Hoje Macau 17 JAN 2016 #3735

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MOP$10

TERÇA-FEIRA 17 DE JANEIRO DE 2017 • ANO XVI • Nº 3735

DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ

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hojemacau VIOLÊNCIA DOMÉSTICA VÍTIMAS NO MASCULINO

Homens a beira de um ataque de nervos ´

IMPRENSA

`

CASO HO CHIO MENG

A procura Aversão de uma de um carteira adjunto PÁGINA 6

PÁGINA 6

FRINGE HUSAM ABED EVENTOS

SOFIA MOTA

AGÊNCIA COMERCIAL PICO • 28721006

PUB

GRANDE PLANO

Power Rangers OPINIÃO TÂNIA DOS SANTOS

h

O brinquedo da vida PAULO JOSÉ MIRANDA


2 GRANDE PLANO

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA IAS DETECTOU 29 VÍTIMAS DO SEXO MASCULINO

MURROS NO FEMIN G

ANHOU coragem quando foi expulso de casa. A mulher agredia-o e a família mandou-o embora. Teve de arranjar coragem para começar tudo do zero: era necessário encontrar uma casa e um novo emprego. O estigma, contudo, era maior do que o medo. “Foi difícil para ele, mas depois conseguiu encontrar um alojamento e um emprego. Ganhou confiança para enfrentar o problema e entrar na sociedade.” A história, descoberta pela Caritas Macau há cerca de um ano, é contada ao HM por Paul Pun, secretário-geral da instituição. O caso deste homem é apenas um de muitos que acontecem no território e sobre os quais pouco se fala. Dados concedidos ao HM pelo Instituto de Acção Social (IAS) revelam que, no ano passado, o sistema de registo central relativo à violência doméstica contou com 29 casos em que as vítimas são do sexo masculino. Onze desses processos dizem respeito a homens que estão em relacionamentos, enquanto 16 casos são sobre rapazes menores de idade. Não foi registado qualquer caso de violência contra idosos ou homens com incapacidades.

“Acredito que há mais casos por descobrir, porque os homens que são vítimas de violência tendem a não falar do que se passa.” PAUL PUN SECRETÁRIO-GERAL DA CARITAS Paul Pun garante que há mais histórias por detectar para além dos números oficiais. “Acredito que há mais casos por descobrir, porque os homens que são vítimas de violência tendem a não falar do que se passa e não procuram ajuda. No passado, as pessoas acreditavam que os

homens não eram vítimas de nenhum tipo de violência, mas há vários casos a acontecer. Muitas vezes só podem contar aos profissionais, com os quais têm mais confiança. Muitos

perdem o emprego”, apontou o secretário-geral da Caritas. Tendo em conta a sua experiência a lidar com a comunidade chinesa, Paul Pun fala de casos esporádicos, que raramente en-

tram para as estatísticas. “Temos de fazer um maior trabalho para reduzir os casos de violência, incluindo os casos em que os homens são as vítimas. Não encontrei muitos casos de violência

doméstica entre famílias, mas os números avançados pelo Governo podem revelar que há mais situações deste género.” Melody Lu, docente da Universidade de Macau e membro da


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INO

Os homens que são vítimas de violência doméstica em Macau tendem a viver na sombra do medo. Não falam porque não é suposto serem vítimas e muitos temem perder o emprego. O Governo registou 29 casos de violência doméstica que envolvem 11 homens que estão em relacionamentos. Para eles, faltam centros de acolhimento e um diferente tipo de aproximação podemos esquecer que as vítimas também podem ser os filhos e os maridos. Quem esteja numa posição mais fraca na família pode ser a vítima e, neste caso, quando as mulheres são mais fortes em termos de personalidade ou têm melhores salários. Mas isso não está reportado. Os homens sentem mais vergonha do que as mulheres em dizerem que sofrem de violência doméstica.”

“Mesmo que os casais homossexuais reportem os casos de violência junto do IAS, como a lei não os protege, o instituto não irá fazer nada para os ajudar.” ANTHONY LAM PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO ARCO-ÍRIS DE MACAU Os homens “sentem vergonha, sentem que não deveriam ser eles as vítimas”. “Também estão mais esquecidos porque não é suposto que sejam vítimas de violência física ou mesmo psicológica. É mais difícil ver as evidências”, acrescentou Melody Lu.

HOMOSSEXUAIS NA PENUMBRA

Coligação Anti-Violência Doméstica, fala da dificuldade que é lidar com estes casos na prática. “Sabemos que, em Macau, a violência doméstica é predominante nas mulheres, mas não

Anthony Lam, presidente da Associação Arco-Íris de Macau, mostrou-se surpreendido com o número de vítimas registado no ano passado. “É a primeira vez que oiço falar destes números, porque o IAS não contacta connosco. Basicamente não há qualquer tipo de comunicação. Por um lado, é um fenómeno positivo que a legislação sobre a violência doméstica esteja a funcionar em termos práticos mas, por outro, a comunidade gay está totalmente afastada desta lei e há casos de violência que também necessitam de apoio, tanto da parte da associação, como do Governo.”

Se os homens em relacionamentos heterossexuais vivem na sombra do medo, os homossexuais ainda mais. “Há casos escondidos, mas penso que mesmo que os casais homossexuais reportem os casos de violência junto do IAS, como a lei não os protege, o IAS não irá fazer nada para os ajudar”, referiu Anthony Lam. O presidente da associação que defende os direitos da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero) continua a defender a inclusão dos casais LGBT na lei, numa altura em que se volta a falar da revisão do diploma da violência doméstica. “Estamos felizes com o facto de o Governo estar a fazer a sua parte, mas diria que não estamos em contacto próximo com a Administração para monitorizar a situação de perto”, sublinhou. “Se me pergunta como podemos melhorar a legislação, a nossa posição mantém-se igual à de há um ano: queremos que os casais homossexuais sejam abrangidos pela lei da violência doméstica. Os casais homossexuais não estão a ser protegidos pela legislação e não há nada que o IAS possa fazer para os ajudar”, frisou Anthony Lam.

QUE MEDIDAS?

Paul Pun considera que os casos de violência que envolvem homens e mulheres devem ser tratados da

mesma maneira pelas autoridades, mas acredita que “a forma de protecção deve ser diferente”. “Os homens que são vítimas de violência podem perder o emprego. Se as mulheres disserem que são vítimas de violência, continuam a ser protegidas. Em alguns casos, as mulheres tendem a dizer directamente às pessoas, mas os homens têm de se proteger, há uma diferente perspectiva e sentem-se ainda piores. Deve ser feita uma aproximação diferente ao problema.”

“Também estão mais esquecidos porque não é suposto que sejam vítimas de violência física ou mesmo psicológica.” MELODY LU MEMBRO DA COLIGAÇÃO ANTI-VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Melody Lu fala da falta de acolhimento para as vítimas de sexo masculino. “Em Macau há poucos casos, não porque não há vítimas, mas porque têm vergonha de contar que o são. Quando o

IAS toma conta das ocorrências não há uma divisão, homens e mulheres devem ser tratados da mesma maneira. Mas no que diz respeito ao alojamento só temos dois centros, um deles o Centro do Bom Pastor. Não há um centro para vítimas do sexo masculino”, concluiu. O IAS divulgou os primeiros dados sobre a violência doméstica, após a implementação da lei, em Outubro do ano passado. Foram recebidas 96 queixas só no primeiro semestre do ano, mais do que os casos denunciados em 2015. Quanto às denúncias, foram feitas 80, sendo que envolveram 82 vítimas. No primeiro semestre as queixas foram 96, afectando 97 vítimas. À data, a presidente do IAS, Celeste Vong, atribuiu estes números ao facto de a nova lei da violência doméstica ter tornado público este tipo de crime. Celeste Vong disse que as autoridades esperam que as denúncias continuem a aumentar, na sequência da entrada em vigor da lei, e da elaboração de um guia de resposta à violência doméstica destinado a diversas entidades e instituições. Foi criada, em Novembro de 2015, uma linha de apoio às vítimas. Andreia Sofia Silva

andreia.silva@hojemacau.com.mo

JULIANA DEVOY NÚMERO DE CASOS VAI AUMENTAR

A

directora do Centro do Bom Pastor, que acolhe mulheres vítimas de violência doméstica, garante que os casos de violência sobre os homens são menos comuns do que no feminino. “Todos podem ser vítimas de violência, os idosos também. Estou certa de que há casos de homens que são vítimas de violência, mas os números não se podem comparar. Na sua maioria, os homens são os agressores e as mulheres as vítimas.” Independentemente disso, garante que os casos deve-

rão voltar a aumentar este ano. “Seria necessário fazer uma investigação comparativa todos os anos para saber se há ou não um aumento de casos. Penso que os casos ao longo dos anos têm sofrido uma flutuação, mas não diminuíram, e não me parece que o número de casos vá diminuir este ano. Pelo contrário, penso que vão aumentar. As pessoas vão sentir mais confiança em falar.” Juliana Devoy acredita ser necessária mais formação junto dos agentes da autoridade, para que saibam

mais facilmente identificar os casos de violência doméstica. “Espero que haja uma melhor formação dos polícias na identificação dos casos e mais encorajamento junto das vítimas para que possam reportá-los. Esperamos que, em breve, haja uma diminuição da violência doméstica, mas não acho que vá desaparecer para sempre. Na maior parte dos lugares onde a lei foi testada surgiram novos casos de violência, com pessoas que ganharam coragem para denunciar as situações.”


4 POLÍTICA

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Há oito anos que anda preocupado com o assunto, sem ter obtido respostas que o satisfaçam. Há um aterro no Lago Nam Van construído de forma provisória que Au Kam San entende que deve ser destruído. Por isso, escreveu ao Chefe do Executivo

Lago Nam Van AU KAM SAN EXIGE EXPLICAÇÕES SOBRE TERRENO

De provisório a eterno res já cravados, e que o panorama original do lago seria reposto”.

O LOTE DE VOLTA

O

deputado Au Kam San quer saber por que razão parte do lago Nam Van está ocupada por um aterro que, aquando da construção, foi justificado como sendo provisório. Numa interpelação escrita, o pró-democrata conta que há oito anos apresentou uma interpelação sobre o assunto mas, até à data, a desocupação ainda não aconteceu. “Não sei se esta situação se deve a esquecimento ou a condescendência por parte das autoridades”, diz. Au Kam San recorda todos os passos da história: em meados de Março de 2008, “um terreno com cerca de dois mil metros quadrados, conquistado por aterro, estendeu-se repentinamente ao lote 9 nas proximidades do Lago Nam Van, com a movimentação de um elevado número de camiões de algumas empresas de construção, para a realização de obras, que decorreram ao longo de várias noites”.

A

cruzada de Ella Lei na demanda contra a entrada de estrangeiros no mercado de trabalho em Macau conheceu ontem mais um capítulo. A deputada perguntou à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) a razão pela qual ainda não foi elaborada uma proposta de lei que proíba os não residentes que entram em Macau de procurarem emprego. A questão prende-se com quem chega com estatuto de visitante, mas permanece para trabalhar no território. A representante da Federação das Associações dos Operários de Macau não se

Explica o membro da Assembleia Legislativa que, na altura, os moradores da zona ficaram “bastante assustados” com o aterro, tendo questionado a legalidade do terreno conquistado ao lago “subitamente” e a “altas horas da noite”. Ainda de acordo com Au, o Governo da RAEM explicou que as obras de aterro se destinavam à construção de uma plataforma de trabalho provisória, afirmando que o construtor tinha já obtido a licença necessária do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) e

O deputado alerta para o facto de a plataforma estar a impedir a fluidez da corrente, com lixo acumulado à volta, o que prejudica “gravemente” o ambiente

A lei de Ella

Deputada insiste na proibição da procura de emprego por visitantes

refere apenas a visitantes do Interior da China. “Os casos que envolvem visitantes que procuram emprego em Macau e que, depois, permanecem na qualidade de trabalhador não residente, têm sido um motivo de irritação por parte de muitos trabalhadores.” A deputada acrescenta ainda que estas pessoas podem representar um problema latente de segurança pública, não apresentando para o efeito quaisquer dados estatísticos. Para

tal, baseou-se no caso episódico de um filipino que raptou uma criança no território. Ella Lei recordou ainda que em Julho de 2014, em resposta a uma interpelação escrita relativa a este tópico, a DSAL referiu estar a analisar a lei da contratação de trabalhadores não residentes, assim como os regimes relacionados. No final de 2015, durante o debate das Linhas de Acção Governativa, foi referido que estava em

a autorização das Obras Públicas para os trabalhos preparatórios de construção de alicerces. Estes trabalhos preparatórios, destaca, incluíam “a demolição de pilares que já estavam cravados no lago e as obras de aterro para a construção de uma plataforma provisória”. Em resposta a uma interpelação de Au Kam San apresentada na altura, as Obras Públicas apontaram, “claramente”, que a plataforma em questão seria destruída “logo depois de concluídas as obras de demolição e substituição dos pila-

curso um estudo interdepartamental para responder à exigência de proibição da transformação dos turistas em trabalhadores não locais. Porém, “pesadas as vantagens e desvantagens, ainda não decidida uma proposta final”, comenta. A deputada mencionou ainda que em Julho de 2016 a DSAL, em resposta a uma interpelação escrita, referiu que tinha comunicado com o Corpo de Polícia de Segurança Pública e com o Gabinete dos Recursos Humanos no sentido de elaborar uma proposta de lei. Além disso, a DSAL terá recolhido opiniões de organizações no sentido de apertar o cerco a quem che-

Acontece que, depois de “realizados alguns trabalhos”, as obras do estaleiro “cessaram por completo e ninguém sabe se já foi levada a cabo a tal substituição dos pilares cravados”. Também não existe uma calendarização concreta para a demolição da plataforma de trabalho provisória, assinala o deputado. “O IACM, que autorizou a ocupação do lago naquela altura, sabe que o prazo da ocupação já foi excedido há muitos anos mas, segundo sabemos, pelo facto de não ter competências para isso, não consegue que sejam removidos os materiais que estão a ocupar o lago, nem que seja reposto o panorama original”, lamenta. Também as Obras Públicas não estarão a acompanhar o caso, pelo que Au Kam San pretende que lhe expliquem o que está a Administração a fazer em relação ao caso. O pró-democrata alerta ainda para o facto de a plataforma estar a impedir a fluidez da corrente, com lixo acumulado à volta, o que prejudica “gravemente” o ambiente no lago. “As autoridades vão continuar a tolerar esta situação?”, pergunta. Por fim, em relação ao terreno que esteve na origem da construção da plataforma – o lote 9 da zona A –, o deputado escreve que o prazo de aproveitamento da parcela terminou em Janeiro de 1998. “O construtor em questão não procedeu ao aproveitamento dentro do prazo legal”, aponta, defendendo que o Governo deve reaver o lote. I.C.

ga ao território em busca de emprego. “Já entrámos no ano de 2017, porém, a proposta ainda não foi concluída,” lamentou. Insistindo, Ella Lei pergunta até quando a proposta irá ser adiada e quando será implementada, alertando para o facto de que a iniciativa legislativa está há mais de dois anos à espera de resolução. Recorde-se que, em Macau, a taxa de desemprego mantém-se estável, nos 1,9 por cento, número que se enquadra no conceito económico de pleno emprego. A.K.


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O

anúncio foi feito ontem à comunicação social, à margem da reunião da 1.a Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL). A secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, revelou que os Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) já começaram os trabalhos preparativos para a eleição da AL. PUB

Uma questão de prioridades Comissão de Assuntos Eleitorais da AL ainda em Janeiro

SÓNIA CHAN À ESPERA DO CCAC

GCS

A secretária para a Administração e Justiça prevê a constituição da Comissão de Assuntos Eleitorais ainda este mês. As eleições para a Assembleia Legislativa começam a tomar forma. O processo atrasou o trabalho para os órgãos municipais sem poder político

POLÍTICA

A

Sónia Chan

Vão começar em breve as iniciativas com vista à promoção do acto eleitoral, sendo que os SAFP se prestaram a oferecer apoio aos trabalhos da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa. De acordo com a dirigente, a comissão será constituída ainda este mês, aguardando-se ainda a atribuição pelo tribunal do nome do representante do organismo. Só findo

este processo poderá ser criada a comissão, através de despacho do Chefe do Executivo. Sónia Chan explicou ainda que a necessidade de o Executivo se focar no processo eleitoral atrasou o calendário que estava previsto para a realização da consulta pública para a criação de órgãos municipais. A secretária acrescentou ainda que, como esta matéria envolve a Lei Básica, o Governo

secretária para a Administração e Justiça ainda não foi contactada pelo Comissariado contra a Corrupção acerca da queixa que foi apresentada sobre o facto de ter recomendado um familiar para trabalhar no Ministério Público. Sónia Chan diz ter conhecimento da queixa apenas pela comunicação social, tendo garantido, no entanto, que está empenhada em colaborar com o trabalho de investigação. O caso da recomendação da secretária surgiu depois de Ho Chio Meng, o antigo procurador da RAEM, ter dito em tribunal que recebeu telefonemas com indicações sobre pessoas interessadas em trabalhar no Ministério Público. “As duas secretárias de apelido Chan [em referência a Florinda Chan e a Sónia Chan, respectivamente antiga e actual secretária para a Administração e Justiça] chegaram a telefonar-me”, afirmou. Sónia Chan nega ter existido qualquer “troca de interesses” ou ilegalidade.

da RAEM precisa consultar os serviços competentes do Governo Central, com quem já se encontra a trocar impressões. Apesar da urgência na criação dos órgãos municipais sem poder político, o Executivo prevê que a consulta popular acerca deste assunto se realize ainda este ano. Recorde-se que a criação deste tipo de estrutura foi anunciada em Novembro de 2015, aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2016. Na altura, o Chefe do Executivo referiu que, no segundo semestre de 2016, iriam ser concluídas as sugestões preliminares para que se iniciasse a consulta pública. A ideia inicial era a constituição do órgão municipal em 2018 mas, em Setembro do ano passado, na altura da divulgação do documento final do Plano Quinquenal de Desenvolvimento de Macau, ficou a saber-se que deverá ser concretizada apenas em 2019. HM


6 SOCIEDADE

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TIAGO ALCÂNTARA

A primeira conquista Jornalistas de Macau lutam por carteira profissional

F Ho Chio Meng EX-ASSESSOR DIZ TER FORJADO DADOS PARA GASTOS IRREGULARES

A versão de um adjunto Chan Ka Fai, ex-funcionário do Ministério Público, admitiu existirem irregularidades no sistema de pagamento de despesas, com conhecimento do Gabinete do Procurador, durante o mandato de Ho Chio Meng

É

arguido no caso mas, ainda assim, foi ouvido ontem como testemunha no Tribunal de Última Instância (TUI). De acordo com a Rádio Macau, que tem estado a acompanhar o julgamento do antigo procurador da RAEM, Chan Ka Fai, antigo assessor, admitiu que, durante anos, houve manipulação de facturas e de propostas de orçamento, com datas e valores alterados, e omissões de dados. Funcionário do MP até 2015, Chan Ka Fai estava à frente de um grupo criado por Ho Chio Meng para tratar dos assuntos relacionados com a aquisição de bens e serviços. A equipa foi criada por despacho interno e respondia directamente ao chefe de Gabinete de Ho Chio Meng, cargo então assumido por António Lai, também arguido. A comunicação seria feita através de notas “post-it”, coladas em documentos oficiais relacionados com gastos públicos, e eram dadas instruções nestes apontamentos. Ainda segundo o relato da emissora, a acusação exibiu uma nota em que António Lai terá escrito “tratar de uma forma mais segura” – em causa estava uma factura sobre a compra de móveis, apresentada como um exemplo de aquisição de bens para o MP, sem conhecimento prévio do departamento responsável. Chan Ka Fai contextualizou: “Quando [Ho Chio Meng] se deslocava ao exterior e via mobília que achava adequada, comprava. Só depois é que sabíamos se era para o serviço ou para [uso] particular”.

A testemunha explicou que a liquidação do adiantamento deste tipo de despesas era feita através de empresas de Wong Kuok Wai, também arguido no processo por alegado favorecimento nas adjudicações do MP. Na versão da acusação, o empreiteiro (a quem foram atribuídos todos os contratos do MP durante o tempo de Ho Chio Meng) cobrava comissões até 20 por cento para a aquisição de bens e serviços. A testemunha falou numa margem de lucro de cinco por cento, com base na palavra dada por Wong Kuok Wai, uma vez que Chan Ka Fai disse não ter acesso às facturas dos fornecedores efectivos. O ex-assessor reconheceu que a prática era “inadequada” e “não justificável”, e garantiu que tentou confrontar o ex-chefe de Gabinete de Ho Chio Meng. “Tentámos perguntar mais, mas ele tem uma má atitu-

“Quando [Ho Chio Meng] se deslocava ao exterior e via mobília que achava adequada, comprava. Só depois é que sabíamos se era para o serviço ou para [uso] particular.” CHAN KA FAI EX-ASSESSOR

de. Mostrava uma cara muito zangada ou não respondia. Se continuasse a insistir, ralhava comigo”, afirmou. Ouvido pela defesa, Chan Ka Fai reconheceu que “ninguém [do grupo] gostava” de António Lai e que “não havia uma boa relação”.

SEIS FACTURAS FALSAS

A testemunha disse ter recebido “instruções muito claras” de Lai para não identificar nas folhas de pagamento as pessoas que acompanhavam Ho Chio Meng em viagens ao exterior, com despesas pagas pelo MP. A matéria era tratada como “confidencial”. A viagem à Europa que consta da acusação contra Ho Chio Meng foi um dos casos – o ex-procurador aproveitou uma deslocação oficial à Dinamarca para viajar com a família para outros países europeus. A viagem custou 569 mil patacas ao MP, mais de metade do permitido por lei, anualmente. Para conseguir dar cobertura a esta despesa, Chan Ka Fai disse que metade dos gastos foi liquidada no ano seguinte, com a emissão de seis facturas falsas. A Rádio Macau conta ainda que a testemunha admitiu que um grupo de funcionários “inventou actividades”, com conhecimento de António Lai e de mais dois assessores. Chan Ka Fai disse não saber se Ho Chio Meng foi também informado mas, ao longo do depoimento, foi afirmando que sempre partiu do princípio de que as indicações do então chefe de Gabinete vinham do antigo Procurador.

OI aprovada para debate a proposta da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau, que pretende a atribuição da carteira profissional para os jornalistas que trabalham no território. Porém, ainda há um longo caminho a percorrer. Há 19 anos que não se realizava um congresso de jornalistas em Portugal, apesar de há muito se falar no assunto, nomeadamente para a criação de uma ordem profissional. Segundo João Francisco Pinto, presidente daAssociação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), os trabalhos foram “muito focados em questões que nos passam ao lado, como a precariedade profissional dos jornalistas, os baixos salários, a instabilidade laboral”. O problema de Macau prende-se com a certificação profissional de quem trabalha em órgãos de comunicação social locais. Em primeiro lugar, porque não existe um organismo que emita o título. Em segundo, porque os regulamentos da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) não permitem a emissão de títulos para fora do território português. Além da falta de certificação, acrescenta-se que na RAEM não existe código deontológico que regule a profissão, assim como não estão aprovados quaisquer estatutos de jornalistas que, de acordo com a associação, são mais de cem. “A moção que a AIPIM levou ao congresso para que a comissão da carteira profissional reconhecesse a situação dos jornalistas portugueses de Macau teve votos contra”, relata João Francisco Pinto, que ainda não tem dados concretos sobre o número de votos negativos que a moção recebeu. Ainda assim, a proposta segue para debate. Muito além de um mero capricho de reconhecimento burocrático, a carteira certifica o profissional enquanto jornalista. Ou seja, quem começou a profissão em Macau, se quiser regressar a Portugal, ficará na posição de estagiário e terá um escalão salarial mais baixo, por muitos anos que tenha de jornalismo. Situação similar aplica-se para quem vem de Portugal com o título, uma vez que, chegado ao território, deixará de o poder revalidar. Outro aspecto que deve ser tido em conta é o reconhecimento da profissão. Hoje em dia, em Macau, qualquer pessoa pode apresentar-se numa conferência de imprensa identificando-se como jornalista. Curiosamente, de acordo com João Francisco Pinto, “a maioria dos jornalistas chineses representados pelas suas associações opõe-se à criação de um título profissional”. Como tal, nunca foram conseguidos pontos de consenso com as associações chinesas para a criação de um organismo que regule a profissão. Sem instituição em Macau que certifique os jornalistas, e com os estatutos da CCPJ a não permitirem a emissão de títulos fora de Portugal, os profissionais que exercem no território vivem num limbo. Para o presidente da AIPIM, esta é uma situação que deve ser resolvida, para bem da dignificação do jornalismo em Macau. J.L.


7 SOCIEDADE

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A

Polícia Judiciária (PJ) revelou um relatório sobre criminalidade que mostra que os crimes ocorridos dentro dos casinos aumentaram 19,2 por cento no ano passado, com destaque para os “casos de sequestros resultantes de agiotagem para jogo”. Em 2016 registaram-se 1851 casos relacionados com o jogo (inquéritos e denúncias), incluindo 441 casos de agiotagem para o jogo (contra 318 em 2015) e 503 casos de sequestro resultante de agiotagem para jogo (em comparação com os 366 casos em 2015). Na apresentação do relatório à imprensa, o director da PJ de Macau, Chau Wai Kuong, disse que os crimes relacionados com os casinos “não afectam a comunidade local”, já que os envolvidos não são residentes em Macau. Outro crime que registou um aumento considerável foi o de tráfico de droga, com uma subida de mais de 40 por cento. Foram registados 122 casos de tráfico de droga em 2016 (em 2015 tinham sido 85 e em 2014 um total de 103), sendo a cocaína a substância ilícita mais apreendida, num total de cerca de 20 quilogramas avaliados em cerca de 66 milhões de patacas. No ano passado foram detectados sete casos de tráfico de droga no aeroporto de Macau, tendo Chau Wai Kuong destacado o contributo da máquina de raio X instalada naquela infra-estrutura e também a cooperação com a polícia de Hong Kong para desmantelar várias associações criminosas transfronteiriças de tráfico de estupefacientes. No ano passado, os deputados aprovaram a revisão da lei da droga, que agrava as penas para o consumo até um ano e para o

U

CRIMES LIGADOS AO JOGO AUMENTARAM 19,2 POR CENTO EM 2016

São coisas dos outros Houve uma subida significativa no número de delitos associados aos casinos. Só sequestros foram mais de 500. Mas a Polícia Judiciária garante que este tipo de criminalidade não afecta quem vive cá, uma vez que os envolvidos são de fora

tráfico até 15 anos, e introduz testes de urina como método de prova. Ontem, o director da PJ referiu “o efeito dissuasor” da nova legislação. “A droga é trazida das regiões vizinhas e vamos cooperar com os outros países, através da Interpol”, acrescentou. Chau Wai Kuong disse ainda que será instalada uma máquina de raio X na futura Ponte Hong Kong – Zhuhai – Macau, justificando que “estas máquinas têm um efeito dissuasor” e que facilitam a acção das autoridades.

MA pedra com caracteres chineses de cor vermelha, datada da dinastia Qing, situada mesmo em frente ao tempo de Lin Kai, vai ser protegida pelo Instituto Cultural (IC). A informação consta de um comunicado oficial, após ter sido noticiado que a pedra seria movida por uma questão de “conveniência dos moradores”. Contudo, essa mudança não irá acontecer para

Os crimes “não afectam a comunidade local”, já que os envolvidos não são residentes em Macau, diz o director da Polícia Judiciária

No consumo de droga também se verificou um aumento, nomeadamente no número de pessoas envolvidas: em 2016 registaram-se 59 casos com 131 pessoas, depois de no ano anterior terem sido registados 51 casos que envolveram 107 pessoas.

MENOS BURLAS

Foram ainda divulgados os números sobre a violência doméstica. Assim, desde a entrada em vigor da lei de prevenção e combate à violência

doméstica, a 5 de Outubro, foram instaurados oito casos que envolveram oito autores e oito ofendidos. “Esperamos que esta lei encoraje a apresentação de queixa pelas vítimas. Em alguns casos detivemos alguns criminosos, mas depois eles maltratam as crianças. Vamos ter uma reunião para discutir como melhorar a cooperação com o Instituto de Acção Social (IAS), porque este presta serviço de alojamento e colabora com associações cívicas”, disse Chau Wai Kuong. “Para reprimir a violência doméstica precisamos da cooperação do IAS porque as crianças podem ser testemunhas nestes casos”, acrescentou. Ainda no âmbito da criminalidade grave, a PJ indicou que, em 2016, foi registado um homicídio, à semelhança dos dois anos anteriores. Os casos de burla, em contrapartida, registaram uma diminuição de 24,4 por cento em 2016 (329 casos, contra 435 em 2015 e 505 em 2014). Também os crimes informáticos diminuíram 23,2 por cento em relação a 2015, fixando-se em 466 casos, depois dos 607 registados em 2015 e 605 em 2014. Os casos de delinquência juvenil também baixaram, tendo sido presentes oito menores ao Ministério Público. Em 2015 tinham sido 21 e em 2014 um total de 30. Em termos gerais, no ano passado foram abertos 12.340 processos, ou mais 1035 casos relativamente a 2015.

O valor de uma pedra histórica Marco do templo de Lin Kai vai ser protegido

já. “O IC apurou que não foram obtidas as devidas autorizações das autoridades encarregadas da gestão dos espaços públicos”, lê-se no comunicado. O caso começou devido ao arranque de escavações junto ao templo, e que estão a obrigar à deslocação da pedra.

Segundo o IC, “este marco reflecte a história do templo de Lin Kai”, que tem “certamente valor”, pelo que a entidade “irá assegurar a protecção adequada deste marco”. A decisão do IC é feita apesar de a pedra não estar incluída no âmbito do monumento, abrangido

pela lei da salvaguarda do património cultural. Antes que seja feita a deslocação da pedra, o IC promete fazer o seu registo, “exigindo às partes envolvidas que se assegurem da protecção do marco durante a sua deslocação e, no caso de se vir a determinar poste-

riormente o local original do marco de fronteira, que recuperem adequadamente esse local”. O IC afirma ainda continuar a “recolher dados históricos e realizar pesquisas sobre o local primitivo do marco, continuando também a acompanhar a situação do mesmo, mantendo contactos com as partes envolvidas e os responsáveis do templo para, assim, salvaguardar este marco de fronteira”, aponta o comunicado.


8 EVENTOS

HUSAM ABED

“Não sei o que é ter u

Husam Abed é palestiniano, mas podia ser da Jordânia. Nasceu em Baka, um campo de refugiados a norte de Amã, e não conhece as origens. Está em Macau para apresentar hoje, sábado e domingo, o espectáculo “Uma Vida Suave”, com Réka Deák, mulher e directora de cenografia. A peça, no âmbito do Fringe, junta realidade, marionetas e público à mesa

É palestiniano, mas nasceu na Jordânia. Nasci num campo de refugiados. Em 1949, a minha família fugiu de uma pequena aldeia e ficaram num campo em Jericó. Em 1967, tiveram de mudar de novo e foram para Karama, para um campo de palestinianos. No ano seguinte mudaram para o campo de Baka, a norte de Amã. Hoje é um campo que acolhe cerca de 150 mil pessoas. Foi lá que nasci. No início, as pessoas viviam em tendas mas, aos poucos, foi mudando e agora têm casas. Mas é ainda sobrepovoado e vive numa situação ambígua. Não é reconhecido pelo estado da Jordânia, nem as Nações Unidas prestam lá cuidados. As pessoas estão no meio de dois fogos.

Como é crescer num campo de refugiados? Vivia na Jordânia, mas só conheci alguém de lá já deveria ter uns 20 anos. É viver numa comunidade muito fechada onde se levanta a questão da identidade de uma forma muito forte. Muitas pessoas não sentem que são da Jordânia, mesmo depois de 60 anos a ali viverem, nem que são da Palestina, que já não passa de uma memória longínqua. Eu, por exemplo, conheci a minha avó há apenas dois anos. Ela ficou em Jericó e nunca a tinha visto. O meu pai morreu e a minha mãe foi lá buscá-la. É uma senhora muito velhinha, com o corpo cheio de cicatrizes da guerra. Ali, a guerra é diária. Por outro lado, toda a gente fala da Palestina e no direito de regressar. Não sei o que é ter uma casa. Nunca pude construir essa ideia. Há um sentimento nostálgico de que a “casa” existe, mas eu não sei o que é, nunca lá estive. É mais um sentimento de diáspora ou de exílio. Quando queremos ter educação ou saúde, não somos de lá, e não temos direito a nada. Como é que fez para estudar? A questão da educação na Palestina sempre foi muito forte. E esse foi o meu caso também. Apesar de o meu avô paterno ser talhante, teve o cuidado de possibilitar educação superior aos filhos e eu fui educado nessa perspectiva. A única hipótese era ir estudar para as mesquitas na Síria. O meu professor de inglês costumava

SOFIA MOTA

ARTISTA

dizer que, quando uma catástrofe atinge algumas pessoas, haverá outras a beneficiar com isso. Na Síria, que foi colonizada pelos franceses, o ensino do inglês era muito mau mas, com o regresso dos palestinianos, vieram muitos académicos que acabaram por se tornar professores de inglês e colmataram uma falha. A educação sempre foi uma questão essencial para os palestinianos. Como é que apareceram as marionetas? Quando estava a estudar Química tornei-me voluntário no orfanato que existia no campo de Baka. Não havia actividades para os mais jovens e não havia como libertar a energia. Existia um clube de desporto em que as pessoas se encontravam e a associação dos órfãos. Para

conhecer a dinâmica da comunidade era necessário fazer algum trabalho voluntário ou social. Fazia campos de Verão e programas educacionais com as crianças. Queria também fazer qualquer coisa que ajudasse as crianças na formação do seu carácter e lembrei-me de fazer algo mais artístico. Foi quando apareceu a ideia das marionetas. Até então, só tinha visto os bonecos na televisão e nem sabia como fazer. Falei com os meus colegas e discutimos como fazer um guião, fazer os bonecos, etc.. Começou aí. Na altura, tinha uma ideia baseada no budismo, em que, depois de não existirem árvores, água e animais, o homem descobre que não pode comer dinheiro. Era essa a reflexão que queria passar. Fui ao mercado, com-

prei umas bonecas e precisava de uma personagem que fosse o contador de histórias. Num desses dias de compras vi um homem a vender melão. É um fruto que tem uma espécie de rugas e achei interessante. Tirei o interior e transformei-o num boneco. Foi a minha primeira marioneta. No entanto, acabei o curso em Química Aplicada, trabalhei numa refinaria de petróleo durante dois anos e depois comecei a dar aulas. Passado um ano decidi que não era aquilo que queria. Foi um choque para a minha família o facto de estar a perder uma oportunidade de estabilizar e ter um futuro. Decidi que queria trabalhar com marionetas. Estudou em Praga. Sim, mas foi uma coincidência. Quando fiz a minha escolha, em

2009, tive o meu próprio espectáculo e fiz alguns workshops para campos de refugiados. Em 2010 comecei a trabalhar com refugiados iraquianos. Trabalhei em Zaatari com a comunidade em geral e já fazia coisas também para adultos. Mas sentia que ninguém estava convencido com o meu trabalho e que precisava de algum tipo de reconhecimento internacional. Comecei à procura de opções. Apareceu-me uma formação na Alemanha, mas não podia ingressar sem um curso de língua.Ainda comecei a estudar mas só me aceitariam por meio ano porque já tinha mais de 26 anos. Continuei à procura e encontrei cursos em inglês em Praga. A capital internacional das marionetas...


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uma casa”

CINEMA “CRASH” GANHA PRÉMIO DE MELHOR CURTA NA CHINA

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filme “Crash”, do realizador de Macau Hong Heng Fai, foi distinguido com o prémio para a melhor curta-metragem na secção de ficção do Festival de Cinema Independente da China, que vai já na 13.a edição. De acordo com o Instituto Cultural, o cineasta local esteve presente na cerimónia de entrega dos prémios. “Crash” foi realizado no âmbito do programa “Macau – O Poder da Imagem”, organizado pelo Centro Cultural de Macau, tendo sido então considerado pelo júri o melhor trabalho na categoria de curtas-metragens do “Macau Indies”. A película ganhou ainda o prémio para o melhor filme de ficção na 16.ª edição do Festival de Cinema do Sul de Taiwan, e foi nomeado para a melhor curta-metragem de ficção na 53.ª edição dos Golden Horse Awards. Foi também seleccionado para festivais de cinema na Suíça, em Berlim e na região vizinha – faz parte do cartaz do Festival de Cinema Independente de Hong Kong 2017. Com duração de 20 minutos, “Crash” conta a história de Cai, um homem de 50 anos, que regressa a casa após PUB

Sim, mas eu não sabia. Foi o que me apareceu. É uma história muito estranha. Descobri quando lá cheguei e nem queria acreditar. Os bonecos que tinha visto na televisão, que eram os meus favoritos, tinham sido criados ali, e eu estava ali. Fui admitido numa escola de teatro e estavam marionetas em todo o lado. Fiz o curso, durante três semanas, e o meu professor, responsável pelo programa, perguntou-me se não me queria candidatar ao programa de mestrado. Foi muito complicado. Não tinha um background no teatro e sentia-me completamente perdido. Sentia que não conseguia encontrar a minha forma de expressão. Vinha de uma cultura muito diferente e não me sentia pronto. Fui à Índia, onde vi alguns festivais que me

“As pessoas tornam-se números e os números esquecem-se. Mas as histórias não. As histórias devem fazer a diferença, e ficar no coração e na memória das pessoas.” inspiraram e me proporcionaram uma abordagem diferente das coisas. Regressei a Praga e consegui fazer um projecto mais pessoal. Aprofundei a

área do teatro documental, que conta histórias. O que é que vamos ter com “Uma Vida Suave” aqui em Macau? Comecei a sentir que tinha de fazer teatro em que pudesse jogar com os limites da realidade e da fantasia, e em que pudesse juntar alguma actividade. Nesta peça estamos em casa, à mesa, e as pessoas vêm ouvir algumas histórias acerca da minha infância. A mesa tem estampado o mapa da Palestina e, ao mesmo tempo que vou contando as histórias, as pessoas vão bebendo chá.Apeça acaba com a partilha de uma refeição tipicamente palestiniana que, traduzindo, se chama “de pernas para o ar”. É uma refeição especial que se faz especialmente ao fim-de-semana. A cenografia está a cargo

EVENTOS

da Réka Deák. Concebeu uma mesa com gavetas e as histórias vão saindo delas. É também uma peça sobre a família e as memórias.Acima de tudo, o que quero mostrar é que cada pessoa tem a sua história que deve ser contada. Estamos num tempo em que as pessoas se reduzem a números. Lidamos como as pessoas como se fossem algarismos. Por exemplo, diz-se que três mil pessoas foram mortas, mas quem são estas pessoas? As pessoas tornam-se números e os números esquecem-se. Mas as histórias não. As histórias devem fazer a diferença, e ficar no coração e na memória das pessoas. Sofia Mota

sofiamota.hojemacau@gmail.com

um longo dia de trabalho e descobre que a mãe, doente com Alzheimer, desapareceu. Procura-a, em vão, por toda a parte. Preocupado e sem saber o que fazer, recorre a uma rede social para pedir ajuda. Numa única noite, a vida de Cai muda de forma irreversível. “Tendo como tema a relação entre o espaço virtual e a realidade, o filme procura introduzir questões éticas, explorando a situação de ‘digitalização’ nos tempos modernos”, descreve o IC. Hong Heng Fai foi director do Teatro Horizonte, em Macau, estando envolvido na área das artes performativas há mais de uma década. Licenciado em publicidade pela Universidade de Shih Hsin em Taiwan, produziu o documentário “Rice for the Dead” durante a sua estadia na ilha, em que aborda fenómenos na área de comunicação social formosina. Fundou o “Day Day Studio” em 2014 e a sua primeira curta-metragem de ficção, “Before Dawn”, ganhou o prémio do desafio “Rush: 48 Horas a Abrir”. Mais tarde, os filmes “Caged”, “In Memory of Her” e “Crash” entraram na selecção do Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Macau.


10 CHINA

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RÚSSIA E CHINA CRIAM CENTRO DE ESTUDOS ESPACIAIS

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A região russa de Transbaikal poderá ser criado um centro conjunto russo-chinês na área das pesquisas espaciais. A nova iniciativa surge no âmbito da implementação do plano integrado de desenvolvimento socioeconómico da região, informou a assessoria de imprensa da região. Anteriormente foi divulgado que o presidente russo Vladimir Putin, na sequência da iniciativa da governadora da região, Natália Zhdanova, ordenou que o governo federal aprovasse o plano acima mencionado até 1 de Maio de 2017. O plano abrange o período até 2030. Actualmente o governo da região de Transbaikal trabalha em conjunto com cientistas, empresários e cidadãos na elaboração do documento. De acordo com a assessoria de imprensa da região, o vice-primeiro-ministro da região e o ministro do Desenvolvimento Económico de Transbaikal, Sergei Novichenko, discutiram o plano durante um encontro com representantes da comunidade de especialistas. Segundo Novichenko, o projecto prévio já existe e foi apresentado em vários encontros de especialistas, inclusive no Ministério do Desenvolvimento Económico da Rússia. O plano prevê duas etapas de desenvolvimento: a primeira, entre os anos 2017 e 2021, será dedicada à realização de projectos existentes na região e à criação de bases para o futuro desenvolvimento; a segunda, que durará até 2030, visará o desenvolvimento da economia em Transbaikal. De acordo com as autoridades, durante as discussões os especialistas debateram também o desenvolvimento da esfera aeroespacial na região. Por exemplo, foi apoiada a ideia de criação de empresas e entidades nesta área para abastecer o cosmódromo Vostochny. Ainda de acordo com a informação divulgada, a região pretende desenvolver as pequenas e médias empresas noutras esferas económicas.

ECONOMIA MAIS PRESSÃO E INCERTEZA

A economia da China enfrentará mais pressão e problemas em 2017, com mudanças nas políticas globais e desafios a regras económicas ampliando a incerteza, afirmou o primeiro-ministro Li Keqiang. Numa reunião realizada em Pequim na sexta-feira, Li afirmou que a China vai garantir que a economia do país ande a bom ritmo e vai melhorar a qualidade e eficiência do crescimento, de acordo com comunicado publicado no site do governo no domingo. Os investidores globais questionam se os líderes da China irão aceitar um crescimento mais modesto este ano, face às preocupações com os riscos que surgem de anos de estímulo alimentado pela dívida. O crescimento económico pode desacelerar para 6,5 por cento este ano em relação a cerca de 6,7 por cento em 2016, afirmou este mês um instituto de pesquisa do governo, com a produção industrial crescendo potencialmente 5,9 por cento contra estimados 6,1 por cento em 2016.

Pequim PREPARADOS PARA COMBATER POR TAIWAN

Manobras de Inverno

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China está a ficar sem paciência para o Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, na questão de Taiwan, escreveu ontem a imprensa estatal, afirmando que Pequim está pronta a combater pelo território. Trump disse na semana passada que poderá reconsiderar o princípio “uma só China”, visto por Pequim como uma garantia de que Taiwan é parte do seu território, e reconhecido por Washington desde 1979. O Presidente eleito dos EUA quebrou já no mês passado com a tradição diplomática norte-americana, ao aceitar a chamada telefónica da Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen. No sábado, depois dos comentários feitos numa entrevista ao jornal Wall Street Journal, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês avisou que o princípio “uma só China” é inegociável. Ontem, o jornal estatal China Daily disse que a questão de Taiwan é “uma caixa de Pandora de potencial letal”. A China tem dado o benefício da dúvida a Trump, mas se ele “está determinado a fazer este jogo ao assumir funções, será inevitável um período de interacção hostil e nociva, e Pequim não terá outra escolha a não ser preparar-se para combater”. Donald Trump prometeu uma postura dura face ao que considera ser concorrência

desleal por parte da China e sugeriu que a política “uma só China” poderá servir como moeda de troca nas negociações com Pequim. “Tudo está sob negociação, incluindo o princípio ‘uma só China’”, afirmou.

POUCO ESPAÇO

Pequim considera Taiwan uma província chinesa e defende a “reunificação pacífica”, mas ameaça “usar a força” caso a ilha declare independência.

A China tem dado o benefício da dúvida a Trump, mas se ele “está determinado a fazer este jogo ao assumir funções, será inevitável um período de interacção hostil e nociva, e Pequim não terá outra escolha a não ser preparar-se para combater” GLOBAL TIMES

Já a ilha onde se refugiou o antigo Governo chinês depois de o Partido Comunista (PCC) tomar o poder no continente, em 1949, assume-se como República da China. Os EUA reconhecem Pequim como o único Governo legítimo de toda a China desde 1979. O jornal Global Times, visto como próximo do PCC, avisou ainda que Trump tem menos espaço para negociar do que julga. A China vai “combater impiedosamente quem defender a independência de Taiwan”, afirmou em editorial na segunda-feira. Se Trump optar por usar a ilha como moeda de troca, talvez “acabe por ser sacrificado devido a essa estratégia desprezível”. O mesmo jornal escreveu no mês passado que a decisão de São Tomé e Príncipe de cortar relações diplomáticas com Taiwan “não foi acidental”, constituindo, “obviamente, um castigo” para Tsai Ing-wen. A Presidente de Taiwan fez este mês duas paragens nos EUA, numa viagem com destino à América Central, apesar dos protestos de Pequim. No regresso, Tsai afirmou que a sua “nova direcção” para a política externa é clara. “Devemos continuar a trabalhar para que Taiwan seja visto, para que Taiwan dê o seu contributo para o mundo”, disse.


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HOI Soon-sil, que está no centro de um escândalo de corrupção na Coreia do Sul, negou ontem ter obtido qualquer benefício ou privilégio, durante o seu testemunho no processo que já levou à destituição da Presidente Park Geun-hye. “Nunca obtive benefícios ou privilégios. Isto resulta de conclusões precipitadas”, disse Choi, de 60 anos, amiga da presidente e conhecida como “Rasputina sul-coreana”, durante a audiência, citada pela agência Yonhap. Choi, detida desde Novembro, negou perante o Tribunal Constitucional, tal como já tinha feito perante o parlamento e o tribunal penal que investiga o caso, os crimes de que é acusada e incluem abuso de poder, chantagem ou tentativa de fraude. A declaração aconteceu na quinta sessão do processo para analisar a destituição da Presidente sul-coreana, Park Geun-hye, aprovada pela Assembleia Nacional no passado dia 9 de Dezembro devido a suspeitas de que cooperou com Choi, sua amiga próxima, para extorquir grandes empresas. A equipa do Ministério Público encarregue de investigar o caso considera que Choi, com a conivência de Park, extorquiu os

Negas de Choi

SEUL AUTORIDADES PEDEM DETENÇÃO DE HERDEIRO DA SAMSUNG

Amiga da Presidente sul-coreana contesta benefícios

principais conglomerados do país para fazer entrar 77.400 milhões de wones (cerca de 61 milhões de euros) em duas fundações que controlava.

À DEFESA

Choi queixou-se no tribunal dos procedimentos da equipa de investigação do Ministério Público e por momentos levantou a voz para responder ao que disse serem “perguntas tendenciosas”. Choi defendeu também a inocência da Presidente, apesar de admitir visitá-la com alguma

REGIÃO

O

frequência e ajudá-la com “assuntos pessoais”, tendo acesso a rascunhos de discursos de Park – considerados material presidencial confidencial – que modificou para lhes dar mais “emoção”. O Tribunal Constitucional sul-coreano tem até inícios de Junho para ratificar ou rejeitar a destituição de Park aprovada pelo parlamento. Caso a destituição seja aprovada, devem realizar-se eleições presidenciais num prazo não superior a 60 dias desde o veredicto.

Ministério Público sul-coreano apresentou ontem ao tribunal um pedido de detenção do herdeiro da Samsung por subornos ligados ao escândalo de corrupção que já levou à destituição da Presidente Park Geun-Hye. Em comunicado, os investigadores do Ministério Público informaram que pediram ao tribunal de Seul que emitisse um mandado de detenção para Lee Jae-Yong, filho do presidente da Samsung, Lee Kun-Hee. Na semana passada, Lee Jae-Yong foi declarado suspeito na investigação ao escândalo de corrupção que envolve a Presidente destituída da Coreia do Sul. O caso está centrado em Choi Soon-Sil, amiga de Park Geun-Hye, que é acusada de usar a sua ligação à Presidente para coagir grandes empresas a “doar” dezenas de milhões de dólares a duas fundações sem fins lucrativos, que Choi depois usava (ver texto principal).

A Samsung foi o maior doador destas fundações. O Ministério Público acredita que a Samsung assinou um contrato de 22 milhões de wones (cerca de 17,5 milhões de euros) com uma empresa com sede na Alemanha, que era propriedade de Choi, e deu também apoio financeiro para que a sua filha ali praticasse hipismo e adquirisse cavalos. O grupo também doou 20.400 milhões de wones (16,3 milhões de euros) a uma fundação alegadamente controlada por Choi e estabelecida para extorquir grandes conglomerados do país. O Ministério Público suspeita que os pagamentos tenham sido feitos para que o Serviço Nacional de Pensões, controlado pelo Governo e accionista de uma empresa do grupo, aprovasse a fusão desta e outra subsidiária da Samsung apoiada pela família Lee mas fortemente criticada por um fundo de alto risco.

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EDITAL

AVISO ISENÇÃO DE IMPOSTO DO SELO SOBRE TRANSMISSÕES DE BENS De acordo com o disposto no artigo 13.º do Orçamento da Região para o ano de 2017, aprovado pela Lei n.º 11/2016, os bens imóveis adquiridos com destino à habitação, até ao valor de $3 000 000,00 (três milhões de patacas) encontram-se isentos, no referido ano, de imposto do selo sobre transmissões de bens, pelo que se comunica o seguinte: I. Para beneficiar da isenção do referido imposto do selo, devem os contribuintes apresentar requerimento em conformidade, junto da Direcção dos Serviços de Finanças, desde que preencham os seguintes requisitos: 1. sejam residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, maiores de idade, e, 2. não sejam proprietários, no ano de 2017, de qualquer bem imóvel (tais como: bens destinados a habitação, a comércio, a escritório, a indústria, a estacionamento de veículos motorizados, etc.), na Região Administrativa Especial de Macau, salvo casos em que se detenha apenas um imóvel destinado ao estacionamento de veículos motorizados. II. Considera-se proprietária a pessoa singular que tenha adquirido bens imóveis por qualquer um dos documentos considerados como fonte de transmissão para efeitos fiscais, independentemente do registo de aquisição na Conservatória do Registo Predial. III. Quando for adquirido por um casal e o regime de bens adoptado for o da comunhão geral, da comunhão de adquiridos ou da participação nos adquiridos, desde que no ano de 2017 nenhum deles seja proprietário de qualquer imóvel, salvo casos em que se detenha apenas um imóvel destinado ao estacionamento de veículos motorizados, é atribuído o direito à isenção atrás mencionada. IV. A transmissão de bens imóveis a terceiro que não seja por motivo de sucessão hereditária, no período de 3 anos contados da data da concessão da isenção, determina a caducidade da mesma, devendo o seu beneficiário, antes daquela ocorrer, proceder ao pagamento do imposto do selo que seria devido nos termos gerais. V. Os contribuintes que obtiveram o benefício fiscal desta natureza em anos anteriores, não têm direito à isenção atrás mencionada. Aos 03 de Janeiro de 2017.

O Director da DSF Iong Kong Leong

N.º 01/DSO/2017 Processo n.º 2810.01 Assunto: Audiência prévia – Declaração da caducidade de concessão de um terreno com a área de 30,35 m2, situado na península de Macau, junto dos prédios n.º 16 da Travessa do Grafo, e n.os 28 a 32 da Travessa da Corda. Li Canfeng, director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, faz-se saber por este meio ao concessionário do terreno referido em epígrafe, CHIE CHEONG (adiante designado por “concessionário”), bem como aos seus herdeiros e demais interessados, o seguinte: 1. Por escritura do contrato de concessão de 19/11/1953, foi celebrada a concessão, por arrendamento de um terreno, com a área de 30,35 m2, situado em Macau, junto à Travessa do Grafo n.º 11, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 10185, para a construção de um prédio de finalidade habitacional e comercial. O prazo de arrendamento do terreno fixado no contrato de concessão é de 50 anos, a contar da data da assinatura da escritura, o qual expirou em 19 de Novembro de 2003; 2. De momento o terreno encontra-se devoluto, assim como não existe nenhuma prova de aproveitamento, tanto, no arquivo desta Direcção dos Serviços, como na CRP; 3. Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a concessão provisória não poder ser renovada; 4. Pelo exposto, por força do disposto nos artigos 44.º, 48.º e 52.º, bem como da alínea 1) do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013, a Administração pretende declarar a caducidade da referida concessão; 5. Assim sendo, nos termos dos artigos 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, os notificados, podem no prazo de 10 dias, contados a partir da data da publicação desta notificação, pronunciar-se, em sede de audiência escrita, sobre o sentido provável da decisão acima mencionada; 6. Os notificados poderão consultar o processo referenciado em epígrafe que se encontra arquivado no Departamento de Gestão destes Serviços, situado na Estrada D. Maria II, n.º 33, 18.º andar, durante o horário de expediente, cujo número de telefone para a sua marcação é 8597 7188. RAEM, aos 06 de Janeiro de 2017. O Director de Serviços Li Canfeng

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ARTES, LETRAS E IDEIAS

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máquina lírica

Paulo José Miranda

Desmontar o brinquedo da vida

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O seu melhor, a poesia faz-nos ver. Traz até à nossa consciência uma mundividência, visões às quais o acesso nos é difícil ou completamente vedado. Em Respirar Debaixo De Água (Averno, 2013), Tiago Araújo leva-nos pelas páginas a sentir o que é ter uma vida de empréstimo. A vida surge diante de nós como se não fosse uma vida real, uma vida de verdade, mas antes uma vida que nos foi emprestada. A vida surge-nos como se fosse uma temporada numa casa ou num país emprestado. E, no fundo, é isso que todas as nossas vidas são, embora não as sintamos como sendo assim. Aqui, passamos a respirar isso com claridade, passamos a respirar debaixo de água como se fosse esse o nosso elemento natural. Lê-se logo, na primeira estrofe do livro: no meu círculo familiar sabe-se que na infância estive quase a afogar-me num rio calmo. a gravidade da situação pode ter sido exagerada, mas essa tarde quente tornou-se numa das ficções que ajudam a definir a personalidade. alguns anos depois passei a ver-me como o afogado, o rapaz que respira debaixo de água onde os sons são distorcidos à passagem da boca. (...) Aquele que esteve à beira da morte, ainda antes mesmo de saber o que é temer a morte, antes de saber que a morte é o caroço da vida, como é o caso da criança, passa a assumir esse evento da sua vida como constitutivo do seu ser. E, como é bem de ver, o que menos importa aqui, como em todas as visões, é se há alguma correspondência entre a poesia e os factos. Aqui, no livro, é assim. Aqui no livro, um homem caminha com a vida que podia não ter sido, com a consciência aguda de ser uma vida que só foi até ao momento de poder não ter sido. E, a partir desse momento, ela faz-se sentir como empréstimo; como se tivesse espatifado o carro e alguém lhe emprestasse um outro até que resolva a situação. E a situação não se resolve, porque a situação é a vida. E, por isso mesmo, a continuação do poema que lemos atrás, diz: como é habitual nas pessoas a quem é dada uma segunda oportunidade, tenho-a desperdiçado sem sentimentos de culpa (...) A vida, a única que se tem, passou a ser sentida como uma segunda oportunidade, que é desperdiçada, e que é também uma metáfora poderosa acerca da condição humana. Por exemplo, quem já não deu conta de si a pensar: “como vim parar aqui a esta vida?”; “que me aconteceu no tempo que passou?”; “que fiz eu da minha vida?”. São tudo formulações, e outras há, de espanto por se estar na vida, numa vida que não parece ser a nossa, mas que também não há outra. Esta distorção existencial, esta dobra no tempo, esta duplicidade de nos vermos a nós mesmos como se não fôssemos nós, aparece de modo particularmente feliz nestes versos de Tiago Araújo, ainda no primeiro poema do seu livro: sinto a adolescência como um membro amputado que continua a doer depois de desaparecido, uma

dor fantasma num corpo fantasma, trazido de uma era em que a música começava a definir a personalidade e a hiena do desejo inaugural e não saciado devorava as entranhas durante todo o dia, durante toda a noite. (...) depois, como sabes, entrámos todos na vida adulta como quem no mar sai para fora de pé (...) a realidade, como a água, devolve sempre os corpos que engole. (...) Esta consciência de que a vida nos falta, que há qualquer coisa que nos falta, não se fica apenas por aquilo que já foi, como a adolescência amputada pela realidade da vida adulta, a vida falta-nos a cada instante, porque nós estamos no mundo como sonâmbulos, não só em relação ao mundo, mas principalmente em relação a nós próprios: “na infância ensinaram-me como é perigoso / acordar um sonâmbulo, lição que tenho / aplicado de forma exemplar em relação a mim próprio.” (p. 8) Embora no poema, o poeta se refira apenas a si mesmo, podemos alargar a acusação a todo o humano, com mais ou menos variáveis nessa prática de caminhar a dormir.

para além “das tarefas diárias com que nos ocupamos a / matar o tempo” (p. 15)? Este livro é, no fundo, uma enorme interrogação, de um modo muito particular, acerca do que estamos nós aqui a fazer, na vida, no mundo, na memória. Que fizemos nós para merecer isto, a vida, assim tão grande que temos de inventar tarefas, e tão pequena que ninguém se lembrará de nós? “(...) esta é a hora em que / não chegas, pontualmente, todas as tardes.” (p. 19) E isto que o poeta escreve acerca de alguém, também escreve acerca da vida: ela, pontualmente, a horas, sempre a horas, nunca chega até nós. Temo-lo visto ao longo destas páginas. E quando Tiago Araújo termina o poema “yorick (2)” com “pedacinhos de nada”, estes pedacinhos de nada não são apenas o que eventualmente possa ou não ter nos bolsos, mas cada um de nós, no vórtice do universo, no vórtice de não se saber nada de nada de nada. Não sabermos quem somos é não sabermos o que é a vida, o que andamos a aqui a fazer, e é este o mundo em que estamos a viver, isto é, é assim que é estar vivo, é assim estar a viver. A vida aparece-nos como praxis inevitável, um contínuo ter de fazer coisas até ao fim. Não é mau, nem bom, é assim, como nos dizem estes versos certeiros, do poema Lázaro: “a canção pode ter chegado ao fim lázaro, mas não o teu trabalho: / a arte da ressurreição inserida na rotina diária”. (p. 27) A vida como ela é, ou respirar debaixo de água, ou viver sem saber o que isso é, ou estar a fazer caminho para nada são sinónimos que aprendemos neste livro, que não é um livro pessimista, nem abjecto, pois sabe que a vida diz-se de muitas maneiras e encarregar-se-á ela própria de se adjectivar a cada momento. Mais do que um livro contra a vida, e as nas suas múltiplas apresentações, quer sejam social, biológica ou metafísica, é um livro que desmonta o brinquedo que é a vida, deixando página a página as múltiplas peças que a compõem, que não são mais do que peças, nem boas nem más. Fique-se, por fim, com este poema de Tiago Araújo: os números

Mas neste livro sui generis acerca do humano, nesta consciência da vida não nos chegar, de ela mesma ser simultaneamente o que temos e o que nos falta, encontra o seu paroxismo nos versos iniciais do terceiro poema, “matar o tempo (mente corpo)”: “nasci gémeo. o meu irmão falso / morreu quase à nascença. formei a personalidade como a memoria da metade que me falta.” (p. 10) E se a vida, enquanto está a ser, já é o que é, quando deixa de ser mostra então a sua pouca valia em todo o seu esplendor. A cada momento que a vida passa valemos menos, a vida vale menos, e na morte não só desaparecemos, mas rapidamente desapareceremos também da memória dos outros. Um dia havemos de não ser como se nunca tivéssemos sido. Havemos de não ser como se nunca tivéssemos vindo à existência, como se nunca aqui tivéssemos posto os pés. O nada que somos será literal, “colecciono fotografias de família, vendidas em alfarrabistas / por pouco dinheiro, como prova de que estamos / a uma ou duas gerações do esquecimento.” (p. 12) Passamos uma vida à procura de quê? Passamos uma vida a fazer o quê, na realidade,

este é o livro da minha descendência: adelino gerou armindo que gerou adão que gerou tiago que gerou três. dois deles correm agora na sala em perseguições alternadas. o terceiro cresce sem que o vejamos ainda. somos cada vez mais, embora insuficientes para substituir os mortos que coleccionamos em álbuns de família, e por motivos práticos vivemos quase isolados na nossa felicidade domestica, um sentimento mal recebido pela crítica. durante a infância ninguém morreu. os corpos eram retirados do olhar das crianças de forma subtil e eficaz. chegou por fim o momento de consultar a conta-corrente, de avaliar os ganhos e as perdas. um nome por cada nome, numa família em que o que passou é quase tão desconhecido como o futuro. fomos trazidos até aqui por uma paixão quase constante entre os sexos, ao longo dos séculos. e agora, na idade adulta, é a cada dia que nos vamos aproximando do passado. por ter sido muito diferente em outras épocas, mas hoje é Saturno que é devorado pelos filhos enquanto vê televisão, numa tarde de sábado.


13 hoje macau terça-feira 17.1.2017

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EXPOSIÇÃO “VELEJAR NO SONHO” DE KWOK WOON Oficinas Navais N.º1

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8.46

BAHT

EXPOSIÇÃO “33 ANOS NA RÁDIO DO LOCUTOR LEONG SONG FONG” Academia Jao Tsung-I (Até 05/02)

O CARTOON STEPH

PROBLEMA 158

SOLUÇÃO DO PROBLEMA 157

C I N E M A

ARRIVAL SALA 1

ARRIVAL [B] Filme de: Denis Villeneuve Com: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker 14.30, 16.45, 19.15, 21.30 SALA 2

CHERRY RETURNS [C] FALADO EN CANTONÊS LEGENDADO EM CHINÊS E INGLÊS Filme de: Chris Chow Com: Song Jia, Lam Ka Tung, Cherry Ngan, Hu Ge 14.30, 21.30

A STREET CAT NAMED BOB [B] Filme de: Roger Spottiswoode

UM DISCO HOJE

SUDOKU

DE

EXPOSIÇÃO “AD LIB” DE KONSTANTIN BESSMERTNY Museu de Arte de Macau (Até 05/2017)

Cineteatro

YUAN

1.15

VERDADE DA MENTIRA

EXPOSIÇÃO “ART FOR ALL , 9º ANIVERSÁRIO” Macau Art Garden (Até 22/01)

EXPOSIÇÃO “SOLIDÃO”, FOTOGRAFIA DE HONG VONG HOI Museu de Arte de Macau

0.22 AQUI HÁ GATO

EXPOSIÇÃO “CHANGE OF TIMES” DE ERIC FOK Galeria do IFT

EXPOSIÇÃO “52ª EXPOSIÇÃO DO FOTÓGRAFO DA VIDA SELVAGEM DO ANO” Centro de Ciência (Até 21/02)

(F)UTILIDADES

Nada é seguro, nada é certo. A realidade enquanto fenómeno relatado pode assumir várias roupagens. A factualidade mete, constantemente, o pé em ramo verde e a verdade passa a ocupar áreas cinzentas à escolha do freguês. É neste limbo factual que vivem os parasitas, os que escondem e dissimulam, é desta fragilidade que se alimentam os manhosos, que proliferam manipulações, que se constroem/ destroem reputações. Muitas vezes vêm mascaradas com sorrisos e cordialidades venenosas. Em 2016, o Dicionário de Oxford escolheu a palavra “pós-verdade” como a palavra do ano. Nem me vou pronunciar sobre escolher uma palavra do ano, quanto mais na escolha. Mas a verdade é que foi, realmente, um ano em que a pós-realidade se entranhou um pouco mais nas vidas dos humanos. Não percebo estes joguinhos bípedes, enganam-se por desporto, como meio de subsistência, como forma de vida. Que se esqueça o mandamento do evangelho e se abrace as trapaças de Loki, que da sedução de Hemera nasça a mais podre persuasão e a Terra será engolida pelas trevas, os rios correrão vermelhos. Ofereço-me para ser o fiel de balança, o vingador da realidade, a abolição do equívoco. Pós-verdade, ou inverdade, são conceitos que fazem cedências preocupantes, quase tão perniciosa como mentir como todos os dentes. Há que chamar os bois pelos nomes: uma mentira é uma mentira, e jamais deve ser retratada como um prefixo da verdade. Pu Yi

BOOKER T. & THE M.G.’S | GREEN ONIONS

Este disco é o que acontece quando fronteiras culturais se interceptam. Na altura em que o rock n’ roll explodia e multiplicava estilhaços dos dois lados do Atlântico, Booker T e companhia lançavam o primeiro registo, corria o ano de 1962. Nascido na Memphis que deu ao mundo o rei do rock, Elvis Presley, “Green Onions” é uma pérola instrumental que apresenta Booker T. & The M.G.’s. Ao contrário da abordagem frenética de Elvis, Booker T toma uma via mais cool, relaxada, enraizada na soul e no funk. É um disco que destila pinta e ritmo, muito apropriado para cozinhar. João Luz

Com: Luke Treadaway, Joanne Froggatt, Ruta Gedmintas 16.30, 19.30 SALA 3

10000 MILES [B] FALADO EN MANDARIM LEGENDADO EM CHINÊS E INGLÊS Filme de: Simon Hung Com: Yuan Huang, Megan Lai, Darren Wang 14.30, 16.30, 21.30

SING [A] FALADO EM CANTONENSE Filme de: Garth Jennings 19.30

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Propriedade Fábrica de Notícias, Lda Director Carlos Morais José Editores Isabel Castro; José C. Mendes Redacção Angela Ka; Andreia Sofia Silva; Sofia Mota Colaboradores António Cabrita; António Falcão; António Graça de Abreu; Gonçalo Lobo Pinheiro; José Drummond; José Simões Morais; Julie O’Yang; Maria João Belchior (Pequim); Michel Reis; Paulo José Miranda; Rui Cascais; Rui Filipe Torres; Sérgio Fonseca Colunistas António Conceição Júnior; André Ritchie; David Chan; Fernando Eloy; Jorge Rodrigues Simão; Leocardo; Paul Chan Wai Chi; Paula Bicho; Rui Flores; Tânia dos Santos Cartoonista Steph Grafismo Paulo Borges, Rómulo Santos Ilustração Rui Rasquinho Agências Lusa; Xinhua Fotografia Hoje Macau; Lusa; GCS; Xinhua Secretária de redacção e Publicidade Madalena da Silva (publicidade@hojemacau.com.mo) Assistente de marketing Vincent Vong Impressão Tipografia Welfare Morada Calçada de Santo Agostinho, n.º 19, Centro Comercial Nam Yue, 6.º andar A, Macau Telefone 28752401 Fax 28752405 e-mail info@hojemacau.com.mo Sítio www.hojemacau.com.mo


14 OPINIÃO

hoje macau terça-feira 17.1.2017

macau visto de hong kong

A polémica do museu II

DAVID CHAN

SHAWN LEVY, NIGHT AT THE MUSEUM

no projecto não ficassem a par da estrutura global do Museu.” “As fontes acrescentaram que o plano era “absolutamente secreto”, completamente diferente de qualquer outro em que já tinham trabalhado, e o primeiro com um nome de código.” Os legisladores de Hong Kong não ficaram satisfeitos com todo este secretismo em torno da construção do Museu. Tanya Chan, do Partido Cívico, declarou: “Vou interpelar Lam para que explique porque é que Yim começou a trabalhar com tanta antecedência.”

Esperamos que o Museu do Palácio de Pequim possa vir a ser construído em Hong Kong e que os procedimentos correctos se mantenham

N

A semana passada discutimos a construção da sucursal do Museu do Palácio de Pequim em Hong Kong. O anúncio da construção do edifício foi feito depois da assinatura do memorandum entre o Governo da cidade e os responsáveis do Museu do Palácio, sem consulta pública. Este arranjo teve em vista assegurar a construção da sucursal do Museu em Hong Kong. A perspectiva de virmos a ter um Museu em Hong Kong é positiva, e deve ser apoiada. Mas a forma como o assunto foi tratado é questionável. A polémica não ficou encerrada com a comunicação da construção do Museu. No

passado dia 7 o website de Hong Kong, “South China Morning Post”, publicava um artigo onde se afirmava que o arquitecto responsável pelo projecto, Rocco Yim Sen-kee, já tinha sido contratado antes do anúncio oficial da construção do complexo, feito pela Secretária Carrie Lam Cheng Yuet-ngor. Podíamos ainda ler: “AAutoridadeAdministradora do West Kowloon Cultural District contratou ... Yim em Junho (de 2016) para determinar se, no local, ... poderia ser construído um complexo multifuncional, que pudesse acolher exposições, convenções, espectáculos e dependências destinadas a um museu, e foi-lhe pedida a apresentação de uma planta do projecto.” “Posteriormente, em Novembro de 2016, o conselho administrativo aprovou a designação de Yim ... para a função.” O artigo continuava: “Yim deu início ao projecto cerca de

seis meses antes da comunicação de Carrie Lam.” A “Rocco Design Architects”, a empresa de Rocco Yim Sen-kee, que foi escolhida como consultora para os planos arquitectónicos do Museu, já tinha começado a trabalhar nas plantas do complexo no passado mês de Junho (2016), cinco meses antes da reunião do Conselho de Administração, levada a efeito para aprovação do empreendimento. Foi também por esta altura que Yim foi formalmente indigitado.” Os detalhes do contrato entre Yim e a Autoridade para o West Kowloon Cultural District foram também divulgados: “A Autoridade para o West Kowloon Cultural District tratou este projecto com “um secretismo sem precedentes, tendo recorrido durante a fase inicial ao nome de código “Projecto P” para o designar internamente. “A FactWire, citando fontes, divulgou que a planta foi deliberadamente dividida em partes, para que as pessoas que trabalhavam

A nomeação de Yim para arquitecto do Museu do Palácio de Pequim está também a dar muito que falar. Como é que esta nomeação se processou? Porque é que foi escolhido? Quanto é que vai receber? Estas serão algumas das questões que os legisladores irão colocar. Estão em causa a justiça e a imparcialidade. Se o Governo der o seu apoio a escolhas à margem dos procedimentos correctos, abre as portas à arbitrariedade. Passa a ser uma questão de “gostos” ou de “não gostos”. Um procedimento com estas premissas não tem qualquer relevância. Neste caso, podem levantar-se suspeitas junto da opinião pública de que o Governo favoreceu a candidatura de Yim. Vai ser muito difícil, quer para o Governo quer para Yim, explicar a situação, mesmo que não tenha havido má intenção de nenhuma das partes. Neste caso os fundos para financiar a construção do Museu vieram do Jockey Club de Hong Kong, não são dinheiros públicos; mas mesmo assim não é suficiente para acabar com as suspeitas. É sabido que os legisladores têm o poder de debater qualquer assunto de interesse público ao abrigo do artigo 73(6) da Lei Básica de Hong Kong. Podem também convocar pessoas envolvidas para testemunhar ao abrigo do artigo 73(10) da mesma Lei, através de uma Ordenança do Conselho Legislativo (Poderes e Privilégios). Se os legisladores acabarem por convocar a secretária Carrie Lam, Yim e outras partes envolvidas para prestar declarações, será muito constrangedor e muito prejudicial para Hong Kong. Esperamos que o Museu do Palácio de Pequim possa vir a ser construído em Hong Kong e que os procedimentos correctos se mantenham. Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog


15 hoje macau terça-feira 17.1.2017

sexanálise

Power Rangers da fantasia

BRYAN SPICER, MIGHTY MORPHIN POWER RANGERS: THE MOVIE

TÂNIA DOS SANTOS

OPINIÃO

M

ELHORoupior, dependendo da vossa geração, o pessoal deve ter ouvido falar dos Power Rangers. Eles são uns super heróis de uma série de entretenimento juvenil onde há cinco jovens que vestem um fato (cada um de uma cor diferente) e salvam o mundo das desgraças que por aí andam. Lembro-me de ver os power rangers naquelas idades em que queremos ser os heróis do mundo também – lembro especificamente de brincar que tinha um relógio onde podia comunicar com os meus parceiros (já antecipava um smartwatch!) e lá íamos nós salvar donzelas e cavalheiros em desespero. Ora, caiu-me nas mãos aquelas pérolas da literatura cor-de-rosa, que permite aconselhamento sexual e amoroso, o caso de um rapaz a queixar-se que só poderia fazer amor ao fim-de-semana, quando o genérico dos

Power Rangers tocava na televisão. A música de entrada dos Power Rangers, para este rapaz, é um turn on instantâneo e exclusivo – daí a limitação temporal. Nunca ninguém saberá da veracidade destes casos tão particulares, nem é o meu objectivo descobri-lo. Para este rapaz o imaginário dos Power Rangers é tudo o que ele precisa para a satisfação sexual. À primeira vista parece-me um pouco limitativo, se considerarmos a panóplia de cenários sexualmente interessantes que existem por aí. Mas não deixa de ser uma reacção honesta ao sexo. O que é que tu gostas? Da música dos Power Rangers. As fantasias sexuais são isso mesmo, o poder de expressar e reconhecer a nossa sexualidade de forma honesta, ainda que, por vezes, fique somente pelo mundo das ideias. A nossa imaginação é riquíssima em cenários, posições e possibilidades, ainda que o dia-a-dia rotineiro não permita uma fertilização desta nossa imaginação sexual. Mas é preciso cultivá-la, pela nossa saúde sexual, precisamos de cultivá-la e tentar entendê-la em todo o seu esplendor. Porque a fantasia

pode caracterizar-se de várias formas. Pode ser íntima e privada, a ser imaginada em momentos de masturbação – que podem ser momentos importantes até quando se vive em casal. Não há mal nenhum em querermos a privacidade das nossas fantasias... Contribui para o mistério. Ninguém precisa de saber tudo sobre ti, sobre o teu sexo, os/as parceiros/as podem estar perpetuamente a tentar descobri-lo. Tal como a fantasia pode ser o completo oposto, pode ser partilhada pelos dois, as fantasias individuais podem tornar-se vossas, recriadas em conjunto. Mas às vezes, porque as fantasias são tão íntimas, temos medo que não sejam bem vistas e que não sejam entendidas. No que toca ao sexo é muito fácil patologizar tudo e todos que parecem cair nos meandros da não-‘normalidade’. Como eu tenho vindo recorrentemente a escrever, o normal nunca é (nem deve ser) categoricamente definido. Caso assim seja, o sexo, que ainda por cima é pouco discutido, estaria limitado a casais heterossexuais em posição de missionário.

A sexualidade é uma forma de expressão como o amor é uma forma de expressão, nem quero ser presunçosa ao dizer que é uma forma de expressão artística. Talvez o sexo seja a inspiração mais visceral - mais básica - que podemos ter

Contudo, graças à nossa imaginação tão rica, e à nossa vontade de explorar os limites da sexualidade humana, o sexo normal é um espectro de possibilidades. Tal como com o nosso amigo que gosta muitíssimo da música do genérico dos Power Rangers. Continuo a reforçar que não há fórmulas feitas para a realização das fantasias de cada um. Nós nunca saberemos onde a nossa imaginação pode ir - por isso não vale muita pena seguirmos listas de fantasias genéricas. Mas há quem julgue que sim, que consegue descobrir uma lista de fantasias prototípicas para a satisfação geral. Sexo não é uma checklist que temos que ir riscando à medida que envelhecemos. Um menage à trois não é a fantasia de todos! Apesar de ser bastante prevalente em rapazes (com a fórmula 1 boy + 2 girls, pergunto-me, porque será?). A sexualidade é uma forma de expressão como o amor é uma forma de expressão, nem quero ser presunçosa ao dizer que é uma forma de expressão artística. Talvez o sexo seja a inspiração mais visceral - mais básica - que podemos ter. Julgo que a fome não produza grande coisa, talvez tratados político-sociais do que a fome é. Mas o sexo sente-se, fantasia-se e cria-se. Dá vontade de fotografar corpus nus, de entrar no mundo fantástico do desejo, de perceber a sexualidade humana nas formas mais puras de beleza e de estética. Ou o sexo pode ser tão simples como a música do genérico dos Power Rangers.


Sem dinheiro, Macau era uma terra feliz Atlântido

Energia Nuclear ESPANHA AVANÇA COM OBRA NA CENTRAL DE ALMARAZ

Ai Portugal, Portugal...

E

SPANHA vai iniciar “nos próximos dias” a construção do armazém de resíduos nucleares na central de Almaraz, disse à Lusa o secretário de Estado para a União Europeia espanhol. Jorge Toledo reuniu-se esta segunda-feira de manhã com a secretária de Estado dos Assuntos Europeus portuguesa, Margarida Marques, em Lisboa. Questionada pela Renascença sobre se entende a decisão espanhola como uma provocação, Margarida Marques desvalorizou a intenção de Madrid. “Isso faz parte do processo normal relativamente a este caso. Isso não é novo”, afirma. “O que o secretário de Estado nos informou é que o que está neste momento em causa é a construção física do edifício e que não houve ainda por parte de Espanha uma decisão sobre a entrada em funcionamento do edifício”, diz. “O que é importante salientar é que é natural que entre dois países amigos como Portugal e Espanha haja uma diferença de análise da situação e, portanto, nós entendemos que a legislação comunitária não foi respeitada neste sentido relativamente à Comissão Europeia”, acrescenta a secretária de Estado. Portugal vai enviar “rapidamente” uma queixa para a Comissão Europeia. “Neste momento não lhe sei dizer se a queixa já seguiu ou não, mas será enviada rapidamente para a Comissão Europeia”, confirma Margarida Marques.

Questionada sobre se não considera que Espanha devia aguardar por essa resposta de Bruxelas antes de avançar com a obra física, a governante portuguesa responde: “É evidente que nós preferíamos que o processo tivesse sido diferente e, por isso,

face à forma como o processo evoluiu, entendemos que devemos apresentar uma queixa junto da Comissão Europeia”.

À CIVIL

À Lusa, o secretário de Estado dos Assuntos Europeus afirmou

“É evidente que nós preferíamos que o processo tivesse sido diferente e, por isso, face à forma como o processo evoluiu, entendemos que devemos apresentar uma queixa junto da Comissão Europeia.”

que “a obra civil, que vai durar quase um ano, vai começar nos próximos dias, mas é uma obra civil. Ainda não se iniciou o procedimento de autorização da operação, do funcionamento do armazém, que terá, como é normal, todas as garantias, necessitará de um relatório do Conselho de Segurança Nuclear espanhol para que tenha absolutamente todas as garantias”. O governante espanhol disse ainda que a construção do armazém na central de Almaraz pretende garantir a segurança. “Se não houvesse armazém, estaríamos perante um cenário de insegurança”, disse.

MARGARIDA MARQUES SECRETÁRIA DE ESTADO DOS ASSUNTOS EUROPEUS

terça-feira 17.1.2017

MOÇAMBIQUE CONFIRMA QUE NÃO VAI PAGAR DÍVIDA

O Ministério das Finanças de Moçambique confirmou ontem que não vai pagar a prestação de Janeiro, de 59,7 milhões de dólares relativos aos títulos de dívida soberana com maturidade em 2023, entrando assim em incumprimento financeiro (‘default’). “O Ministério da Economia e Finanças da República de Moçambique quer informar os detentores dos 726,5 milhões de dólares com maturidade a 2023 emitidos pela República que o pagamento de juros nas notas, no valor de 59,7 milhões de dólares, que é devido a 18 de Janeiro, não será pago pela República”, lê-se num comunicado disponibilizado ontem em Maputo. No documento, Moçambique lembra que já tinha alertado em Outubro para a falta de liquidez durante este ano e salienta que encara os credores como “parceiros importantes de longo prazo cujo apoio à necessária resolução do processo da dívida vai ser crítico para o sucesso futuro do país”. Moçambique assume assim que vai entrar em incumprimento financeiro (‘default’), apesar de haver um período de tolerância de 15 dias para o pagamento do cupão de Janeiro.

TIROTEIO NUM BAR DE PRAIA EM CANCUN FAZ QUATRO MORTOS

Um tiroteio ocorrido esta segunda-feira no bar Blue Parrot, na Praia Del Carmen em Cancun, fez pelo menos quatro mortos e feriu várias pessoas. Jackmaster, o DJ do bar, escreveu na sua conta do Twitter que uma pessoa entrou no estabelecimento e abriu fogo. De acordo com o jornal Independent, os responsáveis do tiroteio e as motivações do mesmo ainda são desconhecidos.

GONÇALO GUEDES APTO PARA A TAÇA

Rui Vitória pode contar com Gonçalo Guedes para o jogo dos quartos de final da Taça de Portugal com o Leixões, quarta-feira, na Luz, apesar de o avançado ter deixado o relvado com algumas queixas físicas no jogo com o Boavista. Aos 65 minutos da partida com os axadrezados, Rui Vitória substituiu Gonçalo Guedes por Zivkovic - pouco antes o avançado de 20 anos tinha sido assistido ainda no relvado depois de um choque com um adversário. Queixou-se da perna esquerda, mas ainda voltaria a entrar. Segundo A BOLA, a presença de Gonçalo Guedes no jogo da Taça de Portugal não está em causa.

TÓQUIO MARTIN SCORSESE PRESTA HOMENAGEM A CRISTÃOS JAPONESES

O

PUB

realizador norte-americano Martin Scorsese manifestou ontem, em Tóquio, admiração pelos “kakure kirishitan”, os cristãos escondidos japoneses, torturados pelas autoridades nipónicas no século XVII. “Sinto uma grande admiração pela sua coragem e determinação”, disse o realizador, durante a

apresentação do filme “Silêncio” no Japão, onde estreia no sábado. Scorsese admitiu que apresentar este filme naquele país “era como um sonho tornado realidade”, depois de “uma peregrinação” pessoal de mais de 20 anos. “Foi um longo processo. Quando li o livro pela primeira vez, senti

que queria fazer o filme, mas não sabia como. Tinha muito que ver com as minhas próprias inclinações religiosas e as minhas dúvidas”, confessou, que considerou “Silêncio” o resultado de um “longo processo de aprendizagem, de ensaio e erro”. Baseado na obra com o mesmo nome do japonês Shusako Endo

(1923-1996), publicada em 1966, “Silêncio” narra o desespero dos missionários jesuítas portugueses no século XVII perante o silêncio de Deus como resposta às torturas das autoridades japonesas sobre os cristãos. O Japão chegou já a contar perto de 400 mil crentes, mas

“actualmente restam apenas algumas centenas”, explicou Shinegori Murakami, de 66 anos, descendente daqueles mártires, habitantes na ilha de Kyushu (sul), onde Nagasaki era o centro da Igreja católica. O filme estreia em Portugal na quinta-feira.


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