Hoje Macau 13 FEV 2020 # 4465

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DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ

TRABALHO

BURACOS DA LEI PÁGINAS 2-3

Temores internos GONÇALO LOBO PINHEIRO

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AMÉLIA ANTÓNIO

Ficar aqui PÁGINA 7

UNIVERSIDADE DE S. JOSÉ

Stilwell de saída

hojemacau

Tendência de cura

Uma mulher de 21 anos, de Wuhan, teve ontem alta do Centro Hospitalar Conde de São Januário depois de ter sido declarada como o quinto caso de infecção do novo

ÚLTIMA

HOJE MACAU

MOP$10

coronavírus, há 16 dias. Dos 10 casos confirmados no território, oito continuam ainda sob observação, embora sejam esperadas mais saídas nos próximos dias.

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MÁSCARAS | PÕE-TE NA BICHA PÁGINA 5

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TDM

QUINTA-FEIRA 13 DE FEVEREIRO DE 2020 • ANO XIX • Nº 4465


2 coronavírus

Licenças sem vencimento forçadas, viagens de regresso ao país de origem que não são pagas pelos empregadores, despedimentos fora da lei. Muitos têm sido os casos de ilegalidades cometidas pelas empresas de Macau desde que o surto do coronavírus roubou clientes e turistas ao território. Analistas afirmam que o Governo deveria promover uma revisão de uma lei laboral que favorece os empresários e não os trabalhadores. António Katchi defende a implementação de uma lei de emergência que garanta direitos laborais em alturas de crise

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PODE QUEM MANDA TRABALHO

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LACUNAS DA LEI LABORAL EXPOSTAS COM CRISE DO SURTO

ES D E que as ruas de Macau ficaram vazias que o sector económico se tem visto a braços com uma crise sem precedentes. Empresas de grande e pequena dimensão estão a fechar portas por tempo indeterminado, o que tem levado à ocorrência de situações que violam a lei das relações laborais. Analistas ouvidos pelo HM exigem mesmo uma revisão do diploma. Eric Sautedé, analista político ligado à organização não governamental China Labour Bulletin em Hong Kong, “as leis laborais estão profundamente ultrapassadas e concebidas, em ambas as regiões administrativas especiais, para permitir uma maior ‘flexibilidade’ ao invés de uma ‘protecção’”. “A flexibilidade é óptima se tivermos numa situação de pleno emprego e se não se pertencer a grupos vulneráveis da força laboral (tra-

balhadores informais, expatriados ou perto da idade da reforma).” Para o ex-professor de ciência política da Universidade de São José, “em períodos de crise actual, todos percebem que estas leis estão claramente contra os interesses dos trabalhadores”. Eric Sautedé destaca ainda o facto de, em Macau, não existir ainda uma lei sindical, apesar de tal estar contemplado na Lei Básica da RAEM. Como exemplo, o analista aponta o caso recente de redução salarial promovido pelo grupo Shun Tak, semanas antes da crise do coronavírus começar. “Se existissem sindicatos em Macau, os trabalhadores estariam melhor protegidos. O que aconteceu com a TurboJet, e com as licenças sem vencimento não negociáveis, indicam claramente que mesmo em Hong Kong há importantes conflitos de interesses. Só a Federação dos Sindicatos de Hong Kong levou a cabo uma primeira acção, para depois ficar quieta. E questiono-me porquê? Talvez porque a federação não tenha em conta os interesses dos trabalhadores.” Fonte ligada ao Direito de Macau garante que o coronavírus revelou o que sempre lá esteve lá, mas que tem sido ignorado. Além de se viver uma situação nova que nem patrões nem empregados sabem como lidar. “Não há nada na lei de Macau que nos permita definir procedimentos para esta situação em concreto. Esta situação acontece porque não se sabe o que se pode ou não fazer. O mais próximo que temos são regras para alturas de tufão, no caso de as empresas deverem ou não pagar aos empregados se estes não se apresentarem ao trabalho, ou se as faltas são ou não justificadas.” “Se o contrato de trabalho tiver de ser suspenso, os trabalhadores estão em casa, devem ser pagos ou não? É culpa deles? Não é, é por culpa da empresa? Gera-se uma série de questões que são muito delicadas e para as quais não há resposta na lei”, acrescentou a mesma fonte.

O ERRO DE HO IAT SENG

Para o jurista António Katchi, a primeira falha de todo este processo foi cometida pelo Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, quando este sugeriu que as empresas marcassem férias aos trabalhadores neste período de quarentena. “Com efeito, a lei do trabalho vigente permite ao empregador marcar as férias do trabalhador sem o consentimento deste, tendo simplesmente em conta os interesses da própria empresa. Assim, parece mesmo ser legalmente admissível que as empresas cujo funcionamento é agora suspenso obriguem os trabalhadores a gastar os seus dias de férias anuais pagas durante este período. Só que isto seria, a meu ver, ilícito, pois cons-


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tituiria um abuso daquele direito que a lei, infelizmente, confere ao empregador (o direito de marcar unilateralmente as férias do trabalhador).” Para Katchi, há duas razões para que, neste caso específico, haja um abuso da lei. “Primeiro, porque, durante este período, os trabalhadores já estão dispensados do trabalho em consequência do encerramento administrativo temporário dos seus locais de trabalho, o que significa que a dispensa por motivo de férias nada lhes acrescentaria para efeitos de descanso”, disse. Além disso, “na conjunctura actual, os trabalhadores, como a população em geral, estão extremamente limitados na possibilidade de desfrutarem os seus tempos livres, o que frustraria a finalidade social do próprio direito a férias (por exemplo, os 35 mil trabalhadores do sector do jogo que vivem em Zhuhai nem sequer poderiam regressar a casa para junto da sua família, pois, se o fizessem, ficariam depois sujeitos a quarentena quando retornassem a Macau).” “Em suma, se os empregadores seguissem a sugestão do Chefe do Executivo, estariam verdadeiramente a roubar aos trabalhadores o direito a férias deste ano”, acrescentou António Katchi.

PROBLEMAS EM CADEIA

Outro problema verificado neste período de quarentena passa pelas reduções salariais. A revisão feita em 2008 decretou que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) apenas tenha de receber uma notificação do acordo celebrado entre patrões e empregados no prazo de dez dias, acordo esse que nunca é de mútuo acordo, denota António Katchi. Gera-se, no entanto, uma reacção em cadeia. “Uma vez que o empregador pode despedir independentemente da justa causa, o trabalhador fica na prática sem qualquer possibilidade de recusar esse ‘acordo’”. Mais uma vez, a ausência de sindicatos deita tudo a perder no que à protecção de direitos diz respeito. “Este encadeamento causal poderia ser rompido pelos trabalhadores se estivessem organizados em estruturas de classe (sindicatos e comissões de trabalhadores), capazes de impôr ao patronato a negociação colectiva e a greve, mas também isso, como sabemos, é inexistente em Macau.” Neste sentido, a crise gerada pelo coronavírus trouxe “alguns dos problemas mais candentes da legislação laboral de Macau”. Os exemplos apresentados pelo jurista são vários e passam pela permissão de despedimento sem justa causa e a possibilidade de redução salarial sem autorização administrativa nem sujeição a quaisquer pressupostos materiais ou circunstanciais definidos na lei, sem esquecer a ausência

“As licenças sem vencimento, por comum acordo, são legais, mas o que constitui ‘um argumento’ nestes casos? Será que os trabalhadores têm escolha? Será que todos estão sujeitos às mesmas regras?” ERIC SAUTEDÉ MEMBRO DO CHINA LABOUR BULLETIN

A presidente da União Progressista dos Trabalhadores Domésticos de Macau, Jassy Santos, falou de despedimentos, horas extraordinárias sem o respectivo pagamento e o facto de não serem disponibilizadas máscaras ou produtos desinfectantes às trabalhadoras, forçadas a ficar em casa dos patrões sem direito a quarto ou mesmo uma cama. de lei regulamentadora da liberdade sindical, da liberdade de negociação colectiva e do direito à greve. Quanto à obrigatoriedade de assinatura de cartas de demissão por parte de empregadores, um caso ocorrido no Hotel Fortuna, “o problema não parece estar na lei [laboral]”. Isto

“Os capitalistas, a começar desde logo pelas grandes empresas, aproveitam qualquer oportunidade que a lei e as autoridades públicas, pelas suas acções e omissões, lhes facultem para ‘sacudirem’ para cima dos trabalhadores as consequências económicas de qualquer crise.” ANTÓNIO KATCHI JURISTA

porque, defende António Katchi, "à luz do Código Civil, aplicável neste ponto aos contratos de trabalho, uma declaração assinada sob coacção moral é inválida - mais precisamente, é anulável, por via judicial”. “É claro que isto levanta uma dificuldade prática ao trabalhador: para obter a sua anulação, ele teria que intentar uma acção judicial e, nesta, provar que houve coacção”, explicou ainda.

AGIR COM MÁ-FÉ

Para Eric Sautedé, há patrões a agir “de má-fé”, defendendo a aplicação de sanções para as grandes empresas. “Os empregadores deveriam ser sancionados, especialmente nos casos que ocorrem em empresas influentes. Felizmente, até agora, ouvimos falar de poucos casos, ainda que seja preocupante ouvir que os trabalhadores questionam até que ponto os casos foram verdadeiramente resolvidos pelos departamentos laborais.” Outro ponto diz respeito às licenças sem vencimento forçadas, assinadas “sob o argumento não negociável de que os trabalhadores têm de aceitar as condições impos-

tas ou simplesmente podem perder o seu emprego porque a empresa vai fechar em breve”. “As licenças sem vencimento, por comum acordo, são legais, mas o que constitui ‘um argumento’ nestes casos? Será que os trabalhadores têm escolha? Será que todos estão sujeitos às mesmas regras? Há algum ‘limite temporal’ e vão ser pagas compensações se os negócios voltaram ao normal?”, questiona Eric Sautedé. Os trabalhadores não residentes (TNR) também têm sido vítimas destas lacunas laborais. Várias associações de trabalhadoras domésticas em Macau denunciaram à Lusa casos de exploração laboral, desde cortes nos salários à obrigação de ficarem em casa dos patrões, desde que foram adoptadas medidas excepcionais devido ao novo coronavírus. Para além da redução nos vencimentos acordados e da obrigatoriedade de permanecer em casa dos patrões em condições pouco dignas, as empregadas domésticas dão conta de um número crescente de outros casos que configuram exploração laboral.

DSAL POUCO PODE FAZER

Na hora de apoiar os trabalhadores, o analista político acredita que, na prática, entidades como a DSAL, ou a sua congénere em Hong Kong, pouco podem fazer. “Os departamentos laborais devem garantir que a lei é respeitada, mas o problema é que as leis são extremamente favoráveis aos interesses empresariais, e não o são verdadeiramente em relação aos trabalhadores.” Igual argumento tem António Katchi. “Os capitalistas, a começar desde logo pelas grandes empresas - como se vê em Hong Kong com a Cathay Pacific -, aproveitam qualquer oportunidade que a lei e as autoridades públicas, pelas suas acções e omissões, lhes facultem para ‘sacudirem’ para cima dos trabalhadores as consequências económicas de qualquer crise. Está na sua natureza. Perante isto, é imperioso exigir aos órgãos do poder político que intervenham para proteger os trabalhadores e, em geral, os sectores mais desfavorecidos da população”, concluiu. Andreia Sofia Silva

andreia.silva@hojemacau.com.mo

LEGISLAÇÃO ANTÓNIO KATCHI DEFENDE CRIAÇÃO DE DIPLOMA DE EMERGÊNCIA

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PESAR de defender uma revisão da lei laboral, o jurista António Katchi reconhece que tal levaria tempo até solucionar os problemas apontados. Nesse sentido, o responsável diz ser necessária “a aprovação de legislação temporária de emergência para minimizar o impacto sobre os trabalhadores”.

Tal diploma “deveria proibir qualquer despedimento, com ou sem justa causa, qualquer redução salarial e qualquer marcação de férias sem o consentimento escrito do trabalhador”. No entanto, Katchi alerta para o impacto económico desta lei. “É claro que isto poderia trazer dificuldades para

as pequenas empresas, nomeadamente para os pequenos estabelecimentos comerciais.” Um controlo das rendas seria, então, a solução. “Para obviar a essas dificuldades, aquela legislação temporária deveria igualmente decretar a suspensão da obrigação de pagamento de renda ou, pelo menos, a redução

substancial do seu valor (por exemplo, em 50%).” “Ainda para a protecção dos trabalhadores, e em conformidade com os apelos instantes do Governo para que as pessoas permaneçam em casa, e também para reforçar a imunidade dos trabalhadores perante qualquer eventual contaminação, a referida

legislação deveria decretar uma redução significativa do tempo de trabalho (por exemplo, um máximo de 7 horas de trabalho por dia e de 35 horas por semana e um mínimo de 2 dias de descanso semanal)”, rematou António Katchi.


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n ú m e r o de pessoas curadas em Macau que tinham sido infectados com o coronavírus subiu para dois, após uma paciente de 21 anos, uma mulher de Wuhan, ter tido alta hospitalar. A informação foi avançada, ontem, na conferência de imprensa diária sobre a epidemia, por Chang Tam Fei, coordenador dos Serviços de Urgência do Centro Hospitalar Conde São Januário. “Aquele que tinha sido identificado como o quinto caso em Macau, uma mulher com 21 anos de Wuhan teve alta esta tarde”, foi revelado por Chang. “A alta da mulher foi aprovada depois de um tratamento de 16 dias. Já apresentava uma situação estável e depois de dois testes rigorosos negativos foi considerado que estava apta para ter alta”, acrescentou. Segundo as declarações do coordenador dos Serviços de Urgência do Centro Hospitalar Conde São Januário, a mulher que estava em Macau desde 23 de Janeiro tem uma conta de 25 mil patacas para pagar e fez entrar um pedido de isenção. Uma vez que a mulher afirmou não ter dinheiro consigo em quantidade suficiente nem cartão de crédito disponível, comprometeu-se a fazer o pagamento no espaço de um mês, caso o pedido de isenção não seja aceite. Segundo as regras em vigor, os não-residentes têm de pagar as despesas que causam ao hospital público a dobrar, ou sejam a mulher de 21 anos vai ter de pagar 25 mil patacas, mas a despesa efectiva para o hospital terá sido de 12,5 mil patacas. Com esta alta, dos 10 casos confirmados na RAEM há ainda oito pessoas que se encontram isoladas, sendo que as autoridades previram que algumas poderiam ter alta nos próximos dias. Anteriormente, já uma empresária de Wuhan, que tinha sido confirmada como o primeiro caso, tinha tido alta.

13.2.2020 quinta-feira

EPIDEMIA MULHER DE 21 ANOS RECUPEROU E TEVE ALTA NA TARDE DE ONTEM

Sinais de recuperação

O número de vítimas que recuperaram da infecção do coronavírus de Wuhan subiu para dois, de acordo com as informações oficiais. A jovem teve alta depois de um tratamento de 16 dias Leong admitiu ainda que há menos máscaras para crianças, mas que mesmo estas podem utilizar os produtos para adultos. Porém, reforçou que não há motivo para as crianças saírem de casa, onde devem permanecer: “Ao contrário dos adultos que precisam de sair de casa, não há motivo para as crianças saírem, por isso não precisam de tantas máscaras. As crianças devem ficar em casa”, sublinhou.

“Ao contrário dos adultos que precisam de sair de casa, não há motivo para as crianças saírem, por isso não precisam de tantas máscaras.” LEONG IEK HOU MÉDICA

A procura foi tanta que as actualizações da aplicação disponibilizada pelo Governo não acompanharam a realidade, fazendo com que fosse indicado que havia máscaras disponíveis em certos locais, o que já não correspondia à realidade.

ESPECULAÇÃO NA RUA

CORRIDA ÀS MÁSCARAS

Ontem começou o primeiro dia da terceira fase de vendas de máscaras e foram comercializadas cerca de 1,14 milhões de unidades para cerca de 114 mil pessoas (ver página 5). Entre este número de máscaras cerca de 19 mil foram vendidas para crianças. No entanto, e ao contrário dos apelos, verificou-se uma corrida às máscaras, pelo que foi deixado o alerta às pessoas para que evitem as longas filas e concentrações: “Temos máscaras suficientes para toda a população, as pessoas não precisam de entrar em pânico e se não precisarem delas imediatamente podem ir buscá-las um ou dois dias depois”, aconselhou Leong Iek Hou, coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância de Doença.

USO INDEVIDO DE BIR

FIM DAS BORLAS

té terça-feira, o Corpo de Polícia de Segurança Pública tinha registado 30 casos de uso indevido do Bilhete de Identidade de Residente para a compra de máscaras. Segundo as autoridades, entre as 30 ocorrências, dois casos ficaram resolvidos e ainda há 12 a serem investigados. Finalmente, 14 casos foram identificados como inserção incorrecta do número de BIR.

té ontem os hospitais e clínicas locais dos Serviços de Saúde disponibilizavam máscaras gratuitas para os utentes. No entanto, a medida foi revogada depois de ter havido abusos por parte dos cidadãos. Leong Iek Hou, coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância de Doença, revelou que havia mesmo portais online a explicar as técnicas para que os residentes se aproveitassem do sistema.

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Também ontem, as autoridades receberam queixas de que, perto do mercado do Iao Hon, um homem estaria a vender as máscaras que tinha comprado junto do o Governo. Segundo as denúncias recebidas, o homem tinha comprado as 10 máscaras por 8 patacas e estava a vender cada por 12,5 patacas. As autoridades foram investigar o caso, mas quando chegaram ao local não conseguiram encontrar o homem em causa. Este comportamento foi fortemente criticado pelos representantes do Governo, que frisaram várias vezes que as máscaras são adquiridas para “proteger” a população e não para “lucrar”. Porém, os representantes do Executivo não conseguiram apontar as infracções e penalizações para quem aproveite as máscaras para fazer negócio. João Santos Filipe

joaof@hojemacau.com.mo


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MÁSCARAS NOVA RONDA COMEÇA COM LONGAS FILAS NOS PONTOS DE VENDA

jogar jogos e a navegar na internet”. “Em casa tento usar o mínimo possível para poupar as máscaras e só volto ao trabalho no dia 19”, partilhou o homem de apelido Kim. Já Cheong, que continuava à espera que chegasse a sua vez para comprar máscaras para o filho, diz estar a aproveitar o tempo em casa “para ensinar sobre alguns assuntos” o filho de cinco anos.

Os reféns do medo O primeiro dia de mais uma ronda do plano de fornecimento de máscaras ficou marcado por longas filas de residentes em busca de obter as unidades a que têm direito. No dia da estreia de venda de máscaras infantis alguns tiveram medo que estas pudessem esgotar. Mais de 100 mil residentes já adquiriram máscaras, revelaram as autoridades Macau, de apelido Cheong, enquanto esperava na fila para adquirir máscaras no centro de saúde de São Lourenço. “Penso que o número de máscaras que estão a fornecer destinadas às crianças é suficiente”, acrescentou. De opinião contrária é outra residente de Macau que à sua compra pretendia juntar a compra de máscaras para a irmã mais nova. “Cinco

ataque em larga escala planeado para hoje em território chinês pelo grupo de piratas informáticos Anonymous e que visa atacar o sistema de vigilância por vídeo na internet (IP cam), pode ser “muito danoso para a segurança pessoal e pequenos negócios”, considera Paul Jackson, especialista em segurança informática da Kroll, empresa sediada em Hong Kong. “O cenário em que imagens de vídeo privadas possam ser acedidas por alguém é alarmante para a maioria das pessoas. Todos devem estar cientes dos riscos e os conselhos fornecidos pela Polícia

RÓMULO SANTOS

ECIDI vir hoje [ontem] porque tenho medo que as máscaras esgotem”, confessou ao HM uma mulher na casa dos 20 anos residente de Macau, que tinha chegado há poucos minutos à longa fila que percorria quase na totalidade a rua de São Lourenço até fazer a esquina, continuando pela Rua Inácio Baptista. “Na segunda ronda não vim levantar as máscaras e agora queremos garantir que levantamos as 10 unidades a que tenho direito antes que cheguem ao fim os 10 dias para o levantamento”, explicou. Contrariando o apelo feito no dia anterior por Lei Wai Seng, responsável dos Serviços de Saúde (SS), no sentido de evitar uma “corrida às farmácias” e “criar ajuntamentos de pessoas que podem aumentar o risco de infecções”, o HM constatou que se formaram longas filas nalguns pontos de venda, nomeadamente nos centros de saúde do Tap Seac e de São Lourenço. Uma agente da polícia destacada para garantir a segurança junto ao centro de saúde de São Lourenço, estimou estarem reunidas cerca de uma centena de pessoas às 14h30. “Não sei porque é que as pessoas decidiram vir todas no primeiro dia”, partilhou. Num dia que ficou também marcado pelo início do fornecimento de máscaras infantis, sendo estas vendidas exclusivamente nos centros de saúde, foi possível verificar que muitos compareceram propositadamente à sua procura. “Vim porque amanhã [hoje] vou viajar para Hong Kong e tenho um filho com cinco anos”, afirmou uma mulher residente de

MAIS UM MILHÃO

máscaras não é suficiente”, partilhou com o HM. Recorde-se que as máscaras infantis disponíveis a partir de ontem são destinadas a crianças entre os três e os oito anos, podendo ser adquiridas cinco máscaras por cada criança e de cada vez. “Com base no princípio da justiça, as crianças desta faixa etária também podem ter acesso a cinco máscaras

para adultos, ao mesmo tempo, ou podem em alternativa ter 10 máscaras para adultos”, pode ler-se numa nota divulgada ontem pelo Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus. Nesta terceira fase de fornecimento foram colocadas à disposição da população, um milhão de máscaras infantis que o Governo adquiriu. “Devido

Hackers em acção

Paul Jackson diz que “ataque pode ser muito danoso para a segurança pessoal e pequenos negócios”

de Macau devem ser respeitados”, partilhou o especialista com o HM. O alerta sobre a ameaça foi dado no passado domingo pela Polícia Judiciária (PJ) após divulgar um comunicado emitido pelo Information Technology Test Evaluation Center, organismo do interior da China, onde era anunciado que “um grupo de hackers internacional iria atacar o sistema de vigilância por vídeo na internet

(IP cam) de regiões chinesas (incluindo a RAEM), no dia 13 de Fevereiro”. Mais tarde, de acordo com declarações prestadas ao jornal Ponto Final, o director do Centro de Coordenação de Informática e Telecomunicações da PJ, Chan Si Cheng, confirmou que o suposto ataque será levado a cabo pelo grupo de piratas informáticos Anonymous e a pretexto da independância do Tibete.

à falta de máscaras para crianças em todo o mundo, no plano de fornecimento foi estabelecida uma faixa etária”, justificou o Governo em comunicado. O funcionário de um hotel dispensado de trabalhar por estes dias que também se encontrava na fila para comprar máscaras revelou ao HM que tem passado a última semana em casa “a

Sobre os perigos que um ataque desta natureza pode ter para a população Paul Jackson vincou que a maioria deles advém do facto de muitos destes sistemas estarem ligados a dispositivos com senhas de acesso com fraca segurança. “O uso de sistemas de vigilância por vídeo, conectados à Internet é comum em ambientes domésticos, em transporte, pequenos escritórios e grandes empresas. Infelizmente, muitos desses dispositivos possuem (…) senhas padrão que os usuários nunca alteram, tornando-os vulneráveis ​​a invasores que podem assumir o controle desses dispositivos e invadir a

No total, já tinham sido vendidas, ao final da tarde de ontem 1,14 milhões de máscaras, revelaram dados oficiais do Serviços de Saúde, por ocasião da conferência de imprensa diária sobre o novo tipo de coronavírus. Assim, no primeiro dia da terceira ronda, os SS confirmaram que foram mais de 100 mil os residentes que se deslocaram aos 87 pontos de venda de máscaras em Macau, entre as farmácias convencionadas e os 21 pontos de serviço das associações cívicas que participam no plano. Quanto ao número de máscaras infantis vendidas no primeiro dia da terceira ronda de fornecimento, foram vendidas 19 unidades. Acerca do stock total de máscaras actualmente disponível, as autoridades de saúde confirmaram na terça-feira já terem sido vendidas 10 milhões de máscaras ao fim das duas rondas de fornecimento, ou seja, metade da encomenda total feita pelo Governo de 20 milhões de unidades. “O Governo está a dar o seu melhor para adquirir mais máscaras em todo o mundo e é assim que vamos garantir o fornecimento de máscaras aos residentes de Macau”, explicou na altura, Lei Wai Seng. Pedro Arede

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privacidade dos proprietários”, explicou o especialista.

BLINDAR DISPOSITIVOS

Contactada pelo HM, a PJ referiu já ter contactado as empresas de telecomunicações de Macau para fazer face ao ataque de larga escala agendado para hoje e partilhou alguns conselhos de segurança: evitar que dispositivos como webcams estejam desnecessariamente ligadas à internet, garantir uma password de acesso forte, instalar as últimas actualizações em todos os dispositivos para corrigir falhas de segurança e estar alerta em relação a acessos suspeitos. P.A.


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EGUNDO a política da Teledifusão de Macau (TDM), os trabalhadores que estiveram durante o período do Ano Novo Chinês no Interior não ficaram dispensados de se apresentar ao trabalho, para cumprirem um período de quarentena de 14 dias. Contudo, foi-lhes exigido que utilizassem sempre máscara na redacção. Esta situação terá causado algum mal-estar na empresa junto de alguns trabalhadores, que preferiam que os colegas tivessem sido enviados para casa, porém, Manuel Pires, presidente da Comissão Executiva da e empresa, defende a opção tomada. “Nós estamos a seguir todas as instruções do Chefe do Executivo. E desde 25 de Janeiro que todos os trabalhadores que se deslocaram ao Interior para gozarem férias no âmbito do Ano Novo Chinês sabem que têm sempre de utilizar máscara de protecção quando estão a trabalhar”, afirmou Manuel Pires, ao HM. “Infelizmente não nos podemos dar ao luxo de ter esses trabalhadores isolados durante 14 dias, porque termos um serviço que nunca pára. Mas as chefias estão instruídas para no caso dessas pessoas apresentarem tosse, febre ou outros sintomas, serem imediatamente mandados para os cuidados médicos”, explicou. O presidente da Comissão Executiva da TDM apontou ainda que desde o início a máscara foi exigida aos trabalhadores que tivessem estado no Interior da China, independentemente da província, mesmo numa altura em que, em geral, as medidas de protecção só visavam as pessoas que tivessem

13.2.2020 quinta-feira

TDM PREOCUPAÇÕES COM FALTA DE ISOLAMENTO DE 14 DIAS

Dores internas

As medidas de protecção na TDM para os trabalhadores que estiveram no Interior da China têm gerado preocupação entre os funcionários, mas Manuel Pires garante que a empresa está a cumprir as exigências do Governo. O presidente da Comissão Executiva desmente a existência de licenças sem vencimento forçadas

recordo de nenhum caso. E garanto que a empresa não pediu a ninguém para tirar férias sem vencimento”, sublinhou. O HM contactou a Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) para perceber se tinha havido queixas devido à imposição de licenças sem vencimento na TDM, mas até à hora do fecho não teve resposta. Contudo, Manuel Pires reconhece que houve chefias a pedir aos trabalhadores que vivem no Interior que tirem dias de férias, enquanto não podem ir trabalhar. “Admito que haja casos em que as chefias combinaram com os trabalhadores para eles tirarem dias de férias durante esta situação. Mas na TDM os trabalhadores têm 22 dias de férias úteis, portanto estamos a falar de um benefício que não é propriamente inferior ao oferecido no Governo”, apontou.

DISTRIBUIÇÃO DE MÁSCARAS

DESPORTO 24 HORAS POR DIA

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omo medida especial neste período em que as pessoas estão em casa de quarentena, o canal de desporto da TDM começou a emitir 24 horas por dia. “Nós temos de entreter as pessoas, elas estão em casa e precisam de algo mais para se entreter, além da informação, como é óbvio”, explicou Manuel Pires sobre o carácter da medida.

estado na província de Hubei, que tem como capital Wuhan.

SEM LICENÇAS FORÇADAS

Com a epidemia do coronavírus foi ainda pedido pelo Governo às empresas que arranjassem soluções

para evitar que os trabalhadores que vivem no Interior tenham de atravessar a fronteira. Nas redes sociais circularam informações que alguns destes trabalhadores na TDM tinham sido obrigados a tirar licenças sem vencimento. O

cenário é desmentido por Manuel Pires: “Não há situações de licença sem vencimento impostas aos trabalhadores. Admito que tenha havido pedidos por parte dos trabalhadores para gozarem de licença sem vencimento, mas eu não me

Numa altura em que o acesso a máscaras e a soluções desinfectantes à base de álcool tem sido limitado, esta questão tem sido igualmente debatida no seio da empresa. Entre os trabalhadores, existe quem sinta que os materiais disponibilizados, como a cobertura dos microfones, não são suficientes. Face a este cenário, o presidente da Comissão Executiva da TDM admite as limitações, mas frisa que tudo foi feito para comprar os materiais disponíveis. “A preocupação com as máscaras [por parte dos trabalhadores] é razoável e não posso dizer que não tenha havido trabalhadores que numa certa situação não tenham tido acesso às máscaras”, começou por clarificar em relação a este aspecto. “Mas sabemos que o fornecimento de máscaras não é fácil para ninguém e desde que esta situação se colocou que a empresa tentou sempre adquirir máscaras, assim como o gel desinfectante e outros materiais necessários de protecção”, vincou. Ainda em relação à distribuição do material de protecção da empresa, Manuel Pires sublinha que a prioridade no acesso é para os repórteres que vão a locais com riscos e que nesses casos, o material disponibilizado não é apenas máscaras, mas também toucas, óculos, luvas e batas. João Santos Filipe

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Restauração Chan Chak Mo fecha restaurantes

Chan Chak Mo, deputado à Assembleia Legislativa e CEO do grupo Future Bright Holding, decidiu encerrar os seus restaurantes em Macau e China até ao próximo dia 19, devido ao surto do novo coronavírus. A notícia foi avançada ontem pelo portal Macau News Agency, que cita um comunicado do grupo enviado à Bolsa de Valores de Hong Kong. A decisão de encerramento dos espaços de restauração está relacionada com o encerramento dos casinos de Macau, com a possibilidade de estender o prazo de encerramento. “Medidas semelhantes podem ser adoptadas nos restaurantes do grupo em Hong Kong se as circunstâncias assim o exigirem”, pode ler-se.

LEIRIA POLITÉCNICO ACOMPANHA ESTUDANTES PORTUGUESES NA CHINA

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surto do coronavírus na China levou as universidades portuguesas com estudantes no país a acompanhar a situação. É o caso do Instituto Politécnico de Leiria (IPL), que lecciona a licenciatura em tradução e interpretação de português/ chinês - chinês/português e que inclui uma estadia de um ano na capital chinesa e outro ano em Macau. Numa resposta enviada ao HM, o IPL refere que “está a acompanhar de perto a situação e está em contacto permanente com as instituições e autoridades na China e em Portugal”. “Tendo em conta a pausa lectiva associada às comemorações do ano novo chinês, e face ao adiamento do início do 2.º semestre em virtude do coronavírus, houve estudantes que regressaram a Portugal de férias, e de forma temporária, estando atentos ao cumprimento das recomendações e das medidas implementas pelas autoridades de saúde”, acrescenta o IPL na mesma resposta. Em relação aos estudantes que decidiram vir para Portugal devido ao adiamento das aulas do segundo semestre, que “ainda não têm data prevista de arranque”, o IPL afirma estar “a acompanhar e apoiar do ponto de vista administrativo e logístico o seu regresso”. Nesta fase, “estão a ser adoptadas as recomendações e as medidas aconselhadas pela Organização Mundial de Saúde, pela Direcção-Geral da Saúde em Portugal e pelas autoridades de saúde locais, nomeadamente no que se refere ao controlo e prevenção”. O HM contactou outras universidades portuguesas com estudantes portugueses na China, mas até ao fecho desta edição não obteve qualquer resposta.

GONÇALO LOBO PINHEIRO

quinta-feira 13.2.2020

Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau “Não concordo, de facto, porque dito dessa forma parece um conselho geral e o conselho não pode ser generalizado, porque só as pessoas que estão nessas circunstâncias, sem vínculos ou contratos, é que podem sair.” -

CPM AMÉLIA ANTÓNIO DISCORDA DO CONSELHO DO CÔNSUL SOBRE VIAGENS

Deixa-te estar

Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau, aconselhou os portugueses a residir em Macau a “visitar a família” no seu país, mas Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau, discorda da sugestão. “É mais complicado as pessoas movimentarem-se e acho que se está a empolar um bocadinho a questão”, disse

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crise gerada pelo novo surto do coronavírus está a levar muitos residentes portugueses a anteciparem as suas férias a Portugal. O próprio cônsul-geral de Portugal em Macau, Paulo Cunha Alves, sugeriu recentemente que as famílias aproveitassem este período para sair do território. “Aqueles que presentemente não estão envolvidos numa actividade profissional contínua poderão ponderar deslocar-se até Portugal para rever família e amigos”, afirmou Paulo Cunha-Alves no passado dia 7. Além disso, o diplomata pediu ainda à comunidade portuguesa “que mantenha a calma e a serenidade e que procure seguir com clareza os con-

selhos e as orientações das autoridades locais, nomeadamente das autoridades de saúde, evitando assim os riscos de contágio”. Contactada pelo HM, a presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), Amélia António, disse discordar deste conselho. “Não concordo, de facto, porque dito dessa forma parece um conselho geral e o conselho não pode ser generalizado, porque só as pessoas que estão nessas circunstâncias, sem vínculos ou contratos, é que podem sair.” Apesar de a situação estar calma e de não terem existido pedidos de apoio por parte de membros da comunidade portuguesa, Amélia António acredita que é mais arriscado viajar do que ficar no território. “Não me parece recomendável essa saída para

Portugal. Há as questões ao nível dos transportes, de entradas e saídas de pessoas. Acho que está a empolar um bocadinho a questão. E não faz muito sentido [a saída] porque tudo depende da vida das pessoas, porque quem está em casa e é funcionário público, por exemplo, não sabe quando vai ser chamado ao serviço.”

ANTECIPAR FÉRIAS

A arquitecta Ingrid Beltrão Coelho é uma das residentes que decidiu deixar Macau de forma temporária por causa do coronavírus. “Vim de propósito. A minha filha está sem escola há um mês, trancada em casa e o meu trabalho deu-nos um dia de férias a quem tirasse quatro dias. Tirei três semanas para que

pudéssemos estar longe de tudo. Para já, aguardo que tudo se resolva, depois estendo o período de férias ou regresso”, adiantou ao HM. Ingrid tem trabalhado à distância. Mesmo sem sintomas, a arquitecta decidiu contactar, em Portugal, a linha de apoio Saúde 24 como forma de prevenção. “Antes do embarque verificaram a temperatura [dos passageiros] e eu verifiquei sempre a minha durante e após o voo. O único risco possível de contágio a que me expus foi no voo. Liguei para a Saúde 24 e foi-me dito para me deslocar a um hospital só em caso de sintomas”, disse. Apesar de ter saído de propósito de Macau por causa do novo coronavírus, Ingrid Beltrão Coelho

está confiante no fim da crise. “Há sempre algum receio do desconhecido. Viver o dia-a-dia em Macau neste momento era um pouco isso. Antes pensava-se que o contágio era menor, mas acredito que com o tempo tudo se vai resolver pois a China está a ser exemplar na sua acção para combater o vírus”, adiantou. No caso de Hugo Cardoso, que tem uma empresa de produção de eventos, a ida para Portugal acabou por ser inevitável. “Como o meu trabalho é produção de eventos e conferências, locais de ajuntamento de pessoas, não tenho tido trabalho e tudo vai demorar a recuperar nos próximos tempos. Decidi antecipar as minhas férias. Já estava há duas semanas sempre fechado em casa, tomei os meus cuidados, não estive doente, segui todos os protocolos e vim.” O produtor de eventos confessou que, no mesmo avião que o seu viajavam muitos portugueses a residir em Macau. “O avião vinha cheio de portugueses, muitas pessoas com crianças que decidiram vir passar uns tempinhos a Portugal. No avião vinham pelo menos umas três ou quatro famílias.” Andreia Sofia Silva

andreia.silva@hojemacau.com.mo


8 coronavírus

13.2.2020 quinta-feira

45,204 Infectados

8204 Em estado

16067 Casos

crítico

suspeitos

Covi novel cor

FONTES: • https://gisanddata.maps.arcgis.com/ apps/opsdashboard/index.html#/ • https://www.who.int/ emergencies/diseases/novelcoronavirus-2019/situation-reports bda7594740fd40299423467b48e9ecf6 • https://www.cdc.gov/coronavirus/2019ncov/index.html • https://www.ecdc.europa.eu/en/ geographical-distribution-2019-ncovcases • http://www.nhc.gov.cn/yjb/s3578/ new_list.shtml • https://ncov.dxy.cn/ncovh5/view/ pneumonia

OUTROS

INFECTADOS POR PAÍS / REGIÃO 44685 50 47 33 28 28 18 18 16 15 14 13 11 10

Interior da China Hong Kong Singapura Tailândia Coreia do Sul Japão Taiwan Malásia Alemanha Vietname Austrália EUA França Macau

8

Emiratos Árabes Unidos

8 7 3 3 3 2 2 1 1 1 1 1 1

Reino Unido Canadá Itália Filipinas Índia Rússia Espanha Nepal Cambodja Bélgica Finlândia Sri Lanka Suécia

175

Cruzeiro Dream Princess países com casos de nCov países sem casos de nCov

Infectados

8 MACAU

Infectados

2 Curados

Macau

50 HONG KONG

Infectados

1

HONG KONG

Hong Kong

Morto


coronavírus 9

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id-19 ronavirus

1115

5034

HOJE NA CHÁVENA

Curados

Mortos

1-99 10-99 100-499 500-999 1000-9999 +10000 Ocorrências nas áreas afectadas

Dados actualizados até à hora do fecho da edição

Covid-19 vs SARS

CHINA NÚMERO DE INFECTADOS E MORTOS POR REGIÃO

42,000 12,000 10,000 8,000 6,000 4,000 2,000 0

20

dias

40

dias

60

dias

Dia em que a OMS recebeu os primeiros avisos do surto

80

dias

100

dias

120

dias

REGIÃO Hubei Guangdong Henan Zhejiang Hunan Anhui Jiangxi Jiangsu Chongqing Shandong Sichuan Heilongjiang Pequim Xangai Fujian Hebei Shaanxi

INFECTADOS 33366 1219 1135 1131 912 889 844 543 509 497 436 378 352 311 272 251 225

MORTOS 1068 1 8 0 2 4 1 0 3 2 1 8 3 1 0 2 0

REGIÃO Guangxi Hainan Yunnan Guizhou Shanxi Liaoning Tianjin Gansu Jilin Mongólia Interior Xinjiang Ningxia Hong Kong Qinghai Taiwan Macau Tibete

INFECTADOS 222 153 142 133 124 116 110 86 83 60 59 58 50 18 18 8 1

MORTOS 1 3 0 1 0 0 2 2 1 0 0 0 1 0 0 0 0


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13.2.2020 quinta-feira

Região JAPÃO INFECTADOS A BORDO DO NAVIO “DIAMOND PRINCESS” SOBE PARA 175

O

Comunicado da FIA “A comunidade da Fórmula 1 espera voltar a correr na China o mais rápido e deseja a todos no país o melhor durante estes tempos difíceis.”

AUTOMOBILISMO GRANDE PRÉMIO DE FÓRMULA 1 DA CHINA ADIADO

Motores ‘gripados’

Apesar de só estar marcada para o mês de Abril, A FIA e a Fórmula 1 deram aval ao adiamento da prova devido à crise provocada pelo coronavírus de Wuhan

O

Grande Prémio de Fórmula 1 da China vai ser adiado devido ao surto generalizado do novo coronavírus no país asiático, foi ontem anunciado. A Federação Internacional do Automóvel (FIA), juntamente com a Fórmula 1, decidiram aceitar o pedido de adiamento da prova, que estava agendada para o dia 19 de Abril, depois de um uma solicitação oficial do promotor do evento, o Juss Sports Group. “AFIAe a Fórmula 1 continuam a trabalhar em conjunto com as equipas, o promotor e as autoridades da China para

avaliar a situação e os seus desenvolvimentos. Todas as partes vão ter o tempo necessário para estudar a viabilidade de possíveis datas alternativas para a realização do Grande Prémio mais tarde no ano, caso a situação melhore”, refere a FIA em comunicado. A federação esclarece que vai continuar a acompanhar a situação no que diz respeito a outros eventos motorizados. “O Grande Prémio da China tem sido uma importante parte do calendário da Fórmula 1, com muitos adeptos apaixonados. A comunidade da Fórmula 1 espera voltar a correr na China o mais rápido e deseja a todos no país o

melhor durante estes tempos difíceis”, conclui.

AINDA A SUBIR

O número de mortos na China continental devido ao coronavírus aumentou para 1.113, informou ontem a Comissão Nacional de Saúde chinesa. De acordo com as autoridades de saúde de Pequim, o número total de mortos nas últimas 24 horas é de 97. O número total de casos confirmados é de 44.653, dos quais 2.015 foram confirmados nas últimas 24 horas em território continental chinês. As autoridades chinesas acrescentaram ainda que 451.462 pacientes foram

Suíça Serviço postal suspende correio para a China O serviço postal suíço, o SwissPost, informou ontem que suspenderá temporariamente o envio de correio para a China, após várias companhias aéreas terem interrompido voos para o país asiático, devido ao surto do Covid-19. Várias companhias aéreas reduziram ou interromperam todas as ligações aéreas para a China, o que “dificulta o tráfego postal internacional”, justificou a empresa. A SwissPost só conseguia, actualmente, realizar

um terço das entregas na China, pelo que optou por suspender o serviço temporariamente. Em comunicado, a empresa notou que os clientes podem optar pelo envio em serviço expresso, mas advertiu que não garante o tempo de entrega. Sobre a recepção de cartas e encomendas oriundas da China, o serviço nacional de correios suíço alertou para possíveis atrasos, também devido à escassez de linhas aéreas.

acompanhados por terem tido contacto próximo com os infectados, dos quais 185.037 ainda estão sob observação. O balanço ultrapassa o da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês), que entre 2002 e 2003 causou a morte a 774 pessoas em todo o mundo, a maioria das quais na China, mas a taxa de mortalidade permanece inferior. Asituação motivou a marcação de uma reunião de urgência de ministros da Saúde dos países da União Europeia para esta quinta-feira, em Bruxelas, enquanto a Organização Mundial de Saúde enviou uma equipa de especialistas para a China para acompanhar a evolução.

número de infectados com o novo coronavírus a bordo do cruzeiro “Diamond Princess” subiu para 175, segundo informações avançadas pelo Governo japonês, que mantém os passageiros e tripulantes em quarentena no barco atracado ao largo do país. Há mais de uma semana que cerca de 3.600 pessoas estão em quarentena a bordo do navio por decisão do Governo japonês que pretende assim evitar novas infecções no país. Os últimos números davam conta de 135 pessoas infectadas a bordo. Mas, entretanto, foram identificados 39 novos casos de contaminação, segundo dados avançados pelo ministro japonês da Saúde e citados pela agência de notícias France-Presse. Segundo o governante, um dos

responsáveis pelas operações de quarentena também ficou infectado pelo vírus, entretanto designado covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na terça-feira, o Governo do Japão anunciou que ia permitir que os passageiros mais velhos e pessoas que sofrem de doenças crónicas pudessem deixar o cruzeiro em quarentena no porto de Yokohoma, Japão. Cerca de 80 por cento dos 2.666 passageiros têm mais de 60 anos de idade e mais de 200 passageiros têm 80 anos ou mais. A OMS pediu na sexta-feira ao Japão que tomasse todas as medidas necessárias para acompanhar os passageiros do “Diamond Princess” confinados a bordo, incluindo medidas de apoio psicológico.

FILIPINAS EUA NOTIFICADOS PARA FIM DE ACORDO DE MANOBRAS CONJUNTAS

A

S Filipinas notificaram ontem os EUA que vão acabar com o acordo de segurança bilateral que permite aos militares norte-americanos treinarem no país, na que é a ameaça mais séria da presidência de Rodrigo Duterte a esta aliança com 69 anos. O ministro dos Negócios Estrangeiros filipino, Teodoro Locsin Jr., escreveu na rede social Twitter que a notificação da intenção de acabar com o acordo relativo à visita de militares (VFA, na sigla em inglês) foi recebido pelo número dois da embaixada norte-americana em Manila. O fim do acordo é automático dentro de 180 dias, se as partes não concordarem com a sua manutenção. Locsin assinou a notificação por ordem de

Duterte, que tem criticado com frequência as políticas de segurança dos EUA, enquanto elogia as da China e Federação Russa, apesar da histórica e estreita relação dos militares filipinos com os seus homólogos norte-americanos. O secretário da Defesa dos EUA, Mark Esper, afirmou ontem em Bruxelas que apenas tinha sido informado sobre a intenção dos filipinos na noite de segunda-feira e que ainda não tinha digerido todos os detalhes. Mas classificou a decisão como “infeliz” e considerou-a “uma decisão na direção errada”. Esper adiantou que quando visitou as Filipinas em Novembro pensava que a relação bilateral estava com alicerces sólidos.


quinta-feira 13.2.2020

Entrei no café com um rio na algibeira

retrovisor Luís Carmelo

A

S “gastronomias” na linguagem dos edis e o torniquete “gourmet” na linguagem dos príncipes do nosso tempo são, cada um a seu modo, clamores que nos tocam o coração. O que seria a contemporaneidade com balcões de mármore corroídos a ver escorrer o carrascão? O que seria a contemporaneidade sem aquela vigilância que atira para a fogueira o papalvo que molha o pãozinho no molho espesso dos túbaros? O que seria a contemporaneidade sem o decoro do léxico dourado que nos salva das impurezas? Tanta interrogação, meu deus. Vêm estas atoardas a propósito de uma tarde de sábado em que, de modo involuntário, misturei um suplemento do ‘Público’ que raramente leio, o “Fugas” e um livrão com vinte séculos de vida, de seu nome ‘Satyricon’, escrito por Petrónio. Se este último me fez rir e pensar, já os textos do suplemento me engasgaram o pranto, tal é, por vezes, o poder da reverberação. E a digestão desse sábado foi complicada, pois atrevi-me no coração do Alentejo a um rabo de boi com arroz salteado. O discurso gourmet dos nossos dias encena a natureza e a naturalidade. Ergue com as duas mãos essas bençãos utópicas, fundindo-as depois com geografias que atraem o prazer de soletrar as finas sibilantes de um ossobuco, as aliterações líquidas de um poderoso risotto alla milanese e um ou outro lugar comum, como o dolce fare niente. Ora leia-se esta presteza musical: “Deixamo-nos cair numa esplanada a ver este espectáculo natural, na casa de Luca e Andrea, que têm duas moradas: L’Altro (mais gourmet) e a versão café. Entre um risotto alla milanese que se derrete na boca ao ritmo do açafrão (pode juntar-lhe o ossobuco) e uma panna cotta com chocolate branco e creme de limão, o melhor é cair por aqui no dolce fare niente milanês.” Quando o corpo cai na Ásia e não na Lombardia, os olhos do Oeste tendem quase sempre a generalizar (“É, a seu modo, um restaurante de fronteira, entre a cosmopolita e pantomineira Nguyen Phúc Chú e o bairro de pescadores”). Mas logo a seguir não resistem a aclarar os magistérios do ‘zen’ que ilustram a gesta gourmet agora tão em voga: “Num tempo em que a comida se transformou numa espécie de religião, por razões de saúde ou de banal lifestyle, com os seus rituais incensados pelos media e o seu pós-moderno olimpo de gurus, o Chau My guarda uma saudável simplicidade; a mãe do senhor Hoa lá vem da cozinha com os pratos de cao lâu, de sorriso acanhado e sem teatro para inglês ver.”. Devo referir que apreciei a metáfora do incenso, a referência ao olimpo, o esteio (ainda vivo do) pós-moderno e ainda aquela película em English que, mais uma vez, remete para o senso comum do “banal lifestyle”.

De Petrónio ao pernil gourmet

Até que, chegados ao âmago da reportagem, fica logo provado que uma narrativa de teor gourmet emerge de uma sucessão de actos que se abstrai das fúrias do tempo comum. É como se estivéssemos sempre a levitar a bordo de um tempo extraordinário (tipo Páscoa, Pentecostes, Natal ou qualquer coisa assim elevada). Ora leia-se: “Na mesa, os pratos sucedem-se, apresentados em diferentes serviços Vista Alegre, da colecção desenhada por Christian Lacroix à inspirada em Fernando Pessoa. Os sabores são intensos, do consomé de cogumelos e caça ao leitão assado de pele estaladiça (ao estilo do leitão da Bairrada), passando pelo salmonete de escabeche (e o escabeche é uma receita da avó dos Sandoval, que volta depois num delicioso caldo), pelo pato servido de três formas, pelas super-intensas ovas de ouriço com molho de tripas à madrilena”.

A prosa é evidentemente rica, densa e permite fazer crescer água benta na boca, tal é a intensidade e qualidade da porcelana, tal é também a evocação poética e a própria delícia carnal das vísceras. Recuemos agora dois mil anos e entremos em casa de Trimalquião, o personagem que Petrónio criou para gozar com os novos ricos que enriqueciam e desejavam, a todo o custo, ostentar por ostentar. A festa dada pelo anfitrião na sua mansão ocupa 52 dos 140 capítulos da narrativa. Logo no início, um dos três personagens que estão em permanente estado de orgia (Gíton, Encólpio e Ascilto) relata a chegada à mesa das primeiras entradas. Leiamos lentamente, dando afinco ao ritmo e às suas imagens: “A seguir aos nossos aplausos, chegou o primeiro prato, que não era tão especial quanto esperávamos, embora a sua origi-

Os novos ricos de hoje já não se fazem notar pelas casas ‘estilo maison’, nem pelas ‘arquitecturas brasileiras’ de há um século. Já ninguém liga a isso, razão por que esses volumes já estão certamente em vias de se converter em “património” da UNESCO. Agora chegou a vez da linguagem para adornar a descoberta dos mistérios da terra, analisados a partir da cidade omnipolitana e digital, com a gravidade dos milagres

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nalidade atraísse a atenção geral. Tratava-se, então, de um recipiente arredondado, onde se encontravam dispostos em círculo os doze signos do Zodíaco; sobre cada um deles, o cozinheiro-arquitecto havia colocado um alimento específico e apropriado à natureza do signo: sobre Carneiro, uns grãos-de-bico de corninhos; sobre Touro, um bocado de carne de vaca; sobre Gémeos, uns testículos e rins; sobre Caranguejo, uma coroa de flores; sobre Leão, um figo africano; sobre Virgem, uma vulva de porca jovem; sobre Balança, uma balança em cujos pratos havia um pastel de queijo e um pastel doce; sobre Escorpião, um peixinho do mar; sobre Sagitário, um oclopeta; sobre Capricórnio, uma lagosta do mar; sobre Aquário, um pato; sobre Peixes, salmonetes. Ao centro, um torrão de terra cortado ainda com erva sustinha um favo de mel. Um escravo egípcio andava de mesa em mesa a servir pão, que retirava de um pequeno forno de prata…”. Moral da história: os novos ricos de Roma ostentavam para fazer estalar o riso (pelo menos aos leitores de Petrónio): “Trimalquião surgia em pessoa” (...) “de um manto escarlate, erguia-se a cabeça rapada e, à volta do pescoço, já abafado em roupa, vinha enrolada uma toalha enfeitada com tiras de púrpura e com franjas que pendiam de um e de outro lado”. Os novos ricos de hoje já não se fazem notar pelas casas ‘estilo maison’, nem pelas ‘arquitecturas brasileiras’ de há um século. Já ninguém liga a isso, razão por que esses volumes já estão certamente em vias de se converter em “património” da UNESCO. Agora chegou a vez da linguagem para adornar a descoberta dos mistérios da terra, analisados a partir da cidade omnipolitana e digital, com a gravidade dos milagres. É por isso que uma açorda alentejana vai acabar por se transformar numa escultura de um centímetro cúbico, feita de pão com pintas vermelhas de colorau e uma borboletinha de coentros. E haverá cronistas sagazes para lhe dedicar as suas odes e os seus mais intrínsecos compassos de dança. Afinal já estava tudo escrito no século I d.C.: “A coisa começava a dar a volta ao estômago, quando Trimalquião” (...) “reclamou novamente música” (...) “estendeu-se na ponta do leito e ordenou: “Fingi que estou morto; tocai qualquer coisa bonita”. Começaram os corneteiros a tocar uma ruidosa marcha fúnebre…”. Santos, Luís J.; ‘Milão: uma caixinha de surpresas em 36 horas’, Fugas, Público, Lisboa, 25/01/2020. Lopes, Humberto; ‘Esta noite o rio Hôi Han leva luzes e desejos’, Fugas, Público, Lisboa, 25/01/2020. Coelho, Alexandra Lucas ; ‘Coque. A magia duas estrelas dos irmãos Sandoval’, Fugas, Público, Lisboa, 25/01/2020. Petrónio, Satyricon, Tradução: Leão, Delfim F.; Cotovia, Lisboa, 2018.


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estendais Gisela Casimiro

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ABES tocar piano? Comprei um piano. Estou a ver que sim. Não, não sei tocar, mas era o que eu mais queria. Ainda se contam pelos dedos duma mão, as vezes em que o viu. Ao subir as escadas do segundo andar do número dois, pela primeira vez, há um ano, não foi a única surpreendida. Na altura, havia dois sofás na sala. Jantaram à mesa, com a toalha de ursinhos. Não conseguiu alertar antes que ele a servisse e não conseguiu acabar. Foi a primeira vez que partilharam uma manta. Ele fumou, na varanda. Ela sentiu muita vergonha. Volta a elogiar-lhe os brincos. Argolas prateadas mas não de prata. Então, pensavas que nunca mais nos íamos ver? Temos de jantar mais vezes, fazer uma viagem. Gritam o mesmo destino em uníssono, mas nunca se viram noutro lugar. No dia seguinte, volta o medo. Também gostei, mas acho que não é boa ideia repetir. Passam meses sem se verem. Falam pouco, cada vez menos. Chateiam-se muitas vezes. Ela veste o robe do Bugs Bunny, que é dele. Ouve música no telemóvel, na casa de banho. Ele irrita-se. O que se passa? Tu intimidas-me. Tu também me

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Concerto para peluches número 2

intimidas. Não podemos partilhar antes a manta grande? Quantas vezes vamos fazer isto? Olha, porque é que não trabalhas ou fazes coisas enquanto eu toco? Hoje não tenho nada para fazer, só estar aqui. Ela já lhe disse que não são amigos. Ele vai buscar o vinho. É a segunda vez que ela nota: ele hesita em tocar-lhe no cabelo. Não falam, só riem até roncar, enquanto vêem o Sticks and Stones, do Dave Chappelle. Pode irritar-nos que alguém faça a barba e não nos deixe vê-lo com ela grande. Que nunca o vejamos de cabelo curto. Que não perceba que a barba por fazer há dois dias fica bem com o cabelo curto. Que não pode fazer a barba se deixa o cabelo por cortar já com um mês de atraso. Que lhe faz cara de bebé. Aquela

cara que nos dá vontade de morder, da bochecha ao queixo espetado. Pensar tanto em alguém. Falar dele aos amigos começando por aquilo a que sabe que torcerão o nariz, como a inclinação política. Ir percebendo, com o tempo, que cada vez nos importamos menos com isso. Ah, fazer algo resultar apenas na nossa cabeça. Vêem a Guerra dos Tronos. Ela consegue ouvi-lo urinar, como no poema de Bukowski. Ele joga o seu jogo preferido do momento. Ela mostra-lhe a sua canção preferida do novo álbum do Boss. Ela atrasa-se, ele impacienta-se. Ela tem de escolher o vinho. Ela traz doces e ele não gosta, especialmente, de doces, e menos ainda destes. Ele pede salsa e depois diz que afinal tem coentros, que

Termina como começou. Cotovelos nos joelhos, punhos cerrados a suster o queixo, cabeça inclinada, à escuta, e ele ao piano, dizer asneiras. Tira-lhe uma foto, a ele que sempre diz que a quer fotografar mas nunca o fez, ou ainda não. Até pareço um pianista a sério, diz

até ficam melhor com isto. Ele parece o Ian Curtis, e pergunta se ela quer uns chinelos de andar por casa. Ele diz que engordou. Ela nem comenta. É melhor falarem do quão suave a pele do outro é. O paraíso é alguém que nos conta histórias e nos traz bolachas à cama. Alguém que se despe e veste sempre demasiado rápido para a nossa falta de jeito, e nos enerva com o seu nervosismo, mas que depois fica à porta do quarto, calado, a olhar para nós com ternura e se aproxima e nos beija a nádega. Não se chega a grandes conclusões, reflectindo sobre estes homens que nos ficam com a chave de casa e vão lá regar as plantas ou dar de comer e brincar com os nossos gatos. O homem que vai ao funeral da nossa mãe ou nos atribui uma escova de dentes em sua casa, mas a quem a palavra namorados causa ataques de pânico.... Ou de burrice, diriam algumas das nossas amigas, versadas em soft boys. Queres jantar? (Lá está ele com as douradas de mar.) Ver o Benfica? Ficar mesmo sem ver o Benfica? Dormir aqui esta noite? Não, não, o quê?! (Então e o teu amigo?), e não. Aquilo são brincos? Sim. Podiam ser pulseiras da (inserir nome da dona dos peluches). Pensa que foi a coisa mais bonita que ele lhe disse. Lembra-se de um texto que leu há muito tempo, que dizia qualquer coisa sobre não ter uma gaveta em casa do nosso amor mas, ao ouvi-lo dizer "a nossa casa", as malas pesarem como pulseiras. Ele está a treinar para uma maratona. Ou apaixonado por outra. Ou ocupado com o trabalho. Ou a andar de bicicleta. A jogar xadrez ou a fotografar. Nunca tomaram o pequeno almoço juntos. Se calhar é por isso. Mas depois ela vai a colocar a cabeça no colo dele e, antes que possa fazê-lo, ele puxa-lhe o cabelo com cuidado, enfia-lhe uma almofada por baixo e fá-la pousar a cabeça, em menos de um segundo, e não volta a tirar a mão. Despedem-se várias vezes, até ele a expulsar, hoje um pouco mais gentilmente. No entanto, só alguém próximo consegue irritar-nos desta maneira, e ainda manter-nos mais ou menos por perto. Mesmo se nos faz sentir que não somos o suficiente. Termina como começou. Cotovelos nos joelhos, punhos cerrados a suster o queixo, cabeça inclinada, à escuta, e ele ao piano, dizer asneiras. Tira-lhe uma foto, a ele que sempre diz que a quer fotografar mas nunca o fez, ou ainda não. Até pareço um pianista a sério, diz. Talvez vocês não saibam, mas ele nunca se engana quando toca para peluches.


ARTES, LETRAS E IDEIAS 13

quinta-feira 13.2.2020

diário de Próspero

António Cabrita

Imaginação e utopia

D

ISCORRER sobre Mozart seria infindável, mas uma anedota ilustra bem a sua imensa capacidade imaginativa. Joseph Haydn e Mozart eram compinchas, e com outras pessoas fizeram uma comezaina em Viena. Durante a refeição, elogiou-se a superior capacidade interpretativa ao piano dos dois compositores. Então, Mozart desafiou, divertido: «Meus caros: vou escrever agora mesmo uma peça que nem mesmo o grande Haydn conseguirá tocar!» Haydn apostou logo uma caixa de garrafas de vinho espumante. Mozart pegou em papel e lápis e, em poucos minutos, escreveu a peça. Haydn sentou-se ao piano e começou a tocá-la, aparentemente sem problemas. Mas de repente, parou e comentou: «Isto não pode ser tocado: tenho a mão direita numa extremidade do teclado e a mão esquerda no outro, e aqui no meio há uma nota que deve ser tocada ao mesmo tempo. Isso é impossível!» «Ganhei! – disse o Mozart - A peça pode ser tocada perfeitamente.» Sentou-se ao piano e quando chegou ao ponto em que Haydn foi incapaz de prosseguir, Mozart tocou a nota do meio com a ponta do nariz. Há escritores notáveis com pouca imaginação. São muito bons observadores e inteligentes, reflectem com perícia e têm na precisão do verbo a sua melhor arma. Como Coetzee, Pavese, Martin Amis ou Cossery, de quem gosto muito, mas não pelos golpes de imaginação. Privilegiam outras qualidades, como a estrutura. Mas Nabokov ou Camilo José Cela investem mais imaginação numa página que Coetzee num romance. A falta de imaginação impede-nos de ver o que está diante dos olhos, no sentido que Frank Zappa esclarece neste seu dito: «A mente é como um paraquedas, só funciona quando está aberto». Ramon Gener, um musicólogo espanhol, dá outro exemplo para ilustrar a imaginação em estado puro de Mozart: o”Dueto do Espelho”. Trata-se de um divertimento em Sol Maior para dois violinos. A partitura está desenhada para que os dois violinos a possam tocar ao mesmo tempo, mas lendo-a no sentido inverso. Para fazê-lo deve pôr-se a partitura sobre a mesa e os violinistas terão de colocar-se um frente ao outro com a partitura no meio. Desta maneira, começando ao mesmo tempo, enquanto o primeiro violinista toca o primeiro compasso, o segundo toca o último (que para ele é o primeiro), quando o primeiro avança para o segundo compasso, o outro violinista avança para o penúltimo, e assim até ao final. Observa Gener:«Para conceber um divertimento deste tipo, o que se necessita, em

primeiro lugar e antes que nada, é de muita imaginação». Sem dúvida, mas do que ele não deu conta é que o acto que esta partitura desencadeia é a grande metáfora do amor: duas pessoas interpretam de modo inverso a mesma partitura e onde sintonizam é no ritmo que lhes consente a ilusão de estarem ligados. Uma quebra de ritmo de ritmo ou uma aceleração do ritmo no outro e as afinidades esboroa-

É necessário voltarmos a crer com ímpeto nos efeitos da imaginação e que esta pode ser um agente para a utopia

vam-se, a identidade que haviam construído perdia o nexo. «Não concebo a inspiração como um estado de graça nem como um sopro divino, mas como uma reconciliação com o tema, à força de tenacidade e domínio… De modo que atiçamos o tema e o tema nos atiça a nós… Todos os obstáculos caem, todos os conflitos se afastam, e ocorrem-nos coisas que não tínhamos sonhado, e então não há na vida nada melhor do que escrever.», declarou entretanto um senhor cheio de imaginação, o Gabriel Garcia Márquez, e disse tudo: a imaginação é apenas a propensão para ocorrerem-nos coisas com que não tínhamos sonhado. Esta cultiva-se, treina-se no espaldar da página, é um dispositivo engendrado por um estado de confiança que reaparece sempre que, para além de reconciliados com o tema, ficamos impregnados por ele. Aí dá-se a festa das sinapses e a “orgia” é segura.

Embora a imaginação seja individual e não se dê em todas as condições. Como aventava Auden: «A inteligência só funciona quando o animal não tem medo. Uma atmosfera de amor e confiança é essencial». Com a imaginação é o mesmo e o outro drama que lhe é inerente é que a imaginação sem a acção não é nada, a imaginação é transformadora. Sem poder actuar, entristece. Às vezes, dada a temperatura cínica em que mergulhámos, interrogo-me em quantos terá batido fundo o compromisso, que nos chega desde Pico della Mirandola, de que o homem não deve contentar-se com as coisas medíocres e deve aspirar às mais altas. Porque para isso é preciso que a imaginação transforme, que não haja um hiato entre o que se imagina e a acção. É por contar com esse hiato que o Trump se dá ao luxo de dizer uma coisa no Discurso do Estado da Nação e de apresentar exactamente o contrário disso no seu Orçamento, uma semana depois. Razão tinha a sra., Pelosi em rasgar o seu exemplar do discurso à frente de todos, prevenindo aliás, Vocês verão o que vem aí. O que é trágico hoje não é a vida (nunca vivemos tão bem, apesar de tudo), mas a tragédia da desistência do pensamento perante a vida, porque nos fizeram crer que tudo o que seja pensável será apenas a última ilusão que o mercado há-de converter em lucro, e esquecemo-nos de que há dimensões intocáveis, como, no dizer de Levi-Strauss, nos ensinam os mitos e a música: dimensões que promovem a suspensão do tempo. É preciso voltar à utopia. Para Tillich as concepções animadas por um conato de transformação social “pervertem” o sentido da utopia por obra de uma crença cega no progresso. A seu ver, estas concepções “profanam” a aspiração legitimamente utópica, dirigida ao inatingível. Às dimensões que promovem a suspensão do tempo. Quando o tempo se suspende, deixa de haver a necessidade de trocas, a mercadoria torna-se irrelevante, o desejo de ter volatiza-se. É necessário voltarmos a crer com ímpeto nos efeitos da imaginação e que esta pode ser um agente para a utopia.


14 (f)utilidades

13.2.2020 quinta-feira

TEMPO POSSIBILIDADE DE TROVOADAS MIN 18 MAX 21 HUM ´ 80-99% • EURO 8.73 BAHT 0.25 YUAN 1.14

“O INÍCIO DO FIM DE TRUMP”

O senador Bernie Sanders venceu esta terça-feira a primária do Partido Democrata no estado de New Hampshire, ficando à frente do ex-autarca Pete Buttigieg. Na segunda votação das primárias do Partido democrata para a corrida à Casa Branca, Sanders

recebeu 26% (cerca de 71.400 votos), enquanto Buttigieg obteve 24,4% (67.000 votos). "Este é o início do fim de Donald Trump", afirmou o senador de 78 anos, perante os seus apoiantes em New Hampshire, referindo-se ao Presidente norte-americano.

VIDA DE CÃO

CRÓNICA DO SACO Da China, sinais de desconforto. Yang Fude, Secretário do Partido Comunista chinês partilhou há dias, na conferência de imprensa do Centro Nacional de Saúde, algumas dicas para lidar emocionalmente com o isolamento e a pressão a que muitos estão expostos na cidade de Wuhan, devido ao surto do novo coronavírus. O responsável afirmou que uma pessoa se sentirá muito mais relaxada depois de tirar alguns minutos para chorar num sítio resguardado. Isso e esmurrar um saco de areia, acrescentou. Com medo de ficar com o saco vazio parecem estar os habitantes de Hong Kong que têm desbastado as prateleiras do supermercado com uma sofreguidão atroz. Por cá, em dias de relativa estabilização da situação clínica, onde não há registo de novos casos há, pelo menos, sete dias, a bolsa que começa a criar desconforto é a económica, a dar sinais de estar cada vez mais vazia, enquanto vai subsistindo a dúvida se o encerramento dos casinos é prolongado além dos 15 dias decretados pelo Governo. Olhando para a situação de curto prazo, o cenário é preocupante para o negócio, com cada vez mais estabelecimentos a fechar portas e a encontrar dificuldades em pagar aos colaboradores. Outros sacos que têm criado animosidade por estes dias são os do lixo, após uma infeliz infografia do IAM que apelava ao ensino das empregadas domésticas para não mexer no lixo como forma de prevenção do coronavírus. Com isto tudo, esperemos apenas que em tempos difíceis surjam soluções construtivas e ponderadas que dêm azo a mais do que apenas vontade de ir ali para o canto chorar. Alguém ainda se lembra da lei dos sacos de plástico? Pedro Arede

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UM LIVRO HOJE Admirável Mundo Novo é uma incrível alegoria sobre a desumanização, que é capaz de levar o leitor a criar paralelos que parecem impossíveis à partida, tendo em conta que o enredo tem lugar em Londres no ano de 2540. Nesta obra publicada em 1932, Aldous Huxley transporta-nos para um universo pejado de referências saudosistas a “obreiros intemporais” da ciência e da tecnologia, não sendo por isso de estranhar que até os ensinamentos do próprio Henry Ford sejam apregoados de forma messiânica. Nesta distopia, a ciência, a tecnologia e a organização social deixaram assim de estar ao serviço da humanidade, passando a ser os seus orientadores. No limite questiona-se até que ponto pode ser considerada a desumanização do ser humano, quando os sentimentos, ambições sociais, e a própria “fórmula reprodutiva” são controloados e colocados ao serviço de “interesses maiores”. Pedro Arede

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ADMIRÁVEL MUNDO NOVO | ALDOUS HUXLEY

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opinião 15

quinta-feira 13.2.2020

MARIANA CARNEIRO*, in Esquerda.net

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ÃO escolhi a data, mas o que é certo é que menos de cinco anos fizeram toda a diferença. Não fui parar àquela casa em Aveiro, onde cheguei a acompanhar duas colegas do secundário que tremiam de medo sem saber o que as esperava. Na altura ficava à porta, também eu em pânico, sabendo que qualquer complicação de saúde as poderia levar a uma urgência de hospital e daí, posteriormente, às barras de um tribunal. E a vergonha. E o medo. A sensação de que toda a gente sabia o que tínhamos ido ali fazer e nos censurava, nos apontava o dedo. Também não tive de atravessar a fronteira e dormir uma noite ao relento, como aconteceu com uma colega de faculdade que, quando ganhou coragem, me pediu dinheiro - aquele que eu tinha amealhado para a carta de condução - porque precisava de ir a Badajoz. Por menos de cinco anos, a minha história foi outra. E isso fez toda a diferença. A minha gravidez era tão pouco óbvia que nem eu nem a médica de família acreditávamos nessa possibilidade até eu ser confrontada com os factos. Até ser uma realidade inegável. E esmagadora. Fui fazer uma ecografia à Avenida António Augusto de Aguiar e disseram-me que já se via nas imagens um “saquinho”: “Mas não posso adiantar mais nada. Fale com a sua médica”. Desci até à Avenida da Liberdade a pé. Branca que nem cal. A tremer que nem varas verdes. Num estado de total pânico. Liguei para a clínica onde tinha feito as análises ao sangue uns dias antes. Perguntei se já tinham o resultado: “Sim”. Implorei à técnica que me atendeu para que o transmitisse pelo telefone. Lá acedeu: “Parabéns!!! Está grávida!”. Sentei-me no chão a chorar convulsivamente, totalmente descontrolada, ao ponto de a técnica me pedir desculpa, me tentar acalmar e me perguntar se podia ajudar de alguma forma. Eu sou aquela pessoa que participou em todas as campanhas pela despenalização do aborto mas que estava totalmente convencida de que, no meu caso, fosse qual fosse a situação, o aborto nunca seria uma opção. Aquela pessoa que queria ser mãe desde os catorze anos, que babava à frente de lojas de roupa de bebé e que, inclusive, já tinha tentado engravidar, mas sem sucesso. E lá estava eu. Naquela situação. Eu!! É certo que recuperava ainda de um luto de uma separação, que estava cheia de dúvidas

O dia em que abortei

sobre o futuro, que a minha situação financeira estava longe de ser das melhores, que o portador do sémen que fecundou o meu óvulo não era um apoio, e sim uma mágoa. Mas não sei o que pesou mais. Sei que queria sair do meu próprio corpo, que não o reconhecia. Rejeitei física e psicologicamente aquela gravidez. Pude ligar a uma médica amiga que me explicou como accionar todo o processo.

Menos de cinco anos fizeram toda a diferença. A 11 de Fevereiro de 2007, o “sim” à interrupção voluntária da gravidez (IVG) venceu o referendo com mais de 59% dos votos. E eu fui uma das mulheres que já não teve de se sujeitar ao aborto clandestino e inseguro em Portugal

Pude contar com o apoio incondicional de outra amiga que viveu momento a momento a meu lado. Em menos de cinco dias, pude interromper a minha gravidez. Em condições de segurança. Sem qualquer dúvida de que aquela era a única decisão responsável a tomar. Era a única decisão que podia tomar.

O FIM DO ABORTO CLANDESTINO E INSEGURO EM PORTUGAL

A despenalização, a 11 de Fevereiro de 2007, da interrupção voluntária da gravidez (IVG) trouxe a possibilidade de acabar com o aborto clandestino e inseguro em Portugal. Ao contrário do que anunciavam os arautos da desgraça, de que as mulheres iriam todas fazer filas para abortar, que iam acumular aborto atrás de aborto, num corrupio sem fim, não só nada piorou, como estão a diminuir consistentemente, ano após ano, as IVG. Desde o ano em que recorri à interrupção voluntária da minha gravidez, em 2011, e até 2018, o número de interrupções da gravidez por opção da mulher nas primeiras 10 semanas caiu cerca de 28%: de 19.921 para 14.306. Acresce que 92,6% das mulheres

que realizaram uma IVG escolheram um método anticoncepcional. Destas, quase 40%, optaram por métodos de longa duração. As complicações decorrentes de uma IVG são atualmente praticamente nulas. E o país não assiste à indignidade inqualificável de sujeitar uma mulher às barras do tribunal e de a mandar para a prisão por fazer um aborto. Não nos esquecemos dos ataques da direita contra a lei da interrupção voluntária da gravidez. Permitir qualquer retrocesso civilizacional neste campo não é uma opção. O caminho é no sentido de garantir o acesso universal às consultas de planeamento familiar e a distribuição gratuita de métodos contracetivos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). É, tal como recomenda a Direção Geral de Saúde, no sentido de “assegurar a diversidade de métodos e permitir escolhas adaptadas a um maior número de utentes, garantindo a liberdade de escolha e possibilitando maior adesão à terapêutica”. E é no sentido de assegurar que a dignidade, a liberdade de escolha da mulher, a sua decisão são impreterivelmente respeitadas. A meu ver, tal deverá passar também pelo alargamento da capacidade das instituições públicas no que respeita à realização das Interrupções da Gravidez (IG). De acordo com dados da DGS, em 2018, cerca de 71% das IG tiveram lugar em instituições públicas. No que respeita às IVG em instituições privadas, 96% do total foram realizadas na Clínica dos Arcos, em Lisboa. Nas instituições públicas, em 93% dos casos, o método utilizado foi o do procedimento medicamentoso. Já nas privadas, apenas 5% das IVG foram realizadas desta forma e cerca de 89% das IG foram efetuadas por meio cirúrgico com anestesia geral. No que ao meu caso em particular diz respeito, a IVG foi realizada na Clínica dos Arcos por meio cirúrgico com anestesia geral. É preciso também pensar na formação e sensibilização dos profissionais. No meu Centro de Saúde, os assistentes não respeitaram a exigência da confidencialidade e a minha médica de família decidiu anunciar publicamente, numa sala de espera repleta de gente, que era objetora de consciência e que, portanto, eu teria de ser atendida por outro profissional de saúde. Daqui a menos de dois meses faço 40 anos. Não sou mãe. Tenho sérias dúvidas se alguma vez serei mãe biológica. Muito provavelmente não. Sei de cor a data da minha IVG. Não me esqueci de qual era o tempo exato da minha gestação. Mas nunca, em momento algum, pus em causa a minha decisão. Tenho orgulho de ter assumido essa decisão. E tenho orgulho de todas aquelas e todos aqueles que, a 11 de Fevereiro de 2007, tiraram este país da “idade das trevas”. *Socióloga do Trabalho, especialista em Direito do trabalho


A soberba nunca desce de onde sobe, mas cai sempre de onde subiu. PALAVRA DO DIA

BNU Lucros sobem 23% em 2019

GONÇALO LOBO PINHEIRO

Francisco Quevedo

DSES EXAME UNIFICADO RE-AGENDADO PARA ABRIL

Dados publicados ontem em Boletim Oficial (BO) revelam que o Banco Nacional Ultramarino (BNU) teve um aumento de lucros na ordem dos 23,4 por cento em 2019 em relação ao ano de 2018. Os lucros traduziram-se em 721,9 milhões patacas, quando no ano anterior tinham sido de 584 milhões. Em Fevereiro foi noticiado que o BNU contribuiu, o ano passado, com 69 milhões de euros para a actividade internacional da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

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Singapura Retirados 300 funcionários da sede de DBS

O DBS, maior banco de Singapura, retirou ontem 300 funcionários da sua sede, depois de saber que um funcionário tinha sido infectado pelo novo coronavírus, anunciou a organização. Até ao momento, foram detectados 47 casos de pneumonia causada pelo novo coronavírus, Covid-19, em Singapura, fazendo desta cidade-estado o país com mais casos no sudeste da Ásia. “Como medida de precaução, (…) assegurámo-nos de que todos os nossos funcionários no andar afectado do Marina Bay Financial Center tinham saído do escritório, para ficarem a trabalhar em casa”, disse ontem o DBS, num comunicado. O banco acrescentou ainda que a área afectada está a ser cuidadosamente desinfetada, de acordo com as directrizes do Ministério da Saúde. As autoridades de Singapura elevaram, na sexta-feira, o alerta sanitário para o nível laranja, o terceiro mais elevado de uma escala de quatro, após a detecção de alguns casos de pessoas afectadas que não estavam relacionados a viagens à China.

quinta-feira 13.2.2020

Adeus, senhor reitor Peter Stilwell deixa de estar à frente da Universidade de São José

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TEPHEN Morgan, actual director da Faculdade de Estudos Religiosos da Universidade de São José (USJ) deverá ser o novo reitor da instituição de ensino superior privado de Macau, substituindo Peter Stilwell na função. De acordo com a TDM Rádio Macau, Stephen Morgan é próximo do bispo de Macau, Stephen Lee, responsável pela vinda do académico para a USJ. Nascido no País de Gales, Stephen Morgan é doutorado pela Universidade de Oxford. Peter Stilwell confirmou a saída, mas a Diocese de Macau ainda não comentou o afastamento.

Os estatutos da USJ foram alterados em Abril de 2017, uma mudança que deu poderes ao bispo de Macau para nomear e demitir o reitor e o vice-reitor da universidade.Ainda de acordo com a TDM Rádio Macau, a Fundação Católica para o Ensino Superior Universitário, que detém a USJ, iria reunir este sábado, encontro que foi cancelado devido à crise do coronavírus. A substituição do ainda reitor Peter Stilwell seria um dos pontos da agenda. Há muito que a saída de Peter Stilwell era uma possibilidade. Em 2015 chegou a ser falada a sua saída no ano seguinte, depois da inauguração do novo campus

da USJ na Ilha Verde. Na altura, o próprio reitor falou da vontade de sair. “Para o ano faço 70 anos. Chego à idade da jubilação. É uma idade simpática para me retirar e escrever memórias. Aquilo que não escondo é que, como estamos nesta fase de construção do campus, seria pouco simpático que eu, depois de ter andado a angariar fundos, desaparecesse antes da inauguração”, explicou. Peter Stilwell chegou à USJ em 2012 para substituir Ruben Cabral no cargo. Este foi o grande responsável por uma reestruturação curricular e financeira da USJ. A.S.S.

Direcção dos Serviços de Ensino Superior (DSES) decidiu adiar para o período compreendido entre 16 e 19 de Abril a realização do Exame Unificado de Acesso para os alunos do ensino secundário, e que abrange a Universidade de Macau, o Instituto Politécnico de Macau, o Instituto de Formação Turística de Macau e a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. De acordo com um comunicado ontem emitido, o adiamento do prazo permite “que os estudantes candidatos aproveitem, em pleno, o seu tempo para melhor se prepararem”. Além disso, “as quatro instituições [de ensino] salientaram que irão implementar melhor as medidas para prevenir a epidemia, para que esteja assegurada a segurança e a saúde dos estudantes candidatos e dos trabalhadores deste Exame”. Os resultados do Exame Unificado de Acesso serão publicados na segunda quinzena de Maio. Quanto à programação do Exame, as datas e as disciplinas das provas são, por ordem, as seguintes: 16 e 17 de Abril (disciplinas de Língua Portuguesa), 18 de Abril (disciplinas de Língua Chinesa) e 19 de Abril (disciplinas de Inglês e Matemática). Os novos registos para o Exame Unificado de Acesso podem ser feitos até esta sexta-feira, dia 14.

NISSAN FABRICANTE PEDE INDEMNIZAÇÃO DE 83 MILHÕES DE EUROS A CARLOS GHOSN

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fabricante de automóveis Nissan Motor interpôs ontem num tribunal japonês uma queixa contra o ex-presidente do grupo Carlos Ghosn a quem exige o pagamento de 83,38 milhões de euros. A queixa que foi apresentada ao tribunal do distrito de Yokohama, cidade onde se encontra instalada a sede da empresa, no Japão, pre-

tende “recuperar uma parte significativa dos prejuízos provocados ex-presidente” acusado de fraude e má gestão. Um comunicado da Nissan indica que o valor desta indemnização foi calculado com base nos “prejuízos” provocados pelas “páticas corruptas de Ghosn” e que incluem a compra de várias casas, uso privado de aviões da

empresa e pagamentos indevidos a familiares além dos custos legais e relacionados com a investigação interna sobre as actividades do antigo presidente. A queixa cível que foi apresentada ontem está vinculada às acusações de abuso de confiança contra o empresário que actualmente se encontra no Líbano, depois de ter fugido do Japão.

A Nissan espera que o montante que foi reclamado ontem venha a ser aumentado no futuro. Este processo é independente da queixa apresentada pela Nissan contra Carlos Ghosn nas Ilhas Virgens Britânicas no dia 30 de Agosto de 2019, onde “foram efectuados pagamentos e transações não autorizadas como a aquisição de um iate, entre outros” gastos.

“A Nissan intensificou a campanha para recuperar os danos provocados pelo ex-presidente depois de ter fugido ilegalmente da justiça” japonesa, refere o mesmo comunicado da Nissan que sublinha a possibilidade de novas acções judiciais “por comentários infundados e difamatórios de Ghosn após ter fugido para Beirute.


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