PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nツコ 2515. Nテグ PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
ARTES, LETRAS E IDEIAS
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O REGRESSO DO
MONSTRO
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Terroristas neo-nazis com liberdade de movimentos
14 novembro 2011
UMA CÉLULA terrorista neo-nazi era já conhecida da polícia alemã desde 1998, pela fabricação de bombas, e, mesmo assim, gozou de suficiente liberdade de movimentos para cometer, na última década, diversos assassínios. Agora, que dois dos seus membros se suicidaram e a casa onde viviam foi revistada, vem à superfície um longo registo de crimes - e uma longa série de perguntas que põem em causa os serviços de informações alemães. A sucessão de revelações desencadeou-se na semana passada, quando dois homens tentaram assaltar um banco, falharam o assalto, foram perseguidos pela polícia e, ao sentirem-se encurralados, se suicidaram. Os corpos de ambos foram encontrados no veículo que utilizaram para o assalto e com eles estava uma pistola “Ceska” que a investigação balística da polícia logo reconheceu. Com efeito, a arma tinha uma longa história: tinha sido usada no assassínio de oito imigrantes turcos, um grego e uma agente da polícia. Conhecia-se pelas perícias balísticas a ligação entre si dos vários crimes. Estava em curso uma mega-investigação, com verificações sobre milhares de pessoas e de milhões de registos telefónicos. E, no entanto, sistematicamente, a Verfassungschutz (serviço de informações, literalmente “Defesa da Constituição”) apostou na hipótese de trabalho errada - a de se tratar de delito comum, inteiramente desprovido de conotações políticas, possivelmente relacionado com ajustes de contas no mundo do crime. Mesmo o assassínio, em 2007, da agente Michèle Kiesenwetter foi insuficiente para mudar o rumo de uma investigação viciada. E também a existência de um infiltrado da polícia no grupo neo-nazi foi inútil para se perceber a relação entre essa organização e os crimes que ela praticava. Só quando se realizou uma busca na casa utilizada pelo grupo se encontrou
Pergunta-se agora se o terá feito por mera incompetência - e, se assim for, ultrapassou limites de diletância a que o público alemão não está habituado -; ou se terá sido por preconceito político, de considerar o extremismo de direita intrinsecamente pacífico e, como tal, incapaz de criar a sua própria RAF (a chamada “Fracção do Exército Vermelho”) CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS EM DEBATE
um DVD reivindicando dos attentados sob o nomeNationalsozialistische Untergrund (algo como “Clandestinidade Nacional-Socialista”). Foi preciso que o grupo sofresse o malogro de uma das suas acções - no caso, o assalto a um banco - para que a força policial enviada em sua perseguição acabasse por cercá-lo e, ao tomar posse da viatura em que os dois assaltantes se tinham suicidado, encontrasse a arma decisiva para esclarecer o caso. Ou seja: um mistério desvendado por uma combinação de azares do bando criminoso, mas nada devendo à custosa investigação que, sem esse acaso, ainda hoje estaria a patinar. FALHANÇO DOS SERVIÇOS SECRETOS ALEMÃES
Agora coloca-se a questão: ao contrário do terrorista norueguês Anders Breivik, que podia guardar os seus planos num segredo absoluto, não se tratava aqui de operacionais isolados, e sim de uma organização que a polícia, conhecendo-a desde a origem, não podia ignorar. Em estado de choque, a opinião pública alemã descobre subitamente que o terrorismo neo-nazi retomou um papel até agora insuspeitado e que a Verfassungschutz, que é suposta defender a democracia, banalizou os crimes, desvalorizou a motivação política de todos eles, até ao ponto de camuflá-la por trás de uma explicação de delito comum.
Perante dúvidas deste calibre, várias vozes se levantam já a reclamar que daqui se extraiam as necessárias conclusões. O Conselho Central dos Judeus reclamou a ilegalização do NPD, o partido de extrema-direita que acaba por funcionar como face legal dos grupos terroristas. O presidente social-democrata da comissão parlamentar que controla a Verfassungschutz, Thomas Oppermann, concovou uma reunião de emergência para discutir as implicações políticas do evidente falhanço da Verfassungschutz. E explicou, segundo citação de Der Spiegel, que “é a tarefa dos serviços de informações impedir que estruturas terroristas possam formar-se sem ser detectadas”. E concluiu: “Aqui, em todo o caso, a Verfassungschutz falhou e precisamos de esclarecer porquê”. Uma manifestação evidente do falhanço foi a de os três membros da célula terrorista - Zschäpe, Mundlos e Böhnardt - terem desaparecido sem deixar rasto, passando à clandestinidade. Oppermann não aceita as desculpas dos agentes secretos: “Por que é que ninguém perguntou aos pais onde eles andavam?”. No Governo, a ministra federal da Justiça, a liberal Sabine Luetheusser-Schnarrenberger, discorda para já de uma nova proibição do NPD (a anterior proibição não resultara num controlo mais efectivo do terrorismo de extrema-direita). Mas admite que os serviços de inteligência não funcionaram e que é necessário reestruturá-los.
“Ocupar Lisboa” diz ter sido atacado por neo-nazis
21.10.2011
OS DESACATOS desta madrugada frente à Assembleia da República, onde permanece desde sábado o grupo de activistas do movimento “Ocupar Lisboa”, terão sido provocados por uma milícia de extrema-direita, acusam os manifestantes. O comunicado divulgado hoje pela plataforma organizadora do 15 de Outubro afirma a expressão política do grupo de atacantes, informação que a PSP não confirma nem desmente. Segundo o site do movimento, http://occupylisboa.com/, uma testemunha ocular terá presenciado, por volta das 00h50, um ataque por “um grupo de uma dezena de neo-nazis”, que “começaram a arrancar e rasgar cartazes, proferindo insultos e ameaças”. A mesma testemunha referiu que o ataque
foi precedido da passagem de um carro, de onde se ouviram palavras de ordem e insultos e de onde um dos passageiros “fez a saudação fascista”. A PSP avançou apenas que se tratava de um grupo de seis indivíduos que causou danos materiais, não tendo havido “qualquer tipo de confronto físico nem detenções”. Dois dos responsáveis pelos desacatos foram identificados pela PSP. A página dos “Indignados Lisboa” no Facebook refere um outro ataque, por volta das 06h00, no mesmo local, por “quatro dos agressores anteriores, encapuçados mas reconhecidos pelas roupas que usavam”. Mais uma vez, agentes da PSP terão intervindo, evitando agressões físicas.
Polícia alemã prende suspeito de crimes neo-nazis
A POLÍCIA alemã prendeu no dia 29 de Novembro um homem, de 36 anos, suspeito de tentativa de homicídio e de cumplicidade em seis homicídios, integrados no leque de crimes da célula neo-nazi descoberta este mês. As autoridades afirmaram que o suspeito foi detido em Jena, uma cidade no estado de Turíngia, onde se acredita que esteja sediada a célula, sustenta o The Guardian. A detenção foi divulgada num comunicado pelas autoridades alemãs, onde se pode ler que o suspeito «adquiriu uma arma para o movimento extremista em 2001 ou 2002 estando ciente de que seria usada numa tentativa de homicídio». O mesmo comunicado avança que o suspeito terá sido membro activo de círculos extremistas de direita desde 1995, tendo apoiado financeiramente três membros do grupo. «Devido ao seu contacto de longa data com o movimento, estava perfeitamente ciente dos seus crimes terroristas», continua a ler-se. Investigadores acreditam que o grupo extremista foi responsável pela morte de oito pessoas de nacionalidade turca, uma jovem grega de 22 anos e uma agente da polícia desde o ano de 2000. Além de que, é também suspeito de ter levado a cabo dois ataques com bombas e 14 assaltos a bancos por todo o país. O caso voltou a virar os holofotes para o fracasso da Alemanha em erradicar os movimentos de extrema-direita e dominou a imprensa alemã nas últimas semanas. Angela Merkel já prometeu intensificar a luta contra os movimentos radicais.
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Cantor venezuelano espancado até à morte NA NOITE de 5 de Fevereiro de 2010, no La Candelaria, no centro de Caracas, Venezuela, dois neo-nazis agrediram brutal e fatalmente o cantor Luis “Rachel” Chirinos, militante antifascista local e músico, que no momento da agressão estava com sua noiva grávida. Os criminosos fascistas, aproximaram-se de Rachel, repreendendo-o sobre suas convicções libertárias, batendo e atacando-o com facas, deixando-o deitado no chão e fugindo covardemente. Rachel foi assistido e levado para um hospital, mas já era tarde, chegou sem vida.
Sites neo-nazis austríacos alojados nos EUA
Neo-nazis quiseram matar Barack Obama AGENTES norte-americanos desarticularam um plano para assassinar Barack Obama e alvejar a tiro ou decapitar 102 negros no Estado do Tennessee, revelaram fontes judiciais citadas pela Lusa. De acordo com autos revelados esta segunda-feira em tribunal, agentes federais disseram ter frustrado planos para o roubo a um armeiro e para um ataque a um liceu frequentado por afro-americanos a perpetrar por dois neo-nazis. Os agentes disseram que os conspiradores não identificaram a escola.
Jim Cavanaugh, agente especial do Gabinete de Nashville para o Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos, disse que os dois homens planeavam matar 88 negros e decapitar outros 14. Os números 88 e 14 são simbólicos para a comunidade que defende a supremacia branca. O número 14 alude às 14 palavras do «slogan» racista: «Temos de proteger a sobrevivência da nossa raça e o futuro das crianças brancas»; o número 88 significa «HH», oitava letra do alfabeto, e quer dizer «Heil Hitler», a saudação hitleriana.
Os homens pensavam levar a cabo execuções a nível nacional, tendo Obama como alvo final, disse Cavanaugh à Associated Press: «Disseram que isso seria o seu último acto, o final, matar o senador Obama». Daniel Cowart, de 20 anos, e Paul Schlesselman, de 18, segundo avança a CNN, conheceram-se na internet através de um amigo comum. Ouvidos já por um tribunal de primeira instância, os dois arguidos vão ficar detidos, sem direito a fiança, até serem julgados.
Nacionalistas desfilam em Moscovo
5 /11/2011M
ORGANIZAÇÕES dos mais variados sectores políticos manifestaram-se ontem em várias cidades russas no Dia da Unidade Nacional. Há 400 anos atrás, em novembro de 1611, destacamentos compostos por soldados e civis russos expulsaram tropas polacas de Moscovo, que tinham ocupado a Rússia. Esta festa é celebrada desde 2005 e foi criada para desviar as atenções do 7 de Novembro, dia da revolução comunista de 1917.Num dos bairros periféricos de Moscovo, organizações nacionalistas juntaram mais de sete mil manifestantes,(os organizadores falam em 25 mil) entre os quais se viam principalmente jovens e menores. Numerosos manifestantes apareceram com máscaras nos rostos para não serem reconhecidos. Uma longa coluna começou a sua marcha ao som de palavras de ordem como “Rússia para os russos, Moscovo para os
moscovitas!”, “Russos, em frente!”, “Chega de sustentar o Cáucaso!”, “Havemos de chegar ao Kremlin!”. Os nacionalistas defendem que Moscovo deve deixar de “queimar meios financeiros” no Cáucaso do Norte e expulsar originários dessa região da capital e de outras cidades russas. Os manifestantes levantavam os braços numa saudação semelhante à nazi, enquanto insultavam a polícia que mantinha a ordem no local: “Os bófias são a vergonha da Rússia!”. Os nacionalistas também não simpatizaram com os numerosos jornalistas presentes, tendo agredido um fotógrafo quando este se aproximou da coluna. Como medida preventiva, a polícia, ainda antes da manifestação, deteve Konstantin Krilov, um dos mais conhecidos líderes nacionalistas.
O SITE neo-nazi e xenófobo Alpen-Donau, está alojado num servidor norte-americano, o que impede o seu encerramento. O princípio da liberdade de expressão é - naquele lado do Atlânticoum pilar ‘intocável’ da democracia e não estão previstas proibições, nem mesmo para discursos extremistas como é o caso. No site é possível encontrar todo o simbolismo neo-nazi e referências sarcásticas a um período negro da história, como foi da ascensão do nazismo na Europa. Os administradores do website referem-se, por exemplo, ao campo de Mauthausen-Gusen na Áustria, um dos maiores campos de concentração nazis, como «o maior museu ao ar livre da Áustria». Devido às cicatrizes da história, na Áustria apesar de a liberdade de expressão estar garantida a glorificação do ideal nazi e do Holocausto foram banidas. Se as autoridades europeias que investigam estes grupos extremistas encontram vantagens na manutenção dos sites, pois permite-lhes, de alguma forma, seguir o rasto dos seus líderes, por outro lado, aqueles que pertencem aos grupos visados pelo discurso de ódio pedem o encerramento imediato. Perante os pedidos de encerramento daqueles locais na rede, as autoridades norte-americanas dizem estar de mãos atadas, pois a menos que estes violem as leis nacionais, nos EUA a liberdade de expressão predomina sobre quaisquer que sejam os pontos de vista pessoais.
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Terrorismo extremista Cristina Dangerfield-Vogt in Portugal Post
“ATAQUES DE TERRORISTAS Cristãos Neonazis deixam Governo Espantado e os Cidadãos Chocados!” Poder-se-ia começar assim o artigo, à semelhança dos artigos sobre os extremistas muçulmanos. Mas comecemos de outra maneira: “Terroristas Neonazis Alemães assassinam Cidadãos Alemães de Origem Turca e Grega”. Porém, não foram estes os cabeçalhos escolhidos pelos Media alemães que preferiram outros títulos: “Homicídios - Döner” ou “Os neonazis Serialkillers” ou “As vítimas – Os auxiliares escondidos” – coitados, não sabiam o que faziam! Não houve um único cabeçalho de jornal que resumisse os factos, como por exemplo “Terroristas Cristãos Neonazis assassinam Cidadãos do país sem serem descobertos ao longo de dez anos”! Aceito que é demasiado longo. Então sugiro um daqueles cabeçalhos sensacionalistas: “Terroristas Cristãos Neonazis Matam os Nossos Cidadãos”. Ou então “Terroristas da Leikultur alemã matam Imigrantes”. “Leitkultur”, o que é isto? É a fusão das culturas díspares dos vários povos que passaram pela Alemanha ao longo dos séculos e que alguns insistem em declarar “puramente” alemã. A cultura “mainstream” do país à qual temos de aderir incondicionalmente sob pena de sermos acusados de falta de integração. No entanto, estas distinções desviam-nos da análise da realidade que vivenciamos e que é: o terrorismo, seja qual for a sua proveniência, é CRIMINOSO e não dá tréguas. O terrorismo seja ele cristão, judeu ou muçulmano não é coadunável com nenhuma das três religiões abraâmicas e muito menos com a ordem jurídica em que vivemos. O crime de homicídio e os crimes contra a integridade das pessoas são tipificados e punidos pelo código penal, independentemente da religião dos seus executantes. O homicídio constitui violação de um direito fundamental ancorado nº 2 (2) da Constituição Alemã – “a vida humana é inviolável, a integridade física é inviolável”. O denominador comum do terrorismo neonazi é uma INTOLERÂNCIA xenófoba extremista e que quebra o pacto social implícito das sociedades democratas. Os actos terroristas dos neonazis violam a Constituição e o Código Penal Alemães. As notícias dos últimos dias têm-se concentrado nos executantes de actos terroristas. O governo e os políticos alemães reagiram “espantados”. Como foi possível assassinar nove estrangeiros sem nun-
Para a ideologia terrorista neonazi todos os não arianos são alvos “legítimos” da luta neonazi contra a invasão do país pelos estrangeiros. Sejamos imigrantes económicos ou culturais, sejamos pretos, brancos ou amarelos, sejamos cristãos, judeus ou muçulmanos ou outros. ca se ter descoberto os assassinos? Oito Alemães de origem turca e um Alemão de origem grega foram assassinados. Suponho que o Grego fosse cristão ortodoxo. Um compatriota nosso afirmava há uns dias: “mas ainda não houve ataques a portugueses”! Não? – Pergunto. Como se distingue um português dos outros estrangeiros? A religião e a origem estão ASSINALADAS na testa? Os terroristas neonazis perguntam primeiro a origem da vítima? Para a ideologia terrorista neonazi todos os não arianos são alvos “legítimos” da luta neonazi contra a invasão do país pelos estrangeiros. Sejamos imigrantes económicos ou culturais, sejamos pretos, brancos ou amarelos, sejamos cristãos, judeus ou muçulmanos ou outros. Na realidade, os terroristas neonazis alemães não perdem tempo com
detalhes desinteressantes. Para eles, um estrangeiro é como areia na máquina do projecto ariano, uma “coisa” mal-vinda que perturba a engrenagem, e todos nós, estrangeiros de todo o mundo, podemos vir a ser vítimas dos desvarios racistas e xenófobos – da Intolerância. Segundo Kenan Kolat, Presidente da Comunidade Turca, os governantes e os Media poucas palavras perderam com as vítimas e as suas famílias nos artigos dos últimos dias. Até a própria classificação destes crimes como “os homicídios dos Döner” (fastfood turco), e que os Media sugeriram no início tratar-se de ajustes de contas entre turcos, é humilhante e insultuosa porque não só trivializa como retira gravidade aos crimes e torna difuso o seu carácter. Kenan Kolat diz numa entrevista ao jor-
nal Berliner Zeitung: “O Zentralrat dos Judeus mostrou-se desde o início solidário connosco e é nosso parceiro. Mas ainda não recebemos palavras de solidariedade nem das Igrejas nem dos Sindicatos”. Solingen, Moelln, Colónia, Hoyerswerda e Rostock – são nomes de lugares que nos lembram um conjunto de atentados xenófobos mortais. Obviamente, existe uma agenda terrorista cujos alvos são os estrangeiros que vivem na Alemanha. Ainda não estão alarmados? Segundo os media alemães, os vídeos deixados pelo grupo deixam pressupor a existência de uma rede terrorista díspar e espalhada geograficamente por todo o país, actuando a partir de células independentes, guiadas e unidas por uma ideologia xenófoba – militante e terrorista.
assola a Alemanha Em 2006, antes do Mundial de Futebol que teve lugar na Alemanha, foi sugerido classificar certos bairros e regiões como “no-go areas” para evitar incidentes racistas que estragassem a festa. Até agora a maioria dos alemães tem rejeitado esta sugestão e os estrangeiros residentes parecem desinteressados. Não obstante, os terroristas da extrema-direita alemã estão a tentar gerar factos irreversíveis: Primeiro, criar zonas livres de estrangeiros e, mais tarde, uma Alemanha livre de estrangeiros. A Alemanha é um país sem passado colonial, no sentido estrito, que se recusa a aceitar que é um país de imigração desde o início da década de 60. A própria palavra que descreve os imigrantes das décadas de 60 e 70, “Gastarbeiter”, é sintomática desta atitude fechada relativamente aos estrangeiros. Segundo a maioria dos alemães, os imigrantes que ajudaram a reconstruir a Alemanha, e que com o seu trabalho contribuíram para o desenvolvimento económico do país, deveriam partir, regressar aos seus países de origem, porque, afinal, foram apenas “convidados”! Enquanto noutros países europeus, os filhos e os netos da primeira geração de imigrantes são desde o nascimento cidadãos do país anfitrião, e muitas vezes titulares de dupla nacionalidade, na Alemanha isso só é permitido aos cidadãos da União Europeia. Aliás, a nacionalidade alemã é concedida sob condição do abandono da nacionalidade de origem; subjacente está a falta de aceitação de um facto universal dos movimentos migratórios – com o passar do tempo, os imigrantes absorvem a cultura local na sua cultura de origem criando uma cultura de fusão nova. Esta recusa de conferir aos imigrantes a nacionalidade alemã resulta na prática num desequilíbrio entre as obrigações e os deveres do estrangeiro residente. O cidadão estrangeiro residente não tem direito de voto nas eleições parlamentares alemãs nem dos estados federados, e isto apesar de ter obrigações fiscais iguais às dos cidadãos alemães. Esta injustiça, não só aliena o estrangeiro da sociedade alemã como sinaliza aos extremistas da direita, e àqueles que silenciosamente os apoiam, que os estrangeiros são mal-vindos neste país. Mas passemos aos factos: Em Outubro de 1999, “rufiões” destruíram 103 sepulturas no Cemitério Judeu de Weissensee. Um cemitério fundado em 1880 e considerado o maior e o mais bonito do seu género na Europa. Personalidades marcantes da sociedade alemã estão sepultadas neste cemitério: o fundador dos Armazéns Hertie - Hermann Tietz, o jornalista Theodor Wolf e o es-
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critor Stefan Heym, entre outros. Charlotte Knobloch, presidente do Zentralrat dos Judeus, na altura, chamou a atenção para a data dos ataques e que foi - o dia da Shoa, o Dia do Holocausto. Em 25 de Março de 1994, quatro neonazis atiraram cocktails Molotov à Sinagoga de Lübeck. Estes são apenas alguns exemplos de uma série de actos terroristas contra os Judeus na Alemanha. Aiman Mazyek, do Zentralrat dos Muçulmanos, afirmou que se registaram 20 ataques a mesquitas durante o ano corrente. Para além dos vários ataques à comunidade judaica e à muçulmana em toda a Alemanha, os neonazis também agridem os grupos esquerdistas. No próximo dia 21 de Novembro, lembrar-se-á o homicídio do jovem esquerdista, Sílvio Meier, que foi esfaqueado mortalmente por neonazis na estação de metro de Samariterstrasse, em Berlim, em 1992. O terrorismo neonazi tem de ser combatido com a mesma vontade política e a eficiência utilizada contra os terroristas do Baader- Meinhoff e os islamitas. Mas o “Leitmotiv” do nosso espanto deveria ser: Como foi possível que terroristas assassinassem à queima-roupa, passassem à clandestinidade e não fossem descobertos durante dez anos? E, mais chocante ainda – como foi possível acreditar comodamente que os homicídios foram resultado de rixas e ajustes de contas mafiosos? Esta atitude mostra bem como o país avalia os seus estrangeiros! Numa sociedade em que, segundo um estudo completado em 2008, um em quatro alemães defende pontos de vista xenófobos, os seus cidadãos têm de mostrar inequivocamente de que lado querem estar. “Das Land, das die Fremden nicht beschützt, geht bald unter” (Goethe) “O país que não protege os estranhos (estrangeiros) afundar-se-á brevemente” Esta frase de Goethe assume contemporaneidade à luz das previsões do crescimento percentual da população idosa na Alemanha. Brevemente, o país terá de recorrer a um nova vaga de imigração de “Gastarbeiter” e de técnicos qualificados estrangeiros para sustentar as reformas da sua população. Mas quem quererá vir trabalhar para um país de língua difícil e que não oferece segurança aos seus estrangeiros? Berlim-Mitte, 1996. “Scheiss Ausländerin, geh in dein Land zurück” foram as palavras que me foram dirigidas por dois homens alemães quando levava o meu filho de 1 ano e meio para o infantário.
Numa sociedade em que, segundo um estudo completado em 2008, um em quatro alemães defende pontos de vista xenófobos, os seus cidadãos têm de mostrar inequivocamente de que lado querem estar. Eu e uma testemunha alemã chamámos a polícia. Os agentes da polícia portaram-se insultuosamente (antigos agentes do Leste). Para além da queixa por “insulto” na via pública, apresentei ainda queixa
com vista a processo disciplinar interno contra os polícias envolvidos junto do Ausländer Beauftragte de Berlim. Infelizmente, não foi a última vez que fui insultada.
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Província de Jiangsu
António Graça de Abreu A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos. Bernardo Soares, aliás Fernando Pessoa EXISTE UM provérbio chinês que diz mais ou menos o seguinte: “No Céu existe o Paraíso, na Terra, as cidades de Suzhou e de Hangzhou.” Ambas são Património Mundial da Humanidade pela Unesco, ambas englobam e acariciam o que de melhor existe no velho Império do Meio. Hoje é a vez de Suzhou. Situada a 95 quilómetros de Xangai, nada tem a ver com a moderníssima megametrópole da foz do rio Huangpu. É uma cidade da China Antiga com 2.500 anos de História e hoje com 700.00 pessoas habitando dentro do rectângulo de muralhas e do fosso de água que circunda o burgo. A cidade está pontilhada de jardins, parques, pontes, canais, pavilhões, pagodes e infelizmente também aparece o contra-senso e a heresia de alguns arranha-céus recentes. Suzhou, de mel, leite e seda é famosa em toda a China pelo encanto dos espaços criados e modelados pela mão do homem. Também pelas suas mulheres, as mais belas do Império, uma espécie de pétalas de lótus caídas do céu. Diz-se que o perfume das meninas de Suzhou inebria a brisa, que os seus dedos se abrem como rebentos de bambu, as cinturas são jade faiscante, os lábios, rubi e polpa de cereja. Os seios das beldades, para ir buscar uma imagem do velho rei Salomão, no Cântico dos Cânticos, são “duas gazelas voando”. Na Primavera de 1980, ido de Pequim, estive pela primeira vez em Suzhou e perdi-me no rendilhado da cidade. Visitei não sei quantos parques e jardins, subi a uns tantos pagodes, deixei-me conduzir por velhíssimos canais e, numa pousada com uma história de quinhentos anos, após esplendorosos sortilégios, adormeci envolto na capa bordada da China Clássica. Os pequenos jardins de Suzhou têm sido a perdição inteligente e bem sucedida de muitos mandarins. Retirados das suas funções, aposentados depois de vidas de ostentação, poder e mando, também de infortúnios, perseguições e degredo, incontáveis letrados e funcionários estatais, sobretudo nas dinastias Ming e Qing (1368 a 1911) procuraram os recantos pacíficos de Suzhou para mandar construir as suas residências. Rodearam os pequenos espaços, ou inseriram nesses diminutos lugares de habitação os pavilhões pintados, lagos com lótus e peixes vermelhos, as plantas e flores de todos os tipos e tonalidades, as rochas perfuradas pela erosão dos séculos, as colinas artificiais
com torreões, os muros brancos com janelas trabalhadas, os poemas caligrafados em pedras de ardósia, as empenas coloridas, os pórticos das casas em madeira lavrada. A serenidade e harmonia dos lugares reconfortava os velhos mandarins que assim se reconciliavam com o mundo. No século XVII chegaram a existir mais de duzentas casas-jardim em Suzhou, hoje serão umas quarenta. Vale ainda a pena recordar alguns nomes, jardim do Humilde Administrador, do Lazer e do Vagar, do Mestre das Redes, do Abraçar da Beleza, do Retiro e Meditação, da Floresta dos Leões. * No Verão de 1998 regressei a Suzhou e tive então a sorte de chegar à cidade viajando de barco, após descer um troço do Grande Canal desde Wuxi, sessenta quilómetros a norte. Ora a lancha chinesa entrou em Suzhou junto à ponte de Fengqiao, por um pequeno braço do Canal ao lado do templo de Han Shan. Ali estava, rutilante ao sol chinês do meio-dia, o conjunto de construções budistas, o mosteiro dedicado ao poeta Han Shan, uma singular figura do século VIII chinês cuja grande poesia tive o gosto de traduzir para língua portuguesa, na minha antologia, Poemas de Han Shan, honradamente publicada em Macau pelas Ed. Cod, 2009. O templo de Han Shan foi fundado durante o reinado do imperador Tianjian, na dinastia Liang (502-557) e só mais tarde, já na dinastia Tang (618-907), viria a adoptar o nome de Han Shan. Existe uma curiosa lenda associada aos sinos deste mosteiro e à introdução do budismo chan ou zen no Japão. Um dos sinos, durante uma tempestade, terá voado para o país do Sol Nascente e levado consigo o monge Shi De. A partir de então, o budismo chan ou zen começou gradualmente a entrar na alma japonesa. Esta uma das razões porque qualquer nipónico minimamente instruído conhece Suzhou e adora visitá-la. Agora na Primavera de 2011, outra vez os jardins para me perder, os canais, a fábrica das sedas, mais o pagode da Colina do Tigre começado a construir no sec. XI e hoje tão inclinado como a torre de Pisa. E uma novidade, o interessante -- porém com interiores algo decepcionantes --, Museu de Suzhou inaugurado em 2007, desenhado pelo arquitecto norte-americano I.M. Pei, o inventor da Pirâmide de Vidro do Louvre, em Paris, e aqui nascido em 1917. Ruas e ruelas antigas para caminhar pela antiguidade do tempo. Esta mini-Veneza com cento e setenta pontes e trinta e cinco quilómetros de canais, tão perfeita, tão formosa, mas onde se adivinham também míseros quotidianos, rudeza e vilania. Desta vez, num dia de menos contentamento com o mundo dos homens vi, pelas paredes brancas, pelos telhados negros de Suzhou caírem lágrimas dos séculos.
SORTILÉGIOS NA C
CIDADE DE
苏州
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SUZHOU
Fotos António Graça de Abreu
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P R I M E I R O B A L C Ã O
luz de inverno
Boi Luxo
NIJUSHI NO HITOMI, 24 EYES, 1954
A atenção que nestas páginas tem sido dispensada ao cinema japonês tem recaído, de um modo geral, em filmes que afectam um grande desejo de liberdade, uma propensão arrogante ou uma vontade experimentalista. Por essa razão, vários dos filmes escolhidos são filmes realizados durante os anos 60 e 70, décadas em que, no Japão e em muitos outros pontos do mundo, esta tendência libertária se manifestou de modo mais descarado e constante. Sem pretensões enciclopédicas este filme vem aqui parar sem que se perceba muito bem porquê. Talvez porque é um filme inevitável. Em Portugal este filme seria O Pátio das Cantigas, nos Estados Unidos provavelmente Casablanca, em Inglaterra A Filha de Ryan. Quem é que no Japão nunca viu este filme? Só as gerações mais novas. O cinema japonês é um imenso mar de filmes sentimentais, sobre a sorte adversa de pobres, de prostitutas (Bangiku, de Naruse, é do mesmo ano), de mães, muitas mães, de pequenos funcionários, pequenos comerciantes, filhas vendidas, camponeses, pescadores, etc. Não é possível estender um olhar minimamente entendedor sobre o cinema deste país sem conhecer esta sua faceta. 1954. Quantos olhos humedecidos por esse Japão fora, numa época anterior à distribuição doméstica da televisão. Exteriormente sentimental, neste filme é certamente o seu subtexto duro, suavemente reprovador da intolerância e do imobilismo, que lhe garante uma fibra que o mantém actual. É sobretudo uma história sobre a incapacidade do novo de se fazer substituir
ao velho. Essa operação, muito dolorosa para a mentalidade japonesa, dar-se-ia mais tarde, de modo forçado, através das obrigações que a derrota na Segunda Grande Guerra impôs. Esta história começa no período do extremar do nacionalismo. Integrar uma reflexão sobre o militarismo e a guerra num filme suave e sentimental não é, no entanto, nada de novo. Naquele que pode ser considerado um dos primeiros filmes pacifistas do Japão, Seikaku no Tsuma (a Mulher de Seikaku), 1924, de Minata Minoru, a protagonista do filme eleva-se ao extremo de cegar deliberadamente o marido para que este não tenha de regressar à frente de batalha russo-japonesa e cumprir o seu dever para com o envolvente complexo imperial. Nijûshi no Hitomi é uma singela história centrada num grupo de 12 crianças (daí os 24 olhos do título) e uma professora de escola primária. Começa nos finais da década de 20, na ilha de Shodoshima. Oishi chega à ilha para substituir uma antiga professora, que se vai casar. Oishi é uma mulher moderna, anda de bicicleta e usa roupas ocidentais, ousadias conspícuas na pequena ilha. Admirável como a propósito das mais simples das histórias tantas vezes se insinua um texto sobre a história nacional, sobre um ou mais episódios do seu desenvolvimento (o filme cobre um número considerável de anos, de 1928 a 1946). O tom geral do filme é sereno mas não é, de início, bom. As modernices de Oishi, perfeitamente decentes, inserem-se mal no quotidiano conservador dos habitantes da ilha. As coscuvilhices cobrem-na de
KINOSHITA KEISUKE
uma censura cada vez mais odiosa e que só muito mais tarde se dissipará. Em seu redor e no seu interior instala-se o conformismo. Oishi passa a usar quimono. Só as crianças, seis das quais a acompanham até ao fim do filme, nunca abandonam a admiração e a compreensão com que a olham. Por trás de tudo isto estão os imensos céus puros do Japão, e a lembrança, hoje, de que quando fugimos às cidades encontramos sempre esta sucessão quase infinita de ilhas e céus puríssimos, de pequenas baías e pequenas comunidades tão fechadas como aquelas. É o mesmo céu de Hadaka no Shima (A Ilha Nua, 1960) de Kaneto Shindo, belo no seu rosto turístico, impiedoso para quem o experimenta diariamente. É este o registo deste filme famoso, o da serenidade do seu céu e o da rudeza que este ao mesmo tempo impõe aos que sob ele (dificilmente) vivem todos os dias. A arte de Kinoshita consiste em conseguir equilibrar estas duas dimensões deste filme longo e sentimental mas ao mesmo tempo rígido e impiedoso. Lembremos que este autor tem por trás deste filme uma carreira no filme humorístico, o que lhe permite caminhar sempre num registo que não caia num sentimentalismo óbvio. De qualquer modo, os seus planos “contemplativos” (as paisagens da ilha), normais neste tipo de cinema (Ozu tem muitos), ganham aqui um peso maior através da sua quantidade. Benévolos quadros que nos obrigam a parar a enquadrarmo-nos constantemente na grande ordem das coisas. De seguida, somos subitamente lançados de
novo na realidade. Lembramos também que há neste autor uma veia realista e ousada importante. Por vezes quase brutalista. Num filme que já aqui trouxe à reflexão, Nihon no higeki (A Japanese Tragedy), de 1953, Kinoshita introduz-nos no drama a partir de imagens reais, de documentários, relativos ao Japão turbulento do pósguerra, imagens de manifestações de rua em frente à Dieta, outras no interior desta, imagens do Imperador, imagens de um dia-a-dia inseguro em que impera o crime, imagens cruas que contrastam com o tom melodramático de que o resto do filme se rodeia. A meio do filme insinua-se de modo mais incisivo o discurso pacifista através da rejeição da vontade militarista que muitos dos seus antigos alunos exprimem. A partir da dureza da vida das várias figuras aqui retratadas espalha-se, lentamente, uma infecção que percorre a mentalidade urbana e rural do Japão até aos dias de hoje. Nestes quadros despidos de sexualidade (contrários a Imamura) instala-se, como um lodo estéril, algo que encontramos frequentemente nos filmes que retratam a miséria que se seguiu à guerra ou o silêncio existencial das novas classes médias moldadas pela nova afluência – um lodo tentacular, o lodo da resignação. A parte final do filme mostra-nos uma sucessão de mortes causadas pela guerra e pela pobreza. Mostradas sem pieguices, distantes, integradas de uma maneira natural no ciclo das vidas da sereníssima ilha de Shodoshima, terra de uma resignação, talvez, afinal, benigna.
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T E R C E I R O O U V I D O
música chinesa
Sun Wei
DO COMEÇO ATÉ O SÉCULO XVI A.C. Os instrumentos musicais chineses mais antigos que se conhecem hoje são 16 flautas de osso, que foram encontradas num túmulo da Idade de Pedra Polida na província Henan, durante 1996-1997. Testes de carbono 14 feitos por arqueólogos dataram-nas entre 8.000-9.000 anos. As flautas foram feitas de tíbias de grous. A maioria tem 7 furos, e ao lado de alguns furos, ainda dá para ver as marcas para furar, que dividem as flautas em partes do mesmo comprimento. Há alguns furos que têm um furo menor ao lado, que provavelmente servia para ajustar a altura dos tons. Isso mostra que as pessoas da época já estavam a procurar com exatidão da altura dos sons, e tinham certos conhecimentos sobre a relação entre o comprimento de um tubo e a altura de som. A descoberta das flautas deu uma imagem do desenvolvimento da música dessa época, tão diferente da conhecida até então, e isso foi uma surpresa para os pesquisadores. Além das flautas, encontraram-se mais instrumentos musicais da Idade de Pedra Polida, que são apitos de osso, Xun (um instrumento musical feito de terracota, parecido com a ocarina), sinos de terracota, Qing (um instrumento de percussão, feito de pedra ou de jade), e tambores. Estes instrumentos musicais cobrem um período bem longo e foram encontrados amplamente na China, por isso, devem ser os principais instrumentos musicais dessa época. Entre eles, o sino, o Qing e o tambor desenvolveram-se muito durante a história. E o
apito, o Xun, e outros instrumentos semelhantes à flauta são utilizados até hoje entre o povo, embora não se tenham transformado muito. O Xun é um instrumento interessante. É feito de terracota, tendo a forma de um ovo ou variada de ovo. O Xun é do tamanho de um punho médio, vazio, tem um furo no topo para tocar com a boca, e um ou alguns na “barriga” para colocar os dedos. Além da flauta, Xun é o único instrumento musical dessa época que tem mais de um tom definido. Os Xun da época primitiva têm 1-3 furos, que são 2-4 tons. Têm menos furos que a flauta e isso provavelmente tem alguma coisa a ver com a forma: é mais difícil calcular os furos dos tons na forma oval que na forma de tubo. Do Xun à flauta, pode-se ver o desenvolvimento da escala. Na época primitiva, a música e a dança não se separavam uma da outra, e era assim mesmo na China. No século XI a.C., a excursão combinando a música e a dança se chamava “Yue” - “a música”. Mesmo depois da música e da dança se separarem e cada uma delas se tornarem uma forma artística independente, “Yue” manteve seu duplo sentido durante um longo período na história. As pinturas antigas encontradas em rochas descrevem a música e a dança antigas, que eram sempre um evento da comunidade toda. Segundo informações incluídos em documentos, as danças e músicas antigas tinham sempre a ver com as actividades da caça, sacrifícios, casamentos, etc.
O livro Wu Yue Chun Qiu - “A Primavera e o Outono de Wu e Yue” inclui uma canção folclórica: “Duan Zhu, Xu Zhu, Fei Tu, Zhu.” “O bambu quebra, adiciona-se um bambu, a poeira voa, corre-se atrás.” Usando poucas palavras, a canção consegue descrever a actividade primitiva de caçar. Um outro livro “Lü Shi Chun Qiu” - “A Primavera e o Outono de Lü” - regista vivamente a celebração e o sacrifício feitos depois de uma boa colheita: “Com a música de Ge Tian, três pessoas pegam rabos de vacas, batem os pés no chão e cantam oito cantos: ‘carregar o povo’, ‘o pássaro negro’, ‘correr atrás dos matos’, ‘trabalhar por mais cereais’, ‘respeitar as regras do céu’, ‘realizar as funções do imperador’, ‘obedecer ao moral da terra’, ‘reunir todos os bichos e os pássaros’.” Neste período, não havia divisão do trabalho com respeito à música e da dança, nem havia músicos profissionais. Estas actividades eram para a sociedade toda. A música e a dança ainda não se separavam da sociedade, nem eram formas artísticas especiais. A separação aconteceu provavelmente no século XXI a.C., na Dinastia Xia. Fala-se que os imperadores da Dinastia Xia usavam sempre danças e músicas de grande escala para se divertirem; assim músicos e dançarinos apareceram na sociedade. Isto é um símbolo de que a música e a dança se tornaram uma arte na sociedade humana.
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À S U P E R F Í C I E
escritos de passagem
Ana Paula Dias
FALAM PORTUGUÊS Travessa Sancho Pança small boy expecting dog to follow scooters rise piano beyond to take up the distance how long in this village may I remain anonymous? the market will cleanse me of every desire Macao and Hong Kong poems of Christopher Kelen
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HAMAM-SE MANUEL WONG, JOSÉ TAM, MARIA TERESA LEONG E SÃO PROFESSORES DE PORTUGUÊS. SÃO CHINESES E ADOTAM UM NOME PORTUGUÊS OU, PELO MENOS, OCIDENTAL, PARA FACILITAR O CONTACTO COM OS ESTRANGEIROS. É assim em Macau e em Hong Kong e entre os docentes e alunos de português na China. Outros são macaenses, ou literalmente «filhos da terra», e os seus apelidos transpiram história: são os Gonzaga Gomes, os Nolasco da Silva, os Ritchie, os Senna Fernandes, os Santos Ferreira. Apenas um ou outro traço mais oriental nos seus rostos relembra a longa viagem desta língua que partilhamos. Todos falam português, um tanto timidamente uns, por vezes cristalinamente outros. Há ainda o caso dos estudantes da China continental, como se diz por cá. Espantosos na sua fluência, na competência com que dominam vocabulário e sintaxe e na avidez com que nos procuram para treinar essa língua que apostaram aprender. Quatro anos de estudo intensivo e ei-los a palmilhar o mundo – esperamnos Angola, o Brasil, o futuro. Que passa pelo português que falam. Há os concursos de recitação, de argumentação, de debate, das escolas primárias, secundárias, do Politécnico e da Universidade, altamente concorridos e prestigiados localmente. Crianças e jovens declamam o seu português nervoso ou convicto, apresentam oralmente os seus textos muitas vezes decorados do princípio ao fim, até na pontuação. Empenhadamente. Há depois, nestes 30 quilómetros quadrados, o português que se escreve ou antes, o português escrito. É mestiço. Ternamente mestiço na sua adaptação a este trópico de Cancer, silabado, entrecortado, errado até. Travestido em palavras inventadas. Palavras que escorregaram e se instalaram à sua maneira ingénua,
desconcertante, arcaica nas tabuletas, nos anúncios, mesmo nos serviços públicos, nos domínios institucionais. Palavras portuguesas. Resistentes. Combinações únicas. As lojas das sopas de fita, os estabelecimentos de comidas, o chã de medicional, o centro de massage, os vest dos de noivas, as sap at arias, a lembrar as palavras cantonesas monossilábicas. Todos tendemos a modelar pronúncias ou acentos tónicos por paradigmas familiares, aqui não é exceção. A rudeza cândida da indicação «retrete» para quem desembarca em Macau, vindo aeroporto de Hong Kong. Mas pelo menos sabemos onde nos dirigir. É certo que em termos percentuais, o número de falantes de português é pouco significativo. Em Macau, o português permanece como língua oficial com estatuto idêntico ao chinês, mas só a pequena população euro-asiática o usa e há apenas uma escola secundária portuguesa, que serve uma população de cerca de 2 mil portugueses. Há escolas luso-chinesas com secção portuguesa, onde é língua veicular de ensino. E é língua de opção noutras. Podemos repetir, até se esvaziar o significado da afirmação, que não houve e/ou não há uma política linguística de sedimentação da língua portuguesa neste território. É verdade e é indiscutível; apesar de os chineses e os portugueses terem convivido durante tanto tempo, nunca chegaram a um intercâmbio essencial e significativo. Ambos não se comunicaram bem, como se um pato falasse como uma galinha, como diz um provérbio cantonense. Mas hoje apetecia-me apenas falar destas pessoas todas que aqui falam português ou que se esforçam por o fazer. Das que vejo ir duas ou três vezes por semana a uma qualquer escola aprender a falar a língua, após um dia cansativo de trabalho. Dos bandos de meninos e meninas de uniforme e cabelo escorrido que têm esta disciplina, por sugestão dos pais ou escolha sua. Nos seus rostos jovens ou mais maduros é imperscrutável o desígnio que os leva a tal. Na timidez das suas respostas a interpelações, também. E no entanto, movem-se. Ou põem em movimento esta língua viajante e viajada que é maior que a ocidental praia lusitana de onde um dia, há centenas de anos, partiu e prosseguiu esta viagem contínua que lhe dá rosto e identidade. Macau, 24 de novembro de 2011
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L E T R A S S Í N I C A S
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WEN ZI 文子
A COMPREENSÃO DOS MISTÉRIOS
Quando se tornou decadente, a música passou a seguir as tendências sem reflexão.
CAPÍTULO 174, PARTE I Lao Tzu disse: Os sábios reis de outrora derivavam imagens do céu em cima e derivavam padrões de medida da terra em baixo. Harmonizando as energias yin e yang para se sintonizarem com a estrutura das quatro estações, observavam a lei do solo, a sua humidade, fertilidade e elevação, de modo a estabelecerem empreendimentos que produzissem bens e os livrassem de problemas de fome e frio e evitassem as calamidades da moléstia e da doença. Através de uma equilibrada aceitação do comportamento social, formularam rituais e música, praticando as fórmulas da humanidade e justiça de modo a trazer ordem às normas sociais. Con-
siderando as diversas naturezas, estabeleceram a relação primária de prole e progenitores para produzir famílias. Escutando a claridade e nebulosidade dos sons e a matemática das escalas musicais, estabeleceram os deveres dos dirigentes e ministros de modo a produzir nações. Observando a ordem dos primeiros, médios e finais estágios das quatro estações, definiram as divisões de juventude e velhice de modo a criarem postos [adequados]. Dividindo a terra em territórios, definiram estados para os governarem. Estabelecendo grandes centros de estudo, tudo isto ensinaram. Estas são as linhas mestras do governo. Quando atingem a Via são promovidas, quando perdem a Via são abandonadas.
Nunca houve nada que entrasse em tensão para não mais relaxar, ou que florescesse sem mais se estragar. Só os sábios podem florescer sem se estragarem. Quando os Sábios inicialmente fizeram música, tal foi para restaurar o espírito, estancar a licença incontrolada e trazer de volta a mente celestial. Quando se tornou decadente, a música passou a seguir as tendências sem reflexão; tornou-se cheia de licenciosidade e paixão, sem consideração pela via certa. Estas tendências afectaram as gerações posteriores, ao próprio ponto de destruírem países. Tradução de Rui Cascais Ilustração de Rui Rasquinho
O texto conhecido por Wen Tzu, ou Wen Zi, tem por subtítulo a expressão “A Compreensão dos Mistérios”. Este subtítulo honorífico teve origem na renascença taoista da Dinastia Tang, embora o texto fosse conhecido e estudado desde pelo menos quatro a três séculos antes da era comum. O Wen Tzu terá sido compilado por um discípulo de Lao Tzu, sendo muito do seu conteúdo atribuído ao próprio Lao Tzu. O historiador Su Ma Qian (14590 a.C.) dá nota destes factos nos seus “Registos do Grande Historiador” compostos durante a predominantemente confucionista Dinastia Han. A obra parece consistir de um destilar do corpus central da sabedoria Taoista constituído pelo Tao Te Qing, pelo Chuang Tzu e pelo Huainan-zi. Para esta versão portuguesa foi utilizada a primeira e, até à data, única tradução inglesa do texto, da autoria do Professor Thomas Cleary, publicada em Taoist Classics, Volume I, Shambala, Boston 2003. Foi ainda utilizada uma versão do texto chinês editada por Shiung Duen Sheng e publicada online.