Hoje Macau 16 NOV 2020 #4671

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DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ

MOP$10

SEGUNDA-FEIRA 16 DE NOVEMBRO DE 2020 • ANO XX • Nº 4651

hojemacau

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ANOS

Segundo assalto ÓBITO

MIO PANG FEI

Não satisfeito com a sentença que ditou dois anos de prisão efectiva para o ex-presidente do IPIM, o Ministério Público já avançou com recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Mas não será o único. Também a defesa de Jackson

Chang, deverá recorrer da decisão do Tribunal Judicial de Base, assim como, muito provavelmente, Glória Batalha, condenada a um ano e nove meses e Miguel Ian, sentenciado a quatro anos de prisão efectiva. O jogo vai continuar.

(1936-2020)

PÁGINA 7

ENSINO

EM DEFESA DO CANTONÊS PÁGINA 5

TOXICODEPENDÊNCIA

COMBOIO DESCENDENTE PÁGINA 6

DESPORTO

AVANÇOS E RECUOS ÚLTIMA

CHEONG KIN I

À DESCOBERTA DA ESQUIZOFRENIA ENTREVISTA


2 ÓBITO

MIO PANG FEI PINTOR E PROFESSOR DE ARTES, FALECEU SEXTA-FEIRA AOS 84 ANOS

O PAI DE TODOS OS MOVIMENTOS

Mio Pang Fei, expoente máximo da pintura em Macau e do chamado neo-orientalismo, faleceu na sexta-feira com 84 anos. A morte do homem que ensinou uma geração de novos artistas a partir da década de 80 e que revolucionou o mundo das artes de Macau encerra uma era na arte contemporânea, considera Alice Kok. Várias personalidades do mundo artístico falam da “sorte” que Macau teve em acolher Mio Pang Fei

A

arte é inútil, mas os trabalhos artísticos são úteis.” É desta forma, sentado num carro, olhando Xangai, a sua cidade natal, que Mio Pang Fei fala da sua percepção do que é arte, filmado pela lente de Pedro Cardeira. Dono de uma carreira imensa no mundo das artes, percursor da arte contemporânea em Macau, Mio Pang Fei faleceu na sexta-feira aos 84 anos, segundo fonte da família à TDM Rádio-Macau. Considerado o pai do neo-orientalismo, o seu traço único serviu de inspiração a uma geração de pintores, além de que o seu ensino das artes deixou uma marca que jamais se apagará. Ao HM, Alice Kok, pintora, curadora e presidente da associação AFA - Art For All Society, considera que a morte de Mio Pang Fei representa “o fim de uma era”. Agora virá uma outra coisa, resta saber o quê. “Mio Pang Fei foi, sem dúvida, o artista mais importante na fase da formação da arte contemporânea em Macau, que começou nos anos 80. Macau teve muita sorte em ter tal artista e professor de artes.”

Mas não foi só Macau que ganhou com a chegada de Mio Pang Fei. O próprio artista descobriu um lugar onde pôde pôr em prática todas as experimentações e dúvidas que tinha sobre o que era arte e qual o caminho que deveria seguir enquanto artista.

“Mio Pang Fei foi, sem dúvida, o artista mais importante na fase da formação da arte contemporânea em Macau, que começou nos anos 80.” ALICE KOK CURADORA E ARTISTA

Nascido em Xangai em 1936, Mio Pang Fei estudou na Universidade de Belas Artes de Fujian, tendo-se dedicado à caligrafia chinesa. Era a única forma de escapar e de se manter ligado ao mundo das artes, numa altura em que o artista já pensava de maneira diferente. Mio Pang Fei chegou a ser acusado de prá-

ticas contra-revolucionárias por demonstrar um grande interesse no modernismo que se fazia no Ocidente. Esteve preso e sujeito a trabalhos forçados. “As pessoas brindavam e desenhavam o Presidente Mao. Mas eu estava a fazer algo diferente. Destruí os quadros porque não podia mantê-los, tinha muito medo. Estava a pensar em qual caminho deveria seguir. O Ocidente já tinha abraçado a arte abstracta. Fizeram-no muito bem, mas nós não”, disse Mio Pang Fei sobre este período, no documentário de Pedro Cardeira. Alice Kok dá conta dessa liberdade criativa que Macau proporcionou a Mio Pang Fei. “A arte contemporânea começou a ganhar forma em Macau nos anos 80 e foi nesse período que ele experimentou muitas ideias ligadas ao modernismo, a ligação entre o Ocidente e o Oriente, e depois de muitos anos de experimentação chegou ao novo orientalismo. O território precisava de Mio Pang Fei. Ele veio da Revolução Cultural e em Macau pôde experimentar as suas ideias sobre a arte. Fez isso com tal energia que se abriu uma porta para o público, estudantes e jovens artistas.”

Uma das últimas entrevistas que deu, provavelmente a última, foi emAbril deste ano à TDM Canal Macau, no âmbito de uma reportagem intitulada “A China Vermelha”. Nela, Mio Pang Fei volta a recordar os seus tempos de estudante de belas artes. “Quando estudava na universidade, aprendemos o Realismo de [Gustave] Courbet. Courbet foi o autor introduzido pelo professor. Só isso. E eu pensei ‘isto não está certo’. Disse que Courbet esteve activo em meados de 1850. Estava na universidade na década de 50, então fui à biblioteca ler e investigar, para ver o que aconteceu nesse século. Secretamente li sobre eles, tirei notas e comecei a experimentar.”

O INÍCIO DE ALGO

Sorte e “benção” são outras palavras usadas para descrever o trabalho e vivência de Mio Pang Fei no território. Konstantin Bessmertny, pintor russo radicado há vários anos em Macau, disse à TDM Rádio Macau que “Macau foi abençoado por ter tido Mio Pang Fei”. “Era difícil comunicar com ele por causa do meu chinês e do inglês dele, mas senti que era um dos pilares do edifício cultural de

Macau. Mas ele trazia uma espécie de saber oriental, a sua técnica, a dimensão, a escala, a apresentação”. Carlos Marreiros, arquitecto, artista plástico e ex-Presidente do Instituto Cultural, disse também à TDM Rádio Macau que Mio Pang Fei foi pioneiro por “misturar expressões tradicionais chinesas e contemporâneas ocidentais renovando um discurso de uma contemporaneidade assinalável para a época e ainda com força hoje em dia”.

“Quando o encontrei lá, (bienal de Veneza), junto a uma das suas instalações, a que representava o período da Revolução Cultural, o brilho nos seus olhos, aliado ao orgulho de toda a família e comitiva em volta era absolutamente comovente.” FILIPA QUEIROZ JORNALISTA

Marreiros recordou o facto de Mio Pang Fei ter fundado o Círculo de Amigos da Cultura de Macau, juntamente com outros artistas do território, tendo deixado um “legado muito grande”. “Ele foi um combatente no sentido das ideias e da formação artística porque era uma pessoa extremamente pacífica, serena, inteligente, extremamente culto”, acrescentou Marreiros, que considera que Mio Pang Fei deve ser considerado um pintor de Macau, apesar de ter nascido na China. “Ele está em Macau desde 1983. Gosta de Macau, assume Macau, representou Macau em tantas exposições e ele adorava Macau assim como Portugal onde tinha casa e ia sempre que podia”, disse.

A BIENAL DE VENEZA

A última grande exposição de Mio Pang Fei em nome próprio aconteceu no Galaxy,


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Querido Mio

84.

em 2012, mas em 2015 foi seleccionado pelo Museu de Arte de Macau (MAM) para representar Macau na 56.ª Bienal de Veneza. Filipa Queiroz, à data jornalista da TDM Canal Macau, entrevistou Mio Pang Fei na cidade italiana. “Quando o encontrei lá, junto a uma das suas instalações, a que representava o período da Revolução Cultural, o brilho nos seus olhos aliado ao orgulho de toda a família e comitiva em volta era absolutamente comovente. A entrevista em si foi curta porque, além de discreto, Mio Pang Fei acusava cansaço da viagem, mas disse logo que, apesar de não sair da China há muito tempo, e estando debilitado em termos de saúde, não podia faltar”, contou ao HM. Filipa Queiroz recorda também que Paolo Baratta, presidente da Bienal de Veneza, “não escondeu o entusiasmo” pelo momento. “Lembro-me que disse

“É difícil vir outro artista que consiga chegar a esta posição, porque o contexto já vai ser diferente. Isso faz com que Mio Pang Fei seja único.” PEDRO CARDEIRA REALIZADOR

que Macau tinha realmente acertado com a exposição do ‘grande maestro’na maior mostra internacional de arte do mundo. Para mim Mio Pang Fei personificava as ideias de força e liberdade e acredito que perdurem para sempre na sua obra.” Pedro Cardeira, realizador do documentário sobre a vida e obra de Mio Pang Fei, conheceu o pintor e professor em 2010. Com ele criou uma relação de amizade graças à proximidade

entre famílias, uma vez que o seu cunhado foi aluno de Mio Pang Fei. O realizador recorda o facto de ele “conhecer a arte ocidental tão bem como a arte chinesa”. “Mio Pang Fei surge num contexto muito especial, no início dos anos 80, quando Macau começou a ter uma transformação e abertura para as artes. Os artistas de Macau eram ainda amadores e quem queria fazer alguma coisa tinha de sair de Macau. Não havia uma escola de artes, um movimento, e a vinda de Mio Pang Fei para Macau veio criar isso”, frisou ao HM. A rodagem do documentário foi feita em Xangai, onde Mio Pang Fei esteve com amigos que também sofreram as consequências da Revolução Cultural. Só depois desse convívio é que o pintor ganhou “coragem” para contar a sua experiência para a câmara. “Foi muito difícil ele falar desse período. Não queria

fazer um documentário sobre a Revolução Cultural, mas insisti porque isso foi muito marcante na obra dele, foi traumatizante, mas afectou todo o seu percurso em Macau. Quando ele fez a exposição ‘A Condição Humana’ é evidente que está lá esse episódio da vida dele”, destaca Pedro Cardeira. Por ter iniciado um movimento novo numa época específica, será difícil que algum artista venha a substituir ou a criar um legado tão importante como o de Mio Pang Fei, aponta o realizador. “É difícil vir outro artista que consiga chegar a esta posição, porque o contexto já vai ser diferente. Isso faz com que Mio Pang Fei seja único”, conclui. Em 2017, Mio Pang Fei recebeu a medalha de mérito cultural atribuída pelo Chefe do Executivo de então Chui Sai On. Andreia Sofia Silva

andreia.silva@hojemacau.com.mo

Já não sei o que aconteceu para que daquela tarde não tivesse nascido um texto. Não sei em que ano foi, mas sei que aconteceu numa sexta-feira, uma sexta-feira à tarde, de muito calor. As usual. A ideia era ir e ali ficar uma hora. Lembro-me que essa hora levedou para quatro. Lembro-me de entrar e de pensar na invulgaridade da situação: não são muitos os entrevistados que abrem as portas de casa, sobretudo quando não nos percebemos. Erro, essa coisa do entendimento ou da falta dele. Perceberia depois. Naquele momento, o momento inicial, ele queria falar-me dele, mas antes queria que visse as outras paredes da casa, aquelas que eram feitas pela companheira de uma longa travessia. Ele sabia que me faltava esse contexto e carregou-me de livros, fez-me olhar para as outras cores. E depois veio a vida, a vida toda de um homem único. O homem que pintou e destruiu muito daquilo que pintou só para poder continuar a sobreviver. A infância, a adolescência. O pai, a Xangai dele, a partida da Xangai dele. A vida a transformar-se porque o país onde nasceu não o deixou ser quem queria ser. Os livros de fora que contemplava às escondidas. Os desenhos que fez às escondidas. A arte como um crime, a arte como libertação, a arte que o manteve em pé, em linha recta. Eu sentada numa ponta do sofá. Ele na outra. Eu a falar numa língua. Ele a responder noutra. Um tra-

dutor pelo meio, um miúdo simpático, a olhar para o relógio e a ver o dia a passar. E eu a perceber o sentido das coisas apesar de me afogar facilmente num idioma que me continua a ser estranho. Eu a pensar que, apesar dos milhares de quilómetros de distância, entre aquele homem e o meu pai só os separava o orientalismo e mais umas quantas coisas de pormenor. Tinham idades aproximadas, a mesma forma de cruzar a perna e a mesma forma pausada de falar. E um passado de amarguras engolidas para salvar a pele. Eu a pensar que as pessoas podem ser todas muito o mesmo, apesar de serem todas inacreditavelmente diferentes. Ele já não pintava grandes telas. Mas continuava a pintar grandes quadros. E continuava a emocionar-se quando se recordava do quanto chorou quando finalmente aterrou em Paris e viu, numa parede, o que durante muitos anos decalcou às escondidas. Para aprender das artes dos outros. No ano em que eu nasci, ele, do outro lado do mundo, percebeu que a espera tinha sido em vão. Pouco depois, pegou nas malas e saiu. Macau era, nos planos originais, um stop over, mas acabou por ser mais, houve quem tivesse tropeçado nele, neles, naquele casal de pintores, naquele homem que reinventou a arte porque a pintou por dentro. Dizem que é o pai do neo-orientalismo. O tradutor, o miúdo simpático, já se havia impacientado e não esperou pela boleia de regresso, despediu-se e apanhou um autocarro. Ele disse-me para ficar mais um pouco. Bebi um chá e ouvi-o falar. Saí dali atordoada e na rua fazia calor, tanto calor. Uma hora que foram quatro e há momentos em que certas páginas são para ficar em branco, por ser impossível escrevê-las. Às tantas foi por isso que não escrevi. Desculpe, querido Mio, devo-lhe um texto. Querido Mio. Isabel Castro


4 política

16.11.2020 segunda-feira

Política da Juventude Wong Kit Cheng apoia foco no patriotismo “correcta”, a compreensão da história do país e o apoio à implementação do princípio “Um País, Dois Sistemas”. A disso, indica que no futuro podem ser implementadas medidas mais concretas para ajudar os jovens a crescer, para os ajudar a integrarem-se na cooperação

Vários artigos da proposta de lei sobre o regime disciplinar do estatuto dos agentes de segurança colheram preocupações da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa. Vong Hin Fai, que presidiu à reunião, recusou-se a concretizar o que motivou os receios dos deputados

regional e desenvolvimento nacional, e cultivar a responsabilidade. Relativamente ao alargamento do conceito de “jovem” até aos 35 anos, Wong Kit Cheng aponta que se deve apoiar a juventude em diferentes fases para aumentar a sua confiança e competitividade.

Previdência Central Ng Kuok Cheong exige manutenção de apoio O deputado Ng Kuok Cheong defende que o Governo deve continuar a injectar 7 mil patacas nas contas de previdência central dos idosos, independentemente do saldo orçamental do próximo ano. Nos últimos anos, o Governo tinha depositado nas contas de previdências dos cidadãos de forma extraordinária,

devido ao excedente orçamental. Porém, como o orçamento de 2020 e de 2021 são deficitários, a medida está em risco. O legislador defende que é necessário continuar a distribuir este montante, pelo menos entre os mais velhos. Segundo o deputado, os idosos “enfrentam um grande stress”, principalmente

Só respondo por mim de segurança devem “identificar-se sempre que pretendam formular uma queixa contra alguém, designadamente contra seu superior hierárquico”. “Se [o agente] apresentar uma queixa anónima (…) as forças e serviços de segurança vão tratar dessa queixa? Se for descoberto quem apresentou a queixa anónima será que vai contra este dever de lealdade (...), sendo instaurado assim um processo disciplinar?”, exemplificou Vong Hin Fai.

MANIFESTO DO MANIFESTO

O

presidente da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), Vong Hin Fai, recusou-se a detalhar as preocupações partilhadas pelos deputados na passada sexta-feira, durante a terceira reunião agendada para discutir a proposta de lei do “Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança”. No final da reunião, após indicar que alguns pontos, como o facto de os agentes poderem ser responsabilizados fora de serviço ou estarem impedidos de apresentar queixas anónimas contra superiores hierárquicos, não são consensuais, na maioria dos casos, Vong Hin Fai escusou-se a revelar as justificações apresentadas pelos deputados. “Não consigo responder porque a preocupação não é minha. Alguns membros acham que devem ouvir esclarecimentos do

aqueles com rendimento um pouco superior aos valores que permitem receber outros apoios sociais. Por outro lado, Ng Kuok Cheong defende que menos dinheiro seja entregue à Fundação Macau, que depois é distribuído a associações, e que em vez disso se invista mais em apoios sociais.

SEGURANÇA VONG HIN FAI NÃO REVELA MOTIVOS DE PREOCUPAÇÕES DOS DEPUTADOS

SOFIA MARGARIDA MOTA

Wong Kit Cheng concorda com a Política da Juventude de Macau, apresentada pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), que tem a educação patriótica como um dos focos. Em comunicado, a deputada defende a promoção de uma consciência nacional

Governo e, se não concordam, vão sugerir alterações à proposta de lei e a comissão vai (…) apresentar essas preocupações ao Governo. Se a maioria dos membros não concorda com a proposta de lei, isso será reflectido no parecer. Agora, o porquê de eles não concordarem, não posso responder. Como presidente apenas posso aqui dizer quais foram as preocupações dos membros da comissão”, apontou Vong Hin Fai.

“Se a maioria dos membros da comissão não concorda com a proposta de lei, isso será reflectido no parecer. Agora, o porquê de eles não concordarem, não posso responder.” VONG HIN FAI DEPUTADO

Sobre o artigo que define o que é uma infracção disciplinar, o deputado limitou-se a dizer que alguns colegas estão preocupados com o facto de a proposta de lei prever que os agentes possam ser responsabilizados, mesmo que não estejam em serviço. Outro artigo que suscitou dúvida aos deputados que compõem a comissão está relacionado com o dever de lealdade, que inclui uma alínea que estipula que os agentes

Contudo, no artigo dedicado aos deveres especiais, onde consta que os agentes de segurança se devem abster de filiação e participação em actividades de associações de natureza política e sindical, Vong Hin Fai revelou que os deputados querem saber onde está a fronteira entre associações de trabalhadores e sindicatos. "Alguns membros têm dúvidas sobre se a natureza sindical é entendida ao abrigo de uma lei sindical ou se trata apenas de associações de natureza laboral. O Governo tem de esclarecer", apontou. O diploma define também que os agentes devem abster-se de convocar e participar em manifestações políticas, excepto se estiverem descaracterizados e na assistência. Vong Hin Fai revelou ainda ser necessário esclarecer o artigo sobre o “dever de assistência e informação”, acrescentado à proposta de lei, nomeadamente quanto aos limites da sua concretização. "Este é um bom artigo e os deputados concordam, mas o agente não é um super-homem. Como deve ser entendido este conceito de estar ao seu alcance e como é que o agente vai cumprir este dever?", questionou o deputado. Pedro Arede

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política 5

segunda-feira 16.11.2020

S

ULU Sou defende que o “Plano de intercâmbio de docentes excelentes do Interior da China para Macau” deve ser interrompido enquanto não estiver garantido que o ambiente educativo local é respeitado e que os critérios de qualidade dos professores externos destacados para Macau estão assegurados. O deputado afirma mesmo ter recebido diversas opiniões de professores, preocupados com o facto de os docentes do Interior da China virem para Macau orientar docentes locais e preparar materiais didáticos, sem saberem falar cantonês ou sem serem tidas em conta as características educativas específicas de Macau. “Eles não percebem o ambiente de ensino e as instituições locais. A língua é outro dos problemas, porque, como os professores do Interior da China orientam os docentes de Macau em mandarim durante a preparação das aulas, incentivam à utilização do mandarim”, começou por partilhar na sexta-feira Sulu Sou, num encontro promovido na Assembleia Legislativa. “O idioma e o conteúdo dos materiais didáticos têm o condão

DEFESA DA DSEJ

A

Direcção de Serviços de Educação e Juventude acredita que os professores do Interior têm experiência suficiente para serem uma mais-valia no apoio à educação em Macau. Em declarações citadas pelo jornal Ou Mun, Lou Pak Sang, director da DSEJ, explicou que o programa de acolhimento de professores do Interior começou em 2008 e que os docentes “de excelência” são escolhidos pelo Ministério de Educação do Interior. Ainda de acordo com Lou, mais de 200 professores participaram no programa e ao fim de um período entre um a três anos regressaram ao outro lado da fronteira, sem que tenham havido recrutamentos definitivos.

A

prometida consulta pública sobre a lei sindical continua sem dia marcado na agenda. À margem da segunda reunião plenária do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS), Wong Chi Hong, director dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) anunciou que patrões e trabalhadores precisam de tempo para recolher opiniões e analisar a proposta de lei que lhes chegou às mãos. “Na reunião, ambas as partes expressaram que era a primeira vez que tomaram

ENSINO SULU SOU DEFENDE SUSPENSÃO DO INTERCÂMBIO DE PROFESSORES DO INTERIOR

Não basta ser excelente

Sulu Sou considera que os docentes mais novos devem ser orientados por professores locais experientes e que devem ser definidas regras claras quanto à obrigatoriedade das decisões tomadas por professores do Interior da China. O deputado teme que a sobrevivência do cantonês esteja em causa de afectar o desenvolvimento da educação que se pretende que seja diversa em Macau. Sobretudo as aulas ministradas em chinês irão afectar o idioma, porque muitas crianças em Macau não sabem falar cantonês e isso é um sinal de alarme”, acrescentou Na óptica do deputado, importa ainda tornar claro aquilo que significa um “docente excelente”, ou seja, assegurar que existem critérios de qualidade, e sejam cumpridos, aquando dos pedidos endereçados pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) ao Ministério da Educação da China. Além disso, Sulu Sou considera ser necessário clarificar se durante a orientação, “os professores locais são obrigados a seguir as decisões dos professores do Interior da China”, pois actualmente “não é possível distinguir entre o poder e as responsabilidades”. O deputado aponta também que, tratando-se de uma questão de assegurar a qualidade do ensino ministrado em Macau, que essa orientação fique a cargo dos docentes locais com mais experiência ou até de outras regiões do globo. “O projecto deve ser revisto. Considero que o Governo deve suspender este plano enquanto não forem corrigidos os problemas identificados. Penso que se querem encontrar professores excelentes

para melhorar a qualidade da educação devem focar-se nos docentes locais mais experientes para orientar os docentes mais novos. Penso que trará resultados mais satisfatórios”, rematou.

PREOCUPAÇÕES MAIORES

Sulu Sou mostrou-se ainda preocupado com o facto de uma maior intervenção de professores do Interior poder vir a afectar “a percepção geral dos estudantes sobre a história da China” e que isso pode ter consequências alargadas. “Sabemos que em Macau temos direito a uma educação autónoma e isso é uma boa tradi-

ção, mas temos vindo a enfrentar muitos desafios nos últimos 20 anos após a transição. Existe um risco político, porque a China sempre quis controlar duas esferas: a educação e os meios de comunicação social, porque são elementos muito importantes para

Existe um risco político, porque a China sempre quis controlar duas esferas: a educação e os meios de comunicação social.” SULU SOU DEPUTADO

História interminável

Consulta pública da lei sindical continua sem data marcada

conhecimento da proposta de lei, que tem uma influência fundamental na nossa sociedade, porque envolve quase todos os residentes de Macau. Por isso, ambas as parte precisam de muito tempo para auscultar as opiniões dos seus membros e depois vamos definir um dia para a consulta pública”, explicou o responsável na passada sexta-feira.

O director da DSAL referiu ainda que, apesar de ser esperado que proposta de lei fosse submetida a consulta pública no terceiro trimestre de 2020, este é “um processo muito moroso”, que implica trabalhos “imensos” e que, por isso, é necessário mais tempo para “processar as propostas” antes de as duas partes apresentarem pareceres escritos ao Governo.

Questionado sobre o conteúdo da proposta de lei sindical, Wong Chi Hong referiu apenas que será estabelecido “um regime de registo de sindicatos bem como um regime de negociação colectiva” e que o Governo “vai tomar uma atitude gradual de autorizar as associações sindicais”. Também à margem da reunião do CPCS, Chan

potenciar o desenvolvimento da sociedade”, vincou o deputado. De acordo com um comunicado divulgado na quinta-feira pela DSEJ, o número de escolas que aderiram ao plano de intercâmbio de professores “tem vindo a aumentar, de mais de 20 no início do plano [2008] para 40 no ano lectivo de 2020/2021”. Segundo a DSEJ até ao momento, cerca de 70% por cento das escolas locais já aderiram ao plano.

Chon U, subdirector substituto da DSAL revelou, sem especificar uma janela temporal, que no sector do turismo o organismo registou 13 despedimentos e mais de 50 pedidos de consulta sobre salários e férias.

CHUMBOS RECORDISTAS

Recorde-se que no passado dia 7 de Novembro, a Assembleia Legislativa (AL) chumbou pela 12.ª vez um projecto de lei sindical. O projecto apresentado pelos deputados José Pereira Coutinho e Sulu Sou foi

Pedro Arede

pedro.arede.hojemacau@gmail.com

chumbado apenas com sete votos favoráveis. Um dos argumentos usados por quem votou contra foi o facto de o Executivo ter entregue a sua proposta ao (CPCS) para análise dias antes da votação. Na altura, ao HM, José Pereira Coutinho teceu duras críticas ao desempenho do hemiciclo. “Uma coisa não impede a outra e a AL não deve andar a reboque de um órgão consultivo. Era só o que faltava!”, apontou. Já Sulu Sou disse “lamentar” o desfecho. P.A.


6 sociedade

16.11.2020 segunda-feira

A troco de vales

Caso de uso irregular de apoios à saúde envolveu 3,2 milhões

A

N

O primeiro semestre do ano foram registadas 117 toxicodependentes no “Sistema de Registo Central dos Toxicodependentes de Macau”, número que representa uma descida de 37,1 por cento em comparação com o mesmo período de 2019, comunicou o Instituto de Acção Social (IAS). A metanfetamina – também conhecida por “ice” – continua a ser a droga mais consumida. No geral, o “ice”, cocaína e canábis foram os três tipos de droga mais consumidos, e 3,1 por cento do consumo foi intravenoso, mas nenhum envolveu partilha de seringas. As razões de consumo mencionadas dividiram-se entre aliviar a pressão (38,4 por cento) e influência dos pares (19,2 por cento). A média mensal das despesas com o consumo foi de 3.820 patacas, o que representa uma subida de 11,4 por cento em relação ao primeiro semestre do ano passado. Dos casos registados, 11 eram jovens, representando 9,4 por cento do número total. Para estas

TOXICODEPENDÊNCIA PRIMEIRA METADE DO ANO COM MENOS 37,1% DE CASOS

Por aí abaixo

O Instituto de Acção Social indica que o número de toxicodependentes registados em Macau entre Janeiro e Junho desceu mais de 37 por cento em relação a 2019. A descida foi atribuída ao impacto da epidemia pessoas, a droga mais frequente foi a cocaína, seguindo-se a canábis. O consumo por influência dos pares diminuiu para 28,6 por cento. Os espaços privados continuaram a ser os locais de consumo mais frequente, com mais de 70 por cento realizado em casa, em casa de amigos e hotéis. As discotecas/ saunas aparecem como o espaço onde decorre 4,2 por cento do consumo. “Devido ao impacto da epidemia, foi registada, no primeiro semestre, uma queda significativa do número de toxico-

dependentes”, explicou o IAS. Por outro lado, a nota aponta a necessidade de reforçar a divulgação da lei junto dos jovens, tendo em conta o tráfico transfronteiriço de drogas. No segundo semestre deste ano, vai haver mais uma instituição a comunicar dados, passando a existir 21 entidades a colaborar. Vale a pena

referir que o presidente da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau alertou anteriormente que este sistema não reflecte o universo de consumidores de droga no território. Isto porque se baseia nos consumidores apanhados pelas autoridades policiais e por quem se dirige a instituições e organiza-

“Devido ao impacto da epidemia, foi registada, no primeiro semestre, uma queda significativa do número de toxicodependentes.” IAS

SS Alerta para perigos de chocolate “KiMiSo Dark”

Os Serviços de Saúde apelam que se evite o consumo do chocolate “KiMiSo Dark” porque contem sibutramina, um componente utilizado na indústria farmacêutica para combater a obesidade. Além de inibir o apetite, a sibutramina tem como efeito secundário o aumento do risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares. O comunicado do Governo refere igualmente que a importação deste chocolate nunca foi autorizada em Macau, mas que mesmo assim vão acompanhar a situação e que, caso tenham adquirido o mesmo, os cidadãos devem evitar consumi-lo.

ções privadas à procura de tratamento.

POSTURA CAUTELOSA

Na sexta-feira, realizou-se a segunda sessão plenária do ano da Comissão de Luta contra a Droga. Entre Junho e Outubro, o Governo participou em três sessões online organizadas pelas Nações Unidas sobre seis recomendações de ajustamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre canábis e respectivas substâncias. “Relativamente à proposta de ajustamento de controlo da canábis e das respectivas substâncias, a China mostrou-se cautelosa”, diz a nota, acrescentando que a RAEM manifestou a mesma posição. Uma das recomendações feitas pela OMS no ano passado era retirar a canábis da Lista IV da Convenção Única das Nações Unidas sobre os Estupefacientes, de 1961. Esta lista inclui drogas com propriedades perigosas e um valor médico ou terapêutico extremamente limitado, sendo proibida a sua produção, manufactura ou comércio. Salomé Fernandes

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Polícia Judiciária (PJ) identificou um caso de uso irregular de vales de saúde, que terá custado 3,2 milhões de patacas ao erário público, noticiou o jornal Ou Mun. A situação envolve seis suspeitos. No ano passado, o Ministério Público pediu à PJ para investigar um caso, que remonta a 2017, e que envolvia a utilização de vales de saúde de uma pessoa que já tinha morrido. A clínica que recebeu os vales de saúde, localizada no NAPE, aderiu ao programa em 2016 e fechou cerca de dois anos depois. Entre Janeiro e Abril de 2017, esta clínica recebeu um total de 64 mil vales de saúde de 5.794 residentes, que valeram 3,2 milhões de patacas aos Serviços de Saúde. No entanto, os dados da investigação apontam que 1.704 utentes não estavam sequer em Macau no dia da consulta médica. Os suspeitos são responsáveis de uma clínica e de uma loja de mariscos, um médico de medicina tradicional chinesa e três utentes. Alegadamente, uma loja de mariscos e uma clínica de medicina tradicional chinesa receberam vales de saúde como forma de pagamento, a 70 por cento do seu valor, e posteriormente, venderam-nos ao suspeito associado à clínica no NAPE a 80 por cento do valor. Este suspeito negou o crime, mas o médico da clínica de medicina tradicional chinesa que recebia os vales de saúde admitiu que os revendeu. Suspeita-se que o responsável da primeira clínica pedia o reembolso aos Serviços de Saúde, depois de comprar os vales de saúde a 80 por cento do seu valor, com a diferença a render 640 mil patacas. As autoridades estimam que haja mais residentes envolvidos, já que a clínica participou no programa de vales de saúde por mais tempo.

DENUNCIADOS 509 CASOS

Os Serviços de Saúde reagiram à divulgação do caso em comunicado, afirmando que o protocolo da clínica envolvida já tinha sido cancelado em Agosto de 2018 na sequência de “diversas irregularidades” na recepção dos vales de saúde. Depois de serem notificados pela Direcção dos Serviços de Identificação, no ano passado, de que havia provas sobre a recepção naquela clínica de vales de saúde de um falecido, os SS denunciaram a situação ao Ministério Público. Desde o início deste programa de comparticipação, em 2009, até agora, realizaram-se 3.918 inspecções e foram denunciados 509 casos por eventual fraude do erário público ao Ministério Público. Foram cancelados protocolos com 50 profissionais de saúde devido a violações do regulamento, nove deles em clínicas, 36 em medicina tradicional chinesa e cinco em medicina ocidental. N.W. e S.F.


sociedade 7

segunda-feira 16.11.2020

Fundação Macau Bolsa atribuída a 13 estudantes

A Fundação Macau anunciou na passada sexta-feira a atribuição da bolsa de pós-graduação “Estudos sobre Macau” a 13 estudantes. Segundo uma nota oficial, os contemplados apresentaram excelentes projectos de tese, sendo três estudantes de mestrado e 10 de doutoramento. “A finalidade desta bolsa de estudos é incentivar licenciados a efectuarem investigação académica sobre Macau em diversas áreas especialmente no aprofundamento da investigação em ‘Estudos sobre Macau’”, pode ler-se no comunicado. Os projectos candidatos à bolsa de estudo tocam diferentes áreas como cultura e arte, literatura, comunicação social, história, educação, serviço social, economia, gestão, política, administração pública e direito. No ano lectivo 2019/2020, foram recebidos 94 projectos de diferentes universidades, sendo 48 de mestrado e 46 de doutoramento. O montante da bolsa para estudos de doutoramento é de 120 mil patacas, ao passo que o montante da bolsa de mestrado é de 70 mil patacas.

AMCM Reservas cambiais aumentaram 1,5 por cento em Outubro

As estimativas preliminares da Autoridade Monetária de Macau (AMCM) quanto às reservas cambiais da RAEM apontam para um valor de 187,6 mil milhões de patacas no final de Outubro. O montante divulgado pela AMCM representa um aumento de 1,5 por cento relativamente aos dados rectificados do mês anterior, que se fixaram em 184,8 mil milhões de patacas. Globalmente, a pataca caiu face às moedas dos principais parceiros comerciais de Macau, apresentando uma taxa de câmbio efectiva de 104,6 no mês passado, o que revela um decréscimo de 0,6 pontos face a Setembro.

Trabalho ilegal Detectados 74 suspeitos em Outubro

No mês passado, o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) e a Direcção dos Serviços de Assuntos Laborais (DSAL) realizaram acções de fiscalização em 286 locais, tendo sido detectados 74 trabalhadores ilegais. As operações de fiscalização feitas em Outubro incluíram terrenos de obras de construção civil, residências e estabelecimentos comerciais e industriais, comunicou o CPSP.

Mensagem do MP “O Ministério Público já recorreu da sentença para o Tribunal de Segunda Instância.”

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Ministério Público (MP) recorreu da sentença que absolveu o ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), Jackson Chang, da prática dos crimes associação criminosa, corrupção e branqueamento de capitais. Apesar de absolvido da parte da acusação mais grave, Chang tem uma pena de prisão efectiva para cumprir de dois anos porque foi considerado culpado de quatro crimes de violação de segredo, no âmbito das actividades do IPIM, e três crimes de inexactidão de elementos no preenchimento da declaração de rendimentos. A decisão foi partilhada pelo MP na sexta-feira: “O Ministério Público já recorreu da sentença para o Tribunal de Segunda Instância”, foi confirmado, numa mensagem por correio electrónico enviada ao HM.

CASO IPIM MINISTÉRIO PÚBLICO RECORRE DA SENTENÇA

Tudo em jogo

Ainstituição liderada por Ip Son Sang já entregou o recurso e procura ver o ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau Jackson Chang condenado com uma pena superior a dois anos Apesar de não ter havido anteriormente uma posição oficial, a intenção do MP de recorrer do acórdão do colectivo de juízes liderado por Leong Fong Meng já tinha ficado no ar, após o pedido para estender o prazo para apresentação do recurso. O MP não terá sido o único a fazer um pedido do género, que foi aceite, e que fez com que o prazo para apresentação de recursos passasse de 30 de Outubro para 18 de Novembro.

Anteriormente, a defesa de Jackson Chang, a cargo do advogado Álvaro Rodrigues, já havia anunciado que pretendia recorrer da decisão do Tribunal Judicial de Base (TJB).

OUTROS RECURSOS

Quem também mostrou intenção de apresentar recurso da decisão foi Glória Batalha, ex-vogal do IPIM, condenada a um ano e nove meses de prisão efectiva pela prática

de um crime de abuso de poder e dois de violação de segredo. A ainda funcionária da instituição sempre negou as acusações e para o recurso trocou de advogado, passando a ser representada por Bernardo Leong, quando anteriormente tinha como defensor Pedro Leal. Entre os arguidos mais mediáticos do megaprocesso consta ainda Miguel Ian, ex-director-adjunto do

Departamento Jurídico e de Fixação de Residência por Investimento do IPIM, condenado por sete crimes de falsificação de documento, com uma pena de quatro anos de prisão efectiva. À saída do julgamento, o advogado de Miguel Ian, Jorge Ho, considerou a condenação demasiado pesada e já tinha dito que era muito provável que apresentasse recurso. Entre as 26 pessoas envolvidas no processo, 19 foram consideradas culpadas e sete ilibadas. Segundo o tribunal, os empresários Ng Kuok Sao e Wu Shu Hua, marido e mulher, criaram uma associação criminosa para vender autorizações de fixação de residência e acabaram condenados com penas de 18 anos e 12 anos de prisão. O cabecilha, Ng Kuok Sao, encontra-se fora de Macau e foi julgado à revelia. João Santos Filipe

joaof@hojemacau.com.mo


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“The Dress Looks Nice on You” [em cantonês, Hoi Vong Seng] é a nova peça de teatro encenada por Cheong Kin I. Escrito pelo dramaturgo taiwanês Chen Hung-Yang, este espectáculo inspira-se na experiência pessoal da encenadora de Macau, que lidou com o vício do jogo do pai, além de abordar o tema da esquizofrenia. Depois de uma leitura pública do argumento em Outubro, a estreia oficial em Macau acontece em Junho do próximo ano, no teatro do edifício do Antigo Tribunal. Entre os dias 19 e 22 de Novembro “The Dress Looks Nice On You” dá um salto a Taiwan Foi difícil voltar a abordar questões familiares neste novo projecto teatral? Porque decidiu enveredar novamente por este tema? A família é algo que teve muito peso durante o meu processo de crescimento e amadurecimento. Esta é a segunda peça onde falo da família, depois de “Rua de Macau - Sabores”. Toda a minha inspiração vem do meu pai, porque ele sempre teve e continua a

CHEONG KIN I

ENCENADORA DE “THE DRESS LOOKS NICE ON YOU”

“Quero descobrir o mundo da esquizofrenia”

ter impacto na minha vida. Com a família tornamo-nos naquilo que somos enquanto seres humanos. Em “Rua de Macau - Sabores”, conto a história de como o meu pai lutou toda a vida para sobreviver em Macau depois da sua vinda clandestina do Continente. “The Dress Looks Nice on You” parte da minha própria experiência, mas também tem a ver com o meu pai e de como a sua dependência do jogo me perturbou imenso, e ao mesmo tempo contribuiu para me formar como pessoa. Tinha medo que viessem cobradores de dívidas à nossa casa. Isso nunca aconteceu, mas muitas vezes não sabia exactamente quais os barulhos verdadeiros ou aqueles que partiam da minha imaginação. É justamente isso que quero abordar na minha nova peça. Primeiro vem a parte da audição, depois a parte visual. Quero descobrir com os meus espectadores o mundo da esquizofrenia. De que forma é que vai abordar este assunto? Nesta peça falamos da esquizofrenia, no sentido em que parece que o passado já passou. Mas não, volta e voltará sempre, sobretudo as coisas infelizes da vida. A minha ambição é

discutir mais profundamente este tema, e também a essência do teatro. Numa peça, ou numa qualquer criação artística, estamos a criar mais sofrimento ou a ajudar as vítimas a libertarem-se de tudo isso, quando abordamos estas questões ou falamos destas pessoas? Para mim não é difícil abordar uma questão de família, mas sim criar uma história e transformar a minha própria experiência numa criação artística. Porquê o nome “The Dress Looks Nice on You”? O vestido tem aqui algum simbolismo especial? Isso refere-se ao conto “O tio Novelo em Connecticut” [Uncle Wiggily in Connecticut] do escritor americano Jerome David Salinger. Neste conto, a Eloise, uma das personagens, chorou porque lhe foi dito que em Nova Iorque ninguém veste o tipo de vestido que a Eloise comprou.AEloise pensa que era uma boa rapariga, por simplesmente ter chorado por causa disso. Gosto muito desta passagem. Para mim o vestido está muito relacionado com a diferença de géneros, e também com o processo de transformar um vestido em algo feminino. Sempre associei isso com a socialização no geral. A

Eloise encarna uma das personagens da peça, que fica socializada. Mas aqui uso a palavra socialização com a máxima educação. Posso mesmo dizer que esta personagem, na minha peça, é violada socialmente, no sentido em que, enquanto seres humanos, temos sempre de nos adaptar para sermos aquilo que a sociedade quer ou necessita. Não temos escolha na sociedade a não ser que respeitemos as suas regras. Construímos aqui um mundo de ouvido das vítimas de esquizofrenia, pois a alucinação auditiva é um ponto principal da peça.

“‘The Dress Looks Nice on You’ parte da minha própria experiência, mas também tem a ver com o meu pai e de como a sua dependência do jogo me perturbou imenso, e ao mesmo tempo contribuiu para me formar como pessoa.”

Quais as suas expectativas em relação à apresentação deste projecto em Taiwan? Para tentar reconstruir um mundo imaginativo da esquizofrenia o argumento tem 60 fragmentos. Isso não é muito comum em Macau. Por isso, os espectadores de Macau terão de ver toda a peça para conseguir compreendê-la e digeri-la, incluindo as suas personagens. Há diferenças entre o público de Macau e de Taiwan? Os espectadores de Macau estão mais habituados a ver algo linear. Mas aqui não estou interessada em criar um ponto culminante para nenhuma história, pois estou a criar uma banalidade da vida que, afinal, nem é algo tão banal. É como, por exemplo, a fantasia sobre o amor, o absurdo da vida, o sofrimento da sobrevivência. Tomo os fragmentos da vida para construir e representar os diversos estados de uma vida banal que todos nós vivemos. Em contrapartida, o público de Taiwan está mais habituado a esta espécie de argumentos. É um público que gosta de reflectir, adivinhar e mastigar o que vê. Isso tem a ver com a educação na ilha, que incentiva e proporciona um pensamento independente. Porquê a estreia em Macau só no próximo ano? Por causa da pandemia. Segundo as medidas do Governo, teríamos de reduzir para metade os lugares dos espectadores e depois de dois anos de preparação seria muito frustrante ver um teatro inteiro meio vazio. Se apresentássemos a peça mais vezes iríamos perder dinheiro, para que o público não pagasse mais pelos bilhetes. No período da pandemia fazer teatro tem sido muito difícil e, ainda por cima, as boas peças têm menos visibilidade. Teme algumas repercussões negativas pelo facto de apresentar peças de teatro em Taiwan, tendo em conta a questão política? Macau não é o continente chinês e o continente chinês não é Macau. Ainda não temos problemas por cá. Além disso, o que faço não tem que ver com política, por isso nem poderia ser alvo de uma repercussão negativa. Em 2018, quando encenei “A Reunificação das Duas Coreias”, que não tinha a ver com política mas abordava o amor, convidei intencionalmente actrizes e actores de Macau e Taiwan. Os falantes das duas línguas, cantonense e mandarim, sem aprender os idiomas, não se compreendem. Mas isso não tinha que ver com a política. Foi uma maneira para reinventar, de forma criativa, a impossibilidade de comunicação entre os amantes. Macau não é um lugar onde a sensibilidade política tenha destaque, como é o caso de Hong Kong. Além disso, Taiwan é um território muito aberto e abraça todo o tipo de opiniões. Não temos nenhuma pressão política. Andreia Sofia Silva

andreia.silva@hojemacau.com.mo


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16.11.2020 segunda-feira

UE COOPERAÇÃO COM PEQUIM SOBRE SEGURANÇA DE PRODUTOS “MADE IN CHINA”

Combate à contrafacção Presidenciais americanas China felicita Joe Biden

A China tornou-se sexta-feira uma das últimas grandes potências a felicitar o democrata Joe Biden pela vitória nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. A China, juntamente com a Rússia, evitou juntar-se à sequência de governos que felicitou Biden, na semana passada, depois de ter sido anunciado que estavam assegurados votos suficientes no Colégio Eleitoral para chegar à Casa Branca. "Respeitamos a escolha do povo norte-americano", disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros Wang Wenbin. "Felicitamos Biden e a [vice-presidente, Kamala] Harris", apontou.

Em tempo de pandemia, a União Europeia tenta garantir a qualidade dos produtos vindos da China, como máscaras e outros equipamentos de protecção

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Comissão Europeia quer cooperar com a China para melhorar, em 2021, a segurança sobre produtos chineses comprados ‘online’para a União Europeia (UE), nomeadamente após fraude e contrafacção detectadas em equipamentos de protecção, como máscaras, para a covid-19. “Durante a pandemia, verificámos diferentes problemas com

mercadorias vindas do estrangeiro, nomeadamente devido à qualidade de certos equipamentos de protecção […], como máscaras, [pelo que] entrei em contacto as autoridades alfandegárias chinesas para haver uma cooperação entre a China e a Europa”, afirmou o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, em entrevista à agência Lusa e três outros meios de comunicação social europeus, em Bruxelas.

Covid-19 Detectado vírus em alimentos vindos do Brasil

Uma análise realizada em Wuhan a uma embalagem com carne congelada importada do Brasil deu positivo para o novo coronavírus, informou sexta-feira a Comissão de Saúde daquela cidade chinesa, onde foram detectados os primeiros casos de covid-19. Em nota, a comissão informou o gabinete local encarregado do controlo e prevenção de doenças, após analisar as embalagens. As três amostras de carne bovina entraram no país através da alfândega de Qingdao. A cidade "adoptou rapidamente medidas de emergência", refere a mesma nota, incluindo o armazenamento da carga e a testagem e isolamento de pessoal que teve contacto com as embalagens. As amostras faziam parte de um total de 27 toneladas de carne importada do Brasil. A carne saiu do porto de Santos e chegou a Wuhan no dia 17 de Agosto, mas não tinha ainda sido comercializada. "Todos os produtos congelados envolvidos foram lacrados e o ambiente foi completamente esterilizado", disse a Comissão de Saúde local.

Nesta entrevista sobre a “Nova Agenda do Consumidor”, sexta-feira apresentada pela Comissão Europeia, o responsável por esta tutela apontou que a UE também está a “discutir com as autoridades chinesas como é possível detectar fraude e abusos relativamente a certos produtos e de os parar o mais antecipadamente possível”. E garantiu que Pequim “está aberto a debater isto” e que tem “intenção de avançar” com mudanças nos seus procedimentos. “Não digo que farão o mesmo que fazemos na Europa, mas há uma intenção de detectar os casos ainda na China e de enviar produtos com melhor qualidade para a UE”, acrescentou Didier Reynders. Até porque, argumentou, “há interesse do lado chinês de garantir que se está a enviar para a UE produtos cada vez mais seguros”.

MAIS QUALIDADE

A “Nova Agenda do Consumidor”, este fim-de-semana divulgada, estabelece a visão para a política dos consumidores da UE de 2020 a 2025, visando assegurar maior protecção e salvaguarda dos cidadãos em compras e outro tipo de serviços no espaço comunitário. O pacote de medidas tem em conta as lições tiradas da crise da covid-19, que levou ao aumento da fraude e das práticas comerciais abusivas. Previsto está, então, “um plano de acção com a China para reforçar a cooperação em matéria de segurança dos produtos vendidos ‘online’”, que deverá ser concretizado em 2021.

EUA TRUMP PROÍBE INVESTIMENTOS AMERICANOS EM EMPRESAS CHINESAS

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Presidente em exercício dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu proibir os norte-americanos de investirem em empresas chinesas que acusa de apoiarem as actividades militares de Pequim, medida sexta-feira condenada pelas autoridades chinesas. Trump especificou, num decreto publicado na quinta-feira, que a proibição entraria em vigor a

partir de 11 de Janeiro, nove dias antes da sua saída da Casa Branca e da chegada do seu sucessor, Joe Biden. Segundo a decisão, os norte-americanos com participações e outros interesses financeiros numa lista de 31 empresas visadas têm até Novembro de 2021 para as vender. Em resposta, a China acusou sexta-feira Washington de abusar da autoridade do Estado para

atacar arbitrariamente as empresas chinesas”. “Esta medida prejudica não apenas os direitos e interesses legítimos das empresas chinesas, mas também os interesses dos investidores internacionais, incluindo os dos Estados Unidos”, disse o porta-voz da diplomacia chinesa, Wang Wenbin. Trump afirma, no decreto, que a China “explora, cada vez mais, o capital

dos EUA para permitir o desenvolvimento e a modernização das suas actividades militares, serviços de informação e outros sistemas de segurança, o que lhe permite ameaçar directamente” os Estados Unidos e as tropas norte-americanas estacionadas no estrangeiro. Claramente, a China “está a explorar investidores norte-americanos para financiar o desenvol-

vimento e a modernização do seu exército”, conclui o Presidente Trump, que ainda se recusa a admitir a derrota nas eleições presidenciais de 3 de Novembro. Entre a lista de empresas visadas por Trump conta-se a China Mobile e a China Telecom, a especialista em videovigilância Hikvision e o grupo de construção ferroviária China Railway Construction Corp.

“Queremos desenvolver uma verdadeira cooperação [com a China] e trocar informação para verificar como é possível assegurar a segurança dos produtos”, insistiu Didier Reynders na entrevista a estes ‘media’europeus, incluindo a Lusa.

“Há interesse do lado chinês de garantir que se está a enviar para a UE produtos cada vez mais seguros.” DIDIER REYNDERS COMISSÁRIO EUROPEU DA JUSTIÇA

A China é um dos principais parceiros comerciais da UE e também um dos principais mercados electrónicos fora da Europa. Em 2019, mais do que metade (64por cento) dos alertas do sistema de alerta rápido da UE para produtos inseguros (Rapex) diziam respeito a mercadorias fabricadas fora do espaço económico europeu, frequentemente na China. Nesta “Nova Agenda do Consumidor”, a UE quer também melhorias no mercado europeu, pretendendo criar etiquetas de “informação correcta aos consumidores”, apostar no “aumento da vida dos produtos com a inclusão do direito à reparação” e ainda criar incentivos para as empresas trabalharem com materiais mais ‘verdes. Lusa


segunda-feira 16.11.2020

Gastámos tudo menos o silêncio.

Anabela Canas

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RACTAIS. Às vezes são tudo o que vejo. Interiores e exteriores. Padrões da consciência e do inconsciente. O módulo a coincidir na aparência com o padrão. A parte fracionada e o todo. Padrões: a porta da rua em vidro transparente e a quadrícula envidraçada da marquise das traseiras, como um conjunto de monitores na régie, a seccionar a imagem total. A mesma de onde deitava papelinhos miudamente cortados a voar. Pergunto-me quais. São os sonhos que se deixam sonhar, os da infância, talvez. Aqueles que esconjurados se retiram para uma tela luminosa na memória, e, se para sempre, para sempre também estacionados e neutros. Fizeram já todo o mal que tinham a fazer nos seus tempos. E ficaram enraizados como sinal de outros medos – tempos, digo. Quais piratas ainda intrigantes, como os que subiam pelas noites acima, a quadrícula de vidro martelado das marquises do prédio, sem tontura nem vertigem, armados de sabres nos dentes, não sei já, digo mas não sei já se invento detalhes fílmicos, acrescentados ao sonho de muitas noites sonhado e sobretudo lembrado. Piratas vindos dos livros onde deveriam ficar quietos nas suas maldades ficcionais. E aquela luz de madrugada, sempre. Marca estilística do olhar dos meus sonhos dentro dos sonhos sonhados. Subiam amarinhando sem dificuldades na estranheza e depressa demais para o medo. Os sonhos tinham sempre aquela luz das madrugadas. Como se as imagens custassem a ultrapassar as pálpebras fechadas, vindas de fora e se fizessem ver coadas. Ou pelos olhos entreabertos, quando neles assim dormia pela vida fora, talvez desconfiada. Ou sem força muscular para deixar entrar toda a pujança do sono e dos sonhos. Os outros, antes de dormir e de olhos fechados, esses sim, sobre a mansa e dormente quietude da casa. Os bons. E completos e repetidos e bons. Mesmo com angústia em fundo. Lágrimas no outro quarto. Ausências. Gritos anteriores. Não saber o dia a seguir. E tudo a amortecer face à escuridão da casa. Às vezes o ruído da televisão. Menos mal. O incómodo no sonho gerava o conforto de saber que pelo menos. Quando não, era pior. Mau sinal. Mais não saber. Para esses ficava o capitão. Esse Capitão Morgan, a velejar nas Caraíbas, nobre, moreno e aciga-

Sonhar fractal ANABELA CANAS

Cartografias

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nado, sem lei mas fiel à coroa. Sem o qual as equipagens selváticas e sem lei, do sonho, amarinhavam pelas quadrículas de vidro martelado das marquises do prédio. Sem rei nem capitão. Esse, o dos sonhos de olhos fechados e ouvido

Os sonhos tinham sempre aquela luz das madrugadas. Como se as imagens custassem a ultrapassar as pálpebras fechadas, vindas de fora e se fizessem ver coadas

no quando-o-telefone-toca, na telefonia portátil, aproveitando os intervalos entre as frases para fazer circular o sonho na senda fugaz de uma música boa ou outra. E as viagens a fuga sempre. E na mala o que levar da realidade. De olhos fechados noite após noite, o plano recorrente como contas no caderno quadriculado da pequena vida. Fetiches, lembranças, pequenos tesouros e segredos, coisas assim, escolhidas para a pequena mala. Um dia deu-me para despejar uma almofada de penas para lavar. As penas sobem espalham-se e agitam-se delirantes e incontroláveis. A rir do saco ingénuo e impotente. Quanto mais tento varrer mais elas se esquivam trocistas. Libertas de um conforto contido de anos. O passado dá sempre um certo enquadramento ao presente. Às vezes o

real é assim, penoso. Ou, sem penas, simplesmente lento e arrastado pelo peso. Curtido de longas conversas em monólogo melancólico rua acima. Levado para casa o fardo do devir, do porvir e do que veio sem mácula, pegada ou registo sonoro. Carinhosamente, maternalmente, como a um filho subversivo e sofrido. Para deitar na cama e afastar a melena a fazer uma cócega impertinente. Arejar suavemente num sopro de distopia como uma aragem purificadora, mesmo assim. A testa em fogo. Mas ainda assim transportando como um fado ou uma vontade, rua acima, esse corpo, a despojar na cama de ervas e cheiros terapêuticos, a aliviar. A desprender entre os olhos e o pensamento na eminência de um gesto só, ali, uma carícia na testa. Um sopro está tudo bem dorme.


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A sublime ambição da paisagem de Yan Wengui Paulo Maia e Carmo texto e ilustração

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AN Zhuo sublinhou uma palavra – shi, a realidade material, a densidade, que deveria concentrar a atenção dos pintores na busca do qiyun, o ritmo espiritual, que denotaria a verdade da pintura. Através do estudo profundo, escreveu, «descobriremos que o princípio da pintura de paisagens é o compromisso com a realidade (shi). Se a realidade não for suficiente, há que abandonar o pincel, caso contrário haverá demasiada beleza ornamental. A realidade quer dizer, substância e corpo (tronco) beleza ornamental é adorno; substância e corpo têm origem na natureza, a beleza ornamental vem do trabalho dos homens. Realidade é a raiz, beleza ornamental, os ramos.» Han Zhuo que praticou a arte da pintura, foi um funcionário militar durante o reino estético do imperador Huizong (11011126) e notar-se-á um eco de organização militar no seu metódico tratado, porém e apesar de ter tido a honra de pertencer à Academia Hanlin, fundada pelo imperador Xuanzong, durante a dinastia Tang para interpretar os Clássicos, as suas pinturas são hoje pouco acessíveis. Mas de um outro pintor da dinastia Song do Norte, igualmente originário da vida militar, existem pinturas impressionantes que dão uma ideia do que pintores faziam naquele tempo para responder a um consistente corpo teórico. Yan Wengui (c.967.1022) nasceu em Wuxing (Zhejiang) mas ter-se-á feito notar em Bianliang (actual Kaifeng) a capital onde reinava o impera-

dor Taizong (976-997) tendo igualmente entrado na Academia Hanlin. Zhenzong (997-1022) o seguinte imperador, nomeou-o seu pintor oficial, o que tornaria o seu nome uma inolvidável referência académica, ao lado de Fan Kuan (c.960-1030) e das suas paisagens monumentais. Sabe-se que realizou pinturas murais no templo Xiangguo e na abadia Yuqing Zhaoying mas o seu estilo perduraria em rolos de pinturas. Os detalhes delicados associados a uma execução minuciosa estão presentes em duas das suas mais conhecidas pinturas, que hoje estão presentes em dois museus, curiosamente ostentando nomes idênticos na tradução: «Pavilhões entre montanhas e rios». O rolo vertical (tinta sobre seda, 103,9 x 47,4 cm) que está no Museu do Palácio Nacional, em Taipé, é exemplar na atenção à particular estação do ano e na vontade de fazer corresponder a miríade de situações do cenário pintado da região de Jiangnan, a específicas ressonâncias espirituais no coração do observador. Algo que os teóricos designaram como quanjing, um «panorama», um ambiente, uma atmosfera por oposição a shanshui, «montanhas e águas» que designa um género de pintura, e também se observa noutra obra do mesmo nome que está no Museu de Belas Artes de Osaka (rolo horizontal, tinta e cor sobre seda, 31,9 x 161,2 cm) que propõe essa outra forma privada de caminhar espraiando o olhar, desenrolando a densidade da paisagem como se fora a realidade.


ARTES, LETRAS E IDEIAS 13

segunda-feira 16.11.2020

José Simões Morais

Travessia do Estreito de Magalhães

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navegar há um ano no Atlântico, Fernão de Magalhães partira do Sul de Espanha a 20 de Outubro de 1519 com cinco naus e quatro chegavam ao primeiro momento importante da viagem, a passagem do Oceano Atlântico para o Pacífico. O percurso, por estreitos e baías, iniciara-se a 21 de Outubro de 1520, sendo as 110 léguas, de um mar ao outro, todas feitas em território do actual Chile, cujo único ponto de contacto com o Atlântico está nas baías de Posesion e Lomas. Após 36 dias, a 26 de Novembro aparecia o Mar do Sul, assim baptizado o Pacífico em 1513 por Balboa. Muito do texto que se segue foi construído com base na informação de José Manuel Núñez de la Fuente proveniente do seu livro, Diário de Fernão de Magalhães (Bertrand Editora, 2019). A cinco léguas da costa, as quatro naus estavam a 52º Sul e apareceu a poente um comprido cabo de terra branca (hoje o Cabo Virgenes, a 52º22’S). Era mais uma baía a explorar, onde entraram a 21 de Outubro de 1520, dia da festa da Virgem e de Santa Úrsula e suas companheiras de martírio, e daí denominado Cabo das Onze Mil Virgens. Num porto resguardado por o cabo ficaram com o capitão-mor Fernão de Magalhães as naus Trinidad e Victoria. Já a Santo António, a maior e mais bem abastecida de mantimentos, comandada por Álvaro da Mesquita e a Concepción, por Duarte Barbosa, foram explorar para Oeste, procurando “um estreito com águas a correr de um lado para o outro”. Prevendo ali ficar cinco dias à espera dos resultados das pesquisas, aproveitou-se ir a terra fazer aprovisionamentos. Mas ainda nessa noite o vento virou e tão forte estava que obrigou a soltar as âncoras dos barcos, deixando-os a pairar na baía à mercê do vento e correntes. A tempestade levou a temer-se um naufrágio das outras naus, por delas não haver notícias. Apareceram ao quarto dia; a San António não achara caminho, apenas pequenas bocas de mar baixo. Já Duarte Barbosa, cunhado de Magalhães, na nau Concepción, referiu “terem passado uma garganta muito apertada e dentro dela descobriram outra boca, ainda mais delgada, a mostrar ser um estreito, pois navegaram três dias sem encontrar terra que os parasse e quanto mais andavam para Oeste mais caminho tinham por diante” e lançando muitas vezes a sonda não achavam fundo, “parecendo ser maiores as correntes que as minguantes”. Magalhães logo nomeou o estreito de Virgem da Vitória.

Barbosa, na Victoria retornou todo o caminho até às águas do Atlântico. Estava-se em meados da Primavera e deu para rever a cinzenta paisagem desoladora, rochosa e de pelada vegetação, fustigada pelo vento e neve. Sem encontrar a nau perdida, colocou bandeiras em três montes à vista da costa e em panelas enterradas guardou as cartas do rumo por onde a frota iria seguir. Com isto passaram seis dias parados, desconhecendo estar a San Antonio já a caminho de Espanha, levando preso o seu capitão, o português Álvaro da Mesquita.

ATÉ AO MAR DO SUL

A 28 de Outubro partiam as naus em conserva e pela primeira boca avançaram umas léguas até Magalhães enviar a terra um batel com dez homens sob comando do piloto João Lopes Carvalho para do alto do monte tentarem avistar a saída daquela estreita passagem. Depois seguiram, num rumo Nordeste-Sudoeste, pelo meio do canal a evitar os muitos baixios e desembocando do estreito chegaram à actual baía de S. Felipe. Aí navegando de Leste para Oeste, após contornar duas ilhotas de areia entraram numa nova passagem, menos apertada, mas mais torcida, a correr de Nordeste para Sudoeste. Ultrapassada, as naus singraram trinta léguas Sul-Sudeste e virando para Sul num cabo,

A 28 de Outubro partiam as naus em conserva e pela primeira boca avançaram umas léguas até Magalhães enviar a terra um batel com dez homens sob comando do piloto João Lopes Carvalho para do alto do monte tentarem avistar a saída daquela estreita passagem

por o flanco esquerdo avançaram para Sudeste, onde deram com uma grande baía de águas calmas e umas ilhas. Magalhães mediu a altura do Sol em 53º 33’ Sul e como o caminho se abria em dois canais, enviou a Concepción e a San Antonio verificar o de Sudeste. Estava-se a 8 de Novembro e deu-lhes três dias para ali voltarem a se juntar. No dia seguinte, pelo outro canal partia a Victoria, com Fernão de Magalhães, que após duas léguas encontrou um cabo e junto dele um rio onde fundearam, mesmo sem abrigo para a nau. Aproveitaram para se abastecer de água doce e fresca do rio e de peixe ali abundante, colhendo nas margens lenha, de bom odor ao arder. Ansioso por saber se dali para a frente se abria a passagem ao Mar do Sul, enviou um batel afim de descobrir naquele labirinto o caminho a levar à abertura do estreito. Pelo correr das águas e suas marés eram uns excluídos e outros explorados. Regressaram a 13 de Novembro, anunciando ter avistado de um monte o final do estreito, pois após um cabo se alcançava um mar largo ao qual não se via fim. Logo uma onda de euforia invadiu a tripulação, que animada navegou as duas léguas para o ponto de encontro com as outras naus. Ali ficara a Trinidad e com ela estava já a Concepción, mas a Santo António desde 8 de Novembro nunca mais fora vista, como relatou Juan Serrano ao noticiar ter explorado por duas vezes o canal, confirmando ser uma baía fechada (a Baía Inútil), e não mais viu a San António, apesar de a ter buscado. Perante a triste notícia, logo à sua procura o capitão Duarte

Fazia um mês que exploravam as passagens do presumível Estreito, e a 21 de Novembro estavam fundeados no Canal de Todos os Santos, a 53º e dois terços Sul, à espera do regresso das naus; mas no dia seguinte apenas a Victoria apareceu. Então Magalhães aproveitou questionar todos sobre a vontade de continuar a viagem, ou regressar, <o que não seria digno sem completar a empresa encomendada por o Rei de Espanha>. [Carlos I, da dinastia dos Habsburgos, nesse ano, a 23 de Outubro de 1520, fora coroado Imperador do Sacro Império Romano Carlos V.] A maioria apoiou continuar e com víveres para três meses partiram a 23 de Novembro. Rumaram a Noroeste por um largo canal, com muitas ilhotas que não prejudicavam a navegação e a paisagem mudou para uma verdejante vegetação, aparecendo a Norte altas serras com neve nos cumes e se durante o dia não se via viva alma, à noite as grandes fogueiras assinalavam gente. Montanhas em ambos os lados pareciam cruzar-se a encerrar a passagem, aberta lentamente à medida da velocidade do navegar rumo Noroeste. Após algumas léguas, virando a Nor-Noroeste e dando muitas voltas, pela forma labiríntica do estreito, voltaram a seguir para Noroeste e muitas léguas depois, junto a três ilhas, um cabo, baptizado Desejado por Magalhães, cuja altura era de 52 graus e um terço Sul. O correr das águas dava por fim a certeza daquela ser uma passagem entre os oceanos. Desembocando do estreito a 26 de Novembro, apareceu a bombordo mar aberto e a estibordo, a terra continuava para Norte por onde vogaram dois dias ao longo da costa abrigados dos ventos. A 28 de Novembro de 1520, o capitão-mor perante o mar calmo e ventos temperados, aos 46º Sul mandou rumar a Noroeste, entrando as três naus pelo Mar do Sul adentro. Perante as calmas águas, Fernão de Magalhães chamou-o de Pacífico.


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THE MOVIE DEMON SLAYER: KIMETSU NO YAIBA MUGEN TRAIN [C] FALADO EM JAPONÊS LEGENDADO EM CHINÊS Um filme de: Sotozaki Haruo 14.30, 16.45, 19.15, 21.30

COME PLAY [B]

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O Presidente americano Donald Trump admitiu este domingo pela primeira vez que Joe Biden foi o vencedor das eleições presidenciais nos Estados Unidos neste ano. No Twitter, no entanto, Trump voltou a falar em fraude eleitoral. “Ele venceu porque a eleição foi uma fraude.”,

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Cineteatro

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Um filme de: Jacob Chase Com: Azhy Robertson, Gillian Jacobs, John Gallagher Jr. 14.30, 16.30, 19.30, 21.30 SALA 3

THE WITCHES [B] Um filme de: Robert Zemeckis Com: Anne Hathaway, Octavia Spencer Stanley Tucci, 14.30, 16.30, 19.30, 21.30

UM FILME HOJE A relação entre os Paralímpicos e a aceitação de pessoas portadoras de deficiência na sociedade, bem como o reconhecimento dos seus direitos, é um dos temas centrais deste documentário. São contadas histórias de superação de dificuldades de atletas de alta competição de diferentes partes do mundo. Paralelamente, é contada a história dos Paralímpicos, desde que Ludwig Guttmann incluiu o desporto na reabilitação de pacientes até aos jogos no Rio de Janeiro, a falta de financiamento pôs em risco o evento. Salomé Fernandes

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acusou Trump. Na quinta-feira, as autoridades eleitorais americanas informaram em comunicado “não haver provas” de que votos foram perdidos ou alterados. O comunicado diz ainda que “as eleições de 3 de Novembro foram as mais seguras da história americana.”

RISING PHOENIX | IAN BONHÔTE E PETER ETTEDGUI

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opinião 15

segunda-feira 16.11.2020

ai, portugal, portugal ANDRÉ NAMORA

A

A TAP devia fechar a porta

Filomena era linda, tinha treze anos. Loirinha e diziam que era a mais bonita da escola. A miudagem no recreio não a largava e só queria brincar com ela. Cresceu e os anos da adolescência colocaram-na num patamar de espanto. A beleza era invulgar. Um amigo de seu pai disse que a filha poderia ser a modelo mais linda para capas de revistas, e não só. O pai rejeitou logo a proposta e ao dialogar ao jantar com a sua mulher, num dia em que a filha tinha saído com amigos, veio à baila a conversa sobre a beleza da filha. De tudo um pouco trocaram impressões sobre a filha. O pai preocupado com o curso de medicina que lhe parecia ser a preferência da filha. A mulher respondeu-lhe que devia andar enganado. A surpresa do pai foi total e interrogou-se sobre os gostos da filha que tinha alguns quatro rapazes atrás dela como candidatos a namorados. A senhora depois de terminar a refeição e após o café que não dispensava, virou-se para o marido e transmitiu-lhe: - “A tua filha tem um sonho há muito tempo. Ela só pensa em poder ser hospedeira de uma companhia aérea... ela quer mesmo ser hospedeira!”. O pai ficou atónito e ainda perguntou: - Quer ir para a TAP?”. A interlocutora retorquiu que possivelmente seria na TAP que ela arranjaria lugar, até porque tinha acabado de ser admitida uma amiga mais velha mas muito mais deselegante que a filha. O pai levantou-se da mesa, pegou num whisky, preparou um charuto, sentou-se no sofá e puxou pelo telefone. Do outro lado da linha estava um amigo que era director na TAP. Falou-lhe no caso da filha e o amigo respondeu-lhe que tomara a TAP ter hospedeiras lindas, altas e elegantes como a sua filha. O caso estava arrumado e Filomena iria participar, sem quaisquer entraves do pai, no curso para comissária de bordo nas instalações da TAP. No final do curso ficou aprovada com distinção. Durante quatro anos voou para os mais diversos destinos e deixou muitos comandantes e co-pilotos de boca aberta quando ela se juntava às suas equipas de viagem. Filomena teve um filho e como mãe solteira a vida profissional dava para todas as despesas, incluindo uma ama que ficava com o bebé durante as suas ausências. Na TAP a vida de um trabalhador nunca foi um sossego.Aempresa andou financeiramente sempre aos altos e baixos. Os trabalhadores protestavam quando o subsídio de férias ou de Natal não caíam na conta bancária. A TAP atravessou um período liderado por um administrador brasileiro que tinha chagado cheio de fama no sector, como se em Portugal não existisse ninguém que tivesse capacidade

para dirigir os destinos de uma das maiores empresas e que, afinal, só apresentava débitos. A perplexidade maior foi a aquisição de novos aviões quando a TAP nem dinheiro tinha para comprar um avião de papel. Ainda me recordo quando na década de 1990 os aviões da TAP fizeram a rota Lisboa-Macau e a China pretendeu negociar uma rota que fizesse escala numa cidade chinesa e oferecia à TAP três aviões dos melhores. Os “chicos-espertos” administradores da altura na TAP negaram por completo a proposta da China e o voo Macau-Lisboa foi por água abaixo, porque afinal era Macau que pagava praticamente tudo.

Entretanto, assistimos a uma privatização sui generis tendo como grandes accionistas o homem rico da Barraqueiro e um “tretas” brasileiro que iam levando a empresa à falência, não fosse o governo estar sempre a “meter” nos cofres da TAP o nosso dinheiro. E o dinheiro nunca chegava para nada, nem para a manutenção, o que alguns mecânicos da empresa consideravam um crime. Recentemente, o governo passou a ter um ministro, que adora ter um Maserati, que praticamente “nacionalizou” a TAP e 2.000 trabalhadores vão para o desemprego.

Naturalmente, que a segunda vaga da covid-19 levou a Europa a adoptar novas restrições às populações, incluindo a circulação de aviões. Mas a TAP só sabe cancelar voos e a Filomena não voa há três semanas... A TAP é um desgosto nacional e que devia, infelizmente, fechar a porta

Filomena chegou a casa a chorar e os pais aterrorizados pensaram o pior, que tivesse sido assaltada e violada. Debalde. A filha sentia o seu sonho a desmoronar-se e tinha quase a certeza que iria ser despedida nesta leva da “limpeza” do homem do Maserati. A TAP só tem tido problemas em diversos quadrantes: são os credores, é o presidente da Câmara do Porto que contesta não existirem rotas a partir da cidade invicta, os trabalhadores só olham para os aviões estacionados em fila junto à pista, já sem lugar para estacionamento. As rotas diminuíram, mas os aviões de outras companhias chegam a Lisboa completamente cheios. Naturalmente, que a segunda vaga da covid-19 levou a Europa a adoptar novas restrições às populações, incluindo a circulação de aviões. Mas a TAP só sabe cancelar voos e a Filomena não voa há três semanas... A TAP é um desgosto nacional e que devia, infelizmente, fechar a porta. *Texto escrito com a antiga grafia


Quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria.

SS Gripe em crianças desce 22,4 por cento

PALAVRA DO DIA

TIAGO ALCANTARA

Clarice Lispector

Jogo Cloee Chao pede bónus para trabalhadores

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número de casos de gripe registados entre Setembro e sexta-feira passada é “significativamente menor” que no período homólogo de 2019. De acordo com dados revelados ontem pelos Serviços de Saúde (SS), o número de crianças com gripe registadas no Serviço de Pediatria diminuiu 22,4 por cento em relação ao mesmo período do ano passado. Também os dados de monitorização de doenças do Centro Hospitalar Conde de São Januário relativos ao período desde o início de Setembro até ontem apontam na mesma direcção. O número de doentes com gripe registados nos dois hospitais de Macau diminuiu 8,7 por cento em relação a 2019. Além disso, os dados de vacinação contra a gripe mostram que, de 28 de Setembro a 11 de Novembro deste ano, mais de 102 mil pessoas foram vacinadas, um total que acrescenta 24 mil pessoas ao período homólogo do ano passado. Quanto a infecções colectivas de gripe, os SS informam que “desde Setembro de 2019 até à presente data, foram registados 8 casos principalmente em creches e instituições de educação infantil, número que representa uma redução significativa em relação com aos 24 casos registados no período homólogo do ano passado”. Em resposta aos surtos de infecções respiratórias que ocorreu em Hong Kong na semana passada, os SS, em coordenação com a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, fizeram acções de fiscalização 78 escolas e 127 centros de explicações e instituições de educação contínua para verificar as condições de higiene ambiental e apelam “às escolas e aos residentes para fortalecer a prevenção”. J. L.

segunda-feira 16.11.2020

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Confusões tácticas Com jogos e treinos de várias associações e modalidades em risco, o Governo acabaria por recuar ainda no mesmo dia, através de comunicado

Governo quis obrigar a testes de covid-19 antes de jogos, mas voltou atrás

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informação foi dada, na sexta-feira à tarde, pelos responsáveis da Associação de Futebol de Macau aos clubes: a partir daquele dia as competições estavam suspensas porque era necessário tratar das formalidades para que os jogadores começassem a fazer os testes de covid-19, com um resultado negativo, nos sete dias antecedentes aos jogos. Os custos tinham de ser assumidos pelos clubes e a imposição não se limitava às competições seniores, também os escalões de formação tinham de realizar os testes, e pagá-los, para poder haver competições. Às equipas foi explicado que as novas medidas entravam em vigor devido às orientações dos Serviços de Saúde, que estão a coordenar a

resposta à pandemia, e que os jogos ficavam suspensos, com efeito imediato e por tempo indeterminado para haver uma adaptação às exigências. Com jogos e treinos de várias associações e modalidades em risco, o Governo acabaria por recuar ainda no mesmo dia, através de comunicado. “O Instituto do Desporto informa que, após coordenação com os Serviços de Saúde, reiniciará todas as actividades locais de treinamento e competição a partir de amanhã [sábado]”, podia ler-se no comunicado emitido ao final da noite de sexta.

SEGURANÇA E BEM-ESTAR

No dia seguinte, Pun Weng Kun, presidente do Instituto do Desporto (ID), reagiu à polémica, à margem da inauguração da exposição Carros

do Grande Prémio de Macau, no Tap Seac. Em declarações aos jornalistas, Pun Weng Kun admitiu que a decisão tinha sido inconveniente para as associações e atletas envolvidos no desporto local, e assumiu que a decisão tinha sido tomada após um consenso entre os SSM e o ID para aplicar as orientações mais recentes de como lidar com a pandemia. Ainda em relação à decisão que foi revertida no mesmo dia, Pun explicou que o objectivo passou sempre por garantir a “maior segurança e bem-estar” de todos os envolvidos. Por outro lado, o presidente do ID olhou para o futuro e para as medidas que vão ser adoptadas, deixando antever uma maior flexibilidade das autoridades. J.S.F.

FILIPINAS TUFÃO VAMCO MATA PELO MENOS 67 PESSOAS

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Tufão Vamco provocou pelo menos 67 mortos nas Filipinas, segundo o balanço feito pelas autoridades locais, que apontam para 1,1 milhão de pessoas afectadas por este que é o 21.º ciclone que assolou o país este ano. Ainda há 12 pessoas desaparecidas devido ao tufão, que danificou 25.852 residências no norte do país, segundo informações avançadas

ontem pelo porta-voz do Conselho de Redução de Risco de Desastres (NDRRMC), Mark Timbal, citado pela agência de notícias espanhola EFE. De acordo com dados do NDRRMC, 1,1 milhão de pessoas foram afectadas pela tempestade, que obrigou a que cerca de 370 mil pessoas tivessem de deixar as suas casas. As operações de resgate continuam no norte

da ilha de Luzon, onde milhares de pessoas ficaram presas nas enchentes. O Vamco é o quinto tufão a atingir as Filipinas no último mês, tendo já causado graves inundações e deslizamentos de terra em muitas partes de Luzon, incluindo Manila, onde se registaram as piores enchentes em décadas. Este ano, as Filipinas já foram fustigadas por

21 ciclones e, segundo o serviço meteorológico Pagasa, ainda podem sofrer a passagem de mais quatro até o final de 2020. O tufão, que atingiu a costa na noite de quarta-feira com ventos de 155 quilómetros por hora e rajadas até 255 quilómetros por hora, piorou as condições de muitos afectados pela pandemia Covid-19, que causou mais de 400 mil casos e 7.700 mortos.

Associação dos Direitos dos Trabalhadores do Jogo de Macau, liderada por Cloee Chao, exigiu ao Governo que pressione as operadoras a cederem o bónus do 13.º mês. A posição foi tomada na sexta-feira, com a entrega de uma carta na sede do Executivo. Apesar de agradecer às seis operadoras do jogo de Macau o esforço na protecção do emprego dos trabalhadores locais em época de pandemia, a associação alegou que este ano já não houve o bónus do Verão e que como “o pior [da crise] já passou”, com sinais de recuperação, as empresas têm capacidade para fazer face a mais esta despesa. Além disso, Cloee Chao defendeu que “as seis maiores empresas de jogo têm obtido lucros enormes ao longo dos anos, e quanto mais lucros fazem, mais responsabilidades têm de assumir, pelo que deveriam ser consideradas mais responsáveis pela promoção da recuperação económica de Macau e pela manutenção da estabilidade social”. A associação pediu ainda ao Governo que reconsidere a decisão de não injectar em 2021 as habituais sete mil patacas no Regime de Previdência Central Não Obrigatório. Esta é uma medida extraordinária que está indexada ao excedente orçamental. Como este ano e no próximo ano, deverá haver défices orçamentais, o Executivo suspendeu este apoio social. “Até o orçamento do Governo está no ‘vermelho’ este ano, o que mostra que o impacto da epidemia nas famílias dos cidadãos comuns é ainda maior”, salientou a associação face à necessidade de distribuição das sete mil patacas.


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