PARTE integrante DO HOJE MACAU Nツコ 2807. Nテグ PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
artes, letras e ideias
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a demanda do Tao
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pessanha e o daoísmo Extracto da tese “Camilo Pessanha e o Tao te ching|”
Paulo de Tarso Cabrini Júnior
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homem comum é um clarim inteiro: a vida o toca, tira dele certos sons, certas notas. O homem que atingiu o Nirvana, a iluminação, a santidade, é como um clarim quebrado: dele não saem sons, à medida que a vida o soa. Permanece o mesmo, silencioso: daí nasce o eflúvio de violetas numa manhã de primavera; justamente da ausência do eu, do ego que vê, perscruta e analisa. O fim de todos os registos; a vida pura. Vamos falar a respeito do pensamento chinês, como um todo, antes de partirmos para o assunto “taoísmo” em si. Baseamos nossas observações, largamente, na obra essencial de Marcel GRANET (La pensée chinoise). A história do pensamento, na China, é marcada pela independência entre o saber filosófico e aquilo que chamamos ciência: em lugar de uma Ciência, os chineses conceberam uma Etiqueta, que,
Pessanha parece estar mais próximo do budismo do que do taoísmo, à medida em que observamos o total de sua obra poética. Mas, muitos de seus poemas lembram o Tao Te Ching. O budismo enfatiza a dor, que, para o taoísta, já é um estágio ultrapassado (lembrar que, na “escada espiritual” chinesa, o taoísmo é o último degrau, antecedido, respectivamente, pelo budismo e pelo confucionismo).
para eles, é suficientemente eficaz para instaurar uma Ordem total. Seria muito fácil atribuir-lhes, portanto, uma mentalidade “mística” ou “pré-lógica”, se interpretássemos os seus símbolos ao pé da letra. Os pensadores chineses, porém, contentam-se em orientar a acção, e não formular conceitos, teorias ou dogmas. Procuram estabelecer uma hierarquia das Eficácias ou das Responsabilidades, sem a preocupação de discriminar abstractamente géneros ou causas. As técnicas do raciocínio e da experimentação não têm tanto crédito, para eles, como a arte do registo concreto de sinais e o repertoriar de suas ressonâncias. A ideia de mutação retira todo o interesse em se fazer um inventário da natureza, distinguindo os antecedentes e as consequências de uma série de factos. Em vez de considerar os acontecimentos como uma sequência de fenómenos mensuráveis e relacionáveis entre si, os chineses vêem na realidade sensível apenas uma massa de sinais concretos. O encargo de repertoriá-los compete a memorialistas,
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não a físicos: a História faz as vezes da Física, assim como faz as vezes da Moral. Assim, pode-se dizer que a China antiga, mais do que uma Filosofia, teve uma Sabedoria. A língua chinesa não se organiza para exprimir conceitos, e oferece poucas facilidades para a expressão abstracta das ideias. No entanto, o seu destino como língua de civilização foi prodigioso. Para os chineses, a linguagem visa, acima de tudo, à acção. Pretende nortear a conduta, mais do que informar com clareza. Ao invés de signos abstractos que possam ajudar a especificar as ideias, ela prefere símbolos ricos em sugestões práticas; estes, em vez de um significado definido, possuem uma eficácia indeterminada: não visam a identificar precisamente, mas a converter a conduta. Os chineses, por um lado, evitam os artifícios verbais que tendam a facilitar as operações mentais: desprezam as formas analíticas; não empregam nenhum sinal a que confiram o simples valor de signo; desejam, enfim, que, em todos os elementos da linguagem – vocábulos, grafias, ritmos e máximas –, cintile a eficiência dos Emblemas. A expressão, escrita ou falada, deve figurar o pensamento, e essa figuração deve impor o sentimento de que exprimir não é simplesmente evocar, mas provocar, realizar. Quando o sujeito fala, denomina, designa, ele não se limita a descrever ou a classificar idealmente: o vocábulo qualifica, contamina, provoca o destino e suscita o real. Como realidade emblemática, a fala domina os fenómenos. Não há, em Chinês, por exemplo, nenhuma expressão que exprima a ideia geral, abstrata e neutra de “morrer”. Não se pode simplesmente exprimir a ideia de “morrer”, sem qualificar e julgar o que morreu: dependendo da expressão escolhida, teremos disposto do destino do morto, determinado seu destino na outra vida e classificado sua família – a menos que, incapazes de formular um juízo válido, tenhamos desqualificado a nós mesmos, pois a força de um emblema volta-se contra quem não sabe atribuí-lo bem. Consequentemente, no campo da criação literária, a originalidade de uma obra é menos valorizada do que a repetição de lugares-comuns, uma vez que a linguagem original, ganhando em precisão, perderia, todavia, em “eficácia”. As fórmulas estereotipadas têm, por sua vez, um poder de sugestão infinito, e podem expressar, por um prolongamento secreto, os matizes mais requintados – justamente os que seriam inexprimíveis em termos analíticos. Assim, aqueles poemas do Shijing (o Livro das Odes) que estão escritos na linguagem mais proverbial são, seguramente, os que expressam os pensamentos mais subtis. A mesma regra se aplica às obras de todas as épocas e de todos os géneros: os poemas mais ricos em expressões consagradas são os mais admirados pelo público. E a prosa erudita conserva esse ideal, preferindo os símbolos que falam
com maior autoridade, não importando se eles evocam conceitos claros e distintos: o essencial é que sugiram com vigor, e provoquem a adesão. Se os chineses exigem da linguagem uma eficiência tão perfeita, é porque não a separam de um vasto sistema de atitudes que permitem aos homens figurarem, em seus diversos aspectos, a acção civilizadora que pretendem exercer sobre todos os domínios, inclusive o Universo. Quando meditam sobre o curso dos acontecimentos, não procuram determinar o geral, nem calcular o provável: empenham-se obstinadamente em discernir o que é furtivo e singular, visando captar os indícios das mutações que afectam o total das aparências – pois só se prendem aos detalhes para se imbuírem do sentimento da Ordem. O maior mérito do pensamento chinês é nunca haver separado o humano e o natural, e ter sempre concebido o humano pensando no social, baseados na crença, extremamente arraigada, de que
o Homem e a Natureza não constituem dois reinos separados, mas uma única sociedade. Em termos gerais, portanto, os chineses têm um pensamento mais prático do que os ocidentais, e isso se expressa pela própria constituição de sua língua. Muito esclarecedor, a esse respeito, é o livro de Haroldo de CAMPOS (particularmente, os últimos ensaios, dedicados às diferenças linguístico-filosóficas entre a China e a Europa). Diz, por exemplo Chang TUNGSUN: na medida em que o objecto da Lógica está nas regras de raciocínio implícitas na linguagem, a expressão desse raciocínio deve ser implicitamente influenciada pela estrutura da linguagem, e as diferentes línguas terão formas de lógica mais ou menos diferentes. A Lógica aristotélica se fundamenta na gramática grega e se limita por ela: as falácias apontadas por Aristóteles são essencialmente as encontradas na língua grega. A base da Lógica aristotélica está na forma sujeito-predicado da estrutura
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da linguagem. As línguas ocidentais estão fundamentadas no verbo ser, e disso decorrem muitos problemas filosóficos: por ter um significado de existência, o verbo ser fornece a “lei de identidade”, que preside a Lógica ocidental. Os caracteres chineses, por sua vez, por serem ideográficos, enfatizam os signos, ou símbolos dos objectos. Os chineses se interessam apenas pelas inter-relações entre os diferentes signos, sem se preocuparem com a substância que lhe fica subjacente, daí a consideração relacional ou correlacional. Um bom exemplo é a palavra “Céu”: os chineses se interessam pela vontade do Céu, sem se deterem de maneira especial no próprio Céu, pois, de acordo com o ponto de vista chinês, a vontade do Céu é o próprio Céu. Cogitar do Céu sem dar atenção à sua vontade seria, para eles, logicamente inconcebível.. . A coisa e sua vontade são uma entidade só. Não há um primeiro (o Céu), seguido da manifestação de sua vontade. Sendo idênticos (a coisa e sua vontade), os chineses jamais consideraram o Céu, em si, como uma entidade, de modo que o “Céu” chinês não tem qualquer relação com a substância ocidental... (CAMPOS, 1977, p. 201-217). Dentre todas as noções chinesas, a ideia de Tao é aquela cuja história é mais difícil de estabelecer, tamanha é a incerteza quanto à cronologia e ao valor dos documentos. Para GRANET (1997), o costume de chamar “taoístas”, ou partidários do Tao, aos defensores de uma doutrina considerada muito definida expõe ao risco de nos levar a crer que a noção de Tao pertence a uma determinada Escola. No entanto, é preciso ligá-la ao âmbito do pensamento comum. O I Ching é a base literária e filosófica de todo o pensamento chinês. Considera-se impossível determinar a data de sua composição, ou mesmo o seu autor, embora o lendário Fu Xi seja, normalmente, responsabilizado pela obra. Camilo PESSANHA refere-se a ela na conferência sobre “Literatura chinesa” (1915), dando ao seu auditório “uma ideia da antiga concepção chinesa, dualista, do Universo” (1993, p. 57). Segundo GRANET (1997, p. 83), este é um erro comum aos ocidentais: imputar aos chineses a tendência para um dualismo substancialista, que estaria figurado nas noções de yin e yang – quando, na verdade, os povos ocidentais são quem “sofrem” de dualismo substancialista (espírito x matéria, corpo x espírito, etc.). A filosofia chinesa é dominada pelas noções de yin e yang, palavras que expressam aspectos antitéticos e concretos do Tempo e do Espaço. Mas, ao invés de forças, substâncias, princípios, yin e yang não passam de emblemas dotados de um poder de evocação realmente total e indefinido. Nenhuma palavra chinesa pode ser qualificada de masculina ou feminina: inversamente, todas as coisas, todas as ideias são distribuídas entre o yin e o yang. A origem dessas duas noções se encontra nos primórdios da civilização: retransformados em lavradores, os homens
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iam activar-se ao sol em pleno campo. As tecelãs, ao contrario, só trabalhavam em lugares escuros. Os dois sexos eram submetidos a uma disciplina antitética. Seus domínios eram o interior e o exterior, e são também esses os domínios respectivos do yin e do yang, da sombra e da luz. Assim, a oposição dos sexos traduziu-se miticamente por esse par de opostos (GRANET, 1997, p. 96-7). Todo o mundo fenoménico é dominado por essa dualidade criativa: com/sem, dentro/fora, positivo/negativo, masculino/feminino, belo/feio, grande/pequeno, etc. Somente aquele que, nos termos de Laozi, atingiu o Tao, (ou, em termos budistas: alcançou o Nirvana) logrou escapar do mundo dos opostos, localizou-se “acima do bem e do mal”. Yin e yang não são, portanto, substâncias, mas aspectos passageiros. O vazio do copo é yin, a substância que se põe ao copo é yang; o estômago é yin, o líquido é yang. Há sempre um activo e um receptivo. Há sempre um sim e um não. Todo o funcionamento de nossos aparelhos electrónicos segue o padrão yin (apagado, ou “0”) e yang (aceso, ou “1”), o que denominamos “sistema binário”. A toda perda segue um ganho (e vice-versa). Quem regula essa alternância, ao final das contas, é o Tao. Seguir o Tao significa ter quando a hora é de ter, e não ter quando a hora exige isso. A maioria dos homens, porém, deseja ter quando a hora ainda não é propícia, e deseja livrar-se quando a hora ainda não chegou. Procuram apressar o Tao, e disso nascem as confusões. Com o poder da técnica, os povos ocidentais acreditaram poder domar o Tao à sua vontade. O sábio, porém (o shòng rén, ou Santo, como diria o Tao Te Ching) não tem vontade própria, mas segue a vontade dos Céus (o Tao). Para os antigos chineses, Tao é o símbolo da Ordem eficaz, e é, ele próprio, um total eficaz. Rege o ritmo das coisas, e é, ele próprio, o ritmo do Espaço-Tempo. O Tao não cria os seres, pois nada se cria no Mundo, e o Mundo não foi criado: o Tao apenas faz com que tudo seja como é. Os soberanos são responsáveis pela Ordem do Mundo, mas não são os seus autores. Quando têm Eficácia, eles conseguem, numa área e durante uma era determinadas – determinadas em função da Autoridade que têm – manter uma Ordem de civilização, da qual a Ordem das coisas é solidária. O Tao é apenas a sublimação dessa Eficácia e dessa Ordem. Ele convida a reconhecer solidariedades e responsabilidades. Exime-nos de conceber uma Causa, bem como de procurar causas. Principio global de toda a coexistência, ele compõe um meio neutro, e, por isso mesmo, propicio ao fluxo e refluxo infindáveis das interações espontâneas (GRANET, 1997). O Sábio é solidário ao Tao (solidário... muito diferente de dominador.). Essa solidariedade se expressa bem quando começamos a praticar a arte dos bonsais, as pequenas árvores japonesas: é preciso saber a vontade da árvore, e coaduná-la com nossa própria vontade:
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nenhuma árvore obedecerá cegamente à vontade do bonsaísta. A maleabilidade e a dureza existem em um e em outro. Entre os dois: o Tao... O taoísmo é a religião que se desenvolveu a partir da obra de Laozi. Mas, como vimos, a noção de tao é bem mais antiga do que o Tao Te Ching, escrito, provavelmente, no século VI a. C. Para Lin YUTANG, os taoístas podem ser comparados aos nossos escritores “românticos”, enquanto os confucionistas seriam os “clássicos”. Semelhante oposição entre clássicos e românticos faz a riqueza da civilização chinesa, unidos os seus opostos taoístas e confucionistas: Confúcio, supostamente um contemporâneo de Lao-tzu, solidificou, para sempre, toda a estrutura social da China. Lao-tzu, por sua vez, deixou uma obra a respeito da libertação do indivíduo. Ambas as doutrinas, nascidas do mesmo solo (o I Ching), são filosofias complementares. Por essa razão, um chinês comum dificilmente se sentirá obrigado a escolher entre uma ou outra dessas religiões/filosofias. No artigo do professor Inty Scoss MENDOZA, temos claro o quanto o taoísmo representa, para os chineses, a culminância de um caminho que só pode ser seguido através de Confúcio:
como se a liberdade tivesse de ser aprendida através da disciplina, e o deambular vagabundamente só pudesse ser algo efectivo depois de se sair do duro exército: Ser confucionista é ser letrado, não como o detentor do poder sobre a letra, mas um ser “letrificado” que colocou à disposição dessa estrutura ideográfica suas possibilidades de representação do mundo, e que passará muito tempo até perceber os caminhos que essa mesma teia gráfica de traços oferecem para sua libertação, para a ruptura poética que “brinca” com as múltiplas possibilidades de uma língua cuja escrita está desvinculada da fala. Diríamos que esse seria o momento taoísta da escrita chinesa. Os Pais do Taoísmo quase não empregaram a palavra tao sem aproximá-la da palavra te, um termo que designa a Eficácia quando esta tende a se particularizar. De certa maneira, Tao designa o Absoluto de que todas as outras coisas são particularizações (te). Tao Te Ching, então, poderia ser traduzido como: “O livro (clássico) do Espírito e das formas”. Há citações do livro desde o século IV a.C., ora apresentando-o como obra de Lao-tzu, ora como obra de Huangdi, um dos cinco soberanos míticos da China. É
provável que o texto tenha sofrido reformulações, ao longo do tempo, até chegar à forma que hoje conhecemos. Para GRANET (1997, p. 304), além de ser propriamente intraduzível, o livro não apresenta nenhuma sequência, e tem pouca unidade, opinião que nos lembra directamente aquela, dada por Ester de LEMOS, em seu clássico estudo sobre a poesia de Camilo Pessanha, a respeito de a Clepsydra ser “uma colectânea de poemas, incompleta e susceptível de ser aumentada”, um texto que não é absolutamente definitivo, nem constitui um todo organizado. Na filosofia taoísta, o papel da tendência mística é igual ao da tendência intelectualista. Visto como o principio imanente e neutro de todos os desenvolvimentos livres, o Tao (mesmo que seja qualificado, na exaltação da visão extática, de “misterioso” e “inefável”) é concebido, antes de mais nada, como um principio de explicação racional. Ao intelectualizar a idéia do Tao, e ao insistir nas noções de impessoalidade e imparcialidade, os Mestres taoístas procuraram interpretar como um principio de explicação racional aquilo que só fora concebido, até o advento deles, como o principio concreto e total da
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Ordem, ou o meio eficiente das acções mágicas. Tién (o “Celeste”, que se opõe a Rén, “Civilização”) evoca uma ideia que a palavra “natureza” pode transmitir. Na medida em que pareça correcto traduzir “physis” por natureza, esse é também o termo que melhor expressa a noção taoista de Tao. Só existem verdades ocasionais, impermanentes, múltiplas, singulares e concretas, ou, em outras palavras: existe apenas uma verdade, abstracta, total e indefinida, que é o Tao: o meio – indiferente e neutro, impassível, indeterminado e soberanamente autónomo – da totalidade das verdades transitórias, das aparências contrastantes, das mutações espontâneas (GRANET, 1997). Chuang-tzu diz que Liezi, tendo reconquistado a simplicidade primária, viu seu coração (sua vontade) cristalizado, enquanto seu corpo se dissolvia e seus ossos e sua carne se liquefaziam. Ele não mais sentiu que seu corpo se apoiava ou que seus pés repousavam sobre algo. Foi seguindo ao sabor do vento, para o leste e para o oeste, qual folha ou palha ressequida, sem poder discernir se era o vento que o carregava ou se era ele mesmo quem carregava o vento. A expressão “palha ressequida, gavela vazia” merece ser guardada, já que, para retratar o santo em êxtase, nunca se deixa de dizer que seu coração é como cinza apagada, e seu corpo, como madeira morta. O que nos lembra “O meu coração desce, / Um balão apagado...”, de Camilo Pessanha. Para designar o êxtase religioso taoísta (seja ele, ou não, atingido por meio do vinho ou de outros entorpecentes), é sempre comum usar-se a expressão “deambulações aéreas”: as “viagens”. A respeito das “deambulações aéreas” de Camilo Pessanha, é interessante consultar o livro de ilustrações de Carlos MARREIROS (1998), de resto, um livro engraçadíssimo... À noite, o eremita recita a oração das “Pérolas Floridas”. Uma branca cegonha, então, desce, e revoa ao redor do incenso, escutando. Acabada a noite, findas as rezas, o eremita monta a sua cegonha, E vão-se, ambos, com o vento de outono, desaparecendo no infinito. .. Pao Yang, dinastia T´ang (tradução nossa, a partir de Marcela de JUAN) 41 O taoísmo é uma espécie de quietismo naturalista. Abandonando o corpo e os membros, banindo a audição e a visão, separando-se de toda aparência corporal e eliminando qualquer ciência, é-se unido Àquele que penetra por toda parte e que confere ao Universo sua continuidade. Graças à purificação do coração e ao vazio, adere-se ao Tao: Aproxima-te! Vou dizer-te o que é o Tao supremo! Retiro, retiro, escuridão, escuridão: eis o apogeu do Tao supremo! Crepúsculo, crepúsculo, silêncio,
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promove sem dominar, e nisso consiste o seu mistério (Richard Wilhelm). O mundo do Tao não é somente o da unidade abstrata, pois nele há variedades imanentes (te). No Tao, há “imagens”, “coisas”, “sementes”. Certamente essas imagens não são fenômenos especiais isolados, mas estão potencialmente no Tao unitário, e, como energia germinal da realidade, condicionam os fenómenos do nosso mundo. Uma visão primária oriunda das profundezas interiores produzirá, por si mesma, essas imagens. São imateriais, sem dimensão, apenas como se fossem imagens fugazes que passam pela superfície de um espelho. São elas a semente da realidade. (Richard Wilhelm):
silêncio: não olhes para nada, não ouças nada! Mantém cingida tua correcção inata! Conserva a quietude, conserva tua essência: usufruirás a vida longa! Não tenham teus olhos nada para ver! teus ouvidos nada para ouvir! teu coração nada para saber! Tua potência vital conservará teu corpo, teu corpo gozará da vida longa! Zela por teu interior, fecha-te para o exterior: saber muitas coisas é nocivo... (Chuang-tzu). O pensamento de Lao-tzu apega-se à ideia, comum no pensamento chinês, como vimos, de que os homens e a natureza formam uma só sociedade. O taoísmo, portanto, é uma filosofia essencialmente rural, ou melhor: contrária à civilização urbana. Os ritos, as leis, as regras de etiqueta, tudo isso de que necessitamos para a organização social da colectividade (urbana) se lhe apresentam como um subproduto da natureza; ou, nas palavras de Richard WILHELM: “Quando o comportamento natural e bom entre os homens deixa de ser algo lógico, a moral faz a sua colheita”. Daí o desprezo de Lao-tzu, e dos taoístas em geral, pela cultura, entendida como algo pertencente ao mundo próprio dos ho-
mens, e não à sociedade “universal”. Toda a metafísica do Tao Te Ching baseia-se fundamentalmente na intuição, inacessível à fixação rigorosa de noções; Lao-tzu designa a intuição com a palavra Tao, apenas para lhe dar um nome aproximado. A filosofia grega antiga se orientava para o exterior, na hora de buscar uma explicação para o mundo, o que torna as suas conclusões sempre unilaterais; para Lao-tzu, no entanto, qualquer princípio resultante da experiência externa se tornará antiquado e será desmentido no curso do tempo, já que a essência do mundo não é uma condição estática e mecânica: não se pode afirmar que Sócrates, sendo mortal, é homem, pois não sabemos se os homens serão sempre mortais... Todavia, o que é reconhecido a partir da experiência central, permanecerá irrefutável. Lao-tzu não nega abstractamente o mundo; o bem, para si, é um conceito de lternância; “não-ser” é uma noção qualitativa e significa “ser para si mesmo”. A vida não tem necessidade de aprovação, pois é inteiramente aceita por si mesma: gera, nutre, acrescenta, cultiva, aperfeiçoa, mantém e abriga todos os seres: ela produz sem possuir, actua sem manter,
Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas, — Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptise, Represados clarões, cromáticas vesânias —, No limbo onde esperais a luz que vos baptize, As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis. Abortos que pendeis as frontes cor de cidra, Tão graves de cismar, nos bocais dos museus, E escutando o correr da água na clepsidra, Vagamente sorris, resignados e ateus, Cessai de cogitar, o abismo não sondeis. Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados, Que toda a noite errais, doces almas penando, E as asas lacerais na aresta dos telhados, E no vento expirais em um queixume brando, Adormecei. Não suspireis. Não respireis. Pessanha parece estar mais próximo do budismo do que do taoísmo, à medida em que observamos o total de sua obra poética. Mas, muitos de seus poemas lembram o Tao Te Ching. O budismo enfatiza a dor, que, para o taoísta, já é um estágio ultrapassado (lembrar que, na “escada espiritual” chinesa, o taoísmo é o último degrau, antecedido, respectivamente, pelo budismo e pelo confucionismo). A religião de Buda, então, é uma religião de ainda sofredores, que anelam por um estado correspondente ao do taoísta: o de “feliz independente do mundo e da fortuna”. Lembrar, aqui, a famosa fotografia de Pessanha, na praia do Leitão, em Macau, tirada em 1921: com seus dois cães de estimação, seu bordão de inválido, magro, sujo e desarrumado, com um sorriso plácido no rosto.. . No poema “Final”, o “eu-lírico” tenta evitar que o que existe como potencial, no interior, transponha o limite, passando a ser algo realizado. Para Gilda
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SANTOS, “uma vez que o universo se lhe afigura como caos, resta-lhe ansiar pelo refúgio no ‘caos menor’ da pré-existência, do pré-formal” (2007, p. 79). O que nos interessa, é claro, são as coincidências entre essas “imagens potenciais” do poema “Final” e as “sementes da realidade” que, segundo LAO-TZU, moram na Totalidade (no Tao), esperando, apenas, a “luz” que as “baptise”. Para esclarecer, ainda, esse ponto, recorremos às seguintes observações, feitas por Jacques HADAMARD e Haroldo de CAMPOS: As palavras ou a linguagem, escritas ou faladas, parecem não desempenhar nenhum papel em meu mecanismo de pensamento. As entidades físicas, que parecem servir de elementos no pensamento, são certos signos e imagens mais ou menos claras, que podem ser “voluntariamente” reproduzidos e combinados... De um ponto de vista psicológico, este jogo combinatório afigura-se um traço essencial no pensamento produtivo, antes de que haja qualquer conexão com a construção lógica em palavras ou outras espécies de signos comunicáveis a outrem [...] o pensamento interior, especialmente quando criativo, de bom grado usa outros sistemas de signos, que sejam mais flexíveis, menos padronizados do que a linguagem e deixem mais liberdade, mais dinamismo para o pensamento criativo (Hadamard, apud CAMPOS, 1977, p. 86 e 87, grifos nossos). O cenário do pensamento inventivo parece ser, desde logo, como queria Peirce, o quali-signo, o ícone em estado genuíno, pura aptidão de similaridade enquanto mera possibilidade ainda não actualizada em um objecto, em nível de primeiridade, portanto. Peirce chega a conceber a “qualidade” ou “talidade” como pura errância, independente do percepto ou da memória, como um mero “poder-ser”, anterior a qualquer corporificação, uma quality of feeling ainda não factualizada em ocorrência (CAMPOS, p. 88). Em outras palavras: o “ícone em estado genuíno”, o “quali-signo”; essa “quality of feeling”, que reside no “intelecto”, antes de qualquer corporificação em palavra, e que promove o pensamento inventivo melhor (segundo Hadamard) do que o signo lingüístico; essa linguagem em potência (em “primeiridade”), não terá TUDO a ver com as “imagens” que, segundo Lao-tzu, pulsam, vibram, subjazem, existem em potência na Totalidade – no Tao.
“Inscripção”
“Inscrição” é o nome que João de Castro Osório deu ao primeiro poema da Clepsydra, quando preparou a segunda edição do livro de Pessanha (1945). É uma das muitas liberdades que se deu, como editor, e que não nos compete julgar. O nome, de resto, é muito apropriado ao poema: Eu vi a luz em um país perdido. A minha alma é lânguida e inerme. Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! No chão sumir-se, como faz um verme... Não sabemos quando Pessanha o teria escrito, mas foi, quase seguramente, an-
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tes de 1916, segundo a edição crítica de Paulo FRANCHETTI (1994). O poema ganhou muitas interpretações, principalmente por conta do “paiz perdido” que se cita: para muitos, como João de Castro Osório, o poeta se referia a Portugal. Para Gustavo RUBIM, o “paiz perdido” seria “o país sem nome nem território, verdadeira ficção de lugar, que é o lugar inabitável da ficção poética” (1993a, p. 99). E, para outros, como Álvaro Cardoso Gomes, ele é, antes de mais nada, “a luminosidade primordial não existente neste mundo”. Paraíso é a perfeição – o modelo original do qual todas as coisas não são mais que cópias. O paraíso é o arquétipo dessa criação imperfeita, a Ideia inerente a todas as formas palpáveis e perecíveis. Cada artista guarda o paraíso de memória. A sua incurável nostalgia pela ideia oculta em cada coisa é maldição inata, a sua aflição permanente e também a fonte do seu génio, coração e vida da sua visão. Onde esperará encontrar o seu Paraíso Perdido, a sua Ideia, a sua perfeição? Nunca na realidade, evidentemente. A realidade é impura e deformada. Só o reflexo de sua nostalgia, só as imagens do seu sonho contêm a lembrança do puro Éden, o Jardim das Ideias. A realidade é irreal. Só o símbolo possui realidade” (MANN, 1944, p. 70). Gil de CARVALHO (1996, p. 202), em recensão ao livro de Stephen Reckert, alude à possibilidade de a “Inscrição” ser aparentada a uma forma chinesa de poesia, o jüeh-ju, devido ao fato de ser uma quadra. “Não teria algo de rubai e de
O desejo de serenidade, de estar “junto à Mãe” (Tao Te Ching, Capítulo 20). Isso é muito diferente de morrer: isso é morrer para o mundo, morrer para o mundo da actividade, da busca frenética da satisfação dos desejos, da procura desenfreada do enriquecimento ou do divertimento. Esse morrer, em última instância, é viver realmente. Camilo Pessanha queria viver.
quadra tonal”, pergunta. A possibilidade deve ser levantada, é claro, mas, um exame acurado pode desmentir a impressão: en el cuarteto [jüeh-jü], una o varias parejas de versos se deben construir en paralelo, es decir, que a cada carácter de un determinado verso debe corresponder, en el mismo lugar del otro verso, un carácter con la misma función gramatical y perteneciente si es posible a una misma serie de palabras (JUAN, 1973, p. 28). O poema de Pessanha não segue esses preceitos, é o que achamos. O que nos interessa, porém, não é, nem o “paiz perdido”, nem a construção poemática aparentada, ou não, à chinesa. O que nos interessa é o “no chão sumir-se”... Camilo Pessanha expressa uma tendência comum à sua época: a recusa em participar de um mundo descaracterizado, feito de fragmentos, ou marcado por incertezas, que a instabilidade dos sistemas filosóficos acabaria por instituir. A viagem para a Morte, que supõe um renascimento e consequente encontro do poeta consigo mesmo, pode, num certo sentido, explicitar a integração do homem com o mundo, através das forças cósmicas. Em suma, frente à crise, Camilo Pessanha opta por um colectivo arcaico, primitivo, quando o ser comunga com as forças elementares da Natureza, reconhecendo-se parte de um todo e, não somente, o indivíduo produtor e gerador de conflitos (GOMES, 1978, p. 9). Álvaro Cardoso Gomes está comentando o soneto intitulado (por João de Castro Osório) “Roteiro da Vida”. Mas a observação serve, não apenas também para a “Inscrição”, senão para toda a poética de Camilo Pessanha. Nossa pergunta é: o desejo de morte, expresso nos poemas, é, de fato, desejo de morte, ou apenas desejo de encasular-se? Porque o melhor, enfim, É não ouvir nem ver... Passarem sobre mim E nada me doer! — Sorrindo interiormente, Co’as pálpebras cerradas, Às águas da torrente Já tão longe passadas. — Rixas, tumultos, lutas, Não me fazerem dano... Alheio às vãs labutas, Às estações do ano. Passar o estio, o outono, A poda, a cava, e a redra, E eu dormindo um sono Debaixo duma pedra. Melhor até se o acaso O leito me reserva No prado extenso e raso Apenas sob a erva Que Abril copioso ensope... E, esvelto, a intervalos Fustigue-me o galope De bandos de cavalos.
Ou no serrano mato, A brigas tão propício, Onde o viver ingrato Dispõe ao sacrifício Das vidas, mortes duras Ruam pelas quebradas, Com choques de armaduras E tinidos de espadas... Ou sob o piso, até, Infame e vil da rua, Onde a torva ralé Irrompe, tumultua, Se estorce, vocifera, Selvagem nos conflitos, Com ímpetos de fera Nos olhos, saltos, gritos... Roubos, assassinatos! Horas jamais tranquilas, Em brutos pugilatos Fracturam-se as maxilas... E eu sob a terra firme, Compacta, recalcada, Muito quietinho. A rir-me De não me doer nada. Para Lin YUTANG, o Ocidente compreende pouco a tranquilidade. Ou, quer compreendê-la pouco: Em geral, a estação do Outono significa simplicidade, madureza e conservação; em contraste com o verão luxuriante, o cenário outonal indica o fino e frágil da atmosfera, e a frescura penetrante, mas vivificante, do vento de Outono. Aqui a imagem de uma lua e de um lago desempenha importante papel. Presume-se que no Outono já se deixou atrás a exuberância do verão e se começou a amar a simplicidade e a paz. Como o lavrador, já não se trabalha a terra nem corre pelos campos, sob o sol ardente, mas começa-se a colher e a contar o que foi colhido. Ah, se pudéssemos aprender a viver em harmonia com o ritmo da natureza! Mas não o fazemos. Queremos correr sempre sob o sol ardente. (YUTANG, 1949, p. 395) Se pensarmos que a época de Camilo Pessanha foi de apogeu (portanto, também de declínio) do chamado “pensamento positivista” (cujo nome, por si só, já enfatiza o lado enérgico, luminoso, actuante, ou yang, da vivência humana), então o seu desejo de estar sob a “terra compacta” pode significar somente um contra-exagero (o exagero de um desejo de tranquilidade, em face de um exagero em prol da actividade). Lembramo-nos, mais uma vez, do ensaio de Óscar LOPES (“O quebrar dos espelhos”, 1970), onde se encontra a opinião de que Pessanha foi um poeta corajoso, ao expor sua desistência diante de um mundo que vivia em prol da acção. A respeito desse querer “estar sob a erva”, muito frequente na poesia de Pessanha, diz Carlos Morais JOSÉ: “Eis, portanto, a condição necessária à metamorfose no reino da Natureza, de certo modo retomada na tradição tauísta [sic] que apela à transformação do homem no Feto Imortal” (1991, p. 40). O ensaísta se re-
feria, não à poesia, mas ao modo de vida de Pessanha, em Macau: sua casa, seu quarto, seu “casulo”. Daí a nos perguntarmos: a terra, onde, poeticamente, procura “inumar-se”, “sumir-se”, “subervar-se”: será, tudo isso, mais do que desejo de morte, desejo de alar-se, colorir-se..? Em seu capítulo 10 (ou Seção 10), o Tao Te Ching nos dá a seguinte questão: “Serás capaz de, com a tua clareza e pureza interior, penetrar em tudo sem precisar de acção?” Camilo Pessanha, num dos pólos do seu sentimento poético, deseja a acção, a contenda, o desfraldar de bandeiras, a vinda de seios frementes, a vinda daquela que vem dentre as folhagens, o beijo ardente; mas, em outro pólo, deseja (não-desejando) o desaparecimento, a falta de acção, o aquietar-se infinitamente. Pessanha vivia uma existência (poética) (bi) polar. Entre a acção e a conquista, entre desistir e sumir-se, não podia compreender (poeticamente) que: Tudo na terra está sujeito à mutação. À prosperidade segue-se decadência. Esta é a eterna lei da terra. O mal pode ser controlado, mas não permanentemente eliminado. Sempre voltará. Esta convicção poderia provocar melancolia, porém isso não deve acontecer. Ela deve servir, apenas, para que o homem não se deixe iludir quando a boa fortuna chega. Se permanecer atento ao perigo, poderá prosseguir com perseverança e sem cometer erros. Enquanto a natureza interior do homem permanecer mais forte e mais rica que a fortuna externa, enquanto ele permanecer interiormente superior à sua sorte, a felicidade não o abandonará (I CHING). Este comentário de Richard Wilhelm à terceira linha do hexagrama 11 (A Paz), do I Ching, tem o mesmo sentido do hexagrama 32 (Duração): entre a perda e o ganho, entre a acção e a inacção, entre o ser e o não-ser, o homem “superior” mantém-se constantemente alheio à sua sorte, não participando do entusiasmo do “ir”, nem da falência pressuposta no “não-ir”. Como o “meio-termo” era algo desvalorizado, ou mesmo “desconhecido”, em sua época, não é de se estranhar que Pessanha expressasse uma sentimentalidade bipolar. Todas as coisas, por mais diversas que sejam, retornam à sua raiz. Retornar à raiz significa serenidade. Serenidade significa voltar ao destino. Voltar ao destino significa eternidade. O trecho do capítulo 16 do Tao Te Ching lembra-nos a poética de Pessanha no que ela tem desse desejo de “voltar à raiz”. O desejo de serenidade, de estar “junto à Mãe” (Tao Te Ching, Capítulo 20). Isso é muito diferente de morrer: isso é morrer para o mundo, morrer para o mundo da actividade, da busca frenética da satisfação dos desejos, da procura desenfreada do enriquecimento ou do divertimento. Esse morrer, em última instância, é viver realmente. Camilo Pessanha queria viver.
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As relações entre homens e animais sempre perturbaram os primeiros, enquanto os segundos, demonstrando uma superior compreensão do mundo se dedicam basicamente à ignorância da espécie humana ou se encontram submetidos e transformados pelo desastre da domesticação. Claro que para os homens os animais habitam um universo à parte e faz parte da nossa identidade distinguirmo-nos das bestas. “Animal racional”, na famosa definição de Aristóteles. Mas não apenas racional, vieram a dizer os sucessores do enciclopédico grego. Sobretudo animal cultural, isto é, capaz de transmitir saberes e modos de fazer de tal modo que estes se autonomizam dos indivíduos e constituem estruturas quase atemporais como as línguas, o parentesco ou certas formas religiosas. Animais de um lado, humanos do outro, assim se queriam os homens desde que destruíram as subtis conexões do totemismo. Isto até ao século XVIII e à emergência do naturalismo e da ciência. “Se queres conhecer o teu corpo, abre um porco”, e nunca este ditado da sabedoria popular terá sido tão aplicado como nesse período, vindo a atingir o seu cume com a blasfémia darwiniana. Contudo, já antes de Darwin o famoso biólogo e naturalista classificador Georges-Louis Buffon sussurrava, baixinho para escapar aos rigores das prisões eclesiásticas, que “se não existissem os animais, a natureza humana seria ainda mais incompreensível”. E com esta subtileza se safou aos interrogatórios dos ressentidos e vigilantes homens de saiote. Daí para cá foi um ver se te avias. A começar pelo génio Darwin que, para além do famoso ensaio sobre a selecção natural e da colocação do símio como antepassado do Homem, atreveu-se a escrever um livro na sua época votado a algum recolhimento sobre a expressão das emoções nos homens e nos animais. Fundava assim a moderna etologia, ciência que estuda o comportamento animal, incluindo a bicharada que calcorreia este mundo vestida de calças, de saias ou de djellaba. O século XX assistiu a um grande desenvolvimento deste saber, também na medida em que existiu uma filiação quase contranatura com a extrema-direita europeia e americana. Porquê? Se quiserem saber perguntem, que isso será assunto para outro lugar. Como pista, sugiro a comparação das teorias evolucionistas de Darwin e de Lamarck. O seu cume é atingido já nos anos 70 com Edward Wilson, um sociobiólogo fascinado com as formigas e outra bicharada cujas sociedades são extremamente ordeiras, disciplinadas e, sobretudo, hierarquizadas. Enfim, umas bestas... sem ofensa aos bichinhos. Pessoalmente, gosto muito de etologia porque se trata de uma ciência muito útil na vida prática, no nosso explanar de todos os dias. Ensinou-me, por exemplo, a distinguir as poses de ataque nos machos e de interesse manifesto nas fêmeas. A assumir posturas de dissuasão quando me sinto confrontado por algum animal mais agressivo. Entre muitas outras coisas, também por me ter permitido uma colorida análise da Assembleia da República. Como sabem todos os que me conhecem, detesto os bichos edipianizados, ou seja,
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A galinha e a Carlos Morais José
Caravaggio, Abraão e Isaque
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encerrados no pesadelo de um lar. É que os humanos, como se não bastassem as torturas psicológicas que infligem uns aos outros, ainda ousam fechar em casa o mais diverso tipo de bicharada impondo-lhes o seu salivante afecto. A humanização dos bichos aflige-me, horroriza-me, parece-me uma das mais vis formas de despotismo. Muitos deles vítimas silenciosas e indefesas de uma série inenarrável de abusos, até sexuais, sendo a versão mais normal o exercício ainda que contemporizado do sadismo. É claro que se a gente fosse mais saborosa de comer a bicharada também não perdoaria como bem o provam os repugnantes insectos que estupidamente se deleitam com o nosso sangue vermelho e quente no verão quando, numa inequívoca manifestação de bom gosto, o deviam fazer no inverno. Mas, apesar de todo este relambório que aqui vos deixo, a verdade é que muitos animais apontam o dedo à Humanidade, na medida em que assumem comportamentos dignos de uma Madre Teresa de Calcutá. Se o fazem por instinto, por amor ou por outra razão qualquer isso não interessa – o conceito de instinto mostra-se, aliás, cada vez mais desajustado porque demasiado abrangente. A verdade é que os casos de altruísmo animal têm fascinado os cientistas. Não vou maçar o meu hominídeo leitor (é favor pararem por um momento de se coçarem) com detalhes sobre o comportamento dos seus primos em geral. Vou, pelo contrário, contar-vos a estranha coincidência que inspira este texto. Assisti na televisão a uma bizarra, apesar de normalíssima, reportagem sobre criadores de galinhas, desde que os conservam os bichos em aviários até aos que criam as chamadas aves felizes. Enfim, uma seca das antigas... se exceptuarmos as incríveis parecenças que estas famílias, ao longo de gerações, desenvolvem com os galináceos. E estava eu naquela modorra de estar acordado sem vontade, suinamente esparramado e a deixar as galinhas e seus donos entrarem-me pela casa dentro, quando o autor da reportagem se lembrou de fechar com chave de ouro. Contou pois um caso de uma galinha japonesa nos Estados Unidos da América, portanto emigrante. Para tornar uma longa história curta e sem lágrimas, dir-vos-ei desde já que a bicha queria à força ser mãe e que por fim lá conseguiu, após muitos percalços e vários tipos de inseminações. Depois, já mãe feita, lá andava com os pintainhos atrás dela, com o seu contínuo e irritante cacarejar. Adiante. Ele há um belo dia – o sol iluminava impenitente a pradaria – quando, para mui espanto do patrão da dita quinta, os galináceos todos procuraram abrigo como se do fim do mundo se tratasse. E tratava: era um falcão que pairava sobre eles na ânsia benfazeja de se alimentar e livrar a terra de um estúpido. Será assim? O que pensa o caro leitor sobre estes seus parentes de penas? Não interessa. Mas oiça isto. Os pintai-
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nhos da japonesa não deram pelo falcão e continuavam a sua obsessiva tarefa de debicar, um vício comum às galinhas e certas senhoras às compras. Foi quando a mãe, arriscando as próprias penas, atravessou o terreiro e os protegeu sobre as asas, tentando levá-los assim até a um sítio protegido. Ora para o falcão era uma espécie de ouro sobre azul, uma galinha assim tão visível, de branco ataviada e asame aberto. E zás. Japonesa presa nas garras e bico já a saborear-lhe as penas do pescoço. Quem não conseguia fechar a larga boca era o dono, surpreendido pela abnegação da sua japonesa, capaz de sacrificar a própria vida para salvar os filhos. Temendo o pior, lá correu para o local onde o falcão se principiava a deleitar com a sua nipónica presa. Esta não tugia nem mugia ou sequer cacarejava. Só que com a aproximação do humano, a ave de rapina resolveu ir rapinar para outra freguesia, deixando a presa imóvel no solo. O homem examinou a galinha com poucas esperanças. Mas o bicho estava vivo, parece que devido à espessura das suas japonesas plumas, que lhe serviram de protecção. Seguiu-se um bom bocado de filosofia barata sobre a inteligência, abnegação e altruísmo da galinha que assim se expunha para salvar a sua prole. Tudo isto não teria a menor importância se a seguir eu, já a sentir nas narinas um insuportável fedor a tanta filosofia e galinhas, não tivesse mudado de canal para cair na inefável CNN. Onde, de repente, surgiu um interesse inusitado pelo Hamas, cujos membros dizem viver a partir dos ditames de um livro escrito por volta do século VII da nossa era. Parece que ganharam as eleições na Palestina, onde lutam pela terra contra uns que seguem os ditames de outro livro. Enfim, o costume. Só que agora as reportagens são ao interior do Hamas e esta, concretamente, apresentava-nos a chamada “Mãe dos Mártires”. Trata-se de uma senhora nos seus 60 anos cuja característica principal foi ter enviado para a morte os seus três filhos, a quem transformou em bombistas suicidas. E dizia ela: “Gostava de ter cem filhos para os enviar a todos”. Estranho, não é? Enquanto a galinha japonesa sacrifica a vida para salvar os filhos, a mulher palestiniana compraz-se em mandá-los para a morte. Ela explica: o mais importante é a Palestina e o Islão, não a minha família. Abraão, um senhor que é suposto ter fundado a religião hebraica também estava disposto a sacrificar o filho ao seu Deus. Resta dizer que a senhora é altamente respeitada, aplaudida e acarinhada. Abraão também. Afinal, os humanos são mesmo diferentes dos animais: uns cultivam a vida e são capazes de morrer por ela, os outros cultivam a morte para garantir a continuidade de valores como Pátria, Religião, etc.. Isto é que é ser humano. Buffon tinha, afinal, pouca razão. Se me dão licença, acho que vou subir a uma montanha. Daquelas. E vocês, querem vir?
“Se não existissem os animais, a natureza humana seria ainda mais incompreensível”. Georges-Louis Buffon
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a revolta do emir
Pedro Lystmann
Cópias Originais Numa altura em que o bar do décimo sexto andar do Hotel Star World, parece estar condenado a uma infeliz redução, começa a ser cada vez mais difícil encontrar um lugar em que se possa ler com conforto. Esta falta aparece um pouco (mas de modo nenhum suficientemente) suprida pela existência de dois ou três lounges de lobby muito decentes. Um deles é o do lobby do Hotel Banyan Tree. Outro o de um dos poucos hotéis menos maus do território: o Mandarin, um dos raros que escapou à fúria provinciana que preside à construção da maioria das novas estalagens de Macau. No seu lobby encontram-se reunidas condições suficientes de serviço, bem estar e bom gosto para sustentar a leitura. O livro que naquele se desfruta debruça-se sobre um fenómeno de modo nenhum recente, mas cada vez mais divertido, no hábito imobiliário chinês – o da cópia de bairros, partes de cidades ou monumentos ocidentais onde a classe média estaciona o seu desejo de pertença a um mundo supostamente melhor e certamente diferente. O livro em causa é de 2013 e chama-se Original Copies. Architectural Mimicry in Contemporary China. A sua autora é Bianca Bosker. A sua leitura ajuda a questionar não apenas a altiva derrisão que sobre esta prática gostamos de estender (que é acompanhada de uma crítica pela intelectualidade chinesa) mas ajuda também a reflectir, ao som de um Pu Erh ou de um copo de Sauvignon Blanc, sobre a relação que o Ocidente mantém, em termos de arquitectura mas não só, com a ideia de originalidade e de cópia. A oferta de comida e bebida é, neste lugar sossegado, não muito extensa mas mais do que suficiente e diversificada para entreter desejos não muito extravagantes. Têm sido ao longo dos últimos anos notícia a construção de cidades-cópia, mas o livro de Bosker revela-nos um número espantoso delas, réplicas de Dorchester, da Torre Eiffel e dos Campos Elíseos, da Casa Branca, Veneza, Versailles, Amesterdão, Londres, Madrid, Nova Iorque, etc. Não devem confundir-se estas construções com parques temáticos ou turísticos, como os de Macau - mesmo que por vezes preencham esse desígnio por parte de não residentes - mas como complexos de habitação permanente, completos com infraestruturas de restauração e de lazeres de aspecto ocidental, sinalização em línguas ocidentais, monumentos (estátuas de Churchill), introdução do costume de celebração de festivais de matriz europeia e até aulas de etiqueta. As novas classes média e alta parecem insistir em pensar que para fazer parte do primeiro mundo é preciso viver num parque temático. O filme The World, de Jia Zhengke, que já tem quase 10 anos, ajuda a perceber até onde esta aspiração leva as
pessoas. Os números são impressionantes, do ritmo de urbanização à quantidade de cimento necessária para garantir todo este aparato rococó ou art nouveau, mas talvez mais impressionante é o aborrecimento que se desprende deste desejo de transporte social. Divertido parece ser só a indignação mostrada por parte de alguns nacionais perante esta incondicional aceitação, por parte da nova classe habitante da suburbia, do estilo estrangeiro. Bosker não deixa de referir, mais para o fim do livro, que uma possível alteração na relação entre a China e o Ocidente pode vir a alterar a apetência para este tipo de bairros. Para Alex Chu, da empresa Enclave, esta tendência é “pateta” e “desinspirada”, para K.M.Tan, da KUU Architects, “atrasada”, “inautêntica” e “insegura”. Quem vive nestes complexos discordará e vê-los-á, certamente, como lanças de progresso, ultra-modernistas e plenas de prestígio. Este constitui um primeiro nível de apreciação mas para chegar a ele não seria necessário o livro de Bosker. Será este infinitamente mais interessante, para perceber que, para lá desta aspiração básica de ascensão, esta escolha esconde um auto-elogio à capacidade tecnológica e à nova riqueza do país, um modo de sublinhar a supremacia chinesa: evidenciam uma intenção nacionalista – a capacidade de igualar e ultrapassar o Ocidente enquanto se afirma como potência mundial. Conseguir fazer uma cópia perfeita equivale ao controlo do mundo. A posse da cópia, assim como antigamente de uma miniatura, confere um poder sobre o original. É um processo semelhante ao da antropofagia entendida enquanto exercício de domínio ou de integração das qualidades do ser engolido. Em muitos países ocidentais constrói-se e construiu-se em imitação mas esta deu-se
no interior do mesmo complexo cultural. O que é novo na simulacra chinesa é a apropriação de modelos de uma cultura tão distinta. No Ocidente a cópia é vista não só como um sinal de inferioridade criativa mas também como um exercício de onde não se exclui a desonestidade. Enquanto na China a originalidade também tem um valor elevado, uma cópia de qualidade é vista como uma proeza tecnológica e cultural superior (distinguem-se dois termos, fangzhipin e fuzhipin, este último referência a uma cópia de elevada qualidade passível de honra de museu), ao mesmo tempo que uma imagem replicada pode adquirir um valor idêntico ao da imagem original. Zong Bing, pintor e académico do século V, refere esta mesma posição ao debruçar-se sobre a construção de jardins. Um bom simulacro (este o termo mais usado ao longo do livro), um que consiga capturar a essência do original, investe-se de uma força vital, de um qi, que tem o poder de substituir o original. A uma perspectiva local estas cópias de cidades podem parecer tão autênticas, uma vez portadoras do seu qi, como as originais. A manipulação que o simulacro permitia era uma imagem do domínio do original e conferia poderes quase sobrenaturais e uma incontornável legitimidade ao poder do imperador. Quando o imperador perde a exclusividade de possuir certo tipo de simulacros, estes funcionam igualmente como imagem de um estatuto social elevado por parte daqueles a quem é permitida esta nova liberdade, diz Bosker. Poder-se-á pensar que algumas destas aspirações estão na base do desejo turístico de vir a Macau experimentar, por exemplo, uma cópia sino-americana de uma cópia americana de uma cidade da Europa - Veneza. Nesta experiência poderá estar, mais ou menos subliminarmente, um desejo de
poder e domínio. Se os lugares copiados são ocidentais, o poderoso desígnio que informa o desejo da cópia e da sua vivência tornar-se-á menos admirativa e subserviente em detrimento de um desejo de afirmação e domínio. Por outro lado, uma vez que muitas destas cópias não são feitas com muita exactidão mas de modo a representar aquilo que os copistas seleccionam, este processo oferece-nos pistas para perceber como a China vê o outro e o que dele deseja copiar ou adaptar ou, por outro lado, o que dele rejeita. Será este fenómeno um dos resultados da globalização? De um desejo de ostentação? Ou de algo mais profundo? Decerto um desejo não escondido ou envergonhado de aprender copiando ideias consideradas mais avançadas. Ou mostrará uma crise de identidade e criatividade pós-Mao, uma era em que pensar a cidade não só não era uma actividade intelectual bem recebida como prevalecia uma cultura de forçada humildade? Talvez um pouco de tudo isto. O que causa perplexidade é verificar que os modelos copiados não são os que exibem uma orientação moderna ou de vanguarda (a partir dos quais se poderiam retirar mais ensinamentos) mas estilos antiquados, pseudo-aristocráticos, “imperiais”, e, aos olhos ocidentais, declaradamente kitsch. Mais do que a cópia em si, a derrisão ocidental derivará da escolha do tipo de modelos copiados Este movimento demonstra, sobretudo, uma grande desorientação no tipo de modelos a seguir em termos de arquitectura e de usufruto do lazer, este último uma preocupação anátema ainda há relativamente pouco tempo. Fica-se com a impressão, além disso, de que todo neste processo poderá estar ainda no seu início. Porque não construir em estilos chineses? Provavelmente porque não existe um modelo nacional para a construção de residências para uma classe alta e uma classe média razoavelmente abastada - que não existem há muitas décadas. A par desta falta não existe igualmente, passada a árida moda soviética, um tipo chinês para a construção de edifícios oficiais. A severidade deste estilo comunista internacional parece ser exactamente aquilo a que os constructores chineses tentam fugir. Que se tenham refugiado neste tipo de pastiches pode trazer consequências profundas mas pode também, afinal, não passar de uma moda que a população rápida e eficazmente rejeitará se dela não retirar os proveitos desejados. Mesmo no final do livro a sua autora chama a atenção para a tendência, ainda tímida, de encontrar um vocabulário mais próximo de estilos indígenas ou internacional para acolher parte da população mais abastada.
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t e r c e i r o o u v i d o
próximo oriente
Hugo Pinto
Encontro em Macau Wilson Tsang é de Hong Kong, Bernardo Devlin é de Portugal. Até terem sido convidados para colaborarem num tema do primeiro volume da compilação “T(h)ree”, que juntou músicos de Portugal, Macau e Hong Kong, nenhum tinha ouvido falar do outro. Amanhã, aqui em Macau, na praça que conhecemos como a “praça do Sintra”, num pré-evento do festival literário “Rota das Letras”, os dois sobem ao palco para interpretar, além originais dos respectivos discos, também o belíssimo “Sea of Amnesia” que resultou do trabalho que fizeram juntos. Apesar de serem de lados opostos do mesmo mundo, e ainda que movendo-se em sonoridades distintas, Wilson e Bernardo estão em sintonia sobre diversas coisas, incluindo a importância do intercâmbio que projectos como o “T(h)ree” promovem. Da participação no disco que juntou, ainda, os portugueses A Naifa com Winnie Lau, de Hong Kong, ou o português Kubik com os Evade, de Macau, entre outros pares improváveis, Wilson Tsang diz que foi “uma oportunidade preciosa, bem como uma plataforma aberta que me permitiu estudar e explorar as possibilidades da música de vários géneros e diferentes contextos culturais. Foi também um desafio trabalhar com alguém que não conhecia e que, de certa forma, me fez sentir mais ligado à cultura portuguesa, apesar de já ter viajado muitas vezes até Macau”. Noutra troca de “e-mails”, Bernardo Devlin corrobora: “Parece-me ser do maior relevo que num mundo globalizado, muitas vezes com intuitos comerciais e corporativos, as portas globais também se abram para um conhecimento mais profundo entre as pessoas, e o campo artístico é um bom veículo a esse nível.” A Macau, Devlin traz na bagagem o álbum “Sic Transit”, editado no ano passado, mas promete, na sua actuação a solo, “apresentar músicas que foram feitas a pensar no meu próximo álbum, ‘Chroma Key’”, mesmo que ainda não tenha decidido “se irão constar de facto, ou não”, do disco. A música de Bernardo Devlin assenta na sua voz cavernosa que faz lembrar Peter Murphy e uma série de outros românticos de outros tempos. Entre o canto e a declamação, a intimidade e a pose, temos drama, negrume, mas em diferentes tonalidades que não descuram, por vezes, um ar displicente ou levemente humorístico. Wilson Tsang é um artista que privilegia a experimentação. Na sua música, as diferentes linguagens são todas meios para um mesmo fim. Do piano à electrónica, do rock ao jazz, o músico de Hong Kong parte para criar am-
bientes que podem ser descritos como sugestivos de filmes que estão por realizar. No concerto de Macau, Wilson vai apresentar temas com os novos membros da sua banda, e apostar na improvisação. Do encontro que acontecer, tanto Wilson Tsang como BErnardo Devlin esperam que possa vir a servir de pretexto para novas colaborações. “Certamente que espero trabalhar com o Bernardo outra vez”, confessa Wilson, que vê na música do português “muitos elementos que me inspiram, como o negrume e o mistério, e a teatralidade com que aborda a música. Espero que possamos estabelecer uma linguagem comum e que a partir daí possamos
explorar e desenvolver algo juntos ao longo dos próximos dias.” Bernardo Devlin é mais sintético, mas nem por isso menos expressivo: “Estou certo que isso vai ser abordado nestes próximos dias. Da minha parte, com o maior prazer.” Adivinham-se capítulos a não perder. O próximo, é amanhã. Wilson Tsang & Bernardo Devlin “T(h)ree” Praça da Amizade (Praça do Hotel Sintra) Pré-evento do festival literário “Rota das Letras” 19 Horas
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perspectivas Jorge Rodrigues Simão
O emprego motor do desenvolvimento “The quality and the availability of work dramatically affect the future of our daily lives. While unemployment lines are lengthening in the United States and around the globe, the number of people who lack work is far exceeded by the hundreds of millions who are employed but lack basic decent working conditions. Forced labor captures, the lives of more tan twelve million adults worldwide, and tens of millions more work under sweatshop conditions “voluntarily” because they have no other way to survive.” Raising the Global Floor: Dismantling the Myth That We Can’t Afford Good Working Conditions for Everyone Jody Heymann and Alison Earle
O relatório sobre os avanços conseguidos relativamente aos “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM)”, publicado em 2 de Julho de 2012, pelo “Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)”, aponta que determinadas metas foram atingidas, com três anos de antecedência, em geral, em relação à data prevista de 2015. A pobreza extrema estava a diminuir em todas as regiões do mundo, e pela primeira vez começavam a ser analisadas e estudadas as tendências da pobreza, quer quanto à quantidade de pessoas que vivem na extrema pobreza, quer quanto à descida da taxa de pobreza em todas as regiões em desenvolvimento, incluindo a África Subsaariana, que apresentava as taxas mais altas. A proporção de pessoas que vive com menos de 1,25 dólares por dia, diminuiu dos 47 por cento, em 1990, para 24 por cento em 2008, o que significa, que nesse período, os mais de dois mil milhões de pessoas que viviam em extrema pobreza, diminuíram para 1,4 mil milhões de pessoas. O objectivo de reduzir a extrema pobreza, era atingido, visto que avaliações realizadas indicam que a taxa de pobreza das pessoas que vivem com 1,25 dólares por dia, em 2010, diminuiu para menos de metade em relação à taxa de 1990. Se esse resultado se viesse a confirmar, que não é o caso, a primeira meta dos “ODM” de reduzir a taxa de pobreza extrema a metade do nível de 1990, teria sido atingida à escala mundial, com cinco anos de antecedência, em relação à meta proposta de 2015, sem embargo de cerca de mil milhões de pessoas, continuarem a viver com um rendimento inferior a 1,25 dólares por dia, bem como mães a morrer durante o parto, e crianças com idade inferior a cinco anos de idade, a sofrer e a morrer de doenças preveníveis. Os dados constantes do relatório e encarados com grande optimismo têm de ser ajustados, dado não ter em total consideração, as consequências graves, derivadas de uma conjuntura económica e financeira dominada pela crise; com a economia
mundial estagnada e os países desenvolvidos em recessão, enfrentando as suas economias graves dificuldades, quanto às perspectivas de crescimento. É uma realidade que a economia mundial sofreu uma contracção em 2009, como resultado da crise financeira e económica global. O impacto da crise foi sentido de formas muito diversas em todo o mundo. O ano de 2009, para o grupo de países mais desenvolvidos, passou a ser tido como o ano da “Grande Recessão”, a crise económica mais grave desde a “Grande Depressão” da década de 1930. A recuperação em 2010, foi mais forte do que inicialmente estava previsto, no entanto, a crise da dívida soberana e as várias medidas de austeridade que a acompanharam, levaram a uma desaceleração significativa do crescimento subsequente, especialmente na Europa. O grupo de países emergentes e em desenvolvimento, pelo contrário, evitou uma recessão generalizada, e conseguiu manter taxas de crescimento superiores às dos países desenvolvidos, desde o ano 2000. O impacto da crise financeira e económica mundial nos mercados de trabalho tem sido analisado sob o prisma da taxa de desemprego, especialmente nas economias desenvolvidas. A prolongada recessão nos países industrializados e os impactos negativos no desenvolvimento e nas economias emergentes, mantiveram a produção mundial, em baixa, em 2012, segundo o relatório publicado a 15 de Fevereiro, pela “Organização Industrial de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNIDO)”. A produção mundial cresceu cerca de 2,2 por cento em 2012, muito inferior ao previsto de 3,1 por cento. A crise económica mundial que teve o início em 2009, obrigou a enormes cortes no sector industrial dos países industrializados e diminuiu a produtividade do trabalho. O “Relatório Global sobre os Salários 2012/13”, publicado recentemente, pela “Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, afirma que a crise global teve repercussões negativas importantes sobre os mercados de trabalho, em muitas regiões do mundo, e a retoma afigura-se incerta e indefinível. O desemprego subiu de menos de 6 por cento para mais de 8 por cento da população activa, com dois dígitos na Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. As taxas de desemprego nos países em desenvolvimento apresentam menos flutuações. Mesmo assim, o desemprego em todo o mundo, aumentou em mais de vinte e sete milhões de pessoas, desde o início da crise, aumentando o número total de desempregados diariamente, pelo que os cerca de duzentos milhões de pessoas aponta-
dos, ou seja, 6 por cento da população activa global, necessita de uma correcção. A maior preocupação relaciona-se com o desemprego juvenil, que atingiu proporções alarmantes. A “OIT”, previu que em 2011 o desemprego tivesse afectado 75 milhões de jovens de idade inferior aos 25 anos, em todo o mundo, representando mais de 12 por cento da totalidade dos jovens. Muitos, não aparecem nas estatísticas de desemprego, porque ficaram desencorajados e desistiram de procurar trabalho. Quanto aos salários médios, a nível global cresceram, mas a taxas inferiores às do período de antes da crise. A crise, nas economias desenvolvidas, provocou uma dupla queda (“double dip”) nos salários; os salários médios reais caíram em 2008 e de novo em 2011, e as perspectivas actuais fazem prever que, em muitos desses países os salários em 2012, no melhor dos cenários, tiveram um crescimento marginal. As tendências na Ásia e, particularmente, no Leste Asiático, contrastam fortemente com as de outras regiões. O desempenho resiliente da economia da região durante a crise, reflectiu-se nos salários na Ásia, que continuaram a apresentar elevadas taxas de crescimento, significando, que a influência da China, em particular, onde os salários nas cidades aumentaram, em média, a taxas anuais de dois dígitos ao longo de toda a década segundo o “China Yearbook of Statistics (Anuário de Estatísticas da China)”. Tendo em consideração os números oficiais, que apontam uma taxa anual de crescimento de 12 por cento ao ano, os salários médios reais na China mais do que triplicaram ao longo da década de 2000 a 2010, colocando a questão do possível fim da “mão de obra barata” na China. O total de cerca de 620 milhões de jovens, na maioria mulheres, não se encontram a trabalhar nem à procura de trabalho. Apenas para manter constantes as taxas de emprego, 600 milhões de novos empregos devem
ser criados nos próximos 15 anos. A nível mundial, mais de três mil milhões de pessoas encontram-se a trabalhar, mas metade são agricultores ou trabalhadores por conta própria. A maior parte das pessoas que aufere um rendimento baixo, trabalha longas horas e mesmo assim, não ganha o suficiente para custear as suas despesas. A violação dos direitos humanos fundamentais, neles se incluindo os direitos mais básicos no trabalho, tem vindo a ser uma constante por todo o mundo, não sendo algo de inusitado. O mundo do trabalho está a mudar rapidamente, devido às transições demográficas, urbanização, progresso tecnológico e a migração das pessoas e empregos entre os países. Os empregos na maioria dos países em desenvolvimento são nas pequenas empresas e propriedades agrícolas, frequentemente de baixa produtividade e com moderado potencial de crescimento. O seu sucesso é importante não apenas pelo impacto sobre a subsistência. As grandes empresas, surgem em países, onde em grande parte existem ligações e apoio por parte do Estado, podendo pelo êxito, as microempresas quebrar tais ciclos de privilégio. O sucesso empresarial é possível, pois nos países industrializados, muitas empresas inovadoras começaram em garagens. Os empregos, mesmo no sector informal, podem ser transformacionais em três dimensões. A primeira, tem a ver com os padrões de vida, dado que a pobreza diminui à medida que as pessoas conseguem vencer as dificuldades, especialmente nos países em que o âmbito de redistribuição do rendimento é limitado. A segunda, diz respeito à produtividade, pois a eficiência aumenta quando os trabalhadores melhoram a sua actividade, quando surgem empregos mais produtivos e os menos produtivos desaparecem. A terceira, está relacionada com a coesão social, dado que as sociedades crescem, porque os empregos reúnem pessoas de origem étnica e social diferente e criam um sentido de oportunidade. Os empregos são o que auferimos, a actividade que desenvolvemos e o que somos verdadeiramente como pessoas. O “Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2013”, do “PNUD”, analisa os empregos, considerando-os como motores do desenvolvimento, não como uma procura derivada do trabalho, pelo que todas as políticas implementadas que não conduzam ao pleno emprego, são erradas, porquanto são violadores dos direitos humanos e contrárias ao desenvolvimento económico e social, sendo o contrario, o desemprego, motor da estagnação, do decrescimento e quiçá do declínio e morte das nações.
8 3 2013
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c i d a d e s i n v i s í v e i s
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A violação dos Direitos Humanos nos filmes Vicenç Navarro In SISTEMA
A captura e morte do inimigo nº1 dos Estados Unidos, Osama Bin Laden, deu origem a toda uma série de filmes sobre esta operação militar, filmes que serão provavelmente grandes êxitos de bilheteira não só nos Estados Unidos, mas também noutros países que viveram atemorizados com o terrorismo praticado pelas forças políticas lideradas por esta personagem. Estes filmes são uma tentativa de fantasiar a capacidade dos chamados serviços de segurança do establishment norte-americano para conseguir o que desejam, seja onde for, seja como for. Independentemente das simpatias ou antipatias que se tenha para com este tipo de filmes, todas as pessoas que dão valor aos Direitos Humanos deveriam, no entanto, concordar na necessidade de denunciar comportamentos – como a tortura – promovidos por muitos destes filmes. Assim, num dos filmes mais populares em termos de bilheteira sobre a captura e morte de Osama Bin Laden, justifica-se e até se aplaude a tortura de membros das forças terroristas que, de acordo com o filme, deram informações valiosíssimas para o localizar. Esta promoção da tortura deu origem a um protesto que ultrapassou os círculos intelectuais de base académica que tendem a monopolizar a temática dos Direitos Humanos. Vozes conservadoras dentro do Congresso dos Estados Unidos, como a do senador John McCain, candidato à presidência dos Estados Unidos nas eleições de 2008 pelo Partido Republicano, denunciaram este canto à tortura representado por alguns destes filmes. Na realidade, nenhuma das informações da campanha de captura de
Bin Laden que se consideram válidas foi obtida através da tortura. Muito pelo contrário. A informação obtida por essa via – maioritariamente falsa – criou uma enorme confusão, atrasando a operação. Especialistas em assuntos de
informação e comunicação do próprio governo federal dos Estados Unidos o admitiram. Mas o que deu origem aos maiores protestos entre a comunidade científica e académica, foi a utilização de campanhas de
saúde pública para obter informações (situação que se verificou na busca e captura de Bin Laden). A partir da publicação de alguns pormenores desta operação, descobriu-se que as agências responsáveis por essa missão tinham utili-
zado pretensas campanhas de vacinação para obter dados sobre o ADN de crianças e jovens em áreas onde se suspeitava que Bin Laden pudesse estar a viver, a fim de localizar a sua casa, onde vivia com familiares, filhos incluídos.
A obtenção de dados para fins militares ou policiais, utilizando como instrumento campanhas de saúde pública, compromete todas estas campanhas, que passam a ser encaradas como objetivos militares pelo inimigo. O conhecimento destas práticas teve um impacto negativo imediato, incluindo o assassinato de oito trabalhadores dos serviços de vacinação das Nações Unidas no Paquistão, trabalhadores que estavam a efetuar programas de vacinação reais e não fictícios, como os realizados por aquelas agências dos EUA no Paquistão. Várias associações e ONGs de ajuda humanitária, que incluíam programas de saúde pública, tiveram de abandonar aquele país, receosos de que as forças próximas da Al Qaeda as considerassem instrumentos dos serviços de espionagem do governo federal dos Estados Unidos. Os decanos das doze escolas de saúde pública mais importantes dos EUA escreveram uma carta de protesto ao presidente Obama por ter utilizado os serviços sanitários e de saúde pública como instrumentos das agências de inteligência do governo federal. Tal como assinalam estes cientistas, os serviços de saúde pública devem ser considerados instrumentos orientados única e exclusivamente para a saúde e devem, não só sê-lo, mas também ser encarados como tal. Qualquer alteração destas regras causa danos enormes em todos os serviços sanitários. Existem normas de conduta, mesmo nos conflitos armados, que têm de ser respeitadas. É muito preocupante que se façam filmes onde se exalta e/ou justifica semelhantes violações dos códigos de conduta e que estes comportamentos não sejam denunciados.
8 3 2013
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黄大仙
o l h o s a o a l t o
gente sagrada
José Simões Morais
Huang Da Xian o Imortal Huang
Huang é mais um imortal que não pertence à série dos 8 Imortais definidos na dinastia Ming e é conhecido em cantonense por Wong Tai Sin. Huang Da Xian, cujo nome era Huang Chu Ping, está conectado com quatro personagens. Aqui escreveremos sobre a pessoa que nasceu no ano 328, durante a dinastia Jin do Leste (317-420), em Dan Xi, na actual província de Sichuan. Aos 15 anos pastava um rebanho de cabras, quando um dia se encontrou com mestre daoista, que logo ali o iniciou no Dao. Sem perder tempo, seguiu o seu novo mestre que o levou para a montanha de Jinhua, na actual província de Zhejiang. Aí encontrou guarida numa gruta de pedra, onde ficou a praticar meditação durante 40 anos. O seu irmão mais velho, Chu Qi, após o seu desaparecimento, procurou-o por toda a província de Sichuan, situada a Oeste da China. Nunca o encontrou pois tinha viajado até Zhejiang, que fica no lado Leste do país. Desesperado, um dia Chu Qi foi ter com um adivinho e questionou-o sob o paradeiro do seu irmão, que tinha desaparecido quando pastava o rebanho. Procurando saber onde este estaria, teve como resposta do adivinho haver em Jinhuashan uma pessoa que pastava um rebanho caprino. Logo Chu Qi empreendeu a viagem para Leste e ao encontrar irmão, a primeira pergunta que lhe fez foi: “Onde estão as cabras?” “Segue-me” e assim foram até a um local cheio de pedras. “Aqui estão!” Só vendo pedras, começou a ficar zangado, pensando que o seu irmão o estava a gozar. Então Chu Ping imitando o som do balir das cabras logo as pedras se transformaram em cabras ficando assim Chu Qi a saber estar perante um Imortal. Chu Qi regressou a Dan Xi para contar à família que tinha encontrado o irmão e para esta não mais se preocupar, tendo depois voltado para junto do seu irmão para que este o introduzisse no Dao. Apesar de praticarem durante 500 anos, as suas caras e peles continuaram jovens. Quando Huang Da Xian aparece ao comum dos mortais vem como um mestre de medicina e oferece-lhes os seus préstimos tão valiosos, que as pessoas se curam das suas maleitas. Por isso, tem cada vez mais quem o venere aumentando o número de templos em sua honra. Durante a dinastia Song do Sul foram atribuídos dois títulos a Huang Chu Ping. O imperador Xiao Zong (116289) conferiu-lhe o título de Yang Su Zhen Ren (养素真 人) quando em 1189 aconteceu uma epidemia e Huang Chu Ping apareceu às pessoas e lhes indicou a maneira de a curar. Bastava beberem a água de um poço que ele indicou e a doença desaparecia. Já em 1262, uma diluviana chuva ocorreu durante dias ininterruptamente. O povo pediu-lhe ajuda e após a oração, esta repentinamente parou. Já na outra vez, passaram-se meses sem cair do céu uma única gota de água e então, o povo virou-se de novo para Huang Da Xian e este, mais uma vez milagrosamente fez com que chovesse. Por estes novos feitos, o imperador Li Zong (1224-64) adicionou ao título anterior mais dois caracteres 净正 e assim ficou com o título, Yang Su Jing Zheng Zhen Ren O seu aniversário acontece no dia 23 do oitavo mês lunar e em Macau a sua estátua encontra-se no templo do Bambual, na Estrada de Coelho do Amaral, situado na zona de San Kiu.
8 3 2013
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l e t r a s s í n i c a s
Huai Nan Zi 淮南子
O Livro dos Mestres de Huainan
Quando a corda é curta, não pode ser utilizada para puxar água de um poço profundo.
Do Estado e da Sociedade – 38 Se as pessoas forem capazes de recorrer àquilo que nas as beneficia de maneira a ajudarem os outros, tal é aceitável. Quando um louco se põe a correr e outro corre atrás dele, é certo que correm ambos na mesma direcção, embora corram com objectivos diferentes. Quando o homem se afoga na água e alguém se lança nela para o salvar, é certo que ambos se encontram na água, embora lá estejam por razões diferentes. *** Usar as medidas e regulamentos de uma geração ou época para governar o mundo é como o caso do viajante num barco que deixa cair a sua espada no meio do rio e faz uma marca no casco do barco para marcar o sítio onde a espada caiu indo, nessa noite e já na margem, procurar a espada debaixo da marca que fez no barco. Muito longe estará deveras do discernimento. *** Quando se seguem exemplos limitados e não se sabe como viajar pelo céu e pela terra, é deveras difícil estar mais confuso. *** Quando a corda é curta, não pode ser utilizada para puxar água de um poço profundo; se um recipiente for pequeno não poderá ser usado para conter aquilo que é grande – em ambos os casos nenhum dos objectos consegue dar conta da tarefa. Tradução de Rui Cascais Ilustração de Rui Rasquinho
Huai Nan Zi (淮南子), O Livro dos Mestres de Huainan foi composto por um conjunto de sábios taoistas na corte de Huainan (actual Província de Anhui), no século II a.C., no decorrer da Dinastia Han do Oeste (206 a.C. a 9 d.C.). Conhecidos como “Os Oito Imortais”, estes sábios destilaram e refinaram o corpo de ensinamentos taoistas já existente (ou seja, o Tao Te Qing e o Chuang Tzu) num só volume, sob o patrocínio e coordenação do lendário Príncipe Liu An de Huainan. A versão portuguesa que aqui se apresenta segue uma selecção de extractos fundamentais, efectuada a partir do texto canónico completo pelo Professor Thomas Cleary e por si traduzida em Taoist Classics, Volume I, Shambhala: Boston, 2003. Estes extractos encontram-se organizados em quatro grupos: “Da Sociedade e do Estado”; “Da Guerra”; “Da Paz” e “Da Sabedoria”. O texto original chinês pode ser consultado na íntegra em www. ctext.org, na secção intitulada “Miscellaneous Schools”.
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