Hoje Macau 24 ABR 2020 # 4513

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DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ

MOP$10

hojemacau

GLOBAL IMAGENS

SEXTA-FEIRA 24 DE ABRIL DE 2020 • ANO XIX • Nº 4513

GAZETA MACAENSE

A LUTA DE BORRALHO PÁGINAS 6-7

CENSURA

Lápis azul em Macau PÁGINA 8

OPINIÃO

NÃO HÁ ALTERNATIVA

HABITAÇÃO ECONÓMICA

O tempo que conta PÁGINA 10

CORPO E CAMINHO GONÇALO M. TAVARES

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A DAR QUE PENSAR ANTÓNIO DE CASTRO CAEIRO

VIDAS DE CONVENIÊNCIA PUB

VALÉRIO ROMÃO

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O mundo será melhor O capitão de Abril, Vasco Lourenço, recorda com emoção o dia em que foi forçado a viver à distância os acontecimentos da revolução, fala da “falácia” gerada à volta das comemorações do 25 de Abril, mas mantém a esperança de que o mundo irá mudar para melhor, apesar dos populismos e das ameaças neo-fascistas que voltam a assombrar o planeta. PÁGINAS 2-3

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CARLOS MORAIS JOSÉ


2 25 de abril

VASCO LOURENÇO

sempre

Com que tónica e de que forma devem ser celebrados os 46 anos do 25 de Abril? Respeitando as condicionantes. Não pode ser na rua. Não pode ser em convívios. Terá de ser no isolamento social que teremos de tentar romper através dos meios de comunicação. Consideramos essencial reafirmar os valores de Abril, para além de os praticarmos com a fraternidade, tão bem glorificada pelo Zeca, devemos também materializá-los na maneira como estamos a lidar com a crise. Vamos mostrar o apego ao 25 de Abril, cantando a Grândola, seguida do Hino Nacional, às 15h do dia 25. Confio que, em todo o país se sinta esse apego e vontade de defender os valores da liberdade, da democracia, da paz, da igualdade, da justiça social e da solidariedade. Se tivesse de escolher apenas uma, qual a memória mais vívida que tem do dia 25 de Abril de 1974? O ouvir, às duas e vinte da manhã, 4h20, no Continente, no gabinete do "oficial de dia" do Quartel General em Ponta Delgada, o primeiro comunicado do MFA. Ao ouvir "aqui, posto de comando do Movimento das Forças Armadas...", saltei como um louco, sozinho no gabinete, a gritar "Ganhámos! Ganhámos!", louco de alegria com a convicção, com a certeza de que, chegados ali, íamos vencer! Quando nasceu a sua vontade de agir e como começou o seu percurso revolucionário? A minha vontade de agir, nasceu em plena guerra colonial, na Guiné. Ao regressar, em Junho de 1971, acompanharam-me três sentimentos, distintos e até contraditórios: satisfeito! Considerei-me realizado o meu comportamento na guerra, quer como homem, quer como militar. Angustiado! Descobrira que, como militar, estava a ser explorado, pelo poder, para fazer uma guerra injusta, que servia para suportar um regime iníquo e ilegítimo. Decidido! "Abertos os olhos", optara por não voltar à guerra e tudo fazer para ajudar a modificar esse estado de coisas. É o “Estado a que isto chegou”, como diria o Salgueiro Maia, ao falar aos militares que comandou, a caminho de Lisboa. É este último sentimento que me cria a vontade de agir. Como começo o meu percurso de revolucionário? O Congresso dos Combatentes provoca uma reacção de contestação no seio dos oficiais do quadro permanente das Forças

REINALDO RODRIGUES/GLOBAL IMAGENS

CAPITÃO DE ABRIL

Prefiro uma má democracia a uma ‘boa’ ditadura O presidente daAssociação 25 deAbril continua a dizer, 46 anos depois, que ter sido forçado a assistir à revolução à distância é a “maior frustração” da sua vida. Em tempos marcados pela pandemia da covid-19, Vasco Lourenço acredita que os valores de Abril estão vivos e que podem ajudar a construir um mundo melhor, sem populismos e com uma nova relação com a natureza Armadas. Essa contestação vai até mim, encontra-me com aquele sentimento que referi. Antes de haver qualquer plano traçado, como começou a ser delineada a revolução? Como se sabe, após a realização do Congresso dos Combatentes e do seu esvaziamento, andavam os contestatários a discutir como aproveitar a embalagem dessa contestação,

quando lhes cai, "como sopa no mel", um decreto que cria graves problemas de natureza socioprofissional no seio dos oficiais do Exército. Pessoalmente, senti que era chegada a hora, tinha que aproveitar a oportunidade. Naturalmente, de início não se podia avançar imediatamente para uma contestação de natureza política e para a revolução. Quando, depois de alguma preparação, realizámos a primeira grande reunião, em 9 de

Setembro de 1973, num Monte alentejano em Alcáçovas, que marcou o nascimento "oficial" do Movimento dos Capitães, o posicionamento dos 136 oficiais que participaram, podia ser dividido em três grupos: Os contestatários aos decretos, por razões socioprofissionais. Camaradagem, eram jovens do tipo "vamos para a farra” e “o meu amigo vai, eu também vou". E os determinados a aproveitar a oportunidade. Se o primeiro era

maioritário e o segundo estava em clara minoria, o terceiro era difuso, com ideias e opiniões escondidas. Não sei dizer-lhe se eram muitos ou poucos. Sei que eu era um deles, sei que consegui "impor" a palavra de ordem que dali saiu e que viria a constituir a principal arma dos conspiradores: "recuperar o prestígio das Forças Armadas, junto da população portuguesa". Foi assim que dali saímos, conquistando adeptos, até chegarmos ao 25 de Abril. Como foi levada a ideia a partir daí? Direi que, tendo permanentemente presente o objectivo, em quatro etapas. A demonstração de que o prestígio das Forças Armadas estava muito por baixo. Isto foi extraordinariamente fácil, bastava constatar a situação, visível a olho nu. Responder à pergunta "porquê?”, de fácil resposta, pois as forças armadas eram vistas como suporte do regime repressivo que impunha a guerra. Responder à pergunta "que fazer?”, também de fácil resposta, pois o objectivo era deixar de ser esse suporte. Depois, responder à última pergunta, "como?”. Fácil! Fazer um golpe de Estado, derrubar a ditadura, libertar a liberdade e resolver o problema colonial. Foi certamente a primeira acção deste tipo que durou tão pouco tempo a consumar-se: o tempo da gestação de uma criança, prematura, porque não chegou aos nove meses. Foi um percurso complicado, feito na clandestinidade, não podendo dizer quais os objectivos, tacteando, arregimentando conspiradores, discutindo a necessidade da elaboração de um programa político na altura devida. Enfim, uma tarefa que só foi possível pela experiência ganha na guerra colonial, pela capacidade dos "dirigentes" e pela coragem e determinação de todos! À distância, o que teria feito diferente durante a preparação e execução do golpe militar? Falar depois é fácil, como é fácil acertar no resultado de um jogo depois da sua realização. Fui o principal responsável pela conspiração e nem sempre impus o meu pensamento. É, aliás, uma das minhas características. Gosto de ouvir os meus companheiros, os meus colaboradores. Muitas vezes aceito optar por soluções diferentes das que defendo à partida. Também aqui, nem sempre as minhas opiniões foram seguidas. A principal talvez tenha sido a da constituição da Junta de Salvação Nacional, em que


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eu defendia que, não tendo generais, teríamos, em último caso, Capitães. Hoje, faria alguma coisa de forma diferente? Nas mesmas condições, ou sabendo então o que sei hoje? Não vejo como teria feito diferente! Até porque "tudo correu bem". Como foi assistir ao golpe militar à distância? Isso constitui, ainda hoje, a maior frustração da minha vida! Eu, como já afirmei, fora o principal responsável pela conspiração. Numa Direcção do Movimento, constituída por três oficiais, os majores Vítor Alves e Otelo Saraiva de Carvalho, e o capitão Vasco Lourenço, eu era o responsável operacional. Se não tivesse sido transferido compulsivamente para os Açores a 9 de Março, preso e enviado por via aérea, no dia 15 de Março, teria sido eu a comandar as operações do 25 de Abril. Calcula, portanto, como me sentia, ainda por cima depois do fracasso do 16 de Março. Tenho a opinião de que, se tivesse sido "despachado" daqui em Dezembro ou Janeiro, não teria havido um 25 de Abril! Teria havido um outro 25 qualquer, em Outubro, Novembro, Dezembro..., mas Abril, não! Porquê? Porque a nossa organização teria levado um enorme rombo e levaria algum tempo a recuperar. Nessa altura, em

“Vamos mostrar o apego ao 25 de Abril, cantando a Grândola, seguida do Hino Nacional, às 15h do dia 25. Confio que, em todo o país se sinta esse apego e vontade de defender os valores da liberdade...” Março, já estávamos de tal maneira avançados que a minha saída pôde ser perfeitamente colmatada com a transferência do Otelo para o meu lugar. E, como costumo dizer, "com o Otelo, correu bem! Comigo, não se sabe, falta fazer a prova!". Acompanhou as operações a partir de Ponta Delgada? As ligações eram muito difíceis. Por razões de segurança, não voltei a comunicar pessoalmente com ninguém. Mesmo as cartas da minha mulher não levavam informações directas, mas sim num código que eu, especialista, pois era criptólogo, inventara e lhe dera. Aproveitando a ida de um capitão da Força Aérea,

Ernesto Estevinho, a Ponta Delgada, entreguei-lhe um código, a que juntei as normas de utilização, e pedi que o transmitisse ao Otelo. Como pedido, no dia 24 de Abril, o Melo Antunes, ao chegar a casa depois do serviço, encontrou o telegrama que chegara dirigido à sogra: “Tia Aurora segue EUA 25.03.00”. Voltou ao Quartel General, entregou-me o telegrama e foi assim que os dois ficámos a saber que a acção militar seria desencadeada nessa mesma noite às três da manhã!Aconteceu que estava de "oficial de serviço" nesse dia. Enquanto o Melo Antunes regressava a casa, fiz o serviço mais rigoroso que alguma vez fiz na vida. Havia duas horas de diferença entre Lisboa e Ponta Delgada. Por isso, depois de encerrar o portão pela última vez, à uma da manhã, fui para o gabinete do oficial de serviço e sintonizei o rádio. Pensei, "se fosse eu, tentaria ocupar um posto de radiodifusão para duas finalidades. Para comunicar com a população e, em caso de emergência, para comunicar com as minhas forças no terreno. Será que o Otelo pensou o mesmo? E, se pensou, que emissora vai ocupar?". Fui ouvindo o rádio, de posto em posto, eram duas horas e vinte minutos. Termina a transmissão de uma música, verifico que o posto que estava sintonizado não é português, vou rápido à procura de

“Ao ouvir ‘aqui, posto de comando do Movimento das Forças Armadas...’, saltei como um louco, sozinho no gabinete, a gritar ‘Ganhámos! Ganhámos!’” um outro posto, caio na parte final de um comunicado "pede-se aos médicos que acorram aos hospitais, pede-se às pessoas que não saiam de casa"! E, começa uma marcha militar que desconhecia. Foram os dois ou três minutos mais longos da minha vida.Ansioso, percorro os três ou quatro metros do gabinete, para um e outro lado, vezes sem conta, murmurando "é nosso? É deles? É nosso? É deles?" De repente, para a música e ouço: "Aqui, posto de comando do Movimento das Forças Armadas..." O que aconteceu depois disso? Nomeei um aspirante miliciano, meu auxiliar na ligação aos milicianos, e a quem perguntara depois do jantar, no dia 24 se sabia rezar. Ainda me recordo bem das suas reacções "porque me pergunta isso, capitão"?

"Porque, se souber, mando-o rezar"! "Não me diga, não me diga que é hoje"! "Sim, é hoje! Vamos preparar tudo"! - para ouvir as rádios e me ir dando informações sobre a evolução das operações, enquanto eu e o Melo Antunes tratávamos de controlar tudo em Ponta Delgada, nomeadamente as atitudes do Almirante Comandante Chefe. E foi fundamentalmente através das notícias da BBC que fomos sabendo da evolução do que se passava no Continente. De realçar que não tivemos que executar os planos previstos, pois o Almirante acatou as nossas "ordens" e o Marcelo Caetano não conseguiu fugir para Ponta Delgada, como constava dos planos do poder, desde os tempos de Salazar. Regressei a Lisboa, no primeiro voo da TAP, cheguei às duas da manhã do dia 29, integrei-me no Comando da Direcção do MFA. Acabei por ser o único dos Capitães de Abril que pertenceu a todos os órgãos de direcção superior do Movimento, desde a primeira comissão coordenadora, escolhida a 9 de Setembro de 1973 em Alcáçovas, até ao Conselho da Revolução, extinto em Outubro de 1982. É um orgulho, mas, acima de tudo, uma honra que tenho! Continua na página seguinte


“Com o Otelo, correu bem! Comigo, não se sabe, falta fazer a prova!” Como encarou os tempos depois da revolução? O que o preocupava mais? Aguentar, não deixar que os derrotados recuperassem, não permitir que os oportunistas se aproveitassem e inviabilizassem o cumprimento dos principais objectivos: resolver o problema da guerra colonial, alcançando a paz. Estabelecer a democracia, garantindo eleições livres para uma Assembleia Constituinte, no prazo de um ano. Lançar as bases de um desenvolvimento que permitisse a construção de uma sociedade mais justa! Os três DDD, como ficou conhecido o Programa do MFA: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver! Como vê a polémica gerada em torno das comemorações deste ano? De uma forma simples: a extrema-direita, e mesmo alguma direita democrática, não gostam do 25 de Abril! É natural, nunca gostaram, foram afastados do poder! Mas, como o 25 de Abril, até por continuar a ser um acto único na História Universal, nunca acontecera, nem voltou a acontecer, algo semelhante, está no coração da grande maioria dos portugueses. Não é popular manifestarem-se contra! Daí que, salvo vozes muito isoladas, insignificantes, não têm coragem para assumir a sua oposição ao 25 deAbril, enquanto acto libertador! Por isso, aproveitam as emoções criadas com a crise viral, que obriga a enormes sacrifícios, o menor dos quais não é o de ter de estar confinado em casa, para, de forma populista, hipócrita, covarde e oportunista, virem esgrimir contra a evocação do 25 de Abril numa sessão solene da Assembleia da República. Escamoteando que a Assembleia não vai abrir, para essa sessão solene, pois o que acontece é que a Assembleia decidiu não encerrar no dia da Liberdade e decidiu comemorar solenemente esse dia "inteiro e limpo...". Isto é uma falácia, mas, nos dias de hoje, onde, face ao desmascaramento de uma mentira, se tem a lata de dizer "está bem, não aconteceu! Mas, podia ter acontecido"! O que lamento é ver democratas, amantes da Liberdade e da Democracia, amantes do 25 de Abril, deixarem-se arrastar nesta miserável jogada dos neofascistas que, apesar de não conseguirem impor-se na sociedade portuguesa, andam por aí. No seu texto “25 de Abril e a covid-19" faz referência ao Governo de Bolsonaro como desprestigiante

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não estava em causa, na mudança que se exigia.

REINALDO RODRIGUES/GLOBAL IMAGENS

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para as forças armadas do Brasil. Como vê actualmente, não só a liderança do Brasil, mas também outras que têm vindo a assumir posições controversas na gestão da pandemia? O que se está a passar nalguns países, não é mais que o desmascaramento da mediocridade dos líderes, a incapacidade e incompetência, o enorme erro cometido pelos povos que os colocaram no poder! Sinal dos tempos, onde os populistas, os traficantes de mentiras, das fake news, os imorais sem escrúpulos, têm conseguido enganar os respectivos povos. Pode parecer inconcebível, mas é um facto que pessoas como Trump, Bolsonaro, Jonhson e outros da mesma espécie foram eleitos para líderes dos seus países! A História dá-nos exemplos trágicos de situações semelhantes, o maior dos quais é Hitler! Confiemos que a história se não repita! No Brasil, em especial, porquê a minha atitude? Em primeiro lugar, porque o Brasil tem uma ligação muito especial com

“O que lamento (...) é ver amantes do 25 de Abril, deixarem-se arrastar nesta miserável jogada dos neofascistas [em relação às celebrações da revolução na Assembleia da República].”

Portugal. Em segundo lugar, o facto de Bolsonaro ser um militar e de as Forças Armadas brasileiras terem uma história bem triste, no que se refere a ditaduras. Por isso, eu manifestei a minha esperança para que os militares brasileiros percebessem que é hora de recuperar o prestígio das suas Forças Armadas, junto da sua população! Só assim, ficariam na História do Brasil em letras douradas. Se assim não for, agravarão a péssima imagem que já lá consta, devido à sua actuação na última ditadura militar que o Brasil conheceu e de que sofreu terríveis consequências. Tive o cuidado de apelar a uma solução política e democrática - estava a pensar no "Impeachment", até porque, se assim não for, virá uma nova ditadura militar. E eu continuo a preferir uma má democracia a uma "boa" ditadura! A minha esperança é que, depois de passar esta terrível "guerra" viral e global, as populações aprendam e encontrem soluções governativas em que os seus agentes sirvam e não se sirvam. E, aí, estes trastes populistas "irão à vida deles". O que é que uma crise desta natureza põe a nu, a nível social e político? Confio que esta crise ponha ao léu as asneiras que os homens vêm cometendo, quer no tipo de vida, quer no tipo de organização das sociedades. É inconcebível que hoje já existam mais ditaduras no mundo do que democracias. Hoje, parece-me pacífico que as pessoas irão meditar e reconhecer que não podem continuar a destruir a natureza, que não podem continuar a consumir como até aqui, que têm de se organizar privilegiando o colectivo em detrimento do indivi-

“Confio que esta crise ponha ao léu as asneiras que os homens vêm cometendo (...). É inconcebível que hoje já existam mais ditaduras no mundo do que democracias.” dual. Por isso, embora céptico, faço força para acreditar que muito irá mudar e que o mundo será melhor. À distância, como vê o impacto que o 25 de Abril teve em Macau naquele tempo e no percurso feito depois rumo à transição? Pessoalmente, nunca tive muitas ligações a Macau. Fiz duas visitas, uma em 1982, no âmbito de um curso de defesa nacional, outra em 1999, visita turística com a minha mulher e dois casais amigos. Tenho presente que as diferenças que encontrei, entre as duas visitas, foram de tal modo impressionantes que me deram uma ideia de como a vida avança nessas paragens. Durante a conspiração, tivemos contactos com oficiais que prestavam serviço em Macau, mais por motivos de relações pessoais do que por razões de conspiração. Macau não era problema, Macau

“O 25 de Abril tinha de ter influência no Estatuto de Macau. O Portugal imperial terminara.”

Após o 25 de Abril de 1974, recorda-se em que termos foram iniciadas as conversações com a China de forma a preparar a transição? Depois do 25 de Abril, Macau continuou a não ser um problema. Portugal tinha a noção de que, quando a China quisesse, o estatuto de Macau seria alterado, a China não pressionou. Ao contrário das colónias africanas e de Timor, tudo pôde ser feito com calma e com planeamento. Em Macau não havia guerra de libertação, não havia a premência de se ter de obter a paz. Nas colónias de África houve que acelerar o processo de independência e descolonização. E em Timor, apareceram os interesses imperialistas da Indonésia, apoiada pelos EUA e pela Austrália, formou-se um movimento independentista com timorenses regressados da Europa, nomeadamente de Portugal, foi uma tragédia com a ocupação e os massacres perpetrados pela Indonésia. Mas, o 25 de Abril tinha de ter influência no Estatuto de Macau. O Portugal imperial terminara, não fazia sentido manter o tipo de ligação que havia com Portugal e o 25 de Abril teve, de facto, influência, ajudando a encontrar uma solução que, pelo menos aparentemente, agradou a todas as partes: a Portugal, à China e aos portugueses e chineses que viviam e continuaram a viver em Macau. Foi essa a minha percepção de então, continua a ser a minha actual visão. E, não duvido, se agora, passados mais vinte anos, voltasse a Macau, voltaria a ter dificuldades em reconhecer a Macau de 1999. Como vê a relação que Portugal tem com a China através de Macau? Neste contexto, e admitindo uma evolução negativa nas relações entre o Ocidente e o Oriente, Portugal poderá, através de Macau ser um bom interlocutor, um bom intermediário, entre as duas partes. Pessoalmente, prefiro ver um futuro mais pacifico, mas, se ele se agravar, prefiro ver-nos no papel de amortizador do que num papel de porta de entrada para um qualquer "cavalo de Tróia"! Um último desejo, como Capitão de Abril: os valores que nos levaram, há 46 anos, a tudo arriscar e a escrever uma das mais belas páginas da História Universal, estão vivos, estão a demonstrar que podem servir, podem ser essenciais para a criação de um Mundo melhor. É essa a minha convicção, é essa a minha esperança. Pedro Arede

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sexta-feira 24.4.2020

NÃO HÁ ALTERNATIVA!

H

Carlos Morais José

Á 46 anos o povo português descobriu o significado de uma palavra, de uma ideia, de um conceito que, em toda a sua glória, constituiu o principal contributo de uma revolução: Liberdade. Como palavra, é algo ainda confuso, escondido atrás de outras palavras, pouco rigorosa, sujeita a numerosas interpretações. Como ideia, algo ainda perigoso porque sujeita a abusos, deturpações e mesmo apropriações por parte de quem antes exercia o poder e a odiava, embora nenhum pejo tivesse em dela se servir, principalmente para a destruir, anular ou, mais prosaicamente, colocar ao seu serviço. Como conceito, já a coisa pia mais fino, porque conceptualizar implica definir, isto é, traçar os limites. E, neste caso, traçar limites significa, tal como a regra de ouro, compreender que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro. Ora se isto não é, para alguns, fácil de entender, mais ainda se revela difícil de praticar. Não passa, obviamente, pelo exercício da liberdade para acabar com ela. Só que este óbvio hoje não é tão óbvio quanto isso. Desde os anos 80 que a liberdade, dos mercados por exemplo, se transformou em libertinagem ao serviço do capitalismo financeiro que usou e abusou a seu bel-prazer da falta de regulação e, nesse movimento, provocou crises atrás de crises, nas quais os grandes prejudicados são sem46 anos depois da pre os que constituem a grande massa que impostos, a saber, os mais pobres. emergência do sonho, damos paga As bolsas, os bancos com os seus criminosos por nós às portas de um produtos financeiros, com as suas jogadas de pesadelo. Mas é por isso bastidores, quase sempre com o beneplácidos políticos (como foi no caso do vermesmo que importa recordar to gonhoso Tratado de Lisboa), transformaram Abril, de onde vínhamos o processo de construção de uma sociedade justa, mais igualitária e mais democráe para onde queríamos mais tica, num sonho que hoje nos parece inalcanir. Importa não desistir. çável. O mercado rex devorou e devora este Importa resistir. Importa, e outros sonhos, entre os quais o da basilar humana. Assistimos, até neste apesar de tudo e contra dignidade momento de crise sanitária, à erupção de todos, manter o sonho vivo vozes que advogam o sacrifício da vida em nome da economia para alguns, insistindo na necessidade do crescimento imparável (não do desenvolvimento harmonioso) como se tal fosse fundamental e incontornável. Por esse crescimento somos capazes de sacrificar vidas humanas, o planeta e, no limite, a própria sobrevivência da espécie. A libertinagem económica tem simplesmente a ver com a liberdade do mais forte devorar o mais fraco, desumanizá-lo, fazer o indivíduo sujeito do lucro, roubando-lhe assim a possibilidade de uma vida realmente livre, em que cada um à partida teria as mesmas possibilidades de ascensão social. A meritocracia esfumou-se no seio da espertalhice, da sacanagem institucionalizada como se fosse assim e assim não pudesse deixar de ser. É o que foi crismado em TINA (there is no alternative), fundamentado pelas teorias dos Fukuyama de má memória e dos boys de Chicago, apoiantes de ditaduras onde o mercado só para alguns floresce, empestando o mundo com o seu fedor de plantas pútridas. Assim, aos poucos, assistimos ao murchar das democracias, à sua irrelevância política, à constatação de

que este género de capitalismo pode perfeitamente sobreviver e progredir sem elas ou apesar delas. 46 anos depois do 25 de Abril não haverá grande motivação para festejar, sim para resistir. Mas como? Como suster a vaga de fundo que um pouco por todo o lado se levanta e nos faz ver e prever um caminho sinistro, que os tolos se apressam a palmilhar e aplaudir, sem pensar duas vezes, sem leituras da História ou uma reflexão sóbria sobre os interesses que sem pudor se levantam para nos fazer regressar a valores do passado, desta vez alimentados por uma tecnologia que não controlamos e que, pelo contrário, cada vez mais controla todos os aspectos da nossa existência. Alguns, enojados com o espectáculo do mundo, prescrevem o distanciamento, o isolamento, num movimento comparável aos ditames dos homens que viveram a decadência do império romano. Se não os podes combater, afasta-te deles; vive a tua vida com os que te são queridos, alheia-te do mundo e das coisas, do consumismo desenfreado, numa busca desesperada pela simplicidade. Este poderá ser um caminho mas que antevejo difícil de realizar. Outros, de máscara, refugiados no anonimato, propõem-nos a revelação da verdade ou das verdades. Mas, num mundo intoxicado de informação, assente na libertinagem da opinião, é difícil distinguir onde pára realmente essa verdade e o combate acaba por se transformar em mais ruído, até porque é cada vez mais complicado e raro existirem instituições capazes de fazer valer a justiça e a equidade. Ou seja, o sistema está construído de modo a tudo absorver, incluindo a mentira descarada por parte daqueles que era suposto serem um esteio de veracidade. 46 anos depois da emergência do sonho, damos por nós às portas de um pesadelo. Mas é por isso mesmo que importa recordar Abril, de onde vínhamos e para onde queríamos ir. Importa não desistir. Importa resistir. Importa, apesar de tudo e contra todos, manter o sonho vivo. Sabemo-lo frágil. Sabemo-lo improvável. No limite, não importa perder a batalha, ser destruído nesta guerra. Importa saber que, apesar de prescindir de aparentes recompensas, só interessa a vida que se desenrola mais além do lucro, dos interesses mesquinhos e do exercício egoísta da maldade. Importa perceber e fazer perceber que o destino do outro ser humano está intimamente ligado ao meu. Que o século XXI será solidário. Ou não será. 25 DE ABRIL SEMPRE! Até porque não há alternativa.

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6 25 de abril

sempre

Uma pedra na

GAZETA MACAENSE BRAÇO-DE-FERRO

Fundado por Leonel Borralho, a Gazeta Macaense foi dos jornais de Macau mais visados pela censura do Estado Novo. Nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa, constam artigos e notícias cortados pela Comissão de Censura de Macau e cartas enviadas por Borralho ao Ministério do Ultramar e ao próprio Marcelo Caetano, sempre que o jornal era alvo de censura

O

órgão censor do Estado Novo fez a vida negra a alguns editores em Macau, com particular destaque para Leonel Borralho, falecido jornalista que fundou a Gazeta Macaense a 30 de Setembro de 1963. Os arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), em Lisboa, são um testemunho do constante braço-de-ferro entre Leonel Borralho, a Comissão de Censura de Macau (liderada pelo chefe de gabinete do Governador em funções) e o Ministério do Ultramar, em Lisboa. Borralho escrevia e criticava de forma feroz e a comissão cortava. De seguida, o jornalista queixava-se da leitura demasiado rígida da lei de imprensa por parte dos censores. As queixas chegavam a Lisboa através de cartas enviadas a Marcelo Caetano e ao Ministério do Ultramar. A 6 de Dezembro de 1968, Leonel Borralho escreveu a Marcelo Caetano a dar conta da sua insatisfação: “Numa altura em que na metrópole se concede mais liberdade à imprensa, permitindo que os órgãos de informação bem-intencionados contribuam com as suas críticas construtivas para o progresso da nação, nesta pequena parcela portuguesa no Oriente a censura à imprensa continua a depender do critério de um único indivíduo, presidente da Comissão de Censura à Imprensa.”

“Apesar de termos protestado várias vezes, e sempre com razão, a actuação da Comissão de Censura tem-se mantido inalterável.” Carta de Leonel Borralho ao então Ministro do Ultramar

Quatro dias depois, voltou a escrever a Marcelo Caetano a queixar-se do mesmo problema. Como se não bastasse confrontar o Presidente do Conselho, Leonel Borralho decidiu enviar, no mesmo dia, a mesma carta ao ministro do Ultramar, Joaquim da Silva Cunha. “Com a devida vénia, e pela segunda vez numa semana, tomamos a liberdade de enviar a vossa excelência a cópia da carta enviada a sua excelência, o senhor presidente do Conselho, professor doutor Marcelo Caetano, pedindo previdências sobre a actuação da Comissão de Censura de Macau.” Movido por um sentimento de injustiça, o jornalista explicou a razão para se dirigir directamente a Lisboa. “Sabemos que qualquer reclamação devia ser feita em Macau. No entanto, cumpre-nos acrescentar que consideramos tal reclamação pouco útil, pois, apesar de termos protestado várias vezes, e sempre com razão, a actuação da Comissão de Censura tem-se mantido inalterável, sempre baseada no critério do seu presidente e raramente segundo determina a lei de imprensa.”

O QUE FOI CENSURADO

O director fez questão de sublinhar o carácter patriótico da publicação. “Este jornal nunca negou o seu incondicional apoio à nação portuguesa - e jamais atraiçoou a política de Salazar, honrando o seu lema POR PORTUGAL, PELA VERDADE.” Apesar disso, não deixou passar em claro os "inúmeros dissabores com a comissão de censura”, mesmo em artigos “defendendo os interesses desta província e da mãe pátria”. Na mesma carta, Leonel Borralho identifica-se como jornalista com mais de 25 anos de experiência, nascido em Macau e que por duas vezes visitou Portugal Europeu e uma vez Angola, a convite do Governo Central. Um homem cuja idoneidade como bom português era comprovada pelos governadores que passaram por Macau após a II Guerra Mundial.

A grande maioria dos textos censurados da Gazeta Macaense eram de opinião. Por exemplo, num artigo intitulado “Paludismo”, Leonel Borralho procurou convocar uma reunião entre lavradores e cultivadores de Macau e expor a urgente necessidade de desinfectar zonas atingidas pela doença. A comissão de censura resolveu cortar o seguinte parágrafo: “como já afirmámos por várias vezes, não somos apologistas de medidas drásticas senão quando se encontrarem esgotados todos os meios suasórios. Caso a reunião a que nos referimos não terminar de modo a permitir que a campanha de desinfecção seja terminada sem obstáculos, então vemo-nos obrigados a sugerir que ela se faça com apoio policial de modo a garantir a integridade dos agentes sanitários responsáveis.” Num outro artigo de opinião, intitulado “Um futuro melhor”, o director a Gazeta Macaense mostrou-se revoltado com aquilo que diziam do jornal. “Atribuem à Gazeta Macaense nomes que repudiamos. Dizem que o jornal é isso e é aquilo,


sexta-feira 24.4.2020

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engrenagem

ENTRE LEONEL BORRALHO, A COMISSÃO DE CENSURA E A METRÓPOLE

pura e simplesmente porque este bissemanário, fiel ao lema que o norteia - POR PORTUGAL, PELA VERDADE - tem procurado sem amor nem temor contribuir dentro do possível para edificar um melhor futuro para esta cidade que já tanto sofreu. Possivelmente, o futuro que temos em vista difere bastante do dos que não vêem com bons olhos o que se escreve neste jornal.”

UM JORNALISTA “REFILÃO”

Na comunidade macaense Leonel Borralho é uma figura marcante. Miguel de Senna Fernandes, advogado e presidente da Associação dos Macaenses, primo afastado do jornalista, recorda-se do familiar refilão. “Ele não tinha papas na língua e utilizava o jornal para mandar tudo abaixo. A Gazeta Macaense nasce nos anos 60 e nessa altura ele já tomava posições bastante críticas em relação aos governadores.” No entanto, não era sempre assim. “A Gazeta Macaense funciona até aos anos 90 [fechou portas em 1993] e durante uns tempos, antes do 25 de Abril, ele era crítico, mas também comedido, porque caso contrário o jornal teria sido extinto”, aponta Senna Fernandes. O advogado recorda o familiar como indivíduo refilão, mas corajoso na defesa das posições que tomava. Por vezes, segundo Miguel de Senna Fernandes, o entusiasmo levava a melhor e o jornalista excedia-se, sobretudo depois do 25 de Abril. Apesar de tudo, é lembrado como “um defensor acérrimo das coisas de Macau, olhava, tal e qual como o meu pai e outros macaenses, com alguma desconfiança para todos os governadores que vinham”, lembra o macaense.

UM JORNAL “DO POVO”

Apesar de na altura já existir O Clarim e o Notícias de Macau, os arquivos do MNE mostram que a censura incidia com maior intensidade e frequência na Gazeta Macaense. “O Notícias de Macau era mais conservador e o próprio dr. Carlos D’Assumpção chegou a estar por detrás do jornal anos mais tarde. Era conotado com a direita e o meu pai [Henrique de Senna Fernandes] escrevia para lá. Na altura, a Gazeta era a voz do povo, um pouco mais para o rebelde”, recorda Miguel de Senna Fernandes.

“A imprensa de Macau dedicava a maior parte das suas páginas ao noticiário internacional e às notícias de Portugal que chegavam a Macau já filtradas pela censura através da Agência ANI.” JOÃO GUEDES JORNALISTA

João Guedes, jornalista e autor de vários livros sobre a História de Macau, também recorda a importância do jornal que foi semanário, bissemanário e diário. “A partir da primeira metade dos anos 70 a Gazeta era tão importante quanto era o único jornal diário e Leonel Borralho o único jornalista profissional. O outro era Herman Machado Monteiro, que morreria pouco antes do 25 de Abril de 1974. Para além desses dois, não havia jornalistas profissionais. Alberto Alecrim da Emissora de Rádio Macau, ainda que exercendo funções de certo modo similares, não era jornalista, mas sim locutor e funcionário público.”

Leonel Borralho era uma “figura controversa” que, além de proprietário do jornal, era também deputado à Assembleia Legislativa para “a qual foi eleito pelo JIMA, a associação dos macaenses ‘pobres’como gostava de se considerar, tendo sido eleito com 64 votos”.

DEPORTAÇÃO PARA AS ILHAS

João Guedes recorda ainda o momento em que Leonel Borralho foi deportado para as ilhas pelo Governador, devido ao trabalho como correspondente da agência UPI. O motivo foi o envio de uma notícia para a UPI sobre um atentado bombista num casino alegadamente da autoria de uma tríade. “A censura era feita pelo chefe do gabinete do Governador, o que quer dizer que era feita pelo próprio Governador e apenas se exercia sobre as notícias locais. Borralho era um fervoroso adepto do regime.Acensura cortava-lhe as notícias sempre que este revelava trafulhices locais ou coisas que o Governador e restantes chefes de repartições não queriam que se soubesse”, adiantou João Guedes. Num território distante da metrópole, as notícias chegavam já censuradas desde a origem. “A imprensa de Macau dedicava a maior parte das suas páginas ao noticiário

“Ele não tinha papas na língua e utilizava o jornal para mandar tudo abaixo. A Gazeta Macaense nasce nos anos 60 e nessa altura ele já tomava posições bastante críticas em relação aos governadores.” MIGUEL DE SENNA FERNANDES ADVOGADO E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS MACAENSES

internacional e às notícias de Portugal que chegavam a Macau já filtradas pela censura através daAgênciaANI. O restante noticiário chegava, ao que sei, pela Reuters, mas mais pela UPI”, rematou João Guedes.

PAGAR PARA NÃO ESCREVER

Apesar de ser alvo da comissão de censura, Leonel Borralho terá recebido dinheiro de inúmeras entidades e personalidades para não escrever notícias sobre eles. “Dizia-se que recebia mensalmente 5 mil patacas da Sociedade de Turismo e Diversões

de Macau para não publicar notícias más sobre o casino. Além disso, recebia avenças de várias personalidades e instituições para o mesmo efeito. Um importante empresário local pagava-lhe sempre que ele ameaçava revelar na Gazeta as suas origens humildes. Era de facto muito controverso, mas Macau era assim”, aponta João Guedes. O território era, à época, “uma aldeola”. Tinha apenas 200 mil habitantes e três jornais - Gazeta Macaense, Notícias de Macau e O Clarim, que “ignoravam por completo o que se passava na comunidade chinesa”. João Guedes descreve uma sociedade fechada, com uma comunidade portuguesa que tinha entre duas a três mil pessoas. “O Governador não tinha secretários como hoje e tudo funcionava em circuito fechado. Os jornais, por exemplo, eram distribuídos pelas repartições públicas e praticamente não se vendiam nas bancas. Quanto à população portuguesa era constituída esmagadoramente por funcionários públicos civis e militares, que, por isso, eram incondicionais da ditadura. A sociedade civil, na prática, não existia.” O arquitecto José Maneiras recorda uma época de tertúlias e em que se falava à vontade, excepto quando se avistava alguém da União Nacional, altura em que o tópico de conversa desviava para o tempo, futebol ou mulheres. “Não havia censura do que se falava, porque o que se falava na rádio já estava tudo censurado. Ouvíamos a BBC de Hong Kong, por isso sabíamos tudo o que se passava em Portugal independentemente das notícias que nos chegavam”, contou ao HM. Tal como João Guedes, também o arquitecto fala de uma sociedade marcada por um enorme distanciamento geográfico e quase nenhuma oposição ao regime vigente. “As pessoas em Macau estavam muito longe. Os macaenses, de uma maneira geral, eram funcionários [públicos] e já estavam habituados a uma submissão de séculos. A comunidade chinesa pagava as taxas e licenças e não queria saber de nada do que se passava em Portugal.” Andreia Sofia Silva

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8 25 de abril

sempre

ESTADO NOVO A IMPORTÂNCIA “RESIDUAL” DE MACAU PARA A CENSURA

OS LOUCOS ANOS Apesar de existir uma comissão de censura liderada pelo chefe de gabinete do Governador, Macau só passou a ter mais importância para o aparelho de censura do Estado Novo a partir dos anos 60, depois da invasão de Goa, Damão e Diu e da Revolução Cultural na China. Washington e a CIA também estavam atentos à censura que se fazia aos jornais locais e de Hong Kong

A

censura em Macau ganhou novos contornos a partir da década 60, por dois motivos principais: a Revolução Cultural chinesa e a invasão, pela União Indiana, de Goa, Damão e Diu. “Não havia muitos elementos da PIDE [em Macau]. Sei que a preocupação principal da política externa e da política relativamente a Macau da parte portuguesa é, sobretudo, a partir de 1966 com a Revolução Cultural chinesa. Havia também uma grande preocupação que acontecesse a mesma coisa que aconteceu na Índia, quando a União Indiana invadiu os territórios de Goa, Damão e Diu. Havia muito esse medo que a República Popular da China invadisse Macau, coisa que nunca aconteceu porque não convinha à China”, disse a historiadora Irene Pimentel HM. Também João Guedes classifica a importância de Macau como residual. “O território não conhecia nenhuma situação de guerra. Quem estava mais atento à situação de Macau era o então Ministério do Ultramar, que tinha uma secção dedicada aos assuntos de Macau. O Ministério dos Negócios Estrangeiros também dispensava alguma atenção a Macau principalmente por causa de Hong Kong e da China”, acrescentou. Também os jornais chineses não escaparam à comissão de censura de Macau, mas foi algo que terminou em finais de 1966, quando se dá o tumulto 1,2,3. “O jornal Ou Mun, tido como porta-voz do Partido Comunista Chinês, deixou de ir à censura na sequência dos tumultos. A censura exercida sobre os restantes jornais chineses era duvidosa, já que publicavam abertamente textos que noutra qualquer colónia portuguesa

levariam ao imediato encerramento do jornal e à prisão dos jornalistas”, destaca João Guedes. Extinta em finais dos anos 80, a Repartição dos Assuntos Chineses era responsável pela censura aos jornais chineses, recorda o jornalista. Esta entidade “enviava resumos do que ali se escrevia, os quais eram por seu turno endereçados ao Governador, comandante militar, comandante da estação naval e ao Administrador do Concelho”. “A partir destes eram enviados para quem fosse julgado competente para os conhecer, nomeadamente os funcionários da PIDE que exerciam funções em Macau a coberto da Secção de Informações da Polícia de Segurança Pública”, frisou.

O OLHAR DA CIA

Apesar importância crescente a partir dos anos 60, tal não invalidou a censura em anos anteriores, como se pode comprovar num relatório da Central Intelligence Agency (CIA), datado de 10 de Dezembro de 1946. O documento tem como título “Informação política: censura dos jornais em Macau”, e pode ser consultado nos arquivos online da agência. São apenas dois parágrafos que falam da censura decretada pela metrópole, Lisboa. “Todos os jornais, revistas e periódicos publicados, ou que chegam a Macau para venda ao público, estão sujeitos a uma censura restrita sob ordens de Lisboa. O nome do órgão censor é ‘Comissão de Censura’, liderado por Telles de Vasconcelos, o chefe de gabinete do Governador.” O documento descreve ainda que “todas as notícias que não estão em conformidade com assuntos internos ou ‘que põem em perigo a paz e ordem’ são suprimidas”. O segundo parágrafo destaca a atenção dada à imprensa estrangeira publicada no território. “O jornal de língua chinesa Hua Chiao Pao não foi autorizado a aparecer a 14 de Outu-

60 24.4.2020 sexta-feira

bro porque atacou repetidamente Li Ping-shi, o secretário-geral da sede do partido Kuomitang em Hong Kong. O jornal de Hong Kong China Mail, de 6 de Agosto, foi confiscado porque um artigo da autoria de Lady Margaret Stewart ostracizou o regime de Salazar em Portugal. O China Mail de 14 de Outubro foi confiscado porque continha um artigo da AP que analisava os factores políticos opostos ao regime de Salazar.” O mesmo relatório descreveu que a revista Time foi banida de Macau desde 7 de Outubro de 1946. “Há cerca de dois meses uma edição da revista Time ficou retida durante alguns dias pela censura porque continha um artigo sobre o Governo português. Devido aos atrasos da censura relativamente aos jornais de Hong Kong, que chegam a Macau todos os dias à mesma hora, surgem no mercado

pela seguinte ordem: South China Morning Post em primeiro lugar, com o China Mail a aparecer entre uma a duas horas depois, e finalmente os jornais de língua chinesa.”

IMPÉRIO “NÃO FOI PRIORIDADE INICIAL"

Daniel Melo, investigador da Universidade Nova de Lisboa e autor de vários trabalhos sobre censura nas colónias portuguesas, contou ao HM que, a Oriente, “Macau e Goa estavam então no topo das preocupações da política externa (e interna) portuguesa, dado a onda descolonizadora que varreu a Ásia e o seu potencial geoestratégico”. No artigo “A censura salazarista e as colónias: um exemplo de abrangência”, publicado em 2016 na Revista de História da Sociedade da Cultura da Universidade de Coimbra,

é descrito que “houve colónias mais importantes do que outras, estando na linha da frenteAngola, Moçambique, Índia Portuguesa e Macau por razões geoestratégicas”. Enquanto que Angola fazia um “envio sistemático” dos cortes feitos pela Comissão de Censura para o Ministério do Ultramar, ao longo da década de 60, “Macau fê-lo menos regularmente”. O autor destaca o facto de que “para o salazarismo o Império não foi uma prioridade inicial em termos de políticas públicas, o que acabou por condicionar a própria política de controlo de informação, que existia desde 1926”. Além disso, nas colónias havia “um público leitor bem mais reduzido do que na metrópole, assim como uma oferta menor”, além de que constituíam “uma periferia da nação e, portanto, um território com menor capacidade de influência e com uma estrutura estatal mais fraca”.

CLARIM CENSURADO

“O jornal de Hong Kong China Mail, de 6 de Agosto, foi confiscado porque um artigo da autoria de Lady Margaret Stewart ostracizou o regime de Salazar em Portugal.” CIA

Em “Imperial taboos: Salazarist censorship in the Portuguese colonies”, capítulo do livro intitulado “Media and the Portuguese Empire”, Daniel Melo fala de “um intenso pico [de censura] nos anos 60, quando rebentou a guerra colonial, com exemplos de fotografias de pessoas mortas banidas” bem como “a crítica aos soldados portugueses e as referências às negociações da transferência de soberania de Macau para a China”. Daniel Melo faz também referência ao semanário O Clarim, propriedade da Diocese de Macau. O jornal publicava o suplemento “Religião e Pátria” que foi suspenso por ordens do Governador durante quase um ano, entre 26 de Maio de 1955 e 5 de Fevereiro de 1956. Este episódio surge descrito na obra “A Imprensa Periódica Missionária no Período do Estado Novo (1926–1974)”. Andreia Sofia Silva

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política 9

sexta-feira 24.4.2020

ORÇAMENTO APROVADA SEGUNDA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO

também levantaram dúvidas. Vale a pena lembrar que os desempregados locais podem auferir um subsídio de 6.656 patacas, enquanto no final das formações dirigidas aos trabalhadores activos locais estes podem receber 5.000 patacas. Em causa, estiveram as áreas abrangidas pelos cursos, nomeadamente por muitos serem voltados para a construção civil.

Pedir por mais GCS

Críticas à exclusão de sectores da sociedade e pedidos de mais apoios dominaram o debate da segunda proposta de lei com alterações ao orçamento de 2020. Mas apesar de não terem sido asseguradas mais medidas, o documento foi aprovado sem votos de oposição

“Cada empregado representa uma família, e cada empresa está a representar várias famílias.” LEI WAI NONG SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS

A

segunda proposta de alteração à lei do orçamento de 2020 foi ontem aprovada na especialidade, depois de saltar a discussão em comissão. Um procedimento pouco habitual que resultou de o plenário ter adoptado processo de urgência. Foi assim dada viabilidade ao fundo de 10 mil milhões dos recursos financeiros da Fundação Macau para serem usados em medidas contra a epidemia. As políticas já anunciadas vão abranger, por exemplo, um subsídio a dar aos trabalhadores por conta de outrem e uma segunda ronda de vales de consumo. Mas foram vários os deputados a pedir mais apoios. Uma das críticas apontadas ao longo do debate centrou-se em haver sectores da sociedade que consideram ter sido esquecidos pelas medidas adoptadas. “O Governo vai ponderar ou não dar apoio ou lançar a terceira ronda de medidas de apoio económico?”, questionou Sulu Sou. O democrata apontou que há trabalhadores desempregados que não conseguem beneficiar das medidas,

e que têm dificuldade em encontrar um trabalho por causa da epidemia. Uma preocupação partilhada por Au Kam San. No entanto, o secretário para a Economia e Finanças não revelou mais apoios. “Têm de compreender que para além de estabilizar o emprego e a economia, cada empregado representa uma família, e cada empresa está a representar várias famílias”, defendeu Lei Wai Nong.

No âmbito dos cartões de consumo para os residentes no exterior, o secretário esclareceu ontem que a intenção é, caso haja condições, que quem não conseguiu pedir o primeiro subsídio possa requerê-lo na segunda fase, já que “mais consumo vai beneficiar a economia”. Por outro lado, os deputados alertaram para possíveis abusos por parte dos empregadores no que toca à distribuição dos subsí-

dios. Nesta vertente, Au Kam San alertou que os trabalhadores não se podem queixar sob pena de serem despedidos. E Leong Sun Iok pediu para se prever a devolução do subsídio quando haja dívidas aos trabalhadores, a ser usado para lhes pagar.

ALARGAR FORMAÇÃO

Os programas de formação subsidiada, lançados pelo Governo,

EMPREGO DEPUTADOS PREOCUPADOS COM FUTURO DOS JOVENS

“P

ARA os jovens que concluíram o ensino secundário e o ensino superior e que pretendem ingressar no mercado de trabalho, o apoio do Governo é manifestamente insuficiente”, criticou ontem Lam Lon Wai no período antes da ordem do dia. No seu entender, o Governo deve avançar com um novo plano de cursos de formação que aumente as vagas e as áreas de traba-

lho, passando a abranger recém-graduados. E sugeriu ser dada formação pré-profissional aos estudantes, para ajudar a resolver os problemas de emprego decorrentes da epidemia. Também Chan Hong lamentou o estado do mercado de emprego, que classificou como “lastimável”. “Alguns trabalhadores têm apenas trabalho parcial, entraram em licença sem

vencimento, ou foram até despedidos. Neste contexto, os finalistas universitários vão certamente enfrentar grandes dificuldades na procura de emprego”, descreveu. Estimando que Macau vai contar com mais quatro mil finalistas universitários este ano, considera que “merece séria reflexão” o apoio a encontrarem emprego. A deputada apontou que se devem incentivar

as empresas a criar postos para estagiários, de forma aumentar a sua experiência. “Sugere-se ao Governo que proceda a um inquérito sobre o emprego e a criação de negócios por parte dos recém graduados (...). As autoridades podem promover a fórmula ‘internet + emprego e empreendedorismo’, para criar um sistema informático de rede de emprego”, disse na sua intervenção.

A preocupação com o futuro dos jovens alargou-te ainda à compra de casa. “Estamos numa era em que não se consegue uma casa, mesmo apertando o cinto e comendo massa instantânea todos os dias. Quando a maioria das pessoas vive a pagar prestações, o desenvolvimento diversificado e a inovação da sociedade ficam asfixiados”, criticou Sulu Sou.

“Espero que as vagas e o âmbito das acções de formação sejam alargados para elevar assim a capacidade dos trabalhadores”, frisou Leong Sun Iok na sua declaração de voto. Chan Iek Lap perguntou se se será a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais a escolher os cursos, ou se segue a recomendação dos trabalhadores. Já a deputada Agnes Lam, mencionou que ao nível do turismo há taxistas a querer aprender inglês. Em resposta, Lei Wai Nong deu a entender que serão abrangidas diferentes competências, entre as quais as linguísticas e as qualidades técnicas. Mas remeteu os pormenores para o regulamento administrativo. “Esperamos facultar diferentes opções”, disse, acrescentando que vão ponderar “aditar elementos nas acções de formação para os profissionais quer no activo, quer desempregados”. Para além disso, o secretário revelou que 40 dos 50 formandos da primeira fase já conseguiram emprego, avaliando que a iniciativa “surtiu efeito”. Salomé Fernandes

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Cidade inteligente Muito por fazer

Angela Leong defendeu ontem que “estamos ainda longe da cidade inteligente” e que o Governo deve exigir aos operadores de telecomunicações que reforcem a segurança da rede para promover o pagamento electrónico de serviços. O objectivo passa por permitir às pessoas pouparem tempo, e as pequenas e médias empresas poderem reduzir custos ao informatizar as operações de tesouraria. Por sua vez, Wang Sai Man sugeriu que o Executivo divulgue as tecnologias do 5G para eliminar as dúvidas dos cidadãos, que “estão preocupados com o facto de a exposição ao campo electromagnético poder afectar a saúde”.


10 política

24.4.2020 sexta-feira

Até à casa partida

HABITAÇÃO ECONÓMICA REQUERIDO TEMPO MÍNIMO A RESIDIR NA RAEM

Sete anos em Macau

Song Pek Kei pede legislação para evitar monopólios

A figura do representante do agregado familiar vai deixar de existir para evitar “dúvidas sobre quem é o proprietário” e obrigar à existência de um candidato que assuma a compra. Os candidatos têm de ser residentes permanentes e ter vivido em Macau durante, pelo menos, sete anos o candidato para evitar dúvidas sobre o direito de propriedade”, referiu Ho Ion Sang.

TIAGO ALCÂNTARA

A

S candidaturas à compra de fracções de habitação económica vão ter de ser assumidas individualmente em todos os casos. Foi esta a principal conclusão a que chegou ontem a 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), depois do novo texto do Governo da lei da habitação económica excluir os conceitos de agregado familiar e de representante de agregado familiar. Segundo Ho Ion Sang, presidente da comissão, o lugar do contraente no contrato promessa de compra e venda passa a ser assumida pelo candidato, “desde a apresentação da candidatura até à celebração do contrato”. Isto, porque na lei actual, essa posição pode ser assumida pelo representante do agregado familiar ou por outro, desde que indicado no boletim de candidatura. “É o candidato que assume a posição do contraente. Esse contraente é uma pessoa singular e não o representante do agregado familiar que vai celebrar o contrato. Isto quer dizer que, no futuro, o Governo só vai atender as pessoas singulares”, explicou Ho Ion Sang.

PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS

Os candidatos em nome individual podem candidatar-se a partir dos 23 anos, ao passo que quem concorre com agregado familiar deve ter 18 anos

Sobre o tempo mínimo de residência, Ho Ion Sang revelou que serão considerados válidos apenas os candidatos que sejam residentes permanentes e que tenham vivido em Macau durante, pelo menos, sete anos, consecutivos ou intercalados. Recorde-se que os candidatos em nome individual podem candidatar-se a partir dos 23 anos, ao passo que quem concorre com agregado familiar deve ter 18 anos.

De acordo com o deputado, a celebração de contratos apenas a pessoas singulares, tem como objectivo evitar dúvidas sobre quem é o proprietário e impedir que sejam os mais velhos a assumir a posição de candidato. “Muitas vezes as pessoas concorrem com os idosos na posição de candidato e depois de adquirida uma habitação económica, acabam os jovens por residir na habitação. As famílias ou os agregados têm de decidir quem é

Apoio Social Aliança de Povo aplaude casas para idosos A associação Aliança de Povo de Instituição de Macau apoia a ideia do Chefe do Executivo de construir habitações para os idosos, segundo o presidente da direcção Lei Leong Wong. Em declarações, ao Jornal do Cidadão, o líder associativo ligada a Chan Meng Kam acredita que a opção de fazer apartamentos com condições de mobilidade mais acessíveis para os idosos é uma das

grandes necessidades da sociedade. Lei Leong Wong apontou mesmo que muitas pessoas mais velhas têm dificuldades de deslocação por não terem elevadores nos prédios. No entanto, Lei apontou a necessidade de os apartamentos terem em conta a real necessidade das pessoas, um ponto que o presidente da associação sugeriu serem estudadas durante os censos de 2021.

Os deputados querem ainda saber se o Governo lucra ou não com a venda de habitações económicas. Para isso, a comissão pediu que o Executivo facultasse os custos de construção, custos de venda e também as receitas totais com os complexos de Cheng Tou, Cheng I, Iat Fai, Fai Ieng e bairro da Ilha Verde. “Quando um cidadão compra uma habitação económica, será que o Governo está a perder dinheiro (…) ou os cidadãos estão a lucrar com a compra da habitação económica?”, apontou. Ho Ion Sang revelou ainda que o preço de venda das fracções vai passar a ser fixado por despacho do Chefe do Executivo, tendo em conta o prémio de concessão do terreno, o custo de construção e os custos administrativos. No entanto, a lei dá margem de manobra para fixar os preços de venda de forma a garantir que o preço não é elevado e há articulação com “as novas ideias para a classe média”. Pedro Arede

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H

OJE em dia, tudo é caro em Macau”. Não é um comentário invulgar, mas a frase foi ontem proferida na Assembleia Legislativa por Song Pek Kei. Alertando para os preços das casas, da carne de porco, e até dos legumes, a deputada observou a necessidade de aperfeiçoar regras jurídicas de fiscalização, e apelou para que se acelere a criação de uma lei contra o monopólio. “Agora, um barril de petróleo pode atingir um preço negativo, mas uma botija de gás butano continua a custar 222 patacas. Em Macau, tudo é importado, e é normal que o aumento seja mais rápido do que a redução. Os cidadãos apenas podem “engolir” e é pior no caso das camadas inferiores”, explicou ao intervir no período antes da ordem do dia. Assim, a deputada quer estabilizar o fornecimento das importações face às flutuações económicas externas, sugerindo que Macau procure o apoio de empresas de financiamento chinês para alargar os canais de abastecimento. Song Pek Kei aproveitou ainda para pedir a liberalização do mercado, de forma a que “mais empresas participem no fornecimento de produtos frescos e vivos, e desenvolver o mecanismo de concorrência justa, para melhor garantir a vida da população”.

CONTRA OS GRANDES

Os pedidos da legisladora seguiram-se aos elogios em relação às expectativas da sociedade sobre o actual Governo, que decorrem de este “fazer face aos actuais problemas de desenvolvimento” e ter “coragem de resolver as questões difíceis que envolvem os interesses adquiridos, isto é, exigir às empresas do jogo que assumam responsabilidades sociais”. A intervir em particular sobre os preços dos produtos petrolíferos, Agnes Lam indicou que o fornecimento está sob o controlo de “determinadas empresas”, encorajando o Governo a rever a legislação para evitar o acordo de preços entre estas instituições. A deputada reiterou que os cidadãos têm criticado a lenta diminuição dos preços e quis saber se a fiscalização vai ser transparente. Na sua intervenção, ponderou ainda se o fornecimento destes produtos poderá ser integrado no sector público, ou se o regime de acesso ao mercado será mudado para se introduzir competitividade. Salomé Fernandes

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sociedade 11

sexta-feira 24.4.2020

A

concessionária Sands China, proprietária do Venetian, registou um prejuízo de 1,33 mil milhões de patacas durante o primeiro trimestre do ano, devido ao impacto do Covid-19. Os resultados da empresa foram anunciados ontem e contrastam com o lucro de 4,47 mil milhões de patacas registado no mesmo período do ano passado. Na apresentação das contas aos analistas, SheldonAdelson, principal accionista do grupo, reconheceu que nunca tinha visto nada como esta pandemia em 70 anos como empresário. “A pandemia do Covid-19 não tem paralelo com nada que tenha vivenciado ao longo da minha carreira como empresário”, admitiu. Apesar da situação, o norte-americano de 86 anos recusa a ideia de suspender o investimento de 17,7 mil milhões de patacas que está a ser realizado na construção do casino Londrino, no Cotai, assim como na renovação de algumas suites para grandes apostadores. Em causa, segundo o empresário, está não só a aposta para crescer no futuro mas também o auxílio à economia da RAEM. “Acreditamos que são investimentos que vão reforçar a nossa liderança no mercado e permitir criar as bases para continuarmos a crescer, assim que a indústria do turismo esteja de regresso à normalidade”, afirmou sobre a opção. “Com o nosso esforço para acelerar o investimento em Macau vamos assumir a nossa parte no apoio à economia local e preparar-nos para liderar o processo da retoma do turismo”, acrescentou.

SANDS CHINA PERDAS DE 1,33 MIL MILHÕES DE PATACAS ATÉ MARÇO

À espera do sol

Violência doméstica Registados 46 casos durante o ano passado

Sheldon Adelson garante que empresa não vai cortar no investimento de 17,7 mil milhões de patacas no Cotai e quer liderar a retoma do turismo local

Máscaras Jorge Valente aposta na produção

O empresário macaense Jorge Valente vai produzir máscaras e outros materiais de protecção investindo cerca de 5 milhões de patacas numa fábrica situada na zona da Areia Preta. À TDM Rádio Macau, o empresário adiantou que a produção pode arrancar já em Maio com uma média de 141 máscaras produzidas por dia, e que depois poderão ser feitos fatos de protecção. “Que eu saiba não há nenhuma [fábrica que produza este tipo de materiais], aliás, estamos em fase de testes e de lançamento. Hoje apenas vamos mostrar tudo o que temos, mas antes de produzir ainda é preciso muita coisa. Temos tudo em Macau, a máquina e o material mas não vamos começar a produzir hoje.” Apesar desta iniciativa, o empresário disse que não espera ver tão cedo o retorno do seu investimento.

QUEBRA NAS RECEITAS

Além das perdas de 1,33 mil milhões de patacas, em relação aos casinos de Macau a empresa apresentou uma redução das receitas de 65,1 por cento face ao primeiro trimestre de 2019, que este ano foram de 6,5 mil milhões de patacas. Quanto à retoma da economia, Sheldon Adelson mostrou-se confiante em Macau, não só devido às medidas de prevenção, mas também porque considera que na Ásia a experiência da SARS,

Sheldon Adelson, Sands China “Acreditamos que vai haver uma certa compensação porque as pessoas querem recuperar o tempo perdido, em que ficaram em casa. E as pessoas na Ásia gostam mais de jogar.”

em 2003, e da MERS, em 2012, facilitam a retoma. “O mercado asiático é o melhor. Em primeiro lugar, as agências de turismo já lidaram com outras situações

de vírus anteriormente e estão mais preparadas para a retoma da actividade”, sustentou. “Acreditamos que vai haver uma certa compensação porque as pessoas querem recuperar

o tempo perdido, em que ficaram em casa. E as pessoas na Ásia gostam mais de jogar”, sublinhou. João Santos Filipe

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SERVIDOS DE SAÚDE PORTUGUÊS INFECTADO JÁ TEVE ALTA E VAI PARA COLOANE

O

português de 32 anos que foi confirmado como o 37.º caso de Covid-19 em Macau, após regressar de umas férias em Portugal com a noiva sul-coreana, teve alta ontem à tarde, de acordo com a informação dos Serviços de Saúde (SSM), divulgada na conferência de imprensa diária sobre a pandemia. “Quando chegou a Macau, pela Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau,

O Instituto de Acção Social (IAS) registou 46 casos de violência doméstica em 2019, sendo que 26 correspondem a violência entre casais e 14 são casos de violência contra crianças. Os números, divulgados ontem pelo canal chinês da Rádio Macau, mostram também que grande parte dos actos são de violência física, um total de 27, ou seja, 60 por cento. Em nove casos houve vários tipos de violência, quatro casos de assédio psicológico, três casos de violência de teor sexual e ainda três casos de negligência.

não foi logo diagnosticado. Mas a noiva foi, por isso ele foi logo posto de quarentena por ser considerado uma pessoa de contacto próximo [com um infectado]”, recordou Alvis Lo Iek Long, médico-adjunto da direcção do Centro Hospitalar Conde São Januário. Após ser internado, o homem apresentou sempre sintomas ligeiros e nunca chegou a desenvolver

pneumonia, como confirmou o médico. “A infecção nem sempre resulta em pneumonia, porque pode ser grave ou ligeira. Quando é ligeira os sintomas são leves e podem nem surgir [...] Neste caso nunca chegou a haver pneumonia”, indicou Alvis Lo. Apesar de ter tido alta, o português vai ficar em quarentena durante mais 14 dias no Alto de

Coloane como tem sido prática com todos os casos confirmados. Este procedimento visa garantir que não há uma recaída. Entre os 45 casos confirmados em Macau, apenas 18 pessoas continuam internados por ainda estarem infectados, os restantes tiveram alta. A RAEM registou ontem o 15.º dia consecutivo sem qualquer caso detectado.

Vales de saúde Pedido aumento de penas para burlas

Mak Heng Ip, membro do Conselho Consultivo de Serviços Comunitários do Norte, apelou à população para que não utilize os vales de saúde de forma ilegal e para outros fins que não estejam relacionados com tratamentos médicos. Ao mesmo tempo, pediu às autoridades para que fiscalizem a utilização apropriada de fundos que têm origem no erário público. Foi desta forma que o membro do conselho consultivo reagiu ao caso em que 12 suspeitos aceitaram vales de saúde de mais de 11 mil pessoas para a compra de mariscos, gerando ganhos de 9 milhões de patacas. Já sobre a ocorrência deste tipo de ilegalidades, Mak Heng Ip apontou a necessidade de o Governo adoptar penalizações mais rígidas e sustentou que as constantes ilegalidades nascem do facto da execução da lei não ser a mais desejada.


12 coronavírus

(À HORA DO FECHO DA EDIÇÃO)

TOP 20 DOS PAÍSES

57974 Em estado crítico

2659163

730393

Infectados (total cumulativo)

COM MAIS CASOS 849092

Espanha

213024

Itália

187327

França

159877

Alemanha

150773

Reino Unido

133495

Turquia

98674

Irão

87026

China

82798

Rússia

62773

Brasil

46348

Bélgica

42797

Canadá

40190

Holanda

35729

Suiça

28496

Portugal

22353

Índia

21797

Perú

19250

Suécia

16755

Irlanda

16671

Áustria

15002

Curados

Co novel

1743309 Infectados

(total cumulativo)

E.U.A.

24.4.2020 sexta-feira

(casos activos)

1201 Curados

820 PORTUGAL

Mortos

PAÍSES LUSÓFONOS (total cumulativo)

Portugal

22353

Brasil

46348

Moçambique

41

Angola

25

Guiné-Bissau

50

Timor-Leste

23

Cabo Verde

82

São Tomé e Principe

4

PORTUGAL

países sem casos de nCov

Infectados (casos activos)

18 MACAU

PAÍSES ASIÁTICOS (total cumulativo)

China

82798

China | Macau

45

China | Hong Kong

1036

China | Taiwan

427

Coreia do Sul

10702

Japão

11950

Vietname

268

Laos

19

Cambodja

122

Tailândia

2839

Filipinas

6981

Myanmar

127

Malásia

5603

Indonésia

7775

Singapura

11178

Borneo

138

20332

países com casos de nCov

Infectados (casos activos)

27 Curados

HONG KONG

333 Infectados

Macau

(casos activos)

4

HONG KONG

699 Curados

Hong Kong

Mortos


coronavírus 13

sexta-feira 24.4.2020

65511

ovid-19 l coronavírus

Casos suspeitos

179047 Mortos

0 1-9 10-99 100-499 500-999 FONTES:

+1000

• https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/ opsdashboard/index.html#/ • https://www.who.int/emergencies/diseases/ novel-coronavirus-2019/situation-reports bda7594740fd40299423467b48e9ecf6 • https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/ index.html • https://www.ecdc.europa.eu/en/geographical-distribution-2019-ncov-cases • http://www.nhc.gov.cn/yjb/s3578/new_list.shtml • https://ncov.dxy.cn/ncovh5/view/pneumonia

Ocorrências nas áreas afectadas

Dados actualizados até à hora do fecho da edição

Covid-19 vs SARS

CHINA NÚMERO DE INFECTADOS E MORTOS POR REGIÃO

2.000.000 150.000 100.000 75.000 50.000 25.000 12.500 0

20

40

60

dias dias dias Dia em que a OMS recebeu os primeiros avisos do surto

80

dias

100

dias

120

dias

REGIÃO Hubei Guangdong Henan Zhejiang Hunan Anhui Jiangxi Shandong Jiangsu Chongqing Sichuan Heilongjiang Pequim Xangai Hebei Fujian Guangxi

INFECTADOS 68128 1582 1276 1268 1019 991 937 787 653 579 561 913 593 638 328 355 254

MORTOS 4512 8 22 1 4 6 1 7 0 6 3 13 8 7 6 1 2

REGIÃO Shaanxi Yunnan Hainan Guizhou Shanxi Tianjin Liaoning Gansu Jilin Xinjiang Mongólia Interior Ningxia Hong Kong Taiwan Qinghai Macau Tibete

INFECTADOS 277 184 168 147 197 189 146 139 106 76 194 75 1034 426 18 45 1

MORTOS 3 2 6 2 0 3 2 2 1 3 1 0 4 6 0 0 0


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24.4.2020 sexta-feira

CRUDE RESERVAS ACUMULAM-SE À MEDIDA QUE PREÇO DESCE

A encher barris

A A queda do preço está a afectar os produtores estatais de petróleo (..) mas favorece consumidores e fábricas chinesas, e dá a Pequim a oportunidade de reforçar a reserva estratégica de petróleo, destinada a proteger o país contra possíveis interrupções no fornecimento

C h i n a , o maior consumidor de energia do mundo, está a acumular reservas de petróleo, aproveitando a queda nos preços do crude devido ao surto do novo coronavírus, que paralisou países inteiros. As importações aumentaram 4,5 por cento, em Março, face ao mesmo mês do ano anterior, apesar de, durante aquele período, a procura por petróleo ter colapsado na China, que se encontrava então paralisada devido às restritivas medidas de isolamento, como parte do combate ao surto da covid-19. No conjunto do primeiro trimestre deste ano, as importações aumentaram 5 por cento. A queda do preço está a afectar os produtores

estatais de petróleo e, possivelmente, a interromper planos oficiais de desenvolvimento da indústria, mas favorece consumidores e fábricas chinesas, e dá a Pequim a oportunidade de reforçar a reserva estratégica de petróleo, destinada a proteger o país contra possíveis interrupções no fornecimento. “No meio de tudo isto, as importações de petróleo da China mantiveram-se, já que os preços baixos apelaram ao armazenamento”, disse o analista para o sector do petróleo e gás da Fitch Solutions, Peter Lee. Em meados de Março, à medida que os preços globais caíram, os importadores chineses enviaram 84 navios-tanque para a Arábia Saudita, cada um com capacidade para

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Serviços de Saúde Região Administrativa Especial de Macau Aviso Atendendo ao impacto da epidemia da infecção causada pelo novo tipo de coronavírus e em resposta ao apelo do Governo da Região Administrativa Especial de Macau de evitar aglomeração de pessoas para redução do risco de transmissão e infecção, serão adiadas as actividades de celebração do Dia Internacional de Enfermeiro de 2020 , sendo o seu conteúdo e pormenores anunciados separadamente no futuro. Ao mesmo tempo, gostaria de agradecer a todos os enfermeiros destes Serviços por profissionalismo demostrado durante o combate à epidemia, persistência no seu posto de trabalho, assim como pela coragem, determinação e responsabilidade demonstradas. Serviços de Saúde

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OMS GOVERNO CHINÊS DOA MAIS 28 MILHÕES DE EUROS

A

China anunciou hoje que vai aumentar a sua contribuição para a Organização Mundial da Saúde (OMS) no equivalente a 28 milhões de euros, depois de os Estados Unidos terem suspendido a sua parte do financiamento. “Este dinheiro será usado para prevenir e controlar a epidemia de covid-19 e apoiar o desenvolvimento dos sistemas de saúde nos países em desenvolvimento”, afirmou Geng Shuang, porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros. O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, suspendeu as contribuições para a OMS, no início da semana passada, acusando a organização de estar sob influência de Pequim. Trump também denunciou a “má administração” pela organização internacional da pandemia do novo coronavírus.

“Apoiar a OMS num momento crítico na luta global contra a epidemia significa defender os ideais e princípios do multilateralismo e defender o estatuto e a autoridade das Nações Unidas”, afirmou Geng Shuang, em conferência de imprensa. O porta-voz da diplomacia chinesa garantiu que a China já pagou o equivalente a 19 milhões de euros à organização, valor que parece referir-se a uma doação realizada em Março. Ao suspender o financiamento, Donald Trump disse que o seu país tem o dever de exigir responsabilidades. “Se a OMS tivesse feito o seu trabalho e enviado especialistas médicos à China para estudar objectivamente a situação no local, a epidemia poderia ter sido contida na fonte com pouquíssimas mortes”, apontou.

transportar dois milhões de barris de petróleo bruto, segundo informações que citam dados da Associação da Indústria de Construção Naval da China. Os baixos preços do petróleo “têm um impacto positivo para a China”, admitiu a Comissão Política e Jurídica do Partido Comunista da China, na sua conta oficial nas redes sociais. No entanto, a queda ameaça interromper os planos de tornar a China mais “auto-suficiente em termos energéticos”, disse o analista da consultora para o sector da energia Wood Mackenzie Max Petrov, citado pela agência de notícias Associated Press. A estatal PetroChina Ltd., a maior produtora da Ásia, “está provavelmente a perder quantias bastante grandes de dinheiro”, disse Petrov, pelo que precisa decidir se deve seguir os produtores ocidentais e reduzir gastos com a abertura de novos poços. “Se reduzir o investimento, devido à natureza dos campos de petróleo da China, levará muito tempo e ainda mais dinheiro para que a produção volte ao normal”, apontou.

TOCA A GUARDAR

A Administração Nacional de Energia do Conselho de Estado chinês informou, em Setembro passado, que o total das reservas mantidas pelo governo e empresas do sector do petróleo era igual a 80 dias de consumo. A reserva oficial é de cerca de 385 milhões de barris, de acordo com Lee, da consultora Fitch Solutions, mas há planos de aumentar a capacidade para entre 500 e 600 milhões de barris. Caso essa capacidade de armazenamento adicional seja construída, o Governo poderá importar entre 500.000 e 900.000 barris por dia para a reserva estratégica, ou 5 por cento a 9 por cento do total de compras externas da China, estimou.


china 15

sexta-feira 24.4.2020

O

Posto Territorial da GNR de Vila do Conde, no distrito do Porto, recebeu ontem da comunidade chinesa em Portugal uma oferta de três mil máscaras, que vão reforçar a protecção dos militares perante pandemia de covid-19. “Em Vila do Conde, e mais concretamente na zona industrial da Varziela, existe uma representação muito significativa da comunidade chinesa em Portugal, e tiveram esse acto generoso de nos oferecer três mil máscaras, que muito agradecemos”, disse à Lusa Tiago Pacheco, comandante do Destacamento de Matosinhos, responsável pelo posto da GNR de Vila do Conde O responsável lembrou que as máscaras recebidas “servem como um bom complemento ao material já existente, nomeadamente às viseiras, reforçando a protecção dos militares e dando uma maior folga na gestão destes equipamentos”. O comandante vincou, ainda, que a comunidade chinesa, e nomeadamente os elementos que residem e trabalham na localidade, “tem sido muito activa e coope-

VILA DO CONDE COMUNIDADE CHINESA OFERECE 3 MIL MÁSCARAS À GNR

Os bons exemplos

Tiago Pacheco, responsável pelo posto da GNR de Vila do Conde “Em Vila do Conde, e mais concretamente na zona industrial da Varziela, existe uma representação muito significativa da comunidade chinesa em Portugal, e tiveram esse acto generoso de nos oferecer três mil máscaras, que muito agradecemos. Estão a dar um bom exemplo à sociedade.”

Região Jacarta Prolongadas restrições para abranger mês do Ramadão As restrições sociais para travar a propagação do novo coronavírus foram ontem prolongadas na capital da Indonésia, quando os habitantes da mais populosa nação muçulmana do mundo se preparam para o mês de jejum do Ramadão. O governador de Jacarta, Anies Baswedan, disse que as restrições, que deviam terminar ontem, vão ser prolongadas até 22 de Maio e exortou os muçulmanos a não se deslocarem às mesquitas durante o Ramadão. O mês sagrado muçulmano deve começar na Indonésia na sexta-feira. Os fiéis

jejuam durante o dia e juntam-se ao anoitecer para quebrar o jejum com refeições comunitárias e orações. O Presidente indonésio, Joko Widodo, reconheceu no mês passado que o Governo reteve informação sobre o surto de coronavírus para evitar o pânico. Mas o atraso na aplicação de regras de distanciamento social e a baixa taxa de rastreio aumentam a preocupação de que a situação na Indonésia seja pior do que é reconhecido. A Indonésia regista 7.418 casos da covid-19, com 635 mortes.

Coreia do Sul Economia com pior desempenho em no primeiro trimestre em mais de dez anos A economia sul-coreana registou no primeiro trimestre do ano o seu pior desempenho em mais de uma década, devido ao impacto da pandemia da covid-19, informou ontem o banco central do país asiático. O produto interno bruto daquela que é a 12.ª economia mundial contraiu 1,4 por cento até Março, em comparação com o mesmo período do ano passado, a maior queda desde o último trimestre de 2008. A Coreia do Sul foi um dos primeiros

países asiáticos a ser atingido pelo surto do novo coronavírus, mas conseguiu conter a epidemia muito devido à implementação em larga escala dos testes de rastreamento da covid-19.

rante com as autoridades na adopção das medidas recomendadas pelas Direcção-Geral de Saúde». “É uma comunidade disciplinada e exemplar nessa matéria, sempre muito preocupada e empenhada na sensibilização. Da parte da GNR, há muito tempo que temos promovido uma interação, e feito formação, para nos aproximarmos culturalmente e garantirmos uma maior integração desta comunidade na sociedade portuguesa e, mais concretamente, em Vila do Conde”, acrescentou Tiago Pacheco. O militar foi informado que esta oferta de equipamentos promovida pela comunidade chinesa em Portugal não se cinge apenas à GNR de Vila do Conde e que vai ser alargada a outras entidades públicas de todo o país. “Sabemos que se organizaram, e aproveitando os contactos que têm nesta área do comércio e importação, adquiriram milhares destes equipamentos que vão distribuir por autarquias, hospitais e forças de segurança. Estão a dar um bom exemplo à sociedade”, partilhou o responsável.

PUB HM • 2ª VEZ • 24-4-20

HM • 2ª VEZ • 24-4-20

ANÚNCIO Proc. Execução Ordinária n.º CV3-19-0163-CEO

ANÚNCIO 3º Juízo Cível

EXEQUENTE: OLX II INVESTMENT LTD), com sede nas Ilhas Caimão, Cayman Corporate Centre, 27 Hospital Road, George Town, Grand Cayman KY1-9008. EXECUTADO: NGAN IEK (顏奕), masculino, CHENG WING SHAN (鄭穎珊), feminino, ambos com domicílio profissional em Macau, na Rua de Foshan, nº 51, Edifício Centro Comercial San Kin Yip, 17º andar; SOCIEDADE DE INVESTIMENTO PREDIAL E ADMINISTRAÇÃO DE PROPRIEDADES HANG WO LIMITADA (恒和物業投資管理有限公司), com sede em Macau, na Rua de Foshan, nº 51, Edifício Centro Comercial San Kin Yip, 17º andar. *** Faz-se saber que nos autos acima indicados são citados os credores desconhecidos da executada para, no prazo de QUINZE DIAS, que começa a correr depois de finda a dilação de vinte dias, contada da data da segunda e última publicação do anúncio, reclamarem o pagamento dos seus créditos pelo produto dos bens penhorados sobre que tenham garantia real e que são os seguintes: Imóveis penhorados Denominação: Fracção autónoma “A42”. Situação: Sito em Macau na Rua de Nam Keng nºs 50 a 82. Fim: Para habitação. Número de matriz: 040918. Número de descrição na Conservatória do Registo Predial: 22652 a fls.177 do Livro B75K. Denominação: Fracções autónomas “A17”, “B17”, “C17”, “D17” “E17”, “F17”, “G17”, “H17”, “I17”, “J17”, “K17”, “L17”, “M17”, “N17”, “O17” e “P17”. Situação: Sito em Macau na Avenida da Amizade nºs 197 a 223; Praça de D. Afonso Henriques nºs 10 a 36;Avenida Lopo Sarmento de Carvalho nºs 8 a 64; Rua de Foshan nºs 17a 75. Fim: Para escritório. Número de matriz: 073122. Número de descrição na Conservatória do Registo Predial: 19857 a fls.63v do Livro B42. Macau, 16 de Abril de 2020.

Declaração de Morte Presumida

CV3-20-0005-CPE

3º Juízo Cível

REQUERENTES: HO, LAI KENG, HO, SENG CHEONG, HO, LAI HENG, HO, LAI SIM, HO SENG VAN, HO, LAI PEK, LEI HO, LAI HAN ou HO, LAI HAN, HO, SENG WA e HO, SENG MUN, todos residentes em Macau.-----------------------------------------REQUERIDA: IAO KAN CHON, casada, nascida em 17/10/1920, na R.P.China, com última residência fixa em Macau, na Rua da Madre Terezina, 3-B, r/c A, ora ausente em parte incerta e INTERESSADOS INCERTOS. ----------------------------------------------------------FAZ-SE SABER que, pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da RAEM, correm éditos, respectivamente, de TRÊS MESES e TRINTA DIAS, contados a partir da segunda e última publicação do anúncio, citando a ausente IAO KAN CHON e os INTERESSADOS INCERTOS para, no prazo de TRINTA DIAS, findos os dos éditos, contestarem a petição inicial dos autos acima identificados, apresentada pelos requerentes, na qual pede se julgue procedente e provada a presente acção e, em consequência, se declare a morte presumida de IAO KAN CHON, devendo as provas ser requeridas com a contestação, tudo como melhor consta da petição inicial, cujos duplicados se encontram nesta Secretaria à sua disposição. -----------R.A.E.M., 02 de Abril de 2020


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24.4.2020 sexta-feira

N.º 02/DCTNR/2020 ANÚNCIO (Notificação da revogação de autorização de contratação de trabalhador não residente)

Considerando que não se revelou possível notificar os interessados, pessoalmente, por ofício ou telefone, nos termos do artigo 68.º e do n.º 2 do artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, notifica-se dos actos administrativos os interessados abaixo mencionados: 1. “Centro Médico Integrado Hoi Ieong”, através do Despacho n.º 36047/IMO/DSAL/2019, foi revogada a autorização para a contratação de dois trabalhadores não residentes não especializados, concedida pelo Despacho n.º 22253/IMO/DSAL/2018, atendendo ao facto de não ter efectuado o pagamento de taxa de contratação de trabalhadores não residentes e não ter mantido ao serviço o número de trabalhadores residentes conforme requisito pela autorização de contratação. 2. “T-Spa Equipment”, através do Despacho n.º 36004/IMO/DSAL/2019, foi revogada a autorização de contratação de dois trabalhadores não residentes não especializado, concedida pelos Despachos n.ºs 08484/IMO/DSAL/2018 e 17210/IMO/DSAL/2019, atendendo ao facto de o interessado registou a cessação de actividade na Direcção dos Serviços de Finanças. 3. “23 Collection”, através do Despacho n.º 00832/IMO/DSAL/2020, foi revogada a autorização de contratação de um trabalhador não residente não especializado, concedida pelo Despacho n.º 25351/IMO/DSAL/2019, atendendo ao facto de o interessado registou a cessação de actividade na Direcção de Serviços de Finanças. 4. Ng Pak Hong, através do Despacho n.º 01665/IMO/DSAL/2020, foi revogada a autorização de contratação de um trabalhador não residente doméstico, concedida pelo Despacho n.º 11134/IMO/DSAL/2017, devido ao facto de não ter utilizado a contratação de autorização concedida ao mesmo desde 5 de Setembro de 2019. 5. Da Costa Andorinho Rita, através do Despacho n.º 02754/IMO/DSAL/2020, foi revogada a autorização de contratação de um trabalhador não residente doméstico, concedida pelo Despacho n.º 12726/IMO/DSAL/2017, devido ao facto do local de trabalho do trabalhador não residente doméstico ser idêntico ao local declarado por outro interessado. 6. Welker Jennifer Lynn, através do Despacho n.º 02662/IMO/DSAL/2020, foi revogada a autorização de contratação de um trabalhador não residente doméstico, concedida pelo Despacho n.º 23235/IMO/DSAL/2017, devido ao facto de devido ao facto do local de trabalho do trabalhador não residente doméstico ser idêntico ao local declarado por outro interessado. Os interessados acima mencionados podem, nas horas de expediente, deslocar-se ao Departamento de Contratação de Trabalhadores Não Residentes da DSAL, sito na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues n.ºs 614A-640, Edifício Long Cheng, 9.º andar, Macau, para levantamento da cópia do despacho, podendo ainda requerer, por escrito, a consulta do processo. Nos termos dos artigos 145.º, 149.º e 155.º do Código do Procedimento Administrativo, os interessados podem, sobre a decisão acima referida, interpor: a) Reclamação para o autor do acto, devendo ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias a contar do dia seguinte ao da publicação do presente anúncio; b) Recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças, devendo ser apresentado no prazo de 30 (trinta) dias a contar do dia seguinte ao da publicação do presente anúncio. Mais se informa que as decisões administrativas acima referidasnão são susceptíveis de recurso contencioso. 22 de Abril de 2020. O Director da DSAL, Wong Chi Hong


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sexta-feira 24.4.2020

Um rio é a infância da água

entre oriente e ocidente Gonçalo M. Tavares

FICÇÃO, ENSAIO, POESIA, FRAGMENTO, DIÁRIO

Corpo e caminho

(regresso à meada de ouro - ao fio, ao itinerário dourado)

1.

O corpo humano, de cima para baixo não termina nos pés, mas no solo, no caminho que está por baixo. A anatomia humana é,pois, isto: em cima não termina na cabeça,mas sim no céu. Em baixo, não termina nos pés, mas sim no solo. Um novo caminho é assim uma forma de cada homem mudar de anatomia. Muda de vida, muda de caminho.

2.

Todo o caminho existe enquanto chão que serve de suporte e se mantém por ali. Mas como mostrar o caminho que se fez num determinado momento? Como transformar numa forma concreta e material o esforço de uma caminhada? Este foi o caminho que eu fiz, diria alguém se conseguisse pegar na estrada que percorreu. Mas é difícil pôr na mão o chão inteiro.

3.

E a imagem é esta (numa ficção, num sonho): levas ao colo, transportas nos braços, não uma criança ou um objecto, mas o itinerário que acabaste de fazer. Este é o caminho que fiz, aqui to deixo, ofereço-to. E quando se faz um percurso, os pés traçam algo de novo no chão; avançar é uma forma física de iluminar; avançar é iluminar o exterior com os músculos. Um corpo que atravessa um caminho é uma luz temporária que ali vai. Respeitemos essa luz; uma forma modesta de ouro.

4.

ILUSTRAÇÃO ANA JACINTO NUNES

Uma outra história que se conta é que num certo lugar sagrado da antiguidade, alguns caminhos, pelo meio da floresta, eram tão fortes que quem avançava por eles, durante dias, desaparecia literalmente aos poucos: desfazia-se de cima para baixo no próprio caminho; era um corpo humano que se transformava em estrada. E aquilo que assustava alguns, aqueles que pensavam em raptos e em tragédias semelhantes – os homens desaparecerem naquela estrada! – alimentava a imaginação de outros. É uma forma de oração amorosa, pensavam os segundos: transforma-se o caminhante no seu caminho¸ transforma-se o amante na coisa amada.

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24.4.2020 sexta-feira

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Quarentena a dar que pensar Tonalidades António de Castro Caeiro

É

inegável o misto de sentimentos com que a quarentena provocada pelo Corona vírus tem sido vivida. Há um estado alerta generalizado, nacional e internacional, à escala local, monitorizada pelo poder de uma câmara municipal, e à escala global. Importa a atenção dadas às notícias a nível global. Interessa-nos tanto o que se passa na avenida Marginal quanto o que se passa no parlamento europeu, em Wuhan como em Washington. O mundo é global e local, regional. Basta ver os boletins informativos para percebermos que a epidemia pandémica provocada pela Covid-19 tem consequências microcósmicas, nas casas de cada um, nas medidas que cada um adoptou para si a pensar nos outros. Não apenas nas novas medidas como distanciamento social medido ao centímetro, forma de tossir para o cotovelo, lavar as mãos amiúde, uso de luvas descartáveis, máscara. Mas todas as nossas acções, comportamentos, relação com os outros, explícita ou implicitamente estão envolvidos por um filtro ou ecrã total que erguemos entre nós e os outros, todas as coisas em que tocamos, peças de mobiliário, volante de automóveis, interruptores, electrodomésticos, etc., etc.. Mas também entre nós e nós adoptámos medidas assépticas. Lavamos as mãos, não levamos a mão à cara, não nos coçamos, esfregamos os olhos. Estamos vigilantes. Evitamos os outros como evitamos ir até à proximidade dos outros. Trabalhar a partir de casa, não ir à rua a não ser quando é estritamente necessário, não ver ninguém a não ser aqueles com quem partilhamos o quotidiano e sabemos que não poderíamos evitar terem sido para nós com nós para eles agentes recíprocos de contaminação. Há, assim, uma camada virtual com consequências físicas a evitar o contacto directo, de proximidade, com o mundo na sua totalidade, com os outros principalmente e com as coisas em que os outros podem tocar. Tornamo-nos solipsistas uns relativamente aos outros. Mas isso não quer dizer que não pensemos nos outros ou não falemos com eles por todos os meios que temos à nossa disposição. Falamos com amigos no estrangeiro com quem não falávamos há anos e amiúde com quem falamos raramente. Há uma causa comum à sociedade. Há um envolvimento de toda a gente nesta causa comum a nível planetário. A alteração do modo como exercemos as nossas actividades, o fecho de algumas actividades e a abertura de outras, a transição do espaço aberto da rua para o es-

paço fechado da casa, o colapso do espaço físico real, a construção do espaço virtual: são algumas das acções que foram e têm sido levadas a cabo. O espaço físico e real é tão virtual como é físico e real o espaço em que abrimos o computador, a cadeira em que nos sentamos. Mas há

uma diferença entre a vivência de espaços com o direito à reserva de admissão e sem essa reserva. Há uma diferença entre a interdição e o levantamento de interdições, entre proibição e não proibição. O que acontece é que a rua ficou fechada e a casa ficou a ser o sítio mais

Temos de guardar a calma. O impacto de totalidade implica uma reorientação, um redireccionamento, que levem a uma focagem que resulte de uma compreensão do que é importante e do que não é importante, se temos o que necessitamos ou não, se somos o que fazemos ou fazemos o que somos, se a vida é desperdiçada com o que não tem significado nem importância

aberto que temos à nossa disposição. A casa não ficou aberta nem a nós, porque já dispúnhamos dela, nem aos outros que agora nem sequer cá podem vir. O privado não se tornou público nem o público privado em geral. Sucede que muitas das situações em que nos encontramos passaram a ser controladas a partir de casa. O espaço público passou a ser partilhado virtualmente a partir da casa de cada um, e entramos no chating que foi inaugurado pelos voyeurs de pornografia e violência, youtubers, jogadores de jogos virtuais. O lazer, o brincar, o jogar, o que se faz para passar o tempo passou a ser a possibilidade estruturante das actividades sérias da vida. Por outro lado, há uma imposição de regime que resulta da disciplina. Procuramos ter uma vida mais saudável: fazer desporto, como se vai menos às compras, faz-se uma previsão e um cálculo diário do que se vai comer, temos cuidado com os mais velhos e com as crianças que vieram para ficar 24 horas por dia em casa. Vivemos num esforço contínuo de antecipação, quantas pessoas adoeceram e quantas morreram, quantas se curaram e quantas se irão curar? Quando saímos da situação de emergência? Com que custos? Como vai ficar o desemprego? Como seremos abalados na nossa saúde física e financeira? Existimos no modo de sobrevivência. Compreendemos ou ficamos sensibilizados para os níveis de stress em pessoas que são obrigadas a passar mais tempo juntas do que habitualmente. Muitas nem sequer estiveram alguma vez a sós consigo mesmas. Mas não pode haver uma tensão total para que de tão rígida fiquemos paralisados. A situação é crítica a diversos níveis. Não se sabe quando passa nem como passa. A indefinição não poderá manter-se para sempre. Mas não pode haver fuga para a frente em que se deite a perder tudo o que foi alcançado com a quarentena Temos de guardar a calma. O impacto de totalidade implica uma reorientação, um redireccionamento, que levem a uma focagem que resulte de uma compreensão do que é importante e do que não é importante, se temos o que necessitamos ou não, se somos o que fazemos ou fazemos o que somos, se a vida é desperdiçada com o que não tem significado nem importância. Não estamos sozinhos. Temos as gerações passadas para nos ajudar com os relatos que nos deixaram, cartas endereçadas do passado para nós seus irmãos posteriores. Do mesmo modo a nossa responsabilidade é com os nossos contemporâneos, velhos, novos e os que estão ainda por nascer. Importa esgotar as possibilidades que são criadas na impossibilidade e no caos.


ARTES, LETRAS E IDEIAS 19

sexta-feira 24.4.2020

Ofício dos ossos Valério Romão

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MA das coisas mais estúpidas que a Câmara de Lisboa fez no mandato deste médio-menos que por ora vai ao leme foi mexer no horário de funcionamento das lojas de conveniência, há coisa de três ou quatro anos, obrigando-as a fechar às 22:00 em vez das 24:00. Pensemos no conceito de conveniência e em como encurtar um horário de uma loja o pode servir. Let it sink. Diz-se que foi para evitar que as pessoas bebessem na rua e por isso causassem desacatos. Para nos controlar. Para nosso próprio bem, claro. Pouco tempo depois de a câmara avançar com este horário o Minipreço passou a encerrar às 23:00. Um supermercado a fechar mais tarde do que uma loja de conveniência. Mais uma acha para a fogueira da óbvia necessidade de reformular o conceito de conveniência. Adiante. Como os meus cinco leitores decerto já se aperceberam, a minha tolerância para com as políticas desta Câmara de Lisboa está ao nível da tolerância ao insulto racista. Para mim e para muitos lisboetas, as lojas de conveniência, ou lojas dos indianos – como amiúde nos referimos a elas – são parte integrante da vida citadina e das rotinas que a compõem. São o tabaco a meio do dia, um snack a

Vidas de conveniência caminho de casa, uma garrafa de vinho para o jantar. Mas são também um pequeno grande mistério: não se percebe – ou pelo menos eu não percebo – como fazem dinheiro e – para mim o maior mistério de todos – não se antevê o que possam fazer as pessoas que lá trabalham quando não estão a trabalhar. São Indianos. São paquistaneses. São muito semelhantes fisicamente e, do meu ponto vista ingénuo, vestem-se de forma muito parecida. Mas sob a aparente homogeneidade há decerto vida; uma vida, individual e indivisa, talhada milimetricamente à medida do corpo do seu utente. E não fazemos ideia – ou pelo menos eu não faço – do que consistem essas vidas, e os homens e mulheres

por detrás do balcão ficam reduzidos à categoria de funções pelas quais o nosso dia calha a passar. O facto de frequentemente terem dificuldades em exprimir-se em português decerto condicionará a forma como comunicamos. São uma comunidade relativamente fechada, dão-se maioritariamente uns com os outros e parece ser difícil encontrar intersecções de interesses que permitam desenvolver uma conversa e, a prazo, uma ligação para lá do âmbito e do registo da loja. Na minha rua há uma média de uma loja de conveniência a cada quatro lojas. A não ser que não tenham Ventil, costumo ser fiel a uma, não por acaso a que fica mais perto da minha casa. Por vezes

São Indianos. São paquistaneses. São muito semelhantes fisicamente e, do meu ponto vista ingénuo, vestemse de forma muito parecida. Mas sob a aparente homogeneidade há decerto vida; uma vida, individual e indivisa, talhada milimetricamente à medida do corpo do seu utente. E não fazemos ideia – ou pelo menos eu não faço – do que consistem essas vidas

pergunto a um dos rapazes que lá passam dez ou doze por dia o que estão a ouvir ou o que estão a ver (quando não calham estarem numa chamada telefónica e trocarmos dinheiro e tabaco através de gestos). Às vezes respondem-me imperceptivelmente, de olhos postos no chão, e eu guardo o troco, finjo que me interesso fugazmente por uma mancha na parede e saio sorrindo e acenando. A maior parte das vezes e à maior parte das perguntas fico sem respostas. Vejo-vos muitas vezes a falarem uns com os outros ali na rua. Em que língua falam? Falam todos a mesma língua? Não perceber. Mas uma vez por outra calhamos a entalhar mais de um minuto de conversa. Falo bengali. Eles também. Eu não sei nada de bengali. Assim como não sei nada ou praticamente nada destas pessoas que vieram para Portugal para terem uma oportunidade de viverem uma vida melhor. Mas de certo modo sinto a obrigação de me desviar do caminho paralelo e seguro que traçamos para não embater no desconhecido que são os outros – e, muito especialmente, os outros que mais contrastam connosco – e de me atrever a meter conversa, à espera de que de cada vez perca mais tempo na loja de conveniência só no paleio.


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24.4.2020 sexta-feira

TEMPO PERÍODOS DE CHUVA MIN 17 MAX 20 HUM 70-98% • EURO 8.61 BAHT 0.24 YUAN 1.12 ´

NA LINHA DA FRENTE

O director do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC) disse ontem que será o primeiro a voluntariar-se para um ensaio clínico “adequado e credível”, rejeitando a utilização dos africanos como cobaias. “Os africanos são perfeitamente

capazes de coordenar e implementar ensaios clínicos, mas o que emerge é que os africanos vão ser usados para testar vacinas como se fossem cobaias, e isso é errado; se houver uma vacina credível e adequada eu serei o primeiro a testá-la”, prometeu John Nkengasong.

VIDA DE CÃO

DISCURSO DUPLO Durante a conferência de imprensa que se seguiu à apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG), Ho Iat Seng parece ter assumido posturas diferentes consoante os temas levantados. Por um lado, ouvimos a voz do Ho pragmático, decidido, disponível “a fazer o que é preciso a cada momento”, afastando preocupações formais e de coerência com mandatos passados para resolver os problemas imediatos colocados pela crise gerada pelo novo coronavírus. Por outro, ficou a sensação de ouvir a voz do Ho executante, obrigado a pôr um travão à sua própria iniciativa. O segundo Ho apareceu pelo menos em duas ocasiões. A primeira, quando a propósito da forma de devolver a confiança a Macau para sair da crise, disse: “não sou um político, sou apenas o Chefe do Executivo de Macau”. A segunda, quando questionado sobre que medidas concretas iriam ser postas em prática para garantir a segurança interna do território. Ho Iat Seng afirmou que “temos primeiro que ter um país, para depois ter uma família” e que apesar de “Macau não se encontrar em risco” tem de participar na tarefa contínua de “salvaguardar a segurança nacional”. Mas, na prática, em que é que isso se traduz? Seria bom ouvir o primeiro Ho, que até agora tem sido ponderado e perspicaz na forma como tem lidado com a crise que lhe caiu no colo meses depois de assumir a liderança do Governo. Pedro Arede

S U D O K U 1 8

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Um filme de: Jeff Wadlow Com: Michael Peña, Maggie Q, Lucy Hale, Austin Stowell 14.30, 17.00, 20.45

DOLITTLE [A] FALADO EM INGLÊS LEGENDADO EM CHINÊS Um filme de: Stephen Gaghan Com: Robert Downey Jr., Antonio Banderas, Michael Sheen 15.30, 21.00

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THE TRANSLATORS [B]

Um filme de: Cathy Yan Com: Margot Robbie, Mary Elizabeth Winstead, Jurnee Smollet-Bell 18.30 SALA 2

FANTASY ISLAND [C]

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BIRDS OF PREY [C]

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SOLUÇÃO DO PROBLEMA 43

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Cineteatro SALA 1

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Um filme de: Regis Roinsard Com: Lambert Wilson, Olga Kurylenko, Riccardo Scamarcio 15.00, 20.15

THE TURNING [C] Um filme de: Floria Sigismondi Com: Mackenzie Davis, Finn Wolfhard, Brooklynn Prince, Barbara Marten 18.15

UM FILME HOJE Paterson é uma matriosca que representa bem aquilo que pode ser um dia a dia aparentemente desprovido de grandes rasgos de euforia. Paterson é motorista de autocarro na cidade de Paterson em New Jersie. Todos os dias cumpre escrupulosamente a sua rotina que inclui passear o cão Marvin, beber uma cerveja no bar de um amigo, escrever poesia e voltar para os braços de Laura, a namorada. Paterson leva-nos a acompanhar durante sete dias a vida do casal e daí, talvez, a lembrar-nos do valor que alguns detalhes rotineiros que se atravessam diariamente à nossa frente, podem ter. Além disso, Paterson, o motorista, pode muito bem ser quem não diz ser, longe da vista de todos. Adam Driver e Golshifteh Farahani assumem os principais papéis. Pedro Arede

PATERSON | JIM JARMUSCH (2016)

8 7 2 6 5 4 6 3 1 9 5 3 8 4 7 6 8 1 3THE TURNING 4 1 2 9 7 8 9 4 Fábrica 6 de5Notícias, 2 Lda Director Carlos Morais José Editores João Luz; José C. Mendes Redacção Andreia Sofia Silva; João Santos Filipe; Pedro Arede; Salomé Fernandes Propriedade Colaboradores Anabela Canas; António Cabrita; António de Castro Caeiro; António Falcão; Ana Jacinto Nunes; Amélia Vieira; Duarte Drumond Braga; Emanuel Cameira; Gisela Casimiro; 3 Lobo 5 Pinheiro; 7 2 Gonçalo Gonçalo1M.Tavares; João Paulo Cotrim; José Drummond; José Navarro de Andrade; José Simões Morais; Luis Carmelo; Michel Reis; Nuno Miguel Guedes; Paulo José Miranda; Paulo Maia e Carmo; Rita Taborda Duarte; Rosa Coutinho Cabral; Rui Cascais; Rui Filipe Torres; Sérgio Fonseca; Valério Romão Colunistas António Conceição Júnior; David Chan; 7Romão; 9 Jorge5Rodrigues 8 Simão; 3 Olavo Rasquinho; Paul Chan Wai Chi; Paula Bicho; Tânia dos Santos Grafismo Paulo Borges, Rómulo Santos Agências Lusa; Xinhua Fotografia Hoje João Macau; Lusa; GCS; Xinhua Secretária de redacção e Publicidade Madalena da Silva (publicidade@hojemacau.com.mo) Assistente de marketing Vincent Vong Impressão Tipografia Welfare 2 Calçada 1 4deSanto9Agostinho, 6 n.º19,CentroComercialNamYue,6.ºandarA,Macau Telefone28752401Fax28752405e-mailinfo@hojemacau.com.moSítiowww.hojemacau.com.mo Morada


opinião 21

sexta-feira 24.4.2020

um grito no deserto

PAUL CHAN WAI CHI

Ser ou não ser um homem de estado

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Chefe do Executivo Ho Iat Seng deu uma conferência de imprensa sobre os conteúdos das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2020. Quando interrogado sobre a forma de restaurar a confiança em Macau durante a pandemia, afirmou que não é um homem de estado, mas apenas o Chefe do Executivo de Macau, e adiantou que existem muitos homens de estado altamente respeitados em todo o mundo, e que até agora nenhum deles foi capaz de delinear com clareza um plano para restaurar a normalidade nos seus respectivos países. De acordo com o Capítulo IV sobre “Estrutura Política” da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, “O Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau é o dirigente máximo da Região Administrativa Especial de Macau e representa a Região…. o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável, nos termos desta Lei, perante o Governo Popular Central e a Região Administrativa Especial de Macau”. Mas que tipo de pessoa não é adequada para este cargo? Hoje em dia existem muitos políticos por esse mundo fora que são defensores do populismo e do nacionalismo, movimentos esses que, de alguma forma, são responsáveis pela situação caótica que vivemos. Os verdadeiros homens de estado, são uma espécie em vias de extinção, porque na verdade muitos deles foram perseguidos ou assassinados antes de chegarem ao poder. Na minha opinião, o Presidente dos Estados Unidos George Washington, Giuseppe Garibaldi de Itália, Gandhi da Índia e Sun Yat-sen da China podem ser considerados verdadeiros homens de estado. O critério que uso para assim os julgar assenta numa actuação política virada para o bem comum e não para a obtenção de quaisquer ganhos pessoais. O cargo de Chefe do Executivo não tem de ser entregue a um homem de estado. O poder de escolha do Chefe do Executivo está na mão dos eleitores, e as consequências dessa decisão recaem sobre a população em geral. Do meu ponto de vista, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, parece ser uma funcionária admnistrativa sénior que executa fielmente as ordens recebidas dos seus superiores, enquanto Ho Iat Seng se apresenta como um empresário, altamente influenciado pelos ambientes a que foi exposto durante a sua formação.

Após ter feito a apresentação das “Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2020” na Assembleia Legislativa e respondido às questões colocadas pelos jornalistas e pelos deputados, o lado empresarial

de Ho Iat Seng saltou à vista. É possível que ele venha a administrar Macau como administraria uma empresa, e não há dúvida que teve um bom desempenho no combate à epidemia. Provavelmente esta característica

O Presidente dos Estados Unidos George Washington, Giuseppe Garibaldi de Itália, Gandhi da Índia e Sun Yat-sen da China podem ser considerados verdadeiros homens de estado. O critério que uso para assim os julgar assenta numa actuação política virada para o bem comum e não para a obtenção de quaisquer ganhos pessoais Ex-deputado e antigo membro da Associação Novo Macau Democrático

não será má para Macau, que deseja sempre estabilidade absoluta. Durante a sessão de perguntas e resposta sobre as “Linhas de Acção Governativa”, ficou claro que a reforma da estrutura política da RAEM não está para breve e que nem sequer se consegue divisar a data da sua concretização. Os residentes estão mais preocupados com os problemas de habitação, mas para evitar uma equitatividade negativa, os preços elevados não vão desaparecer a curto prazo. A recuperação da economia local depende inteiramente da China, da reactivação da política de “Vistos Individuais” e da submissão da Direcção dos Serviços de Turismo à jurisdição do Secretário para a Economia e Finanças. Estes indicadores serão sinais explícitos da necessidade de reactivação económica. Embora Ho Iat Seng não seja um homem de estado, tem de cumprir algumas obrigações políticas como Chefe do Executivo. A primeira será assegurar que Macau nunca representará uma ameaça à segurança nacional. Nessa sequência, uma série de regulamentos que sustentam a “Lei relativa à defesa da segurança do Estado” serão progressivamente introduzidos. A monitorização geral do “Sistema de Videovigilância em Espaços Públicos” (vulgarmente conhecido por Sistema “Olhos no Céu”) e a monitorização de redes terão de ser gradualmente aperfeiçoadas, para que as forças de segurança identifiquem imediatamente quem pode ter a “oportunidade” de pôr em risco a segurança nacional. Sobre o desenvolvimento de um relacionamento mais próximo entre Macau e a Zona de Hengqin, previsto no plano da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, Ho Iat Seng manifestou publicamente, durante a eleição para Chefe do Executivo, um grande empenho na sua implementação. No entanto, temo que o verdadeiro plano de quem está no poder será fundir Macau e Hengqin numa zona única durante os próximos 30 anos. As “Linhas de Acção Governativa” também revelam o plano para a construção de “uma base de ensino do Amor à Pátria e a Macau” que incluem acções como exposições, formação, mostra de multimédia e de audio-visuais. Contempla ainda trabalho conjunto com o Ministério de Estado para a Educação, para dar início ao “Plano de Formação de Docentes de Excelência”. Este plano também envolve o Ministério da Educação da China e destina-se a preparar, nos próximos dez anos, mil elementos do pessoal docente dotado de conceitos educativos e técnicas pedagógicas avançados, cujos destinatários do primeiro ano serão os docentes do ensino infantil e da disciplina de História. E porque estará a ser dada prioridade aos “docentes do ensino infantil e da disciplina de História”? Provavelmente só um homem de estado pode responder a esta pergunta.


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24.4.2020 sexta-feira

MELCO: AO LADO DA COMUNIDADE DE MACAU EM TEMPOS DIFÍCEIS

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nquanto por todo o mundo as comunidades tentam conter e lidar com os impactos do surto da COVID-19, a Melco Resorts & Entertainment tem envidado todos os esforços para apoiar de forma pró-activa a comunidade de Macau. Desde o passado mês de Janeiro, a Empresa tem vindo a implementar de forma continuada as suas próprias medidas de apoio à comunidade local, quer as que pretendem ter efeito imediato quer as que visam efeitos a longo prazo. Nestas medidas está incluída a doação de 28 milhões de patacas ao Governo chinês e a ONGs locais, para ajudar a diminuir a propagação do vírus e para proporcionar apoios financeiro e sanitário directos às pessoas afectadas pela epidemia, bem como para aumentar a consciencialização para a prevenção da infecção dentro da comunidade. COMPROMETIDOS COM A COMUNIDADE DE MACAU m conformidade com o comprometimento de longa data da Melco com a população de Macau, a empresa contratou recentemente 100 trabalhadores locais da área da construção civil, cujas vidas foram afectadas pelo surto do novo coronavírus. Para garantir a transparência do processo de contratação, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) e a Macao Federation of Trade Unions (FAOM) conduziram e apoiaram os procedimentos. Os candidatos seleccionados celebraram um contrato de trabalho anual com a Melco. Foi-lhes também facultada formação profissional, não só para aperfei-

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çoar as suas competências técnicas e permitir o seu crescimento pessoal, mas também para ajudar a contribuir para o futuro sustentável de Macau. Lawrence Ho, Presidente & CEO da Melco, afirmou, “Desde há muito que a Melco tem estado comprometida com o desenvolvimento sustentável de Macau, bem como com a promoção do programa de Desenvolvimento Pessoal Completo para os residentes locais. Nestes tempos que vivemos, sem precedentes e repletos de desafios, estamos ao lado da população de Macau e do Governo da RAEM na luta contra os impactos do surto do COVID-19. O projecto de contratações pretende apoiar as necessidades da comunidade local através da efectiva criação de oportunidades de trabalho e de sentido comunitário, como uma demonstração do cuidado e da preocupação da Melco em relação a um dos sectores mais afectado pelos acontecimentos recentes.” MIMIZAR OS IMPACTOS SOCIO-ECONÓMICOS ara além de apoiar os trabalhadores da construção civil, a Melco estendeu a sua ajuda a outros grupos locais afectados pelo surto viral, através do seus parceiros locais como a FAOM e a Associação de Mulheres de Macau. Em colaboração com a FOAM, a Melco criou o Fundo Especial para Mulheres em Necessidade com a doação de 5 milhões de patacas, para ajudar os empresários locais em nome individual, trabalhadores e famílias afectadas pelas consequências do vírus. A

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Melco trabalhou de perto com a FAOM para identificar os 1.500 benificiários: taxistas, motoristas de autocarros, guias turísticos e as suas famílias. Para levar mais longe o apoio ao combate contra a COVID-19, a Melco doou 500.000 máscaras cirúrgicas ao Governo da RAE de Macau e à comunidade local, sendo que destas, 200.000 foram directamente entregues às ONGs que operam sob a alçada do Gabinete para os Assuntos Sociais. As máscaras destinam-se aos grupos mais vulneráveis da comunidade, como os idosos, famílias monoparentais, doentes crónicos e trabalhadores da área da saúde. Lee Chong Cheng, Presidente da FAOM, declarou, “Actualmente muitos trabalhadores estão a sofrer uma redução de vencimentos…e precisam urgentemente de assistência para combater a pressão crescente a que estão sujeitos. A doação deste fundo é prova do cuidado e da preocupação da Melco com a comunidade de Macau, bem como do seu papel enquanto empresa com responsabilidades sociais e de cidadania. A Macao Federation of Trade Unions espera poder continuar a trabalhar com a Melco, bem como com outros membros da comunidade alargada para, em conjunto, combater e ultrapassar esta doença, rumo a um Macau estável e saudável.” A Melco também doou 3 milhões de patacas à sua parceira de longa data, a Associação de Mulheres de Macau, para a aquisição de máscaras de protecção, com o propósito de ajudar a reduzir o contágio. A doação prevê um sistema de mensalidades para ajudar as famílias afectadas pelo surto do novo Coro-

“Acredito que, em conjunto com o Governo da RAEM e com os nossos parceiros locais, iremos ultrapassar esta crise e sair dela mais fortes e mais unidos enquanto comunidade.” Lawrence Ho navírus, em particular as mães solteiras e aquelas que têm crianças com necessidades especiais. PROMOVER A SAÚDE E O BEM-ESTAR unca como agora foi tão importante estar consciente da higiene pessoal e do bem-estar. Para ajudar o Governo a divulgar as medidas de prevenção contra o Coronavírus junto da comunidade em geral, a Melco está a apoiar a produção de uma série de vídeos online transmitidos pelo Macao Daily News, intitulada ‘Macau Saudável: Dicas Essenciais para Combater a Doença’. Os vídeos transmitem informação sobre os tópicos mais importantes, como identificação de sintomas do COVID-19, como colocar máscaras de forma eficaz, as melhores práticas de higiene pessoal, como escolher os desinfectantes para casa. Também promove a prática de exercício físico em casa, para que a população se mantenha saudável.

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opinião 23

sexta-feira 24.4.2020

confeitaria

JOÃO ROMÃO

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passagem do tempo sobre a presença do vírus que ataca a Humanidade não tem ajudado a antever um horizonte de futuro: antes pelo contrário, acrescentam-se dúvidas às incertezas já conhecidas: sabe-se pouco ou nada sobre como lidar com o problema, vai-se aprendendo o possível com a experiência vivida, ou não, e navega-se com pouca vista sobre um horizonte turvo e indefinido. Já houve outros vírus, é certo, mas aparentemente nunca tão resistentes à intervenção humana, tão persistentes nos seus impactos sobre as pessoas, tão dissimulados na forma lenta como ocupam os organismos e preparam um ataque massivo e inesperado. Não sabemos como eliminar este inimigo nem por quanto tempo teremos que viver escondidos, em inevitável protecção individual e colectiva. Este exercício colectivo de auto-protecção pode trazer à superfície o melhor de nós, a preocupação com as outras pessoas, a prioridade à comunidade sobre o individualismo, a percepção de que não há estrangeiros e de que estamos todos a viver no mesmo mundo, a importância da fraternidade e da solidariedade sobre a competição desenfreada que foi ocupando o quotidiano das sociedades contemporâneas, um olhar sobre a economia preocupado com necessidades efectivas e não com a ganância da acumulação, ou o valor da amizade e das relações pessoais: uma certa reavaliação do que andamos aqui a fazer e do que realmente importa para vivermos bem, sermos felizes, seja lá isso o que for, e encontrarmos uma certa harmonia com os limites do planeta e dos seus recursos. Foi com esta generosidade que se cantou ou se aplaudiu à varanda e à janela, para dizer que estamos juntos, que é grande a esperança num futuro melhor, que não queremos voltar ao normal: queremos melhor. Hoje canta-se e aplaude-se menos, no entanto. A rotina cansa. Estar em casa tanto tempo cansa. Não se ter ideia de quanto tempo falta cansa ainda mais. Há uma incerteza profunda sobre o presente, sobre a solução possível para este extraordinário problema, e uma incerteza ainda maior sobre o futuro. Quando tempo falta? Enquanto durar, vai haver médicos e hospitais? Vai haver comida? Vai haver salários para comprar a comida e para pagar as casas onde se tem que ficar? Vai haver ainda empresas quando passar tempestade? Vai o Estado poder suportar todos os custos que já se conhecem e os outros, porventura muitíssimo maiores, que estão para vir? Essa incerteza cada vez mais prolongada corrói a esperança, já se sabe: alimenta a des-

Pós-covid?

confiança, recupera o individualismo, apela ao egoísmo, corrói o espírito de comunidade, desperta o pequeno ou o grande fascista mais ou menos adormecido em tantos corações. Em vez de vozes fraternas e sentimentos de esperança, vemos dedos acusatórios apontados, “polícias de varanda”, novos bufos e delatores ávidos de notícias, de preferência

Não sei se se justifica, mas vive-se essa incerteza, de só se saber que o assunto não está afinal resolvido. Não é bom viver com medo.

falsas, que legitimem o discurso da violência sobre os outros, do ódio sobre a diferença, do autoritarismo sobre a democracia. Eles andam aí e esta reclusão colectiva e prolongada também serve para se mostrarem, com poucos pudores, auto-legitimados que se sentem pela magnífica missão que escolheram desempenhar, a de vigilantes e delatores de inimigos inventados à medida. Outras razões conduzem à falsa de esperança, certamente, que os impactos desta crise social e económica são extremamente assimétricos. Talvez esteja mais protegido quem trabalhe para o Estado, mesmo que não se vislumbre grande luz ao fundo deste túnel e não se perceba muito bem qual é o limite desse suporte pelas finanças públicas.

Menos protegidos estarão os trabalhadores de empresas privadas com contratos permanentes, sobre os quais as ditas empresas têm alguma responsabilidade, certamente mais limitada que a do estado pelas contingências dos ciclos económicos. Haverá grandes empresas que acumularam o suficiente para aguentar este e outros rombos sem problemas de maior e que, ainda assim, estendem a mão ao Estado, salvador afinal, importante afinal, essencial afinal. Mas também há as pequenas e médias empresas que genuinamente não têm como assegurar o pagamento de salários depois de um, dois, três meses, sem produzir. Quantos meses vão ser, afinal? Depois vai-se descendo na escala da vulnerabilidade: os trabalhadores temporários, os independentes, todos os que vivem de actividades artísticas ou das funções técnicas inerentes, todos os que desempenham tarefas essenciais e regulares em processos produtivos mas sobrevivem na chantagem da informalidade. Todos os desempregados sem horizonte para procurar emprego. Todos os sem-abrigo que não têm casa onde se recolher. Todos os habitantes de casas precárias sobrelotadas na periferia de grandes cidades. Todos os refugiados que fugiram da guerra e foram depositados em campos de concentração às portas da Europa. Toda a gente que em África, na América Latina ou no Sudoeste Asiático, para quem a normalidade do quotidiano já se fazia de carências habitacionais, alimentares, económicas ou de cuidados de saúde. Sabe-se muito pouco sobre se, quando e como sairemos todos desta inusitada experiência. Talvez possamos contar uns com os outros para sair como uma comunidade reforçada e solidária e não como pessoas gananciosas à procura de recuperar à força qualquer coisa tida como perdida, seja lá o que for. Talvez. Vivo por estes dias uma experiência que esperava ser de “pós-covid”. Estava enganado e afinal não é o caso. Desde que apareceram os primeiros casos no Japão, em finais de Janeiro, vivi durante dois meses na região de Hokkaido, a que teve durante muito tempo o maior número de casos no país (foi entretanto ultrapassada por Tóquio). Nunca houve confinamentos obrigatórios, mas houve uma severa retração recomendada e generalizadamente aceite, em que só se saía para o essencial. Estive quase sem sair de casa durante um mês e meio. Entretanto mudei para outra região, no sul, onde até agora se registaram apenas 3 casos, todos eles já recuperados. Viajei num avião quase vazio, passando por aeroportos quase vazios. Encontrei uma cidade quase sem casos (só teve 1, para mais de um milhão de habitantes) mas ainda assim muito previdente, com poucas pessoas nas ruas, muitas máscaras, visível contenção na aproximação, ainda mais do que é habitual na cultura japonesa, já de si muito parcimoniosa no contacto físico. Não sei se se justifica, mas vive-se essa incerteza, de só se saber que o assunto não está afinal resolvido. Não é bom viver com medo.


Talvez a maior lição da história seja que ninguém aprendeu as lições da história. PALAVRA DO DIA

Aldous Huxley

CRECHES ABERTURA PODE ACONTECER EM JULHO

IC ACEITES QUATRO PROPOSTAS PARA OPERAR CINEMATECA

A

PUB

S creches subsidiadas pelo Governo podem começar a abrir em Julho, de acordo com a informação fornecida ontem por Choi Pui Ying, chefe da Divisão de Licenciamento e Fiscalização dos Equipamentos Sociais do Instituto para a Acção Social, durante a conferência de imprensa de actualização da situação da covid-19 no território. “As creches estão a proceder às inscrições o que normalmente acontece entre Maio e Junho. Depois, entre Julho e Setembro as crianças podem começar a frequentar as creches. Mas ainda estamos a avaliar a evolução da pandemia”, afirmou Choi, sobre a possibilidade de haver uma abertura prematura. Neste momento existe uma diferença entre as creches subsidiadas pelo Executivo e as independentes, que já tiveram autorização para começar a operar, como admitiu a representantes do IAS. “Algumas famílias precisavam de alguém para ficar com as crianças e essas creches oferecem esses serviços. Mas, cumprem as instruções e exigências do Governo ao nível da salubridade, ventilação e limpeza. Houve também fiscalizações”, justificou Choi Pui Ying. No entanto, a representante não explicou o que permite que as creches privadas e as subsidiadas sigam orientações diferentes. Quando questionada sobre o assunto, apenas referiu a necessidade de alguns pais terem de arranjar um local para deixar os filhos e que o número de crianças a frequentar as creches não subsidiadas é inferior a 10 por cento de todas. Também na conferência de imprensa, o Executivo anunciou que o hotel Sheraton deixou de ser utilizado para colocar pessoas em quarentena. Com esta decisão, o Governo fica apenas a utilizar a Pousada Marina Infante e o hotel Coroa Dourada China, num total de 508 quartos, para as actuais 138 pessoas que se encontram em observação em quartos de hotel.

sexta-feira 24.4.2020

O SSM “Os prestadores de cuidados de saúde que administram vacinas fora do prazo, quer seja a adultos quer a crianças estão a aumentar o risco de doenças entre a população bem como estão a destruir a barreira imunológica de Macau.”

SAÚDE CENTRO MÉDICO ADMINISTROU VACINA COM VALIDADE EXPIRADA

Injecções de risco

O

S Serviços de Saúde (SSM) anunciaram que, no seguimento de um processo de investigação, detectaram que o Centro Médico MICC administrou pelo menos uma vacina expirada e detinha um armazenamento ilegal de vacinas. A comunicação, agora revelada, resultou da abertura de uma investigação no ano passado, motivada por uma denúncia que levou a uma inspecção surpresa. “Os prestadores de cuidados de saúde que administram vacinas fora do prazo, quer seja a adultos quer a crianças estão a aumentar o risco de doenças entre a população bem como estão a destruir a barreira imunológica de Macau”, diz a nota. De acordo com os SSM, a situação detectada viola o regime jurídico do erro médico, apontando para a obrigatoriedade de os

prestadores de cuidados de saúde com conhecimento ou suspeita da ocorrência de erro médico em notificarem os Serviços de Saúde no prazo de 24 horas. O organismo alerta que o incumprimento desta norma leva a responsabilidades jurídicas. As multas para quem não alertar que uma vacina fora de prazo foi administrada de forma acidental ou negligente podem ir de 4.000 a 40.000 patacas ou 10.000 a 100.000, em função de ser pessoa singular ou colectiva.

PROIBIDO GUARDAR

No ano passado os SSM detectaram várias “situações anómalas relativas ao armazenamento de vacinas”, que abrangeram os Centros Clínicos MICC, AMBO, Hong Yu e a Clínica do Dr. Wong Shing Ngai e da Dra. Wong Chio Iong. No total das inspecções de rotina e surpresa foram então identificados

seis estabelecimentos de cuidados de saúde a serem suspeitos de violar a lei relativamente às vacinas. No caso do Centro Clínico MICC, numa inspecção surpresa a 17 de Outubro encontraram-se 52 unidades de diferentes tipos de vacinas, incluindo as vacinas contra o cancro do colo do útero de quatro e nove valências, vacinas da hepatite B e da gripe. Os SSM reiteraram agora que os médicos do privado não podem armazenar ou fornecer vacinas, devendo cumprir o Guia sobre o Controlo de Medicamentos em Consultórios e Clínicas Médicas. Algo que implica “monitorizar e registar, de forma regular, o armazenamento de medicamentos e tratar ou destruir medicamentos, incluindo vacinas, suspeitos de danos ou com prazo expirado”. Salomé Fernandes

info@hojemacau.com.mo

Taipa Grande Federação das Associações dos Operários exigem melhorias no trilho Leong Meng Ian, vice-presidente da Federação das Associações dos Operários de Macau, defendeu a realização de trabalhos de manutenção e melhoria no Trilho da Taipa Grande, após ter recebido “muitas queixas” de residentes. No mesmo sentido, a líder associativa diz que partes do trilho são mesmo

inseguras com barreias de protecção de plástico, na zona da estação da C.E.M., e defende que deveriam ser constituídas por um material mais sólido. Ainda no que diz respeito aos espaços mantidos pelo Instituto para os Assuntos Municipais, Leong aponta que há demasiado lixo e automóveis abandonados nos trilhos.

Instituto Cultural recebeu cinco propostas para operar a Cinemateca Paixão e aceitou quatro, com valores que vão dos 15,2 milhões aos 34,8 milhões de patacas. A informação foi publicada no portal do IC, após o prazo para a apresentação das propostas para o concurso público ter sido adiado, devido à pandemia da covid-19, para 8 de Abril. Segundo a informação disponibilizada, a empresa até agora responsável pelo espaço, a Cut Lda., ligada à Associação Audio-Visual Cut, apresentou o valor mais elevado, de 34,8 milhões de patacas. No polo oposto, a proposta mais baixa admitida foi apresentada pela Companhia de Produção de Entretenimento e Cultural, com um valor de 15,2 milhões. Além disso, houve igualmente outras duas propostas admitidas. Da Criação Surpreendente Limitada, no valor de 27,8 milhões de patacas, e do Grupo de Convenções Internacionais Macau China, Limitada com um montante de 22,9 milhões de patacas. Segundo as regras do concurso, pelo menos 50 por cento do capital social das empresas tem de ser propriedade de um residente. Por essa razão, a proposta da empresa O2 Media, com um valor de 7,9 milhões de patacas, acabou por ser excluída. As operações da Cinemateca Paixão estiveram para ser suspensas no final do ano passado, devido à não renovação do contrato de arrendamento do espaço.Adecisão acabou por ser revertida depois de ter havido uma forte reacção contra o encerramento do sector local. Por este motivo, o IC lançou um novo concurso para que o novo contrato de operações comece em Agosto deste ano e se prolongue até Julho de 2023.


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