serrent comme le plus beau corsage qui soit le corsage de soie que ton nom autre annonce dans l’indispline très exacte de la nomination. II Les anges sont des guerriers, ils n’emportent pas d’humains vers leur vide à ordures. Et si le sommeil est invitation, il manque trop souvent au seuil voilé de la veille une berceuse sachant bercer et déverser les dormeurs dans ce lieu sans gymnastique où naître devrait devenir un acte public. Comme l’amour mais, par pitié, sans exercice, sans école, ni maître, ni maîtresse, sans cette parodie du pouvoir qui s’imprègne dans nos corps jusqu’à ce que nos pores - des yeux, des yeux par milliers ne puissent plus rien y voir. Plénitude sans étude... et, si étude on amorce, que ce soit celle où l’on frôle l’erreur comme une porte ouverte sur les choses les plus occultes qui crient au dedans de nous pour rester dans leur cachette tout en étant découvertes. 29


La surface peinte des jours s’écaille La pluie tombe plâtras du ciel et délaie, dilue, embourbe salit le paysage plus qu’elle ne nettoie Même les arbres s’abattent pour nous rappeler qu’on ne saurait habiter habiller la terre que précairement Seuls les oiseaux rient de toutes leurs dents.

I Tous ces débris grands ou petits lourds pu légers tout ce déblai je suis dedans et jusqu’à la boue qui embourbe qui salit plus qu’elle ne nettoie je suis dedans et mes dehors sont ceux effectivement de l’arbre qui s’abat faute de savoir se battre bien qu’elle lutte vaillament. 30


L’arbre est précaire comme tout habillement sauf celui des militaires fait pour durer et se cacher dans la durée. Tous les habits sont précaires, mais les haillons, les guenilles, m’ont toujours paru plus habitables que les autres accoutrements. Arbre Saguenail, mon arbre qui ne cache pas la forêt, ma femme, car femme je te vois, et je vois la femme cachée dans la forêt, je te confie un secret zoologique qui n’est un secret que pour les ignorants comme moi. Les oiseaux préhistoriques avaient des dents, quoiqu’on ne sache pas s’il y avait de quoi rire. On peut tout au plus soupçonner qu’ils devaient s’en servir autrement.

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II La surface peinte des jours s’écaille c’est ta façon la plus sûre de pratiquer la peinture comme dans cette comptine charmante de Jeannot Lapin - son voyage t’appartient au point que tu me l’as confié au point que j’en refais la faim la fin. Et je te confie un secret zoologique qui n’est secret que pour moi car je le garde même si souvent je te l’ai livré. En tombant amoureuse de toi, j’ai vu de toute la vérité de mes yeux qui n’avaient pas été prévenus une femme de van dongen une femme-arbre très légèrement penchée se tenant derrière une balustrade. Alors quand tu me sors des histoires bêtes et méchantes de mari et femme, de marri, de repentant, de contrit, je t’avoue que je t’aime femme. 32


Ausi et ainsi. Et si je ne dis pas «ma femme», c’est parce que tu reste l’arbre derrière, ses bourgeons, ses branches, sa frondaison bleue. Ses feuilles et son bruissement qui me foudroient de ta cime à ma racine. Toujours je te bois et dans ce bois j’ai choisi de me perdre jusqu’à plus soif. 20-5-2009

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Entre raposa e corvo há a mentira e o medo de mentir há a subida e o medo de descer há o mutismo que esconde sem esconder a vontade de dizer felinamente aquilo em que o felino cravou por mero acaso o dente há a melena teimosa que se arruma para dar ao rosto o seu aspecto de ser um corpo quase completo. porém, se uma madeixa esvoaça logo no rosto se abrem fundas linhas todas elas flechas em busca de outro e o mesmo corpo. 20-5-2009

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estâncias para um pintor em trânsito passos abrindo as veias das ruas e na outra direcção o êxodo das ideias como sangue que não estanca nem se espanta de correr num sentido tão contrário molha o pincel, ó pintor que o vermelho em andamento é menos imaginário infanta, a menina posa em seus vestidos se afoga num olhar que não flutua rubra estrela é sua praga mar fundo que já não larga as conchas de seus ouvidos molha o pincel, ó pintor que o ruído desta cor já não rasga a tua tela e em sua fixidez nunca a menina falava do feitiço e da função de um pintor infanticida que a retratou vestida despindo-lhe o coração molha o pincel, ó pintor que é déspota o teu modelo faz gala em estar presente embora não possas vê-lo 21-5-2009 35


Obstinada ela tem esse nada esse nada de nada nas mãos mas parece cansada como se tivesse colado os cacos do caos. 22-5-2009 apertas, dizes tu, furos ao cinto e tomas a medida que não dizes a cinturas de outros corpos e países. não te perdes quando apertas o caminho estreitando os silêncios como laços e fazendo da moldura dos teus passos um pó que se levanta à nossa volta. apertas, pela escrita, o teu cerco com discursos indirectos a direito confundindo o teu objecto em teu sujeito retomando da meada o fio incerto. não se diz da primavera que ela explode quando a seiva salta pausas e etapas? e do estio não se diz que ele morre mercenário de combates contra o tempo? se me queres mal, meu amor de ti imenso, por ver que nenhum luto me alivia a cinzento escreverei sobre cinzento e que a brasa sob a cinza não se extinga crepitando contra o gesto de asfixia 22-5-2009 36


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O mundo concentracionário Eis uma parcela do mundo de súbito a flutuar. E não é que um velho fundo, por vezes também chamado conteúdo disfarçado, dá duas voltas à pista para entreter os olhos entre duas actuações de retirada ou conquista. A forma, vendida em separata, como pequeno bilhete por grande que seja a porta, promete mundo e fundos mas não cumpre quase nada dessa frívola função de repouso e distracção que por alguém lhe foi dada. A flor, numa jarra exposta, murcha ou demora a murchar, mas o gesto de a cortar é tão curto que não mata. O seixo vindo da praia que virou pisa-papéis não voa pela janela. Diversamente nos olham parcelas flores e calhaus. 38


A parcela em sua flor atira seixos ao charco mas no peso do calhau mora a tremura do barco e o tumulto do mar. Quanto à palavra parcela que tudo nela concentra já nem consegue nem tenta afugentar quem repara quem pára de separar porque desvia o olhar. 23-5-2009 a manhã oculta a sua luz de testamento deixo de falsas pedras e de cimento verdadeiro. no claro escuro da calçada, ainda indistinta de si mesma, defraudada de qualquer desilusão, uma criança deserdada brinca com a forma solar da sua mão. como podes tu falar com essas almas úteis e justas que só povoam a vista para nos desalojar da cova do coração? 24-5-2009 39


Manual para pintura ao ar livre procuro o desejo de encontrar ângulos no que foi redondo e curvas no que é quadrado. olho em frente, vendo ao lado, segura de que a pintura derruba o seu cavalete mas por vezes a tremura do chão que tudo suporta também destrona a estrutura não deixa de ser possível que as pernas do cavalete não cumpram sua função e o quadrado de tela que até então só excluía vencido se torne vela enfunada por um vento que sopra vindo de dentro e já não do que é visível se debaixo do teu braço levas a tela e as ripas pregos com que pregá-la não pouses os cavalete no lugar onde a paisagem não quer que a crucifiques 25-5-2009 40


Por cima do meu cadáver se dança e se dançará... Pois sobre solo e soalho de mortos atapetado se faz o corpo dançante, humilhante de alegria e de leveza pesado. Por cima do meu cadáver se baila de pé descalço, se baila de pé calçado. Quanto de mim não houver e me tornar mais distante não ofende quem espezinha nem faz uso infamante da vida minha vizinha. 25-5-2009

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Il ne faut pas me prendre au mot. Il ne faut pas me prendre pour un rigolo. Il ne faut pas me prendre au sérieux. Il ne faut pas me prendre au piège. Il ne faut pas me prendre comme je viens. Il ne faut pas me prendre à la va vite. Il ne faut pas me prendre pour un enfant. Il ne faut pas me prendre pour un incapable. Il ne faut pas me prendre pour une petite nature. Il ne faut pas me prendre pour une cible. Il ne faut pas me prendre pour la proie de mon ombre. Il ne faut pas me prendre par le bout du nez. Il ne faut pas me prendre du bon côté. Il ne faut pas me prendre en photo. Il ne faut pas me prendre sans me reprendre. Il ne faut pas me prendre par là où j’ai mal. Il ne faut pas me prendre par là où j’ai tort, Il ne faut pas me prendre en porte-à-faux. Il ne faut pas me prendre dans les bras. Il ne faut pas me prendre en faute. Il ne faut pas me prendre par la main. Il ne faut pas me prendre au dépourvu. Il ne faut pas me prendre ce que je n’ai pas envie de donner. Il ne faut pas me prendre ce qui ne m’appartient pas. Il ne faut pas me prendre à part. Il ne faut pas me prendre comme un tout. Il ne faut pas me trop de temps. Il ne faut pas me prendre ma place. Il ne faut pas me prendre pour modèle. Il ne faut pas me prendre à la légère. Il ne faut pas me prendre mon avis pour un oracle. Il ne faut pas me prendre en filature. 43


Il ne faut pas me prendre à la bonne. Il ne faut pas me prendre entre quatre zyeux. Il ne faut pas me prendre pour un clown. Il ne faut pas me prendre en faisant fausse route. Il ne faut pas me prendre en route. Il ne faut pas me prendre pour un ange. Il ne faut pas me prendre par le mauvais bout. Il ne faut pas me prendre pour un saint. Il ne faut pas me prendre comme un taureau par les cornes. Il ne faut pas me prendre comme un médicament. Il ne faut pas me prendre comme un calmant. Il ne faut pas me prendre pour dieu le père. Il ne faut pas me prendre pour une encyclopédie. Il ne faut pas me prendre avec des pincettes. Il ne faut pas me prendre en fin de parcours. Il ne faut pas me prendre pour un ingénu. Il ne faut pas me prendre avec. Il ne faut pas me prendre sans. Il ne faut pas me prendre comme si. Il ne faut pas me prendre de court. Il ne faut pas me prendre pour certain. Il ne faut pas me prendre quand je suis au pied du mur. Il ne faut pas me prendre pour un triste sire. Il ne faut pas me prendre pour autre chose. Il ne faut pas me prendre pour mon frère. Il ne faut pas me prendre pour le même. Il ne faut pas me prendre pour le même qu’hier et demain. Il ne faut pas me prendre pour un don juan. Il ne faut pas me prendre en flagrant délit. Il ne faut pas me prendre pour un misogyne. Il ne faut pas me prendre par la ceinture. Il ne faut pas me prendre le temps de me confondre 44


Il ne faut pas me prendre pour un génie. Il ne faut pas me prendre à la sortie. Il ne faut pas me prendre pour un autre. Il ne faut pas me prendre pour ce que je suis. Il ne faut pas me prendre pour ce que je ne suis pas. Il ne faut pas me prendre pour ce que je serai. Il ne faut pas me prendre pour plus bête que je ne suis. Il ne faut pas me prendre là où il faut me lâcher. Il ne faut pas me prendre par là où il faut me prendre. Il ne faut pas me prendre par là où je suis pris. Il ne faut pas me prendre si j’ai le cul entre deux chaises. Il ne faut pas me prendre là où je me surprends. Il ne faut pas me prendre comme si j’étais bon à prendre. Il ne faut pas me prendre comme si j’étais à prendre ou à laisser. Il ne faut pas me prendre au pied de la lettre. Il ne faut mas me prendre en grippe. Il ne faut mas me prendre et laisser pisser. Il ne faut mas me prendre pour un enfant de chœur. Il ne faut mas me prendre pour un chœur d’enfants. Il ne faut mas me prendre pour un cœur d’artichaut. Il ne faut mas me prendre pour un cœur endurci. Il ne faut mas me prendre puis prendre la tangente. Il ne faut mas me prendre les mesures. Il ne faut mas me prendre dans la démesure. Il ne faut mas me prendre quand je prends racine. Il ne faut mas me prendre quand je prends mon envol. Il ne faut mas me prendre comme un train en marche. Il ne faut mas me prendre comme si on prenait le large. Il ne faut mas me prendre quand je prends la mouche. Il ne faut mas me prendre pour un pigeon. Il ne faut mas me prendre pour l’agneau qui vient de naître. Il ne faut mas me prendre pour bouc émissaire. 45


Il ne faut mas me prendre et attendre que la mayonnaise prenne. Il ne faut mas me prendre de haut. Il ne faut mas me prendre et se laisser prendre. Il ne faut pas me prendre quand je prends la plume. Il ne faut pas me prendre quand je prends le voile. Il ne faut pas me prendre si je prends le deuil. Il ne faut pas me prendre si je prends mon bain. Il ne faut pas me prendre sans en prendre la peine. Il ne faut pas me prendre au pied levé. Il ne faut pas me prendre lorsque je reprends haleine. Il ne faut pas me prendre lorsque ça prend un mauvais tour. Il ne faut pas me prendre comme un simple détour. Il ne faut pas me prendre à tout prendre. Il ne faut pas me prendre et attendre que je prenne feu Il ne faut pas me prendre et attendre que je m’en prenne à qui m’a pris. Il ne faut pas me prendre pour un ennemi. Il ne faut pas me prendre pour un chauffeur de taxi. Il ne faut pas me prendre pour soi. Il ne faut pas me prendre et vouloir prendre soin de moi. Il ne faut pas me prendre sans savoir s’y prendre. Il ne faut pas me prendre avant d’avoir trouvé preneur. Il ne faut pas me prendre pour me mettre à plat. Il ne faut pas me prendre pour me remonter le moral. Il ne faut pas prendre mon mal en patience. Il ne faut pas me prendre si j’ai pris un rhume. Il ne faut pas me prendre pour un veau à deux têtes. Il ne faut pas me prendre pour un cheval à bascule. Il ne faut pas me prendre pour une auto-tamponneuse. Il ne faut pas me prendre en stop. Il ne faut pas me prendre en me tirant par les cheveux. Il ne faut pas me prendre en me montrant la carotte et le bâton. Il ne faut pas me prendre pour une majuscule. 46


Il ne faut pas me prendre pour un minus. Il ne faut pas me prendre pour un mot d’adieu. Il ne faut pas me prendre comme s’il n’y avait rien d’autre à prendre. Il ne faut pas me prendre comme un malentendu si j’affirme que j’ai tout compris. Il ne faut pas me prendre comme exemple. Il ne faut pas me prendre pour une affaire en or. Il ne faut pas me prendre pour midi à quatorze heures. Il ne faut pas me prendre pour une bête de somme. Il ne faut pas me prendre pour le dernier des premiers. Il ne faut pas me prendre rendez-vous chez le médecin. Il ne faut pas me prendre rendez-vous là où l’on va ma poser un lapin. Il ne faut pas me prendre rendez-vous et me consulter à l’avance. Il ne faut pas me prendre en laisse. Il ne faut pas me prendre et me laisser tomber. Il ne faut pas me prendre et me laisser planté. Il ne faut pas me prendre pour un aveugle. Il ne faut pas me prendre pour un flic en vacances. Il ne faut pas me prendre pour le coupable. Il ne faut pas me prendre comme si j’avais pris les devants. Il ne faut pas me prendre comme si je n’avais rien à perdre. Il ne faut pas me prendre comme contre-exemple. Il ne faut pas me prendre en fuite alors que marche à pas distraits. Il ne faut pas me prendre en me caressant dans le sens du poil. Il ne faut pas me prendre en me faisant sentir que j’ai tort de me laisser faire. Il ne faut pas me prendre la température. Il ne faut pas me prendre la tête alors qu’elle est prête à exploser. Il ne faut pas me prendre la main dans le sac. Il ne faut pas me prendre le peu qui me reste. Il ne faut pas me prendre la bourse et la vie. Il ne faut pas me prendre ce dont je suis fier. Il ne faut pas me prendre ce dont j’ai honte. 47


Il ne faut pas me prendre ce que je croyais avoir bien caché. Il ne faut pas me prendre pour un cachottier. Il ne faut pas me prendre pour une victime. Il ne faut pas me prendre pour la moitié prix. Il ne faut pas me prendre pour le responsable de tous les maux. Il ne faut pas me prendre ce dont je ne veux plus. Il ne faut pas me prendre ce dont je me sers parfois. Il ne faut pas me prendre ce que tout le monde m’envie. Il ne faut pas me prendre pour le centre du monde. Il ne faut pas me prendre pour me faire tourner en rond. Il ne faut pas me prendre pour m’humilier en me tissant des éloges. Il ne faut pas me prendre comme si j’étais à vendre. Il ne faut pas me prendre comme si j’étais un abri. Il ne faut pas me prendre comme si j’étais à l’abri. Il ne faut pas me prendre pour le bon numéro. Il ne faut pas me prendre pour un numéro de cirque. Il ne faut pas me prendre pour la femme à barbe. Il ne faut pas me prendre pour un compte en banque. Il ne faut pas me prendre pour un compte courant. Il ne faut pas me prendre pour un conte de fées. Il ne faut pas me prendre la balle d’entrée de jeu. Il ne faut pas me prendre la main si c’est mon tour de jouer. Il ne faut me prendre les mots que je me réserve. Il ne faut pas me prendre avec des gants. Il ne faut pas me prendre avec des mains sales. Il ne faut pas me prendre avec des griffes. Il ne faut pas me prendre la part du lion, celle qui me revient. Il ne faut pas me prendre clefs en main. Il ne faut pas me prendre sur les épaules comme un fardeau. Il ne faut pas me prendre par la queue. Il ne faut pas me prendre par le menton. Il ne faut pas me prendre par le cordon ombilical. 48


Il ne faut pas me prendre comme je m’y prends. Il ne faut pas me prendre pour que j’y laisse la peau. Il ne faut me prendre par la peau des fesses. Il ne faut pas me prendre comme si j’étais irremplaçable. Il ne faut pas me prendre comme si je tombais du ciel. Il ne faut pas me prendre à l’envers, encore moins à l’endroit. Il ne faut pas me prendre ce dont je n’ai pas encore fait le tour. Il ne faut pas me prendre au jour le jour. Il ne faut pas me prendre ce dont je voudrais ignorer la valeur. Il ne faut pas me prendre ce qui est à partager avec le premier venu. Il ne faut pas me prendre ce qui me ferait sentir spolié. Il ne faut pas me prendre ce que je mérite. Il ne faut pas me prendre ce que je ne mérite pas. Il ne faut pas me prendre sous le bras comme un journal. Il ne faut pas me prendre pour un courant d’air. Il ne faut pas me prendre pour un contre courant. Il ne faut pas me prendre ce sur quoi je compte sans compter. 25-5-2009

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Peter Pânico há uma janela entreaberta para sempre entreaberta sobre aquela noite clara muito clara que sobre ela se fecha uma insónia que dispara a partir de uma palavra uma só vista de dentro e de fora a voz parece alterada bebida e não debitada − nela se prova o veneno que nada tem a dizer a não ser o que é extremo ser voz, ser fruto de vibração e ressonância, terá então mais sentido do que toda esta ânsia proibida e prometida de escrever? falar contigo e comigo apenas porque anoitece falar, falar a doer quando já não anoitece entre ela, a janela, para sempre entreaberta e o tal céu que não se apaga 50


nem o céu nos escurece nem a terra desce à terra nem larga as pequenas presas ainda vivas ora nas garras que temos ora nas mãos que não temos ora nas negras mandíbulas. 26-5-2009

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o tempo de si livre, o tempo livre, adiado, adiantado, ou à cobrança prazo recusado e o prazer a falta deste tempo a mim roubado. o tempo que nos ia acontecer aquele que nos vinha de onde então o tempo de esperar quem não te espera a mão do tempo em sua inconclusão o tempo de esperar quem não te espanta o tempo de esperar quem não se espanta talvez de não espantar quem só te espanta o tempo atravessado na garganta o tempo atravessando o que recua o espanto de avançar enquanto falho o tempo enfardado de lonjura que vara este meu peito de espantalho o tempo aliviado de seu fardo o tempo carregado de leveza sem grosseria nem delicadeza o tempo mais felino, talvez pardo o tempo da surpresa que se embrulha o tempo bicho morto a tiracolo pobreza mata fome à pobreza o tempo de ser pressa, de ser presa o tempo de haver só um bocado 27-5-2009 52


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Le voyage express Dans l’écriture de ton monde il y a «mon» que tu creuses pour capitaliser à ton gré les grands maux qu’il t’infligeait dans l’imagie de l’action. Et, dans ton île, tu as voulu taire un tu, le chasser à coups de mots − ce qui aurait du t’interdire à tout jamais d’écrire tu à tout jamais d’écrire non. Mais les belles descriptions de tes peines capitales de tes capitales de la douleur − douleur tirée ou poussée jusqu’à l’extrême − ne mettent pas à nu cette chose qui à ton insu la terre aurait pu t’avoir apprise: il n’est point de terre promise, il n’est que terre promesse. Gauguin, parti sur ses îles n’a pas trouvé de reines. Il a trouvé des femmes assises comme si elles étaient debout et debout 54


comme si elles étaient assises, leurs fesses s’épanchant et se tenant pourtant collées à leur tronc. Et la terre entière dans leur giron et leur tête enfouie dans leur sexe comme des fleurs s’épanouissant vers l’intérieur. 27-5-2009 Pequena história com barbas Era uma vez um menino de oiro que pediu para ser derretido, vertido noutro molde que não fizesse sentido. Então, para lhe fazerem a vontade e não serem obrigados a perceber o que ele queria, puseram o menino de oiro ao rubro e deram-lhe a forme de um lingote. Dizem que a família o guardou num cofre porque ninguém se entendeu quanto ao destino mais certo que ao menino se daria. 28-5-2009 55


Epígono Um colar de malaguetas ao pescoço. Malaguetas a murchar na carne moça. Vermelhas no carril rubro das rugas. Uma rosa perdida de seu R. Um R ousando em rosa todo o erro. Rosa rota sobre fundo remendado. Umas unhas encardidas deste texto. Um texto rente às unhas, unhas rentes Fera defunta, suas unhas, flores de pó. Uma estrela escorpião ferrando a nuca. Uma estrela brilhando se for nunca. Um corpo tatuado à dentada. Um deserto entre as coxas avançando Sexta-feira no deserto aqui à beira. O sexto céu e o sétimo deserto. Uma estufa onde se cria erva daninha. Uma cria em barriga já maninha. A criação do mundo se eu ficar sozinha. Um bufete a meio pau das andorinhas. Um verme, muitos bicos num só ninho. Meio pau, e as bandeiras na barrela. Uma hora de engordar o demiurgo. Meia hora para meio demiurgo. Uma conversa quando o silêncio engorda. 29-5-2009

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se lá no fundo do poço mora o desejo em seu eco à tona já soa oco pois no seu retorno a forma diz aquilo que não disse se lá no fundo do poço a carne se agarra ao osso no leve vaivém de um balde a coluna vertebral deixa de ser vertical onde o corpo busca a luz o sangue cata a penumbra e a velha água fraqueja onde a força lhe é total por haver que dissipar-se num sonho de horizontal 30-5-2009

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EX VOTO O milagre começa e acaba com uma facada no coração que persiste em bater em combater na retaguarda. O milagre começa e acaba numa confissão tão breve como essa leve pressão de um aperto de mão um aperto. Reerguido, já esvoaça o pássaro cuspido pela ruína e o vocábulo da paixão não se verga à diferença entre as línguas vivas e as mortais. Assim num excesso de manhã ente os demais roçando urtigas e ruminando hortelã, é nossa e alheia cada hora em que de amor tudo vem e de amor amor demora. 31-5-2009

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Ser mãe sem mãe, Isso Nem me esqueço, nem me lembro, guardo nesta mão fechada uma ânsia desatada de segurar o teu mundo ao segurar o teu membro. Nem me esqueço, nem me lembro, e trago dentro de mim um canto desencantado que ao ser cantado me esfria − estou à distância de um beijo da tua boca vadia e cada beijo não dado me arranca um pouco de barro. Amor, matéria fecal, tão lunar e tão real, numa casa original sem nova benfeitoria que não a pouca vergonha pois sem vergonha a erguia. Amor, cavalo de fogo arde em cavalo de pau pois o sopro se faz sopro E o vento sopra lá dentro atiçando o pensamento. 1-6-2009 59


o anti-poema sonhei que tu tinhas mandado tatuar um bebé sobre a pele da minha barriga e que, depois, o mandavas apagar; alguém me raspava a pele com uma faca para fazer desaparecer a cabeça, o corpo e os membros daquele pequeno ser para que não restasse nenhum testemunho... 3-6-2009

Meu príncipe meu princípio meu sem fim meu precipício meu suplício pela chama que dana porque não queima que queima porque não dana Ó aves, curtos lençóis, ó longos lenços voando, ao chão da terra grudada cavo a língua inesperada a do estado de excepção, a língua às vezes perdida com que se fala à pessoa eternamente encontrada 4-6-2009 60


será que a força se divide e multiplica no gesto enfraquecido de um aceno em céu ameno relendo a espessa cifra e dos sinais percebendo o que foi gente? erguidas, preenchidas bibliotecas, monumentos levantados e altivos atiçam a pulsão de estarmos vivos inflamando os saberes lá sepultados. e se paisagem nos reduz a ponto em fuga em linha da passada que se estuga, na ravina ou na planura já rolaram as cabeças que na nossa se ocultaram. descarnar é um dever do pensamento a fim de que esta carne do momento tenha lugar no lugar onde acontece − pois amor ao relembrar não obedece e o amante rejeitando o que conhece no poder ser só saberá desconhecer cada degrau o devolve ao patamar onde o que amar devolvido lhe será obra primeira do desconhecimento 5-6-2009

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Muralha Não se sabe se ele o pedreiro deu o seu nome primeiro à pedra ou se à pedra deu nome de pedra. Não se tinha nome de pedreiro seu nome segundo a pedra ou se nome de pedra o pedreiro que a talhou até ela caber no coração da muralha. Mas a muralha teve nome bem depois de ter o peso daquela pedra no lugar do coração. E o pedreiro toma agora a sua frugal refeição encostado à pedra que todos julgam sem nome ouvindo o seu infinito murmúrio e sentindo no ventre quase vazio um grande peso. 62


Pois aquela muralha perfeita circular foi o maior silĂŞncio que se ergueu entre cĂŠu e terra. Por instantes, o pedreiro passa pelas brasas e sonha o sonho concreto de uma muralha ruindo para o sepultar ali mesmo. 5-6-2009

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aquém da necessidade − diria o profeta rico falando consigo mesmo como para multidões − existe a variedade e o olho surdo lê nos lábios de muitas bocas disfarçadas, indignas indiferentes, malignas, porém diferenciadas aquém da necessidade − diria o profeta pobre falando à multidão como só para consigo − existe a arbitrariedade e o olho emudecido globo de carne ou de vidro de uma máquina de ver consegue calar as bocas e dar a força da lei ao que mais vezes ocorre sem jamais acontecer o profeta não precisa de escalar um novo cume ou pactuar com exemplos de acasos acumulados o profeta em sua casa faz-se esquivo e convidado de festa em festa admitido como velha sobremesa 64


Anunca se apanha sozinho nem ri da sua certeza quando arrepia caminho 6-6-2009

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A eternidade esgueira-se por onde pode. O seu trabalho de prolongamento é descontínuo, pontuado por estações onde se inventa − isto é: se acrescenta − a necessidade de nascer. A eternidade não escorre entre os dedos, ela entranha-se nas mãos e cava a superstição das linhas. O vento da eternidade, em sua aparente quietude, ora desloca pesadas sementes para locais doentes, ora se limita a roçar os grãos tão leves que deslocá-los serias criar ardis na cadeia desconexa de dar cada vez luz à luz. A eternidade procura próteses e, como mendiga idosa e irada, não perde uma ocasião de açoitar o que passa ao seu alcance, − cada corpo tem direito à sua prosa e à sua mutilação. O pé disforme era a prótese de Édipo. O calcanhar era a prótese de Aquiles. A beleza era a prótese de Helena. Penélope era a prótese de Ulisses. Etc. 7-6-2009 66


A canção é inaudível essa de que falo... Mas o ouvido está pronto a sofrer a extrema ofensa de ser um pouco mais surdo. O coração faz-se ouvir esse de que te falo... Só de perto, no entanto, como tambor arrombado abandonado a um canto. Os da terra sem terra esses que me falam talvez se movam talvez chovam no sentido de aqui se deixarem estar sem outra posse que não o que no corpo se traz sem outra posse que não o corpo em posse de si. E vão esses de que te falo vão em vão rumo ao apelo do corpo sem corpo rumo ao mais simples apelo rumo ao rumo. E vão. Para ti me abro porque me és excepção 8-6-2009 67


o monte de cartas não enviadas não escritas são esta roupa que visto e uma nudez de futuro. nada tenho e só conquisto o que me obrigo a despir cada vez que não desisto. são saias que se desfraldam para serem abatidas em plena ilusão de vento em plena ilusão de voo. são camisas desbragadas no decurso da corrida para serem baleadas em plena ilusão de fuga e na certeza tão vã de que sou livre e cativa no momento da partida. 10-6-2009

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é na sombra desse mesmo a quem não podes dizer não desse que não abre mão dos sonhadores do passado que vives. e chamas vida ao que passa ao teu lado, porque sentes que ele lá mora cativo refugiado porventura noutro estado mais instável. mas que, instado a aparecer, ele virá, encharcado por dilúvios, quase dissolvido, como nunca desejado em seu passo travado e veloz um passo de combate um passo de voz que embate contra um limite que não é apenas o seu. na minha rua corre uma cicatriz que vai de alto a baixo. 11-6-2009

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Ó pão já colado ao céu da boca Pão de mão-de-obra pouca e muito ofício Pão de presságio e cio Pão de mó em mó em Inverno sem manhã Pão de vela a reboque de uma ilha Pão de filha perdida de seu papo de pomba Pão entre dentes de lobo saciado Pão novo mas rijo de nascença Pão de cidadela ébria sitiada por anjos Pão nosso nas bocas do mundo Pão de ser fome e fermento Pão branco e negro num só cesto Pão sigiloso de pública farinha Pão foragido e encruado Pão de incesto Pão roubado a ladrão e cem anos de perdão. 12-6-2009

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falo de colher flores pela raiz para observar o seu lento murchar falo do gelo que derrete nas calotes longa fractura e crânio destapado falo do utensílio eliminado no seu sentido poético e em tudo o que é razoável em tudo o que é privação em tudo o que não é excepção do jamais jamais onde se chora e se fareja a terra com nariz de cão 12-6-2009

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WHAT REALITY STANDS FOR meu amor, isto não é uma carta, porque as cartas se descartam ao que entendo no teu cartear no teu lance de dados e roubados hoje, dormi como uma náufraga com medo de acordar e adormecer com medo de ser obrigada a beber toda a água do oceano antes de ver margem ou miragem ou página ou terra ou esse lugar onde apontas a arma sem disparar as várias memórias da dor moram no mais longo lado nenhum que se possa imaginar e as dores da memória essas que se recusam a ter-se e ater-se ou construir história estão na razão indirecta de quem tenta converter uma pedra a ser pedra e o medo a esconder-se desse medo que tem medo por vezes, é-se cobarde sem se gozar da valia da sublime cobardia que vale a pena 72


mas outras vezes não sei se em razão dos danos ou do jogo dos enganos é-se bravo mar e é-se atravessá-lo é-se carne de fêmea ser rasgada pela carne da primeira cria e então avultam perguntas diferentes no rebentar de sua interrogação muito embora todas juntas nisso que por comum desejo de grande incomodidade chamaremos − calaremos ? − zona de rebentação todas elas são singelas: servir para não servir? não servir para servir? servir para servir não? 13-6-2009

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sem eloquência nem elegância nem a fluência de uma língua sempre-em-pé uma língua de trabalhar para o boneco, falar, fazer amor onde não nos falta o tempo para as frases da carne acaso branco, este espaço não é branco acaso página, será bem mais infinita que o espírito em sua ronda poderia permitir por isso, aqui desfazendo mas aqui desfalecendo a carne se faz ouvir e cala quando a ela me limito falar, fazer amor, fazer manhã e noite que nos caia no ouvido em vez deste refrão outra será a resposta do meu corpo proibido mil mulheres trocam de voz no cativeiro invocando o seu silêncio cobiçado uivando até ferirem as paredes para furar papel e tímpano e céu se a sós me deixares com o que escrevo nem por pudor pedirei consentimento àquilo que entre pernas se faz lento àquilo que entre rochas puxa mar 74


o sol é grande e as almas incompletas preparam sua grande insurreição 14-6-2009

Ninguém ocupa lugar na realidade. A realidade deporta. Porém, há braços reais e reais pernas e bocas prontas a falar a falhar a parir. Quero ser por isso ouvir a confissão minha a quem já fez falta o lugar que não há na realidade. Quero ser julgada e condenada como rainha. E ocupada como trono onde se chora o que não tem dono. 14-6-2009 75


Fronteira fluida errante para além da probabilidade do erro errada e desterrada aquém das fronteiras do desterro eu me faria já fixidez de estrela − isto é: quintessência do andamento apenas música e gala e garra e não essa coisa pouca e mouca que se propaga ou apaga antes de abraçar seu tempo 15-6-2009 eu me faria agora frigidez de estrela em sua brasa não fora a humana impotência de me chamares pelo nome que me cobre e descobre no céu e na cinza e porque o teu amor cravado de ponteiros peito e pista e duração que lhe resista o teu amor a contra-relógio o teu amor contra e encontra a engrenagem de Saturno a pulseira de astros e o pulso a pulso para menos ou mais uma ideia o teu amor encontro na opulência vizinha de uma veia dura e azul a norte magnético do meu sul 15-6-2009 76


UNFAIR PLAY Não me disse minha mãe quando à mestra me mandou para aprender a escrever, ler, contar, sofrer, calar que um dia, ao contrário de outras minhas vocações somente dessas lições eu tiraria proveito escrevendo, escrevendo a eito entre lágrimas já secas e outras a despontar. Pelo negro vou subindo ao quarto escuro e secreto onde o escuro nos responde... Entre nudez e mutismo entre erg e iceberg uma palavra derrete em frase que só promete mostrar o que agora esconde. 20-6-2009

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Todos os dias, limpo as nódoas persistentes desta tristeza que se me impregna até aos ossos. À força de lavar e de esfregar as sedas e as telas as lonas e os linhos que eram nossos, só consigo rasgar, romper, gastar, esgaçar por todos os lados este pedaço de mim feito em farrapos, Já nem nome de trapos posso usar quanto mais aspirar a ser boneca... 20-6-2009

dominada pelo riso ou talvez não tomada de terror antes do cerco de ti me abeiro, sentindo-me mais perto da dor antes do instante de doer e no corpo um sabão quase sem cheiro desliza até lavar curvas poentes o que sobra de mutantes muito antigos ou daquela adolescente mais recente na pele, sobre crateras distendida, a ruga lunar e um nascer de terra porque não esquece, meu amor, não esquece tudo o que não acontece 20-6-2009 78


le désespoir n’a pas de nom mais il a un son qui t’appartient car tu l’entends 20-6-2009

O que eu desejo é perder terreno quando me dizem que tenho a vida pela frente e a que tenho por detrás não passa de uma mordaça de uma venda de uma maquilhagem de uma careta que o destino dispõe no lugar da face para um face a face com tudo o que separa. Então, o rosto envergonhado de fazer face e frente desonrado por apenas dar a cara, logo se desfaz em mil desculpas e foge pelas traseiras para não ser testemunha das sevícias que o corpo em serventia de cozinha e serviçal vai aceitando enquanto tal a pretexto de estar vivo e de essa cara ou essa casa ser a minha. 20-6-2009 79


O pastor não sai de casa e do curral para concentrar suas ovelhas mas sim para a dispersar semeando lãs e balidos ao vento ao tempo que o seu pensamento se expande. Saca do fundo do vale a faca com que Abel matou seu mano Caim e com o mesmo gesto − esperado ou talvez descrito − corta um naco de pão seco que mastiga lentamente em profunda comunhão com a cadência dispersa da outra ruminação inocente. 20-6-2009

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uma rainha minĂşscula entre dois pinheiros bravos abre as suas coxas peludas aos homens que por ali passam com ar de quem se perdeu da colmeia a coisa faz-se entre troncos depressa e bem e o teatro do mundo faz casa cheia zune que zune uma abelha quanto maior a plateia melhor soam as palavras dirigidas a ninguĂŠm 20-6-2009

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WORDING DING Não me cortes a palavra, dizias tu, interrompendo uma frase que era nossa arrancando a raiz onde era céu ruminando a folha onde era verbo dormindo na toalha onde eu comera. E o firmamento todavia era verde na cara e na coroa no cálice e na corola nas tuas ancas venosas e outras colunas formosas − à falta de templo havia esse tempo vertebral. E em sendo a hora do chá cheirava a sexo de planta a mapa de cidade amarrotada macia e lenta macilenta rasgada pela sereia das tuas pernas as pernas contra tudo ágeis possíveis ternas. 22-6-2009

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Se me encontrasses estendida onde os teus passos em volta destinavam sepultura a quem foi deixado à solta para sempre morta-viva, dá-me esse beijo que dói, dá-me esse beijo que falta à boca para ser boca, à carne para não ser apenas tua palavra. Olha que os lírios se juntam às papoilas na desordem dos campos ou de um canteiro. Olha como as cores se mordem, vermelho, roxo, vermelho. 22-6-2009

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Biombos A minha pergunta primeira não vem da parede branca transformada em velho espelho nem tomba devagarinho deixando rastos de sangue fitando a cor do fuzil como se fossem apenas mais uma frase subtil atirada à cara em cheio lançada ao charco vazio. A minha pergunta primeira não vem a bordo de um barco que toma o olhar inquieto sempre tomado de assalto nem aceita como sua a pronta resposta certa que logo lhe querem dar como se dará razão a quem parece mais forte e se deu força ao mais fraco para ele aguentar. A minha pergunta traiçoeira não se desnuda sem pressa atrás da tua floresta ou do pano de um teatro. Ela trai-me ao traduzir-se mas permanece fiel ao que ainda não se disse. 23-6-2009 84


Carne e verbo Um simples mover de olhos uma cãibra um pousar de mãos sobre o regaço a dobra invisível de um joelho o canto quase em crosta de uma boca e seu sorriso então cortado à faca. a quantas pessoas respondem e a quantas perguntas? Um ombro que se apaga até ser braço um ovo abandonado no sovaco a ruga que faz rir certo pescoço o umbigo que suspira de enfado a planta que endurece um pé de fauno a palma amaciando quem afaga e o sexo onde a lua já se alaga a quantas pessoas respondem e a quantas perguntas? 24-6-2009

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Mão aberta Como o génio que durante a noite Desloca as coisas novas Do seu lugar habitual, Assim o nosso amor se confunde Com a mudança de ser Que as move agora e sempre Sem contudo as demover E as arranca ao longo sono De amanhecer só em sonho Até poder despertar. E assim também Também sim O vencer sem derrotar E o querer confinado Ao segredo do lugar: Já não estar onde se esteve Sem deixar de lá ter estado Desejo de si nascido de vir o mundo e ser visto de mão dada mão roubada mão beijada. 2-7-2009

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A repartição das regras da beleza A beleza não deve ser abocanhada Pelos seres que desejam deixar As marcas da sua dentição Em tudo quanto, habitual ou raramente, Se come. A beleza não deve ser destinada ao consumo. A ideia de provisões guardadas em lugar seguro Ou intestino Para um futuro tido como certo incerto É um conceito anterior aos outros E fundador de muitos deles. Os celeiros da beleza transbordam De migalhas, grãos, pepitas, pérolas Para despistar a perícia esfomeada Ou a fome de perícia dos predadores . Os celeiros da beleza São falsas sepulturas Túmulos abertos E invioláveis. A beleza confunde A mão que semeia Com a mão que colhe. Cada tórax, Graças ao sistema de inspiração e expiração É um celeiro de beleza em trânsito.

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A beleza acolhe marcas Que a configuram, reconfiguram E lhe permitem o movimento extenuante Do anonimato E da pausa que desfigura. A pausa causa. 2-7-2009 Não me disse a minha mãe quando à mestra me mandou para aprender a escrever, ler, contar, sofrer, calar que um dia, ao contrário de outras minhas vocações somente dessas lições eu tiraria proveito escrevendo, escrevendo a eito entre lágrimas já secas e outras a despontar. Pelo negro vou subindo ao quarto escuro e secreto onde o escuro nos responde... Entre nudez e mutismo entre erg e iceberg uma palavra derrete em frase que só promete mostrar o que agora esconde. 2-7-2009

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Ils parlent de se détacher comme si l’amour faisait tache et souillure et moi, j’attends mon amour dans le débordement d’un lit à tout jamais défait. Ils parlent d’être lucide comme si les yeux échappaient aux pièges creusées par la lumière et moi, j’attends mon amour lui tendant la palette où tous les gris sont rose où tous les roses sont chair. 2-7-2009

Le Passé Simple Le passé simple se met en devoir de trouer tous les imparfaits comme une lionne sautant l’arceau en flammes comme une flamme brûlant une page couverte de traces de cette lionne qui a commis une bévue au lieu d’une portée de lionceaux. 90


Le passé simple se met en devoir de pleuvoir sur les plus-que-parfaits et dès que l’arc-en-ciel se dessine ce sont les naufragés du déluge qui reconnaissent les couleurs tombées dans l’oubli après une pluie trop constante trop fine. Le passé simple se met en devoir de retenir le flot de larmes subjectif subjonctif qui pourrait l’effacer − seules les sources coulent désormais et le jet qui en sourd devient encre transparente de l’écriture en visite celle qui nous hante celle qui nous trace et nous imite. 2-7-2009 À Marin j’ai raconté une mère, beaucoup de mers, et un père, beaucoup de frères, de quoi faire un équipage pour un envers de naufrage. 2-7-2009 91


O Pai disse: quanto mais duro e seco o Pão, mais leve te haverá de parecer. E todos eles que eram apenas eu partiram leves como fagulhas escapadas à forja . Mas chegados a seus cumes (porque o caminho subia sem licença, nem aviso ) o Eco não respondeu e na sua vez surgiu não se sabe donde ou como uma deusa rastejante cujo poder de resposta durava um só instante. Respondeu então o Eco à nossa súbita deusa como bomba arremessada que cai a retardador. E espalhou por todo o vale rumores, ruídos e flores rebanhos tão incontáveis ervas, grãos inumeráveis, e a sombra perfumada de dores, desejos, pastores.

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O Pai dissera talvez: o Pão mais duro e mais seco haverás de partilhar com tudo o que acontecer. E migalha após migalha conhecereis o prazer da fome. 2-7-2009 Memórias do mar todo e do desmame Da maresia amarrada aos tornozelos Dos Verões em que se uivava ao pão da lua E, ao relento, no estradão não se dormia Memórias de ti só, de ti motim E do motim em mim ininterrupto De provar todos os frutos nesse fruto Que um corpo em meu acaso já colhia Memórias de haver fio e corte abrupto De mirrar o elo antigo a velho umbigo De abraçar na pessoa que eu amava Um mundo soterrado pela lava Memórias de te olhar, de olho da rua, De sermos pedintes sem estender a mão A não ser um ao outro, noite e dia E da luz que ao apagar-se te alumia Memórias desse medo de perder-te E a cada esquina a força de enfrentar O não ser-te antes mesmo de não ver-te O ires à minha frente e eu me atrasar 2-7-2009

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Há um barco talhado no marfim Desses ombros de sereia e de rapaz Que regressa já leve e carregado Da carne repousando sobre o osso E de aceno que usa apenas o pescoço Onde passa toda pressa de ser corpo Impaciente e fugaz. 2-7-2009

Le dire comme personne ne le dit à personne Le dit l’air de l’avoir dit à son pire ennemi Le dire en rajoutant des détails croustillants et une généralité à la menthe très chaude et sucrée Le dire en se décoiffant pour saluer la phrase nue Le dire comme si on demandait l’heure à un passant transparent Le dire très vite et s’en repentir plus vite encore Le dire sur le ton d’une mouche qui se pose sur un morceau de bidoche Le dire en ayant l’air stupéfait pour paraître convaincant Le dire à pied comme si l’on était couché Le dire en corps à corps, en cri du cri 2-7-2009 94


aux Lilas, il n’y a pas de lilas visibles, mais des dizaines et des dizaines de parterres de pétunias qui embaument les rues grises... Peso de pálpebra Esse teu Leve Neve caindo Sobre a barriga. Abrindo e fechando olhos − os que, por amor, Em mim rasgaste − Neste corpo te procuro Quase cego de fadiga. O sangue sobe à cabeça Doce e denso. E sou quase como flor Pelo sangue colorida No instante incalculável De ser vista ou cheirada Quem sabe se não colhida. 2-7-2009

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Sésamo 29.06.09 um altar mais que portátil Quantas vezes eu te disse Esperando que me dissesses Segredos que não te disse Mas que contudo não esqueces Entre amantes, há palavras De nada feitas de tudo E um conversar tão mudo Que em segredo se converte Lembrar é ideia vã Pois o corpo nunca apaga Essa fala irmão-irmã Mecha ardente, cera e molde Mão do ausente presente E presente que se alarga Até que em tempo não caiba. 2-7-2009

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GENTILLE ALOUETTE JE TE PLUMERAI Esta presença Que chega de rajada Trazendo come ela A força de chegar Sem ser ainda chegada Esta longa carta Que não descola do chão Para ser pisada Por todos os homens A quem não se destina Esta caminhada Que ora cava, ora apaga, Os passos que se cruzam Numa direcção tão certa Porque erradamente errada Esta úlcera de cotovia Cujo canto desenha parede Parada e fuzilamento Sobre fundo de céu Nas prisões da madrugada É o que hoje é teu e meu Fala de falo e de vulva Jangada de improviso Entre mar e mar e mar E entrar por ele dentro. 2-7-2009 97


EOO Uma lufada de fábula Contada por animais Acerca de alguns humanos Cada dia menos mais. Uma frente que já mostra Fachada sempre fechada Cuja chave de ouro puro É maior do que era a casa. Ora a frase marcha em frente Lá se atropelam em vão Os que atiram paus e pedras Assim pedindo perdão. E como essa água mole Que jorra da boca dura Tanto brota que se esgota, Só feres quem me procura. Sentada como um milagre Na borda da fonte vulva Cada palavra me acende De outra forma de abertura. Sou rio onde o amor ferve E lavo sem compostura A ferida que me serve De passagem e cesura. 2-7-2009

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À queima-roupa A criança pensa que poderá andar até onde houver terra, onde houver céu. Se lhe cortam as pernas como quem interrompe uma frase, ela aprende a caminhar a pé coxinho às arrecuas, de olhos fechados, a seguir linhas mágicas e imaginadas e a girar sobre si mesma até ficar ourada. O mais certo é ir caindo e levantando o seu corpo e a paisagem que lhe resta, trepando à árvore para ser invisível, fitando muito tempo a flor e o sol para que lhe saltem as lágrimas, demorando a despejar sua bexiga para que a urina escaldante de novo desenhe a forma exacta das pernas escorreitas e antigas. A criança espera ser chamada à ordem por quem a tempo e horas lhe ensinou que só o demónio avança recuando e os pés devem assentar no chão. E a sua espera é adivinhação da punição ou vem a pique. Porém os castigos merecidos como se diz não evitarão a necessidade de esperar e desobedecer. 6-7-2009 99


SOUVENIR-ÉCRAN Se alguém me fala mais alto fora de si ou do tom é como se a justa ira impossível de aplacar de um deus perseguidor tomasse conta das rédeas e montando as minhas costas me obrigasse a galopar. Exausta, vou cavalgando dentro de lembranças falsas, toscas, pintadas à pressa, como um cenário de feira. Ouço estampidos e bombas metralha, deflagrações e outras detonações, mas quem rola pelo chão são os olhos com que vejo e os olhos com que me vejo. Passam formigas aos centos em carreiros rendilhados formando muitos desenhos ramagens e floreados dolorosos, delicados, como estranha lingerie. Cada formiga transporta migalhas de quase tudo migalhas de um quase todo. 100


Passa um vulcão sorridente a bordo de um barco-boca e ao leme desgovernado tirita uma criança albina. Passam ventos de muleta passam ventos de bengala e açoitam as ervas mortas as cristas moles das vagas, cobrindo com seu fragor toda a ofensa da fala que, sensata, me ordenava: «Sai do mundo imaginado se o conheces de cor!» 6-7-2009 Certos dias, eu sou todo um povo em trânsito, um povo em transe que fantasia acerca das dores vindouras para de antemão poder sofrê-las e poder sobreviver-lhes. Alguns chamam a isto tomar os dias do destino nas suas próprias mãos. Pela parte pouca e toda que me toca, prefiro pensar que estou tomada por mãos invisíveis, também minhas. Mãos entrelaçadas, invisíveis e indivisíveis. Sucessivamente. Ou seja: sempre. 6-7-2009 101


Ubiquidade Foi-te concedido o raro dom de caminhares sobre os mares mais antigos amenos ou distantes. Nem de sal te salpicavam nem de doçura rugiam, à rósea flor dos ouvidos. Porém, viraste costas largas ao teu dom, e às vagas que não te faziam frente, marchaste em terra firme, em terra seca, onde os homens rasgam as camisas e as mulheres arrancam os cabelos. Outro dom te fora concedido, amor, de segunda camisa, de terceira, e um quarto já crescente e uma lua minguante e uma água a correr nua toda tua: 6-7-2009

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Sagacidade Descalçar a prece e fazer levitar a mesa de jogo. Um espírito agora a carne mais logo. Simular o sono vigiar as portas por onde entrariam quem sabe que sonhos sempre indesejáveis. Fazer corpo uno e quedo com o lugar do lugar ocupá-lo em jeito de banal visita - vaga, a razão mais vaga, se houver gente a pernoitar nos miolos e na tripa. Estranhas só mesmo as entranhas… Não se mostram expeditas porém não produzem manhas apenas puro excremento, modelando imitações do que foi conhecimento. Se acaso alguém se consagra a procurar esse atalho entre a maçã no seu galho e o estrume que se anuncia, talvez o Graal nos regresse como vestígio em espiral daquilo que se extravia. 6-7-2009 103


partir em busca das altas horas das casa escuras em que o negro é ofuscante talvez deixar para trás era uma vez... pois de muita luta de limpar armas e de sujar marmitas se fez o não haver guerra se fez o não haver terra mãe partir como uma carta sim uma carta a entregar em mão e um olhar a devolver como quem dá a primeira coisa a oferecer 7-7-2009

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A gravidade, a lei O poder que a insónia nos vai dando é porventura aprender a discernir o sono da pedra do sono da água, o sono da seda do sono da lã, o sono da penumbra do sono da sombra, o sono da carne do sono dos ossos. Se amor houver que junte os nossos sonos como se acrescentam rebentos a um tronco e se desfazem quebra-cabeças, como se soltam cavalos e se derrubam cavaleiros, se amor houver que junte os nossos sonos haja neles a diferença entre quem dorme e o que é dormido a fim de somar a cada instante um momento nunca discernido. 7-7-2009

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Poderia então encetar a nossa fala, conversa dispersa ou convexa, com uma resposta dada a pergunta nenhuma, dada, de mão dada, uma frase sobre o tempo que não fez, uma frase sobre o que o tempo não fez. Essa frase puramente embaraçosa seria o tal momento em que ouve talvez uma boca a dar corda ao coração. Essa frase espinhosa lembraria outra vez talvez que no vácuo as coisas não pesam, apenas flutuam e se beijam como peixes, apenas se arremessam contra as paredes e outros entraves mais ou menos graves. Aí tu afirmarias decerto tirando os olhos do seu pouso, do seu repouso, que eu só vejo as coisas onde não as há a ponto de elas se verem, de elas me verem me atacarem, me derrotarem e me ferirem mortalmente. Ficarias orgulhoso dessa tua saída, airosa como se diz, do impasse onde passa e se enfia, como mão na dureza desta massa, o sexo da leitura e outros defeitos sem cura. 8-7-2009 106


Não voltar a passar passar ainda fazer deste corpo tão-só vinda com a estrada aberta a estreitar, a estremecer, estranhando ser ela e apenas ela que caminha. Não voltar a passar apagar-me leda e lenta baralhando o som da chuva e o do fogo, acender-me para ti agora e logo como chama numa manhã cinzenta. 8-7-2009 Poema da manhã Traz-me uma grande bacia um jarro de água quente um jarro de água fria um cheiro a logo do rio do mais negro que encontrares e o olho vago de um poço roubado ao rosto de um pátio. Traz-me o sublime alvoroço de uma sesta sobre a pedra debaixo da qual se enterra o que se passa connosco reduzido a mais-valia. 9-7-2009 107


Visco De que te serve, meu amor, essa alquimia do perder ou ganhar o dia, o dia após o dia, e o desejo de alívio, talvez libidinoso, de contar o conquistado a custo, susto de outro susto? De que te vale, meu amor, o esquecimento que te obriga a valer e avaliar o que nem te expõe nem é sequer perigoso como se fosse o teu merecimento? E quem virei eu a ser se do elefante assente sobre bola de cristal me couber ler o destino enganoso e me mantiver nessa quietude da assassina presa à sua presa a que darás o nome injurioso de memória? 9-7-2009

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Insepulta Fabulemos então o céu a saque e o saco cheio que o mercenário traz de volta. Fabulemos que carrega com o seu próprio peso em asas e nuvens e chega extenuado o mercenário. Fabulemos que nesse absoluto nesse relativo absoluto que o espera não há lugar para o gesto de pilhagem e o pretexto da guerra. Fabulemos que a terra se enterra deixando à vista vestígios de outros modos de desterro, delicados, quebradiços solidários com a moldura e com o avesso da superfície futura. fabulemos a cama a cama aquilo que não se deita nem confunde vigília e vigilância deixando sempre à morte a primazia da vida imprevista se por galante euforia ela dança. 10-7-2009 109


Num labirinto mais comprido ou atrevido ou fantasma de comboio ou eu sonho alto. É trepidante o meu sonho como se eu não pudesse descer do veículo em andamento deste pensamento que me obriga a procurar a palavra sem voz e a voz sem palavra. E o sono colhe, come e defeca o que não lavra. 12-7-2009

Conhecemos agora com que fios se cose o labirinto e o mini-minotauro enfrentando a amante como um herói faminto como um anti-herói desde há muito extinto. 12-7-2009 110


Nous savons la dureté de la tendresse La durée qui menace et l’instant qui nous presse. Nous avons détourné des fonds qui font surface. Et le lien qui délie la parole cassée Et la pelle qui se brise en creusant la tranchée Et le diable qui nous donne sa langue à couper. Nous savons l’odeur de l’herbe à peine foulée Sous l’or de tes longs pas devenant matinée Et les langes qui puent les selles de ton ciel. Nous avons goûté à l’eau pure qui rend sourd Et l’alcool à une source d’improbabilité De couchants qui allongent quelques champs en jachère. Nous savons une assiette ébréchée par la faim À court de notre ivresse, de sa sobriété Nous buvons la coupe et nous la renversons. L’amour est cette quête des corps qui nous traversent. Au creux d’une vague immense voilà que se dessine L’écoute de l’écume, l’écriture de la crête. 12-7-2009

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Contracção da preposição «a» e do artigo «o» Os corpos não são unânimes Em seus usos espirituais Nem se movem no sentido Que lhes parece mais claro Ou iluminado. Por vezes penso na boca Do meu amante cansado Bebendo um copo de água De um só trago E deitando estranhas sortes Ao dia que já passou Antes de fazer o esforço De se estender ao comprido. Então imagino alguém – nem totalmente eu mesma Nem totalmente outrem – Dissolvendo uma tanagra Na água que ele bebeu E logo o sinto mais leve Mais denso à minha beira. Porque pensando, eu ou ele, Podemos esvaziar-nos Do que pensei e pensámos Deixando em lugar de honra A prezar e defender Com as garras da ternura Esse tempo de outro tempo 112


Da tanagra dissoluta Lentidão de estatueta Bela e bruta. Até o meu amor bebe Água de pedra e de escuta Água de gente Minha e sua… 12-7-2009 Como as rosas rasgadas Perseguidas, injectar Anti-corpos por onde me morde A ordem E por onde me move o vício de cuidar Atávico. Levantar crosta Da cicatriz nascente Até ver a carne viva. Eis o que altera O deleite da sutura A leitura ora a eito, ora a direito E a vénia infernal da curvatura. À sombra tortuosa da figueira Outros terão erguido forca Mas eu abri de mais a boca. E tu disseste, senhor dessa matéria, Que na ânfora funda Cujo bojo é grosso lábio Nem óleos nem beijos se misturam. 12-7-2009 113


A altitude relativa parece rolar no chão mas não uma ínfima e infinita fenda separa a roda do seu carril e quando soa uma ovação de rapina ou o passo apressado do taumaturgo o aparo da caneta range e chia logo procura a companhia do alicate e da tesoura e essa pedra onde mora a moura sempre diferente em seus encantos conforme a crença e o local onde se crê onde se vê 13-7-2009

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Chave de fendas Uma crueza já oasiana ou a surpresa de um sorriso todo ele deserto até ao dente do siso. Depois, uma memória que me guia até a um claro-escuro de taberna onde falamos como bebedores entregues à vertigem de nos bebermos um ao outro pelo gargalo do mundo e cometermos olhares totalmente líquidos que rolavam garganta abaixo aquecendo e arrefecendo o esófago. Esse corpo de alambique era o nosso no seu nunca fazer pouco nem por menos ou por conta − corpo a corpo insuspeito de vigiar a palavra ou a sua temperatura. 13-7-2009

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A invenção do sexo Travado na sua marcha por justeza de corpete e saia de rosa baixa – rosa prosa de roda curta e cheirosa – eis que o sexo visita o sexo desconhecido. Descobre um velho hortelão sobre si mesmo curvado, entre folha, grão, raiz do luxo de sua horta cujo local não se diz. Balança a linha da anca entre macho e fêmea e rocha, fala mansa, duro falo, língua e lábios em corola que nova palavra lavram. E para lavram arando também se prosa e se rosa se curvam, turvam e baixam. 13-7-2009

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São Lazaro Se a noite é branca sol na garganta... TTT Dizer que estás a caminho. Não a meio do ou da, mas a caminho. Não como a formiga no carreiro de outros tantos grãos de abandono. Não como a cigarra ébria de antigas cantigas mas como o próprio caminho que dá essa volta ao mundo feita em todos os sentidos antes de colar ao chão e de descolar do solo. O pão que trazes contigo conta-me a história do grão reduzido àquele pó que as formigas desdenham por não saberem quem fez o que lhes aconteceu. O refrão de uma cantiga que transportas na garganta não recorda a sucessão de estados e de estações nem a banal alternância de prazeres e privações. 118


Nem há-de ser retomado em coro como estribilho ou elogio do zelo quando o fervor do que é belo derretendo e derrotando nos mostra o rosto de Agosto soterrado sob o gelo. Estás a caminho de abrir caminho. A caminho, como eu digo, de me desencaminhar. Estás a caminho e o ar que queima os pulmões borda essa berma de brumas onde se dorme de pé e a palavra é elo eloquente. 14-7-2009

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Estamparia Motivos que se repetem e que por falta de tinta ou de uma mão expedita parece já desbotados embora impressos de fresco. Assim o olhar atento e tenso em sua ternura. Ao ver a repetição, espera que haja uma falha que haja falta de folha de papel, até de tela: curta a lona, vela ainda. Espera pois que a impressão à queima-roupa lhe minta. Ou melhor: que lhe mostre uma verdade menos nítida ou distinta razão até então rara menos assente e até menos estampada na cara e por isso mais sucinta. 15-7-2009

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FIN DE MASSACRE C’était l’abattoir: tant de rouges déclinés, des plus roses aux plus écarlates, une palette complète. C’était l’abattoir à ne pas s’y tromper. Ils avaient pendu mon corps à un solide crochet, un S majuscule… Et il était mou, ce corps, mou d’une muette raideur, ce corps qui m’avait – mais j’en doutais à l’instant… – jadis ou hier appartenu, tenue à part. Il était si mou ce corps que je ne pouvais plus y voir qu’un énorme bout de viande dépecée et exposée depuis longtemps. Osera-t-on dire «j’ai faim» à présent? 15-7-2009

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BY THE BOOK? A quem pedirei neste Verão que me leve a ver onde há estrelas cravadas numa velha escuridão já mortas alguma delas cativas de uma longa travessia cuja rota é tão-só cintilação? Ânus luz em nádegas imensas o fulgor de suas fezes não ofusca… E se algo em seu ofício nos assusta é essa esquiva folia de brilharem longamente na lonjura sem que a soma de sua incandescência resista ao pobre ao alvor do novo dia. 16-7-2009

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Se me falasses do ouro que os rios trazem às mãos Se me fizesses de olfactos que os factos trazem a lume Se fosses mais fanfarrão do que custa ser costume Eu já seria tão-só a velha atiçando o lume, o seu, de ovelha ranhosa, que outro não haveria que outro não haverá… Discreta filosofia de quem, enguia, se esgueira de quem difama e se enfuna luna a luna, ovo a ova. Nem vela se faz à espuma nem puta se faz à esquina nem febre se faz à cova − falange antiga e submissa, cabeleira de cometa por meiguice se penteia, por fúria se desenriça. 17-7-2009

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Origami Pequena orquestra de bolso e música em miniatura − porém, luzes de outra festa que tem lugar na lonjura. Do outro lado do mundo caem estrelas nas estradas o dia nasce mais cedo e com cera nos ouvidos se silenciam sereias que uivam cantos antigos. E esta carne em arrepio antes de ter acabado de descascar a laranja madura de seu Inverno sem a poder partilhar… Carne enrugada de frio que mais terá de esquecer refreando o que é ainda e o que ainda há-de ser? 18-7-2009

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Barriga de misérias Lavrada a velha barriga por arado que revolve camadas endurecidas, imagino a heresia de ser de novo rasgada pelo focinho de um touro. Em que altar, em que cova, poderei eu afagar-te sem apagar do teu corpo as novas marcas de ser acendendo e atiçando as línguas que falam fogo? 18-7-2009

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Entre o casual, meu amor, e o causal, entre a cauda, meu amor, e o caudal, tu desencantas encantos e cantos impertinentes, talvez mesmo irresistíveis. A mim que passo e não esqueço o traço e até o seu rascunho que me enche de embaraço, a mim que me perco pelo caminho entre mim e mim, sem ouvir o testemunho de quem me conhece assim, a mim, dizia eu, que prefiro um rasgão a um retrato, o mundo vai-me cercando como uma moldura demasiado larga, vai-se aproximando como um altar demasiado alto donde o santo já caiu... E já ninguém se recorda de ter visto o que foi rosto desfigurado e ingrato. 19-7-2009

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Teorema Dorme coisa que parece e perece. Dorme. Num ápice se resolve o falso enigma que empurra o pastor para seu cume, com séquito de cornos, lã e cinza. Dorme que ele busca o prazer do anonimato num lugar onde acendeu palavras de mel e lume. Dorme: o cimo da montanha cambaleia à medida que o rebanho se aproxima e tu sabes na margem dos teus sonhos de menina velha que o amor é ímpar a sua transmissão uma missão que ninguém guarda para si ao cumpri-la agora ainda. 20-7-2009

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Codex o ultimo de uma série infinita ou o primeiro dessa mesma com a cabeça dura do guarda-costas a fazer de outros tempos e temores tempos de doçura mais amarga e doce de tão doce a amargura, a fazer pouco o que é sol sem sol de pouca dura sabe-se que a cama é larga e as visitas nem se descalçam antes se deitarem nos deitarem nessa que nos fizeram a pretexto de cura mas colocando a evidência no papel do puro caso e o desejo de desastre no papel rasgado da vidência, sabe-se que a casa não voa porque as palavras adejam mais rentes a nós que andorinhas levitando como telhas quentes 21-7-2009 128


CHANSON DE SIESTE je serai morte de justesse un jour où je ne voudrai pas mourir de mauvaise foi dans tes bras alors que là tu ne songeras même pas à faire taire mon coeur qui bat alors que rien ne te presse à me fuir encore une fois mais je mourrai justement d’être là pour le plaisir au pire des meilleurs moments y aura de quoi te faire rire hors combine et hors combat comme celle qui se débine en s’endormant doucement pour qu’on ne m’en veuille pas 21-7-2009

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LE LIVRE IVRE Elles sont parties, les pages pas sages, du livre ivre. Dans tous les sens, elles voltigent lourdes de rosées, raides de givre. Il y en a qui les ramassent mais ils s’y cassent les dents, car ils perdent l’équilibre en voulant lire dedans ces mots ivres noirs de notre espoir. Le livre ivre ne dégrise pourtant pas car il boit le gris du ciel, le bleu, le rose, le blanc, et surtout il apprécie le vieux rouge du couchant. Si proches dans le lointain nous l’écrivons chaque jour qu’un moi s’émèche d’un toi préférant les mots d’amour à notre pain quotidien. 22-7-2009

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Meninges Se falando comigo por enigmas com enigmas me respondo e não pergunto o motivo pelo qual nenhum assunto borda estrelas e não apenas estigmas, às vezes calo e o meu lugar frente à esfinge é o penúltimo. Não corto a palavra ao silêncio: vou-me deixando ficar para depois, para trás. Pensando logo me atraso e nesse atraso me penso cada dia mais imenso. Derreada embora não derradeira porque do fim como meio não serei nunca capaz. 22-7-2009

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nem dor nem chefe de cozinha que outra con descendência a não ser a preferência por escre ver junto de um fogo mergulhando a seta frouxa numa negrura retinta? nem só nem sol nem a cinza para enfarruscar a cara da lua mais badalhoca se passares ninguém repara se não passares ninguém pinta... mas amor me fez de sombra sem luz própria como a lua sem luz própria como a terra sem coisa que seja sua nem garras de defendê-la a não ser esta de aparo com a palavra no bico falsa ave cuja asa se confunde com um grito 22-7-2009

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Hoje despertei estremunhada com uma folha ao lado da almofada e uma mancha de tinta no lençol vertida por uma caneta roxa. Não me lembro de ter escrito e no entanto ali está: escrevi dormindo. Este texto é tanto mais inesperado quanto a palavra quase conversada flui simplesmente do nada para o nada: Se te falo da tristeza que se abate alvejada por um tiro em plena testa escapado a uma festa, a um combate Se te digo de antemão que a casa rui é porque o beijo dado ao condenado abeirou o vasto céu do breve chão. Cerrando os dentes, julguei ficar calada mas tu lias nesse ritmo alterado de uma escrita tão-só respiração. 23-7-2009

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Ontem aprendi que as estrelas ou papagaios de papel ou ainda bacalhaus em Portugal existem há mais de 2500 anos na China e que serviam para medir campos e enviar mensagens. Que hoje em dia nas favelas brasileiras as crianças os utilizam para alertar o bairro, quando a polícia anda por perto, utilizando códigos de cor. Aprendi que o nosso rei escritor D. Duarte de Bragança terá redigido a primeira definição de poesia em língua portuguesa: «A poesia é mais sabor do que saber.» Para que posso eu contar comigo? − perguntei eu ontem a mim mesma. Não sei se vista o vestido ou o vestígio e embora estenda as falsas asas, distendida e tensa, sinto que não me enxergo e que não sou imensa. 23-7-2009

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HARDCORE Chamarei pois hardcore às coisas do coração. Não darei rumo, nem nome ao vento que anestesia soprando sobre feridas abertas por cortesia. e lambidas pela fome. Fechar as portas ao lapso ou à mera evidência... Não antecipar o rasto nem se deixar para trás e prezar antes de tudo aquilo que fica mudo por não ter sido capaz. Ter no novo guarda-roupa palavras de transparência no limite que nos poupa ao limite do talvez ao limite da decência e à fábula da nudez. Transportar dores e sentidos dos amores desconhecidos. 24-7-2009

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NOA Noa’h (‫ – חנ‬Héb. «qui consolera») est le premier mot distinctif de la parasha et la seconde parasha du cycle annuel de lecture de la Torah. Elle correspond à Genèse. Estou sentada num barril de pólvora, mas não sei assobiar a ária do teu regresso nem sequer uma canção capitã de mar e guerra nem mesmo o simples refrão que erra de bar em bar e se enraíza no ar para não ter de pousar os pés na face da terra. OFF de OFélia ofegante flutuando como uma fífia ficção talvez ofuscante onde faz falta quem morra e falta quem nos assuste antes de haver propriamente teatro que nos socorra. 25-7-2009

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perder as estribeiras esquecer até a forma do cavalo sorver todo o pó do meu galope antes que me avistes, me vejas e enquanto me beijas engolir o caminho ou terminá-lo. talvez entre palavras haja beijos talvez entre esses beijos haja bocas e dentes que se agarram descarnados à carne sempre imensa e sempre pouca. 26-7-2009

Passearemos por entre árvores atónitas e janelas embasbacadas. Com o requinte míope de toupeiras em seu terreno ermo cavaremos passagens na transparência densa da cidade. E saltaremos à corda na corda bamba dos noites esticada entre lampiões que só tu acendes e apagas. 26-7-2009 137


Gravitação a minha mãe dizia − só não perdes a cabeça, minha filha, porque a tens agarrada aos ombros… como vim a perdê-la então e onde foi ela parar? ninguém chamava mim e tampouco a chamavam mas ela sempre insistia em não estar onde existia, em não existir cabeça no lugar onde eu ficava, cavando um fosso profundo que agora o meu pensamento já não consegue saltar há um tempo da cabeça que já não conta comigo − não se desprende dos ombros mas dos escombros do corpo esse campo de batalha onde se ouvem sobreviventes que gemendo me reclamam o direito a não voltar 26-7-2009

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LE MÉNAGE POÉTIQUE l’heure autour du ménage

l’heureux tour de manège le ménage poétique tourne dans le sens contraire les aiguilles de la montre 26-7-2009

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TRÊS MOMENTOS DE MUTISMO E UMA QUEBRA DE PÁGINA I Eu não era inquebrável apenas não me torcia excepto de dor, apenas não me torcia por onde a gente julgava Se contudo me vergava. aos pés que o amor tem leves não vendo outro sol que não o seu nesse breu tão longo ou raro foi porque não suportava a luz que dia após dia escondia mais um dia. II Há muitas bocas para alimentar na poesia como no mundo... E se boca é também forma de olhar incontável a comida não se cala nem cai num poço sem fundo. III Se me arrancasses a pele, a pele já enrugada e em demasia para fazeres um casaco um fato de cerimónia, direita e indirecta dorida qual flor cortada a minha pele arrancada recusaria a murchar sobre a tua tão amada. 140


IV Durante três meses, talvez mais, moraste num postiço de cidade implantada sobre o couro cabeludo de cabeça calva e escalavrada. Uma cidade criada por ideias e não pelo pouso errático dos homens: Auroreville. Como Brasília em seu tempo e na terra de ninguém foi erguida por obra do progresso e da ordem chamada arquitectura, Auroreville parece tão-só um laboratório que junta o escuteiro ao sacerdote, ao missionário quiçá, para testar no terreno a aplicação a toque de caixa e de varinha de condão o cosmopolitismo humanitário. Chegaste, como ninguém a essa parte nenhuma de costas viradas para a história dos conflitos de classes e de ideias a uma cidade sem centro nem ameias − Aurora de seu nome como um velho filme que diz a falsa partida o afogamento encenado a tormenta verdadeira e o regresso muito incerto ao lugar de dar talvez valor àquilo que não tem preço. 27-7-2009 141


o que diz a falta de experiência porque o sol nasceu do lado errado diz-me uma luz parca e vã que a noite recomeça porventura antes do dia e que tempo não terás para ver, cheirar, pensar nessa tão curta manhã até nem terás vontade ou simplesmente à vontade para te ouvires a ti mesma gastaste tempo demais muitas migalhas de tempo atiradas aos pardais que anunciavam o sol foram horas muitas horas ocupadas, sitiadas por aquele pensamento único e tão violento que te permitia ver o homem que não existe e o homem que só existe e agora é como se o corpo soltasse esse pensamento que não deseja pousar nas asas enferrujadas das manhãs e das palavras recusando-se a escolher 142


as armas para travar a luta de ser n達o estar a que chamaste esquecer 28-7-2009

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Índice LA CHANSON DE L’ENFANT-FUGUE.......................... 2 como esses solos que levam séculos a secar.......................... 4 os olhos buscam sozinhos...................................................... 5 caminho de mãos dadas......................................................... 5 Senti o braço mais longo do que a perna.............................. 6 o retrato é um mal que não tem cura..................................... 7 BRING ABOUT THE BEAST............................................ 8 FIREWORKS....................................................................... 9 ó sombra que declinas, me duplicas...................................... 10 O pingo da torneira.............................................................. 11 Para que alguém aja.............................................................. 12 Mãe de me mim e afim........................................................... 12 Há na dúvida um vento mais adverso.................................... 13 Que resulta do sulco do arado............................................... 14 BLAGUE............................................................................... 14 A paisagem embaciada.......................................................... 15 O caminho do moinho.......................................................... 16 Verónica................................................................................ 17 Não tenho bom gosto............................................................. 18 Cavalete................................................................................. 19 Ao passo que caminhas e te cruzas........................................ 20 Il se peut ................................................................................ 21 Com o corpo esvaziado de si mesmo..................................... 21 Choro de chuva estouvada..................................................... 22 Quando se beija um morto..................................................... 22 Com as calças nas mãos?..................................................... 23 Prato do dia.......................................................................... 23 do amor, mais amaria a insolvência...................................... 24 Désir du matin, désir de matin........................................... 25 Autre...................................................................................... 26 144


Danos colaterais................................................................... 26 Poemas em resposta a Saguenail........................................ 28 Entre raposa e corvo............................................................ 34 estâncias para um pintor em trânsito................................. 35 Obstinada............................................................................... 36 apertas, dizes tu, furos ao cinto............................................. 36 O mundo concentracionário................................................ 38 a manhã oculta a sua luz de testamento................................ 39 Manual para pintura ao ar livre......................................... 40 Por cima do meu cadáver...................................................... 41 Il ne faut pas me prendre au mot........................................... 43 Peter Pânico.......................................................................... 50 o tempo de si livre, o tempo livre........................................... 52 Le voyage express................................................................. 54 Pequena história com barbas.............................................. 55 Epígono................................................................................. 56 se lá no fundo do poço........................................................... 57 EX VOTO ............................................................................ 58 Ser mãe sem mãe, Isso......................................................... 59 o anti-poema......................................................................... 60 Meu príncipe.......................................................................... 60 será que a força se divide e multiplica ................................. 61 Muralha................................................................................ 62 aquém da necessidade............................................................ 64 A eternidade esgueira-se por onde pode............................... 66 A canção é inaudível.............................................................. 67 o monte de cartas................................................................... 68 é na sombra desse mesmo ..................................................... 69 Ó pão já colado ao céu da boca............................................ 70 falo de colher flores pela raiz................................................ 71 WHAT REALITY STANDS FOR..................................... 72 sem eloquência....................................................................... 74 145


Ninguém ocupa lugar na realidade....................................... 75 Fronteira fluida.................................................................... 76 eu me faria agora frigidez de estrela em sua brasa............... 76 UNFAIR PLAY.................................................................... 77 Todos os dias, limpo as nódoas persistentes......................... 78 dominada pelo riso ou talvez não ......................................... 78 le désespoir n’a pas de nom................................................... 79 O que eu desejo é perder terreno........................................... 79 O pastor não sai de casa e do curral..................................... 80 uma rainha............................................................................. 81 WORDING DING................................................................ 82 Se me encontrasses estendida................................................ 83 Biombos................................................................................. 84 Carne e verbo....................................................................... 85 Mão aberta............................................................................ 86 A repartição das regras da beleza...................................... 88 Não me disse a minha mãe..................................................... 89 Ils parlent de se détacher....................................................... 90 Le Passé Simple.................................................................... 90 À Marin j’ai raconté.............................................................. 91 O Pai disse............................................................................. 92 Memórias do mar todo e do desmame................................... 93 Há um barco talhado no marfim............................................ 94 Le dire comme personne ne le dit à personne........................ 94 Peso de pálpebra.................................................................... 95 Sésamo 29.06.09.................................................................... 96 GENTILLE ALOUETTE JE TE PLUMERAI................. 97 EOO....................................................................................... 98 À queima-roupa................................................................... 99 SOUVENIR-ÉCRAN........................................................... 100 Certos dias............................................................................. 101 Ubiquidade........................................................................... 102 146


Sagacidade............................................................................ 103 partir...................................................................................... 104 A gravidade, a lei.................................................................. 105 Poderia então encetar a nossa fala....................................... 106 Não voltar a passar................................................................ 107 Poema da manhã.................................................................. 107 Visco...................................................................................... 108 Insepulta............................................................................... 109 Num labirinto mais comprido................................................ 110 Conhecemos agora................................................................. 110 Nous savons la dureté de la tendresse................................... 111 Contracção da preposição «a» e do artigo «o».................. 112 Como as rosas rasgadas........................................................ 113 A altitude relativa................................................................ 114 Chave de fendas................................................................... 115 A invenção do sexo .............................................................. 116 São Lazaro............................................................................ 118 Estamparia........................................................................... 120 FIN DE MASSACRE........................................................... 121 BY THE BOOK?................................................................. 122 Se me falasses do ouro........................................................... 123 Origami................................................................................. 124 Barriga de misérias.............................................................. 125 Entre o casual, meu amor, e o causal.................................... 126 Teorema................................................................................ 127 Codex..................................................................................... 128 CHANSON DE SIESTE...................................................... 129 LE LIVRE IVRE................................................................. 130 Meninges............................................................................... 131 nem dor nem chefe ................................................................ 132 Hoje despertei estremunhada................................................ 133 Ontem aprendi que as estrelas............................................... 134 147


HARDCORE........................................................................ 135 NOA....................................................................................... 136 perder as estribeiras.............................................................. 137 Passearemos.......................................................................... 137 Gravitação............................................................................ 138 LE MÉNAGE POÉTIQUE................................................. 139 TRÊS MOMENTOS DE MUTISMO E UMA QUEBRA   DE PÁGINA................................................................. 140 o que diz a falta de experiência........................................... 142

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