Hoje Macau 18 JUN 2020 # 4550

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DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ

RÓMULO SANTOS

hojemacau

A grande desilusão

VIDAS REINICIADAS PÁGINA 5

COVID-19

QUARENTENA À PEQUIM PÁGINA 4

TATIANA LAGES

O trabalho de grande qualidade, levado a cabo pela Cut Limitada na gestão da Cinemateca Paixão nos últimos três anos e meio, não foi suficiente para que a empresa vencesse o concurso público de gestão do espaço dedicado à sétima arte. O sentimento de frustração estende-se para além dos responsáveis da empresa e atinge grande parte dos profissionais do sector, que preparam já uma carta dirigida ao Governo a questionar o resultado do concurso que deixa o futuro da Cinemateca nas mãos de uma empresa “desconhecida”.

TNR

SEMANA CULTURAL CHINESA

SABER OLHAR EVENTOS

MANUEL DE ALMEIDA

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MOP$10

QUINTA-FEIRA 18 DE JUNHO DE 2020 • ANO XIX • Nº 4550

OPINIÃO

O DIA DE JOYCE MANUEL DE ALMEIDA

GRANDE PLANO


2 grande plano

A

Companhia de Produção de Entretenimento e Cultura In Limitada vai gerir a Cinemateca Paixão até Agosto de 2023. A decisão foi anunciada ontem pelo Instituto Cultural (IC), que escolheu a proposta mais baixa das quatro admitidas no concurso público, com um valor de 15,4 milhões de patacas. A escolha do IC acaba por ser surpreendente, uma vez que a actividade da empresa é desconhecida, assim como as pessoas responsáveis, entre os profissionais do sector. Este aspecto levou vários realizadores locais a admitirem intranquilidade por temerem que a qualidade da gestão e das actividades desenvolvidas na Cinemateca Paixão seja afectada. Outro facto que causa preocupação é o orçamento apresentado pela empresa “desconhecida”. O valor da proposta é de 15,4 milhões de patacas, montante quase 20 milhões inferior ao apresentado pela Cut Limitada, a empresa que geriu até ao final do ano passado a Cinemateca Paixão e que tinha uma proposta de 34,8 milhões de patacas. Por estes motivos, um grupo de profissionais do sector do cinema está a preparar uma carta a pedir explicações ao IC. A iniciativa foi revelada ao HM pela realizadora Peeko Wong, autora do filme “Gin, Sake and Margarita”. “Estamos muito desiludidos porque não sabemos nada sobre esta empresa. Mas, sabemos que os últimos três anos foram muito bons, com óptima programação e relacionamento próximo com os realizadores locais e outros artistas”, afirmou Peeko Wong. “Vamos perguntar ao Instituto Cultural como chegou a esta decisão. Só conhecemos o nome da empresa, não conhecemos mais nada, nem o background, nem quem são os responsáveis. Por isso, queremos que o Governo nos esclareça sobre os motivos”, revelou. Em declarações ao HM, Peeko Wong falou ainda de um apoio generalizado do sector ao documento e, apesar de reconhecer as dificuldades, não afastou o cenário de serem reunidas mais de 100 assinaturas. Ao mesmo tempo, vai ser realizado um vídeo com os melhores momentos da actividade desenvolvida

18.6.2020 quinta-feira

CINEMATECA PAIXÃO

O´ AMOR E CEGO

EMPRESA “DESCONHECIDA” VENCE CONCURSO PÚBLICO E VAI GERIR ESPAÇO ATÉ 2023

A escolha da Companhia de Produção de Entretenimento e Cultura In Limitada como a proposta vencedora do concurso para a gestão da Cinemateca Paixão surpreendeu os cineastas locais ouvidos pelo HM. O IC prometeu explicações para amanhã, mas realizadores de Macau prepararam ontem uma carta para entregar ao Governo a questionar o resultado do concurso público

pela Associação Audiovisual Cut, enquanto entidade gestora da Cinemateca nos últimos 3 anos e meio.

QUESTÃO DE PREÇO

Também Tracy Choi, realizadora de “Sisterhood”, admitiu alguma surpresa com o desfecho do concurso público lançado pelo IC. “Fiquei um pouco surpreendida com a escolha. Mas, logo na altura, depois de serem entregues as propostas, vi os valores das concorrentes e percebei que [a empresa vencedora] tinha um valor muito mais baixo que a entidade que estava a gerir... fiquei logo com o feeling que seriam os vencedores. Só pelo preço”, comentou.

De acordo com a visão de Choi, a Cinemateca Paixão tinha conseguido afirmar-se como uma instituição não só para os realizadores locais, mas também para a população. Por isso, elogiou o trabalho da Cut e revelou temer pelas actividades futuras, devido ao preço da proposta vencedora. “O preço da proposta é uma preocupação, até porque ainda estou para

tentar perceber quem é a companhia e quem são os responsáveis. Serão pessoas com experiência no cinema? Eu não sei, por isso não tenho uma opinião firmada sobre se têm capacidade para gerir o espaço com a qualidade da Cut”, confessou. “Mas quando olho para o orçamento ficou preocupada. Não sei se vai ser possível manter a qualidade anterior...”, desabafou.

“O preço da proposta é uma preocupação, até porque ainda estou para tentar perceber quem é a companhia e quem são os responsáveis. Serão pessoas com experiência no cinema” TRACY CHOI REALIZADORA

Nos critérios anunciados no caderno de encargos, o preço da proposta valia 40 por cento, assim como o “grau de perfeição” das propostas para os três anos, e mais particularmente para o programa do primeiro ano. Além destes critérios que valem 80 por cento, a experiência dos concorrentes e da pessoa proposta para director de operações valia 14 por cento e a experiência do “consultor” seis por cento.

EMPRESA FAMILIAR

Além da empresa vencedora ser desconhecida, a mesma promoveu alterações ao registo comercial no passado dia 8 de Junho, o que impede que os dados possam

ser consultados durante 15 dias. O HM questionou o IC sobre se estava ao corrente das alterações realizadas e o conteúdo das mesmas, mas não obteve resposta. Ao invés, o Governo prometeu dar as explicações amanhã, em conferência de imprensa. O HM sabe que as concorrentes foram informadas sobre o resultado do concurso antes do anúncio público, mas não conseguiu apurar se as alterações promovidas ao registo foram realizadas antes desta ter sido informada dos resultados do concurso. Segundo o registo comercial consultado a 1 de Junho de 2019, ainda antes das alterações e do lançamento do concurso, que


grande plano 3

quinta-feira 18.6.2020

“Vamos perguntar ao Instituto Cultural como chegou a esta decisão. Só conhecemos o nome da empresa, não conhecemos mais nada, nem o background, nem que são os responsáveis.” PEEKO WONG REALIZADORA

cargos, mas a decisão acabou por ser por outra proposta”, constatou. Em relação à diferença de quase 20 milhões de patacas entre as duas propostas, Rita Wong insistiu que, segundo o projecto da Cut, a Cinemateca Paixão não se limitaria a mostrar filmes. “É difícil explicarmos uma diferença de orçamento como esta. Mas, o nosso valor foi apresentado com base na experiência de três anos e meio e não nos limitámos a cumprir os serviços mínimos”, explicou. “Anossa proposta tinha workshops e outras actividades de formação e educação sobre o cinema, para formar talentos locais. Não nos limitámos a passar filmes. Também organizávamos entre nove e 10 festivais temáticos de cinema por ano...”, acrescentou.

PROJECTO MAL-AMADO

só aconteceu em Janeiro deste ano, a Companhia de Produção de Entretenimento e Cultura In Limitada tinha dois accionistas, um homem com o nome Ieong Chan Veng, proprietário de 80 por cento da empresa, e uma senhora com o nome Tung Wing Ha, proprietária de 20 por cento. Porém, a Companhia de Produção de Entretenimento e Cultura In Limitada foi criada em 2015, sendo que na altura tinha como accionistas Ieong Chan Veng e a esposa, Ho Sio Chan. Foi só em 2016, que Ho vendeu a sua participação a Tung. Segundo o portal All About Macau, a Companhia de Produção de Entreteni-

mento e Cultura In Limitada foi uma das participantes no concurso público de atribuição da concessão da loja de souvenires da Casa do Mandarim. Acabou ser excluída do concurso por não pagar a caução exigida. Além disso, terá também estado presente, sem sucesso, em concursos públicos promovidos pelos Serviços de Turismo para

fazer filmes promocionais sobre a RAEM. Chegaram mesmo a circular rumores nas redes sociais a ligar a empresa vencedora ao grupo SunCity e ao proprietário Alvin Chau. O HM tentou perceber se este cenário corresponde à realidade e contactou a empresa promotora do jogo, mas até ao fecho da

“É difícil explicarmos uma diferença de orçamento como esta. Mas, o nosso valor foi apresentado com base na experiência de três anos e meio e não nos limitámos a cumprir os serviços mínimos.” RITA WONG EX-GESTORA DA CINEMATECA PAIXÃO

edição não recebeu resposta. Importa recordar que o grupo SunCity é o principal patrocinador do Festival Internacional de Cinema realizado em Macau.

DESILUSÃO APAIXONADA

Com a decisão anunciada ontem, a Cut Limitada fica afastada do espaço que geriu três anos e meio. Ao HM, Rita Wong, que foi a responsável pelo programa da Cinemateca, mostrou-se desiludida. “Estamos desapontados com a decisão. Durante mais de três anos e meio ficámos felizes com o que tínhamos conseguido alcançar com a Cinemateca Paixão, foi mais do que tinha sido planeado. E acho que o bom resultado

ficou provado com o facto de o projecto se ter tornado tão popular junto do sector e da população”, reconheceu. Rita Wong afastou ainda o cenário de haver recurso aos tribunais para contestar a decisão, e deixou os melhores desejos para o futuro da Cinemateca Paixão: “Resta-nos esperar que corra tudo bem com a gestão da Cinemateca, porque pessoalmente vou continuar a frequentar o espaço”, indicou. Por outro lado, negou haver o sentimento de injustiça. “Não posso dizer que foi injusto, porque sabíamos as regras e o Governo usou os critérios do caderno de encargos. Tentámos fazer mais do que estava nos en-

No final do ano passado, o IC, liderado por Mok Ian Ian, preparou tudo para encerrar de forma definitiva a Cinemateca Paixão. Os trabalhadores foram mesmo informados que seriam dispensados, uma vez que o contrato com a Cut não seria renovado. Em causa estariam problemas relacionadas com o contrato de arrendamento do espaço na Travessa da Paixão. Quando a recém-empossada secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U, se deslocou ao local confirmou a necessidade de proceder a obras no edifício. No entanto, a forte reacção no sector cultural, que encara a Cinemateca Paixão como um espaço de acesso ao cinema local e alternativo, levou o Governo a voltar atrás. Assim sendo, entre Janeiro e Agosto, a gestão do espaço foi assumida pelo IC, enquanto decorria o concurso público de atribuição da nova concessão. João Santos Filipe (Com J.L.) joaof@hojemacau.com.mo


4 coronavírus

18.6.2020 quinta-feira

COVID-19 DECRETADA QUARENTENA PARA QUEM VEM DE PEQUIM

Tudo sob controlo

Apesar de ter decretado a quarentena obrigatória para todas as pessoas que venham a Macau depois de terem estado na capital chinesa, o Governo está confiante de que os números não serão significativos, uma vez que não há praticamente voos directos a operar. É também esperada a cooperação com Zhuhai para um maior controlo da situação

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TJB CONDENADAS DUAS PESSOAS POR VIOLAÇÃO DE QUARENTENA OBRIGATÓRIA

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Tribunal Judicial de Base (TJB) condenou duas pessoas por terem violado a quarentena obrigatória imposta pelas autoridades. Segundo os acórdãos das decisões, proferidas nos dias 12 e 16, um caso diz respeito a um estudante britânico em Macau que saiu do quarto onde realizava a sua quarentena a 23 de Março para se dirigir ao átrio do hotel. “Mais tarde ele voltou para o seu quarto, mas nesse quarto passou 20 minutos com os seus amigos”, descreve o documento. Este arguido foi condenado pelo crime de violação de medidas preventivas com uma pena de dois meses de prisão, suspensa por um ano. Relativamente ao segundo arguido, este chegou a Macau vindo das Filipinas, tendo saído do território a 17 de Março pelas 15h15. No dia 24 de Março, os agentes do Corpo de Polícia de Segurança Pública deslocaram-se à residência do arguido para a inspecção diária, tendo registado a saída. Neste caso, o TJB decidiu aplicar a pena de três meses de prisão efectiva. Desde Abril deste ano deram entrada no TJB um total de oito processos relacionados com a violação da quarentena obrigatória. Quanto aos restantes seis casos, aguardam julgamento.

RESIDENTES QUEREM VOLTAR

Confrontado com a possibilidade de virem a ser cancelados os vistos individuais de viagem para cidadãos de Pequim, Alvis Lo, médico adjunto da direcção do Centro Hospitalar Conde de São Januário, frisou que eventuais novas medidas serão tomadas passo a passo. “Todas as medidas têm os seus passos concretos. Temos várias medidas novas que vão ser implementadas de forma gradual e ordenada. Com os novos casos em Pequim alguns residentes de Macau querem voltar, mas não podemos baixar a guarda”, adiantou.

“Não temos tido muitos voos de Pequim para Macau e não temos muitas pessoas em Pequim. Além disso, estamos a implementar várias medidas nas fronteiras para controlar e prevenir a contaminação na sociedade.” LEONG IEK HOU CENTRO DE COORDENAÇÃO DE CONTINGÊNCIA DO NOVO CORONAVÍRUS

QUASE 100 ENTRADAS TRÊS MIL INSCRIÇÕES P rimeiro chegaram 48 pessoas durante o dia, depois mais 42 pessoas à noite. Eis os números relativos ao primeiro dia do funcionamento do corredor especial entre o aeroporto internacional de Hong Kong e Macau. As viagens são feitas de ferry com destino ao terminal marítimo da Taipa. A base de dados da Direcção dos Serviços do Ensino Superior possuía, até ontem, um total de 877 pessoas inscritas para o regresso ao território através do corredor especial.

I

nês Chan, responsável pela Direcção dos Serviços de Turismo, adiantou ontem que um total de 3.135 pessoas se inscreveram no plano de roteiros turísticos locais, intitulado “Vamos! Macau!”. Cerca de 40 por cento inscreveu-se no plano de viagens para a comunidade onde a maioria das escolhas recaiu no roteiro B, que teve 400 inscrições.

Ontem foram cancelados cerca de 1000 voos nos aeroportos da capital chonesa. Na terça-feira, Pequim instou os seus 21 milhões de habitantes a evitar viagens “não essenciais” para fora da cidade e ordenou o encerramento das escolas de ensino básico, médio e superior. Várias cidades e províncias passaram a impor quarentena a viajantes oriundos da capital chinesa. Andreia Sofia Silva

andreia.silva@hojemacau.com.mo

TIAGO ALCÂNTARA

ESDE o meio-dia de ontem que todas as pessoas que tenham estado em Pequim nos 14 dias anteriores à sua chegada a Macau são obrigadas a cumprir uma quarentena de 14 dias. A medida, implementada pelo Governo de Macau surge, assim, como reacção ao novo surto de covid-19 na capital chinesa, onde foram detectados 137 novos casos nos últimos cinco dias. “A partir das 12:00 horas do dia 17 de Junho, todos os indivíduos que nos últimos 14 dias anteriores à entrada em Macau tenham estado em Pequim, serão sujeitos a uma observação médica por um período de 14 dias”, indicou o Governo, em comunicado. “Os infractores podem estar sujeitos à medida de isolamento obrigatório, além da eventual responsabilidade criminal”, sublinharam as autoridades. Apesar disso, Leong Iek Hou, coordenadora do Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus, assegurou que não se prevê a vinda de muitas pessoas para Macau. “Não temos tido muitos voos de Pequim para Macau e não temos muitas pessoas em Pequim. Além disso, estamos a implementar várias medidas nas fronteiras para controlar e prevenir a contaminação na sociedade”, apontou. O responsável do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) presente na conferência de imprensa de ontem não soube adiantar quantas pessoas chegaram a Macau vindas de Pequim nos últimos dias. “Temos uma comunicação estreita com os Serviços de Saúde e estamos a acompanhar a situação real. Quando for necessário faremos

o rastreio, especialmente para as pessoas que vêm de Pequim que devem apresentar os documentos comprovativos”, explicou. O agente do CPSP garantiu ainda que a comunicação com as autoridades de Zhuhai se mantém. “Para os indivíduos que chegam a Zhuhai oriundos de Pequim as autoridades de Zhuhai têm medidas adequadas para controlar melhor o fluxo de pessoas, pelo que se pode garantir a saúde da população”, frisou.


política 5

quinta-feira 18.6.2020

RÓMULO SANTOS

TRABALHO ILEGAL ELLA LEI QUER SANÇÕES MAIS PESADAS PARA EMPREGADORES

dos requisitos para a obtenção do bluecard”. “Só depois de entrar na RAEM com um título de entrada é que é possível obter um bluecard, mas isto não é o único requisito”, rematou.

LIMAR ARESTAS

A

TRAVÉS de uma interpelação escrita, a deputada Ella Lei pediu ao Governo que reveja os regulamentos relacionados com o trabalho ilegal, nomeadamente se estão previstas sanções mais pesadas para empregadores que acolham trabalhadores não residentes (TNR) em situação ilegal. Segundo a deputada ligada à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), o montante reduzido das multas aplicadas às entidades empregadoras não contribui para demover a prática das ilegalidades. Em 2018, exemplifica Ella Lei, foram acusadas 397 entidades empregadoras por violação da lei de contratação de TNR ou do regulamento de trabalho ilegal, sendo que, em média, os empregadores foram multados em pouco mais de 11 mil patacas. “A multa cobrada por empregador ou entidade empregadora foi, em média, de 11.486 patacas, sendo o valor desta pena inferior aos lucros avultados obtidos com a contratação ilegal e através da prestação de trabalho”, referiu a deputada. Outro dos pontos avançados por Ella Lei está relacionado com a baixa eficácia das acções de combate ao trabalho ilegal levadas a cabo pela CPSP e pela DSAL. Isto porque das 4.521 investigações feitas em 2019, foram interceptados 795 trabalhadores ilegais. Numa altura em que “o desemprego aumentou” e o trabalho ilegal afecta o já de si fragilizado ambiente económico, Ella Lei aponta ainda que, apesar de “a insuficiência da lei e a fraqueza das sanções” ser algo para o qual o Governo já está desperto desde Maio de 2019, até hoje, ainda “não teve uma resposta clara”, deixando a lei por aperfeiçoar. Desta forma, apontando que entre 2012 e 2018 a taxa de punição para este tipo de casos foi inferior a 2,0 por cento, a deputada pergunta se o Governo vai fixar critérios claros relativos à questão. “Qual é o progresso no processo de revisão e a orientação legislativa em relação ao aumento do valor máximo das multas, a introdução de regulamentos de reincidência e à introdução de circunstâncias agravantes?”, questionou Ella Lei. P.A.

Vong Hin Fai, deputado “Na mudança de empregador é preciso mudar também de bluecard porque depende do processo de título de entrada para fins de trabalho.”

TNR MUDAR DE EMPREGO IMPLICA SAIR DE MACAU E REINICIAR PROCESSO

Voltar à estaca zero

Se for aprovada, a proposta de alteração da lei da contratação de trabalhadores não residentes (TNR), vai obrigar, a quem mudar de empregador, a sair de Macau e reiniciar o processo para obtenção de um título de entrada

O

S trabalhadores não residentes (TNR) que pretendam mudar de trabalho em Macau vão ser obrigados a sair do território e a reiniciar o processo de obtenção do título de entrada para fins de trabalho. O esclarecimento foi feito ontem pelo presidente da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), Vong Hin Fai, após uma reunião onde foi assinado o parecer sobre a proposta de alteração à

lei de contratação de TNR. Desta forma, deixa de existir a possibilidade dos TNR aproveitarem os dias de permanência após terminada a relação laboral, para arranjarem um novo emprego. “Se a relação laboral termina, o bluecard tem de ser devolvido à PSP. Senão, durante 10 dias quem é o empregador? No nosso entendimento, na mudança de empregador é preciso mudar também de bluecard porque depende do processo de título de

entrada para fins de trabalho (…) e seguindo esta proposta de lei para obter o título de entrada a pessoa tem de vir do exterior, ou seja, pode entrar a partir Hong Kong ou Zhuhai”, explicou Vong Hin Fai. O objectivo da proposta de lei que está pronta para ir a votos no plenário é evitar a entrada de turistas em Macau que tenham como finalidade procurar emprego. “Para os não residentes que pretendem exercer trabalho não especializado e

doméstico em Macau (…) o pressuposto é obter um título de entrada para fins de trabalho para obter o bluecard e ter uma autorização de permanência em Macau, a partir de local exterior à RAEM”, resumiu o presidente da 3ª Comissão da AL. Vong Hin Fai esclareceu ainda que o facto de ter sido obtido um título de entrada “não quer dizer que os TNR quando entram na RAEM recebam automaticamente o bluecard”, mas sim que este é apenas “um

Na reunião de ontem foram ainda prestados esclarecimentos quanto à data de início da relação laboral entre trabalhador e empregador, tema que levantou questões em sessões anteriores da Comissão, sobretudo porque a proposta de lei prevê que as despesas de repatriamento sejam da responsabilidade do empregador. “A relação laboral começa no momento da emissão do título de entrada ou no momento em que o trabalhador entra na RAEM. É uma questão complexa. Segundo a resposta do Governo, quando o empregado obtém o título de entrada e no momento de entrada, a PSP emite uma autorização provisória de permanência. A partir deste momento vai começar a relação laboral e pode prestar serviços de forma legal para o seu empregador”, esclareceu Vong Hin Fai. Segundo o parecer assinado ontem, esta “autorização provisória de permanência” é a uma medida que permite que os não residentes possam permanecer temporariamente em Macau na qualidade de TNR e possam prestar trabalho durante o período de espera do resultado final de apreciação do pedido em causa”. Vong Hin Fai referiu ainda que esta proposta de lei é apenas “o primeiro passo” para se evitar que entrem turistas em Macau com a finalidade de procurar emprego. Isto porque é também preciso ter em conta “a proposta de lei sobre as agências de emprego e outros diplomas legais”. Pedro Arede

info@hojemacau.com.mo

Magistrados Lei que aumenta exigência pronta para ser votada Os deputados da 2ª Comissão Premanente da Assembleia Legislativa (AL) assinaram ontem o parecer que conclui a análise na especialidade proposta de alteração ao regime do curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público. Segundo Chan Chak Mo, que preside à Comissão, os deputados não “verificaram qualquer problema no parecer” que aumenta

as exigências ao nível da experiência profissional no acesso à magistratura. Isto porque a proposta de lei prevê que quem pretenda candidatarse precise de ter dois anos de experiência profissional (que não precisam de estar ligados à área jurídica) e, nos casos de promoção em comissão de serviço, passam a ser necessários 10 anos de serviço efectivo na RAEM em vez dos cinco anteriormente previstos.


6 sociedade

18.6.2020 quinta-feira

Tufões Simulacro “Peixe de Cristal” agendado para dia 27

No próximo dia 27 de Junho realiza-se o exercício “Peixe de Cristal 2020”, com o objectivo de simular um tufão e testar “a capacidade de comunicação e coordenação dos membros da estrutura da Protecção Civil”. Os interessados em participar podem inscrever-se até segunda-feira, sendo que as autoridades vão realizar a iniciativa de forma separada e com diferentes grupos, devido à situação epidémica. A ideia é “testar a coordenação mútua entre as medidas de prevenção da epidemia e as medidas de prevenção e resposta a desastres”.

IAS Nomeado Hon Wai para a presidência

Hon Wai, presidente do Instituto de Acção Social (IAS) em regime de substituição desde 20 de Dezembro, passa a ser o presidente efectivo da entidade. Segundo o despacho publicado ontem em Boletim Oficial, a nomeação de Hon Wai tem efeitos pelo período de um ano e passa a ser oficial a partir de sábado. Licenciado e mestre em psicologia pela Universidade Nacional de Taiwan, Hon Wai tem desempenhado diversas funções públicas na área social desde 1995, quando foi contratado para o lugar de técnico superior do Gabinete para a Prevenção e Tratamento da Toxicodependência. Elsie Ao Ieong U, secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, decidiu nomear também o actual vice-presidente em regime de substituição para trabalhar ao lado de Hon Wai. Desta forma, Tang Yuk Wa passa a desempenhar oficialmente o cargo de vice-presidente do IAS, também pelo período de um ano, a partir de sábado.

Entre 17 de Março e 16 de Junho, houve 3.944 pedidos de adesão ao Plano de Bonificação de Juros de Créditos Bancários para as Pequenas e Médias Empresas

PME APOIOS COM JUROS ULTRAPASSAM 4000 MILHÕES DE PATACAS

Sempre a somar Já foram aprovados 80 por cento dos pedidos de pequenas e médias empresas para adesão ao Plano de Bonificação de Juros de Créditos Bancários, lançado pelo Governo para reforçar a liquidez destas empresas. O valor é superior a 4 mil milhões de patacas

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Á foram dados mais de 4.259 milhões de patacas no âmbito do Plano de Bonificação de Juros de Créditos Bancários para as Pequenas e Médias Empresas (PME), com o Governo a suportar uma despesa de cerca de 262 milhões de patacas com bonificação de juros. O objetivo é reforçar a liquidez das PME, comunicou a Direcção dos Serviços de Economia (DSE). O programa lançado pelo Governo pretende ajudar as PME no combate à crise cau-

sada pela pandemia. Entre 17 de Março e 16 de Junho, houve 3.944 pedidos de adesão ao Plano de Bonificação de Juros de Créditos Bancários para as Pequenas e Médias Empresas. Foram aprovados 3.272, o que representa 80 por cento do número total. “As PME podem, de acordo com a situação dos seus negócios e a sua capacidade de reembolso, negociar com os bancos sobre o prazo de reembolso adequado e a taxa de juro de empréstimo adequada”, explica a nota. O organismo descreve

que a adesão ao plano permite reduzir “quase totalmente” os juros a pagar pelas empresas beneficiárias, já que menos de um em cada 100 casos aprovados tem taxa de juro superior a quatro por cento, enquanto 34,1 por cento têm uma taxa de juro de empréstimo com uma taxa básica (prime rate) de 1,5 por cento.

RETALHO MAIS BENEFICIADO

Com base nas aprovações, o sector mais beneficiado foi o comércio a retalho (29,3 por cento), seguindo-se a constru-

ção civil e obras públicas (19,5 por cento), e a restauração (12,4 por cento). Os sectores com menor expressividade neste programa de apoio foram a educação e instituições médicas. A DSE explica que foram indeferidos 17 pedidos, justificando que isso se deveu principalmente, “ao facto de as empresas não possuírem licença adequada para exercício das actividades ou não reunirem os requisitos para a sua candidatura”. O prazo de candidatura ao plano termina a 17 de Setembro. Na prática, as PME que consigam um crédito bancário para combate à epidemia podem-se candidatar a um apoio, em que o limite máximo do crédito a bonificar é de dois milhões de patacas, com uma taxa até quatro por cento por um máximo de três anos. Os principais requisitos de candidatura são a declaração do início de actividades feita junto da Direcção dos Serviços de Finanças antes de 16 de Março, um número máximo de 100 trabalhadores e no caso de o empresário ser pessoa singular, ser um residente de Macau. Salomé Fernandes

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DSI Disponível serviço self-service 24 horas para renovar BIR

A Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) alargou ontem o serviço de autoatendimento para renovação do BIR a 24 horas. Os titulares de BIR permanente, que tenham 25 anos aquando da última emissão, podem utilizar o quiosque para renovar a qualquer hora. Entretanto, os titulares de BIR permanente, maiores de 18 anos de idade, podem utilizar o quiosque para tratar das formalidades da renovação durante as horas de expediente, dado que têm de medir a altura. Este serviço não está disponível para quem quiser alterar os dados pessoais. Existem cinco quiosques, nomeadamente no rés-do-chão do Edf. China Plaza, no Centro de Serviços da RAEM (Areia Preta), no Centro de Serviços da RAEM das Ilhas, no Posto de Seac Pai Van e no Centro de Prestação de Serviços ao Público (também em Seac Pai Van).

FSS Verbas destinam-se, em maioria, aos idosos

O Fundo de Segurança Social (FSS) esclareceu ontem que os idosos são os grandes beneficiários da medida de repartição extraordinária de saldos orçamentais, no valor de 7.000 patacas. Trata-se de uma medida de apoio adoptada pelo Governo pelo 11º ano consecutivo. O FSS esclarece, portanto, o que diz ser uma “deturpação da sociedade” relativamente aos destinatários do apoio, uma vez que foi dito que os desempregados e pessoas com carência económica seriam os principais beneficiários. “O FSS esclarece que a verba a atribuir vai ser creditada directamente na subconta de gestão do Governo do regime de previdência central não obrigatório para os residentes qualificados de Macau e que, de um modo geral, apenas os idosos que tenham completado 65 anos de idade podem requerer o levantamento de verba”, lê-se no comunicado.


sociedade 7

quinta-feira 18.6.2020

TURISMO GOVERNO OPTIMISTA QUANTO À RECUPERAÇÃO DA CRISE

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sector do turismo de Macau atravessa uma crise sem precedentes, mas é possível recuperar, diz Helena de Senna Fernandes. Porém, a directora dos Serviços do Turismo (DST) aponta a retoma para uma situação anterior à covid-19 só para 2023. Em declarações ao Macau Fórum da TDM, Helena de Senna Fernandes indicou que de Janeiro a Maio entraram em Macau 3,25 milhões de visitantes, e chegou a registar-se um dia com menos de 200 movimentos fronteiriços. Esta contabilidade melhorou nos últimos dias, para cerca de 1000 entradas diárias, mas que mesmo assim se reflecte numa anémica ocupação hoteleira, de cerca de 10 por cento. “É uma situação sem precedentes,” referiu a directora da DST, acrescentando que estamos a atravessar uma fase pior do que em 2003, o que representa um enorme desafio para o sector do turismo que, para Senna Fernandes, tem mostrado solidariedade. Nesse contexto, a responsável realça a resposta do

sector ao plano de apoio às agências de viagens através das excursões locais. Sobretudo as agências de maior dimensão, que mostraram vontade de terem à mesa empresas com menos volume de negócios. Além disso, também os guias se disponibilizaram para adaptar os métodos de trabalho para ir ao encontro do cliente local e do turismo de comunidade. Senna Fernandes entende que a pandemia terá um outro efeito transformador na indústria do turismo a nível mundial, mais vocacionada para a redução de escala, aquilo que no trade se designa como travel bubble. A recuperação será parcial, virá de forma faseada e progressiva, incidindo em locais específicos e nas redondezas dos visitantes. A escala mundial da indústria do turismo só deverá voltar ao modelo anterior em 2023, no óptica da directora dos Serviços de Turismo. Até lá, o novo normal será a comunicação estreita entre as autoridades do turismo e os departamentos de saúde, em cooperação regional. N.W.

EXCURSÕES EXECUTIVO QUER CRIAR ITINERÁRIO “HENGQIN-MACAU”

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ELENA de Senna Fernandes, directora da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), adiantou, em resposta a uma interpelação escrita da deputada Wong Kit Cheng, que está a ser planeada a criação do itinerário turístico “Excursão Hengqin-Macau”. “Com base no plano de viagens locais, a DST irá colaborar com as três associações [Associação da Indústria Turística de Macau, Associação das Agências de Turismo de Macau e Associação das Agências de Viagens de Macau] para coordenar com as agências de viagens de Macau com o intuito de promover a ‘Excursão a Hengqin-Macau’, estendendo desta forma as acti-

vidades turísticas até à Ilha de Hengqin, e alargando a experiência turística dos residentes de Macau”, pode ler-se. A responsável frisou que o planeamento deste percurso turístico foi adiado devido à pandemia e que “os pormenores serão divulgados logo após a confirmação do plano”, uma vez que “as ligações fronteiriças entre Macau e Zhuhai continuam a ser restritas”. Helena de Senna Fernandes disse ainda que, no futuro, “e na sequência do funcionamento do novo posto fronteiriço da Ilha de Henqgin, iremos incentivar os operadores turísticos a explorarem, mais os itinerários multi-destinos”.

No ano passado, estes apoios estavam direccionados para os ramos da inteligência artificial, biomedicina e cidades inteligentes, mas este ano deixaram de haver restrições de áreas específicas, algo que as autoridades de Guangzhou entendem como um incentivo à inovação

GUANGZHOU SUBSÍDIO ATÉ 4,5 MILHÕES PARA ATRAIR STARTUPS DE MACAU

Festival de Cantão

O município de Guangzhou subiu a parada em relação a 2019 e elevou para 4,5 milhões de yuan os subsídios para jovens empreendedores das regiões administrativas especiais. Para empresas já estabelecidas que queiram mudar para a capital de província, o incentivo é de 200 mil yuan

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Grande Baía continua a tentar atrair empresas das regiões administrativas especiais. Nesse contexto, Guangzhou subiu a parada no incentivo à captura de jovens empreendedores, principalmente das áreas das novas tecnologias, em Macau e Hong Kong. De acordo com uma nota divulgada ontem pelo departamento de ciência e tecnologia do município de Guangzhou, os jovens empresários das duas regiões administrativas especiais vão ter à disposição 4,5 milhões de yuan de subsídio para fixarem negócios na capital de província. Os apoios subiram em relação ao ano passado, em especial no número

alargado de empresas apoiadas. Em 2019, o incentivo financeiro máximo era de 5 milhões de yuan para as três melhores propostas, com as restantes a receberem 1,75 milhões de yuan de apoios nacionais, provinciais e municipais. As empresas de Macau que se fixem nos centros de incubação, inovação e empreendedorismo de Guangzhou vão beneficiar de isenção de renda para espaços de escritórios nos dois primeiros anos de actividade e 50 por cento de desconto no terceiro ano. Para estes casos, os apoios ascendem a 500 mil yuan. Ao abrigo do Fundo de Desenvolvimento da Juventude os apoios são direccionados para três áreas: subsídios a startups,

incentivo ao crescimento e apoios ao a projectos de investigação e desenvolvimento.

ESCOPO ALARGADO

Em 2019, estes apoios foram direccionados para os ramos da inteligência artificial, biomedicina e cidades inteligentes, mas este ano deixaram de haver restrições de áreas específicas, algo que as autoridades de Guangzhou entendem como um incentivo à inovação. O programa de apoios conta este ano com o financiamento adicional de fontes como o Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia de Macau, criado em 2004 por regulamento administrativo assinado por Edmund Ho.

De acordo com as autoridades de Guangzhou, as inscrições no programa foram simplificadas e a papelada exigida às empresas foi optimizada, tornando o processo mais flexível e inclusivo em comparação com anos anteriores. Outra mudança nos requisitos deste ano, prende-se com o valor do capital mínimo das empresas detido por residentes de Macau e Hong Kong, que no ano passado era 50 por cento e que este ano passou para 30 por cento, para empresas já estabelecidas no mercado. Se a candidatura for aceite, estas companhias recebem 200 mil yuan. João Luz

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Saber para entender SEMANA DA CULTURA CHINESA REFLEXÃO SOBRE A TRADIÇÃO DA PINTURA CHINESA

Foram ontem apresentados na Semana da Cultura Chinesa dois volumes que reúnem textos sobre teoria da pintura chinesa, uma forma de arte sobre a qual é preciso aprender antes de se apreciar, entende Leong Iok Fai TATIANA LAGES

S memórias dos tempos passados despertam à nossa frente quando desenrolamos uma pintura”, é das primeiras frases do livro “Os eixos da tradição”. Este é o primeiro volume de dois livros focados na teoria da pintura chinesa, cuja tradução para português foi ontem apresntada pela primeira vez. O segundo é “O fascínio do gesto”. E foi precisamente um olhar sobre o passado e a evolução da pintura chinesa que ontem se deu, no âmbito da Semana da Cultura Chinesa. “Primeiro temos de aprender sobre a pintura chinesa, só assim podemos apreciá-la. Como o povo dizia há 1000 anos, a pintura só pode ser entendida, não pode ser descrita”, disse ao HM Leong Iok Fai, que apresentou os textos traduzidos por Paulo Maia e Carmo. Para o presidente da Associação de Pintura e Caligrafia de Macau, esta semana permite promover a vertente tradicional desta cultura no território. “Os pintores mencionados nos dois livros lançados são muito antigos (têm mais de 1000 anos), poucas pessoas os investigam, por isso é significativo divulgar estes pintores no exterior”. Para além disso, o académico destacou a herança teórica de alguns pintores, como Xie He: “é magnífico, hoje em dia quem quer apreciar ou analisar pinturas chinesas, tem de o fazer segundo os princípios da sua teoria”. A iniciativa decorre até sexta-feira na Fundação Rui Cunha, numa organização conjunta entre o jornal Hoje Macau e a editora Livros do Meio. Carlos Morais José – proprietário do Hoje Macau e da editora Livros do Meio – explicou que os textos nunca foram traduzidos para português e “mesmo noutras línguas europeias não é muito comum encontrá-los”. No seu entender, os textos de diferentes autores que abordam pintura clássica chinesa do século VI ao XVIII vão permitir às pessoas ter uma maior proximidade daquilo que, nomeadamente para os ocidentais,

Leong Iok Fai Associação de Pintura e Caligrafia de Macau “Os pintores mencionados nos dois livros lançados são muito antigos (têm mais de 1000 anos), poucas pessoas os investigam, por isso é significativo divulgar estes pintores no exterior”

“por vezes é estranho ou difícil de entender”.

ARTE MUTÁVEL

Uma das características que Leong Iok Fai apontou às pinturas chinesas é o facto de serem “a reflexão do coração ou do espírito do pintor”, conseguindo transmitir o sentimento do artista. Algo que descreve acon-

tecer também com a caligrafia. Do lado do público, esteve presente Hong San San, da Associação das Calígrafas, Pintoras e Escultoras de Selos de Macau, que observou como “a caligrafia é uma tradição chinesa antiga” que existe há cinco mil anos. Mas ao longo do tempo sentiram-se mudanças. A influência das pinturas ocidentais na pintura

chinesa foi um dos temas que gerou maior curiosidade junto do público. De acordo com Leong Iok Fai, a aproximação existe há mais de 100 anos, com essa influência a expressar-se, por exemplo, através de pinturas mais coloridas. Ainda assim, teve limites. “Acho que houve influência, mas não é tão comum como noutras pinturas.

MÚSICA FESTIVAL “HUSH!” COMEÇA NO DOMINGO E DURA ATÉ AGOSTO

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OMEÇA no domingo, dia 21, mais uma edição do festival “Hush!! Concertos de Verão 2020”, organizado pelo Instituto Cultural (IC) em colaboração com o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM). Até Agosto o público poderá assistir a uma série de eventos musicais realizados online e em diferentes zonas da cidade, além de poder participar em vários workshops de música e num Concurso de Curtas-Metragens “HUSH!! 300 segundos”. O primeiro concerto “Dia da Música Online” será transmitido já este domingo através da página “HUSH Full Music” no Facebook www.facebook.

com/hushfullmusic) entre as 15h e as 18h. No mesmo dia acontece também o evento “Fête de la Musique” (Festa da Música), no âmbito da qual serão realizados eventos musicais gratuitos em mais de 430 cidades de 110 países, difundindo o espírito da música por toda parte. Estreando-se na transmissão online, HUSH!! contará com a participação de músicos de Hong Kong, Interior da China e Macau, incluindo Jun Kung, Ghostly Park, Eva & Sin, Catalyser, Worktone String Quartet e ASURA. Além dos concertos, o festival inclui quatro workshops que terão lugar no Centro de Arte Contemporânea de

Macau - Oficinas Navais, n.º 2. São eles “Workshop de Percussão de Música do Mundo - Aprender Asalato e Handpan” (4 de Julho); “O Que as Letras Podem Dizer Além de Amor? - Joe Lei Fala Sobre Criação de Letras” (5 de Julho); “Workshop de Canto de Metal Growl” (10 de Julho) e “Experimente a Produção de Música Electrónica” (12 de Julho). A edição deste ano do festival volta a apresentar também o concurso de curtas metragens “HUSH!! 300 Segundos”, com inscrições disponíveis entre hoje e 27 de Julho. A cerimónia de entrega dos prémios está marcada para o dia 2 de Agosto.

(...) Neste caso se calhar a pintura já não pode ser classificada como pintura chinesa, mas pintura a óleo, a aguarela, etc”. Hoje decorre a apresentação de o “Divino Panorama – Um Inferno Chinês”, um texto que reúne influências do budismo, taoísmo e confucionismo. S.F. e N.W.

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ANÚNCIO CONCURSO PÚBLICO PARA “OBRA DE RENOVAÇÃO DO BAIRRO SOCIAL DE TAMAGNINI BARBOSA (IV FASE)” [81/2020] 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.

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Entidade promotora do concurso: Instituto de Habitação (IH). Modalidade do concurso: Concurso público. Local de execução da obra: Bairro Social de Tamagnini Barbosa, Torre A. Objecto da empreitada: A presente obra visa a renovação das fracções de habitação social do 7.° ao 15.° piso, os corredores públicos do átrio e cada piso da Torre A do Bairro Social de Tamagnini Barbosa. Prazo máximo de execução: 220 (duzentos e vinte) dias úteis. O prazo de execução declarado pelos concorrentes deve seguir o estipulado no pontos 6, 7 e 8 do Programa de concurso e nos pontos 5.1.2 e 5.2.2 das cláusulas gerais do Caderno de Encargos. Prazo de validade das propostas: O prazo de validade das propostas é de noventa dias, a contar da data do encerramento do acto público do concurso, sendo prorrogável nos termos previstos no Programa de Concurso. Tipo de empreitada: Empreitada por série de preços. Caução provisória: MOP277 800,00 (duzentas e setenta e sete mil e oitocentas patacas), a prestar mediante depósito em dinheiro, garantia bancária legal ou seguro-caução. Caução definitiva: 5% do preço total da adjudicação (das importâncias que o empreiteiro tiver a receber em cada um dos pagamentos parciais são deduzidos 5% para garantia do contrato, em reforço da caução definitiva prestada). Preço base: Não há. Condições de admissão: Serão admitidas como concorrentes as entidades inscritas na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes para execução de obras, bem como as que à data do acto público do concurso tenham requerido a sua inscrição, sendo neste último caso a admissão condicionada ao deferimento do respectivo pedido de inscrição. São proibidos todos os actos ou acordos susceptíveis de falsear as condições normais de concorrência, devendo ser rejeitadas as propostas e candidaturas apresentadas como sua consequência. Especialmente quando haja duas ou mais propostas apresentadas, com os mesmos sócios ou membros do órgão de administração, as respectivas propostas devem ser rejeitadas. Local, data e hora de explicação: Local: Bairro Social de Tamagnini Barbosa, Torre A. Data e hora: 22 de Junho de 2020 (Segunda-feira), às 10H00. Local, data e hora para entrega das propostas: Local: Recepção do IH situado em Macau, na Travessa Norte do Patane para a Estrada do Canal dos Patos, n.º 220. Data e hora limites: 7 de Julho de 2020 (Terça-feira), pelas 17H45. Em caso de encerramento deste Instituto na hora limite para a entrega das propostas acima mencionada por motivos de tufão ou de força maior, a data e hora limites estabelecidas para a entrega das propostas serão adiadas para a mesma hora do primeiro dia útil seguinte. Local, data e hora do acto público do concurso: Local: IH, sito na Estrada do Canal dos Patos, n.o 158, Edifício Cheng Chong, R/C, Loja H, Macau. Data e hora: 8 de Julho de 2020 (Quarta-feira), pelas 10H00. Em caso de adiamento da data limite para a entrega das propostas de acordo com o n.º 13 ou de encerramento deste Instituto na hora estabelecida para o acto público do concurso acima mencionada por motivos de tufão ou de força maior, a data e hora estabelecidas para o acto público do concurso serão adiadas para a mesma hora do primeiro dia útil seguinte. Os concorrentes ou seus representantes deverão estar presentes ao acto público do concurso para os efeitos previstos no artigo 80.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M e para obterem esclarecimentos de eventuais dúvidas relativas aos documentos apresentados no concurso. Línguas a utilizar na redacção da proposta: Os documentos que instruem a proposta (com excepção dos catálogos de produtos) são obrigatoriamente redigidos numa das línguas oficiais da RAEM; quando noutra língua, devem ser acompanhados de tradução legalizada, a qual prevalece para todos e quaisquer efeitos. Local, hora e preço para exame do processo e obtenção de cópia: Local: IH, Estrada do Canal dos Patos, n.º 220, Macau. Hora: Horário de expediente. Neste Instituto pode ser obtida o ficheiro em CD-ROM do processo do concurso público pelo preço de MOP500,00 (quinhentas patacas) ou podem proceder ao seu download gratuito na página electrónica do IH (http://www.ihm.gov.mo). Critérios de apreciação de propostas e respectivos factores de ponderação: Factores de Avaliação - Custo das obras - Prazo de execução

Proporção 80% 20%

Pontuação final = Pontuação em função do custo das obras + Pontuação em função do prazo de execução.

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A adjudicação será efectuada, pelo dono da obra, ao concorrente que, de acordo com a proposta apresentada, obtenha a pontuação final mais elevada. Caso exista mais do que um concorrente que obtenha a mesma pontuação mais elevada, o dono da obra tomando em consideração o preço mais baixo proposto. Junção de esclarecimentos: Os concorrentes poderão dirigir-se ao IH, Estrada do Canal dos Patos, n.º 220, Macau, a partir de 17 de Junho de 2020 e até à data limite para a entrega das propostas, para tomar conhecimento de eventuais esclarecimentos adicionais.

Instituto de Habitação, Macau, aos 2 de Junho de 2020. O Presidente, Arnaldo Santos


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quinta-feira 18.6.2020

Pequim está a regressar às medidas de confinamento e ao encerramento de várias estruturas, como escolas (...). Os pavilhões desportivos também voltaram a ser fechados. Bares, restaurantes e lojas terão novamente de fechar portas

Ontem, os dois aeroportos da capital cancelaram mais de mil voos e a capacidade de lotação dos transportes públicos foi reduzida para 75%.

“UM PASSO À FRENTE”

COVID-19 A RESPOSTA DE PEQUIM AO RESSURGIMENTO DE CASOS

Brechas na muralha

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OOS cancelados, escolas encerradas e um regresso ao confinamento são algumas das medidas que Pequim está a avançar para travar a disseminação de um novo surto de covid-19 que tem vindo a evoluir nos últimos dias na capital chinesa. Esta quarta-feira, a China diagnosticou 44 novos casos da doença covid-19, incluindo 31 em Pequim, após um surto detectado no principal mercado abastecedor da capital do país. A cidade com 21 milhões de habitantes aumentou o nível de emergência na terça-feira, visando conter a disseminação deste novo surto, que soma 137 casos nos últimos seis dias, após dois meses sem registos de novos contágios.

ORIGEM DESCONHECIDA

No início do ano, no auge da epidemia do novo coronavírus na China, Pequim foi classificada como uma espécie de “Grande Muralha Sanitária”, uma vez que todos aqueles que chegassem de fora eram colocados imediatamente e obrigatoriamente em quarentena. Como resultado, e segundo os dados oficiais disponíveis, foram apenas registados 597 casos de infecção e nove vítimas mortais na capital chinesa.

Em Maio, várias medidas de restrição seriam suspensas, num sinal de normalização gradual no país. Apenas as ligações aéreas internacionais se mantiveram como excepção. As companhias aéreas continuam a não poder aterrar diretamente em Pequim para evitar os chamados casos de contaminação “importados” do estrangeiro. O aparecimento de um novo caso na semana passada na metrópole chinesa veio reavivar os receios de uma nova vaga de contaminação. Dezenas de pessoas que trabalham ou frequentam o mercado abastecedor de Xinfadi (na zona sul de Pequim) acabaram por testar positivo para o novo coronavírus. O local, o principal mercado abastecedor de produtos frescos da capital chinesa, terá sido frequentado por mais de 200 mil pessoas

desde 30 de Maio, de acordo com as autoridades locais. A origem deste novo foco de contágio mantém-se, até ao momento, desconhecida. Os ‘media’ chineses avançaram que o novo coronavírus tinha sido detectado, nomeadamente, nas tábuas utilizadas para cortar o salmão importado neste mercado. No entanto, segundo realçou o epidemiologista e chefe do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, Wu Zunyou, “isso não é suficiente para certificar que (o vírus) provém de produtos do mar importados”. “Poderá (também) ter vindo de uma pessoa infectada”, admitiu o especialista, em declarações citadas pelas agências internacionais.

PLANO DE ACTUAÇÃO DE PEQUIM

A capital chinesa está a regressar às medidas de con-

OSLO CONTRA LIGAÇÕES AO SURTO

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governo de Oslo rejeitou ontem a acusação chinesa de que o salmão norueguês estaria na origem do novo surto de covid-19, identificado nos últimos dias e associado a um mercado da capital da República Popular da China. “O assunto está em fase de resolução”, disse o ministro das Pescas da Noruega, Odd Emil Ingebrigtsen, citado pela agência TDN Finans. “Nós estamos a trabalhar nos últimos pormenores e posso confirmar que o assunto parece resolvido”, acrescentou. O ministro explicou que representantes da Noruega e da República Popular da China se reuniram ontem e concluíram que o salmão norueguês não está na origem do surto viral detectado na semana passada no mercado grossista de Xinfadi em Pequim.

finamento e ao encerramento de várias estruturas, como escolas, que já tinha reaberto maioritariamente e ontem voltaram a ser encerradas. Os pavilhões desportivos também voltaram a ser fechados. Bares, restaurantes e lojas terão novamente de fechar portas ou impor restrições aos clientes, como a medição da temperatura corporal ou limitar o número de pessoas nos respectivos espaços. Também está em curso uma operação de desinfecção nos restaurantes da capital e 11 mercados de Pequim estão totalmente ou parcialmente fechados. As autoridades locais lançaram uma vasta campanha de rastreio, e, desde sábado, foram testadas cerca de 356 mil pessoas, de acordo com informações oficiais. Na terça-feira, as autoridades de Pequim exortaram os habitantes a evitarem as viagens “não essenciais” para fora da cidade, proibindo os residentes das áreas afectadas pelo novo surto a saírem da capital. Neste momento, 27 bairros de Pequim estão em quarentena. Muitas cidades e províncias já estão a impor, neste momento, o cumprimento de uma quarentena aos viajantes procedentes de Pequim.

Um porta-voz das autoridades locais, Xu Hejian, afirmou ontem que Pequim está empenhada nesta “corrida contra o tempo” face ao novo coronavírus. A capital chinesa deve “estar sempre um passo à frente da epidemia e tomar medidas mais restritivas, decisivas e determinadas”, reforçou o representante. Na segunda-feira, um alto funcionário chinês chegou a admitir que o encerramento das escolas pode durar até ao Outono e, perante tal eventualidade, foi pedido às escolas que fornecessem mais conteúdos educativos através da Internet. Apesar do ressurgimento de casos da doença covid-19, as agências internacionais descreveram ontem que Pequim se mantém uma cidade movimentada, apesar de um expressivo decréscimo no

tráfego diário, e sem uma aparente sensação de pânico. As autoridades “aumentaram o nível de risco de epidemia em algumas ruas ou bairros, mas não em toda a cidade”, afirmou Lu Jiehua, professor de sociologia na Universidade de Pequim, citado pela agência France Presse (AFP). Lusa

PUB HM • 1ª VEZ • 18-6-20

公告 ANÚNCIO 履行金錢債務案 第 PC1-19-0392-COP 號 輕微民事案件法庭 Cumprimento de Obrigações Pecuniárias n.º Juízo de Pequenas Causas Cíveis

Autor: BANCO INDUSTRIAL E COMERCIAL DA CHINA (MACAU) S.A., com sede em Macau, na Avenida da Amizade n.º 555, Macau Landmark, Torre ICBC, 18º andar. Réu: GONÇALVES PEREIRA DE LIMA HELDER, com última residência conhecida em Macau, na Rua Expectação de Almeida Nº 15 B1 3 3A Ed Verde 3 Macau, ora ausente em parte incerta. FAZ-SE SABER que pelo Juízo de Pequenas Causas Cíveis do Tribunal Judicial de Base da RAEM, correm éditos de TRINTA (30) DIAS, contados da data da publicação deste anúncio, citando o Réu GONÇALVES PEREIRA DE LIMA HELDER para no prazo de QUINZE (15) DIAS, findo o dos éditos, querendo contestar a acção supra identificada, na qual o Autor pede que a presente acção seja julgada procedente, por provada e, consequentemente, ser o Réu condenado a pagar as dívidas, as despesas e os juros de mora na quantia de MOP28.583,39 (Vinte e Oito Mil, Quinhentas e Oitenta e Três Patacas e Trinta e Nove Avos), a que acrescem os juros que se forem vencendo, à taxa de juros convencionais, após a propositura da acção e até integral pagamento, o respectivo imposto de selo que sobre os mesmos incide e, ainda, as custas e condigna procuradoria, sob pena de não o fazendo no referido prazo, seguir o processo os ulteriores termos até final à sua revelia. Fica advertido de que não é obrigatório a constituição de advogado caso seja deduzida contestação. Tudo como melhor consta do duplicado da petição inicial, que se encontra nesta Secretaria do Juízo de Pequenas Causas Cíveis, poderão ser levantados nas horas normais de expedientes. RAEM, 03 de Junho de 2020. A JUIZ,


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...que sei eu sobre as tempestades do sangue?

A travessia perigosa retrovisor Luís Carmelo

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MA época é um grão de areia ao vento no meio do Atlas. Se se preferir, uma época é um breve recorte na continuidade do fio de Ariadne, mas de uma versão falsa que nunca nos chegará a revelar a topografia do grande labirinto que respiramos. Desde o pós-guerra que a ideia de época passou a designar-se correntemente por tempo geracional. Mais uma designação sem sentido, se recuássemos cem anos. Uma época vive de retenções de memórias e de tematizações que estão sempre a alterar-se. Numa época existe sempre um naipe de palavras e um conjunto de conceitos que são dominantes e que depois, pouco depois, logo se perdem, transformam ou adulteram, porque todo o contexto se renova. Uma época vive atada a uma moldura muito fixa, do mesmo modo que uma pessoa se sente atada a um pára-quedas naqueles escassos minutos, depois de ter saltado do avião. Uma época é uma insularidade, um pequeníssimo mundo que tenta auscultar a dimensão universal e que acredita mesmo que o faz, mas sem conseguir sequer tacteá-la ou entendê-la. Uma época é a grande metáfora do efémero e da tentação de fazer corresponder a um fragmento do tempo sequencial aquilo que por trás mais o trama: a duração. A ideia de época é, ela mesma, um produto do mundo moderno que germinou, na sua origem, no lado ocidental do globo. É uma ideia secular que escapa ao modelo da eternidade, de que o tempo divino seria a feição perfeita. No mundo moderno, uma época é um lugar de desdém face a outras épocas como se o esquecimento, o momentâneo e a simples passagem fossem sinónimos de um ascendente a caminho de um pseudo-vórtice luminoso mais justo e sabedor. Uma época vive de objectos culturais que lhe são próprios: máquinas, modas, dispositivos mecânicos ou electrónicos, arquitecturas, utensílios domésticos, faixas de asfalto que cortam a paisagem, palavras de ordem que se repetem e os mais variados media que aproximam e afastam as pessoas. Uma época é um campo de forças que conjectura, que prevê e que antecipa, embora o faça com um olhar que é inevitavelmente limitado ao seu campo de visão.

No mundo moderno, uma época é um lugar de desdém face a outras épocas como se o esquecimento, o momentâneo e a simples passagem fossem sinónimos de um ascendente a caminho de um pseudo-vórtice luminoso mais justo e sabedor

Uma época é um ‘locus’ magnético que reinventa o passado, servindo-se, há cerca de dois séculos e meio, de todo aquele aparelho conceptual que passou a designar-se por “História”, tendo-se-lhe emprestado o cognome de ciência. Uma época reinventa o passado através de redes ficcionais que enfatizam certas zonas que confortam o presente e as ideias aí dominantes. Essas redes e essas zonas estão continuamente em metamorfose, embora, em cada patamar da caminhada, beneficiem de dogmatismos errantes. Numa época há certas questões, dúvidas e perguntas que se impõem e o fundamental passa por lhes responder com aquilo que, na altura, os humanos têm à mão. Todo esse vaivém se altera de época para época e a tarefa que se segue consistirá inevitavelmente em reconstituir, traduzir, reenquadrar. Razão por que uma época nunca acede ao espelho

exacto de uma outra época e, por isso mesmo, não a pode julgar. Uma época insiste sempre em ter um espectro de coisas visíveis que se contrapõe a outras que devem manter-se fora da vista de todos. Uma época dificilmente sabe conviver com tudo o que está à vista, porque a geração que a habita sonha-se sempre no cume da “História” e ousa dispor do tempo e sobretudo da natureza como se outras gerações não tivessem existido ou nunca viessem sequer a existir no futuro. Uma época nunca é uma eco-época, justamente por causa desta intolerância extrema que é, em última análise, a intolerância da finitude. Uma época julga-se, por isso mesmo, no direito de arrancar estátuas, de queimar livros e de interditar palavras. Uma época pode matar. Uma época é uma travessia perigosa.


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António Cabrita

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UMA entrevista recente, a propósito de Murder Most Foul, quando perguntam a Bob Dylan sobre os riscos da hiperindustrialização e da tecnologia se virarem contra a vida humana, o cantor responde:«Definitivamente, há muito mais ansiedade e nervosismo agora do que costumava existir. Mas isso só se aplica a pessoas de uma certa idade como eu e você, Doug. Temos a tendência de viver no passado, mas isso somos nós. Os jovens não têm essa tendência. Eles não têm passado, então tudo que sabem é o que vêem e ouvem, e acreditam em qualquer coisa. Daqui a 20 ou 30 anos, eles estarão na vanguarda. Quando você vê alguém com 10 anos, ele estará no controle em 20 ou 30 anos, e ele não terá ideia do mundo que conhecíamos. Os jovens que estão na adolescência agora não têm memórias suficientes para se lembrar. Então provavelmente é melhor entrar nessa mentalidade o mais rápido possível, porque essa será a realidade. No que diz respeito à tecnologia, ela torna todos vulneráveis. Mas os jovens não pensam assim. Eles não poderiam se importar menos, porque telecomunicações e tecnologia avançada são o mundo em que nasceram. O nosso mundo já está obsoleto.» Gosto do diagnóstico, mas não da resignação do artista, contraditória com a lucidez da primeira parte da resposta; talvez seja típico de um americano. Sim, os jovens hoje crescem num ambiente em que as ciências humanas e as suas pautas simbólicas foram desvalorizadas e preteridas pelos saberes técnicos e de imediata operacionalidade e vivem sob o jugo do “eterno presente” da esfera mediática. Trump é o exemplo de alguém que é absolutamente fruto de uma educação temperada pelos inputs das indústrias culturais, sem qualquer filtragem de uma cultura humanística que coloque o presente e os seus valores em perspectiva. Trump é um espelho das patologias da sociedade de consumo e da equívoca relação do mercado - hipervalorizado como única instância reguladora - com os princípios da democracia, porque, afinal, tem sido esquecido, uma democracia será mais do que um sistema financeiro. A surpresa de Boris Johnson - um cínico, que beneficiou ainda de uma educação aristocrática e assente nos referenciais de uma cultura humanista – sobre a motivação dos que vandalizaram a estátua de Churchill é genuína, daí ter lembrado que apesar de algumas das ideias defendidas pelo seu histórico antecessor serem “inaceitáveis para nós hoje”, «Churchill continua a ser uma figura heróica que salvou o país de uma “tirania racista e fascista”». Indesmentível, e isso

O combate do século PHILIP HAAS

diario de prospero

torna absurda a situação dos anti-racistas tomarem a figura de Churchill como alvo da sua ira e da estátua do estadista ser defendida por milícias e holligans de extrema-direita. Assistimos aos sintomas da desordem mental que resulta de sermos expostos há décadas a um avassalador fluxo informativo sem filtro, sem a mediação de qualquer pensamento crítico ou a ambição de articular essa amálgama informativa sob o guarda-chuva de um sistema cognitivo que re-ligue os padrões e nos possa orientar no seio de Babel. A educação como grande projecto

iluminista pulverizou-se: o efeito disto traduz-se mais nos “legumes” de Archimbold e Pilipe Haas que num mundo mais igualitário. A facilidade com que hoje os líderes convencem os seus fanáticos de que quem se opõe às suas ideias é “comunista” ou “fascista” assinala o triunfo do slogan contra qualquer possibilidade de reflexão. O eleitorado prefere a velocidade, a adrenalina, à ponderação, ao juízo. Um verdadeiro líder democrático é quem nos ensina: a contingência habita o cerne do poder – mais cabal não há que o exemplo de Churchil, derrotado à

Assistimos aos sintomas da desordem mental que resulta de sermos expostos há décadas a um avassalador fluxo informativo sem filtro, sem a mediação de qualquer pensamento crítico ou a ambição de articular essa amálgama informativa sob o guarda-chuva de um sistema cognitivo que re-ligue os padrões e nos possa orientar no seio de Babel

boca das urnas logo a seguir a ter ganho a guerra, perdeu e retirou-se. Hoje, com Trump e Bolsonaro, assiste-se ao contrário: napoleonicamente, apresentam-se como providenciais, e, grotescamente, estão convencidos disso. A democracia, mais do que o exercício da alternância democrática (que apela ainda a uma disputa entre os diferentes sentimentos de pertença cristalizados nos partidos), deve antes promover um sentimento de não-pertença e de distância analítica que se reforça pela persuasão com que novos direitos e sensibilidades emergentes ganham novos focos de mediação, novos intermediários e impõem as suas razões narrativas. O movimento social é como um tecido corrompido que só se sara quando se instauram novas mediações. Socorramo-nos de Alain Badiou: «... chame-se movimento a uma acção colectiva que obedece a duas condições: em primeiro lugar, esta acção não está prevista nem regulada pela potência ou o poder dominante. Logo, esta acção pressupõe algo imprevisível, que rompe com a repetição. Chamamos movimento a algo que rompe com a repeticão colectiva, social. É a primeira condição.» O que tivémos com as espontâneas reacções à morte de George Floyd. E o movimento, deve romper com a unanimidade mimética - pura condição. Embora, para se tornar fecundo, a sua segunda condição seja «que se proponha dar um passo mais, adiante, no que respeita à igualdade. A consigna de um movimiento, o que diz, o que propõe, vai, de una maneira geral, no sentido de uma maior igualdade». O seu efeito é a emergência de um novo “intermediário”, de uma nova sensibilidade em relação às decisões políticas e às instâncias de mediação. Nesta pequena nuance da mediação joga-se a superação de uma democracia representativa para uma democracia re-encantada e este salto é vital. A validade e inteligência desta mutação ficam enfraquecidas com os gestos demagógicos de vandalizar as estátuas. Restituir ao social a dignidade que aponta para uma “maior igualdade” supõe simultaneamente respeitar os símbolos da ideologia adversária e mobilizar a energia para a mudança política, posto estar o debate lançado. A explosão e a fúria sem a reflexão redundam numa oportunidade perdida. Pichar as estátuas, mutilá-las, censurar filmes ou livros, só mostra como o colectivo e as suas unanimidades são permeáveis à estupidez e intolerância que germinou nos regimes autoritários e discriminatórios e como a educação volta a ser o combate do século.


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e da disciplina que o exército pode fornecer", declarou Jacinda Ardern aos jornalistas. Na terça-feira, as autoridades neozelandesas anunciaram que duas mulheres recentemente chegadas do Reino Unido saíram prematura-

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mente da quarentena sem serem testadas, apesar de apresentarem sintomas ligeiros da covid-19. As duas foram já encontradas e diagnosticadas como portadoras do novo coronavírus.

FALADO EM CANTONÊS Um filme de: Dan Scanlon 14.30, 16.30, 19.30

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DIGIMON ADVENTURE LAST EVOLUTION KIZUNA [A]

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FALADO EM JAPONÊS LEGENDADA EM CHINÊS Um filme de: Tomohisa Taguchi 21.30

FALADO EM JAPONESE LEGENDADA EM CHINÊS E INGLÊS Um filme de: Kenji Nagasaki 19.00

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AT THE END OF THE MATINEE [C] FALADO EM JAPONÊS LEGENDADA EM CHINÊS E INGLÊS Um filme de: Hiroshi Nishitani Com: Masaharu Fukuyama, Yuriko Ishida 14.30, 17.00, 19.15

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INHERITANCE [C]

Um filme de: Michel Goi Com: Gary Oldman, Emily Mortimer, 14.30, 21.15

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UMA HISTÓRIA SIMPLES | DAVID LYNCH | 1999

O título dá o mote e cumpre o que promete. Sem rodeios e de forma determinada. Uma história simples leva-nos a acompanhar a viagem que Alvin Straight faz a bordo do seu corta-relvas para visitar o irmão Lyle, um veterano da Segunda Guerra Mundial, cujo estado de saúde se encontra agravado. Baseado numa história verídica, após saber da notícia, e apesar de estar de relações cortadas com Lyle, Alvin Straight decide atravessar os estados do Iowa e Wisconsin no precário veículo. O corta-relvas foi o transporte escolhido devido aos problemas de visão, que não permitem a Alvin ter carta de condução. Pelas bermas das estradas lá vai andando rumo ao seu destino, sem vacilar e deparando-se com todo o tipo de peripécias. Richard Farnsworth, que assume o papel de Alvin Straight, foi nomeado para um Óscar pela sua prestação. Pedro Arede

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AT THE END OF THE MATINEE

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Propriedade Fábrica de Notícias, Lda Director Carlos Morais José Editores João Luz; José C. Mendes Redacção Andreia Sofia Silva; João Santos Filipe; Pedro Arede; Salomé Fernandes Colaboradores Anabela Canas; António Cabrita; António de Castro Caeiro; António Falcão; Ana Jacinto Nunes; Amélia Vieira; Duarte Drumond Braga; Emanuel Cameira; Gisela Casimiro; Gonçalo Lobo Pinheiro; Gonçalo M.Tavares; João Paulo Cotrim; José Drummond; José Navarro de Andrade; José Simões Morais; Luis Carmelo; Michel Reis; Nuno Miguel Guedes; Paulo José Miranda; Paulo Maia e Carmo; Rita Taborda Duarte; Rosa Coutinho Cabral; Rui Cascais; Rui Filipe Torres; Sérgio Fonseca; Valério Romão Colunistas António Conceição Júnior; David Chan; João Romão; Jorge Rodrigues Simão; Olavo Rasquinho; Paul Chan Wai Chi; Paula Bicho; Tânia dos Santos Grafismo Paulo Borges, Rómulo Santos Agências Lusa; Xinhua Fotografia Hoje Macau; Lusa; GCS; Xinhua Secretária de redacção e Publicidade Madalena da Silva (publicidade@hojemacau.com.mo) Assistente de marketing Vincent Vong Impressão Tipografia Welfare Morada Calçada de Santo Agostinho, n.º 19, Centro Comercial Nam Yue, 6.º andar A, Macau Telefone 28752401 Fax 28752405 e-mail info@hojemacau.com.mo Sítio www.hojemacau.com.mo

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MARY [C]

Um filme de: Vaughn Stein Com: Lily Collins, Simon Pegg, Connie Nielsen 14.30, 16.45, 21.30

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UM FILME HOJE

MY HERO ACADEMIA: HEROES RISING [B]

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A primeira-minista da Nova Zelândia entregou ontem a vigilância nas fronteiras ao exército, depois de terem sido detectados dois novos casos da covid-19 no arquipélago. "Creio que precisamos do rigor, da confiança

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opinião 15

quinta-feira 18.6.2020

MANUEL DE ALMEIDA (texto e ilustração)

Bloomsday - o dia de Joyce «MÚSICA DE CÂMARA XX» “No escuro pinhal, Na sombra fria, Aos dois eu punha No pleno dia. Quão doce beijar Pôr-se ali Onde os pinhos altos Se enavilham! Teu beijo pousando E mais tenro Junto ao caos macio Dos cabelos. Ó, no bosque dos pinhos, No dia do meio, Vem junto agora, Amor ao pleno”.

O James Joyce (1882/1941)

dia 16 de Junho, o «Bloomsday», é o dia instituído na Irlanda para homenagear o personagem Leopold Bloom, protagonista de «Ulisses», de James Joyce. Em todo o Mundo, é o único dia dedicado ao personagem de um Livro. «Nós» portugueses somos os únicos que comemoramos o Dia Nacional – 10 de Junho - através da data que assinala a morte (1580) do «príncipe dos poetas portugueses», o Homem que «cantou» o dobrar do cabo das Tormentas, «para servir a Pátria, ditada minha amada». Honrar Camões, poeta da «Bíblia da Pátria», foi o objectivo inicial ao adoptar o «10 De Junho» como o «Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas». Apesar de não ser feriado, o «Bloomsday» é comemorado um pouco por todo o Mundo – é o dia dedicado a Leopold Bloom, protagonista do livro «Ulysses», de James Joyce, em vários lugares e em várias línguas. Em Dublin, os fãs da obra refazem o percurso dos personagens pelas ruas da cidade conforme descrito por Joyce. «Ulisses», nome latinizado do herói, é uma recriação moderna da «Odisseia» de Homero. É uma personagem eterna. Publicado a 2 de Fevereiro de 1922, dia do seu aniversário, em Paris, o romance – epopeia (tragédia do quotidiano) - «Ulysses», escrito entre 1914 e 1921, em Trieste, Zurique e Paris, foi um livro proscrito em todos os países anglo-saxónicos, incluindo os Esta-

dos Unidos da América e o Reino Unido, por conter alguns aspectos impublicáveis, nomeadamente obscenidades. James Augustine Aloysius Joyce, escritor irlandês, nasceu em Rathgar, subúrbios de Dublin, a 2 de Fevereiro de 1882, filho de família rica católica. Entra numa escola jesuíta, passa pela Universidade de Dublin, onde se forma, e parte para Paris com a intenção de estudar Medicina. Desiste e passa todo o seu tempo a escrever. Modernista, um inovador – a linguagem é a personagem principal – e um dos autores de maior relevância do século XX, tornou-se um dos marcos da literatura ocidental contemporânea. Joyce foi romancista, contista e poeta. A história de «Ulisses» (um «monstro», nas palavras do autor) narra um dia – 18 horas (dezoito capítulos – começa por volta das 8 horas da manhã e termina após as 2 da madrugada seguinte) - na vida do irlandês Leopold Bloom. «Bloomsday» vem do sobrenome da personagem carismática do livro, e passa-se no dia 16 de Junho de 1904. Bloom, amigo de Joyce, 38 anos, filho de pai judeu, agente de publicidade, imigrante, homem comum, sente-se deslocado na comunidade xenófoba de Dublin, capital da Irlanda – um expatriado tal como Joyce quando escreveu o livro. James Joyce escolheu o dia 16 de Junho para ser imortalizado na sua obra «Ulisses» - um livro revolucionário no estilo e na concepção -, porque foi nesse dia que fez amor pela primeira vez com Nora Barnacle, jovem camareira do condado de Gallway, que viria a ser a sua companheira para o resto da vida. As suas obras de maior referência são: «Música de Câmara» - uma antologia de 36 poemas líricos curtos - (Poesia) 1907; «Gente de Dublin» (Contos) 1914 e, os romances «Retrato de um Artista Quando Jovem» (1916) – livro autobiográfico, «Ulisses» (1922) – uma obra de esforço «homérico» e o intrigante sonho «Finnegans Wake». Fernando Pessoa, num curto rabiscado comentário crítico à leitura de «Ulysses», comparou a arte de James Joyce à de Mallarmé, chamando-lhe «a arte fixada no processo de fabrico, no caminho. A mesma sensualidade de Ulysses é um sintoma de intermédio. É o delírio onírico, dos psiquiatras, exposto como fim.», sentenciando em jeito de conclusão: «Uma literatura de «antemanhã», porventura adivinhando nele a revelação de um novo estilo literário, um novo alvorecer, pressagiando, quiçá, o que iria ser o futuro literário: «Começa, no ar da antemanhã, A haver o que vai ser o dia...» (in «Começa, no ar da antemanhã»), a escrita de Joyce como “[...] aquela fria Luz que precede a madrugada, E é já o ir a haver o dia [...]” (in «Mensagem»). Joyce faleceu em Zurique, na Suíça, a 13 de Janeiro de 1941. Atrevo-me a encomendar-vos um exercício de imaginação para o fim-de-semana:

E se James Joyce estivesse em Macau, agora mesmo, a escrever o Ulisses? Que trajecto tomaria Bloom (chamar-se-ia como? Nome chinês? português?), que pessoas do dia-a-dia da nossa cidade serviriam para ele retratar as sereias que agora nos encantam, os ciclopes dos nossos temores, as feiticeiras que nos traçam destinos, os deuses com que hoje nos cruzamos...??? Que língua ou línguas falaria? Que batalhas travaria? Que armas escolheria? Também «silence, exile and cunning» (silêncio, exílio e astúcia) do jovem Dedalus? E se tivéssemos por cá, agora mesmo, um ‘James Joyce’ de verdade, de carne e osso, prestimoso, que se abalançasse a reescrever a epopeia nesta exígua curva recortada na orla meridional do país do meio?... Macau já teve (e tem) os seus heróis, porventura escassos, demasiado na sombra e humildes, apagados e pouco idolatrados com certeza, para o bem social que precisávamos. Mas as suas vidas, rectidão de carácter e postura mereciam ser contadas e cantadas como a de Ulisses, à visa de inspiração e exemplo para nós, simples mortais. Sem precisarmos de recuar muito no tempo, muitos de nós já cá viveram anos suficientes para assistir à generosidade, bondade, alegria, humanidade, resiliência, talento e sensibilidade de muitos heróis das causas nobres e justas. Eu próprio tive a honra de acompanhar o passo com alguns heróis que me marcaram profundamente: Lancelote Rodrigues, Carlos d’Assumpção, Manuel Teixeira, Adé, Leonel Barros, Domingos Lam, Silveira Machado, Tomás Bettencourt Cardoso, Henrique de Senna Fernandes, Alberto Alecrim... e os, tantos, sem nome sabido, que praticam o bem em silêncio... Rejubilo e sensibilizo-me com a força de vontade e abenegação de heróis do presente,

aqui, entre nós, como a Irmã Juliana Devoy... ou que partiram recentemente, como o filantropo Stanley Ho. Macau teve, nas suas ruas e pó, heróis que ficaram para a História, como Sun Yat-sen, Wenceslau de Moraes, Camilo Pessanha, João Paulino de Azevedo e Castro, José da Costa Nunes, Arquimínio Rodrigues da Costa, Xian Xinghai..., esperemos que apareçam muitos mais. Parece que hoje em dia ninguém quer confessar que o outro é melhor que si próprio, que alguém suplanta a mediania, é mais valoroso, solidário, generoso, esforçado, temerário, e nos dá alento, com o seu testemunho, para persisitirmos nos valores em que acreditamos e no que realmente vale a pena lutar nesta vida. Todos enfrentamos lutas e chegamos a encruzilhadas, mas poucos lutam as lutas dos outros e vão à luta por todos. Quem me dera acordar um dia destes e ser (ou não...) feriado - o “Lancelote Day”!!! Aliás, o seu nome até se coaduna com a ideia, nome de outro herói, o lendário cavaleiro da Távola Redonda. Quis o destino que o «nosso» saudoso Lancelote, o do Lac de cá, o Lago Nam Van de Macau, se apressasse a juntar-se aos outros heróis de tarefas cumpridas, no dia seguinte ao Dia de Bloom, a 17 de Junho, faz agora sete anos. Desafio a pluma mais talentosa da praça a transportar para os séculos XX-XXI tal figura do imaginário e redesenhá-la na pessoa do alegre, bonacheirão e bondoso padre, que foi nosso conterrâneo, e na altura nem sabíamos a sorte que tínhamos de o ter por perto!

“Mais do que a obra de um só homem, Ulisses parece de muitas gerações (...). A delicada música da sua prosa é incomparável” J. Luís Borges, sobre o «Ulisses»de James Joyce, 1937


Sem a mulher, o homem seria rude, grosseiro, solitário, e ignoraria a graça. Chateaubriand

quinta-feira 18.6.2020

PALAVRA DO DIA

Triângulo das patacas BURLA MÉDICO DETIDO POR FRAUDE COM VALES DE SAÚDE EM CLÍNICA NA ZONA NORTE

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M médico foi detido na terça-feira por ser o principal responsável de um esquema de fraude com vales de saúde, montado à volta da sua clínica e uma farmácia de medicina tradicional chinesa em Iao Hon e ainda uma escola onde presta serviço na zona norte. Da investigação da Polícia Judiciária (PJ) sobre os três locais que serviram de base para perpetrar os crimes, resultaram mais sete detenções e a confirmação de que foram feitas 622 transacções ilegais, no valor de 497 mil patacas. De acordo com a PJ, ficou provado que ocorreram transacções com recurso aos vales de saúde electrónicos na clínica do médico, ao mesmo tempo que este se encontrava fora de Macau ou a desempenhar funções na escola. O modo de operar foi clarificado por vários supostos pacientes que confessaram nunca ter sido atendidos pelo médico no interior da clínica. Em vez disso, entregaram os seus documentos de identificação aos colaboradores da farmácia de medicina

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PUB

M grupo de 86 organizações, incluindo a Amnistia Internacional, defendeu ontem que a lei de segurança nacional da China deve ser abandonada porque ataca violentamente os direitos humanos e as liberdades de Hong Kong. A posição, divulgada numa declaração conjunta, foi tomada na véspera da reunião do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da China, o órgão legislativo daquele país. “A China deve abandonar os planos de introduzir legislação de segurança nacional em Hong Kong. Nenhum governo deve invocar a segurança nacional como

mesma forma, foram feitas 622 transacções ilegais, no valor de 497,520 patacas. O caso foi inicialmente transferido pelo Ministério Público (MP) em Julho de 2019, após terem sido levantadas suspeitas sobre o médico, pelo desvio de dinheiros públicos com recurso a vales de saúde.

OITO DETIDOS

tradicional chinesa, situada nas redondezas da clínica, em troca de produtos no valor de 70 por cento do montante deduzido sobre os vales de saúde. Desta

497,520

No total, foram detidas oito pessoas, incluindo o médico, o responsável da farmácia e ainda quatro colaboradores. Com ligação à farmácia foi ainda detido outro médico e o titular da licença do espaço. Os envolvidos, foram transferidos para o MP por suspeitas de fraude em larga escala e uso de documentos de identificação alheios. Além dos detidos, seis pacientes que confessaram ter comprado bens na farmácia de medicina tradicional chinesa com recurso aos vales de consumo, foram transferidos para o MP por suspeitas de fraude. P.A.

patacas em 622 transacções ilegais

Apelo por Hong Kong

Grupo de 86 ONG pede abandono da lei da segurança nacional

justificação para medidas e práticas repressivas contra a sua população”, afirmam as organizações na carta. A proposta deverá ser discutida na sessão do comité permanente, que começa esta quinta-feira, e pode entrar em vigor ainda este mês. “Embora a China tenha revelado poucos detalhes concretos sobre a lei de segurança nacional, tudo o que sabemos até agora sugere que ameaça os direitos e liberdades básicos das pessoas em Hong Kong”, escreveram as organizações na

declaração conjunta, que foi enviada ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da China (CPAPNC). A proposta “criminaliza ‘ofensas’ muito vagas, incluindo qualquer

crítica ao Governo, e pode ser usada contra pessoas que defendem pacificamente os seus direitos humanos”, refere o grupo. O ministro da Segurança de Hong Kong, John Lee Ka-chiu, já disse que a lei será aplicada pela polícia no “primeiro dia” em que entrar em vigor e Elsie Leung, membro do CPAPNC, admitiu que a lei pode ter efeitos retroactivos. O único representante de Hong Kong no Comité Permanente, Tam Yiu-chung, admitiu que a lei pode permitir a extradição de suspeitos de

Hong Kong para a China continental, questão que, há um ano, se tornou o gatilho para os longos meses de protestos em Hong Kong. A decisão da Assembleia Popular Nacional da China refere ainda que a lei permitirá que o Governo chinês crie instituições para proteger a “segurança nacional” em Hong Kong “consoante as necessidades”. A secretária de Justiça de Hong Kong, Teresa Cheng, acrescentou a possibilidade de ser criado um “tribunal especial” separado para lidar com casos de segurança nacional a fim de “ajudar os tribunais a navegar em território desconhecido”.

HIMALAIAS CHINA PEDE À ÍNDIA PARA PUNIR RESPONSÁVEIS POR CONFRONTOS

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chefe da diplomacia da China, Wang Yi, pediu ontem à Índia para punir os responsáveis pelos confrontos mortais entre as forças dos dois países na fronteira que disputam, na região dos Himalaias, na segunda-feira. Segundo um comunicado divulgado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, o pedido de Wang foi feito durante uma conversa telefónica com o seu homólogo indiano, Subrahmanyam Jaishankar. Pelo menos 20 soldados morreram do lado indiano e Pequim não indicou quaisquer baixas. Wang disse que a China exigia que a Índia realizasse uma investigação completa e que “punisse severamente” os responsáveis, de acordo com a agência norte-americana Associated Press. O ministro dos Negócios Estrangeiros chinês alertou ainda Nova Deli para não subestimar a determinação de Pequim em salvaguardar o que considera o seu território soberano. No mesmo comunicado, segundo a agência France-Presse, é referido, no entanto, que os dois responsáveis diplomáticos concordaram em “aliviar a tensão no terreno e manter a paz e a tranquilidade nas zonas fronteiriças”. A AFP indica ainda que no seu comunicado sobre a conversa, o governo indiano denuncia uma “acção planificada e premeditada” da China, mas indica que Wang e Jaishankar concordaram não tomar qualquer medida “que possa causar uma escalada da situação” na região. O combate corpo a corpo dos militares dos dois gigantes asiáticos, que se enfrentaram com pedras e barras de ferro, decorreu no deserto montanhoso de Ladakh (na zona de Caxemira, norte da Índia) e foi o primeiro confronto com vítimas mortais entre as duas potências nucleares vizinhas em 45 anos. “Estamos longe da Terceira Guerra Mundial, mas é uma situação explosiva e perigosa entre duas potências nucleares nacionalistas, numa altura em que a influência norte-americana diminuiu consideravelmente”, considerou Abraham Denmark, director do programa Ásia do grupo de reflexão norte-americano Wilson Center.


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