Hoje Macau 14 NOVEMBRO 2022 #5130

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Aparências iludem

Apesar dos aparentes benefícios decorrentes da alteração do período de quarentena para quem vem do exterior de “7+3” dias para “5+3”, a medida implica, no entanto, ficar com código vermelho durante o isolamento no domicílio, ou seja, sem poder sair de casa. Já os turistas sem residência no território, estão agora obrigados a cumprir mais um dia de quarentena.

DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ MOP$10 SEGUNDA-FEIRA 14 DE NOVEMBRO DE 2022 • ANO XXI • Nº5132 www.hojemacau.com.mo • facebook/hojemacau • twitter/hojemacau SEGURANÇA NACIONAL O PESO DA LEI GRANDE PLANO “OWL MAN” FEITO EM CASA EXPOSIÇÃO A PINTURA DE YUEN DESEMPREGO SUBIDA EM FLECHA EVENTOS ÚLTIMA PÁGINA 5 OLHOS NOS OLHOS XI | BIDEN PÁGINA 11 A TRADUÇÃO DO DAO DE JING A PARTIR DAS FONTES CHINESAS António Miguel de Campos PUB.
PÁGINAS 6-7

SEGURANÇA NACIONAL ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS INSISTE NO RESPEITO À LEI BÁSICA

Valores mais altos

A Associação dos Advogados de Macau mostra confiança nas instituições locais, mas insiste que a futura Lei de Segurança Nacional não pode existir em regime de excepção face à Lei Básica,

AAssociação dos Advo gados de Macau (AAM) considera que a Lei de Segurança Nacional não pode contrariar a Lei Básica, “obliterar” o sis tema legal vigente nem fazer uma “terraplanagem” dos direitos fun damentais. A posição foi tomada através de um parecer enviado ao Governo, no âmbito da Consulta Pública sobre a revisão à lei que está em vigor desde 2009.

No documento, a AAM recusa um regime de excepção para a Lei de Segurança Nacional face à Lei Básica, que estipula as traves mestras do sistema jurídico de Macau e os direitos fundamentais dos cidadãos.

“A futura lei revista continuará a ser uma lei ordinária e, por isso mesmo, deve obediência à Lei Básica, isto é, não se sobreporá à Lei Básica como não beneficiará de regime ou estado de excepção vis-à-vis a Lei maior de Macau”, é apontado no parecer. “Um outro ponto importante a assinalar é que não deve, nem pode, a futura lei apresentar-se como algo que

oblitera – nestas matérias – todo o restante tecido legal vigente, por exemplo, princípio penais e pro cessuais penais estabelecidos de há muito, nos códigos respectivos, na Lei Básica e no PIDCP [Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos]”, é acrescentado.

Por isso, é pedida ponderação para que nas questões de seguran ça nacional os direitos não sejam completamente ignorados. “Como também não deve, nem pode, ser a futura lei vista como uma ter raplanagem de todos os direitos fundamentais que com ela possa, por ventura, conflituar”, é indicado. “Os direitos fundamentais manter

-se-ão e, não sendo absolutos a maioria deles, a verdade é que não podem, sob pena de violação da Lei Básica e da maneira de viver, ser absolutamente reduzidos a zero quando confrontados com assuntos regulados pela futura lei. Haverá sempre uma necessidade de ponderação e adequação, quer em abstracto, quer depois, em concreto”, é entendido.

Apesar das considerações, a AAM acredita que não existe von tade das autoridades de fazer uma “tábula rasa do sistema de direitos fundamentais da RAEM”.

Opinar no escuro

Na análise da associação, são admi tidas limitações devido ao facto, e ao contrário do que aconteceu em 2009, de a consulta pública não revelar o texto da proposta de lei. “Conforme já antes se prenunciou, é muito difícil avançar mais, trazer aqui uma apreciação mais detalha da e profunda, porquanto não existe ainda um concreto articulado”, é reconhecido. “E, como bem se sabe, sobretudo em matérias como a penal, é necessário ter um texto

normativo concreto, preciso, fe chado, para se poder tecer opiniões definitivas”, é frisado.

A AAM sublinha igualmente que durante o processo de con sulta surgiram dúvidas motivadas pela escassez de informação: “Um exemplo bem presente desta dificul dade [de emitir opinião sem o texto de consulta] pode ser aqui lembrado com recurso a uma série de afir mações públicas consecutivas em eventos dedicados ao assunto e, não raras vezes, algumas afirmações, explicações, exemplos, de respon sáveis que levaram a ter dúvidas quanto ao âmbito e profundeza da futura lei em face do que vem exposto no documento que está em consulta”, foi sustentado.

Apesar disso as declarações sobre a lei deixaram a associação reticente: “Algumas dessas afir mações, exemplos ou explicações pareceram ir bem além do que uma leitura razoável do documento poderia porventura permitir”, foi admitido.

Preto no branco

Na vertente mais técnica, a AAM defende que os crimes devem ser bem tipificados, ou seja, definidos de forma clara e objectiva, e que deve fazer-se tudo para, de acordo com a tradição do Direito de Ma cau, não se utilizarem conceitos abertos. O objectivo é garantir que os cidadãos comuns sabem que condutas podem constituir crime.

“Sobretudo em matéria penal e em matéria de compreensão de direitos fundamentais não é demais sublinhar este ponto bem sabido. Nestas matérias, a redacção é ab solutamente decisiva. Deve haver muito cuidado técnico-jurídico, uma especial minúcia na tipifica ção, exclusão, portanto, de concei tos demasiados abertos, amplos, híper subjectivos”, é avisado.

Nesta vertente é também pedido que “as soluções” da lei respeitem os princípios da neces sidade, legalidade, proporcionali dade, intervenção mínima”, além da “presunção de inocência” e de “um regime mínimo de nulidades de prova”. É também defendido que os tribunais que julguem estas matérias apenas devem obedecer à Lei Básica.

Ao mesmo tempo, é destacada a necessidade de a interpretação da lei ser feita segundo a prática habitual, e não ao sabor do vento de declarações públicas: “Desde logo, uma interpretação que deve ser conforme os cânones vigentes, nomeadamente, em matéria penal. Não, pois, uma interpretação que vai avançando, moldando, e fugin do ao preceito tipificador. Procla mações públicas, de quem quer que seja, em Macau, não constituem fonte do Direito, menos ainda em matéria penal”, é destacado.

Apesar da ressalva, a associação mostra confiança nos tribunais locais: “E, no campo da aplicação, que não se enverede – a AAM está em crer que não acontecerá – por uma espécie de excitação conde natória ou competição nas conde nações para mostrar serviço, ainda que a lei porventura assim não o indicasse”, está escrito. “A AAM confia que os tribunais de Macau saberão manter, também nestes assuntos, competência, fiabilidade, equilíbrio, previsibilidade que têm demonstrado em outras matérias”, foi acrescentado.

Oportunidade questionada

Outra vertente que levanta dúvi das à AAM, é a altura escolhida

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nem os direitos fundamentais devem ser terraplanados
“Proclamações públicas, de quem quer que seja, em Macau, não constituem fonte do Direito, menos ainda em matéria penal.”
ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE MACAU
“O que se pretende é um novo reequilibrar entre a lei penal e os direitos fundamentais em prejuízo destes?”
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para avançar com a revisão de uma lei, que nunca levou a condenações. Ao contrário de outros discursos, o facto de não ter havido condenações, não tem de ser propriamente negativo para a AAM, que até admite a hipótese de a lei de 2009 ser um orgulho para a RAEM.

“É notório que a lei [de 2009] tem vindo a cumprir, no essen cial, os seus propósitos, nomea damente ao nível da prevenção criminal”, é entendido. “O facto de inexistir até agora qualquer condenação com base nesta lei não deve constituir motivo de desânimo, mas, outrossim, de satisfação porquanto tal signi ficará que a lei de 2009 cumpre

cabalmente os seus objectivos mormente, repte-se no muito plano da prevenção”, é vincado.

O parecer questiona assim a necessidade da revisão nesta

altura, por não encontrar no di ploma de consulta a resposta para os supostos problemas da lei em vigor. “Concretamente, quais os problemas que se terão porven tura feito sentir? Verificou-se a prática de ‘crimes’, mas que, por razões, por exemplo, processuais penais, não lograram acusação? Há elementos probatórios de di fícil concretização no terreno?”, é questionado. “Ou, o que se pretende é um novo reequilibrar entre a lei penal e os direitos fundamentais em prejuízo des tes? Isto é, uma etapa mais no reforço dos poderes da polícia, ou num novo entendimento do que deverá ser a acção penal?”, é acrescentado.

Em relação a este aspecto, a AAM coloca a hipótese de as au toridades Macau quererem seguir a lei de Hong Kong, um aspecto contra o qual se mostram contra

por considerarem que as famílias dos sistemas legais são diferentes e o contexto social também.

Apesar das várias dúvidas, a AAM admite que recebeu muitas opiniões a favor do documen to. Contudo, com o intuito de melhorar a futura lei, optou por destacar as questões que devem ser debatidas. “Um parecer só com as concordâncias dos advogados – e há bastantes, diga-se - pouco, ou nenhum, interesse real traria. Encara-se esta consulta pública como uma verdadeira consulta com vista à melhoria da matéria, e não como um exercício de acla mação pública aliás, descabido”, foi justificado. João Santos Filipe

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“E, no campo da aplicação, que não se enverede [...] por uma espécie de excitação condenatória ou competição nas condenações para mostrar serviço.”
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“Encara-se esta consulta pública como uma verdadeira consulta com vista à melhoria da matéria, e não como um exercício de aclamação pública aliás, descabido.”
ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE MACAU

CE Fundo do Crédito à Habitação vai ser extinto em Fevereiro

O Governo vai extinguir o Fundo para Bonificações do Crédito à Habitação e transferir as competências de recurso ao regime de crédito bonificado para a Caixa Económica Postal. Segundo a informação de sexta-feira do Con selho Executivo (CE), as alterações

têm como objectivo a “simplificação da estrutura administrativa”. Além disso, a Direcção dos Serviços de Finanças fica com as competências respeitantes às modalidades de pagamento das fracções adquiridas em regime de propriedade resolúvel

e a pronto pagamento e o Instituto de Habitação com as competências dos encargos resultantes do subsídio de habitação económica autorizados, mas não atribuídos na totalidade. As alterações entram em vigor a 28 de Fevereiro do próximo ano.

Reparação Predial Alterado regulamento do Fundo

O Governo vai alterar o regulamento do Fundo de Reparação Predial para definir alguns aspectos rela cionados com os dados pessoais.

A alteração foi anunciada na sexta -feira, durante a sessão do Conselho Executivo e os pormenores só hoje

devem ser conhecidos, com a publicação no Boletim Oficial. Além disso, o secretário para os Trans portes e Obras Públicas passa a ser a entidade tutelar do fundo, uma mudança que visa garantir que o regulamento está em conformidade

com as alterações do ano passado ao Regulamento Administrativo so bre o “Organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicos”. O regulamento administrativo entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

sete a dez mil fracções de habitação intermédia”, indicou o presidente do Instituto de Habitação, citado pela agência Lusa.

CONSELHO DE ESTADO HO IAT SENG ENALTECE EMPRESAS ESTATAIS

HO Iat Seng reuniu na sexta -feira com o membro do co mité do partido e secretário-geral da Comissão de Supervisão e Administração de Activos Esta tais do Conselho de Estado Peng Huagang. Durante o encontro, o Chefe do Executivo afirmou que as empresas centrais e estatais chinesas têm desempenhado um papel importante e activo no processo de desenvolvimento de Macau. O governante destacou “o fornecimento ininterrupto de bens de primeira necessidade, como electricidade, gás natural, óleos alimentares e alimentos.”

Além disso, o fornecimento de materiais médicos e a dis ponibilidade atempada durante a pandemia, responderam às necessidades de protecção dos residentes de Macau.

Ho Iat Seng referiu também que “as empresas centrais e es tatais chinesas apoiam também os projectos de infra-estruturas locais, colaborando activa mente para que o andamento das obras de construção fosse acelerado”.

O Chefe do Executivo in dicou ainda que espera que a “Comissão de Supervisão e Ad ministração de Activos Estatais do Conselho de Estado, as em presas centrais e estatais chinesas continuem a apoiar e promover mais projectos com elementos de Macau na Zona de Cooperação Aprofundada, contribuindo para o desenvolvimento de novas in dústrias de Macau”. J.L.

Os ensanduichados

O Conselho Executivo apresentou na sexta-feira a lei que vai servir de base para construir habitação para a classe sanduíche, ou seja, para aqueles com rendimentos demasiado elevados para comprar habitação económica, mas insuficiente para adquirir uma casa no mercado privado

UMA habitação mais vi rada para o investimento e para os jovens. Foi desta forma que Arnaldo Santos, presidente do Instituto de Habitação (IH), apresentou o regime de habitação intermédia, o novo tipo de habitação pública para vender à classe média.

O diploma foi apresentado pelo Conselho Executivo na sexta-feira e vai agora entrar na Assembleia Legislativa para ser aprovado pelos deputados. De acordo com alguns aspectos da proposta, este tipo de habitação está mais orientado para a população jovem e tem um carác ter mais focado no investimento, em comparação com a habitação

económica, podendo ser vendida ao fim de 16 anos.

Até 2023, o Governo prevê a necessidade de construir entre sete mil e dez mil casas de habitação intermédia, também conheci da como habitação sanduíche. “Quando fizemos o estudo sobre a habitação, prevemos que, no futuro, até 2023, precisamos entre

Além da habitação intermédia, o Governo é actualmente responsá vel pela construção de habitações sociais, que apenas podem ser arrendadas, habitação económica, para vender às classes mais desfa vorecidas e habitações para idosos.

Problemas antigos

Além de Arnaldo Santos, partici pou na apresentação da proposta, André Cheong, secretário para a Administração e Justiça e porta -voz do Executivo, que apontou que com mais este tipo de habitação se espera resolver um problema crónico da população local.

Segundo André Cheong, a proposta vai “apoiar os residen tes de Macau na resolução dos seus problemas habitacionais mediante a criação de um novo meio de aquisição de imóveis en tre as habitações económicas e as privadas”. Este tipo de habitação passa a ser “exclusivamente” a habitação própria.

As inscrições vão estar dis poníveis para residentes com 18 anos, quando estes se candidatam com o agregado familiar. No caso de a candidatura ser individual, o candidato tem de ter cumprido mais de 23 anos, e não pode ter sido proprietário de imóveis em Macau nos últimos 10 anos.

A proposta prevê ainda a cria ção de um fundo para os prédios de habitação económica, para fazer as reparações necessárias nas partes comuns.

Sobre a prestação de informa ções falsas para aquisição deste tipo de habitação, o secretário referiu que “a prestação de falsas declarações é punida nos termos da lei penal e os contratos cele brados são nulos”. No caso de as habitações serem utilizadas para outro fim que não a habitação, as multas aplicadas atingem o valor de 20 por cento do valor da compra.

Os compradores ficam também obrigados a habitar 183 dias as fracções adquiridas ao abrigo deste regime. João Santos Filipe

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HABITAÇÃO INTERMÉDIA LEI ENVIADA PARA A ASSEMBLEIA André Cheong, secretário para a Administração e Justiça “A proposta vai apoiar os residentes na resolução dos seus problemas habitacionais mediante a criação de um novo meio de aquisição de imóveis entre as habitações económicas e as privadas.” RÓMULO SANTOS GCS

Comércio Mais estabelecimentos, mas menos empregados

No ano passado havia em Macau 16.563 estabelecimentos de co mércio por grosso e a retalho, bem como arrendatários nos mercados municipais e vendedores de rua com lugar fixo. Os dados foram re velados pela Direcção dos Serviços

de Estatística e Censos (DSEC) na sexta-feira e representam um au mento de 568 estabelecimentos em relação a 2020. Ao mesmo tempo, o pessoal ao serviço era composto por 69.437 pessoas, menos 2.957, em termos anuais. Apesar de haver mais

estabelecimentos, houve menos pessoas empregadas neste sector. Ainda de acordo com os dados da DSEC, as receitas deste ramo de actividade foram de 114,19 mil milhões de patacas, um crescimento de 34,7 por cento.

DESEMPREGO PEDIDOS DE SUBSÍDIO SUBIRAM 87%

O lado lunar

O presidente do Fundo de Segurança Social, Iong Kong Io, defendeu a decisão de não injectar dinheiro nas contas individuais dos contribuintes, por conside rar que o Governo tem disponibilizado vários apoios para fazer face ao impacto da pandemia

Face ao crescimento do número de requisições, o presidente do Conselho de Administração do Fundo de Segurança So cial garantiu que a instituição vai acelerar os processos de atribuição e de aprovação dos novos pedidos.

Actualmente, quem estiver desempre gado pode pedir um apoio de 150 patacas por dia, num montante que pode chegar a 13.500 patacas. Atingida essa quantia, que representa 90 dias de apoio, os benefi ciários só podem voltar a receber subsídio no ano seguinte.

Processo facilitado

Por outro lado, Iong Kong Io considera que o processo de pedido de subsídio de desemprego está cada vez mais facilitado. Segundo o responsável, as pessoas que se registarem como desempregadas na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais podem logo pedir o apoio.

Durante o programa, houve ouvintes a criticar o Governo por voltar, em 2023, a não injectar sete mil patacas nas contas individuais do Fundo de Previdência Central. Esta tem sido a realidade desde que o orçamento se tornou, nos últimos anos, deficitário, excluindo a utilização do montante da reserva financeira.

Fórum Macau Secretariado passa para novo edifício

Desde hoje que o Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) passa a operar no Edifício de Escritórios do Complexo da Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, junto da Assembleia Legislativa. O anúncio foi feito pelo Fórum Macau, através de um comunicado publicado na sexta-feira. Além do secretariado, a mudança implica também o gabinete de apoio, com os dois serviços a ficarem hospedados no terceiro piso. Até agora, o Fórum Macau encontrava-se no 13.º andar do Edifício FIT, na Avenida Comercial de Macau.

Construção Receitas do

sector

com aumento de 8,2 por cento

Em 2021, as receitas do sector da construção totalizaram 56,58 mil milhões de patacas, mais 8,2 por cento, em termos anuais. Os dados foram revelados pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). No ano passado havia em actividade 4.127 estabelecimentos do sector da construção (um crescimento de 88, face a 2020), dos quais 1.239 realizaram obras de construção com licenças e 2.888 realizaram obras simples de reno vação. O pessoal ao serviço do sector totalizou 44.796 indivíduos, mais 3.751, em termos anuais.

NOS primeiros dez meses do ano, o número de pedidos para receber subsídio de desemprego registou um aumento de 87 por cento, face ao mesmo período do ano passado. A informação foi revelada pelo presidente do Conselho de Administração do Fundo de Segurança Social (FSS), Iong Kong Io.

Em declarações ao programa Fórum Macau, do canal chinês da Rádio Macau, ao abordar as políticas das Linhas de Acção Governativa de 2022, nas áreas social e da cultura, o presidente do Con

selho de Administração do FSS reconhe ceu que a situação de desemprego levou a que surgissem mais pedidos, com o crescimento a ser de 87 por cento. “Cerca de 8.000 dos requerentes receberam o subsídio de desemprego. O montante total dos subsídios atribuídos foi de 84 milhões de patacas, apresentando um aumento anual de 90 por cento”, revelou Iong Kong Io.

Este número contrasta com o montante total para o ano anterior, 2021, em que tinham sido distribuídos 44,19 milhões patacas em subsídios de desemprego.

“O montante total dos subsídios atribuídos foi de 84 milhões de patacas, apresentando um aumento anual de 90 por cento.”

Face às críticas, Iong Kong Io ar gumentou que o Executivo disponibi lizou outros apoios para a população. “Se calhar alguns residentes sentem-se desapontados porque o Governo não contribui para as contas do Fundo de Previdência Central há anos. Mas, para aliviar o impacto económico e social que a pandemia causou em Macau, nos últimos três anos tem sido gasto um valor imenso da reserva financeira, a pensar no bem-estar da população, como mostram as medidas de apoio mais recentes”, argumentou.

Nos últimos anos, ao mesmo tempo que impôs restrições de entrada que tornam quase impossível a entrada de turistas vindos do estrangeiro, e que o Governo Central limitou a entrada de turistas do Interior no território, o Governo de Ho Iat Seng lançou apoios para a população, como subsídios de incentivo ao consumo ou a distribuição de subsídios para complemen tar rendimentos individuais e colectivos. Nunu Wu com João Santos Filipe

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Aviso sobre pedido de junção de restos mortais em sepultura perpétua

Eu, Cheung Wai Kuong (張偉光), nos termos da alínea 5) do n.º 1 e dos n.os 2 a 4 do artigo 26.º-A do Regulamento Administrati vo n.º 37/2003, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 22/2019, apresento o pe dido relativo à junção das ossadas de Chao Mui (周妹), que era cônjuge de Cheung Sik Kou (張錫球), inumado na sepultura n.º CN-1-G-0346 do Cemitério Municipal de Coloane, nessa sepultura.

Venho por este meio informar as pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 26.º-A do Regu lamento Administrativo acima referido de que podem apresentar objecção por escrito no prazo de 30 dias, contados a partir da data da publicação do aviso, ao IAM. A objecção escrita deve ser entregue no escritório dos assuntos de cemitérios da Divisão de Higie ne Ambiental do IAM, sito no 3.º andar do Edifício Comercial Nam Tung, na Avenida da Praia Grande n.º 517.

Se o IAM não tiver recebido objecção por escrito dentro do prazo determinado, o pedido de junção pode ser autorizado.

Aos 14 de Novembro de 2022

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RÓMULO SANTOS
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PANDEMIA MACAU ADOPTA POLÍTICA NACIONAL DE QUARENTENA 5+3

Diminuir aumentando

Quem chega a Macau vindo de Hong Kong, Taiwan ou do exterior, passa a cumprir quarentena de cinco dias no hotel e três dias em casa. A parte domiciliária implica ter código vermelho e as únicas saídas permitidas são para fazer testes de ácido nucleico. O Governo acredita que aumentar um dia de quarentena irá atrair turistas

DEPOIS de as au toridades chinesas terem anunciado a alteração do perío do de quarentena de sete dias em local designado para cinco mais três em casa, o Governo da RAEM seguiu o mesmo caminho.

TESTES 14 POSTOS COM VIA EXCLUSIVA PARA “CÓDIGOS VERMELHOS”

Apossibilidade de cumprir três de quarentena em casa implicou a instalação de 12 postos adicionais com via exclusiva para quem tem có digo vermelho, totalizando assim 14 postos de testagem para a recolha de amostras diárias, durante três dias. Os 14 postos estão instalados no antigo Canídromo, na Rotunda do Estádio, Universidade de Macau Estádio de Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, Terminal de autocarro de

Riviera Macau, Jardim da Flora, Zona de lazer da Rua da Pérola Oriental, Trust Leisure Garden Terminal, Jar dim Comendador Ho Yin (Parque de Esculturas Étnicas Chinesas), Zona de Lazer do Templo Hong Kung, Posto de Saúde Provisório de Seac Pai Van de Coloane, Povoação de Sam Ka, Travessa Central da Praia Grande (perto do Hotel Grand Em peror) e Zona de Lazer da Rua Oito do Bairro Iao Hon.

O Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus indicou ainda que as amostras recolhidas são deposita das num tubo único e que o custo dos testes é pago pelo próprio testado.

Antes de se deslocarem aos postos de testagem, os portadores de código vermelho têm de submeter no código de saúde resultado negativo de teste rápido de antigénio. J.L.

A novidade foi anun ciada na sexta-feira, em primeiro lugar e ainda sem detalhes pela secretária para as Assuntos Sociais e Cultu ra, Elsie Ao Ieong U, antes de ser pormenorizada na habitual conferência de im prensa dedicada à pandemia.

“Vamos seguir a política de 5+3 da China. Apesar do aliviamento às restrições de entrada, vamos insistir na política de prevenção de zero casos e trabalhar para

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cooperar com a política nacional. Estamos confian tes de que esta medida não implica o aumento de risco para a comunidade”, indicou a governante.

Ao final da tarde de sexta-feira, Alvis Lo com pletou a novidade. “A par tir de amanhã, [para] as pessoas vindas de Hong Kong, Taiwan e do exterior para Macau, o período de observação médica passa de ‘7+3’, ou seja, sete dias de observação médica [num hotel designado] mais três de quarentena domiciliária para ‘5+3’”, anunciou o di rector dos Serviços de Saúde (SSM), citado pela Agência Lusa. Alvis Lo ressalvou que durante os três dias de quarentena domiciliária, “as pessoas vão ficar com código de saúde vermelho”, ou seja, estão proibidas de sair de casa, excepto para realizarem testes de ácido nucleico. Importa referir, que antes desta medida à saí da da quarentena, o código de saúde tinha cor amarela.

Sem condições

A alteração à forma como o isolamento é feito, apesar de aumentar a quarentena num dia, foi caracterizada por Alvis Lo como um alívio restritivo. “Fazer quarentena três dias em casa é mais confortável para as pessoas, por isso acho que é uma política menos rigorosa em comparação com a anterior”, afirmou o director dos SSM.

O médico e chefe do Centro de Prevenção e Controlo da Doença Lam Chong acrescentou ainda uma excepção à possibili dade de fazer três dias de quarentena em casa. “Caso a residência não reúna as condições, os indivíduos podem escolher um hotel destinado às pessoas com o código vermelho”, dando como exemplo os “dormitó rios de vida colectiva”, onde

Quem partilha casa com uma pessoa em quarentena domiciliária “não deve tomar refeições presencialmente” em restaurante, participar em festas, nem usar transportes públicos ou de transporte de trabalhadores

frequentemente residem tra balhadores não-residentes.

As autoridades admiti ram que a situação ideal é a pessoa cumprir os três dias de quarentena sozinho em casa. Porém, caso não seja possível, é exigido que não coabite com mais de cinco pessoas, mantendo sempre que possível distanciamento social de um metro para as restantes pessoas. As auto ridades recomendam ainda que durante os três dias, a pessoa fique isolada num quarto, de preferência bem ventilado.

Os SSM indicaram ainda que quem partilha casa com uma pessoa em quarentena domiciliária “não deve tomar refeições presencial mente” em restaurante, par ticipar em festas, nem usar transportes públicos ou de transporte de trabalhadores.

Além disso, deve in formar “os responsáveis do local de trabalho, por iniciativa própria” de que coabita com uma pessoa com código vermelho, usar máscara durante o trabalho e tomar refeições sozinho.

Testes mil

“Fazer quarentena três dias em casa é mais confortável para as pessoas, por isso acho que é uma política menos rigorosa em comparação com a anterior.”

CÓDIGO DE SAÚDE ALVIS LO PEDE DESCULPAS PELAS AVARIAS

Odirector dos Serviços de Saúde pediu des culpas pelas sucessivas avarias no sistema de código de saúde que se verificaram na passada segunda terça-feira. Em declarações no Fórum Macau, programa do canal chinês da Rádio Macau, Alvis Lo afirmou que os serviços que dirige estão em contínua comunicação com a empresa que fornece o sistema de código de saú de, a InfoMacro Informa tion Technology Limited, no sentido de evitar que as avarias se repitam.

O sistema foi repetida mente abaixo depois de ter sido adicionada a função

para alterar a morada. Al vis Lo referiu que havido sido dito ao fornecedor da tecnologia que a alteração não era urgente e que foi pedida a realização de testes de pressão.

“Estamos à espera do relatório sobre a situação para evitar que o problema se volte a repetir”, afirmou o responsável, acrescen tando que só depois será decidido se a empresa é multada.

Também a InfoMacro Information Technology Limited pediu desculpas pelo incidente e explicou que as avarias resultaram de “testes ao sistema e pre paração insuficiente”.

Os turistas que vierem do exterior, Hong Kong e Taiwan, ficam obrigados a fazer mais um dia de quarentena. Ainda assim, a representante da DST afirmou que “as medidas menos rigorosas podem atrair mais turistas”

Como é natural, esta medida apenas pode ser concretiza da por quem reside em Ma cau, e consiga “ficar isolado num quarto individual”, algo impossível para um turista. Na prática, quem chegar a Macau, desde o último sábado, para fazer férias, fica obrigado a cumprir mais um dia de quarentena em relação ao que acontecia anteriormente. Ainda assim, a representante da Direcção do Turismo, Lam Tong Hou, afirmou que “as medidas menos rigorosas podem atrair mais turistas”.

Para fazer quarentena em casa, é essencial que testar negativo à covid-19 na pri meira parte do isolamento nos quatro dias seguintes à entrada no hotel. Após a

Ao longo dos três dias são obrigadas a fazer mais três testes de ácido nucleico e outros três testes rápidos submetidos na plataforma do código de saúde

recolha da amostra no quinto dia, as pessoas podem voltar às suas casas e ao longo dos três dias são obrigadas a fa zer mais três testes de ácido nucleico e outros três testes rápidos submetidos na pla taforma do código de saúde.

Para aplicar esta medi da, as autoridades de saúde aumentarem os postos de teste de ácido nucleico com “via exclusiva para o código vermelho” de dois para 14 postos. João Luz

DSAT TÁXIS PODEM RECUSAR TRANSPORTE A “CÓDIGOS

C OMO estão impedidos de usar transportes públicos, as pessoas que têm código de saúde vermelho podem optar pelo táxi para regressar a casa, depois de cumpridos os cinco dias de quarentena no hotel designado.

Porém, a Direcção dos Serviço para os Assuntos de Tráfego (DSAT) ressalvou que “a recusa de transporte não constitui a recusa de transporte de passageiro”.

O Governo lançou também uma série de instruções para o transporte destes

passageiros, nomeadamente a proibição de se sentarem no lugar dianteiro, fazer leitura de código de local no interior do táxi e, preferencialmente, pagar a viagem através de “meios sem contacto”.

É pedido ao condutor que mantenha “uma boa ventilação de ar no habitáculo do táxi” e todas as pessoas devem usar máscara o tempo que estiverem dentro da viatura.

“Após cada transporte de passageiros com o código vermelho, o condutor de táxi

VERMELHOS”

deve proceder à limpeza e desinfecção dos habitáculos. Os táxis com condições devem instalar separador entre o habi táculo do condutor e o dos passageiros transportados no banco da retaguarda”, indicou a DSAT.

A instituição liderada por Lam Hin San apelou ainda aos “condutores de autocarros públicos e de táxis que concluam, com a maior brevidade possível, a administra ção das quatro doses da vacina contra a covid-19”. J.L.

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A tradução do Dao De Jing a partir das

Introdução

Nestas notas apresenta-se a metodologia seguida na elabo ração de uma nova tradução portuguesa1 do Dao De Jing, um texto filosófico relativamente curto, com pouco mais de 5000 caracteres, que, segundo a tradição, terá sido escrito por vol ta do século VI a.C. por um filósofo conhecido por Lao Zi. A tradução foi feita a partir dos textos clássicos chineses, que se procurou seguir o mais fielmente possível, sem adicionar nada para além do essencial e tentando respeitar ao máximo o seu estilo conciso e a ambiguidade presente em muitas das suas frases, por se entender que o texto é propositadamente enigmático, de modo a estimular o leitor a apreender intuiti vamente o seu sentido.

A decisão de fazer esta nova tradução ficou exclusiva mente a dever-se ao interesse que a obra despertou ao tra dutor, há mais de três décadas, e ao desejo de elaborar uma tradução comentada, a ser partilhada com familiares e ami gos mais próximos. Não havendo a intenção de a publicar, a sua elaboração foi prosseguindo lentamente, e sem pressa, ao longo de três anos, tendo sido prestada muita atenção a todos os pormenores. Se tivesse havido pressa, o resulta do teria sido certamente bem menos satisfatório, «porque se leva sempre muito tempo a fazer uma coisa como deve ser»2, como nos diz Zhuang Zi. Como o estilo de composição usado nos textos originais chineses do Dao De Jing é extremamente conciso, à sua tradução aplica-se o que nos diz Nietzsche a propósito do trabalho filológico, no final do prefácio de Au rora: ela exige toda a delicadeza, cuidado e lentidão que um ourives põe no seu trabalho, e «não alcança nada se não o alcançar em lento».3

Foi por ter sido executado em lento, que o trabalho rea lizado pôde contemplar o estudo paciente e cuidadoso de cada um dos caracteres e de cada uma das frases do Dao De Jing, essenciais para que o texto traduzido pudesse ir evo luindo, passo a passo e ao longo dos meses, aproximando-se o mais possível de uma restituição fiel tanto da dimensão imagética e poética do texto original como dos padrões esti lísticos usados no encadeamento das frases de cada estrofe.

O estilo enigmático do Dao De Jing

A escrita chinesa clássica é muito concisa, sendo frequentes as frases sem verbos. Raramente há um pronome pessoal e só o contexto permite saber, e nem sempre com toda a cer teza, se uma frase se refere ao passado, presente ou futuro, ou se o sujeito é singular ou plural. Além disso, um mesmo caracter4 pode ser usado como sujeito ou como verbo – na voz activa ou passiva - e ter vários significados diferentes, dependendo sempre do contexto. Os textos clássicos não são, por isso, de interpretação fácil, mesmo para um chinês, porque a informação presente no texto não é uma estrutura sólida com base na qual se possa facilmente construir uma interpretação definitiva.

Como no Dao De Jing se usa um estilo de composição excepcionalmente conciso, de interpretação especialmente difícil, cada uma das várias escolas de pensamento que sur giram posteriormente na China o interpretou a seu modo, tendo sido escritos, ao longo dos séculos, muitos comentá rios ao Dao De Jing expressando opiniões muito diferentes sobre o sentido preciso dos seus ensinamentos. Não é por isso de admirar que as traduções existentes no mundo oci dental, grandemente influenciadas por esses comentários, correspondam a interpretações muitas vezes divergentes e até antagónicas, e que se tenha criado a ideia de que o Dao De Jing não é mais do que uma antologia de aforismos, sen do impossível encontrar uma interpretação coerente para a globalidade da obra.

No entanto, o facto de ser possível interpretar o Dao De Jing de modos muito diferentes não significa necessariamen te que seja impossível apreender uma linha de pensamento atravessando todo o texto. Pelo contrário, esta característica sugere que se pode encontrar mais do que uma, e que seja precisamente por isso que o Dao De Jing pôde ser adoptado

como fonte de inspiração por escolas de pensamento muito diversas. Alguns dos primeiros missionários ocidentais que o leram chegaram, por exemplo, a sustentar que a sua dou trina consistia num «cristianismo primitivo», exposto de um modo peculiar ao Oriente.

Tudo indica que a natureza invulgarmente concisa e enig mática do Dao De Jing é propositada, destinando-se a obri gar um leitor que queira apreender o sentido de cada um dos seus capítulos a ler e reler várias vezes o seu texto até se «fazer luz.» Podemos, assim, dizer que o Dao De Jing encerra «um mistério cuja chave o leitor deve procurar.»5 O estilo pa radoxal utilizado em muitos dos seus aforismos — que nos dizem, por exemplo, ser o fraco quem vence o forte e que o melhor modo de governar uma nação é não a governar — exige que se olhe o mundo por um ângulo fora do comum, para compreender o seu sentido. Por outro lado, a maioria dos capítulos do Dao De Jing é composta por secções que, numa primeira leitura, parecem desconexas, exigindo ao lei tor um esforço mental para «fazer a ponte» entre elas, de modo a construir e apreender o seu sentido. E, muitas vezes, este só emerge claramente quando se consideram, em con junto, os vários capítulos que abordam um mesmo tema. Ou seja, o estilo utilizado no Dao De Jing parece ser um convite para que o leitor tente pelos seus próprios meios apreender a visão do mundo e o modo de viver preconizados, tendo, para além do esforço, ainda o prazer de os ir adivinhando lentamente.

Parece ser esta, pois, a característica do Dao De Jing que explica o porquê de um texto ambíguo e obscuro, à partida inacessível ao comum dos leitores, se ter tornado no livro oriental mais vezes traduzido no ocidente.

A relação entre o estilo do texto e a filosofia que nele se expõe

O Tao, o tema central do Dao De Jing , é o que há de mais profundo e misterioso na realidade: o que faz com que tudo seja como é. O Dao De Jing diz nos ser impossível descre vê lo e até impróprio designá lo por um nome, dado ser um Todo único e indiferenciado que tudo inclui, e as palavras e os nomes servirem para diferenciar e definir coisas. O Tao não é algo inteligível, mas apenas o que é «intuído» quando desistimos de o tentar entender.

Se as palavras são usadas com extrema parcimónia no Dao De Jing , é porque elas se tornam facilmente supérfluas e enganadoras, em particular quando se tenta falar do in descritível. Zhuang Zi (369-286 a.C.), o outro grande filósofo taoista da Antiguidade, dizia que as palavras são como ar madilhas para caçar animais, as quais se colocam de parte uma vez eles tenham sido apanhados. «As palavras existem por causa do seu significado; mas, uma vez este entendido, podemos esquecê-las»6. As palavras são como um dedo apontando para alguma coisa. É preciso desviar o olhar do dedo para ver o que realmente há para ver. Se no Dao De Jing se usa uma linguagem tantas vezes ambígua, contraditória ou paradoxal é porque desse modo se apela mais à intui ção do que ao intelecto, obrigando assim a transcender o significado imediato das suas palavras. O carácter ambíguo e obscuro do texto original não corresponde, por isso, simples mente a uma escolha, mais ou menos arbitrária, de um estilo literário, pois é indissociável do facto de a sabedoria nele exposta não poder ser transcrita de modo claro, mas apenas sugerida através de metáforas. Como se lê no capítulo 43, o que há de essencial é «ensinado sem usar palavras» (不言之 教). É por isso que, de um modo paradoxal, e com um toque de provocação e de humor, se lê no capítulo 56: 知者不言言 者不知 («Quem sabe não fala. Quem fala não sabe»).

Como tenta fazer-nos apreender o que é misterioso e in descritível, o Dao De Jing tem necessariamente de ser uma obra «incompleta» que só a intuição do leitor pode concluir. Mas, como se refere no capítulo 45, «A grande obra pare ce incompleta, mas a sua utilidade nunca se esgota.» Como afirmou A. C. Graham, a visão do mundo e o modo recomen

dado de nele viver são apresentados no Dao De Jing com base num «sistema organizado de metáforas lúcidas que ilu minam cada situação com uma estrutura correspondente» 7 , fazendo com que um leitor que saiba transcender o significa do imediato das palavras acabe por perceber que, paradoxal mente, a clareza com que eles são expostos em alguns dos capítulos da obra «quase exclui a possibilidade de que não sejam entendidos.»8

A clareza que emerge dessas metáforas tem algo a ver com o estado de clareza ou de iluminação (明), que os filóso fos taoistas pretendem atingir, e que corresponde a um esta do mental em que o intelecto deixa de «obscurecer» a mente com as suas interpretações, permitindo assim que se possa intuir, no mundo, a manifestação do que nele há de mais profundo e misterioso. De certo modo, esse estado mental corresponde a conseguirmos olhar a realidade como se fosse uma metáfora que, a partir do que é do domínio dos senti dos, nos revelasse o transcendente.

A motivação para a elaboração desta nova tradução do Dao De Jing

A motivação para a elaboração desta nova tradução do Dao De Jing surgiu, em primeiro lugar, da constatação de que as traduções disponíveis em português eram todas feitas com base noutras traduções, tornando evidente que seria impor tante a existência de uma tradução feita directamente das fontes chinesas. Em segundo lugar, a consulta dos textos ori ginais do Dao De Jing, em chinês clássico, tornou claro que, de modo geral, as traduções disponíveis nem seguiam fiel mente o texto original, acrescentando paráfrases e elabora ções poéticas várias, nem respeitavam inteiramente o carác ter ambíguo de muitas das suas frases, que parece desafiar o leitor a interpretá-las por si e à sua maneira. Muitos traduto res parecem preferir eliminar essa ambiguidade, procurando assegurar que o leitor entenda a «interpretação correcta» de cada frase, que corresponde geralmente à leitura defendida por um dos muitos comentadores chineses da antiguidade,

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Algumas das réguas de bambu em que está escrita a versão mais antiga que se conhece do Dao De Jing.1415

das fontes chinesas. Algumas notas

os quais não raro divergiram ou apresentaram interpretações antagónicas.

Surgiu, assim, a intenção de fazer uma nova tradução do Dao De Jing para português europeu em que se procurasse seguir o mais fielmente possível o texto original, respeitando ao máximo a ambiguidade de tantas das suas frases. Não se tentou, por isso, interpretar ou «explicar» o sentido — ou sentidos possíveis — de cada frase, mas apenas ficar pelo que neles se descreve, sem o «ultrapassar», mantendo o po der enigmático do original.

Decidiu-se ainda incorporar comentários a cada capítulo do Dao De Jing de modo a alertar o leitor para a dificuldade de tradução de certas frases do texto original e o informar so bre as várias opções tomadas por outros tradutores da obra. Os comentários fornecem, igualmente, sugestões de interpre tação possível de passagens cujo sentido é mais ambíguo ou obscuro, procurando- se, assim, estimular a imaginação do leitor, para que este possa por si próprio intuir o sentido de cada capítulo com maior facilidade.

Finalmente, a consulta do texto original do Dao De Jing permitiu verificar que as traduções existentes raramente ten taram reproduzir o encadeamento de imagens sugerido pelos caracteres que compõem cada uma das suas frases, que per mite ao leitor reconstituir os pensamentos que deram origem à sua escolha. O desafio de tentar obter um texto traduzido que fosse o mais fiel possível a esta dimensão poética do texto original constituiu igualmente um factor importante de motivação.

O objectivo não foi, portanto, propor uma leitura parti cular do Dao De Jing, mas sim tentar assegurar que, de cada frase e de cada capítulo do texto traduzido, se possam retirar todas as interpretações possíveis de extrair do texto original. Optou-se, por isso, pelo uso de uma linguagem simples e ao mesmo tempo poética, ou seja, suficientemente «ambígua», de modo a que cada frase possa, tal como no texto de par tida, ser interpretada diferentemente por leitores com graus de formação distintos, sejam eles crentes ou não, ou até, em momentos diferentes da vida de um mesmo leitor. Esta op ção parece facilitar o emergir de leituras mais coerentes do Dao De Jing, em contraste com as que se podem retirar de outras traduções, em que se tentou eliminar a ambiguidade do texto original.

A ordenação habitual dos oitenta e um capítulos do Dao De Jing, um tanto arbitrária e confusa, parece ter contribuído para a criação do lugar-comum segundo o qual é impossível detectar uma linha de pensamento coerente atravessando toda a obra. Procurou-se, por isso, encontrar uma ordenação alternativa dos capítulos de forma a aproximar entre si os textos que parecem referir-se ao mesmo tema, e assim ob ter um texto estruturado logicamente de modo facilitar a sua melhor apreensão.

O estudo dos caracteres

Um dos motivos porque a interpretação de textos chineses antigos se torna problemática, mesmo para um chinês, en contra-se na dificuldade de determinar com rigor o significa do de cada caracter. Na linguagem chinesa, a cada caracter corresponde normalmente algo de extremamente concreto e preciso. Basta notar, por exemplo, que há caracteres espe cíficos para designar um cavalo possante, um cavalo vivo e corajoso, um cavalo cansado, um cavalo sem sela, um cavalo castanho-escuro, um cavalo preto, um cavalo negro com cabeça branca e um cavalo negro de crina branca.9 No entanto, embora a cada caracter possa corresponder algo de muito concreto, ele pode também evocar uma multiplicidade de sentidos mais abstractos que, a um português, às vezes surgem como muito díspares.

O caracter 明 (míng, em mandarim), por exemplo, parece denotar a presença simultânea do Sol (日) e da Lua (月) no céu, ao amanhecer. Mas, para além de aurora ou madrugada, pode também significar: claridade, brilho, iluminação, claro, brilhante, clarificar, iluminar, luz, lucidez e lúcido; mas tam

bém compreensível, óbvio, ilustrar, explicar, afirmar, mostrar, ver, percepcionar, entender, percepção, discernimento, visão, acuidade visual, visionário, inteligente, esperto, sagaz. Pode ainda designar um acordo ou um contrato, ou simplesmente referir-se ao acordar ou ao próximo dia. É mais uma imagem que nos mostra qualquer coisa do que a descrição ou repre sentação de um determinado objecto ou acção. Só a frase em que o caracter está inserido nos permite deduzir, e nem sem pre de um modo definitivo, qual dos seus vários significados se pretende evocar.

A análise dos elementos gráficos de cada caracter, espe cialmente os das suas versões mais antigas, torna muitas ve zes mais fácil perceber o conjunto de imagens e significados que ele pode evocar do que a consulta de um dicionário. Por isso, uma parte muito significativa do esforço envolvido na presente tradução foi dedicada à elaboração de um glossá rio com informação precisa sobre cada um dos caracteres do texto original. Após a edição em livro desta tradução, o glossário completo, referente a todos os capítulos do Dao De Jing, foi disponibilizado na Internet. 10 A partir da informa ção nele contida, o leitor pode não só perceber melhor as razões pelas quais diferentes tradutores tomaram opções tão diferentes na interpretação de algumas das frases mais am bíguas, como, se o desejar, procurar um outro modo de inter pretar e traduzir o Dao De Jing, respeitando o texto original.

A importância de preservar o estilo enigmático do texto Na escrita clássica chinesa o pensamento não é geralmente transcrito de modo a que possa ser imediatamente assimila do. Usa-se um procedimento de transmissão, que podemos considerar poético, que consiste em representá-lo através de um encadeamento de imagens cujo poder evocador o permi te reconstituir. Cabe ao leitor tentar reconstituí-lo, podendo acontecer que dessa reconstrução resulte um pensamento não inteiramente coincidente com o concebido originalmen te pelo autor. 11

Muitas frases da escrita chinesa clássica são criadas pe los seus autores para evocarem esse tipo de encadeamento de imagens, cujo sentido preciso só emerge, muitas vezes, da percepção da existência de analogias ou contrastes en tre várias frases contíguas. Para isso contribui o facto de os caracteres que evocam esse encadeamento de imagens nem sempre formarem uma frase sintacticamente perfeita, por te rem sido frequentemente escritos de acordo com a sequência com que essas imagens surgem na experiência comum. Po demos, por isso, dizer que as frases da escrita chinesa clás sica não são feitas de ideias mas sim de imagens, evocadas pelos seus caracteres. 12 É esta característica da escrita chine sa clássica, mais sugestiva do que definidora, que convida o pensamento a permanecer no domínio das sensações e faz com que muitas frases do Dao De Jing adquiram uma dimen são poética.

Nesta nova tradução, procurou-se preservar esta caracte rística da escrita chinesa clássica, tentando ficar sempre pelo que cada frase descreve, sem o ultrapassar. Como exemplo do modo como o leitor reconstitui o pensamento represen tado por um conjunto de frases contíguas do texto original, consideremos as duas primeiras frases do capítulo 1:

O Tao em que se pode caminhar não é o Tao eterno. O nome que se pode dizer não é o nome eterno. 道可道非常道 名可名非常名

Embora a leitura isolada da primeira frase afirme, literal mente, que «um caminho em que se pode caminhar não é o caminho eterno», esta frase é frequentemente traduzida por «O Tao que se pode nomear não é o Tao eterno.» No entanto, esse modo de a traduzir corresponde já a uma in terpretação ou «explicação» do seu sentido. De facto, as três ocorrências nessa frase do caracter 道 — que significa Tao, via, caminho, caminhar —, fazem com que, numa pri meira leitura, ela apenas evoque caminhos em que se pode

caminhar e que não são o «verdadeiro caminho.» O que há de enigmático nesta frase leva o leitor imediatamente a compreender que não se está a falar de um caminho ou ca minhar usual, mas sim do «Caminho» ou do «Caminhar», ou seja, do Tao.

A segunda frase evoca os nomes que se podem dar às coisas e diz-nos que nenhum deles é «eterno» ou «perma nente». E é só depois de constatar o paralelismo óbvio entre as duas frases que o leitor associa esse nome eterno com o Tao, e entende que se fala do Tao como um caminho in descritível onde não se pode caminhar. E, como o caracter Tao, enquanto verbo, está associado também a tudo o que na mente flui no fluir do tempo — como dizer, falar, pensar ou supor —, o leitor pode então aperceber-se de que se pode também interpretar a primeira frase como dizendo que «O Tao que se pode nomear não é o Tao eterno», ou seja, que o verdadeiro caminho a seguir não pode ser descrito ou ensi nado por palavras.

Ao traduzir a primeira frase por «O Tao que se pode no mear não é o Tao eterno», está-se por isso já a interpretar ou a «explicar» o sentido da frase original, de modo a que possa ser imediatamente assimilado, traindo o estilo pro positadamente enigmático do texto, que se destina precisa mente a sugerir, mais do que afirmar. Qualquer enunciação demasiado clara é, assim, inadequada. Para respeitar o mais fielmente possível o texto original, devemos saber parar na simples descrição, deixando ao leitor a tarefa de reconstituir o seu sentido por si só, e à sua maneira, a partir das imagens evocadas pelo conjunto das duas frases.

A dimensão imagética e poética do texto original O estudo cuidadoso dos caracteres que compõem cada frase permitiu respeitar a dimensão imagética e poética do texto original. Considere-se, por exemplo, a tradução das primei ras frases do capítulo 14:

Olha-se e não se vê.

Diz-se que é raso.

Escuta-se e não se ouve.

Diz-se que é raro.

Agarra-se e não se prende.

Diz-se que é fino.

Na tradução portuguesa mais divulgada13, estas primeiras frases são traduzidas por «Olhando-o, não se vê, chama-se -lhe o invisível,/ Escutando-o, não se ouve, chama-se-lhe o inaudível./ Tocando-o, não se sente, chama-se- lhe o impal pável.» No entanto, os caracteres que foram traduzidos por invisível, inaudível e impalpável evocam imagens extrema mente interessantes e poéticas.

O caracter que foi traduzido por invisível (夷) é composto pelos caracteres para pessoa (人 ) e para arco (弓 ), o que se deve ao facto de ele ter sido originariamente usado para designar os membros das antigas tribos bárbaras que viviam a leste da China. Como os seus ataques eram destrutivos e arrasadores, este caracter passou também a ser usado com os significados de eliminar e arrasar. Mais tarde foram as sociados os significados de liso, obscurecido ou invisível. O conhecimento destes factos tornou possível optar- se por raso, em vez de invisível, o que transmite ao leitor português a imagem poética evocada pela grafia e pela etimologia do caracter escolhido pelo autor. Passa-se o mesmo com o ca racter que foi traduzido por inaudível (希), cuja grafia parece evocar um tecido (巾) raro, com fibras entrelaçadas, e que, embora possa significar ténue ou inaudível, é também usado com o significado de estranho, raro, espaçado, breve, ou de fazer uma pausa, cessar, ir gradualmente parando ou tornar-se silencioso. Quanto ao caracter traduzido por impalpável (微), cuja grafia parece evocar uma pessoa (人) numa estrada (彳) batendo (殳) numa planta (山), para remover as suas fibras finas, o seu significado literal é pequeno, fino, diminuto, sub til, obscuro, oculto.

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De facto, um tradutor que estude cuidadosamente o texto original e os aspectos semiológicos e etimológicos da sua linguagem, rapidamente se apercebe de que ele é muito mais interessante e poético do que a grande maioria dos textos das traduções existentes.

Os padrões rítmicos no texto original O facto de se fazer a tradução a partir do estudo mais cui dadoso do texto original, permite não só um maior respei to pela sua dimensão poética como também pelo padrão estilístico, sempre altamente rítmico, usado no encadea mento das frases de cada estrofe. Para tornar mais claros esses padrões estilísticos, optou-se por apresentar o texto original chinês seccionado em linhas e, ao lado de cada linha de texto em português, os caracteres chineses que lhe correspondem. Essa opção permite também ao leitor perceber claramente quais foram os caracteres que deram origem a cada frase em português.

曲則全 不 為 少 曲

枉則直 自 天 則 則

窪則盈 伐 下 得 全

敝則新 故 式 多 枉

少則得 有 不 則 則 多則惑 功 自 惑 直 不 見 是 窪

是以聖人抱一 自 故 以 則

為天下式 矜 明 聖 盈

不自見故明 故 不 人 敝

不自是故彰 長 自 抱 則

不自伐故有功 是 新 不自矜故長 故 彰

Figura 1 - capítulo 22

Na Figura 1, apresenta-se à direita o texto original das pri meiras duas estrofes do capítulo 22, em colunas, e à esquer da o texto seccionado, que torna mais óbvios os padrões repetitivos no texto. Note-se que, como no chinês clássico não existem sinais de pontuação, é o padrão repetitivo, que se detecta nos primeiros dezoito caracteres, que facilita a percepção de que o texto é composto por seis frases, cada uma com três caracteres. Embora, em termos da literatura chinesa, o Dao De Jing não seja considerado uma obra poé tica, esse padrão repetitivo, que se destina essencialmente a facilitar a leitura e a memorização da obra, sugere imedia tamente a um ocidental, por si só, uma forma poética. Esta apresentação torna também mais claro o facto de, nesta nova tradução, ter havido o cuidado de respeitar a estrutura das frases do original. Note-se, por exemplo, que na referida tradução portuguesa as primeiras seis frases deste capítulo foram traduzidas por «Quem se dobra permanecerá intei ro,/ Quem se inclina será reerguido,/ Quem está vazio será repleto,/ Quem estiver gasto será renovado,/ Quem pouco sabe terá conhecimento seguro,/ Quem muito sabe ficará na dúvida». Na presente tradução procurou-se replicar em português a estrutura de cada uma das frases do texto origi nal, composta por apenas três caracteres (<dobrar> <então> <intacto>, <torcer> <então> <direito>, etc. ), e onde o carac ter do meio é sempre o mesmo:

Se dobra, ficará intacto

Se torce, ficará direito

Se é oco, ficará cheio

Se foi gasto, será renovado Se é pouco, será obtido.

Se é demasiado, será suspeito.

Para além do facto de ter havido uma escolha mais crite riosa das palavras usadas, muito importante para contri

buir para a sua legibilidade poética, não se acrescentou «quem» ou «aquele que», respeitando o facto de nessas seis frases não estar implícita ainda nenhuma atitude comportamental humana. Só na secção seguinte se diz ser essa a razão pela qual quem é sábio não se exibe, não é arrogante, nem se acha sempre certo. E, como já foi referido, isso é claramente propositado, destinando-se a exigir do leitor o esforço de estabelecer a relação semân tica entre a secção inicial, que neste caso parece apenas descrever o que acontece a um objecto flexível ou oco, e a que se lhe segue, onde se fala do comportamento de uma pessoa sábia.

O respeito pelo padrão estilístico original exigiu um estudo especialmente cuidado em várias passagens mais problemáticas. Um exemplo disso é a tradução das oito frases do capítulo 71:

Saber não sabendo é o melhor. Ignorar o saber é uma doença. Mas só adoecendo da doença se deixa de estar doente.

Quem é sábio não está doente por ter adoecido da doença. Só esse adoecer da doença fez com que não esteja doente.

seu autor, contribuindo para que o leitor, empenhado na sua compreensão, seja forçado a olhar o mundo por um ângulo fora do comum.

É muito importante preservar numa tradução do Dao De Jing o estilo misterioso e paradoxal usado originalmen te, que corresponde a uma espécie de falar sem falar que convida o leitor a transcender o significado imediato das palavras utilizadas. Há uma grande variedade de tradu ções, muitas delas feitas com base noutras traduções, que apresentam erros originados na falta de conhecimento sinológico. Mas, geralmente, o seu principal defeito é o de não preservarem traços evocadores do estilo do texto de partida, que é claramente indissociável do objectivo do seu ou seus autores.

Bibliografia

知不知上 不知知病 夫唯病病 是以不病

聖人不病 以其病病 夫唯病病 是以不病

Note-se que o estilo do texto original, que usa repeti damente o caracter 病, cuja grafia representa um doente ( 丙) deitado numa cama (爿) e que pode significar doença, defeito, falha ou adoecer, é totalmente respeitado no texto traduzido.

Na tradução portuguesa acima citada, em que se optou por traduzir esse caracter por erro, as quatro últimas frases foram traduzidas por «O santo não comete nenhum erro/ Porque toma consciência deles,/ Eis porque evita todos os erros.» Como não é fácil encontrar uma tradução do texto que soe bem e faça sentido em português, em vez de pro curar seguir o mais literalmente possível o texto original, o tradutor substituiu-o por duas frases — claramente in fluenciadas pelo pensamento confuciano — que afirmam que quem é sábio não comete nenhum erro, por tomar consciência deles. Contudo, o texto original recomenda o esquecimento consciente do que se aprendeu. A dificulda de de interpretação do capítulo prende-se com o facto de nele se usar um estilo paradoxal, típico da filosofia taoista, para apresentar o conceito de saber sem saber, ou seja, um saber essencialmente inconsciente. Quando um passo do texto é de mais difícil interpretação, verifica-se que muitos tradutores optam por traduzir, em vez dele, o comentário de algum antigo erudito chinês que o procurou explicar. No entanto, é preferível ficar-se apenas pelo que nele se descreve, sem o ultrapassar, evitando conclusões precipi tadas, porque as interpretações erradas são precisamente as mais fáceis de encontrar.

Um exemplo disso mesmo é a frase 千里之行始於足下, que ocorre no capítulo 64 e que é geralmente traduzida por «Uma viagem de mil léguas começa por um só passo.» De facto, os dois últimos caracteres, que foram traduzidos por «um só passo», significam pé e debaixo. Por isso, em conjunto, referem-se ao que está debaixo do pé ou à parte de baixo do pé. Ou seja, o que se diz é que «Uma viagem de mil léguas começa debaixo dos nossos pés» ou, alter nativamente, que «Uma viagem de mil léguas começa na planta dos pés». Traduzida assim, a frase não transmite a ideia de que cada viagem começa no primeiro passo mas sim de que cada acção começa «antes de começar», ou seja, de que devemos dedicar muita atenção aos momen tos que antecedem o primeiro passo, e que cada acção deve surgir tranquila e naturalmente a partir da inacção que a antecede. Como se vê, o modo como esta frase é usualmente traduzida, e que eventualmente soará melhor a um leitor ocidental, elimina a possibilidade desta inter pretação do texto original. E, se se considerar que a sua tradução literal resulta mais estranha ou enigmática, esta nova opção estará por certo mais próxima da intenção do

• LAO TSE, Tao Te King — Livro do Caminho e do Bom Caminhar, tradução e comentários de António Miguel de Campos, Relógio D’Água Editores, 2010.

• GRAHAM, Angus C. — Witter Bynner’s version of Lau Tzu, in A Companion to Angus C. Graham’s Chuang Tzu, Harold D Roth ed., University of Hawai’i Press, Honolulu, 2003.

• BILLETER, Jean-François, Leçons sur Tchouang-Tseu, Éditions Alia, Paris, 2002.

• LAO TSE, Tao Te King , tradução, introdução e notas de António Melo, 5ª edição, Editorial Estampa, Ltd., 1996.

• GRANET, Marcel, — Quelques particularités de la lan gue et de la pensée chinoises, in Essais sociologiques sur la Chine, Presses universitaires de France, 2ª edi ção, Paris, 1990.

Notas

1 Lao Tse, Tao Te King— Livro do Caminho e do Bom Ca minhar, tradução e comentários de António Miguel de Campos, Relógio D’Água Editores, 2010.

«美成在久», 莊子 (Chuang Tse), IV,3.

2 «Nichts erreicht, wenn sie es nicht lento erreicht», Frie drich Nietzsche, Prelúdio de“Morgenröte”, in Werke in Drei Banden, Munich, Hanser, 1973, vol. 1, p. 1016.

3 Embora a maioria dos linguistas insistam que se deve escrever e pronunciar o singular de caracteres como carácter, prefiro usar a forma caracter pois é assim que o pronuncio, não gostando da grafia caractere, usada no português do Brasil.

Cf. «Un poème est un mystère dont le lecteur doit chercher la clef», Stéphane Mallarmé, in Enquête sur l’évolution littéraire, Jules Huret ed., Bibliothèque -Charpentier, 1891, pp. 55-65. 6 «言者所以在意得意而 忘言», 莊子 (Chuang Tse), XXVI, 11.

7 A. C. Graham, “Witter Bynner’s version of Lau Tzu”, in A Companion to Angus C. Graham’s Chuang Tzu, Ha rold D Roth ed., University of Hawai’i Press, Honolulu, 2003, p. 135.

8 Ibid., p. 134-135.

Respectivamente, os caracteres 駔, 騠, 駘, 驏, 驖, 驔, 駹 e 雒.

9 O glossário completo está disponível em http:// pt.scribd.com/doc/46396700/Glossario-Tao-Te-King.

10 Marcel Granet, “Quelques particularités de la langue et de la pensée chinoises”, in Essais sociologiques sur la Chine, Presses universitaires de France, 2ª edição, Paris, Abril 1990, pp.45-46.

11 Cf. «Ce n’est pas avec des idées qu’on fait des vers, c’est avec des mots», Stéphane Mallarmé, in Psycholo gie de l’art, Henri Delacroix ed., Presses Universitaires de France, 1927.

12 Lao Tse, Tao Te King , tradução, introdução e notas de António Melo, 5ª edição, 1996, Editorial Estampa, Ltd.

13 Versão encontrada em 1993, num túmulo datado do período de meados do século IV ao início do século III a.C. em Guodian, China.

14 Foto apresentada no artigo de Andrea Shen intitulado “Ancient script rewrites history: ‘This is like the disco very of the Dead Sea Scrolls’”, Harvard University Ga zette, Fevereiro, 2001.

VIA do MEIO
10 14.11.2022 segunda-feira

OPresidente da China, Xi Jinping, vai participar na cimeira do G20 esta sema na, em Bali, na Indonésia, onde se reunirá com o ho mólogo norte-americano, Joe Biden, confirmou na sexta-feira o ministério dos Negócios Estran geiros chinês.

Xi vai reunir também, à mar gem da cimeira, com o Presidente francês, Emmanuel Macron, o líder argentino, Alberto Fernández, e com o senegalês Macky Sall. O também secretário-geral do Partido Comunista da China vai ainda participar na 29.ª reunião dos líderes da Cooperação Econó mica Ásia - Pacífico (APEC), em Banguecoque, e realizar uma visita oficial à Tailândia, entre os dias 17 e 19 de Novembro, acrescentou, em comunicado, a diplomacia chinesa.

Embora a Casa Branca tenha anunciado, na quinta-feira, que os dois líderes se iam encontrar hoje, um dia antes do início da cimeira do G20, a China não tinha ainda confirmado a participação de Xi, nem o encontro com Biden.

A Casa Branca garantiu que o Presidente norte-americano não fará concessões a Xi durante a reu nião, reafirmando que não deseja conflitos, mas sim competir com o país asiático.

As relações entre Pequim e Washington deterioraram-se ra

Frente a frente

pidamente, nos últimos dois anos, marcadas por uma prolongada guerra comercial e tecnológica e divergências em questões de Direitos Humanos, soberania do Mar do Sul da China ou o estatuto de Taiwan e Hong Kong.

De longa data

Biden garantiu que Taiwan vai ser um tema a abordar na conversa com o líder chinês. Um porta-voz do mi nistério dos Negócios Estrangeiros chinês disse na passada quinta-feira que a “China está pronta para a coe xistência pacífica com os Estados Unidos e um relacionamento baseado

no respeito mútuo e na cooperação”, acrescentando que, ao mesmo tempo, defenderá a sua “soberania, seguran ça e interesses de desenvolvimento”.

“É importante que lidemos adequadamente com as diferenças para evitar mal-entendidos e erros de cálculo”, acrescentou.

Biden e Xi partilham um longo relacionamento pessoal: os dois conheceram-se há mais de uma dé cada quando eram vice-presidentes e reuniram-se várias vezes. O encontro desta semana será, no entanto, a pri meira vez que se reúnem de forma presencial na posição de chefes de Estado, embora tenham realizado duas reuniões por vídeo-conferência no ano passado.

SEM STRESS

O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse ontem estar numa posição “mais forte” para um encontro com o líder chinês, Xi Jinping, após os democratas te rem mantido o controlo da câmara alta do parlamento norte-americano. “Sinto-me bem e estou ansioso pelos próximos dois anos”, disse Biden na capital do Camboja, Phnom Penh, onde terminou ontem a cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).”Conheço Xi Jinping, ele conhece-me”, acrescentou Biden, dizendo que sempre tiveram “discussões francas”. “Temos muito poucos desentendimentos. Só precisa mos de determinar quais são as linhas vermelhas”, disse Biden.

ASEAN LÍDERES PEDEM UNIDADE

Olíder do Camboja, que ocupa a presidência rotativa da ASEAN, pediu ontem unidade, dizendo, numa cimeira que incluiu Rússia, China e Estados Unidos, que as actuais ten sões globais estão a afectar todos os países. O primeiro -ministro cambojano, Hun Sen, disse em Phnom Penh, na abertura da cimeira do Sudeste Asiático, que é do interesse comum do mundo cooperar para resolver as di ferenças de forma pacífica.

A cimeira do Sudeste Asiático juntou na capital do Camboja os líderes da Asso ciação das Nações do Sudes te Asiático (ASEAN) e os de Austrália, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão, Nova Zelândia e Rússia. Sem referir nenhuma

nação, Hun Sen disse esperar que os líderes adoptem um “espírito de união na defesa do multilateralismo aberto e inclusivo, pragmatismo e respeito mútuo ao abordar os desafios existenciais e estratégicos que todos en frentamos”.

AASEAN é formada por Brunei, Camboja, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar (antiga Birmâ nia), Singapura, Tailândia e Vietname. Na sexta-feira, os líderes da ASEAN anuncia ram ter chegado a um acordo de princípio para integrar Timor-Leste na organização regional, explicando que os próximos passos serão “um roteiro com critérios objectivos até à participação plena”, que pode ocorrer na cimeira de 2023.

HONG

KONG NEGADA FIANÇA A PORTUGUÊS ACUSADO DE SEDIÇÃO

UM tribunal de Hong Kong negou pela se gunda vez fiança a um cidadão português de 40 anos, detido por suspeitas do crime de sedição, avançou a imprensa da região.

Segundo notícias divul gadas no sábado, um juiz negou o pedido de fiança, apresentado directamente pelo suspeito, numa sessão realizada na sexta-feira.

O suspeito, que já tinha visto o mesmo tribunal negar-lhe fiança a 4 de Novembro, não esteve pre sente na sessão, dispensou o advogado de defesa e disse ao tribunal não precisar de um advogado oficioso.

O homem, professor no Royal College of Music no Reino Unido, disse ainda não ter intenção de pedir novamente

UE Pedido que Pequim convença Rússia a respeitar o direito internacional

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, encorajou no sábado a China a “usar todos os meios” para convencer a Rússia a respeitar o direito internacional, poucos dias antes da cimeira do G20 dominada pelas consequências do conflito na Ucrânia. “Encorajamos as autoridades

chinesas a usar todos os meios à sua disposição para convencer a Rússia a respeitar as fronteiras internacio nalmente reconhecidas, a respeitar a soberania da Ucrânia”, disse Charles Michel à Agência France-Presse (AFP). O responsável falava em Phnom Penh, no Camboja, onde se

encontrou este fim de semana com líderes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). “É impor tante neste momento brutal da história da humanidade que haja cooperação internacional e o G20 será mais uma oportunidade de nos olharmos nos olhos”, afirmou.

fiança após oito dias, pelo que ficará detido de forma preventiva até ao julgamento, marcado para 26 de Janeiro do próximo ano.

A sessão contou com a presença de representantes da Delegação da União Europeia em Hong Kong.

O cidadão português foi acusado ao abrigo de uma da era colonial britânica. As autoridades de Hong Kong acusam o

homem de “trazer ódio e desprezo” e “estimular o descontentamento” contra o governo, promover a “de sobediência” civil e “in citar à violência” através de publicações em redes sociais feitas entre 9 de Outubro e 1 de Novembro.

Em resposta enviada à Lusa a 4 de novembro, o Ministério dos Negócios Es trangeiros (MNE) português disse ter “conhecimento da

detenção de um cidadão portador de passaporte por tuguês em Hong Kong”.

“De momento, o MNE, através do consulado-geral de Portugal em Macau, está a diligenciar junto das autoridades de Hong Kong para apurar mais elementos sobre este caso, bem como informar em conformidade a família, da qual foi rece bido contacto”, referem as autoridades portuguesas.

MÁRIO MORAIS ALVES Falecimento

A família enlutada de Mário Morais Alves cumpre o doloroso dever de informar os familia res e amigos que este seu ente querido faleceu no dia 9 de Novembro de 2022.

A família enlutada comunica que o velório se realiza no dia 16 de Novembro de 2022, na Casa Mortuária Diocesana com uma missa pelas 20 horas.

No dia 17 realiza-se uma missa com corpo presente pelas 11:30 horas na Casa Mortuária Diocesana.

Antecipadamente se agradece a todos quantos queiram participar no piedoso ato.

china 11 segunda-feira 14.11.2022 www.hojemacau.com.mo G20 CONFIRMADO ENCONTRO DE XI JINPING COM JOE BIDEN
A Casa Branca garantiu que o Presidente norte-americano (...) não deseja conflitos, mas sim competir com o país asiático
“É importante que lidemos adequadamente com as diferenças para evitar mal-entendidos e erros de cálculo.”
MNE CHINÊS

ALBERGUE SCM MESTRE MIO PANG FEI RECORDADO AMANHÃ

OCírculo dos Amigos da Cultura de Macau (CAC) organiza amanhã No Albergue SCM um evento para comemorar a contribuição do mestre Mio Pang Fei para o de senvolvimento das artes em Macau. A palestra intitulada “Recordando o Mestre Mio Pang Fei”, com início marcado para as 18h30, conta com a partici pação de vários membros do CAC, incluindo Carlos Marreiros, Ung Vai Meng, Noah Ng Fong Chao e Tong Chong.

Uma nota biográfica emitida pelo Albergue SCM refere que Mio Pang Fei nasceu em Xangai em 1936 e estudou na Facul dade de Belas Artes da Universidade de Fujian, onde foi influenciado pelo professor Tou Ba Xie e o mestre Su Hai. Em 1982, fixou-se em Macau e em 1986 viajou pela Europa onde absorveu tudo o con seguiu sobre a pintura mo derna. Quando regressou a Macau, ocupou o cargo de vice-reitor e professor na Academia deArtes Visuais e no Instituto Politécnico de Macau.

Em colaboração com Carlos Marreiros e outros artistas locais, formou o CAC, introduzindo em Macau a apreciação pela arte contemporânea. Expôs individualmente inúmeras vezes, em in contáveis locais, e os seus trabalhos estão incluídos em colecções de museus espalhados pelo mundo.

Aorganização do even to destaca ainda que Mio Pang Fei é “um dos mais importantes artistas con temporâneos de Macau”, um acérrimo apoiante do desenvolvimento das artes locais e, “por muitos anos, uma inspiração para os artistas” do território. J.L.

Tónica local

Rebeca Fellini e o marido acabam de criar a primeira marca de gin “Made in Macau”, intitulada “Owl Man”. A bebida é totalmente produzida no território, numa destilaria localizada na Taipa, e pretende mostrar o nome de Macau ao mundo. A produção é recente e, para já, as garrafas são vendidas online e em alguns pontos de venda presenciais

“O

WL Man”

é o nome da nova marca de gin totalmente produzida pela mão de Rebe ca Fellini e do marido. A destilaria fica na Taipa e a ideia do negócio começou há cerca de dois anos, durante a pandemia. “O meu marido já produzia cerveja apenas pelo gosto de o fazer. Quando apareceu a pandemia fechou

tudo, ficámos presos em Macau e um dia disse-me que, como eu não gostava de cerveja, queria fazer gin. No aniversário dele dei-lhe um kit”, contou Rebeca Fellini ao HM.

Começava então uma viagem atribulada, com muita burocracia e desa fios por enfrentar por se tratar do estabelecimento de uma nova marca de uma bebida alcoólica no

território. Finalmente com uma licença de produção obtida há poucas semanas, já se podem encontrar as primeiras garrafas de “Owl Man” no mercado. “Não exportamos ainda. Este mês estamos em exclusividade num centro comercial em Macau. No próximo mês estaremos num supermer cado para venda online e depois em alguns bares e restaurantes.”

O confinamento acabou por fomentar a ideia deste negócio. “Na pandemia co meçamos todos a beber mais, por estarmos presos em casa, mas houve uma coisa boa, que foi o facto de muitos serviços terem passado a funcionar online. Para nós foi muito positivo. O meu marido começou a pesquisar sobre destilarias e o mundo maravilhoso do gin e eu também comecei a pesquisar mais sobre esta área.”

12 eventos 14.11.2022 segunda-feira www.hojemacau.com.mo
NEGÓCIOS CASAL CRIA O “OWL MAN”, O PRIMEIRO GIN PRODUZIDO EM MACAU

Há dois anos, um dos primeiros desafios foi encon trar água tónica no mercado, algo que hoje já se consegue encontrar com maior facili dade. Depois, iniciou-se uma viagem pelos sabores do gin e pela aprendizagem de todo o processo de destilação.

“Ficámos fanáticos, e eu gosto muito de gin. Foi aí que percebemos que po deríamos produzir o nosso próprio gin. Um dia o meu marido resolveu enviar um email para o Instituto de

Com uma licença de produção obtida há poucas semanas, já se podem encontrar as primeiras garrafas de “Owl Man” no mercado

Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM). Muitas pessoas disseram-nos que seria im possível fazer gin em Ma cau. Foi muito difícil, foram dois anos gastos na criação de um lugar, em encontrar uma destilaria, a tratar do processo de importação e exportação. Queríamos que fosse um produto de Macau”, adiantou Rebeca Fellini.

Fazer a diferença

Uma vez que Rebeca Felli ni é professora e formada em linguística, o nome do produto acabou por nascer de uma brincadeira com as línguas, pois Macau, em mandarim, é “Aomen”, palavra que, quando dita, é semelhante a “Owl Man”. “Tentámos que quem não soubesse falar Macau em chinês conseguisse dizer a palavra com este trocadilho.

Queremos representar Ma cau em mandarim brincando com a fonética, para que a pessoa consiga ler ‘Owl Man’ e dizer ‘Macau’ em mandarim.”

Rebeca Fellini confessa que pretendem apostar num produto diferenciador face a outros gins que já existem no mercado. “Quisemos que o gosto do gin pudesse, com uma simples água tónica,

ser apreciado por pessoas que não sejam especialis tas em gin. Há quem tenha de misturar o gin com diferentes águas tónicas para conseguir um paladar. Além disso, só existem dez exemplares no mundo da máquina que usamos para fazer a destilação.”

A bebida é feita, na maioria, com produtos locais, embora o casal também importe algumas especiarias. Rebeca Fellini confessa que, para já, a produção de gin é a aposta principal, mas a porta não está fechada à produção de outras bebidas alcoólicas.

“A destilação pode ser aplicada a outros processos, como o whisky. Queremos fazer outras bebidas, mas isso são planos para o futuro”, concluiu. Andreia Sofia Silva

IC Dois concertos de Natal no Lago Sai Van

A presidente do Instituto Cultural (IC), Leong Wai Man, indicou que serão organizados dois concertos na Praça do Lago Sai Van nas noites de véspera de Natal e no dia de Natal, que se juntam à lista de festividades programadas para a época. Em declarações citadas pelo jornal Ou Mun, Leong Wai Man indicou que o IC está a convidar cantores para os eventos e que os concertos têm o objectivo de atrair mais turistas, além dos eventos musicais previstos para as noites de fim do ano e véspera de ano novo chinês. O IC espera que os concertos de Natal sejam vistos por cerca de 1000 visitantes. Apesar de as quarentenas terem aumentado um dia para os estrangeiros, que não têm casa em Macau onde fazer quarentena, Leong Wai Man considera que o isolamento “5+3” é um estímulo positivo para organizar actividades culturais com artistas estrangeiros em Macau.

Conquistas lusas

Três filmes portugueses premiados em Sevilha

OS filmes “Fogo Fá tuo”, de João Pedro Rodrigues, “A Noi va”, de Sérgio Tré faut, e “Viagem ao Sol”, de Susana Sousa Dias e Ansgar Schaefer, foram premiados no Festival de Sevilha, anunciou sábado o júri, no encerramento do certame.

“Viagem ao Sol” e “A Noiva” foram distinguidos na secção Novas Vagas (Nuevas Olas), dedicada a perspectivas “mais radicais e inventivas” do cinema de produção europeia, com os prémios, respectivamente, de Melhor Filme de Não Ficção e Prémio Especial das Novas Vagas, enquanto “Fogo Fátuo” recebeu o Prémio Especial do Júri, na competição principal.

O filme de João Pedro Rodrigues foi escolhido pela “habilidade” de abor dar “com humor, fantasia e grande originalidade te mas tão importantes como a relação entre as classes altas e o povo, o colonialis mo e o amor arrebatado”. “Fogo Fátuo” foi premiado em ex aequo com “Close”, do belga Lukas Dhont.

“Viagem ao Sol”, de Su sana de Sousa Dias e Ansgar Schaefer, prémio de Melhor Filme de Não Ficção Novas Vagas, foi destacado pelo “compromisso político” assumido “plano a plano”, sempre com “elegância e humanidade”.

Este filme, acrescen ta a declaração do júri, “descobre vozes e feridas” esquecidas de crianças

austríacas enviadas para Portugal no termo da II Guerra Mundial, vivendo, deste modo, “um duplo desenraizamento” e “uma dupla infância”.

“A Noiva”, de Sérgio Tréfaut, recebeu o Prémio Especial Novas Vagas pela sua “perspectiva de pro ximidade a uma realidade tão atual como as noivas” do grupo terrorista Estado Islâmico.

Na sua declaração, o júri desta secção compe titiva destaca igualmente “a coragem de retratar uma mulher numa situação de violência extrema, sem a vitimizar”, e a capacidade do cineasta “de denunciar um assunto tão negligen ciado através de uma abor dagem formal atractiva”.

Racismo em destaque

O Grande Prémio desta edi ção do Festival de Cinema de Sevilha (Giraldillo de Ouro) foi entregue a “Saint Omer”, primeira longa -metragem de ficção da cineasta francesa de origem senegalesa Alice Diop.

O filme aborda o racis mo, a complexidade das suas manifestações, origens e consequências, numa so ciedade multicultural, em permanente conflito, inspi rado no caso de uma mulher que provocou a morte do seu filho recém-nascido.

A 19.ª edição do Festi val de Sevilha teve início no passado dia 04 e en cerrou ontem, na cidade andaluza.

eventos 13 segunda-feira 14.11.2022 www.hojemacau.com.mo
“Quisemos que o gosto do gin pudesse, com uma simples água tónica, ser apreciado por pessoas que não sejam especialistas em gin.”
REBECA FELLINI

UMA SÉRIE HOJE

MADE IN ITALY | 2019

“Made in Italy” é uma série italiana de apenas oito episódios que conta a história do mundo da moda no país na década de 70 da perspec tiva de uma jornalista. Em 1975, Irene, filha de imigrantes do sul de Itália, começa a trabalhar na revista de moda “Appeal” para pagar os estudos universitários e depressa tem acesso a todo um mundo novo onde nomes como Giorgio Armani, Krizia, Miuccia Prada, Missoni, Ferré, Elio Fiorucci, Versace ou Valentino são os protagonistas. A par com o crescimento do mundo da moda, a série retrata também as mudanças sociais da época.

Andreia Sofia Silva

Propriedade Fábrica de Notícias, Lda Director Carlos Morais José Editores João Luz; José C. Mendes Redacção Andreia Sofia Silva; João Santos Filipe; Nunu Wu Colaboradores Anabela Canas; António Cabrita; Ana Jacinto Nunes; Amélia Vieira; Duarte Drumond Braga; Gonçalo Waddington; José Simões Morais; Julie Oyang; Paulo Maia e Carmo; Rosa Coutinho Cabral; Rui Cascais; Sérgio Fonseca; Colunistas André Namora; David Chan; João Romão; Olavo Rasquinho; Paul Chan Wai Chi; Paula Bicho; Tânia dos Santos Grafismo Paulo Borges, Rómulo Santos Agências Lusa; Xinhua Fotografia Hoje Macau; Lusa; GCS; Xinhua Secretária de redacção e Publicidade Madalena da Silva (publicidade@hojemacau.com.mo) Assistente de marketing Vincent Vong Impressão Tipografia Welfare Morada Pátio da Sé, n.º22,

Aviso

Candidatura ao Programa de Co-financiamento FDCT - MOST 2022

Nos termos do Acordo entre o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China e o Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia de Macau relativo ao Co-financiamento Destinado aos Projectos de Investigação realizados através da Cooperação entre o Interior da China e Macau, o Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia de Macau (FDCT) e o Ministério da Ciência e Tecnologia da China (MOST) realizam em conjunto o programa de co-financiamento aos projectos de investigação científica de 2022.

I. Objectivo

Em resposta às necessidades de desenvolvimento social e económico de Macau, aproveitar plenamente as vantagens e características das forças de investigação científica do Interior da China, promover a complementaridade dos recursos científicos e tecnológicos entre o Interior da China e Macau, reforçar o papel motor da ciência e tecnologia no desenvolvimento social e económico, e impulsionar o intercâmbio e a cooperação nos campos de ciência e tecnologia entre os investigadores científicos do Interior da China e de Macau.

II. Prioridade de apoio

As principais áreas de apoio são: informação electrónica, biomedicina, conservação de energia e protecção ambiental, ciência de novos materiais, ciência aeroespacial e marinha, etc. Será dada prioridade a três tipos de projectos, nomeadamente os projectos que resolvam os gargalos tecnológicos no desenvolvimento social e económico, que integrem estreitamente a indústria e as aplicações, e que tenham as perspectivas de transferência e transformação.

III. Condições de candidatura

Podem candidatar-se ao apoio financeiro:

(1) Instituições de ensino superior sujeitas à tutela do Governo da RAEM;

(2) Laboratórios e outras entidades da Região Administrativa Especial de Macau vocacionados para actividades de I&D científico e tecnológico;

(3) Instituições privadas sem fins lucrativos registadas na RAEM;

(4) Empresários e empresas comerciais registados na RAEM.

IV. Período de candidature de 14 de novembro de 2022 até 30 de dezembro de 2022

V. Método de candidatura

VI. Outro

Por favor, preencha o plano de candidatura no sistema online de candidatura a apoio financeiro.

As áreas prioritárias de apoio, as condições de candidatura e o processo de avaliação encontram-se nos guias de candidatura disponíveis no website do FDCT.

Endereço: Avenida do Infante D. Henrique, n º 43-53A, Edf. “The Macau Square” 11 º andar K, Macau; telefone de consulta: 28788777, fax: 28722680, e-mail: saf@fdct.gov.mo.

Presidente do Conselho de Administrativo do FDCT Chan Wan Hei 10 de Novembro de 2022

TEMPO MUITO NUBLADO MIN 21 MAX 27 HUM 65-98% UV 4 (MODERADO) • EURO 8.36 BAHT 0.22 YUAN 1.13
Edf. Tak
R/C-B,
www. hojemacau. com.mo SUDOKU SOLUÇÃO DO PROBLEMA 31 PROBLEMA 32 31 689125743 321467859 574938621 463719285 918256437 257384196 892673514 146592378 735841962 869237415 172465938 435198627 916372584 527846391 384519762 33 683154927 152397486 749682153 814923675 975861234 326475819 598716342 231549768 467238591 34 186534279 324879651 957162438 872643915 413795862 569218743 645921387 231487596 798356124 35 671598234 842631759 935274618 364789125 258316497 197425386 523867941 416953872 789142563 36 378564912 129738654 564192783 845216379 236987145 917453826 483621597 751349268 692875431 32 5914 286319 925 86 15 29 43 27 178 578631 8596 34 837 3891 764 7631 4382 6284 523 2476 952 36 71 1784 41927 4537 61 1782 36215 7398 93 PUB. 14 [f]utilidades www.hojemacau.com.mo 14.11.2022 segunda-feira CINETEATRO CINEMA BLACK PANTHER: WAKANDA FOREVER SALA 1 BLACK PANTHER: WAKANDA FOREVER [B] Um filme de: Ryan Coogler Com: Letitia Wright, Lupita Nyong’o, Danai Gurira 14.30, 18.15, 21.15 SALA 2 VIRUS: 32 [C] FALADO EM ESPANHOL LEGENDADO EM CHINÊS E INGLÊS Um filme de: Gustavo Hernández Com: Paula Silva, Daniel Hendler 14.30, 19.30, 21.30 BLACK PANTHER: WAKANDA FOREVER [B] Um filme de: Ryan Coogler Com: Letitia Wright, Lupita Nyong’o, Danai Gurira 16.30 SALA 3 TABLE FOR SIX [B] FALADO EM CANTONÊS LEGENDADO EM CHINÊS E INGLÊS Um filme de: Sunny Chan Com: Dayo Wong, Stephy Tang, Louis Cheung Kai Chung, Ivana Wong 14.30, 19.15 BLACK ADAM [C] Um filme de: Jaume Collet-Serra Com: Dwayne Johnson, Pierce Brosnam, Aldis Hodge 16.45, 21.30
Fok,
Macau; Telefone 28752401 Fax 28752405; e-mail info@hojemacau.com.mo; Sítio www.hojemacau.com.mo

O BOBO DA FESTA

NEM IMAGINAM o que foi a semana pas sada na política portuguesa. Está tudo doido. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa começou logo a semana a bater no Governo sobre os tais PRR, mais conhecidos como “bazuca”, porque não estava a ser gasto o dinheiro que a Europa nos ofereceu. Depois, assistiu-se a um chorrilho de notícias todos os dias e a toda a hora por causa do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, por ser suspeito de corrupção e negócios ilícitos quando foi presidente da Câmara de Caminha. Em primeiro lugar, a culpa é toda de António Costa. O líder do PS conhece o lisboeta Miguel Alves desde a Juventude Socialista e colocou-o como seu assessor quando foi ministro da Admi nistração Interna e presidente da Câmara de Lisboa. Seguidamente enviou-o para presidir à edilidade de Caminha. Para Caminha, porquê? Miguel Alves era um socialista de peso e sempre na capital. Pois, foi para Caminha e o Ministério Público já está a gastar centenas de horas com a investigação a vários comportamentos alegadamente ilícitos de Miguel Alves incluindo ter pago a um empresário que mal conhecia a verba de 300 mil euros para a construção de uma obra que passados dois anos ainda está no papel ou na gaveta da secretária do actual presidente da Câmara de Caminha. Bem, Miguel Alves foi durante toda a semana o grande “bobo da festa”. Não houve um comentador de televisão que não dissesse

que o caso era muito grave e que o primeiro -ministro tinha de demitir o seu amigo que tinha levado para S. Bento apenas há menos de dois meses, com a agravante do cargo que Alves foi ocupar já nem existir há muito.

O primeiro-ministro andava de cabeça perdida, não respondia a pergunta alguma dos jornalistas, até que deve ter dito ao seu homem de mão para se demitir. E assim, Miguel Alves pede a demissão e como não deve ter praticado nenhum crime afirmou que sai de “consciência tranquila”...

Esta maioria absoluta governamental tem usado e abusado da falta de bom senso.

Os casos que têm levado o povinho a ficar desolado têm sido seguidos uns dos outros. Primeiro, foi a ministra da Saúde, Marta Temido, que se demitiu de madrugada por já não saber o que fazer na Saúde. Depois pediu-se a demissão do ministro das Infraes truturas, Pedro Nuno Santos, porque seria sócio de uma empresa cuja incompatibili dade era grave e ilegal exercendo o cargo governamental. Afinal, a montanha pariu um rato porque Nuno Santos tinha apenas um por cento na empresa de seu pai e já tinha passado a sua quota. Entretanto, já tinham exigido a saída do Governo da ministra da Ciência e Tecnologia, Elvira Fortunato, acusada de eventual conflito de interesses porque o seu marido, também professor e investigador, entrou como parceiro, através da Universidade Nova de Lisboa. A minis tra acabou por explicar tudo e dizer que não existia nada de eticamente reprovável. Sobre estes assuntos, António Costa nem uma palavra. Mas, os cambalachos políticos não ficariam sem conversa semanal e tema de protesto por parte da oposição, porque o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, não poderia exercer o cargo visto ser proprietá rio, como médico, de uma empresa ligada à saúde. O burburinho televisivo demorou uns dias e logo o ministro veio dizer que já não era sócio da dita empresa ou que já a tinha encerrado.

Todavia, o mais risível foi o folhetim do “bobo da festa” Miguel Alves. Pelos vistos,

foi para Caminha e as negociatas não para ram. Passou a arguido, mas isso não impedia que continuasse no cargo, mas de um dia para o outro foi acusado pelo Ministério Público em outro caso diferente. Pronto, ponto final à presença do amigo de António Costa em S. Bento, onde usufruía das maiores mor domias, incluindo um BMW topo de gama com motorista. A sua demissão era o mais lógico e antes que queimasse os sapatos ao primeiro-ministro apresentou a sua saída do cargo de secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, cargo que nunca ninguém chegou a saber para o que iria servir...

O compêndio das críticas aos membros do Governo ainda acabaria com a inclusão na “festa” da ministra Mariana Vieira da Silva, cuja competência deixa muito a desejar, e que foi contratar por mais de 4.000 euros um miúdo de 21 anos que acabou agora o curso, sem mestrado, e foi logo para seu assessor. Mas o recente licenciado será algum génio? Foi o melhor do curso? Tem alguma expe riência de administração pública? Percebe alguma coisa de gabinetes ministeriais? Isto, quase não se acredita e anda o país a assis tir a este regabofe sem sentido, quando há milhares de portugueses a viver na miséria sem verem dias melhores na sequência de uma boa governação.

Termino esta crónica com uma home nagem: a Jerónimo de Sousa, que durante muitos anos liderou o Partido Comunista com dignidade e dedicação exemplares.

vozes 15 segunda-feira 14.11.2022 www.hojemacau.com.mo
ai, portugal, portugal André Namora
Anda o país a assistir a este regabofe sem sentido, quando há milhares de portugueses a viver na miséria sem verem dias melhores na sequência de uma boa governação

ser

A pintura de Yuen e a cidade metamórfica

LEO YUEN WAI IP é um pintor de Macau e a sua obra desvela a cidade, nos traços executados a óleo e no plano íntimo da sua sensibilidade. Nesta pintura, que a crítica classificaria de “narrativa”, não se conta apenas uma cidade, mas o modo como esse lugar, esse espaço que oscila entre um real mutante e um imaginário exces sivo, se apresenta e inscreve ao longo do tempo, como paixão e como doença, num processo artístico, ao mesmo tempo que o canibaliza e consome.

Retratos de um coração, de uma alma e do corpo de uma cidade em constante e bizarra mutação, em que as personagens, incluindo o próprio pintor, surgem como coalho numa superfície fascinante e aris ca, cada quadro procura responder a uma questão cujos contornos se pressentem, mas que a razão tem dificuldade em formular rectilineamente e em que a única certeza é a presença da morte feita pássaro (como em Bruegel), presença nómada mas cons tante, grasnar formidável ou discreto, fim exposto ou disfarçado, sempre horizonte de um novo dia e fantasma celebrado ao cair de cada noite.

“5 a.m.” foi o título escolhido para esta exposição, que abrange mais de duas décadas de trabalho. Cinco horas da manhã ainda por haver, “a hora fria”, de que nos fala o poeta francês Charles Cros (1842-

se esgota e mentes insones se contorcem no sobressalto da iminência de uma outra madrugada. Em breve, vindas de leste, as mãos claras da

Além do seu conteúdo, da sensibilidade lúcida demonstrada, a pintura de Yuen assenta, antes de mais, na qualidade da sua técnica, na lenta sobreposição de traços a óleo sobre um desenho particular, onde a mão adquiriu uma personalidade própria e inimitável, algo que vai sendo cada vez mais raro nos tempos imediatistas em que vivemos

aurora rasgarão o manto protector da noite e a alma pergunta-se se terá ainda ânimo para enfrentar aquele dia, que se adivinha desfeito de sentidos.

E aqui, quadro após quadro, assistimos às metamorfoses que, nos últimos vinte anos, assombraram a cidade e aos efeitos produzidos na arte de Yuen, como se as respostas que a criatividade encontra para o indefinível absurdo de “ganhar algo e algo perder” fosse o único caminho para a possibilidade de enfrentar cada despertar para um novo dia. Da cidade distante dos anos 90, de vibrações semi-adormecidas, quase sonho de ópio, à expectativa gerada nos primeiros anos deste século, até ao irromper desmesurado do progresso, da invasão das cópias desalmadas, fora de outro lugar que não seja a ironia, ao esta belecer excessivo das luzes, das marcas, dos templos modernos a que chamamos casinos, gigantescas feiras e mercados, da invasão de tudo e do seu excesso, das multidões vazias de outra fé além do lucro fácil e na busca de deslumbramentos sa zonais, Yuen retrata sobretudo como tudo isto transforma, retorce, anula, vivifica e reconstrói modos de ser e de sentir, tudo

recriando sob a égide do esboroamento contínuo de valores. Se a isto juntarmos a digitalização da vida, das trocas, das rela ções interpessoais, da sexualidade, pouco encontraremos do “humano”, além da dor de uma sensibilidade insatisfeita, onde a culpa emerge irremediável, como no auto-retrato, que leva o revelador título de “Inimigo”. Esse “humano”, cercado e mergulhado em várias excessividades até lhe ser escassa a respiração, encontra esporadicamente um “paraíso”, já quase só longínqua memória, nos gestos proibidos e malditos, ilhas onde talvez ainda seja possível o reencontro consigo e com o outro.

Talvez um dia se escreva a história destes nossos tempos e desta cidade metamórfica, a partir da arte enquanto exorcismo e magia, ou seja, enquanto capacidade de leitura e intervenção no real. Talvez. Mas enquanto a humanidade não for capaz de adquirir a coragem de se olhar nos espelhos que pintores como Yuen nos proporcionam e assumir as questões que perpassam nas suas obras, dificilmente teremos uma imagem aproximada do que somos e naquilo em que lentamente nos tornamos. Tal como a “salvação” de Yuen reside na sua arte, no seu esplendor redentor e criativo, na ironia que enforma também muitas das suas obras (pois não é o riso um privilé gio dos deuses?), também cada um de nós deveria exigir essa difícil escalada que é a compreensão do mundo, sem mediações fúteis nem barreiras mercantis.

Além do seu conteúdo, da sensibilida de lúcida demonstrada, a pintura de Yuen assenta, antes de mais, na qualidade da sua técnica, na lenta sobreposição de traços a óleo sobre um desenho particular, onde a mão adquiriu uma personalidade própria e inimitável, algo que vai sendo cada vez mais raro nos tempos imediatistas em que vivemos.

“5 a.m.” por Leo Yuen Wai Ip Galaxy Art, por cima do Jade Lobby

segunda-feira 14.11.2022
Albert Einstein PALAVRA DO DIA
“Procure
um homem de valor, em vez de ser um homem de sucesso.”
1888), quando o calor que, ao longo noite, a terra ainda irradia finalmente Carlos Morais José

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