Sociedade e cultura contemporânea-Etnocentrismo

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INSTITUTO POLITÉCNICO DE BEJA Escola Superior de Educação Artes Plásticas e Multimédia

ETNOCENTRISMO As variáveis sociais do conceito

Daniel Filipe Valadas Antunes Hélder Francisco Gonçalves Leal Carlos João Paulo Gomes Alves

Beja 2014


INSTITUTO POLITÉCNICO DE BEJA Escola Superior de Educação Artes Plásticas e Multimédia

ETNOCENTRISMO As variáveis sociais do conceito

Trabalho de investigação elaborado no âmbito da disciplina de Sociedade e Cultura Contemporânea

Elaborado por: Daniel Filipe Valadas Antunes Hélder Francisco Gonçalves Leal Carlos João Paulo Gomes Alves

Docente: José Orta

Beja 2014


RESUMO Desde os primórdios da existência social do homem que existe uma tendência natural de sobrevivência, do mais forte sobre o mais fraco. Herbert Spencer, através do darwinismo social, apoiado na Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwin, inicia um conceito dependente de intrigas e competições onde só “o mais forte” prevalece. Conceito este que desperta a Escola Antropológica Evolucionista a tentar impor a sua “superioridade” sobre os restantes povos; posteriormente esta atitude é apelidada de Etnocentrismo, sendo, por vezes, levada ao extremo das condições humanas.

Palavras-chave: Etnocentrismo; Racismo; Xenofobia; Descriminação; Tolerância; Etnia; Antropologia Cultural; Antropologia Social; Globalização Capital.


ABSTRACT Since the beginning of man’s social life who exists an ambition of surviving from the “bigger” throw the “smaller”. Based on the Theory of Species Evolution from Charles Darwin, throw social darwinism, Herbert Spencer starts a concept made of competition where’s only the stronger shall evolve. The School of Evolutionist Anthropology awaked by this concept tries to spread his “superiority” all over the other societies; lately this attitude is named Ethnocentrism, sometimes being taken to the extreme crossing over the humans conditions.

Keywords: Ethnocentrism; Racism; Xenophobia; Discrimination; Tolerance; Ethnicity; Cultural Anthropology; Social Anthropology; Capital Globalization.


ÍNDICE Resumo I. Introdução II. Desenvolvimento 1. Contextualização 1.1. Antropologia 1.1.1. Os caminhos da Antropologia: definições 1.1.2. Antropologia Cultural 1.1.3. Etnocentrismo: conceito antropológico? 1.2. Globalização 1.2.1. Etnocentrismo: a consequência? 2. As variáveis sociais do conceito de Etnocentrismo 3. Presença do Etnocentrismo no Mundo 3.1. O Ku Klux Klan 3.2. O holocausto Nazi 3.3. O regime Apartheid 3.3.1. O reconh. do Apartheid como crime contra a humanidade 3.4. O sistema de saúde e a etnia cigana 3.4.1. O Etnocentrismo da instituição médica 4. Relativismo Cultural vs Etnocentrismo II. Conclusão III. Bibliografia

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I. INTRODUÇÃO A presente investigação pretende ir de encontro a um tema que ultrapassa gerações e que não tem fim anunciado. O objectivo desta investigação é, primeiramente, situar o etnocentrismo no tempo e no espaço, ou seja, contextualizá-lo, passando por algumas definições de conceitos a ele ligados. Para melhor o entendermos é importante compreender também alguns conceitos como a antropologia, conceito importantíssimo que está na base do etnocentrismo, e a globalização, fenómeno que está em constante evolução ou desenvolvimento e que nos permite, por exemplo, estar a par de quase todas as situações que ocorrem no nosso meio. Depois de situado e aprofundado o conceito de etnocentrismo, o que se pretende é, através de alguns exemplos analisados sobre o tema, uma reflexão e uma posição crítica sobre os mesmos, ou o mesmo será dizer, sobre o etnocentrismo em si. No fundo o que se está a fazer não é mais do que reconhecer um outro conceito, que se propõe combater a atitude etnocêntrica, ou seja, a falta de respeito e a discriminação de uma sociedade em relação à outra. Esse conceito é o Relativismo Cultural. É apresentada não só a sua definição, como também, e mais importante, uma hetero-crítica, direccionada a um conjunto de falhas que ele contém, que por vezes criam elas próprias o etnocentrismo.

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1. CONTEXTUALIZAÇÃO 1.1. ANTROPOLOGIA1 Sendo a ciência da humanidade e da cultura, a Antropologia tem um campo de investigação tão vasto que, ainda nos dias de hoje, os antropológicos estão constantemente a redefinir os seus horizontes. Estuda, no espaço: toda a zona habitada pelo homem; no tempo: pelo menos, dois milhões de anos; e todas as populações socialmente organizadas que existiram, existem ou, possivelmente, existirão. Divide-se em duas grandes áreas: a Antropologia Física (sendo possível designar-se, também, de Biológica), que ambiciona a compreensão do processo de evolução do qual originam os seres humanos modernos, com especial ênfase nos aspectos biológicos e físicos; e a Antropologia Cultural, que apela à compreensão da alteridade socio-cultural, ou seja, à apreensão visual de mundo. Sendo esta última dividida, ainda, em outros três grandes grupos, como mostra o seguinte esquema:

ANTROPOLOGIA ANTROPOLOGIA FÍSICA

ANTROPOLOGIA CULTURAL

ARQUEOLOGIA

ETNOLOGIA

ANTROPOLOGIA SOCIAL

ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS 1. EVOLUCIONISTA A Antropologia do século XIX privilegiou o Darwinismo Social, que exaltava a sociedade europeia como o apogeu de um progresso evolucionário e defendia a sua soberania sobre as sociedades aborígenes. Esta mentalidade usava o conceito de “civilização” para classificar, julgar e justificar o domínio de uns povos sobre os outros. A esta maneira de ver e julgar o mundo de forma “superior”, ignorando todo um

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An-tro-po-lo-gia (antropo- + -logia) substantivo feminino 1. Estudo do homem considerado na série animal. 2. História natural do homem.

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conjunto de diferenças entre os povos, tidos como inferiores, recebe o nome de etnocentrismo. Todas as sociedades, incluindo as desconhecidas, evoluíam em ritmos diferentes, seguindo a sua própria linha evolutiva; isto afirmou a ideia de que as demandas coloniais, levadas a cabo por Portugal, Espanha, Inglaterra e Holanda, seriam “civilizatórias”, pois levariam a estes povos, desconhecidos e “primitivos”, todo um progresso tecnológico-científico das sociedades “civilizadas” europeias.

2. DIFUSIONISTA A Escola difusionista reagiu à evolucionista e foi sua contemporânea. Dava privilégio ao entendimento e aceitação da natureza, da origem e extensão de uma sociedade sobre outra. Para os antropológicos difusionistas, a dispersão cultural seria um mecanismo essencial à evolução; acreditavam ainda que as diferenças e as semelhanças, encontradas entre sociedades eram consequência da tendência humana para imitar e assimilar a natureza.

3. FUNCIONALISTA Os funcionalistas fundamentavam-se na obra de Èmile Durkheim e defendiam o estreito paralelismo existente entre as sociedades humanas e os organismos biológicos. As suas funções eram organizadas como obrigações nas redes sociais humanas.

4. ESTRUTURALISTA Um dos grandes antropólogos desta escola, nascida na década de 40, foi Claude Lévi-Strauss. Este, direciona o seu debate na ideia de que existem regras estruturantes das sociedades na própria mente humana e assume que estas regras constroem pares de oposição para organizar o seu sentido e função. “ Para a Antropologia Estrutural as culturas definem-se como sistemas de signos partilhados e estruturados por princípios que estabelecem o funcionamento do intelecto.” (Lévi-Strauss, 1949). O antropólogo demonstra ainda que as alianças sociais têm uma parte mais estruturante na sociedade que os laços de sangue; termos como: exogamia, endogamia, aliança, consanguinidade, etc. passam a fazer parte das preocupações etnográficas. 4


5. CULTURALISTA Se, outrora, os difusionistas se opuseram aos evolucionistas, Franz Boas vincula ainda mais essa rejeição ao afirmar que cada cultura tem uma história particular e que a difusão cultural opera-se em várias direções, fazendo essa difusão pleno sentido no seio da cultura que a direcionou. Cria-se aqui o relativismo cultural.

6. INTERPRETATIVA A escola interpretativa analisa a cultura como uma hierarquia de significados, exigindo que a etnografia seja uma descrição, literária, densa; defende que é crucial a leitura da leitura que os “primitivos” fazem da sua própria cultura. Destaca-se Clifford Geertz que, provavelmente, a seguir a Claude Lévi-Strauss, é o antropólogo de maior impacto na segunda metade do século XX.

1.1.1. OS CAMINHOS DA ANTROPOLOGIA: DEFINIÇÕES ANTROPOLOGIA FÍSICA: Estuda os mecanismos de evolução biológica, herança genética, adaptabilidade e variabilidade humana, primatologia e o registo fóssil da evolução humana. ANTROPOLOGIA CULTURAL: Estuda as sociedades humanas em toda a sua vertente cultural. ARQUEOLOGIA: Estuda as culturas e os modos de vida do passado a partir da análise de vestígios materiais. Estuda, por norma, as sociedades já extintas. ETNOLOGIA: Estuda os factos e documentos levantados pela etnografia2, procurando uma apreciação analítica e comparativa das culturas. ANTROPOLOGIA SOCIAL: Analisa o comportamento do homem em sociedade, a organização social e política, as relações sociais e instituições sociais.

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Et-no-gra-fi-a (grego ethnós, -eos, raça, povo + -grafia) substantivo feminino 1. Ciência que descreve os povos no relativo aos seus costumes, índole, raça, língua, religião, etc.

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1.1.2. ANTROPOLOGIA CULTURAL NATUREZA DA CULTURA O Termo “cultura3” (colere, cultivar ou instruir, cultus, cultivo, instrução) não se submete apenas à Antropologia. A palavra pode ser empregue para indicar o desenvolvimento do homem por meio da educação. Assim, uma pessoa, dita, “culta” possui grande domínio intelectual ou artístico e, por consequente, pessoa “inculta” a que não obtém este domínio. No entanto, os antropólogos, não empregam nem ajuízam os termos de culto ou inculto, respeitando as diferenças culturais entre sociedades. Apesar de o conceito de cultura ser completamente abstrato e existirem, aproximadamente, cento e sessenta definições no dicionário português, tomam-se como referência três pensamentos: - IDEIAS: “Cultura... é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como todas as coisas e acontecimentos, relativos ao homem.” Edward B. Tylor (1871). - ABSTRACÇÃO: “Cultura é uma abstração do comportamento concreto, mas em si própria não é comportamento.” Kroeber e Kluckhohn (1952). - COMPORTAMENTO APREENDIDO: “Cultura é a forma comum e aprendida da vida, compartilhada pelos membros de uma sociedade, constante da totalidade dos instrumentos, técnicas, instituições, atitudes, crenças, motivações e sistemas de valores conhecidos pelo grupo.” George McClelland Foster (1962). Tomemos como exemplo, das três linhas de pensamento acima, a “cruz”. A ideia será quando se forma na nossa mente uma imagem da cruz. A abstracção será o simbolismo dela, para os cristãos: símbolo de fé. E o comportamento será quando os cristãos sinalizam a cruz, segundo o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Assim, as ideias são 3

Cul·tu·ra substantivo feminino 1. .Acto, arte, modo de cultivar. 2. Lavoura. 3. Conjunto das operações necessárias para que a terra produza. 4. Vegetal cultivado. 5. Meio de conservar, aumentar e utilizar certos produtos naturais. 6. [Figurado] Aplicação do espírito a (determinado estudo ou trabalho intelectual). 7. Instrução, saber, estudo. 8. Apuro; perfeição; cuidado.

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concepções mentais, concretas ou abstratas, são toda uma variedade de crenças teológicas, filosóficas, científicas, tecnológicas, históricas, etc. As abstracções consistem e dependem daquilo que se encontra, apenas, no domínio das ideias, excluindo-se completamente das coisas materiais. E o comportamento são modos de agir, adquiridos ou espontâneos, comuns a uma sociedade ou a uma religião.

ESTRUTURA DA CULTURA Como o próprio nome indica, a estrutura cultural é a base de uma cultura. Essa estrutura pode ser dividida em quatro grupos: traços culturais, complexos culturais, padrões culturais e configurações culturais. Começamos por descrever os traços culturais que são os menores elementos descritivos de uma cultura. Alguns são simples objectos do quotidiano, como uma mesa, um brinco, etc.; outros são atitudes, como um aperto de mão ou uma oração. Mas, por vezes, com a difusão cultural torna-se difícil identificar alguns destes traços culturais. O feijão, cujas primeiras manifestações de domesticação da planta do feijoeiro situam-se no Peru onde ainda hoje é um dos maiores produtores a nível mundial, é um traço cultural peruano, no entanto, cozinhado com arroz, torna-se um traço cultural brasileiro. Se agruparmos ou associarmos um conjunto de traços culturais, formando um todo funcional, obtemos complexos culturais, como por exemplo: o fado (que envolve a guitarra portuguesa, a viola e o xaile). Os padrões culturais são medidas comportamentais estabelecidas e aceites por uma sociedade. Reflete a maneira de pensar, de agir e de sentir de uma cultura. Comer três vezes ao dia (pequeno-almoço, almoço e jantar) e ir à missa ao Domingo são exemplos disso. A configuração cultural é uma qualidade singular caracterizante de uma cultura. Desta forma, a cultura deve ser vista como única, um todo, cujas diferentes partes estão tão dependentes entre si que a mínima mudança em uma delas afectará as restantes. Daí é que, ao estudar uma cultura, temos que ter uma visão conjunta das suas instituições e costumes. Assim, só poderei apresentar-me ao trabalho se tiver um meio de transporte para me deslocar até ao mesmo.

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PROCESSOS CULTURAIS A cultura tem vindo a ser estruturada, de forma evolutiva, ao longo dos anos. Essas alterações de estrutura cultural devem-se aos processos culturais. Há tantos mais processos culturais quanto a necessidade de reestruturação da estrutura cultural, dos quais enumeramos os de maior influência: - MUDANÇAS CULTURAIS: Uma mudança cultural é uma qualquer alteração na cultura, quer seja nos traços, complexos ou padrões culturais ou, em casos raríssimos, que normalmente determinam a extinção, em toda uma cultura. Esta mudança pode ocorrer com maior ou menor facilidade, consoante a resistência ou aceitação dessa cultura. As migrações, as depressões económicas e as alterações repentinas de regimes governamentais são alguns factores de influência. - INOVAÇÃO CULTURAL: Como nas mudanças culturais, a inovação só é possível através de vários factores dos quais: a variação, descrita como uma ligeira oscilação nos padrões de comportamento; a invenção/descoberta, exemplo: descoberta do fogo, da electricidade, das máquinas a vapor, do petróleo, etc.; a tentativa, quando surgem elementos com pouca ou nenhuma ligação ao passado, exemplo: computador; o empréstimo, elementos provenientes de outras culturas, exemplo: Carnaval, do Brasil, McDonald’s, da América do Norte; e o incentivo, elemento desconhecido mas aceite por uma sociedade quando este corresponde à necessidade, exemplo: rádio nos povos indígenas africanos. - ACEITAÇÃO SOCIAL: Dependente da utilidade ou necessidade, a aceitação é a absorção de um novo traço cultural através da imitação. Por exemplo, a Estátua da Liberdade americana e a sua cópia francesa, junto à Torre Eiffel. - ELIMINAÇÃO SELECTIVA: Consiste na competição pela sobrevivência quando é inserido um novo elemento cultural. Normalmente, este novo elemento releva-se mais compensador e tecnologicamente desenvolvido, o que leva à substituição do anterior. Por exemplo: o barco à vela pelo barco a vapor e, sucessivamente, pelo barco a combustível fóssil. - INTEGRAÇÃO CULTURAL: É o desenvolvimento evolutivo do ajustamento entre os vários elementos que constituem uma cultura. A integração denomina-se perfeita, pois há sempre modificações evolutivas na cultura. 8


- DIFUSÃO CULTURAL: É um processo em que os elementos culturais se difundem e diversificam entre sociedades. Por exemplo, o feijão referido acima na temática dos traços culturais. Dentro deste processo cultural encontram-se, ainda, outros processos de importante destaque: - ACULTURAÇÃO: Fusão de duas culturas distintas através do contacto contínuo, que provoca alterações nos padrões culturais de ambos os lados. - ASSIMILAÇÃO: Processo pelo qual duas sociedades que vivem em conformidade num determinado território alcançam uma “solidariedade cultural”, originando uma cultura assimilada de outras duas. Por exemplo: Cabo Verde, resulta da conformidade entre Portugal e os povos africanos. - SINCRETISMO: Tem dois caminhos de interpretação, sendo o primeiro religioso, onde dois elementos culturais se fundem, de culturas distintas ou não; e o segundo linguístico, que consiste em usar gramaticalmente uma palavra para realçar outras funções, por exemplo: pão, sinónimo de alimento e de rapaz bonito segundo o sincretismo cultural. - TRANSCULTURAÇÃO: Troca de elementos culturais entre duas sociedades distintas. - ENDOCULTURAÇÃO: É todo um processo de aprendizagem dentro de uma cultura desde a infância.

1.1.3. ETNOCENTRISMO: CONCEITO ANTROPOLÓGICO? Questionar se o etnocentrismo é um conceito antropológico será talvez um absurdo ou até mesmo um erro de compreensão. É certamente um conceito da Antropologia, até porque tudo o que diz respeito ao estudo do homem é Antropologia. Mas a questão não foi colocada com o intuito de desvendar se o conceito é, ou não, antropológico, mas para a compreensão do surgimento do conceito dentro desta grande ciência. Para tal temos que voltar a nossa atenção, de novo, para a escola antropológica evolucionista, mais propriamente para a biologia, com Darwin. Charles Darwin (1809-1882) concluiu, a partir dos seus estudos nas Ilhas Galápagos ao largo do Oceano Pacifico, que a espécie que melhor se adaptasse ao meio 9


ambiental em que vivia seria a mais forte e, consequentemente, aquela que estaria mais longe de uma possível extinção; por outro lado, os mais fracos estariam, quase, certamente extintos. Concluiu ainda que geneticamente todos os seres vivos descendem de uma única existência microbiana primária e que numa luta existencial foi a mais forte, deixando de legado, às suas gerações futuras, a sua informação genética. Portanto, este pensamento de que “o mais forte subsiste” agradou imenso aos europeus da época que se intitulavam o povo mais civilizado, concluindo que os restantes seriam não civilizados ou primários. Mas, ao contrário do que se pensa, não foi Darwin a expandir o darwinismo social, que consistia em tentar aplicar a lei do mais forte nas sociedades humanas; esse acto deve-se a Herbert Spencer (1820-1903). Com uma europa expansionista, onde tudo estava a evoluir a um ritmo alucinante (Economia, Arte, Biologia, Engenharia, Tecnologia, etc.), o darwinismo social, que defendia a evolução através de conflitos e competições, prosperou num conceito a que hoje chamamos Etnocentrismo. Este novo conceito de subjugar outras culturas sem o devido respeito pelos seus costumes trouxe ao mundo uma nova disposição global. É um estranho pensamento mas deveras fundamentado, afirmar que o etnocentrismo foi um dos factores fundamentais para a expansão mundial. Passo a explicar: o homem tinha a ambição que descobrir, de controlar e de possuir; com este pensamento darwinista da subsistência do mais forte, o mundo assiste a uma incontrolável difusão cultural a nível mundial. Descobrem-se novos continentes impondo e absorvendo cultura. Portanto, não será ousado afirmar que o etnocentrismo foi causa de globalização.

1.2. GLOBALIZAÇÃO4 CAPITALISMO A globalização contém inúmeros significados. Por um lado é uma disseminação mundial de todas as tecnologias modernas de comunicação e produção industrial.

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Glo·ba·li·za·ção (globalizar + -ção) substantivo feminino 1. Ato ou efeito de globalizar ou globalizar-se. 2. Fenômeno ou processo mundial de integração ou partilha de informações, de culturas e de mercados.

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Afirmar que vivemos numa época de globalização é afirmar que, quase, todas as sociedades contemporâneas estão industrializadas ou em vias de tal. A globalização também pode significar que praticamente todas as economias mundiais estão interligadas. Mas, claro está, há excepções à regra como no caso da Coreia do Norte, que desde sempre procurou isolar a sua economia do resto do mundo; tiveram sucesso ao manter a independência no mercado mundial mas com muito sacrifício humano e económico. Para melhor expor este conceito histórico e evolutivo, será notável abordar não a definição mas os limites económicos da globalização, visto que o capitalismo é a base das sociedades contemporâneas. Esta não possui condição singular, não é um processo linear constante nem um ponto, para onde converge toda a acção social. A globalização também não é um estado final de consenso económico. Pelo contrário, a crescente interacção entre diferentes actividades económicas ao nível mundial acentua a desigualdade de desenvolvimento; acentua a dependência dos países em vias de desenvolvimento das grandes potências capitais, como os Estados Unidos. Afirmar que avançamos rapidamente para uma maior globalização dos mercados não significa, também, afirmar que a vida económica de cada sociedade está a tornar-se cada vez mais “sensível”. Por muito que este processo globalizante continue a avançar existirão sempre mercados que não serão afectados, por mais que estes mudem ao longo do tempo. A fixação de preços base de alguns bens pelos mercados mundiais é apenas o inicio da globalização. Actualmente, poucas são as sociedades que não são afectadas pelas actividades económicas de outras. Porém, durante o século XIX e grande parte do século XX existiram sociedades que pouco ou nada eram afectadas, infelizmente estas sociedades já desapareceram ou foram absorvidas, isto porque as sociedades socialistas e tradicionais já não conseguem subsistir arredadas do mercado mundial. Ainda, noutro sentido, a globalização é um conjunto de alterações que acontecem quando uma sociedade se liga às transições absurdas do grande mercado mundial, ou se tornam dependentes dele. Por trás dos muitos significados da globalização está subjacente uma ideia, a deslocalização: o desenraizar de actividades e relações das origens e culturas locais. Anthony Guiddens resume: “A globalização pode […] ser definida como a intensificação, à escala mundial, das relações sociais, que ligam realidades distantes, de tal modo que acontecimentos locais são moldados por eventos que ocorrem a muitas 11


milhas de distância e vice-versa”. Assim os preços domésticos do quotidiano não são influenciados por condições locais ou nacionais, são definidos no mercado mundial. É muitas vezes descrita como uma tendência homogénea, definição incorrecta; isto porque os mercados globais funcionam precisamente por causa das diferenças entre localidades, nações e regiões. Imagine-se que os salários, competências e riscos políticos teriam sido os mesmos em todo o mundo, o crescimento da economia teria sido impossível. Não haveria quaisquer lucros com a deslocação do investimento e da produção se as condições fossem as mesmas. A diferenciação entre os mercados é uma das razões que justificam a tendência da globalização.

1.2.1. ETNOCENTRISMO: A CONSEQUÊNCIA? No capítulo 1.1.3. afirma-se que etnocentrismo é causa de globalização. No capítulo anterior verificámos que a principal causa de globalização é o capitalismo. Seria, portanto, correcto fazermos uma comparação ou uma coligação entre capitalismo e etnocentrismo? Não, de todo. Até porque é uma ligação bastante indirecta e abstracta. No entanto se afirmarmos que o etnocentrismo é uma das consequências da globalização o abstracionismo torna-se absurdo. Mas não é. Isto porque, tendo presente uma das definições de globalização que consiste em globalização = expansão, o etnocentrismo só é possível com o contacto. Se, na europa do século XIX, existia uma ambição de subjugar os povos, ditos como, inferiores é porque não existia tamanho contacto como nos dias de hoje. É visível uma diminuição acentuada, ao longo dos anos, do aparecimento de teorias ou conceitos de relação directa ao Etnocentrismo; à excepção do movimento nazi e, actualmente, neo-nazi que promovem uma atitude etnocêntrica extrema, denominada racismo. É atrevido afirmar que só é possível uma atitude etnocêntrica se existir globalização, num sentido abstracto. Num sentido mais real, isto é sinónimo de afirmar que só podemos ser etnocêntricos se conhecermos outras sociedades. Ora se vivêssemos isolados, sem conhecimento de outras sociedades, esta atitude etnocêntrica nem chegaria a ser conceito; e é, precisamente, aqui que a globalização tem uma presença importante, isto porque a globalização é expansão. Continuando “isolados”, sem etnocentrismo também não existiria globalização. Portanto, podemos, até, afirmar que 12


estes dois conceitos estão inseparavelmente interligados, num processo evolutivo que, ao continuar como até ao momento, levará à extinção do termo etnocentrismo e à exaltação do termo de globalização; isto se até lá não se descobrir a existência de vida alienígena, o que traria de volta o conceito e evocaria ainda mais a acção de globalizar.

2.

AS

VARIÁVEIS

SOCIAIS

DO

CONCEITO

DE

ETNOCENTRISMO Para melhor compreensão, inicial, deve ser definido o conceito de diversidade cultural. Assim sendo, uma diversidade de valores, de padrões, instrumentos, símbolos, conhecimento, ao serem integrados num determinado sistema contribuem para a resolução de problemas dos indivíduos e dos consequentes grupos, para fomentar a coesão social e para a determinação da sua identidade própria, Malinowski distingue duas categorias de elementos culturais: os instrumentais e os ideológicos. Os instrumentais são obviamente de carácter físico e visam satisfazer as necessidades básicas dos indivíduos, tais como as respeitantes à alimentação, à reprodução, ao trânsito e à segurança, entre eles entende-se: os objectos naturais tais como árvores, terra, rios enquanto meios de actividade humana; os objectos técnicos tais como roda, avião, aspirador e arado; e ainda bens móveis/imóveis tais como o vestuário, adereços, igrejas e habitações. Impedido de cair no esquecimento encontram-se ainda os elementos ideológicos sendo estes de carácter imaterial e procuram dar coerência e organização ao pensamento e comportamento humanos, entre eles: os princípios éticos e morais onde os conceitos do bem e do mal, teorias e normas de conduta ganham especial importância, também ideias e crenças direccionadas para políticas, religiosas, económicas e sociais; as instituições sociais como o estado, direito, justiça, universidade, casamento, religião e família; tradições e costumes sendo hábitos e convenções rotineiras, como as maneiras de cumprimentar, de postura; preconceitos, fobias, preferências, gostos e sentimentos e ainda aversão a símbolos. Todo este conjunto de elementos, combinados e adaptados entre si dão origem a diferentes culturas. Porém, por razões particulares, acontece que pessoas de espaços culturais diversos são muitas vezes obrigadas a relacionarem-se e a ter de conviver. Devido à imigração, é possível num país ou cidade, a existência de

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diversos núcleos naturais onde vivem pessoas de várias nações e diferentes grupos étnicos. E ainda a existência de grupos sociais que são marginalizados. Designa-se então por diversidade cultural ou por multiculturalismo esta situação de coexistência de culturas diversas, a qual tem vindo a merecer a atenção de inúmeros investigadores contemporâneos. Perante a existência de seres humanos com normas e hábitos culturais diferentes as pessoas podem assumir diferentes atitudes e condutas onde o etnocentrismo é uma delas, onde se existem indivíduos que julgam as outras culturas em função da sua própria, tomando-a como padrão para valores e hierarquizar as restantes. Desta atitude etnocêntrica pode trazer duas consequências tais como a incompreensão em relação aos aspectos das outras culturas visto que o etnocentrismo é incapaz de aceitar os que não adoptam modos de vida semelhantes aos seus e ainda a consequência de superioridade em relação aos elementos de fora com quem têm de coexistir. Com o objectivo de preservar os traços da sua cultura o etnocentrismo assume comportamentos negativos entre as quais se encontra o racismo, a descriminação, a xenofobia etc… A falta de “consciência racial” manifesta-se desde a antiguidade clássica. Na história da humanidade sempre existiram fenómenos de descriminação violenta associados á crença da superioridade de um grupo face a outros. Nas representações artísticas “os outros” surgem representados como seres estranhos, exóticos, resultantes de um “mix-racial” de pessoas e animais. Nas representações icónicas o diabo assume a cor negra e ironicamente o anjo é apresentado com a cor branca. O discurso ocidental ainda hoje enverga o termo “branco/preto” e “bondade/maldade”. Depressa, o conceito de homem negro passou a “selvagem”, aquele parecido ao macaco, despido, transportando um pau, transmitindo imoralidade, lascividade, tornando-se símbolo de violência e pecado. O conceito de raça construída na modernidade “balizou” a própria estrutura a fim de legitimar a escravatura, o recurso massivo à exploração de mão-de-obra e também o tráfico de escravos. A ilusão mundial foca-se maioritariamente, quando se fala de racismo, ao estereótipo clássico do “preto/branco” mas todo este comportamento banal face ao outro torna o racismo muito mais abrangente. Contudo as primeiras impressões surgiram do iluminismo e do desenvolvimento excessivo da ciência moderna como o particular objectivo de mostrar que o ser humano intitulado de “inferior” é mais próximo da 14


natureza do que da cultura por ser descrito como sendo selvagem. É também por assumir comportamentos tais como curiosidade infantil, impulsividade, irritabilidade, irresponsabilidade e acima de tudo a fraca capacidade intelectual. A noção de raça está directamente associada às características visíveis e características profundas tais como a aptidão e capacidade do individuo. Esta noção foi rapidamente definida pelo “racismo científico“ aplicado no iluminismo. Apoiou-se ainda, drasticamente, na antropologia física e clássica. Os critérios morfológicos como a cor da pele, a forma do crânio, a textura do cabelo, etc. convertem este ser para a descriminação. A negatividade é expressamente visível nas teorias raciais clássicas em que hierarquizam raças e direccionam os “brancos” para o topo da pirâmide. A “ciência da classificação” criada por Carl Linnaeus define seres humanos em 4 raças: Africanos, Asiáticos, Americanos e Europeus. Estas raças foram descritas por características do género: os africanos foram marcados como negros, lentos de raciocínio, descontraídos e negligentes; os asiáticos como inventores; os americanos como vermelhos, ávidos, e os europeus como belos, inteligentes, inventivos e amáveis. Charles Darwin (1817) mostrou a superficialidade das raças, as suas diferenças e suas origens comuns. O genocídio de milhões de “judeus” e “ciganos”, em nome da purificação racial alerta toda a sociedade para os padrões de pensamento racialista. Após o holocausto os cientistas deixaram afincadamente de defender as diferenças e a hierarquização de raças passando então ao apelo e defesa pela Organização das Nações Unidas (ONU) no dia 10 de Dezembro de 1948. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos […]” As investigações da (UNESCO) desmistificam os estudos e investigações que evidenciam a superioridade da raça “branca”. A partir desta fase o termo “raça” foi, ao longo dos tempos substituído pelo termo menos discriminatório sendo “grupo étnico”. O pensamento leigo acompanhou a mudança e os padrões que definem “grupo étnico” passaram a ser usados para redefinir e diferenciar grupos minoritários sociais sendo classificados pela sua cultura própria. Esta passagem marcou-se com naturalização, processo esse que faz a ligação do polo das características físicas ou raciais para o polo das características culturais. 15


Logicamente, a uma atitude racial seguiu-se uma atitude etnicista. Apesar de não se acreditar a 100%, o mito da “raça” tem sido descartado do discurso leigo mas não significa que seja o fim do racismo. O racismo contemporâneo justifica e legitima as desigualdades entre grupos, não pela sua caracterização física mas sim pela autonomia, autodisciplina, uma realização individual, valores esses fundamentais. Os resultados de diversos estudos recentes mostram que o racismo sofreu fortes alterações nas suas formas de expressão mas não desapareceu, até a simples cor de pele ainda marca o individuo e ainda determina oportunidades desiguais. A globalização actua diferentemente em vários indivíduos da cidade e da comunidade. Muitos defendem a ideia de que o racismo é um factor que não termina porque há políticas envolvidas apelando à globalização. Os grupos dividem-se em dois, aquele que aceita e defende a globalização hegemónica e aqueles que a ela resistem pertencendo á globalização contra-hegemónica. Certamente posto todos estes factos, considera-se inaceitável a discriminação racial. Na sociedade a descriminação assumese em duas partes diferentes: começando na descriminação de preconceito em que a própria discriminação é a original em preconceito mas apesar de ligados, os conceitos são distintos. O preconceito não reside no acto de tratar diferente o outro individuo, poderá ser algo mental, algo automático fruto do inconsciente, já a discriminação é fruto desse preconceito sendo a concretização desse mesmo pensamento. Nos dias de hoje, o preconceito é notável, vive na comunidade e jamais terá um fim por muito que o homem controle a descriminação propriamente dita. A outra parcela é a discriminação positiva em que o consciente do individuo acolhe o outro porque reflecte e entende directa /indirectamente a sua exclusão no meio social. Neste parâmetro há uma maior facilidade de discriminação social em ambientes onde existem indivíduos da mesma raça. A discriminação racial é a forma mais frequente de discriminação porque exclui, deferência o individuo pela sua raça, cor de pele, ascendência e a etnia. A segunda forma mais frequente é a discriminação social em que o individuo é tratado de forma diferente consoante o seu estatuto social, ou por pertencer a uma classe social diferente. A terceira forma mais frequente é a discriminação religiosa em que o individuo é marginalizado por ter uma fé diferente. Contudo, uma atitude discriminatória influência outros conceitos, outras situações, outros foros do psicológico do individuo e da comunidade, o que limita o sucesso da “paz global” no mundo. Ligado ainda à 16


descriminação encontra-se ainda a xenofobia, num grau superior, na escala de gravidade. Define-se então como sendo a aversão do individuo a outro ou algo estrangeiro. Logicamente o xenofobismo é uma forma de preconceito mas pode ser descrito como doença de foro psicológico classificado como transtorno. O comportamento dos indivíduos xenófobos varia mas a justificação é comum, são intolerantes e descriminam todo o estrangeirismo. Como doença, a xenofobia apresenta ser um transtorno causado por um medo descontrolado do desconhecido, transformando-se em desequilíbrio. Isto aplica-se a indivíduos que superam algum tipo de má experiência, que provocou sequelas e assim interfere na vida diária. Esta patologia provoca ansiedade extrema, angústia inexplicável, tornando-o um individuo anti-social, isolado e conduzido para crises de pânico. A palavra cidadão quer, originariamente, designar aquele que habita a cidade e como tal, goza de direitos civis e políticos dentro dela. Assim sendo, face aos actuais fenómenos de globalização e de imigração, promotores de um crescente intercâmbio de produtos e ideias e do contacto de diferentes culturas e religiões, as sociedades democráticas são obrigadas a repensar a situação do cidadão enquanto ser humano, enquanto cidadão do mundo. O homem tem de garantir os seus direitos fundamentais. É nesse sentido que se torna pertinente a reflexão acerca de alguns problemas da actualidade. Ninguém fica indiferente perante factos como a fome e a pobreza, a progressiva diminuição dos valores éticos do individuo etc. O homem tem de ser tolerante, a tolerância é uma das grandes bases para o avanço e aperfeiçoo das suas atitudes, e do pluralismo de convicções tais como religião, filosofia, politica, etc que preenchem o espaço social e cultural. Hoje em dia quando se aborda o assunto de tolerância é o intuito de por em causa o direito à diferença, por isso é que hoje as questões que se colocam são: “será lícito discriminar em função de sexo, raça, cultura ou religião?”. Com a prática da tolerância o conceito traduz-se no respeito pelo multiculturalismo, reconhecendo o direito à diferença a toda a comunidade. É neste sentido que a declaração de princípios sobre a tolerância que a UNESCO se baseou em 1995 é definida como «o respeito, a aceitação e o apreço pela riqueza e pela diversidade das culturas do nosso mundo, pelos nossos modos de expressão e pelas nossas formas de exprimir a nossa qualidade de seres humanos». Os cidadãos de uma sociedade pura e livre devem reflectir sobre a estabilidade inerente de uma constituição justa em que os membros da sociedade terão a confiança 17


necessária para limitar a liberdade de que goza o intolerante, quando necessário a fim de preservar a igualdade comum. Embora uma seita intolerante não tenha a mesma legitimidade para protestar contra a intolerância, a sua liberdade deve ser limitada apenas quando os que praticam a tolerância, sincera e que fundamentalmente acreditam que a sua própria segurança e a dos que defendem a liberdade estão em perigo. Ao etnocentrismo poderá ser incutido/ ligado o conceito educação e cultura do individuo perante a sociedade em que vive, a aquisição de termos e modos educacionais revelam uma evolução comportamental, uma racionalização que influencia todo o procedimento num meio social. Direccionando agora para a educação incutida em menores para uma melhor formação à posteriori, na prática a aceitação de diferenças, e a discriminação directa, deixa um pouco a desejar levando ao bullying efectivo, provocando marcas no outro, destruindo os patrões de interacção cultural e sociológica. Logicamente manter a salvo o pluralismo não é cair no niilismo do “tudo vale o mesmo” e assim pensar como Karl Popper que afirma “se formos de uma tolerância absoluta mesmo para com os intolerantes e se não se defender a sociedade tolerante contra as suas agressões, os tolerantes serão anulados e com eles a tolerância, razão pela qual aqueles limites só podem residir numa ideia transcultural de justiça que significa repúdio de situações de discriminação, domínio e violência”. Esta perspectiva configura-se a 100% na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como em tempos, numa depressão axiológica nos remete para a necessidade do primado da responsabilidade moral propondo ao mundo a fronteira entre o bem e o mal. Contudo convém salientar que nem todas as formas discriminatórias em relação a minorias/ inferioridades étnicas, diferentes culturas, crenças que se devem á xenofobia, na maioria são atitudes associadas a choques de culturas, motivações politicas ou ainda conflitos ideológicos mas tudo se baseia no reflexo do próprio individuo, o seu comportamento e o seu conhecimento face ao outro assumem uma postura determinante na sociedade, ou seja, caso o individuo decida aprofundar o seu conhecimento, esta a crescer pessoalmente e esse conhecimento adquirido fará interferência numa cultura, numa tradição, numa sociedade, numa comunidade e só assim o mundo avança, o homem evolui, o pensamento altera, a união e a compreensão prevalecem, a aceitação por tudo o que é diferente ganha balanço e tudo em prol do bem-estar global.

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3. PRESENÇA DO ETNOCENTRISMO NO MUNDO 3.1 KU KLUX KLAN Ku Klux Klan é o nome de uma organização secreta e terrorista nos EUA. Esta organização esteve presente no nosso mundo em duas ou em três fases diferentes, dependendo da diferente opinião das pessoas. Consideremos a opinião daqueles que defendem a divisão desta organização em três fases. A primeira fase deu-se a partir de 1866, aquando da sua formação, em Pulaski, Tennessee, logo depois da Guerra da Sucessão ou Guerra Civil Americana, quando tudo parecia pronunciar a paz e a prosperidade para os Estados Unidos da América. A Guerra Da Sucessão consistiu na luta entre onze estados do sul da América, defensores da escravidão, contra os estados do norte, industrializados e onde a escravidão não possuía tanto peso quanto no sul. Estas diferenças encontram-se entre as principais causas da guerra e têm origem ainda no período colonial. Enquanto que o desenvolvimento sulista era baseado no liberalismo económico que abria portas à agroexploração e à mão de obra escrava (do povo africano) perante todo o mundo, o crecimento do norte verificava-se através do desenvolvimento do mercado interno e da estipulação de políticas económicas proteccionistas. A grande imigração e a intensa industrialização que se verificaram durante as primeiras décadas do século XIX fizeram com que o poderio do norte crescesse a nível económico e político no governo, o que fez com que se desenvolvessem diversas tenções sociais e políticas entre norte e sul. Em 1863 essas tenções aumentam ainda mais, quando Abraham Lincoln, republicano contrário à escravatura e actual presidente dos EUA, proclama a abolição da escravatura nos EUA. No meio destes conflitos, por possuir um verdadeiro parque industrial para fabrico de armamento e outros recursos, os estados do norte saem vitoriosos desta última batalha da guerra na Virgínia. Esta guerra fez com que a segregação racial fosse levada ao extremo nos EUA, o que contribuiu para o surgimento de associações racistas, como a Ku Klux Klan. O objectivo da KKK, como também ficou conhecida esta organização, era impedir a integração social dos negros recém-libertados, impedindo-os de certos direitos humanos. O ódio e o desprezo dos brancos sulistas pelos negros era tanto que eles não suportavam a ideia de terem de conviver com eles em pé de igualdade, conforme as novas leis que vigoravam no país, estabelecidas depois do término da guerra. 19


Originalmente composta por um conjunto de veteranos provenientes do lado derrotado da Guerra da Sucessão, a origem deste nome vem da palavra grega Kyklos que significa círculo, ao qual se juntou a palavra Klan, para produzir um efeito de aliteração. De imediato se tornou um veículo para a resistência secreta sulista, empenhada em restaurar a supremacia branca, intimidando, castigando e matando os negros recém libertados e os seus protectores brancos em expedições nocturnas, em que os membros da associação apareciam vestidos e encapuzados com leçóis brancos, de modo a impedir a sua identificação e a aterrorizar as suas vítimas, fazendo-as crer que estavam frente a frente com os fantasmas dos confederados mortos em combate. Queriam, com isto, instaurar o medo do sobrenatural. Para isso, para credibilizar os poderes sobrenaturais, utilizavam ossos de esqueletos para apertar a mão dos antigos escravos e abóboras recortadas para tentarem invocar a lenda do cavaleiro sem cabeça, entre outros procedimentos. Esta sociedade racista era presidida por um “Grande Sacerdote”, estando depois abaixo dele uma rígida hierarquia de cargos. Com esta organização em marcha iniciava-se uma história de violências e atrocidades sem igual nos registos norte americanos. Do lado da KKK estavam também outras instituições racistas norte-americanas, como a Irmandade Branca, os Homens da Justiça, os Guardiões da União Constitucional e os Cavaleiros da Camélia Branca. Os ataques eram feitos através de várias formas, como os enforcamentos, os incêndios em casas de negros e as mortes por espancamento. Outro dos alvos da KKK eram os professores do estado do sul, que leccionavam para os negros. A KKK pensava que se os negros se instruíssem seria impossível o retorno à época da escravidão. Assim, os professores foram considerados traidores, desleais e responsáveis pela decadência do sul. A Klan, como também era conhecida a associação terrorista racial, não retrocedia perante nada. Tinham um discurso onde defendiam manter a ordem natural e social nos Estados Unidos da América. Porém, chegaram ao ponto de matar um senador republicano, apunhalando-o em pleno tribunal. Perante isto, o governo federal norte ameriacano tentou imobilizar as acções da Klan, através de leis criadas pelo Congresso e pelo presidente Ulysses S. Grant, ainda nos anos 1870. Algumas investigações foram feitas, tendo sido descobertas algumas conclusões, como a existência de leis próprias relativas à forma como deveriam trajar os elementos do grupo e às armas que tinham que possuir. Também descobriram que as acções violentas do grupo ocorriam

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preferencialmente à noite, sendo as vítimas arrastadas da sua própria casa, para locais pouco agradáveis, onde seriam torturadas e mortas de forma cruel e desumana. Em 1871 é criada uma lei, conhecida como Ku Klux Act, que deu ao presidente Ulysses S. Grant autonomia para intervir nos estados sulistas, inclusive até de usar a força para dissolver núcleos de associados da dita KKK. Isto permitiu que a associação racista fosse extinta, pelo menos parcialmente. Os seus membros, para escapar à perseguição, espalharam-se em novos organismos. Em 1880 já poucos membros sobravam, a organização estava praticamente aniquilada. E em 1882 a Suprema Corte do país declarou inconstitucional a sua existência. Entre 1910 e 1915 a organização ressurge de forma legal na cidade de Atlanta, Estado da Geórgia, naquela que seria chamada a sua segunda fase. Mas neste momento a doutrina dos Ku Klux Klan não era apenas o racismo aos negros, ela estendia-se também ao nacionalismo e xenofobia. O símbolo da associação era agora uma cruz em chamas. A sua expansão máxima ocorreu nos anos 20, altura em que tinha mais de quatro milhões de membros nos EUA. Este magnífico e surpreendente crescimento causou enorme preocupação às autoridades. A juntar à sua aversão aos negros, estava agora também incluído o preconceito contra católicos romanos, judeus, estrangeiros, homosexuais, comunistas, simpatizantes dos direitos civis e hispânicos. E o pior de tudo é que a impunidade continuava. Muito dificilmente um membro da KKK era preso ou condenado. O final da década de 1920 não foi o mais feliz para essa organização. Alguns factores como as denúncias de corrupção envolvendo alguns dos seus principais membros, a perda do seu líder máximo, preso por assassinato, e a terrível crise social e económica, decorrente do Crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, fizeram com que o número de membros pertencentes à KKK reduzisse para trinta mil. Em 1944 o serviço de contribuições directas cobrou uma dívida da Klan, pendente desde 1920, e a organização, incapaz de honrar o compromisso, acaba pela segunda vez. Contudo, esta redução de força durou só algum tempo. A partir dos anos 1950 a força do grupo retornou, acompanhado pelo crescimento a nível nacional do Movimento de Direios Civis. É a terceira fase da Ku Klux Klan, a última e a que perdura até aos dias de hoje. A lógica do sul do país prevaleceu a mesma, onde os negros eram iguais aos brancos, mas com acesso aos 21


direitos separadamente. Isto traduzia-se num pensamento onde os negros teriam acesso e direito aos serviços públicos, educacionais e de saúde, mas sempre em locais diferenciados dos locais dos brancos, e com uma qualidade inferior. Apesar de, por exemplo, os negros terem direito de voto, eles não se registavam como eleitores por medo das violentas reacções da Ku Klux Klan, entre as quais a mais comum na época, o linchamento. Linchamento é o nome dado ao assassinato de um indivíduo, geralmente por uma multidão, sem recurso a processo judicial e em detrimento dos direitos básicos de qualquer cidadão. Mais uma vez, o congresso norte americano tentou extinguir a actuação da Klan com a aprovação de leis, mas as manifestações racistas continuaram. Só a partir das décadas de 1970 e 1980 é que os tribunais sulistas, pressionados pela opinião pública e pelo governo federal, se dispuseram a julgar de forma imparcial os crimes cometidos pela Klan. Isto fez com que esta sofresse fortes abalos, provocados, por exemplo, por pagamento de indemnizações onde tiveram de desembolsar montantes equivalentes a 7 milhões de dólares e perdessem boa parte do seu património e a sua base de sustentação. Mesmo assim, com todas estas leis e manifestações contra o racismo e a descriminação, a Ku Klux Klan continua a existir ainda hoje, sustentada por diversas instituições, e a manifestar-se em várias regiões dos estados do norte da América. Nem mesmo o facto da primeira eleição de um presidente negro na história do país e da sua re-eleição foi suficiente para que deixassem de coexistir estas duas sociedades: uma branca e a dos “outros”, que abrange diversas outras etnias.

3.2 O HOLOCAUSTO NAZI Uma das piores memórias que ficam na história aquando da Segunda Guerra Mundial foi a da exterminação do povo judeu, pelo regime de ditadura nazi liderado por Adolf Hitler. O que este ditador fazia era aniquilar pessoas cometendo as piores atrocidades imagináveis, tudo em nome da eugenia, ideologia da cultura da morte, provocada por quem odeia o Criador e ama a morte. A câmara letal era uma dessas atrocidades desumanas. Surgida primeiramente em Inglaterra como uma forma de eliminação de cães e gatos vadios, e sendo patenteada por Ward Richardson como “câmara letal para extinção indolor da vida animal inferior” nos anos 1880, rapidamente passou a ser contemplada como uma solução para eliminar 22


os humanos considerados indesejáveis. Com esta ideia totalmente racista Hitler tornouse um ditador enlouquecido. As ideias pare seguir a eugenia que Hitler adoptou em 1924 eram estritamente americanas e misturaram toda a eficácia e conhecimento que os americanos possuíam para matar as raças com o seu ódio fanático pelos judeus. Hitler estava convicto que a sua raça era de facto a raça biológica dominante. Ele aceitava que as raças que considerava inferiores fossem permitidas e que sobrevivessem, mas fisicamente, só para servirem a raça alemã. No entanto em relação à comunidade judaica ele idealizava-a como “veneno” social, político e racial, uma verdadeira ameaça biológica. Ele traçou como objectivo que ela seria neutralizada e removida da Europa. A eugenia nazista decidiria quem seria perseguido, quem viveria e quem morreria, e como morreria. Os médicos nazis seriam os generais “invisíveis” de Hitler na luta contra os judeus e os europeus considerados inferiores. Eles criariam a ciência, planeando as fórmulas eugenistas, escrevendo legislações, e até mesmo seleccionando as vítimas pessoalmente para os programas de esterilização, eutanásia e exterminação em massa. Muito antes de subir ao poder, quando ainda era apenas um cabo do exército alemão, Hitler já odiava os judeus e já previa a sua eliminação. Uma carta escrita pelo mesmo em 1919 é a prova do ódio do ditador nazista pelos judeus e da sua crença que eles deveriam ser removidos da Alemanha. O regime nazi usou os campos de concentração como um maquiavélico sistema de prisão. A guerra não foi a única razão para a deportação em massa de gente para estes campos situados um pouco por toda a Europa. Em Março de 1933, passados apenas dois meses da sua chegada ao poder, Hitler inaugura os dois primeiros campos de concentração. A utilidade que ele lhes daria, ele próprio quis deixá-la bem clara perante toda a gente, e por isso afirmou sobre eles: “A brutalidade inspira respeito. As massas têm necessidade de quem lhes incuta temor, que as converta numa mole temerosa e submissa. Não quero que os campos de concentração se transformem em pensões familiares. O terror é o mais eficaz dos instrumentos políticos...Os descontentes e os insubmissos, quando souberem o que os espera nos campos de concentração, pensarão duas vezes antes nos desafiarem. Agrediremos os nossos adversários com uma feroz brutalidade, que não hesitando em

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vergá-los ao interesse da nação.” Com esta declaração Hitler admite que os campos de concentração surgiram como forma de travar e castigar qualquer oposição política. Antes da guerra começar, os nazis mandaram para os campos de concentração todos os opositores ao regime, quer fossem eles comunistas ou conservadores. Só na sequência da Noite de Cristal e da anexação político militar da Áustria a Alemanha, é que os judeus se juntaram aos presos políticos. A Noite de Cristal é o nome dado aos actos de violência que ocurreram na noite de 9 de Novembro de 1938 em diversos locais da Alemanha e da Áustria, então sob o domínio nazi. Foi um ataque destruidor violento de sinagogas (locais de culto da religião judaica) e de agressões a pessoas identificadas como judias. Mas a perseguição em massa de forma violenta mesmo só se verifica depois da conquista da Polónia, dando corpo às directivas constantes com que se pretendia aniquilar a inteligência polaca, como forma de impedir a sua influência junto da população. Hitler queria, como ele próprio disse, “manter um baixo nível de vida aos escravos baratos”. A partir de 1942 começaram a fazer uso dos prisioneiros como mão de obra para fábricas de armamento ou de interesse nacional. Criaram uma ideia de que, ao contrário do que se sucedeu até àquela data, os presos deviam ser exterminados pelo trabalho. Começa assim uma aniquilação maciça de prisioneiros. Mas a alimentação, que era de má qualidade e quase inexistente foi a principal causa de morte de várias centenas de milhares de prisioneiros. Em 1944, o número de homicídios atingia a cifra mensal de trinta mil mortos. Quando os aliados avançam e controlam duas frentes, Ocidental e Oriental, e quando a economia do regime nazi entra em colapso, os líderes nazis ficam ainda mais enlouquecidos. Himmler, um comandante militar, e um dos principais líderes do Partido Nazi, diz que o extermínio se converteu uma “necessidade imperiosa” nos numerosos campos de concentração. Antes eles eram vistos como sítios onde se praticava o terror, que era a melhor forma de negar a personalidade do indivíduo e de o manipular. Mas a partir desta data, e com os campos de concentração em risco de cair nas mãos dos inimigos, a morte em massa substitui o princípio do castigo. É urgente exterminar um grande número de seres humanos famintos, moribundos e magoados, que a permanecerem vivos não tardariam em pedir às forças vencedoras que fizessem justiça.

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Seis milhões de judeus é uma estimativa para o número de mortos em solo alemão. Mas calcular um número exacto é impossível. Ainda que os oficiais do exército nazi contassem os massacres diários e os registassem, eles fizeram questão de destruir esses documentos comprometedores antes de fugirem ou serem capturados. Os principais chefes nazis estavam já mortos quando a guerra terminou, e os cabecilhas dos campos de concentração ou suicidaram-se ou foram julgados e executados no final do julgamento de Nuremberga ou de outros julgamentos, realizados especialmente para este caso como por exemplo, o processo de Eichmann. Depois da guerra terminar criaram-se associações propositadamente para a caça aos criminosos de guerra. As associações eram constituídas por judeus sobreviventes àquele período e apoiados pelo regime israelita. Mesmo assim, estima-se hoje que dos mais de duzentos mil responsáveis pelo genocídio, entre militares e industriais, terão sido julgados apenas pouco mais de trinta e cinco mil. Apenas os inconscientes e loucos, ou seja, a maioria dos dirigentes nazis, são culpados pela matança de milhões de judeus, e não todo o povo alemão. É importante referir isso. Até mesmo porque o povo alemão à medida que foi sabendo das coisas que se passavam nos campos de concentração, pouco ou nada podiam fazer para contrariar este crime, que é considerado para muitos como o maior crime colectivo da História da Humanidade.

3.3 O REGIME DO APARTHEID Após a descoberta da África do Sul, a região foi povoada por holandeses, franceses, ingleses e alemães. No início do século XX os descendentes desta pequena minoria branca começaram a criar leis que superiorizavam o seu poder sobre a população negra. Esta política de segregação (separação) racial ganhou força e foi oficializada com o nome de Apartheid, quando, em 1948, o Partido Nacional, composto pelas gentes brancas, assumiu o poder. A palavra Apartheid é um termo africano que significa separação. E foi isso mesmo que esta política foi, uma política de separação, tanto racial como de organização territorial, que durou até ao ano de 1990. O objectivo do Apartheid era separar as raças tanto no terreno jurídico, estabelecendo uma hierarquia em que a raça 25


branca dominava o resto da população, como no plano geográfico, mediante a criação forçada de territórios reservados para os negros. Assim os negros estariam fora dos bairros e terras brancas, mas perto o suficiente para servirem de fontes de mão de obra. Este regime foi um dos regimes de descriminação e de racismo mais cruéis de que o mundo tem memória. Com este regime os negros não podiam ser proprietários de terras, não tinham direito de participação na política e eram obrigados a viver nos bantustões, míseros bairros superpovoados e com condições abaixo do que se chama de básico. Os casamentos e relações sexuais entre pessoas de raças diferentes eram proibidos e o trabalho indicado para eles era geralmente nas minas, sob o controlo das gentes brancas. O Apartheid alcançou a sua plenitude quando, em 1919, a população negra ficou reduzida a pequenos territórios marginais, privados da cidadania sul africana. Até àquele momento a África do Sul, com as suas importantes riquezas minerais e a sua situação geoestratégica, tinha-se apoderado do bloco ocidental. Porém, este sistema racista fez com que, no preciso momento em que se desenvolvia a descolonização, as pressões da comunidade internacional crescessem contra o governo da Pretória, capital administrativa da África do Sul. Para lutar contra estas injustiças, os negros accionaram o CNA

Congresso

Nacional Africano, uma associação negra clandestina, que tinha como líder Nelson Mandela. No dia 21 de Março de 19 0 ocorre na cidade de Shaperville, uma cidade nos arredores de Joannesburg, um protesto, realizado pelo PAC

Congresso Pan-Africano,

que pregava contra a lei do Passe, que obrigava os negros da África do Sul a trazerem sempre consigo uma caderneta na qual estava escrito onde eles poderiam ir ou não. Cerca de cinco mil manifestantes participaram calmamente neste protesto que se pretendia pacífico. Mas a polícia sul africana conteve o protesto através de rajadas de metralhadora. 69 pessoas morreram e cerca de 180 ficaram feridas. Após o massacre de Shaperville, o CNA optou pela luta armada contra o governo branco, o que resultou na detenção e prisão do líder Nelson Mandela, em 1962, sendo condenado a pena de prisão perpétua. A partir daí, o Apartheid tornou-se ainda mais forte e violento, chegando ao ponto de definir territórios tribais chamados de bantustões, onde os negros eram distribuídos em grupos étnicos e aí ficavam confinados. Após esse dia também, a opinião pública mundial foca pela primeira vez a 26


sua atenção no Apartheid. No dia 21 de Novembro de 1969 a ONU implementou o Dia Internacional contra a Discrimação Racial, que passou a ser comemorado todos os dias 21 de Março, a partir do ano seguinte. Também no ano de 1960, a África do Sul foi excluída da Commonwealth (Comunidade das Nações). A Commonwealth é uma associação voluntária que conta com 54 países que se apoiam uns aos outros e trabalham juntos para objectivos comuns de democracia e desenvolvimento. É um grupo de cooperação constituído por alguns dos maiores e menores, mais ricos e mais pobres países do mundo. A partir de 19 5 a comunidade internacional e a ONU

Organização das

Nações Unidas faziam pressão pelo fim da segregação racial. E em 1977 o regime sul africano foi oficialmente condenado pela comunidade ocidental e submetido a uma apreensão de armas e material militar. Em 1991, o então presidente Frederick de Klerk condenou oficialmente o Apartheid e libertou líderes políticos, entre eles Nelson Mandela. A partir desta data a população negra recuperou os seus direitos civis e políticos. Obtiveram-se várias conquistas: o CNA foi legalizado; Frederick de Klerk e Nelson Mandela receberam, em 1993, o Prémio Nobel da Paz; uma nova constituição não racial entrou em vigor; os negros adquiriram o direito ao voto e, em 1994, foram realizadas as primeiras eleições na África do Sul, resultando na chegada de Nelson Mandela à presidência da República da África do Sul.

3.3.1 O RECONHECIMENTO DO APARTHEID COMO CRIME CONTRA A HUMANIDADE Desde o seu início que o Apartheid tem sido reconhecido como um sistema racial abusivo. As primeiras observações foram feitas no mesmo ano em que entrou em vigor este regime, por parte do representante da Índia na ONU, Padmanabha Pillai, quando este enviou uma carta ao secretário geral da ONU, reclamando da maneira como os indianos estavam a ser tratados na África do Sul. No mesmo ano foi adoptada a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da ONU, onde constavam todos os direitos e liberdades fundamentais que todas as pessoas humanas devem usufruir. 27


Os dois primeiros artigos da declaração dizem que: [...] Art 1°: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Art 2°: 1. Todo o ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. Depois de lidos estes dois primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, podemos dizer que o Apartheid desrespeitou grande parte, para não dizer todo o seu conteúdo, quando tirou da população negra sul africana o direito de ser tratada de igual forma perante a população branca do país. Após a carta de Padmanabha Pillai o Apartheid foi sendo cada vez mais criticado pela comunidade internacional e começaram a surgir ideias e movimentos que tentam destruir o sistema de segregação racial sul africano. A década de 1960 ficou marcada por inúmeras manifestações formais contra o racismo. Em 1963 a Assembleia Geral da ONU adopta a Declaration on the Elimination of All Forms of Racial Discrimination. Dois anos mais tarde a mesma assembleia adopta a International Convention on the Elimination off All Forms of Racial Discrimination. No quinto aniversário do Massacre de Sharpville, o dia 21 de Março ficou conhecido como International Day for Elimination of Racial Discrimination. Nos anos que se seguem a esta década marcante na história da luta contra o racismo, já em 1971, a URSS juntamente com outros países apresentou uma ideia de uma convenção para punição e supressão contra o regime do Apartheid. Essa ideia foi aceite dois anos mais tarde pela ONU. O principal objectivo da Convenção Internacional de Punição e Supressão ao Crime do Apartheid era o de alcançar um documento formal que desse poder aos países membros da convenção de aplicarem

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sanções na África do Sul, de forma a obrigar o governo a diminuir ou acabar com o seu sistema. Nos anos que se seguem ocorrem várias conferências de combate ao racismo com o objectivo de conseguirem da comunidade internacional mais força para dimunuir ou acabar com o racismo e a discriminação racial, incentivando o respeito pelos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos. Em 1997 a Assembléia Geral da ONU aprovou a realização de uma conferência em Durban, África do Sul, em 2001. A conferência foi intitulada de World Conference against Racism, Racial Discrimination, Xenophobia, and Related Intolerance, e teve como objectivo acabar com todas as formas de discriminação racial, exigindo aos governos forte compromisso para que essa meta fosse atingida. Em 1998 a Assembléia Geral da ONU proclama esse ano como International Year of Mobilization against Racism, Racial Discrimination, Xenophobia and Related Intolerance. Nos dois anos que se seguiram seis reuniões foram realizadas nas cidades de Genebra, Varsóvia, Banguecoque, Adis Abeba e Santiago do Chile, para discutir questões de prioridade em cada região, relacionadas com a melhoria das práticas contra o racismo, a multietnicidade, a protecção contra as minorias, os refugiados, a migração, o tráfico de pessoas, os conflitos étnicos, socias e económicos, asim como a vulnerabilidade destes grupos. Em 2001 ocorre por fim a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas de Intolerância, na cidade de Durban. Passaram-se alguns dias de intenso debate até que se adoptou uma Declaração e um Programa de Acção comprometendo os estados membros a obedecer a uma série de medidas para que estes temas do racismo, discrimanação racial, xenofobia e todas as formas de intolerância fossem combatidas quer internacional como nacionalmente. Como se pôde constactar o reconhecimento do Apartheid como crime contra a humanidade deu-se de modo simultâneo com vários desenvolvimentos institucionais a nível internacional para que esse sistema tivesse o seu fim. Em 2002 entra em vigor o Estatuto de Roma, de 1998, que dá origem ao TPI

Tribunal

Penal Internacional. Este estatuto surge após inúmeros conflitos ocorridos em todo o globo terrestre e provocados pelos mais diversos motivos, sejam eles de ordem étnica, religiosa ou política. O TPI adquiriu um carácter permanente, fruto do alto número de 29


conflitos de grande escala. O objectivo do Estatuto de Roma é garantir a paz, a segurança e o bem estar dos seres humanos, reconhecer a gravidade de crimes contra a humanidade, relembrar aos estados de que é obrigação deles punir estes tipos de crime, garantir a repressão tanto no âmbito do próprio território nacional como no território internacional a todos aqueles que praticarem crimes de maior gravidade, reafirmar os objectivos e princípios da Carta da ONU, além de julgar no Tribunal Penal Internacional qualquer acto que desrespeite os objectivos do Estatuto. Mais uma vez o artigo 7º do Estatuto de Roma classifica o crime do Apartheid como um crime contra a humanidade. O estatuto diz que o sistema de segregação racial ocorrido na África do Sul era “comprometido com a institucionalização de um sistema opressivo e de dominação racial de um grupo racial sobre outro grupo racial e possuía o compromisso de manter esse regime”. A juntar a tudo isto há também a comprovação da existência de crimes como assassinato, escravidão, privação de liberdade, realocação forçada, violência sexual, entre outros actos que não são aceites pelo Estatuto de Roma. Assim, por tudo isto, o Apartheid foi consederado crime contra a humanidade pelo mesmo estatuto. Mas até esse regime ter sido classificado como crime contra a humanidade e até terem sido criados todos os meios para punir os responsáveis por este crime, toda a comunidade internacional percorreu um longo caminho.

3.4 O SISTEMA DE SAÚDE E A ETNIA CIGANA Um pouco por toda a Europa, as sociedades ciganas têm sido impedidas de se integrarem na sociedade global. Por serem uma comunidade marcada pelo nomadismo, que dispensa uma política de territorialização, por um estilo de vida em que o desejo de liberdade torna difícil uma tentativa de institucionalização escolar, profissional ou sanitária, e ainda por uma marca de forte solidariedade entre eles contra os não ciganos, faz com que haja uma distanciação desta comunidade cigana com aquelas a que eles estão “inseridos”. Assim, tendo em conta estes estigmas a sociedade discrimina os ciganos por continuarem a viver em locais extremamente precários e por trabalharem em actividades marginais e ilegais como a venda ambulante, a mendicidade ou os tráficos clandestinos. Por estigmas devemos entender a negação ou desaprovação de características ou crenças pessoais que vão contra determinadas normas culturais. 30


Ao longo dos anos o sentimento de discriminação foi-se interiorizando nos ciganos, o que faz com que eles adoptem certo tipo de atitudes menos correctas ou menos civilizadas. Essas atitudes podem ser de vários tipos como: abandono da instituição escolar e da instituição de saúde; acampamentos em locais não autorizados, como exteriores de hospitais onde têm familiares internados; resolução de conflitos em grupo ou com toda a família e com ameaças; acções do tipo provocadoras apoiadas no medo que sabem que desencadeiam sobre as pessoas, etc.. Este sentimento de discriminação ou de auto-exclusão vai-se construindo ao longo dos tempos dentro de todos, não só dos ditos ciganos como também dos não ciganos. Os não ciganos têm uma ideia tão construída e tão interiorizada do que é um cigano ou do que é ser um cigano, que se recusam a dar essa apelidação a quem pelo aspecto não apresentar esses traços, característicos e identificadores da diferença. É como se um cigano não pudesse cohabitar na nossa sociedade, sem que a sua identidade seja reconhecida e visível exteriormente. É como se um cigano tenha de trazer consigo as marcas visíveis da exclusão que lhe damos. É como se um cigano tenha à força toda que ser excluído da nossa sociedade. Facto é que, devido às fortes barreiras colocadas pela nossa sociedade à integração dos ciganos, e ao impedimento dessa comunidade em relação à exogamia (termo que se refere aos casamentos entre membros de grupos ou nacionalidades diferentes), o número de ciganos integrados na nossa sociedade constitui uma muito pequena minoria. Quando falamos nos sistemas de saúde ou serviços de saúde e na sua relação com os ciganos, estes sistemas ou serviços apontam como problema a realidade sanitária das comunidades ciganas, que até agora têm conseguido fugir a que eles os obriguem a participar no sistema universal de saúde, como todas as pessoas o fazem. A instituição cigana critica os ciganos pela sua despreocupação com a saúde e caracteriza-os como rebeldes em relação ao funcionamento burocrático dos serviços, não cumpridores das ordens ou conselhos médicos no que respeita à tomada de medicamentos ou a comportamentos de saúde, e rejeitantes da assistência hospitalar, a não ser em casos mesmo declarados de doença aguda. O sistema de saúde acusa-os mais especificamente de não marcarem consultas e quererem ser atendidos em primeiro lugar, antes de toda a gente; de tomarem os remédios de qualquer maneira; de exigirem alta hospitalar assim que conseguem manter-se de pé; de levarem as crianças contra a vontade dos médicos; de fugirem às vacinas; de as mulheres grávidas não serem 31


acompanhadas pelos médicos antes dos partos; e de virem ao médico só quando acham que estão muito doentes, etc.. Estudos realizados confirmam que estas comunidades ciganas não têm boas condições de higiene e sofrem por isso. São frágeis e susceptíveis de apanharem inúmeras doenças, e mesmo que não as apanhem o seu modo de vida conduz para uma idade média entre os cinquenta e os sessenta anos, como comprovam também alguns estudos. E as populações ciganas estão cientes disso mesmo e quando entrevisatadas pelos meios de comunicação remetem a conversa para as queixas sobre questões de humanidade e para a necessidade de uma casa com saneamento, etc.. se a instituição de saúde não tapasse os ouvidos e as políticas sociais não fossem tão esquisitas, bastarlhes-ia estarem um pouco atentos a estes discursos e responder-lhes, criando as condições mínimas essenciais para a melhoria da saúde. Isto porque há dados que comprovam que a melhoria de condições de saúde nas sociedades ocidentais esteve em primiro lugar associada à melhoria das condições de vida e de higiene que se verificam no século XIX. Por isso, será que a comunidade cigana não sabe do que fala? Serã menos inteligentes que nós? Menos pessoas, menos cidadãos que nós? Mas a sociedade cigana também erra. Em primeiro lugar porque ela tem uma concepção de saúde e doença distantes da realidade, onde pensam que a medicina é para vencer a dor e o mal-estar. Quando se está bem não se recorre à medicina e até por vezes evita-se a medicina. Mas quando se está mal às vezes até abusam quando recorrem aos diferentes serviços (médico de família, urgências,...) em dias consecutivos ou no mesmo dia numa tentativa de encontrar o alívio imediato. Outro erro é o medo que têm de ser contaminados pela sociedade não cigana, visível por exemplo quando evitam vacinas e intervenções cirúrgicas, ou quando recusam sistematicamente a comida do hospital substituíndo-a por comida trazida pelos familiares diariamente à pessoa hospitalizada. O mesmo medo ou a desonfiança estão também presentes sempre que recorrem a um serviço em situação de urgência. Há uma desconfiança tal que leva os ciganos a consultarem vários médicos e a procurarem várias opiniões. Recorrem também, paralelamente, aos serviços de curandeiros e a outras práticas alternativas à medicina, como manifestação de crença em que a cura reside no ritual. A medicina é aceite como uma forma de aliviar os sintomas. O pior é quando se trata de ser internado. Isto implica integração num meio hostil, dominado por não ciganos. Para um membro de uma comunidade cigana deixar 32


um familiar no hospital é encarado como abandono ameaçador, só aceitável em situação de ameaça de morte e apenas enquanto dura essa ameaça de morte. O isolamento ou afastamento do grupo é particularmente temido.

3.4.1 O ETNOCENTRISMO DA INSTITUIÇÃO MÉDICA Há uma grande distância cultural entre a população cigana e a instituição de saúde, que acusa os ciganos de falta de higiene, de comportamentos de risco, de ausência de prevenção e de não colaboração com os médicos. Mas a instituição de saúde esquece-se que está em frente a uma população com valores, com registos antepassados de perigo no que respeita à saúde, perigos esses que não são vencidos pela adesão aos valores e concepções modernas, pois esta população encontra-se socialmente isolada da sociedade global. É uma sociedade com falta de escolarização, o que significa por um lado incapacidade de leitura, que se traduz em falha na recepção de informação e, por outro lado, competências diferentes no que diz respeito ao uso da linguagem, meio por excelência de comunicação. É uma sociedade marcada pela ideia dos estigmas e que olha para os serviços não ciganos como agressivos e para as burocracias como incompreensíveis. No discurso da instituição médica sobre a relação dos ciganos com a saúde está perfeitamente visível uma ingenuidade etnocêntrica tal que a mesma instituição se pode caracterizar como tendo uma posição acrítica para com o sistema de valores dominante. É como se ele fosse neutro face ao conflito e dificuldades que a inserção representa para aqueles de quem se exige uma mudança no sentido da adequação dos comportamentos e atitudes. Mas que probabilidades tem o sistema de saúde de convencer a mulher cigana e toda a população a evitarem a maternidade em idades inferiores a vinte anos? É uma tarefa complicada, uma vez que o estatuto da mulher cigana está ligado exclusivamente ao seu papel no grupo familiar, o que por sua vez está dependente do casamento e da sua afirmação como mãe. Mas aqui entra o papel, importantíssimo, da globalização da modernidade. As comunidades ciganas são já afectadas por este fenómeno e mais ainda serão quanto mais próximas estejam da sociedade dominante, ou global. Daí advém o recurso ao parto em hospital, e a aceitação cada vez maior dos meios médicos de contracepção. Daí resultarão condições para que haja uma menor precaridade económica, que em conjunto com a escolarização crescente farão com que se reúnam 33


condições para uma menor exclusão social. Mas este é um processo ao qual as comunidades ciganas se opõem ainda, pois este é um processo de contradições que levará à perda da tradição e do sentimento de identidade deles. É o processo ao qual a sociedade dominante apelida de inserção e ao qual os ciganos apelidam, simbolicamente, de contaminação (no sentido em que há a perda de identidade). A instituição de saúde não é capaz de vencer a distância que a separa das comunidades ciganas, pela falta de responsabilidade que tem face às condições de vida destas populações, como se a saúde nada tivesse a ver com a não satisfação das necessidades básicas para um desenvolvimento humano adequado. A resistência das populações ciganas face ao actual sistema de saúde alerta para a definição do mesmo sistema como de saúde comunitária com competências na promoção da qualidade de vida, e chama a atenção para a incapacidade da instituição de saúde, assente na racionalidade científica feita do conhecimento sobre a doença, se abrir a outros horizontes sobre o mal-estar, mais compatíveis com a procura do sentido que a experiência da doença provoca.

4. RELATIVISMO CULTURAL VS ETNOCENTRISMO Quando falamos em Relativismo Cultural estamos a referir-nos ao princípio que defende que todos os sistemas culturais são totalmente iguais em valor, e que cada um deles tem características próprias impossíveis de serem avaliadas ou julgadas fora do seu contexto, ou seja, fora da sociedade a que pertencem. Não existem nem podem existir critérios objectivos que permitam classificar as culturas como inferiores ou superiores umas às outras. O nosso mundo assiste desde sempre a uma grande variedade de culturas. Podemos guiar-nos por um exemplo do que duas diferentes sociedades faziam com os corpos dos seus mortos para percebermos como todas as sociedades possuem diferentes culturas e, consequentemente, diferentes códigos morais. Quando uma pessoa morria o que os gregos faziam era praticar a cremação do corpo, que pensavam ser a forma mais natural e adequada de disporem os mortos. Mas esta ideia não era considerada de igual forma por todas as sociedades. Se olharmos, por exemplo, para os Callatians, uma tribo de índios, o que eles faziam era comer os corpos dos seus pais mortos. Se colocássemos 34


a estas duas sociedades a hipótese de trocarem por uma só vez o seu ritual entre si, a reacção seria de choque, de horror e de recusa. O que é dado como certo para uma sociedade pode ser completamente impensável para outra sociedade. Mas qual estará certa? Quem defende que deveríamos comer os corpos mortos ou quem defende que os deveríamos queimar? A resposta parece óbvia para os gregos que vêem no queimá-los a mais correcta, mas também parece óbvia para os Callatians, que têm como mais correcto comê-los. A maneira como cada sociedade vive parece-lhe sempre tão natural e correcta, que lhes é difícil compreender as outras formas de vida, por vezes tão diferentes. E certos tipos de atitudes e comportamentos vindos das outras sociedades levam-nos inevitavelmente a caracterizar os outros como retrógrados ou primitivos. Mas quem somos nós ou quem é cada sociedade para julgar quem quer que seja? Para dizer quem está certo ou quem está errado? Desde a época de Heródoto, geógrafo e historiador grego, que recontou a história destas duas sociedades no seu livro História, que vários observadores e historiadores se acostumaram com a ideia de que as concepções de certo e errado diferem de sociedade para sociedade, de cultura para cultura. É, pois, impossível a partilha por todas as pessoas, em todos os tempos, das mesmas ideias éticas. Para muitos historiadores a observação de que diferentes culturas possuem diferentes códigos morais parece ter sido a chave para perceberem que a ideia da verdade universal na ética é um mito. Os costumes das diferentes sociedades são tudo o que existe, e eles não podem ser chamados de correctos ou de incorrectos. Isso implicaria que tivéssemos um padrão do que é certo e do que é errado, pelo qual as sociedades poderiam ser julgadas. Mas esse padrão não existe; todo o padrão está agarrado à cultura. E o mesmo defende o maior pioneiro da sociologia, William Graham Summer, quando em 1906 disse: “A forma "certa" é a forma que os ancestrais costumavam fazer e que tem sido passada para as gerações seguintes. A tradição é a sua única garantia. Não é um assunto a ser tomado pela experiência. A noção de certo está no comportamento das pessoas. Não está fora delas, vinda de uma origem independente e trazida para testá-las. No comportamento popular, não importa o que é, é certo. Isto se dá porque as pessoas são

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tradicionais e assim, elas próprias contêm a autoridade transmitida pelos ancestrais. Quando chegamos ao comportamento popular, estamos no final de nossa análise.” Também o Relativismo Cultural é da mesma opinião, que a verdade universal em ética não existe, apenas existem os vários códigos culturais. E há também no Relativismo Cultural uma certa forma de argumento, que consiste na discussão a partir dos factos, das diferenças entre percepções culturais até chegar a uma conclusão sobre a moralidade. Assim somos convidados a aceitar o seu raciocínio. Os gregos acreditavam que era errado comer os mortos, enquanto os Callatians acreditavam que era certo fazêlo. Assim, comer os mortos nem é objectivamente correcto nem é objectivamente errado. É meramente uma questão de opinião que varia de cultura para cultura. Mas é verdadeiramente correcto dizer, a partir do facto de que eles discordam, que não há verdade objectiva na questão? A resposta é não, porque uma prática pode ser objectivamente correcta ou errada, e uma das sociedades poderia estar certa ou errada. No entanto, não há razão para pensar que, se há verdade moral, todo o mundo a deve conhecer. O erro de Relativismo Cultural ou do seu argumento das diferenças culturais é que ele tenta chegar a uma conclusão sobre o assunto, baseado no mero facto de que as sociedades discordam sobre isso. A conclusão até pode ser verdadeira, mas ela não deve resultar unicamente partindo da premissa. Para determinar se a conclusão é verdadeira ou não, é preciso argumentos que a fundamentalizem. O Relativismo Cultural propõe esse argumento, mas infelizmente ele mostra-se muitas vezes insuficiente, ou até mesmo falso. O Relativismo Cultural, se levado muito a sério pode trazer consigo algumas consequências. Por exemplo, não poderíamos dizer que os costumes das outras sociedades são moralmente inferiores aos nossos. Este é um dos principais pontos enfatizados pelo Relativismo Cultural. Teríamos de parar de condenar ou criticar as outras sociedades porque elas são diferentes. Em relação a certas práticas, como as práticas funerárias dos gregos e dos Callatians, até parece ser uma boa atitude. Mas, e se existem práticas menos benignas e prejudiciais? Se uma sociedade inicia uma guerra com o propósito de capturar escravos? O Relativismo Cultural impede-nos de dizer que essa prática está errada. E a escravatura é uma coisa errada sempre, em qualquer lugar. Porém, teríamos de considerar essa prática como imune a críticas. No entanto o Relativismo Cultural sugere um teste para determinar o que é certo e o que é errado. Basta que um indivíduo em dúvida pergunte se a acção está de acordo com o código de 36


uma sociedade ou não. Por exemplo, em 1975 um residente da África do Sul que estivesse em dúvida sobre a política do Apartheid no seu país, bastar-lhe-ia perguntar se essa política estava de acordo com o código moral da sua sociedade. Em caso positivo não teria razões para se preocupar. Mais uma vez, o Relativismo Cultural proíbe-nos de criticar os códigos de outras sociedades, mas também nos impede de criticar o nosso, porque, afinal, se certo ou errado são relativos quanto à cultura, isso deve ser verdade tanto para a nossa cultura como para as outras culturas. Também com o Relativismo Cultural a ideia de progresso moral é posta em causa. Durante o decorrer da história o lugar da mulher na sociedade foi mudando, o que as pessoas consideram de progresso. Mas podemos mesmo considerar isso como progresso? Progresso significa mudar uma forma de fazer as coisas por outra melhor. Mas por qual padrão nos guiamos para julgar que uma forma é ou não melhor que outra? Se as antigas formas estavam de acordo com os padrões sociais da sua época, então o Relativismo Social deve dizer que é um erro julgá-los de acordo com os padrões de uma época diferente. Dizer que houve progresso implica um julgamento de que a sociedade de hoje é melhor, o que é apenas um tipo de julgamento transcultural que, de acordo com o Relativismo Cultural é impossível. Todas estas consequências do Relativismo Cultural levaram muitos pensadores a rejeitá-lo. Eles afirmam que faz sentido condenar algumas práticas não benignas como a escravidão, e faz sentido também pensar que a nossa sociedade progrediu moralmente. Mas nem tudo são aspectos negativos. Também podemos aprender muitas coisas com o Relativismo Cultural. Ele alerta-nos para os perigos de assumirmos que todos os nossos pensamentos estão baseados em algum padrão racional absoluto. E não estão, muitas das nossas práticas são próprias ou características da nossa sociedade, e é-nos fácil esquecer este pormenor. O Relativismo Cultural também nos ensina a manter a mente aberta. Durante o nosso crescimento aprendemos a considerar alguns tipos de condutas como aceitáveis e outros como não inaceitáveis. Podemos ter aprendido, por exemplo, que a homossexualidade é imoral e sentimo-nos incomodados de estar ao lado destas pessoas, que vemos como diferentes. Mas agora alguém nos diz que isso é um simples preconceito e que os homossexuais são pessoas normais como as outras. Heródoto no seu livro acaba por reforçar esta ideia: “Pois se fosse dada, não importa a quem, a oportunidade de escolher entre todas as nações do mundo o conjunto de crenças que considerasse o melhor, escolheria inevitavelmente, após uma consideração cuidadosa de seus méritos relativos, o de seu 37


próprio país. Qualquer pessoa, sem exceção, acredita que seus próprios costumes nativos e a religião em que foi criada, são os melhores.”.

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III. CONCLUSÃO O objectivo maioritário desta investigação é, certamente, influenciar directa ou indirectamente o conhecimento do individuo face a este conceito tão objectivo e que se tem moldado tanto no contexto histórico como na linha de pensamento da filosofia humana. Actualmente, o factor identidade provoca um impacto fulminante para os comuns, é o que os define, o que torna legível, seja a religião, cultura, educação e principalmente conceitos como foram descritos ao longo da investigação, conceitos esses que se tornam veículo de percepção de acções e de postura social nos diferentes meios. Contudo, esta informação projecta o individuo para a introspectiva profunda e consequentemente uma reflexão, que eventualmente poderá trazer consequências bastante positivas para o estado de espirito e pensamento global tornando o individuo mais tolerante naquilo que é a aceitação dos padrões sociológicos.

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IV. BIBLIOGRAFIA AMATTA, Roberto (1987) Relativizando; Uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro, Rocco. APLANTINE, François (1996) Aprender Antropologia. 9ª Edição. São Paulo, Editora Brasiliense. ELLO, Luiz Gonzaga (1987) Antropologia Cultural. Iniciação, Teoria e Temas. 4ª Edição. Petrópolis, Editora Vozes. GRAY, John (2000) Falso amanhecer. Lisboa. Gradiva. FICHENGREEN, Barry (1998) A Globalização do Capital. Lisboa. Bizâncio. NAISBITT, John (1994) Paradoxo Global. Rio de Janeiro. Editorial Campus. RACHELS, James. (2004) Os Elementos da Filosofia da Moral. 1ª Edição.

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