HOJE MACAU
DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ
SEXTA-FEIRA 21 DE AGOSTO DE 2020 • ANO XIX • Nº 4595
PATRIMÓNIO GASTRONÓMICO
TRADIÇÃO COMO INGREDIENTE
MOP$10
hojemacau
GRANDE PLANO
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Crime, disse Wong Durante os primeiros seis meses do ano, a criminalidade violenta desceu 60 por cento, uma quebra empurrada pelo quase desaparecimento de crimes normalmente ocorridos em casinos. Se por um lado,
agiotagem e sequestros diminuiram, o abuso sexual de crianças duplicou. Feito o balanço à criminalidade no primeiro semestre do ano, as autoridades concluiram, mais uma vez, que Macau é uma terra segura.
PERGUNTAS TENRINHAS PÁGINAS 4-5
TESTES DEPOIS DO TUFÃO
PUB
COVID-19
RENEE HONG
“AGENTES SECRETOS”
GCS
GCS
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RESPIRAÇÃO
ANTÓNIO DE CASTRO CAEIRO
O CAMINHO PARA CASA GONÇALO M. TAVARES
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O SABOR DE M A receita tem décadas e, noutros tempos, os biscoitos só podiam ser comprados a vendilhões. Fundada em 1957, a Pastelaria Chui Heong faz parte da moldura da Rua do Gamboa, no Porto Interior. Sem filas de turistas devido à pandemia, o espaço continua a subsistir e a reinventar-se. Com 83 anos, a vida da senhora Lai, fundadora da casa, cruza-se com a história de Macau
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textura é seca como o baque que se ouve ao entrar. Madeira contra madeira. Sobre o balcão de ferro, pirâmides de areia doce à espera de ser desmoronadas. O método é o mesmo há anos. Primeiro entram as amêndoas. Depois, a areia conquista o resto do espaço dentro dos moldes, que mais parecem barquinhos de três lugares. A espátula trata de acondicionar a mistura. O excesso é retirado ao ritmo das batidas bambas de uma baqueta preta, que serve também para garantir a consistência. O processo repete-se por mais pares de mãos. Aos três de cada vez, os protótipos de biscoitos são meticulosamente plantados numa rede que se prepara para dançar em vários fogareiros de carvão que, lentamente, e à vez, tratam de conferir aos biscoitos a sua cor e textura final. Está sempre calor neste estaleiro. Ventoinhas forram as paredes e, ao entrar, é impossível não reparar no pequeno altar desordenado e
encrustado entre o espelho, tabuletas de preços, umas chaleiras e a entrada para a cozinha, que serve apenas para dar alguma privacidade a quem lá trabalha. Apesar de apertado, nos dias que correm, dá para circular com algum à vontade dentro da Pastelaria Chui Heong e isso é estranho. Bastaria recuar ao início de Janeiro para observar o rebuliço e as filas de turistas que se alongavam ao passeio da Rua do Gamboa, no Porto Interior, à espera da sua vez para usar os dois metros quadrados de área útil no interior da loja, para fazer os pedidos. Na altura, tal era a procura, que os pasteleiros não tinham mãos a medir e seria normal os biscoitos de amêndoa saírem quentes directamente da feitura para as mãos dos compradores. Chegou a covid-19 e passou a ser normal servir biscoitos já frios. As filas desapareceram com a procura, e foram fixados turnos definidos para o fabrico das diferentes especialidades.
PASTELARIA TRADICIONAL CONTINUA A FAZER HISTÓRIA APESAR DA PANDEMIA
FOTOS HOJE MACAU
MEMÓRIA
A fundadora do espaço é Lai Oi Chan, uma mulher de fibra, com 83 anos de idade, que viu Macau com vários olhos. Apesar de já não ter intervenção directa na gestão da pastelaria e estar já reformada, continua a dar ordens sempre que lá passa. Foi sentada debaixo do pequeno altar vermelho em honra do Imperador de Jade, que recordou como eram os dias em que começou a vender biscoitos, mesmo antes da loja na Rua do Gamboa ser uma realidade. Teria pouco mais de 20 anos quando a rotina diária era vender as várias especialidades produzidas pelo marido, a
“Preferia não almoçar ou jantar para que os meus filhos pudessem ter uma boa refeição.” LAI OI CHAN FUNDADORA
vendedores ambulantes de café, espalhados por Macau. A fome existia e era preciso fazer escolhas. Todos os dias, bem cedo pela manhã, Lai colocava uma vara ao ombro, com largos bidons de ferro, tipo jerrican, fixados nas extremidades, onde transportava biscoitos, de vendilhão em vendilhão. Às costas, era normal o seu primeiro filho, ainda bebé, fazer-lhe companhia durante as vendas. O peso era aliviado aos 8 e 9 centavos por biscoito, cada vez que fazia negócio. Os vendedores de café, por sua vez, davam o produto aos clientes em troca de 10 centavos. “Todos os dias caminhava a pé com o meu bebé às costas. Um dia, ia para perto da rua de São Lourenço, noutro para o bairro de San Kio ou, às vezes, para a zona da Avenida do Conselheiro Ferreira de Almeida. Mais tarde, já crescidos, os meus filhos passaram a cuidar dos irmãos mais novos e era menos um peso para mim. No entanto, naquela altura não era fácil
ganhar o suficiente para comer uma refeição. Preferia não almoçar ou jantar para que os meus filhos pudessem ter uma boa refeição”, conta ao HM. A matriarca da casa Chui Heong recorda os anos 50 do século passado, com muita gente a mendigar nas ruas. “Antigamente, a vida era muito difícil em Macau, a cidade era bastante pobre. Nas ruas, era possível ver pessoas agachadas a pedir esmola, pois não tinham nem comida, nem casa”, lembra Lai. “Hoje em dia, Macau está melhor e eu sou feliz por termos trabalho e refeições para comer”, acrescentou.
QUEM ESTÁ, ESTÁ!
Os pasteleiros são os únicos que continuam de pé. Mais uma cesta de biscoitos é colocada a arrefecer depois de passados pelo carvão. O calor não dá sinais de abrandar, enquanto os restantes funcionários continuam à espera que alguém passe a porta. Outros aproveitam
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MACAU comprado sobretudo para levar aos meus amigos do Interior da China”, disse. Confrontado com a realidade actual, onde os clientes que entram a cada hora se contam pelos dedos das mãos, admite que aquela rua está agora irreconhecível, mas que, por isso, tem aproveitado para lá voltar mais vezes. “Normalmente são os turistas que costumam ficar na fila, apesar de haver sempre clientes locais. É uma loja com bastante fama que fica numa zona comunitária, por isso muitos moradores acabam por vir comprar. Eu, como não quero ficar na fila, só entro quando passo de mota e não vejo que não tenho de esperar, como agora”, sublinha.
CASAMENTOS E RECEITAS
para almoçar. A calma é interrompida quando um casal decide entrar. Chegaram de mota. À saída, um saco em cada mão, cheios de caixas de biscoitos. Eddie Chao é um cliente habitual que conhece a Pastelaria Chui Heong desde que se lembra. “Os biscoitos são deliciosos e o aroma tradicional. Já quando era criança havia filas. Moro nas Portas do Cerco e, nos últimos anos, tenho
“Antigamente, a vida era muito difícil em Macau, a cidade era bastante pobre. Nas ruas, era possível ver pessoas agachadas a pedir esmola, pois não tinham nem comida, nem casa.” LAI OI CHAN FUNDADORA
O discurso dá a volta e a tempos repete-se, mas termina normalmente com um sorriso no final de cada frase. Ao todo, são cinco os filhos de Lai Oi Chan, todos nascidos em Macau, após ter vindo com o marido da sua terra natal, Shiqi, na cidade de Zhongshan, província de Guangdong. Com 18 anos casou-se numa união combinada entre os seus pais e os pais do futuro marido, Lei Kai Ioc. Naquela altura, recorda Lai, “ainda se transportava a noiva numa cadeira vermelha até junto do noivo, levada em braços por quatro pessoas”. Pouco tempo depois de casarem, trataram dos vistos para vir para Macau, onde se fixaram num pequeno apartamento situado na Rua da Prainha. No mesmo edifício alugaram um pequeno espaço para começar a produzir os biscoitos que viriam, mais tarde, a ganhar fama. Estávamos em 1957 e a pastelaria Chui Heong era oficialmente fundada pelo casal. Para manter o sustento do lar, o marido trabalhava todos os dias até à meia-noite no fabrico das especialidades antes de Lai sair de manhã para fazer negócio. “Erámos poupados porque precisávamos de garantir o nosso sustento. O meu marido dedicou-se durante vários anos a melhorar a receita e os métodos de produção
dos biscoitos. Ao longo do tempo foi investigando como podia melhorar o que fazia e descobriu que, se os biscoitos fossem bonitos, havia mais pessoas a comprá-los”, conta Lai. E assim foi. As receitas produziram biscoitos cuja qualidade passou de boca em boca, não tardando a fazer parte da compra assídua de moradores, vizinhos, familiares e conhecidos. O negócio vingou e, depois de uma passagem prévia pela Rua do Barão, com o apoio de familiares, surgiu a oportunidade, já nos anos 80, de comprar outro espaço na Rua do Gamboa, onde, até hoje, mora a Pastelaria Chui Heong.
SEM SEGREDOS
A Pastelaria Chui Heong emprega, no total, 12 funcionários. Na ausência do marido, entretanto falecido, quem assume as rédeas do espaço é Lei Chi Iong, um dos filhos.
“Passámos de uma facturação diária entre 20 e 30 mil patacas, para receitas de 1.000 ou 2.000 patacas.” LEI CHI IONG ACTUAL GESTOR
Questionado sobre qual o segredo para continuar a encher as medidas dos clientes, sejam turistas ou locais, Lei diz não haver nada a esconder e que apenas é privilegiada a utilização de matérias primas de qualidade. “Não temos qualquer segredo, apenas fazemos questão de utilizar ingredientes
bons para alcançar o melhor sabor possível. Para o fabrico utilizamos ingredientes simples como ovos, açúcar, pasta de amendoim, óleo e farinha de feijão mungo”, explica o filho de Lai Oi Chan. Da oferta disponível, a bolacha de amêndoa é a mais popular, mas também há noz, com gema de ovo e carne de porco. Quanto ao impacto provocado pela covid-19, Lei Chi Iong não tem dúvidas que o negócio “está muito pior”, sobretudo pela falta de turistas oriundos do Interior da China e de Hong Kong. Por outro lado, revela que a pandemia tem levado o negócio a tirar partido das novas tecnologias para continuar a vender. “Antes da pandemia vendíamos mais de 400 caixas de biscoitos por dia, e agora vendemos apenas algumas dezenas, ou seja, passámos de uma facturação diária entre 20 e 30 mil patacas, para receitas de 1.000 ou 2.000 patacas. Graças à pandemia tivemos de recorrer a ferramentas como o Facebook e o WeChat para fazer negócio online”. Apesar das dificuldades, Lei, ao leme do negócio desde que abandonou o emprego num casino, garante que, para já, “não tem planos para despedir funcionários” ou “reduzir horários”. Com o equilíbrio de um optimismo racional, espera que a situação melhore ainda este ano, quando os turistas do interior da China começarem a aparecer no estabelecimento em maior número. Quanto ao negócio, Lei admite a evoluir os processos “já bem diferentes do modelo conservador do passado”. “Vou continuar a mudar”, remata. O produto, esse, vai continuar a ser o melhor, garante. Pedro Arede e Nunu Wu
pedro.arede.hojemacau@gmail.com
4 assembleia legislativa
O senhor do hemiciclo PJ LEI QUE PERMITE CONTRATAR “AGENTES SECRETOS” ENTRA EM VIGOR EM OUTUBRO
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José Pereira Coutinho queria saber em que áreas vão actuar os agentes da PJ cuja contratação não é publicada no Boletim Oficial, mas Wong Sio Chak recusou responder ao que considerou uma curiosidade juvenil. “O deputado quer saber, mas nós não vamos divulgar”, respondeu
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Assembleia Legislativa (AL) aprovou ontem as alterações à Lei da Polícia Judiciária que permite recrutar trabalhadores sem publicar as contratações no Boletim Oficial. Os artigos criticados como forma de legitimar a contratação de “agentes secretos” foram aprovados, com os votos contra de José Pereira Coutinho e Sulu Sou, e entram em vigor a 12 de Outubro. Se o debate na generalidade ficou marcado pelo momento em que Sulu Sou confrontou o secretário para a Segurança com fotografias das polícias políticas PIDE, KGB e SS, ontem foi a postura de Wong Sio Chak que se destacou e gerou um momento quente com José Pereira Coutinho Tudo começou quando o deputado perguntou qual a área de actuação e as condições em que “agentes secretos” iam operar. Na resposta, Wong deu a entender que Coutinho queria saber informações confidenciais: “O deputado quer saber onde este pessoal vai trabalhar. Creio que isso não é um
SAÚDE SONG PEK KEI CULPA GOVERNO POR GANÂNCIA DE MÉDICOS
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ONG Pek Kei considera que o Executivo e o programa dos vales de saúde são responsáveis pela destruição das carreiras de alguns médicos, que colocaram como prioridade o dinheiro.Aideia foi defendida ontem na Assembleia Legislativa, apesar de a deputada se mostrar a favor da medida. “Alguns jovens médicos, em particular, afastaram-se da deontologia para ganhar dinheiro rápido, acabando por arruinar a carreira profissional, o que é lamentável. É
verdade que o programa pretende apoiar o sector médico, mas agravou a concorrência e mesmo a concorrência desleal, pois muitos médicos abandonaram os hospitais para trabalhar em consultórios privados”, afirmou a legisladora. Para Song Pek Kei, as responsabilidades do Governo com o programa que dá 600 patacas para residentes gastarem em clínicas privadas não acabam nas carreiras destruídas. A forma como tudo foi defini-
do, segundo a deputada, levou também a que vários idosos fossem apanhados em utilizações abusivas dos vales, como por exemplo para comprar mariscos. “Alguns idosos com mais de 65 anos cometeram irregularidades, porque têm os cuidados de saúde gratuitos, e usam menos os vales de saúde do que as pessoas de outras faixas etárias. Estas situações revelam que o programa ainda tem muitos problemas profundos”, acusou.
Tufão Coutinho acusa Governo de incompetência José Pereira Coutinho criticou ontem o Executivo por considerar que os avisos sobre a força do tufão não foram suficientes. “Antes de mais, e de acordo com as informações divulgadas no dia 18 do corrente mês pelos SMG, muitos cidadãos ‘dormiram descansados’ por terem sido informados da suposta vinda de uma ‘tempestade tropical’ com possibilidades ‘moderadas’ de T8”, afirmou. “Contudo, fo-
ram acordados de madrugada sobressaltados com um tufão violento, fortíssimas rajadas ruidosas, vidros de carros quebrados por janelas ‘voadoras’ árvores caídas e ambulâncias a funcionar pela noite fora”, acrescentou. “Enfim, é preciso muita paciência para aturar tanta incompetência na divulgação de informação meteorológica numa cidade que o Governo quer que seja inteligente”, atirou.
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conteúdo que esteja a ser discutido nesta norma […] O deputado quer saber, mas nós não vamos divulgar”, atirou Wong, em tom bem-disposto, arrancando um sorriso ao presidente da AL, Kou Hoi In.
No final, o deputado Ma Chi Seng, nomeado pelo Chefe do Executivo, sublinhou que com a nova legislação a PJ tem condições para assegurar a Segurança Nacional No entanto, a resposta esteve longe de agradar a Coutinho. “O secretário para a Segurança tem muito sentido de humor… Nós sabemos que a investigação é secreta, mas o secretário está a acusar-nos de fazer algo que não devíamos. Gostava de saber o que é que fizemos que não era suposto fazermos? Acho que devia deixar isso bem claro”, vincou o deputado. A troca de palavras terminou com Wong a sublinhar que respeitava José Pereira Coutinho, antes de categorizar as questões do deputado como curiosidade juvenil. “Eu respeito que o deputado Coutinho não concorde com as minhas afirmações. Mas insistiu nas perguntas e a sua curiosidade, que é natural, fez-me responder desta forma”, justificou-se. De seguida, o secretário aumentou o tom da retórica: “Nós temos muitos grupos juvenis que, por curiosidade, participam nas nossas actividades. O senhor deputado colocou e recolocou as questões e por isso deu-me a impressão que queria mesmo saber. Não vejo nenhum sentido negativo nisso, se calhar quer aprender mais”, atirou.
CONTRATAR TNR?
No que diz respeito à discussão do diploma, Wong Sio Chak admitiu que com a nova lei será possível contratar trabalhadores do Interior para a Polícia Judiciária, em áreas como a análise de dados. A confissão foi feita face a uma questão
de Sulu Sou, um dos membros da AL mais interventivos na discussão do diploma. “Não excluo a contratação de trabalhadores não-residentes. Se uma pessoa tiver uma técnica especializada para análise de informações, então pode ser contratada […] Mas os não-residentes não podem candidatar-se ao posto de investigador criminal”, indicou. Ainda em relação ao regime excepcional que permite que o nome dos contratados para a PJ não seja divulgado, os deputados como Coutinho, Sulu Sou e Agnes Lam mostraram-se preocupados com eventuais abusos de poder e com a forma como poderia ser apresentada queixa. Wong Sio Chak explicou que se os agentes fizerem detenções ou pedirem colaboração a cidadãos para investigações estão obrigados a identificar-se. Caso contrário, reconheceu o secretário, os cidadãos não têm de seguir as instruções porque não têm provas que o agente trabalhe efectivamente para a PJ. Ao mesmo tempo, o secretário afirmou que os cidadãos podem “apresentar queixa [contra um agente] podem ligar para a PJ”.
ELOGIOS DE MA CHI SENG
Por sua vez, Sulu Sou considerou que o artigo é vago e tentou saber como se devia interpretar a expressão “condições especiais” que permite esses procedimentos. O secretário para Segurança recusou a crítica, apontou que a norma é copiada da legislação em vigor em Portugal e acusou o deputado de falta de respeito por falar de expressão vaga. “Houve um consenso entre os deputados da comissão, assessores e até tradutores, sendo que não discutem, mas fazem a tradução. É uma falta de respeito pelo trabalho dos assessores de ambas as partes. Até podem votar contra, mas espero que os deputados respeitem este trabalho”, apelou. A nova lei vai entrar em vigor a 12 de Outubro deste ano e, no final, o deputado Ma Chi Seng, nomeado pelo Chefe do Executivo, sublinhou que com a nova legislação a PJ tem condições para assegurar a Segurança Nacional que permite o desenvolvimento social e económico. João Santos Filipe
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RÓMULO SANTOS
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O valor da História Agnes Lam contra demolição de fábrica para construir parque “provisório”
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GNES Lam defende que devido ao valor histórico, o Executivo devia preservar a “fábrica de gaze”, localizada nos quatro terrenos onde será construído um parque infantil “provisório”. Segundo a legisladora, a fábrica construída em 1967 pertencia à empresa Têxteis (Macau), Limitada e marcou o início da modernização da Taipa. Apesar de defender a construção de um parque, Agnes Lam apontou que o plano gera dúvidas, porque pode destruir um bocado da história de Macau. “Na altura, era a maior fábrica de vestuário de
Macau, e a sua inauguração simbolizou o início da modernização da Taipa. Esta fábrica também teve um contributo significativo para a construção da primeira ponte marítima de Macau”, sustentou a deputada, na AL. Outro aspecto destacado foi a raridade do valor arquitectónico. “A estrutura do terraço da fábrica e as suas claraboias serráteis, típicas das construções industriais tradicionais, são exemplares raros que se encontram em Macau. Por isso, é um monumento industrial importante de Macau, que é de interesse preservar”, argumentou.
Habitação Au Kam San sugere exemplo da administração portuguesa O deputado Au Kam San defendeu ontem que o Governo da RAEM devia olhar para a Administração Portuguesa e como as promessas de construção de habitação económica foram cumpridas. As palavras do democrata serviram para mostrar desagradado com a postura do Governo no problema da habitação, apesar de ter reservas financeiras recheadas. “Na década de 80,
começou a oferta de habitação económica em Macau. Na altura, o Governo português disponibilizava habitações económicas aos residentes,
e uma das principais razões era por estar ciente de que os rendimentos das famílias não acompanhavam a subida em flecha dos preços dos imóveis”, recordou. “Na altura, o Governo português garantiu que todos os candidatos qualificados iam ter uma habitação económica, e mesmo que essa oferta demorasse vários anos, era possível conseguir uma”, atirou.
Agnes Lam criticou ainda o carácter temporário do parque e questionou se vale a pena derrubar um edifício com valor histórico para uma construção temporária. Se o Executivo avançar mesmo com o plano, a deputada sugere que em vez de se demolir a fábrica se aproveite a estrutura, para aprofundar os conhecimentos sobre a história do território.
É PRECISO FALAR
Por fim, a legisladora alertou ainda que este episódio deve servir para lançar um debate mais profundo sobre a história da arquitec-
tura de Macau para que as entidades oficiais percebam que a arquitectura moderna tem valor histórico e os edifícios industriais podem ser conservados, mesmo que utilizados com finalidades diferentes das originais. “As construções modernas e contemporâneas serão um dia testemunho da história e um marco do desenvolvimento de Macau. Se não as mantivermos porque a história não é longa, porque o estilo não está em conformidade com as exigências, então, inevitavelmente, haverá rupturas na conservação da história”, afirmou. J.S.F.
Educação Aprovado Estatuto das Escolas Particulares do Ensino Não Superior A Assembleia Legislativa aprovou ontem na especialidade o Estatuto das Escolas Particulares do Ensino Não Superior. A deputada Song Pek Kei apelou à Direcção de Serviços de Educação e Juventude que adopte uma postura de flexibilidade na interpretação de algumas normas, principalmente quanto
à constituição do Conselho de Administração, para se evitarem ataques à autonomia pedagógica. Apesar das dúvidas e algumas objecções, a proposta acabou por ser aprovada pela unanimidade dos 32 deputados presentes no Plenário de ontem. A lei entra em vigor a 1 de Setembro do próximo ano.
6 coronavírus
GCS
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TURISMO MACAU RECEBEU 74 MIL VISITANTES EM JULHO
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O mês passado, chegaram a Macau 74.006 visitantes, comunicou a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). O número representa mais 228 por cento em comparação com Junho, mas uma quebra de 90 por cento em termos anuais. O número de excursionistas situou-se nos 50 mil. Os visitantes ficaram em média 1,3 dias, período semelhante ao de Julho de 2019. O tempo de estadia dos turistas subiu para 4,7 dias, ao contrário da quebra registada no caso dos excursionistas. Do Interior da China vieram 66.489 visitantes, dos quais 3.069 com visto individual. Cerca de 66 por cento deles eram das nove cidades da Grande Baía, com 29.476 de Zhuhai. De Hong Kong e de Taiwan vieram 6.240 e 1.271, respectivamente. Quanto à via de entrada no território, 73.604 visitantes chegaram por terra, dos quais 88,1 por cento entraram pelas Portas do Cerco. Apenas 402 visitantes chegaram por via aérea. Nos primeiros sete meses do ano, entraram cerca de 3,3 milhões de visitantes, uma descida de 86 por cento face ao período homólogo do ano passado. A nota da DSEC aponta que o tempo médio de estadia dos turistas aumentou 0,6 dias para 2,8, enquanto o dos excursionistas se manteve igual ao de 2019. Independentemente de virem da China, Hong Kong ou Taiwan, o volume de visitantes diminuiu mais 80 por cento.
Taiwan Alunos do exterior do ensino não superior podem voltar
O Ministério da Educação de Taiwan e o Centro Central de Comando Epidémico de Taiwan indicaram que os alunos do exterior que não estão no ensino superior se podem candidatar para regressar à escola, noticiou o jornal Exmoo, citando a imprensa de Taiwan. A medida abrange os estudantes da China, Hong Kong e Macau. Os familiares dos alunos estão autorizados a acompanhá-los no regresso a Taiwan. Quem planeia voltar por motivos académicos deve ter as candidaturas aprovadas pelo Ministério da Educação, noticiou a Radio Taiwan International. No regresso a Taiwan, os alunos são sujeitos a quarentena de 14 dias e a um teste de ácido nucleico. Até 14 de Agosto, os dados do Ministério da Educação mostravam que havia 2.532 alunos exteriores do ensino não superior, dos quais 206 da China, 11 de Hong Kong e três de Macau.
Alvis Lo, médico “Foi acrescentada a opção do Hospital Kiang Wu para fazer os testes.”
COVID-19 TESTES ATÉ AMANHÃ PARA QUEM FOI IMPEDIDO PELO TUFÃO
Depois da ventania Quem não conseguiu fazer teste de ácido nucleico por causa da passagem do tufão “Higos” pode fazê-lo sem marcação até amanhã. Na próxima semana passa a ser possível fazer a despistagem do novo tipo de coronavírus também no Hospital Kiang Wu
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UEM não fez o teste de ácido nucleico por causa da passagem do tufão pode fazê-lo até amanhã, sem precisar de nova marcação, explicou ontem o médico Alvis Lo na conferência sobre o novo tipo de coronavírus. Para além disso, a partir de ontem foram instalados balcões para pagamento no local, um para pagamento electrónico e outro para dinheiro, apesar de as autoridades recomendarem o pagamento online para evitar aglomerações. Para além do Centro Hospitalar Conde de São Januário, o Terminal Marítimo do Pac On e o Fórum de Macau, a partir de segunda-feira passa a ser possível fazer o teste de ácido nucleico no Hospital Kiang Wu. As marcações arrancam hoje, para um limite máximo de mil testes diários. “Foi acrescentada a opção do Hospital Kiang Wu para
fazer os testes”, disse Alvis Lo. A forma de colheita é nasofaríngea e o preço mantém-se. Com a adição do Kiang Wu à lista, a capacidade de Macau aumenta para 24 mil testes diários. De acordo com o médico do centro de coordenação de contingência, o Governo não vai subsidiar a entidade para realizar os testes. A MUST também pretende fazer tes-
tes, mas ainda está a ser analisado se cumpre os requisitos. Por outro lado, foi indicado que as escolas deverão gradualmente retomar as aulas em Setembro, embora cada estabelecimento possa ter uma calendarização diferente.
TROCAS DE RISCO
“Como Dalian já é considerado pelo Governo da China como zona
HELICÓPTEROS NO AR V
ão ser disponibilizadas mais vagas para viagens de helicóptero, a decorrer entre os dias 1 e 22 de Setembro. Lau Fong Chi, da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), disse ontem que vão realizar-se 90 partidas, com 1008 lugares. Inseridas no programa de excursões “Vamos! Macau!” para promover o turismo interno, as vagas vão ser ocupadas através de sorteio. “Esses sorteados poderão conforme a ordem seleccionar as datas e levar um amigo ou familiar”, disse a responsável. Quem conseguiu lugar na primeira ronda de sorteio não poderá participar uma segunda vez. As partidas serão entre quarta-feira e domingo. À quarta-feira a experiência é à noite.
de baixo risco, Macau também vai levantar as medidas de restrições aos visitantes de Dalian”, anunciou Leong Iek Hou, coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância da Doença. No entanto, se deixa de ser necessária observação médica para Dalian, a medida passa a ser aplicada a quem chega da vila de Nantang, localizada na cidade de Shanwei, na província de Guangdong, que passou a ser considerada zona de médio risco depois de se registarem cinco casos, quatro deles assintomáticos. Por este motivo, quem chegar a Macau vindo da vila fica sujeito a quarentena de 14 dias, a partir das 6h da manhã de hoje. Leong Iek Hou reiterou que apesar de a situação epidémica no Interior da China estar “relativamente estável”, em Hong Kong e países estrangeiros o cenário continua “grave”, pelo que a população deve continuar com as medidas de combate à epidemia. De acordo com os dados ontem divulgados, havia 1.387 pessoas em observação médica nos hotéis designados, das quais 44 trabalhadores não residentes, 510 residentes de Macau, 833 turistas. Salomé Fernandes
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ID Tufão Higos força encerramento de seis piscinas
O Instituto do Desporto (ID) anunciou ontem que as piscinas do Estoril, Sun Yat Sen, Carmo, Parque Central da Taipa, Cheoc Van e Hác-Sa vão permanecer encerradas, devido aos efeitos da passagem do tufão Higos. Outros equipamentos na mesma situação são as gaivotas do espaço Anim’Arte Nam Van, os campos desportivos temporários da Torre de Macau, o Centro Náutico de Cheoc Van, Centro Náutico de Hác-Sa e o Kartódromo de Coloane. Em comunicado, o Governo comprometeu-se a anunciar posteriormente a data de abertura dos diferentes espaços.
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abuso sexual de crianças duplicou na primeira metade do ano, em comparação ao período homólogo de 2019. Apesar de a criminalidade violenta ter descido 59,8 por cento para 130 casos, dez destes crimes foram de abuso a crianças. É o que revela o balanço da criminalidade, divulgado ontem pelo gabinete do secretário para a Segurança. “Os dados mostram que este tipo de crime ocorre maioritariamente nas escolas e em ambiente familiar, sendo deste núcleo, dos colegas da escola e professores, a maioria dos abusadores”, explicam as autoridades. Nesta área, a polícia indica que é preciso incentivar pais e pessoal das escolas a prestarem mais atenção ao comportamento e mudanças psicológicas das crianças. Os crimes de violação desceram 43,3 por cento para 13 casos, e os de estupro reduziram um terço, para dois, à semelhança da ofensa grave à integridade física. Já a ofensa simples à integridade física representa a maioria dos crimes contra as pessoas, que registou 601 casos apesar da descida de 9,4 por cento. A maior redução nos crimes contra as pessoas foi registada nos sequestros, que desceram para apenas dois dígitos – de 169 casos para 29. Vale a pena observar que desta vez as estatísticas da criminalidade excluem o impacto do desenvolvimento da indústria do jogo na segurança pública de Macau. As autoridades consideram que os dados não foram relevantes, tendo em conta a descida de turistas. No geral, a polícia abriu 4.691 casos de inquérito criminal, representando uma redução de 2.229 casos em comparação com o mesmo período do ano passado, equivalente a menos 32,2 por cento.
Estacionamento Kai Fong quer mais transparência durante tufões A presidente da Associação de Beneficência e Assistência Mútua dos Moradores, Leong Kuan I, sugere que o Governo melhore a divulgação de informações sobre a abertura e o encerramento de estacionamentos durante tufões e aumente a transparência, segundo o jornal Ou Mun. A responsável realçou as preocupações dos proprietários de automóveis com inundações, e que houve quem tivesse mostrado insa-
tisfação devido à falta de tempo para tirar o veículo antes do estacionamento fechar. Para além disso, a presidente elogiou as empresas de jogo, que ofereceram estacionamento grátis para residentes antes do sinal 8 do Tufão Higos. Porém, aponta que a informação foi divulgada um pouco atrasada, esperando que o Governo coopere com as empresas no futuro para antecipar a divulgação.
CRIMINALIDADE CASOS DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS DUPLICARAM
Crimes internos
Os crimes sexuais desceram na primeira metade do ano. A excepção foi o abuso sexual de crianças, que aumentou para dez casos, o dobro do registado no mesmo período do ano passado. No geral, o balanço da criminalidade feito pelas autoridades seguiu os moldes tradicionais, concluindo que a segurança do território foi “boa”
Registaram-se um rapto e dois homicídios.
CONTROLO DURANTE EPIDEMIA
“Devido ao duplo impacto da situação epidémica e do reforço contínuo das inspecções policiais, constata-se uma descida dos principais tipos de crimes em Macau, pelo que consideramos que a situação geral de segurança se apresentou como boa”, indicam as autoridades. Em contexto de fecho de fronteiras, vale a pena observar que os casos de excesso de permanência no território caíram quase para metade – 7.148 casos contra 13.329 no ano passado. Ao nível da imigração ilegal, a descida foi de 31,8 por cento. Dos casos registados, 265 foram pessoas da China Continental e 59 de outras nacionalidades. No combate à migração ilegal, as autoridades entregaram quatro vezes informações de investigações à polícia de Zhuhai, e em Junho os Serviços de Alfândega começaram a usar tecnologia de imagem térmica infravermelha de longa distância a cobrir toda a área marítima de Macau. No âmbito do património, deu-se uma descida geral de 38,4 por cento para 2.608 crimes. A maior descida foi nos crimes habitualmente conhecidos como “agiotagem”, com uma quebra de 83,1 por cento para apenas 50 casos. As burlas também foram representativas, com 445 casos. Deste universo, 184 foram burlas informáticas ou através da internet, com 14 associadas a serviços pornográficos. Até Julho, a Polícia Judiciária instaurou 32 casos de burla de compra de máscaras pela internet, 10 dos quais foram resolvidos e os restantes estão em investigação. Salomé Fernandes
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Gabinete do secretário para a Segurança, “Constata-se uma descida dos principais tipos de crimes em Macau, pelo que consideramos que a situação geral de segurança se apresentou como boa”
8 eventos
FIMM Festival internacional de música começa amanhã
Embora com um formato diferente devido à pandemia, o Festival Internacional de Música de Macau (FIMM) está de volta. O primeiro concerto acontece amanhã, no jardim do Mercado de Iao Hon, e será dedicado à música chinesa. Neste primeiro dia de festival, os concertos ficarão a cargo do Grupo Musical Cheong Hong de Macau, Associação de Orquestra Tauista de Macau, Orquestra Juvenil Chinesa de Macau, Associação de Percussão da China de Macau e Associação de Ópera Chinesa de Au Kuan Cheong. Uma semana depois, a 29 de Agosto, será a vez do concerto “Música para o Final do Verão”, apresentado pelo Associação de Música Electrónica de Macau, Jazz Club de Macau, Associação de Cordas de Macau e Associação dos Desenvolvimentos Artístico de Bandas de Macau. Do programa deste ano volta a fazer parte a iniciativa “Piano de Rua”, que permitirá aos residentes tocarem as suas músicas favoritas em pianos espalhados por vários parques e áreas de lazer de Macau, Taipa, bem como no Centro de Ciência.
FRC Noites de jazz prestam tributo a Billy Evans
A Fundação Rui Cunha e a Associação Promotora de Jazz de Macau apresentam amanhã, às 21h, o concerto “Bill Evans Project”, projecto de tributo ao pianista e compositor norte-americano. O concerto de tributo ao mestre do jazz ficará a cargo das Bandas Junior e Senior da MJPA (Macau Jazz Promotion Association), sob a direcção do presidente da MJPA, Mars Lei. Bill Evans é um nome incontornável do jazz que tocou e gravou ao lado de Miles Davis e Chet Baker, tendo ficado conhecido pelas suas inovadoras interpretações rítmicas do repertório de jazz tradicional. As noites de jazz acontecem na Galeria da Fundação Rui Cunha ao quarto sábado de cada mês. A entrada é livre.
IC Edifícios históricos em bom estado após passagem do “Higos”
De acordo com o Instituto Cultural (IC), o estado geral dos edifícios históricos de Macau é “bom”, sem registo de impacto significativo. Segundo uma nota oficial divulgada ontem, no seguimento da passagem do tufão “Higos”, que justificou o içar do sinal 10, o IC enviou pessoal para fazer vistorias a todos os edifícios históricos e contactar todos os templos e igrejas para apurar a situação do património. Quanto aos estragos do “Higos”, o IC reportou que alguns dos edifícios “apresentam uma ligeira infiltração de água, árvores derrubadas, ramos partidos e danos nos componentes das janelas e do telhado e equipamentos eléctricos”. No rescaldo da vistoria, o IC reportou ainda que prestou apoio de emergência ao Templo de Sin Fong, o Templo Foc Tac Chi (Rua do Almirante Sérgio) e ao Templo Foc Tac Chi (Rua do Teatro).
21.8.2020 sexta-feira
Atrás do EXPOSIÇÃO ARTISTAS LOCAIS APRESENTAM INSTALAÇÕES E MÍMICA NA TORRE DE MACAU
Mel Cheong e Nada Chan são as responsáveis pelo projecto Curioser & Cu ce no País das Maravilhas”. Numa confluência entre instalações artísticas objectivo é levar a audiência a interagir, nem que seja parando um pouco
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“
minha ideia é que, tal como aAlice, as pessoas queiram explorar mais e também explorar-se a si próprias, de forma a saber o que querem. Se não pararmos um pouco para pensar sobre isso, nunca saberemos”. As palavras são de Mel Cheong, artista local responsável pelas instalações do projecto Curioser & Curioser, inspirado na obra literária “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, patente na Torre de Macau entre 12 de Setembro e 10 de Outubro. O evento, organizado pela RotaArtesAssociação, pretende levar os visitantes, crianças ou adultos, a interagir com as obras expostas e a sair da rotina. “A minha ideia inicial era criar um género de festival dedicado às crianças e à forma como podem perseguir os seus sonhos e manter uma mente curiosa à medida que crescem. Ao mesmo tempo é também para adultos, porque queremos que saibam que podem continuar a perseguir os seus sonhos. Para fazer isso, começámos a pensar que simplesmente expor as instalações, não seria suficiente porque queremos que as pessoas interajam mais”, partilhou Mel. Daí nasceu a colaboração com Nada Chan, artista responsável pelas performances de mímica que vão acontecer no mesmo espaço. “Por um lado, não queria um ambiente de museu totalmente em silêncio, queria ter algo a acontecer, mas não o caos instalado. Por isso, pedi à Nada para pensar numa performance, tendo em conta a minha instalação artística”, explica Mel Cheong. Para a artista, Macau é uma cidade onde “faz falta tempo para pensar” e a ligação “visceral” com os casinos leva a que muitos embarquem numa rotina de trabalho frenética, onde o pouco tempo disponível acaba por ser usado para usufruir de “expe-
sexta-feira 21.8.2020
espelho
urioser, inspirado na obra “Alis e performances de mímica, o o para “olhar para o céu”
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riências luxuosas”, em detrimento de “enriquecimento interior”. “As pessoas estão tão absortas no seu dia-a-dia e, a dada altura, também eu tive de decidir se ia trabalhar ou não num casino. Temos de encorajar os residentes que cá trabalham a não pensar só em casinos e a estar disponíveis para outras coisas. As pessoas querem desfrutar de experiências luxuosas, mas não estão realmente focadas no lado humano. Por exemplo, ler um livro também é um luxo, mas é algo que não acontece porque a rotina diária não o permite”, conta Mel. Por isso, a exposição inclui uma instalação que recria um mar de nuvens que convida os visitantes a “tirar um tempo para pensar, ter uma conversa pessoal e pôr em palavras qualquer coisa que lhes ocorra”, enquanto desfrutam de um conjunto de nuvens espelhadas por cima das suas cabeças. “Tenho medo que as pessoas se sentem na exposição e fiquem a olhar para os telemóveis e, por isso, vamos espalhar notas com dicas para agirem e explorarem o espaço”, confessou Mel.
FALAR COM O CORPO
Responsável pela performance de mímica, Nada Chan dá também corpo à ideia de explorar estímulos fora da rotina, desta vez através de movimentos, formas e cores materializadas por actores.
“As pessoas apenas querem desfrutar de experiências luxuosas, mas não estão realmente focadas no lado humano.” MEL CHEONG ARTISTA
“A história da performance baseia-se em pessoas que fazem sempre o mesmo (…) e se focam, de tal forma no seu mundo, que acabam por se tornar monstros. Depois de repetirem sempre o mesmo, um deles descobre que há algo no céu (…) que podem simplesmente admirar e interiorizar com a mente”, explica Nada Chan, que é também presidente da Rota Artes Associação. Sobre o panorama artístico do território, Nada Chan considera que “Macau precisa de diferentes tipos de arte”, em vez de sítios onde as pessoas “chegam, sentam, assistem ao espectáculo e vão embora”. “Acho que esta geração precisa de novos estímulos, pois contacta com muita informação digital, que é unidimensional (…) ao contrário de estímulos reais que obrigam as pessoas a interagir”, acrescentou. Pedro Arede
pedro.arede.hojemacau@gmail.com
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21.8.2020 sexta-feira
que Trump vê como uma HONG KONG WASHINGTON SUSPENDE PACTOS DE EXTRADIÇÃO E ACORDOS FISCAIS eforma O Governo de "oprimir" esse território. dos EUA suspendeu ontem DE PREFERIDA A PRETERIDA três acordos Em Maio, o Presidente dos Estados Unidos, Donald bilaterais com Trump, ordenou ao seu Hong Kong que mais um episódio de esca- recíprocas sobre as receitas Governo que reduzisse ao lada da guerra diplomática dos transportes marítimos mínimo o tratamento prefacilitavam a entre as duas maiores poten- internacionais. ferencial de Hong Kong, ciais mundiais, que coloca a "Estas medidas sublium estatuto que ajudou extradição de região vizinha como arma nham a nossa profunda a tornar a antiga colónia prisioneiros e de arremesso entre Pequim preocupação com a decisão britânica num centro fie Washington. de Pequim impor a lei de nanceiro global durante certas isenções "O Partido Comunista as duas últimas décadas. Chinês tomou medidas E em Julho, Trump assinou fiscais, em Os três acordos drásticas para desgastar o uma ordem executiva que resposta à elevado grau de autonomia pôs termo ao tratamento suspensos que Pequim prometeu ao económico e comercial imposição visavam a Reino Unido e ao povo especial de Hong Kong por de Hong Kong durante 50 parte dos Estados Unidos. de “medidas entrega de anos", disse o Departamento fugitivos, a drásticas” pela de Estado, em comunicado. transferência e O secretário de Estado, segurança nacional, que China que UM HOMEM DE MUITA CORAGEM Mike Pompeo, lamentou esmagou as liberdades do condenação de afectam a região na sua conta na rede social prisioneiros e povo de Hong Kong", disse a Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, classificou na MARCO WONG / GETTY IMAGES
Caminhos separados
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S Estados Unidos da América suspenderam pactos de extradição e acordos que estabeleciam isenções fiscais com Hong Kong, em
Twitter que a China tenha decidido "esmagar as liberdades e a autonomia de Hong Kong". Os três acordos suspensos visavam a entrega de fugitivos, a transferência e condenação de prisioneiros e isenções fiscais
isenções fiscais recíprocas sobre as receitas dos transportes marítimos internacionais
PUB
ANÚNCIO N.º 05/DCTNR/2020 (Notificação da revogação de autorização de contratação de trabalhador não residente) Considerando que não se revelou possível notificar os interessados, pessoalmente, por ofício ou telefone, nos termos do artigo 68.º e do n.º 2 do artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, notifica-se dos actos administrativos os interessados abaixo mencionados: 1. CHANG WENG KEI, proprietário do estabelecimento “覓食小食”, através do Despacho n.º15633/IMO/DSAL/2020, foi revogada a autorização de contratação de dois trabalhadores não residentes não especializados, concedida pelos Despachos n.º 33931/IMO/DSAL/2019, atendendo ao facto de ter cancelado o estabelecimento “覓食小食”, na Direcção dos Serviços de Finanças. 2. LEI SIO LAI, proprietário do estabelecimento “賜運押”, através do Despacho n.º12934/IMO/DSAL/2020, foi revogada a autorização de contratação de dois trabalhadores não residentes não especializados, concedida pelos Despachos n.º 25448/IMO/ DSAL/2019 e 25908/IMO/DSAL/2019, atendendo ao facto de ter cancelado o estabelecimento “賜運押”, na Direcção dos Serviços de Finanças. 3. UN SIO KAI, através do Despacho n.º 17423/IMO/DSAL/2020, foi revogada a autorização de contratação de um trabalhador não residente doméstico, concedida pelo Despacho n.º 27586/IMO/DSAL/2016, devido ao facto do local de trabalho do trabalhador não residente doméstico ser idêntico ao local declarado por outro interessado. Os interessados acima mencionados podem, nas horas de expediente, deslocar-se ao Departamento de Contratação de Trabalhadores Não Residentes da DSAL, sito na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues n.ºs 614A-640, Edifício Long Cheng, 9.º andar, Macau, para levantamento da cópia do despacho, podendo ainda requerer, por escrito, a consulta do processo. Nos termos dos artigos 145.º, 149.º e 155.º do Código do Procedimento Administrativo, os interessados podem, sobre a decisão acima referida interpor: a) Reclamação para o autor do actor, devendo ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias a contar do dia seguinte ao da publicação do presente anúncio; b) Recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças, devendo ser apresentado no prazo de 30 (trinta) dias a contar do dia seguinte ao da publicação do presente anúncio. Mais se informa que as decisões administrativas acima referidas não são susceptíveis de recurso contencioso. 20 de Agosto de 2020. O Director, substituto da DSAL, Chan Un Tong
porta-voz do Departamento de Estado, Morgan Ortagus, na mesma nota. A decisão faz parte das represálias de Washington pela aprovação da controversa Lei de Segurança Nacional sobre Hong Kong, que procura proibir qualquer acto de "subversão contra o Governo central chinês" na cidade
Segurança Hackers chineses atacaram agências do Governo de Taiwan
Piratas informáticos chineses atacaram pelo menos 10 agências governamentais de Taiwan e acederam a seis mil contas de ‘e-mail’, indicaram ontem as autoridades de segurança de tecnologias de informação. “Temos a certeza de que essas seis mil contas de ‘e-mail’ ficaram comprometidas. Ainda estamos a avaliar a extensão dos danos”, avançou o vicedirector do gabinete de investigação de cibersegurança de Taiwan, Liu Chia-zung, citado pela agência Associated Press. Segundo a mesma fonte, os grupos de ‘hackers’ ‘Blacktech’ e ‘Taidoor’ têm invadido departamentos do Governo de Taiwan desde 2018. A ilha acusa a China de ter intensificado uma campanha de ataques cibernéticos desde a eleição de Tsai Ing-wen como Presidente, em 2016.
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quarta-feira o magnata dos media de Hong Kong Jimmy Lai, detido na semana passada por algumas horas, como um “homem corajoso”. Citado pela Agência France-Presse (AFP), Donald Trump disse que Lai “é certamente um homem corajoso”. Jimmy Lai, de 72 anos, é o proprietário de duas publicações frequentemente críticas de Pequim, o diário Apple Daily e o Next Magazine. Visto por numerosos habitantes de Hong Kong como um herói e único magnata do território crítico de Pequim, Jimmy Lai é descrito nos meios de comunicação oficiais chineses como “um traidor”, que inspirou as manifestações pró-democracia realizadas na região chinesa, e o líder de um grupo de personalidades acusadas de conspirar com nações estrangeiras para prejudicar a China.
COVID-19 SETE NOVOS CASOS DA DOENÇA E TODOS SÃO IMPORTADOS
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S autoridades chinesas detetaram sete novos casos positivos de covid-19 na quarta-feira, todos procedentes do estrangeiro, sendo dez casos a menos que no dia anterior, anunciou a Comissão Nacional de Saúde da China. Assim, o país acumula quatro dias sem registar casos locais do novo coronavírus. Os casos positivos foram diagnosticados em viajantes procedentes do estrangeiro nas cidades de Xangai (1) e Tianjin (1) e nas províncias de Jiangxi (3), Sichuan (1) e Shandong (1). Da mesma forma, as autoridades de saúde detalharam que, até à meia-noite de quarta-feira, 60 pacientes receberam alta.
O número total de infectados ativos na China continental é de 516, sendo 24 que permanecem em estado grave, segundo as autoridades de saúde. A Comissão Nacional de Saúde não anunciou novas mortes por covid-19, então o número permanece em 4.634, entre os 84.895 infectados oficialmente diagnosticados na China desde o início da pandemia. Até o momento, 808.715 contactos próximos com pessoas infectadas foram acompanhados, dos quais 16.369 continuam a ser observados. Quanto aos infectados assintomáticos, a China registou 22 novos casos neste último relatório, e o número total de pessoas sob observação nessas circunstâncias é de 352.
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sexta-feira 21.8.2020
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anúncio foi feito durante uma sessão plenária do Partido dos Trabalhadores, realizada na quarta-feira, na qual Kim Jong-un “falou sobre as falhas e conquistas” do regime desde a reunião anterior, em 2016, avançou ontem a agência oficial norte-coreana KCNA. Com uma franqueza invulgar, o líder norte-coreano, Kim Jong Un, defendeu a necessidade de adoptar um plano de desenvolvimento de cinco anos para melhorar o fornecimento de energia e a produção agrícola e industrial da Coreia do Norte. Kim reconheceu as deficiências económicas causadas por “desafios inesperados e inevitáveis” e “pela situação na região que rodeia a península coreana”, referiu a KCNA. Aeconomia norte-coreana é alvo de várias sanções da comunidade internacional, impostas pelo Conselho de Segurança da ONU para forçar Pyongyang a abandonar os programas nucleares e de armamento, que têm sido muito reforçados por Kim Jong-un. Esta posição “tem como objectivo justificar o esperado fracasso do regime em atingir as metas económi-
COREIA DO NORTE KIM ADMITE PROBLEMAS NA ECONOMIA E MARCA CONGRESSO
Parem as máquinas
O líder norte-coreano admitiu que as sanções internacionais, a pandemia e as recentes inundações afectaram a economia do país, convocando para Janeiro um congresso extraordinário do partido para elaborar um plano quinquenal de dinamização da economia
cas estabelecidas”, disse à agência francesa de notícias AFP o analista do Instituto Coreano de Unificação Nacional, Hong Min. Segundo o analista, a data escolhida
para o congresso extraordinário - em Janeiro, ou seja, próximo da data de tomada de posse do vencedor das eleições presidenciais norte-americanas - é um sinal.
A música da ira dos homens
Autoridades policiais tailandesas detêm músico e activistas pró-democracia
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polícia tailandesa deteve um músico e quatro activistas pró-democracia numa operação de repressão face aos crescentes protestos que ameaçam o Governo, liderado por um ex-militar que a oposição acusa de incompetência e corrupção. Uma operação policial resultou na detenção de um artista e quatro elementos do movimento tailandês pró-democracia. Entre os detidos está Dechathorn Bamrungmuang, um membro importante do “Rap Contra a Ditadura”. Os activistas, que enfrentam acusações de sedição, pediram a renúncia do primeiro-ministro, o general Prayuth Chan-ocha. Os protestos, alimentados por milhares de estudantes, são a ameaça mais séria para o general, que chegou ao poder através de um golpe militar em 2014 e que se manteve no cargo após uma polémica eleição em 2019, marcada por acusações de
fraude. Os manifestantes têm tornado públicas três exigências básicas: realização de novas eleições, emendas à constituição imposta pelos militares e fim da intimidação dos críticos do Governo. Os líderes dos protestos geraram polémica no início do mês, quando expandiram as suas reivindicações originais, criticando publicamente a monarquia constitucional da Tailândia e divulgando um manifesto de dez pontos no qual pediram reformas. Uma acção sem precedentes, já que a monarquia é considerada sacrossanta, com a legislação a prever penas de prisão até 15 anos para qualquer pessoa considerada culpada de difamar o rei.
OLHAR HUMANO
A organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) já veio exigir que as autoridades tailandesas retirem todas as acusações e libertem os activistas pró-
-democracia. “As repetidas promessas do Governo tailandês de ouvir vozes dissidentes provaram ser desprovidas de sentido, à medida que a repressão aos activistas pró-democracia continua inabalável”, criticou o director da Human Rights Watch para a Ásia, Brad Adams. Também na quarta-feira, cerca de 400 alunos, de uniforme escolar e fitas brancas, um símbolo do protesto, juntaram as suas vozes ao movimento antigovernamental e fizeram saudações com três dedos, um sinal de resistência ‘importado’ do filme “Jogos da Fome”. A imagem do Governo foi manchada por escândalos de corrupção pelos quais ninguém foi responsabilizado e a economia está em crise, algo que já era visível antes das medidas tomadas para enfrentar a pandemia e que devastaram a indústria do turismo, a principal fonte de receitas nacional.
As relações entre Washington e Pyongyang estagnaram desde o fracasso, em Fevereiro de 2019, da segunda cimeira entre Kim e o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Os dois países não chegaram a um acordo sobre o desmantelamento do programa nuclear da Coreia do Norte, que levaria ao levantamento de algumas sanções económicas internacionais. A Coreia do Norte deixa assim entender que “quem quer que ganhe as próximas eleições [presidenciais dos EUA] deve aumentar os PUB
esforços para chegar a um acordo”, defendeu Hong Min.
CONQUISTAS FANTÁSTICAS
Além das sanções económicas - que reduziram significativamente o comércio com a China, seu principal aliado e salvação económica -, a Coreia do Norte teve de enfrentar as consequências da pandemia da covid-19 e os danos causados por chuvas torrenciais que assolaram o país nas últimas semanas e destruíram milhares de casas e quase 100.000 acres de plantações.
Na semana passada, Kim demitiu o seu primeiro-ministro, após uma avaliação do desempenho do gabinete nas políticas económicas. O líder norte-coreano sublinhou, no entanto, que o país manterá as suas fronteiras fechadas e irá rejeitar qualquer intervenção externa. “A Coreia do Norte planeava celebrar prodigamente as suas conquistas económicas [desenhadas no primeiro plano de cinco anos de Kim) na celebração do 75º aniversário da fundação do partido, em 10 de Outubro, mas não podia prever os enormes reveses” causados pela covid-19 e pelas inundações, considerou o analista do Instituto Sejong da Coreia do Sul, Cheong Seong-Chang. Embora a programação do novo congresso do partido para Janeiro reflicta a esperança de que a pandemia diminua até lá, a Coreia do Norte poderá decidir abrir-se ao comércio internacional, especialmente se o seu já precário sistema de saúde continuar a gerar preocupação, disse Cheong.
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Tonalidades António de Castro Caeiro
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ARA o pensamento arcaico a sede das emoções e da consciência era o diafragma (R. B. Onians 1951). Não era o coração. Muito menos o cérebro. Para os velhos estoicos, o “eu” estava localizado no externo, porque um grego gesticula como qualquer mediterrânico e toca com o dedo no externo quando diz eu ou bate com a mão violentamente no peito para se revelar corajoso. Para nós, contemporâneos, o coração está arraigado nos nossos idiomas. Aprendemos coisas “de cor”, usando a palavra latina no original para coração. Alguém tem bom coração. Há quem não tenha coração. Acedemos ao passado pela memória, mas quando queremos entrar por ele adentro é pela re-cor-dação, um modo de reverberar o coração. O coração bate rápido e depressa com medo e na excitação do amor. Cai-nos o coração ao chão, quando ficamos para morrer, pelo susto que apanhamos. O valente tem coração de leão. Os santos aproximavam-se do santo dos santos com o coração nas mãos, como oferta, símbolo vivo da vida. A simbologia do coração foi destruída (Sloterdjik 1988) com o advento da anatomia contemporânea. Passamos a falar de “máquina”. A metonímia faz perceber que o coração perdeu a riqueza semântica capaz de significar o aprender, o ficar em pânico, sentir-se apaixonado, lembrar-se do passado, ser corajoso, expor-se vulneravelmente à fé em Deus. Agora, o batimento cardíaco, a pulsação, o ritmo, são interpretados de acordo com a metáfora da máquina como se o coração fosse um motor, com peças substituíveis. O próprio coração pode ser substituído. Não é pessoal nem intransmissível. Já não é pessoal. Lá não estou eu. Nem a quem pertenceu. Um dia poderá ser produzido por material ainda mais consistente do que a carne humana, talvez. Vemos o “coração” como objecto, tal como o coração é, sem aura pessoal, sem metáforas nem símbolos. O ganho claro e maravilhoso da ciência é a perda da metáfora. Onde estou eu senão no coração. A que chamo eu coração então? Para o pensamento arcaico, era no diafragma que se situavam as emoções e a consciência. Não é metafórico também este pensamento? O que é que eles queriam dizer com isto? No oriente ainda há uma atenção dada à respiração completamente diferente da que lhe damos no ocidente. Os guerreiros árabes antes do combate estavam um dia inteiro a fazer colectivamente hiperventilação. Para se perceber o esta-
21.8.2020 sexta-feira
“Um pouco mais de sol eu era brasa”
Respiração RENEE HONG
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“Para os velhos estoicos, o “eu” estava localizado no externo, porque um grego gesticula como qualquer mediterrânico e toca com o dedo no externo quando diz eu ou bate com a mão violentamente no peito para se revelar corajoso.”
do em que ficavam, experimentemos inspirar pela boca e expirar violentamente pelo nariz durante umas 20 vezes. Ficamos embriagados. A oxigenação transtorna. O sangue transforma-se. O batimento cardíaco altera-se. Se googlarmos “The Iceman”, verificamos que Wim Hof tem o mesmo método de respiração com preparação para mergulhar nas águas frígidas que congelariam qualquer um. A respiração Luta/Fuga (ofegante) dá lugar à respiração Sossego/Digestão. O controle da respiração tem de ser feito consoante a situação. Se um perigo nos aparecer não vamos querer respirar como o fazemos depois de um almoço tradicional de domingo ou a dormitar em frente à TV. Se quisermos adormecer, não vamos querer ter uma discussão acesa. Como inverter as respirações? O ponto é este. No controlo respiratório, na sua plasticidade, é possível alterar o estado de espírito. A palavra para espírito em grego diz-se pneuma, sopro. A vida para os gregos era um sopro. Todas as formas de respiração não são interiores apenas. São o nosso contacto com o mundo exterior, com a atmosfera, com o ar que respiramos. O ar está em nós e fora de nós. Circula através de nós. Inspiramos oxigénio e libertamos óxido de carbono. A respiração tem uma inspiração que não pode ser infinita e uma expiração que não pode ser infinita. Se inspirarmos e não expirarmos ou se expirarmos e não inspirarmos, morremos. É simples. Qualquer situação tem o seu modo passivo correspondente de respiração. Foi isso que o pensamento arcaico percebeu. No diafragma manifesta-se exteriormente o modo como alguém lida com a situação. Não há interior nem exterior. O ser humano é atmosférico. Há bafos de sorte e podemos ser bafejados. Há algo que “cheira” bem ou mal, que não nos cheira. Sopramos para arrefecer ou bafejamos para aquecer. A palavra para alma em grego, psychê, quer dizer refrescar, sopro vital, dentro de cada um de nós e a envolver-nos a todos nós. Respiramos de alívio, depois de termos ficado sem respirar. Caímos em situações de cortar a respiração. Expiram prazos. Nós próprios entre a primeira inspiração e a última expiração, datamos a entrada do espírito e a saída do espírito. Deus, dizem, não se manifesta no trovão, nem na tempestade, nem no tremor de terra, nem no fogo, mas no “murmúrio de uma leve brisa”. (1 Reis 19:12).
ARTES, LETRAS E IDEIAS 13
sexta-feira 21.8.2020
entre oriente e ocidente Gonçalo M. Tavares
O caminho para casa
U
M pedaço de pele que de perto provoca uma certa repulsa, um tremor em quem está diante de algo que deveria ser íntimo e está ali, afinal, bem explícito. Um cordão umbilical que sai da casa de António e vai até às suas costas; um cordão umbilical mesmo, real, que existe, tem carne, e pode ser esticado até ao infinito, capacidades elásticas invulgares; é isto, de resto, a família – um modo bem material de não te esqueceres do caminho para casa. Um pouco como nos mitos dos meninos que se perdem e deixam vestígios atrás de si para reconhecerem o seguro caminho para casa. E aqui também há o risco que existe quando se deixam alimentos a definir um itinerário de regresso. O risco é sempre o mesmo. Aqui também com o enorme fio de cordão umbilical que pode ter a dimensão, o comprimento, de centenas, milhares de metros, milhares de quilómetros, o risco é este, é simples: podem vir animais com fome devorar o caminho de regresso. E quando os animais comem o caminho de regresso, as crianças ficam perdidas na floresta ou na grande metrópole, dentro de um elevador, por exemplo, e podem não saber mais como regressar às suas origens. E, de facto, como toda a gente sabe, há uma energia humana, absolutamente alta e irregular, que só pode ser transportada desde a fonte inicial. Há como que um buraco no centro da sala da casa antiga, um poço dentro de casa, de onde se retira uma água que dá força e é aí que António vai buscar a sua energia. É aí que está ligado o seu cordão umbilical, um cordão que sai das suas costas, como uma cauda.
ILUSTRAÇÃO ANA JACINTO NUNES
FICÇÃO, ENSAIO, POESIA, FRAGMENTO, DIÁRIO
14 (f)utilidades TEMPO
POUCO
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NUBLADO
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APA IMAGES REX SHUTTERSTOCK
A APARIÇÃO 2
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SOLUÇÃO DO PROBLEMA 5
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Uma mulher acende velas em casa, depois da única estação eléctrica da zona onde vive, na Faixa de Gaza, ter encerrado. O embargo de Israel à importação de energia para Gaza deixou mais de dois milhões de pessoas sem electricidade. A Cruz Vermelha alertou para perigosas consequências no sector da saúde.
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Cineteatro 4
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SUMIKKOGURASHI:GOOD TO BE IN THE CORNER [A] FALADO EM CANTONÊS LEGENDADO EM CHINÊS Um filme de: Mankyu 14.30, 16.00, 17.30, 19.30, 21.00 SALA 2
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LEGENDADO EM CHINÊS E INGLÊS Um filme de: Chow Kwun-wai Com: Terrance Lau, Cecilia Choi 14.30, 16.45, 19.15, 21.30
8 1 7 9 0 6 2 5 3 7 DREAMBUILDERS 3 4 8 [A]2 6 FALADO EM CANTONÊS LEGENDADO 0 9EM CHINÊS1 4 5 Um filme de: Kim Hagen Jensen, Tonni Zinck 14.30, 16.30, 19.00, 21.15 4 6 0 7 8 5 3 9 1 2 1 8 3 6 9 2 5 4 0 1 7 0 6 5 3 9 7 2 8 4
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lante, que só se descortina passados uns quantos plays. 11 “Big Science” é de 1982 e podia ter 7 de0ontem. 4 2Laurie 6 1 sido Anderson consegue 5 6 8 4 7não 9 ter tempo. Hoje Macau
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1 5 2 9 3 4 0 3 4 é6o tema 8 7 “From the Air” que6 abre o disco “Big 7 5 4 1 2 Science”, de Laurie Anderson. 8 0 9O álbum 2 6 já 1 seria bom se constasse 2 1desta 3 7 0 5 apenas canção, mas continua a surpreen7 8 0 5 9 6 der a cada uma das oito 9 4 8 1 tema, 7 3 faixas. O segundo que também dá nome ao 5 2 7 0 4 8 disco, é outra viagem no mundo 3 6que1gira8entre 2 o9 electrónico, a poesia e 4 obscuridade 9 6 3emba5 0 uma
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opinião 15
sexta-feira 21.8.2020
confeitaria
JOÃO ROMÃO
ALFREDO ROQUE RIBEIRO
T
ERMINADO muito simpático pequeno-almoço na minha primeira manhã em Banguecoque tinha duas horas livres até ao início da conferência que havia de decorrer no mesmo hotel onde estava hospedado. Com tempo demais para me aborrecer à espera e de menos para me dedicar à exploração da magnífica cidade, decidi-me por breve visita a museu de história que sabia próximo, mas pouco orientado para turistas estrangeiros. Em todo o caso, fui agradavelmente surpreendido pela exibição de um mapa do século XVII representado o sudoeste asiático, da Índia até ao Japão, claramente identificado por brasão português. Era uma segunda-feira de manhã, não encontrei quem me pudesse informar melhor, mas suponho que se tratasse de uma das primeiras – senão a primeira – representações cartográficas da região e certamente um bom exemplo dos possíveis contributos da expansão do conhecimento e das vantagens da interculturalidade inerente às viagens marítimas portuguesas da época. Já a conferência tinha terminado e Banguecoque revelado uma parte ínfima dos seus múltiplos e magníficos encantos quando tive oportunidade de sair da cidade num animado e interessante grupo com umas 30 pessoas de origens bastante diversas. Um dos sítios onde estive foi no extraordinário Wat Mahathat de Ayutthaya, uma das antigas capitais do reino do Sião, detalhadamente apresentado por um velho guia que a determinado momento se apercebeu da presença de pessoas portuguesas. Desde então, informou e reiterou pelo menos três vezes que os portugueses tinham sido os primeiros europeus a marcar presença no território que hoje corresponde à Tailândia. Talvez haja uma boa razão para essa efusiva referência: na realidade, a Tailândia nunca foi colonizada, nem por Portugal nem por outros países, o que eventualmente ajudará a olhar para este passado como um território de encontros e intercâmbios, mais do que de violência e exploração. Não foi assim quando estive em Goa, uma das antigas zonas portuguesas em território da Índia, também para um evento académico, que incluía vários participantes portugueses, alguns até com responsabilidades organizativas relevantes. Talvez por isso, logo no discurso de boas-vindas, com as tradicionais mensagens de boas-vindas à cidade, um professor local tenha evocado a importância histórica de 1962 e da independência de Goa em relação ao império colonial português. Uma relação histórica mais tensa, portanto, com toda a conflitualidade e violência associadas à colonização a marcar discursos contemporâneos. Pouco disto se vê na historiografia para turistas que oferece a
Epopeias coloniais
Velha Goa, mais orientada para triunfalistas exibicionismos: os restos mortais do Padre Francisco Xavier miraculosamente conservados desde o século XVII na Basílica do Bom Jesus, mesmo em frente à Sé Catedral de Goa onde se celebrava em exposição a vida da santificada Madre Teresa e de João Paulo II, o papa que “libertou o mundo do comunismo”, nem mais nem menos. Francisco Xavier é também figura de relevo no Japão, onde o jesuíta é referenciado nos livros de história como o primeiro padre católico em terras japonesas, antes de ser banido o catolicismo. Tive oportunidade de visitar a Igreja que o homenageia, em Kagoshima, em tranquilo passeio pela zona de Nagasaki, no sul do Japão, terras das “igrejas escondidas”, onde comunidades cristãs mantiveram secretamente os seus cultos após a proibição do cristianismo. Também a terras nipónicas os portugueses foram os primeiros europeus a chegar, através do porto de Nagasaki. O Japão concedeu na altura privilegiada licença para comércio internacional com mercadores portugueses e chegou até a construir o porto de Dejima, exclusivamente dedicado ao comércio com Portugal, com todas as infra-estruturas logísticas inerentes e residências para capitães e altas personalidades. Duraria pouco, no entanto: o espaço havia de servir como área de “confinamento” para os portugueses, que haviam de ser também o primeiro (e historicamente o único) povo a ser expulso do Japão. O porto seria entregue a mercadores holandeses, que haviam de ficar com o exclu-
sivo do comércio internacional com o Japão e hoje Dejima é uma relevante atração turística de Nagasaki, reconstruído em parceria com uma universidade holandesa e recriando o ambiente da época, com típicas habitações holandesas e as instalações portuárias para as embarcações e o comércio. Para se perceber esta mudança de atitude dos japoneses em relação à presença portuguesa socorro-me do legado de Wenceslau de Moraes, cônsul português no Japão na transição de século XIX para o XX, que havia de viver no país do sol nascente até à sua morte, em Tokushima, perto de Kobe, em 1929. Também visitei o pouco que resta da sua memória na pequena cidade: um busto difícil de encontrar, uma minúscula referência à casa onde vivia, o discreto túmulo onde o corpo foi sepultado, com a da sua esposa e sobrinha, ambas japonesas. O museu Moraes que ali existia já
“... na realidade, a Tailândia nunca foi colonizada, nem por Portugal nem por outros países, o que eventualmente ajudará a olhar para este passado como um território de encontros e intercâmbios, mais do que de violência e exploração.”
foi encerrado e toda esta tristeza sobre o seu legado histórico diz muito sobre a inépcia e o desleixo das políticas culturais portuguesas fora do país. Sobram os livros, no entanto, onde Moraes analisa com bastante detalhe diferentes aspectos da história do Japão e em particular da relação com Portugal. Moraes adianta uma explicação para a proibição do cristianismo e a expulsão dos portugueses, socorrendo-se de um encontro entre um “shogun” (autoridade máxima à época no Japão) e um mercador castelhano, em que este, depois de descrever a imensidão do reino, incluindo toda a América Latina, explica que o sucesso dessa conquista se deve a enviar primeiro os padres e só depois o exército. Segundo Moraes, os japoneses, não só entenderam o perigo das ambições colonialistas dos países ibéricos – com a inerente violência física, exploração económica e domínio político – como entenderam o papel decisivo da religião nesse processo. Neste sentido, continuarmos a olhar para este período da história e do mundo como uma “epopeia marítima” ou um processo de “descobrimentos” e “intercâmbio de culturas” contribui certamente para ocultar parte significativa destes processos: a intenção estrategicamente definida de conquistar e subjugar pela violência outros povos e territórios. Ajuda a perceber como Portugal contribuiu para o desenvolvimento da cartografia na Tailândia, mas impede que se perceba porque fomos o primeiro e único povo europeu a ser expulso do Japão.
“Quanto maior é a sede, maior é o prazer em satisfazê-la.” Dante Alighieri
PALAVRA DO DIA
Melco Receitas caem 88% no segundo trimestre
VIETNAME CHINA ACUSADA DE “INFRINGIR A SOBERANIA” EM ÁGUAS DISPUTADAS
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Vietname acusou Pequim de “infringir a soberania” e de pôr em perigo a paz no Mar da China Meridional ao enviar um porta-aviões e aviões de combate para um arquipélago vietnamita reclamado pelas autoridades chinesas. “O envio de efectivos para o arquipélago de Hoang Sa (ou Paracel) não só infringe a soberania do Vietname como também complica a situação no Mar Oriental. Instamos todas as partes a contribuir de forma responsável para a manutenção da paz, estabilidade e segurança no Mar da China Meridional”, indicou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros vietnamita, Le Thi Thu Hang. O porta-voz, que realçou que os arquipélagos de Paracel e de Spratley, também disputados pela China, “são parte inseparável do Vietname”, referia-se às manobras militares iniciadas por Pequim a 1 deste mês naquelas ilhas isoladas com aviões de combate. As ambições territoriais da China nas águas a sul do país – pelo qual circula cerca de 30 por cento do comércio global e que alberga 12 por cento da área de pesca mundial, além de importantes jazidas de gás e de petróleo -, afectam, além do Vietname, outros países da região, como as Filipinas, Malásia, Brunei e Taiwan. Nos últimos meses, vários barcos da Marinha chinesa têm realizado incursões em águas territoriais do Vietname e das Filipinas, o que tem estado a contribuir para um aumento da tensão nas relações da China com os cinco estados e também com os Estados Unidos.
sexta-feira 21.8.2020
Steve Bannon
O ouro dos tolos Trump diz desconhecer projecto de muro, que levou à detenção de Bannon
O
Presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou ontem nada conhecer sobre o portal de ‘crowdfunding’ para financiar a construção de um muro ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México. A partir da Sala Oval, na Casa Branca, Trump reagiu à acusação de desvio de fundos de que foi alvo o seu antigo conselheiro Steve Bannon, afastado em 2017. “Não tenho tido contactos com ele [Bannon] há muito tempo. Não sei nada sobre esse projecto. Estava convencido de que era algo que não deveria ser feito”, afirmou o Presidente dos Estados Unidos, que indicou ter-se oposto à ideia de procurar fundos privados para construir o muro. O antigo conselheiro da Casa Branca Steve Bannon foi ontem detido sob a acusação de, em colaboração com três outras pessoas, desviar dinheiro de doadores num esquema de arrecadação de fundos para a campanha “Nós construímos o muro”. Segundo a acusação, citada pela agência noticiosa Associated Press (AP), o montante desviado da campanha está avaliado em “centenas de milhares de
doadores”. Os procuradores federais alegam que Bannon e três outras pessoas “orquestraram um esquema para defraudar centenas de milhares de doadores” em ligação com a campanha de ‘crowdfunding’que juntou mais de 25 milhões de dólares para construir um muro ao longo da fronteira sul dos Estados Unidos com o México. Segundo a acusação, o antigo conselheiro de Trump garantia que 100 por cento do dinheiro obtido seria utilizado no projecto, mas os réus acabaram por usar colectivamente centenas de milhar de dólares “de uma maneira inconsistente com as representações públicas da organização”. A acusação avança também que os quatro réus falsificaram
“Não tenho tido contactos com ele [Bannon] há muito tempo. Não sei nada sobre esse projecto. Estava convencido de que era algo que não deveria ser feito.” DONALD TRUMP
facturas e elaboraram “arranjos com fornecedores”, entre outras formas, para desviar o dinheiro, com Bannon a utilizá-lo para “pagar despesas pessoais”.
OS CÚMPLICES
Num comunicado, Audrey Strauss, procuradora em funções do Distrito sul de Nova Iorque, a campanha também permitiu desviar dinheiro para Brian Kolfage, um veterano da guerra no Iraque, que foi quem criou a iniciativa para a construção do muro, apesar de ter garantido aos doadores que não receberia sequer um cêntimo. Além de Bannon, foram também detidos o próprio Kolfage e outros dois acusados – Andrew Badolato e Timothy Shea – pelo papel desempenhado na suposta fraude. Segundo a AP, o “combativo e contundente” Bannon foi a voz de um conservadorismo nacionalista e ‘outsider’, tendo pressionado Trump a cumprir algumas de suas promessas de campanha mais controversas, incluindo a proibição de viagens a alguns cidadãos estrangeiros e a decisão de abandonar o acordo de mudança climática de Paris.
A Melco Resorts anunciou ontem uma quebra de 88 por cento nas receitas operacionais no segundo trimestre deste ano, que caíram para apenas 180 milhões de dólares, devido aos efeitos da pandemia de covid-19. “O decréscimo para 180 milhões de dólares face aos 1,46 mil milhões de dólares registados no segundo trimestre do ano passado é atribuído maioritariamente ao desempenho mais fraco em todos os segmentos do jogo e nas operações para além do jogo em resultado da pandemia de covid-19, o que resultou num declínio significativo no turismo no segundo trimestre do ano”, lê-se num comunicado enviado à Lusa. Lawrence Ho comentou que “a covid-19 e as subsequentes restrições às viagens e os requisitos de quarentena e isolamento tiveram um impacto significativo no desempenho operacional e financeiro do segundo trimestre”. “Para ajudar a mitigar o impacto da covid-19, fomos rápidos a formular estratégias para preservar a liquidez e melhorar as contas da companhia”, acrescentou.
Covid/Filipinas Estudo indica que três milhões ficaram por detectar
Cerca de três milhões de filipinos contraíram o novo coronavírus entre Abril e Junho, desconhecendo, porém, que estavam infectados, estimou um estudo publicado pela Universidade Ateneo de Manila, uma das instituições de ensino mais prestigiadas daquele país. “É plausível que filipinos desconheçam que têm covid-19, uma vez que não apresentam sintomas, expondo o seu lar, a comunidade e o seu local de trabalho ao risco de infecção”, observou o relatório, ontem citado pelas agências internacionais. “Este grupo de filipinos não está a receber o tratamento adequado devido à falta de diagnóstico”, acrescentou o estudo. A estimativa de pessoas infectadas avançada pelo estudo representa 2,6 por cento da população das Filipinas, percentagem muito superior quando comparada com outros países e territórios da região, tais como Indonésia, Malásia, Singapura ou Tailândia.