Hoje Macau 3 MAR 2016 #3524

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DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ

MOP$10

QUINTA-FEIRA 3 DE MARÇO DE 2016 • ANO XV • Nº 3524 PUB

AGÊNCIA COMERCIAL PICO • 28721006

hojemacau MP MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO DO EDIFÍCIO DA AL ADQUIRIDOS COM BASE EM DOCUMENTOS FALSOS

E pau, e pedra

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A aquisição de madeiras e pedras usadas na construção do edifício da Assembleia Legislativa foi efectuada com base em informações falsas. A denúncia parte do autor do projecto que, já na altura, apresentou queixa às auto-

ridades judiciais. O Ministério Público, no entanto, resolveu arquivar o caso em 2004. Para o arquitecto Mário Duque este é mais um exemplo da “falta de uma cultura sólida de obras públicas em Macau”.

GRANDE PLANO

ADOPÇÃO

Crescer à espera PÁGINA 7

PJ

AS DUAS FACES DA LEI PÁGINA 8

ANIMAIS

Açaimes só para alguns PÁGINA 4

h A diáspora do desejo MANUEL AFONSO COSTA

Anónimos

ANTÓNIO CONCEIÇÃO JÚNIOR

GIULIO ACCONCI

DA POP PARA A TELA PUB

CENTRAIS

FESTIVAL DE CINEMA

Duelo de associações PÁGINA 9


2 GRANDE PLANO

Parte dos materiais utilizados na construção do actual edifício da Assembleia Legislativa terão sido adquiridos com base em documentos falsos. Um dos responsáveis da empresa confessou ter sugerido a falsificação de informações, mas o MP arquivou o caso pelo facto das falsificações terem ocorrido no estrangeiro

MP PROJECTO DO EDIFÍCIO DA AL ENVOLTO EM FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS

AS PEDRAS MISTERIOSAS

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construção do actual edifício da Assembleia Legislativa (AL), concluído em 2000, terá estado envolvida num processo de falsificação de documentos para a aquisição dos materiais, nomeadamente de todas as pedras que revestem o edifício e algumas madeiras. Mário Duque, autor do projecto, fez uma denúncia às autoridades judiciais em Dezembro de 1999, mas o Ministério Público (MP) acabou por arquivar o caso em 2004 justificando que a falsificação foi feita fora de Macau. Agora, o arquitecto resolve tornar público este caso por considerá-lo um exemplo da “falta de uma cultura sólida de obras públicas” em Macau. Segundo os documentos, a empresa de construção Tai Fung era a responsável pelo fornecimento das pedras. O MP nunca conseguiu confirmar o autor das falsificações, sendo que estão em causa documentos timbrados das empresas fornecedoras de materiais cujo conteúdo terá sido totalmente “forjado”. Segundo o despacho do MP consultado pelo HM, Ma Ion Kun, da empresa de construção Tai Fung e vice-presidente da Direcção da Associação de Engenharia e Construção de Macau, confessou “ter sugerido que várias empresas estrangeiras mudassem os respectivos números de telefone e fax, a fim de impedir que o denunciante (o arquitecto) contactasse com tais empresas estrangeiras para solicitar comissões – gorjeta”. O

Os faxes forjados terão sido transmitidos com intervalos de 12 minutos de locais tão diversos como a Índia ou o Brasil e continham “números telefónicos e de fax que não existiam”

documento mostra ainda que Ma Ion Kun “não aceitou as empresas sugeridas pelo denunciante (arquitecto) porque o preço dos materiais de obras eram demasiado altos”. “Os materiais das obras apresentados nos documentos em causa acabaram por obter o aval do então Governo português de Macau para

QUEIXA POR DIFAMAÇÃO CONTRA TAI FUNG

À data, o arquitecto Mário Duque chegou a apresentar uma queixa no MP por difamação contra a empresa Tai Fung, pelo facto desta ter sugerido que este poderia receber comissões das empresas. Contudo, Mário Duque confirmou ao HM que a queixa acabou por prescrever. “O MP reteve por muito tempo a queixa”.

serem utilizados nas obras das instalações da AL”, lê-se ainda no mesmo despacho. Para Mário Duque, esta explicação significa que o MP “se descartou para ter maneira de empurrar o assunto para a fase da transferência de soberania”. Isto porque a obra ficou concluída em 2000. O MP chegou à conclusão de que “a falsificação de documentos ocorreu no estrangeiro e foi praticado por pessoas estrangeiras”. “O Código Penal de Macau é aplicado a estes factos apenas no caso dos seus autores se encontrarem em Macau, o que não aconteceu no caso em apreço”, apontou o organismo.

FAXES FALSOS

Os faxes forjados terão sido transmitidos com intervalos de 12 minutos de locais tão diversos como a Índia ou o Brasil e continham “números telefónicos e de fax que não existiam”. Uma das empresas fornecedoras de materiais contactou directamente Mário Duque em 1999 dizendo-lhe que os faxes eram “totalmente forjados” com informações falsas. “O conteúdo dessa informação está totalmente incorrecto, já que a nossa pedra não precisa de ser tratada”, pelo que “o cliente não tem de gastar mais dinheiro ao usar a nossa pedra na parte exterior”, pode ler-se. Um fax forjado sobre a compra do mesmo material diz exactamente o contrário. Sobre a acusação de que a falsificação de dados serviria para evitar que o arquitecto pedisse comissões às empresas fornecedoras, Mário Duque apenas referiu que o

“O efeito disseminador da apreciação do MP aconteceu junto do director das Obras Públicas à data, para quem deveria ser claro que tais situações não se admitem em actos de obras públicas. [O director] achouse desobrigado de qualquer intervenção na questão, a qual residia no seu âmbito de administração” “Da maneira como as coisas foram feitas [na construção do edifício da AL], ninguém sabe o que lá está e a origem dos materiais” MÁRIO DUQUE ARQUITECTO


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MP “não viu, ou não quis ver, que a confissão não só era descabida, como carecia de evidência”. “Na falta dessa evidência, também não ocorreu ao órgão judiciário que tal confissão era ofensiva para o bom nome profissional dos arquitectos acreditados na RAEM e manteve esse conhecimento guardado até prescrever [o caso]”.

DSSOPT NÃO AGIU

Em 2009, Mário Duque resolveu contactar as restantes empresas de materiais envolvidas por já terem presença na internet, com os respectivos endereços. “Uma vez contactadas, algumas asseguraram que nunca produziram tal documentação. Outras não confirmaram, mas garantiram que nunca iriam emitir documentação naqueles termos”, referiu. O arquitecto confrontou ainda a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) com as novas informações, sendo, diz, que Jaime Carion, director na altura, entendeu ser uma matéria da competência do MP. “O efeito disseminador da apreciação do MP aconteceu junto do director das Obras Públicas à data, para quem deveria ser claro que tais situações não se admitem em actos de obras públicas. [O director] achou-se desobrigado de qualquer intervenção na questão, a qual residia no seu âmbito de administração”, disse Mário Duque ao HM. O arquitecto frisou que “da maneira como as coisas foram feitas [na construção do edifício

O MP chegou à conclusão de que “a falsificação de documentos ocorreu no estrangeiro e foi praticado por pessoas estrangeiras”. “O Código Penal de Macau é aplicado a estes factos apenas no caso dos seus autores se encontrarem em Macau, o que não aconteceu no caso em apreço” DESPACHO DO MP da AL], ninguém sabe o que lá está e a origem dos materiais”. Mais tarde, todas as pedras que revestem o edifício “foram testadas localmente para verificação das características mínimas, face às dúvidas na documentação”, medida que não competia a quem estava no projecto em Macau, pois o material “deveria chegar à obra com as informações verdadeiras”. “Para quem estava na obra era óbvio que aquela informação não era de confiança”, rematou. Andreia Sofia Silva

andreia.silva@hojemacau.com.mo

PROJECTO É “UM EXEMPLO DA FRAGILIDADE DA CULTURA DAS OBRAS PÚBLICAS”

A

denúncia vem no seguimento do caso que envolve precisamente o ex-procurador do MP e obras. Apesar deste caso ter ocorrido há 16 anos, Mário Duque só agora o tornou público por se tratar de um “exemplo muito eloquente da fragilidade da cultura de Obras Públicas vigente na RAEM”, enquanto “origem de todos os aproveitamentos ilícitos”. Para o arquitecto, existe, da parte do MP “uma apreciação

que é uma maneira de não existir consequências”. “A informação não era idónea e tinha todos os indícios de ser forjada, com benefícios que se desconhecem, mas que se depreendem serem conveniências não lícitas e que cabe ao MP investigar. Houve uma falsificação de informações que não teve consequência nenhuma na RAEM porque foi feita lá fora e também não há problema em dizer que era para evitar que os

arquitectos tirassem comissões”, ironiza Mário Duque. Para o arquitecto, “a questão pertinente é que os participantes da Administração e os técnicos não são zelosos e há falta de brio e de decoro. Não há confiança e há medo, há receio de tomar certas intervenções que venham a ser objecto de investigação. Qualquer dos intervenientes nas Obras Públicas tem medo de intervir nesses actos”, rematou. A.S.S.


4 POLÍTICA

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IRMÃO DE CHUI SAI ON NOMEADO PARA CONSELHO DE MAGISTRADOS DO MP Chui Sai Cheong foi nomeado pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On, para o Conselho de Magistrados do Ministério Público (MP), juntamente com o arquitecto Eddie Wong, sob proposta da Comissão Independente responsável pela indigitação dos candidatos ao cargo de juiz. O despacho foi publicado ontem em Boletim Oficial.

NOMEADOS MEMBROS DO CONSELHO PARA A RENOVAÇÃO URBANA

O Chefe do Executivo, Chui Sai On, já nomeou os 21 membros que vão compor o Conselho para a Renovação Urbana. Paulino Comandante, Secretário-geral da Associação dos Advogados de Macau, o deputado Chan Chak Mo e o ex-deputado Ung Choi Kun são alguns dos nomes escolhidos, segundo o despacho publicado ontem em Boletim Oficial.

Animais GOVERNO RECUA NO USO DE AÇAIMES. CASOS ESPECIFICADOS NA LEI

Cão que ladra não morde O Governo já decidiu. O uso de açaimes será obrigatório para cães com ou mais de 23 quilos, raças perigosas ou que já tenham cadastro de agressividade. Depois de muita contestação, o Governo elaborou um estudo que define quem tem ou não de usar

D

EPOIS de ser levantada a hipótese da proposta de Lei de Protecção dos Animais definir que todos os cães deveriam usar açaime nos espaços públicos, o Governo vem acalmar as vozes que se levantaram contra a sugestão. “Os cães com peso igual ou superior a 23 quilos terão de usar açaime (...), bem como os cães de raças perigosas (...) e cães com cadastro de ataque”, esclareceu Kwan Tsui Hang, presidente da 1.ª Comissão Permanente, grupo responsável pela análise da proposta na especialidade, que adiantou ainda que o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) realizou um estudo sobre o assunto. “Ouvimos muitas opiniões da sociedade e por isso o IACM fez um estudo. (...) Neste documento é sugerido que só determinados cães precisem de usar açaime”, indicou. Seguindo a proposta anterior o IACM explica que o uso da placa atribuída ao cão após o seu registo poderá funcionar como identificação. O Governo sugere, por isso, que no caso de cães perigosos ou com cadastro esta placa seja “de alguma cor”, sendo que está apontada ser de “cor vermelha”. “Os cães com este tipo de placa terão de usar açaime nos espaços públicos”, explicou a deputada, indicando que depois de ouvir as alternativas do Governo, a Comissão entende que as mesmas são “viáveis”.

VERDADES UNIVERSAIS

Os resultados do estudo, cedido ao HM em versão chinesa, indicam que “a implementação do uso de açaime em todos os cães, em espaços exteriores, ou o uso da jaula é difícil de aceitar e de ser compreendido pelos donos dos animais. Para os cães, usar açaime não é confortável e o mau uso pode causar danos directos aos animais. Por exemplo, a hu-

midade e o calor no Verão podem levar a dificuldades respiratórias e falta de oxigénio, não sendo impossíveis os casos de insolação ou doença cardiovascular. Em casos em que o cão se perde, estando a usar o açaime, poderá levá-lo até à morte. Para os cães de idade avançada, doentes, sem dentes, cães muito dóceis, ou cães de guia, usar açaime poderá não ser a melhor opção”. O mesmo estudo indica que a aplicação da obrigação do uso de açaime por todos os cães poderá levar a que os donos deixem de os passear, deixando-os sempre fechados em casa. “Alguns estudos feitos já demonstraram que os cães precisam de contacto social regularmente, caso contrário podem ganhar fobias e chegar a atacar quando saem à rua”, aponta o documento. O IACM confirmou que, depois da última reunião com a Comissão, recebeu várias opiniões da população contra o uso obrigatório do açaime. As opiniões, cita o Instituto, caracterizavam a possível medida de “irracional”, violando “o princípio de protecção para os animais”, chegando até a “feri-los”. “No dia 27 de Fevereiro de 2016 algumas associações de protecção aos animais criaram uma página nas redes sociais contra o pedido de açaime para todos os cães. Até às 21h00 do dia 1 de Março, 3400 pessoas acederam ao movimento pedindo a retirada desta exigência”, pode ler-se ainda no estudo do IACM.

CONHECER PARA SABER

No mesmo estudo, o IACM indica ainda que “a causa de muitos ataques dos cães deve-se à falta de conhecimento da sociedade”, algo que não deveria actualmente acontecer porque a mesma instituição já “organizou vários seminários e distribuiu folhetos para que a sociedade saiba lidar com

os cães”. “Quando a sociedade souber lidar com os animais os ataques vão diminuir”, garante ainda o estudo. Numa decisão final, o Governo propõe que só estes três tipos de cães usem o açaime, sendo que é necessário que estejam acompanhados por maiores de 18 anos. Ao mesmo tempo, a proposta define uma punição de duas mil patacas para os donos que não cumpram a lei. Durante a reunião de ontem, a Comissão pediu ainda que, apesar

das disposições já definidas nos Códigos Civil e Penal, sejam introduzidas normas, nesta proposta, que garantam a protecção das vítimas de ataques dos animais. “Para que as vítimas saibam o que podem fazer”, rematou. Ao que o HM apurou, alguns casos tidos como “ataques” dizem respeito a cães que “assustaram as pessoas por terem ladrado agressivamente”, ainda que não tenham tido contacto. Filipa Araújo (com F.F. e T.C.)

filipa.araujo@hojemacau.com.mo

Urgente mudar

Leonel Alves pede mudança na Lei de Organização Judiciária

O

deputado Leonel Alves defende que a Lei de Bases da Organização Judiciária tem de ser mudada para permitir recurso de decisões judiciais em casos que envolvam altos cargos. De acordo com a TDM, a situação é, para Leonel Alves, “uma situação inadiável que tem de ser discutida”. “Tem que ser alterada a estrutura. Perdemos muito tempo em não alterar a lei e aquilo que se ouve mais na sociedade e em especial no sector profissional de advogados é a irrecorribilidade das decisões tomadas, a nível judicial, perante os titulares dos principais cargos”, defende ao canal o também membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, a propósito do caso que envolve o antigo Procurador, Ho Chio Meng. “Em vez de ser o Tribunal de Última Instância porque não poderá ser o Tribunal da Segunda instância? Até porque, normalmente, há juízes da Segunda Instância que são repescados para o Tribunal de Última Instância. É uma questão dramática que tem de ser resolvida com alguma urgência.”

CASO HO CHIO MENG UM DOS DETIDOS É FAMILIAR

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m dos dois empresários a quem foi decretada prisão preventiva na terça-feira é familiar de Ho Chio Meng, apurou o HM através de fonte ligada ao processo. Este jornal sabe ainda que Leong Weng Pun, advogado do ex-procurador da RAEM, é o advogado de “um dos empresários detidos”, devendo este ser, de acordo com as fontes ouvidas pelo HM, o familiar de Ho. Ao que o HM apurou, além de Ho Chio Meng e do ex-Chefe do seu Gabinete, Lai Kin Ian, a “ex-assessora” que estará alegadamente envolvida no caso será Cheang Hang Chip, como revelam fontes ao HM.


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Oito anos à espera

DSPA RAYMOND TAM QUER MELHORAR RESÍDUOS SÓLIDOS E ÁGUAS

Bom filho à casa torna

R

AYMOND Tam está de regresso à Função Pública, desta vez como director dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA). A cerimónia de tomada de posse decorreu ontem e o novo director prometeu dar atenção às políticas sobre o tratamento dos resíduos sólidos e das águas residuais, por serem áreas ligadas à população. “Numa cidade em desenvolvimento temos de ver como podemos melhorar a gestão e a estratégia dos resíduos sólidos, sobretudo no que diz respeito ao aumento do seu volume. Olhamos para dois lados: por um lado queremos diminuir a fonte dos resíduos e melhorar o tratamento. Ao nível da poluição das águas

A

costeiras, vamos verificar melhorar as fontes de poluição, por forma a resolver os problemas do dia-a-dia”, apontou. Questionado sobre a publicação do relatório de impacto ambiental relativo ao projecto de luxo do Alto de Coloane, Raymond Tam disse necessitar de mais tempo para confirmar se esse relatório vai mesmo ser elaborado. “É preciso tempo para eu integrar a equipa e compreender o avanço dos trabalhos”, disse o

novo director, que prometeu ainda acelerar a legislação relacionada com a avaliação ambiental de projectos. Raymond Tam foi ainda questionado sobre o último relatório do Comissariado de Auditoria, que apontou falhas na adjudicação de serviços por parte da DSPA. O novo director apenas disse acreditar que os seus colegas “estão a avançar com os trabalhos passo a passo”, tendo prometido comunicar com a sua equipa para

que esta trabalhe melhor “o mais depressa possível”. Raymond Tam, que era presidente do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, regressa à Administração depois de ter sido ilibado num caso ligado ao chamado processo das Campas. Tam ia acusado de prevaricação, mas o tribunal considerou não haver quaisquer provas contra si. Flora Fong

flora.fong@hojemacau.com.mo

SECRETÁRIO ENTRADA É PROCESSO “NORMAL”

O

Secretário para as Obras Públicas e Transportes, Raimundo do Rosário, garantiu que a entrada de Raymond Tam para o cargo de director

da DSPA faz parte de um processo “comum de mudança de pessoal”. O antigo director, Vong Hoi Ieong, tinha mandato para cumprir até Junho, mas o

RECEITAS DA ADMINISTRAÇÃO EM QUEDA

A

Trânsito Deputada Ella Lei pede regulação para capacetes

GCS

O novo director dos Serviços de Protecção Ambiental pretende melhorar as estratégias na área dos resíduos sólidos e das águas residuais. Sobre o projecto de luxo no Alto de Coloane pouco disse

POLÍTICA

S receitas da Administração continuam em queda, mas o saldo do orçamento central em Janeiro ultrapassa já o previsto para os 12 meses de 2016, indicam dados oficiais. De acordo com dados provisórios publicados no portal da Direcção dos Serviços de Finanças, o saldo orçamental atingiu 4,8 mil milhões de patacas, um valor que traduz uma queda de 43,2% face ao excedente apurado no período homólogo do ano passado, mas que reflecte uma execução de 138,6% face ao orçamentado para todo o ano de 2016. A Administração arrecadou receitas totais de 8,5 mil milhões de patacas, menos 20,3% face a Janeiro de 2015, estando cumpridas em 9,2%. Os impostos directos sobre o jogo – 35% sobre as receitas brutas dos casinos – foram de 6,7 mil milhões de patacas, reflectindo

uma redução de 20,5% face a Janeiro de 2015 e uma taxa de execução de 9,4%. A importância do jogo reflecte-se no peso que o imposto detém no orçamento: 79,4% nas receitas totais, de 80,2% nas correntes e de 91,2% nas derivadas dos impostos directos. Na rubrica da despesa verificou-se um aumento superior a dois terços (68,1%) face a Janeiro de 2015, para 3,6 mil milhões de patacas – impulsionado pela mesma percentagem de crescimento nos gastos correntes –, apesar de a taxa de execução corresponder a apenas 4,2% do orçamentado autorizado para 2016. Não foram despendidas verbas ao abrigo do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração (PIDDA) – cujo valor orçamentado para este ano é de 11 mil milhões de patacas –, pelo que a taxa de execução correspondeu a 0%.

Secretário garantiu que nada teve a ver com incapacidade de trabalho e que a lei permite uma mudança de director antes do fim do mandato.

deputada Ella Lei questionou o Governo sobre a ausência de novidades sobre a regulamentação de capacetes para motociclos, por se tratar de uma legislação que está a ser analisada “há oito anos”. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) já tinha explicado em 2012 que o regulamento estava na última fase de elaboração e que o diploma deveria chegar à Assembleia Legislativa (AL) nesse ano, mas até agora nada foi feito, disse a deputada. O HM, recorde-se, avançou recentemente que o organismo disse estar “a ultimar a legislação”, que pretende entregar este ano para processo legislativo. Ella Lei considera que a regulamentação para capacetes deve ser implementada em conjunto com a Lei do Trânsito Rodoviário, por se tratar da segurança dos motoristas e passageiros. A deputada lembrou que o Governo já realizou uma consulta pública sobre o assunto em 2007, mas ainda não foram divulgados resultados. A DSAT lançou orientações em 2014 sobre os modelos de capacetes e o seu uso pelos condutores, mas as regras não são obrigatórias. Ella referiu que, dessa forma, a polícia nada pode fazer quando os capacetes não cumprem as regras de segurança, mas continuam a ser vendidos. Tomás Chio

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FUNÇÃO PÚBLICA MEMBROS DA COMISSÃO DE ÉTICA RECONDUZIDOS

O Chefe do Executivo vai reconduzir a partir de amanhã os membros da Comissão de Ética da Função Pública. Paulino do Lago Comandante, Secretário Geral da Associação de Advogados de Macau e também membro do Conselho para a Renovação Urbana, mantém-se como presidente, ao lado de Lam Heong Sang, deputado pela Federação das Associações dos Operários de Macau, e Kou Peng Kuan, o actual director dos Serviços de Administração e Função Pública. Esta Comissão visa apoiar o Chefe do Executivo “na implementação e fortalecimento de uma cultura de transparência e integridade na Administração Pública” e a ela competelhe “analisar e emitir pareceres sobre os pedidos de autorização para o exercício de actividades privadas após a cessação de funções por parte do pessoal da Função Pública”, bem como emitir recomendações, conselhos e orientações relativas à conduta dos trabalhadores.


6 PUBLICIDADE

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Anúncio 【N.º 201603-1】 Torna-se público que, nos termos do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2014 (Regulamentação da Lei do planeamento urbanístico), a DSSOPT vai proceder-se à recolha de opiniões dos interessados e da população respeitantes aos projectos de Planta de Condições Urbanísticas (PCU) elaborados para as zonas não abrangidas por plano de pormenor mas inseridas nos lotes abaixo indicados: ─ Processo N.º: 89A167, Terreno junto à Estrada Lou Lim Ieok - Taipa; ─ Processo N.º: 90A038, Terreno junto à Avenida de Vale das Borboletas (Zona Industrial de Seac Pai Van – Lote SI1) - Coloane; ─ Processo N.º: 90A283, Terreno junto à Avenida de Vale das Borboletas - (Zona Industrial de Seac Pai Van – Lote SG2 - Coloane; ─ Processo N.º: 92A107, Terreno junto à Estrada de Pac On e Rua da Felicidade “Lote O1” - Taipa; ─ Processo N.º: 94A153, Rua do Campo nos 275-281, Travessa do Pato nos 1-3 e Rua de Pedro Nolasco da Silva nos 53-55 - Macau; ─ Processo N.º: 2000A001, Terreno situado na Colina de Mong Há (Instituto de Formação Turística) - Macau; ─ Processo N.º: 2002A008, Rua do Visconde Paço de Arcos no 347 e Rua de Cinco de Outubro no 12 - Macau; ─ Processo N.º: 2010A050, Terreno junto à Rua do Estaleiro - Coloane; ─ Processo N.º: 2012A058, Beco do Chá nos 6-8 - Macau ─ Processo N.º: 2015A056, Rua Norte do Patane no 270, Travessa Norte do Patane no 102 e Rua do Asilo no 38 - Macau. Para efeitos de referência, os projectos de PCU para as zonas dos lotes supracitados que não estão abrangidas por plano de pormenor já estão disponíveis para consulta no Departamento de Planeamento Urbanístico, situado na Estrada de D. Maria II n.º 33, 19º andar, Macau, e encontram-se afixados na Rede de Informação de Planeamento Urbanístico desta Direcção de Serviços (http://urbanplanning.dssopt.gov.mo). O período de recolha de opiniões tem a duração de 15 dias e decorre entre 7 de Março de 2016 e 21 de Março de 2016. Caso os interessados e a população queiram apresentar as opiniões sobre os referidos projectos de PCU de zona do território não abrangida por plano de pormenor, deverão preencher o formulário O011,o qual pode ser descarregado nos websites http:// urbanplanning.dssopt.gov.mo ou www.dssopt.gov.mo, ou levantado nesta Direcção de Serviços (Estrada de D. Maria II n.º 33, Macau), podendo submetê-lo no período de recolha de opiniões através dos seguintes meios: ─ Comparecendo pessoalmente: Estrada de D. Maria II n.º 33, Macau, durante o horário de expediente nos dias úteis ─ Correio: Estrada de D. Maria II n.º 33, Macau (o prazo limite de entrega é contado a partir da data de envio indicada no carimbo do correio) ─ Fax: 2834 0019 ─ Email: pcu@dssopt.gov.mo Serão consideradas as opiniões respeitantes aos projectos de PCU de zona do território não abrangida por plano de pormenor elaborados para os lotes, quando forem apresentadas de acordo com as exigências acima indicadas. Para mais informações podem pesquisar o website http://urbanplanning.dssopt.gov.mo e para qualquer informação adicional queiram contactar o Centro de Contacto desta Direcção de Serviços (8590 3800). Macau, aos 26 de Fevereiro de 2016

O Director da DSSOPT, Li Canfeng

HM • 1ª VEZ • 3-3-16

HM • 1ª VEZ • 3-3-16

ANÚNCIO Execução Ordinária

CV3-14-0143-CEO

ANÚNCIO 3º Juízo Cível

EXEQUENTE: BANCO INDUSTRIAL E COMERCIAL DA CHINA (MACAU) S.A. (中國工商銀行(澳門)股份有限公司), com sede em Macau na Avenida da Amizade, nº 555 – Macau Landmark, Torre ICBC, 18º andar. EXECUTADO: CHAN I TAK (陳以德), masculino, residente em Macau na Estrada Nova de Hac Sá, nº 181-E, Complexo “Hellene Garden” – Wealthy Villa Lot 6 – Tower V (Hibiscus Court), 6º andar J. *** FAZ-SE SABER QUE nos autos acima indicados, foi resolvida a venda por meio de propostas em carta fechada, dos seguintes bens penhorados do executado Chan I Tak: IMÓVEIS PENHORADOS Denominação: Fracção autónoma denominada pela letra “I6” do 6.º andar I. Situação: Estrada Nova de Hac-Sa, nºs 181-A a 291 e Avenida de Luís de Camões, nºs 190-J a 190-S. Fim: Para habitação. Número de descrição na Conservatória do Registo Predial: 22632 a fls. 145 do Livro B71K. Credor hipotecário: Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., com Inscrição nº 128253C. O valor base da venda é de MOP$11.888.640,00. Denominação: Fracção autónoma denominada pela letra “J6” do 6.º andar J. Situação: Estrada Nova de Hac-Sa, nºs181-A a 291 e Avenida de Luís de Camões, nºs190-J a 190-S. Fim: Para habitação. Número de descrição na Conservatória do Registo Predial: 22632 a fls.145 do Livro B71K. Credor hipotecário: Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., com Inscrição nºs 118477C e 150837C. O valor base da venda é de MOP$11.888.640,00. *** São convidados todas as pessoas com interesse na compra dos imóveis penhorados, a entregarem as suas propostas na Secção Central deste Tribunal, até ao dia 6 de Maio de 2016, antes das 17:30 horas, devendo as propostas conter no envelope da proposta a indicação de “PROPOSTA EM CARTA FECHADA” bem como o “NÚMERO DO PROCESSO CV3-14-0143-CEO”. No dia 9 de Maio de 2016, pelas 10,00 horas, no Tribunal Judicial de Base da RAEM, proceder-se-á à abertura das propostas de preço superior ao do valor base da venda apresentadas, a cujo o acto podem os proponentes assistir. É fiel depositário dos imóveis penhorado o Sr. CHOW FERNANDO, como domicílio profissional na Avenida da Amizade, Edifício Landmark, Torre do Banco ICBC, 18º andar, que está obrigado a mostrar o imóvel a quem pretenda examiná-lo (art.º 786º, n.º 6 do C.P.C.M.). Quaisquer titulares de direito de preferência na alienação do imóvel supra referido, podem, querendo, exercerem o seu direito no próprio acto da abertura das propostas, se alguma proposta for aceite, nos termos do art.º 787º do C.P.C.M. RAEM, 26 de Fevereiro de 2016

Proc. Execução por alimentos (apenso) n.º FM1-11-0037-MPS-B Juízo de Família e de Menores

- EXEQUENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO. - EXECUTADO: UN WAI KAI, de sexo masculino, titular do BIRM, residente em Macau, Rua de Almirante Sérgio, nº238, edf. Fon Son San Chun, bloco 1, r/c “A”. *** Faz-se saber que nos autos acima indicados são citados os credores desconhecidos para, no prazo de quinze dias, que começa a correr depois de finda a dilação de vinte dias, contada da data da segunda e última publicação do anúncio, reclamar o pagamento dos seus créditos pelo produto dos bens penhorados sobre que tenham garantia real e que é o seguinte: Bens penhorados Verba 1 Veículo automóvel de marca MERCEDES BENS, modelo “E230 A/T” com o número de matrícula MK-52-02. Verba 2 Veículo automóvel de marca VOLKSWAGEN, modelo “GOLF CABRIOLET A/T” com o número de matrícula MF-92-16. Verba 3 Quota que o executado detém na sociedade COMPANHIA DE LAVAGEM E POLIMENTO DE AUTOMÓVEIS SOI YUEN, LDA, com sede em Macau na Rua de Almirante Sérgio, nº264, Edf. Fong Son San Chun, bloco 1, sótão da Loja “C”, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis: 26832(SO), no valor nominal de MOP$55,000.00 (cinquenta e cinco mil patacas). Verba 4 Depósitos bancários titulados por executado, no BANCO OF CHINA, saldo: MOP$30,254.76 (Trinta Mil, Duzentas e Cinquenta e Quatro Patacas e Setenta e Seis Avos). Verba 5 Depósitos bancários titulados pelo executado, no BANCO NACIONAL ULTRAMARINO, SA, saldo: MOP$22,319.30 (Vinte e Duas Mil, Trezentas e Dezanove Patacas e Trinta Avos). *** RAEM, 15 de Fevereiro de 2016.

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7 hoje macau quinta-feira 3.3.2016

IAS BEBÉS ABANDONADOS AINDA NÃO ESTÃO DISPONÍVEIS PARA ADOPÇÃO

Quem espera, desespera Apesar de existirem seis casos de abandono de recém-nascidos, entre 2011 e 2015, o IAS explica que sem identificação das progenitoras, as crianças em causa - plenas de saúde continuam à espera de poder integrar-se numa família

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EIS. Mais do que os dedos de uma mão. É o número de bebés abandonados entre 2011 e 2015, números que não contam com o bebé abandonado este ano no edifício Flower City. Os dados são do Instituto de Acção Social (IAS), que indica que todos os bebés encontrados estavam em “plenas condições de saúde”, sendo que a um deles foi diagnosticado um “grau de deficiência mental”. Numa resposta ao HM, o IAS explica que em 2011 foram abandonados três bebés, que em 2014 foi encontrado um bebé e outros dois no ano passado. Este ano já foi encontrado mais um bebé, cuja alegada mãe terá sido detida pelas autoridades.

Questionado sobre as progenitoras no caso dos bebés registados até ao ano passado, o IAS indicou que nenhuma delas “foi identificada”, pois a progenitora “desapareceu” ou “morreu”. Sobre as crianças, o IAS indicou que “todos os bebés foram entregues pelas autoridades” à instituição, que os reencaminhou para lares de jovens ou berços de crianças apoiados pelo Governo. “Depois disto [e depois de um relatório do IAS], o processo segue para tribunal, onde será identificado o caso de abandono da criança”, clarifica o IAS, adiantando que depois de conseguir a identificação

MENINA COM DOENÇA RARA MORREU NO PÓS-OPERATÓRIO

a criança em causa poderá seguir para adopção. Algo que ainda não aconteceu. Isto porque, em termos práticos, as burocracias de todo o processo fazem com que estas crianças estejam há pelo menos cinco anos à espera. Num relato, o IAS explica que as três crianças encontradas em 2011 estão em fases diferentes do processo. Uma delas está numa “altura de experimentação”, depois do Ministério Público (MP) ter autorizado a sua adopção, outra “iniciou agora o processo” e a terceira conseguiu autorização agora do MP. Estando, pelo menos, agora cada um com cinco anos de idade.

Uma menina com síndrome de Treacher Collins, doença congénita rara caracterizada por deformidades nos ossos craniofaciais, faleceu ontem, no Centro Hospitalar Conde de São Januário devido a complicações decorridas no pós-operatório e após ter sido submetida a reanimação. “No dia 6 de Janeiro, mediante a assinatura de um termo de consentimento, o médico de cirurgia plástica, devido a uma fissura congénita da fenda do palato e de modo a impedir a ocorrências de infecções do tracto respiratório, além de melhorar o timbre da voz, realizou uma cirurgia de reparação que foi concluída de acordo com o que estava estabelecido. No entanto, durante o processo de recobro surgiram complicações que levaram à realização de manobras de reanimação e à aplicação de tratamento medicamentoso. A menina faleceu no dia 2 de Março”, indica um comunicado à imprensa dos Serviços de Saúde. O hospital já está a “proceder a audiências relativamente a um processo de investigação e averiguação clínica”.

A criança encontrada em 2014 viu agora o seu processo de adopção começar a andar, estando o MPa analisar o caso. Das duas crianças encontradas o ano passado, explica o IAS, uma delas está à espera da resposta do MP e, sobre a outra, só agora foi entregue o relatório do caso de abandono, da responsabilidade do IAS.

O SIM DO SIM

Miguel de Senna Fernandes, advogado, quando questionado sobre a demora do processo, confirma que “não existem mecanismos que o acelerem”. Apesar de não estar ligado aos processos de adopção, o advogado indica que “de facto, todo o processo hoje em dia

passa muito pelo IAS, sendo que todo o impulso é através deste instituto”. A situação, diz, é bastante delicada. “O facto de se encontrar uma criança não é só por si fundamento bastante para se iniciar um processo [de adopção], é necessário que haja constatação formal de que existe um estado de abandono. E mesmo assim, mesmo confirmando, não é permitido avançar logo com os processos”, afirmou. Para Miguel de Senna Fernandes deveria existir uma “política de maior solidariedade nestes processos”, porque, diz, “rodear de tais cautelas” pode “pôr em causa a segurança da criança”. Uma

SOCIEDADE situação de “completa indecisão” é muito complicada, aponta. “Nestes últimos tempos tornaram-se mais céleres, mas é uma impressão minha”, rematou.

VISTO DE DENTRO

Fonte ligada à área, preferindo manter o anonimato, indicou que após uma “situação de abandono, quanto mais cedo uma criança for adoptada melhor será a sua integração na família adoptiva”. “Ser abandonado e viver numa instituição é muito difícil para qualquer criança e torna-se muito complicado desvincular-se da instituição, mesmo que o ideal para qualquer criança seja ter uma família. Pode haver, por exemplo, uma ligação afectiva forte com um funcionário da própria instituição que o acolhe durante o tempo em que a criança ali está. As separações são sempre traumáticas para as crianças, podendo gerar problemas emocionais ou até mesmo o designado distúrbio reactivo de vinculação, pelo corte com tudo a que a criança está ligada. Mas não é só da crianças que se trata: também a família adoptiva sofre e assume consequências de todo este demorado processo. “A família adoptiva, não sabendo ou não tendo consciência de tudo isto, não consegue ou terá muitas dificuldades em lidar com a criança que foi vítima de abandono ou que viveu muito tempo numa instituição. Estas situações podem gerar numerosos e inesperados problemas e por isso é fundamental que as famílias adoptivas tenham uma boa preparação prévia. Como é óbvio, há também casos muito bem sucedidos”, apontou. Quanto à demora nestes seis casos, a fonte do HM classifica-a de “horrível” e “ridícula”. Filipa Araújo

filipa.araujo@hojemacau.com.mo

PJ DESMANTELA REDE LOCAL DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS

A Polícia Judiciária (PJ) prendeu nove residentes de Macau, suspeitos de estarem envolvidos num grupo que cometeu crimes de branqueamento de capital, com montantes que atingem os 25 milhões de dólares de Hong Kong. Segundo o canal chinês da Rádio Macau, a PJ recebeu um aviso das autoridades da cidade vizinha de Zhuhai, que prendeu um casal natural de Macau ligado a um “grupo de imigração ilegal”. O casal foi detido no ano passado e os noves residentes presos agora são familiares do casal, com idades entre os 19 e os 53 anos. Já desde o ano 2000, alega a PJ, o casal depositou “centenas e milhões de dólares de Hong Kong” em contas bancárias em bancos do território e a PJ suspeita que o dinheiro foi ganho através de auxílio de imigração ilegal. “O dinheiro envolvido foi utilizado para adquirir carros, fracções e lugares de estacionamento.” A PJ referiu que este é o caso de branqueamento de capitais que envolve mais pessoas ao longo dos anos e que este vai agora ser entregue ao Ministério Público.


8 SOCIEDADE

hoje macau quinta-feira 3.3.2016

Advogados PJ “VIOLA A LEI” QUANDO REVELA NOMES DE SUSPEITOS

Uma questão de identidade Uns aparecem identificados em detenções quando nem sequer ainda são arguidos. Outros são presos preventivamente e nunca são revelados os seus nomes. O anúncio da identidade pelas autoridades “viola a lei” e, ainda que advogados se dividam no caso de arguidos, não há dúvidas: há violação do princípio de igualdade

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S autoridades – como a Polícia Judiciária (PJ) – violam a lei quando revelam nomes de pessoas detidas, que são suspeitas de ter cometido crimes. É o que asseguram advogados contactados pelo HM, que indicam ainda que há violação do princípio de igualdade se compararmos os casos com os de oficiais do Executivo. O esclarecimento parte do exemplo de Ho Chio Meng: todos sabem que o ex-procurador está preso preventivamente devido a alegados crimes cometidos, mas a verdade é que o seu nome nunca foi referido, nem confirmado, e a única forma de saber que é este o responsável em questão é por ele ser o único que assumiu em tempos este cargo. E Ho Chio Meng não é o único nesta situação: o nome de dois dos empresários envolvidos no caso do ex-procurador – já constituídos arguidos e presos preventivamente - também não é revelado pelas autoridades, que alegaram ao HM a “confidencialidade do caso”. O nome do ex-Chefe do Gabinete do procurador e de um ex-assessor também não são conhecidos. Da mesma forma, nunca foram dados a conhecer pelas autoridades os nomes de “um membro da direcção e um chefe de departamento” dos Serviços dos Assuntos Marítimos,

‘Chan’ fez isto e aquilo” também deve “ser protegida” a identidade. E dá um exemplo. “Apesar de terem algum cuidado e só revelarem o pedido, se for um caso [de um estrangeiro] - como já tive, onde o [suspeito] era dinamarquês - toda a gente vai saber quem é. Normalmente a identificação dos arguidos viola o segredo de justiça, mas [manter em segredo] não é a forma como [as autoridades] actuam, não.” Pedro Leal admite que a PJ age “às vezes de uma forma e outras de outra” e que até o apelido “viola o segredo de justiça”, da mesma forma como se se der a conhecer tudo o esteja relacionado com o processo viola a lei. Mas não só. “E viola o princípio de igualdade, porque às vezes é assim para uns e não para outros.”

LEALDADE?

detidos o ano passado por alegada corrupção. Também “empresários” e “um funcionário e um membro da direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego” envolvidos noutro caso semelhante viram as suas identidades protegidas. Ainda que alguns advogados defendam que a manutenção desse sigilo não está errada, a verdade é que os direitos de outros suspeitos e detidos não são respeitados da mesma forma. Exemplo disso são as dezenas de pessoas detidas semanalmente pela PJ, que não só são presentes aos média em conferências de imprensa – ainda que com sacos pretos na cabeça -, como vêem a sua identificação ser tornada pública – a maioria das vezes antes de serem arguidos. É apenas o apelido que é dado a conhecer à imprensa, mas nem neste caso isto deveria acontecer, como explica a advogada Ana Fonseca. “Os nomes estão em segredo. Há uma violação [da lei]”, diz, acrescentando que o direito ao princípio da igualdade das pessoas detidas pela PJ “é violado”, bem como o segredo de justiça. “A pessoa deve ser mantida inocente até prova em contrário e não devem ser reveladas essas coisas todas que eles revelam. Dizer que é o senhor ‘Chan’pode, muitas vezes, permitir a revelação da identidade. Todos os dados fornecidos que permitam a revelação da identidade da pessoa que ainda está a ser investigada já [leva a] violação do sigilo a que a lei obriga. Se os jornalistas vêm a saber por outras vias, isso é

outra coisa. Os órgãos oficiais de justiça estão impedidos de fazer essas revelações. Todos”, indica, reafirmando que também a PJ se inclui aqui. Ana Fonseca diz mesmo que a revelação dos nomes começa “de imediato a prejudicar valores fundamentais da pessoa”.

IGUALDADES DESIGUAIS

Ana Fonseca defende que no caso de pessoas que já são arguidas e que estão em prisão preventiva – como é o caso dos dois empresários ou de Ho Chio Meng – também não é obrigatório revelar. “Após a acusação, é público, toda a gente sabe. Mas mesmo que já tenham sido constituídos arguidos, e estão em prisão preventiva, não têm que revelar. É para proteger a pessoa, para que o seu nome não esteja logo todo sujo. Não é para proteger o Estado.” A advogada fala mesmo em exemplos práticos – de que os advogados “já se queixaram” – como o facto das autoridades revelarem “características e exercícios de cargos” que levam à identificação. Também o advogado Pedro Leal concorda com a manutenção da confidencialidade do nome. “De certa forma há [na lei algo que justifique a não revelação]. Já se sabe que hoje em dia, normalmente, divulga-se os nomes das pessoas. A pergunta é, por isso, pertinente. Mas se seguirmos a lei, o processo está em segredo de justiça e também é uma questão de protecção das pessoas que estão

presas. Eu interpreto assim”, diz, acrescentando que “da mesma maneira, quando a polícia faz aquelas detenções onde se põe um saco na cabeça e aparecem uns tipos a dizer que um senhor de apelido

“Dizer que é o senhor ‘Chan’ pode, muitas vezes, permitir a revelação da identidade. Todos os dados fornecidos que permitam a revelação da identidade da pessoa que ainda está a ser investigada já [leva à] violação do sigilo a que a lei obriga” ANA FONSECA ADVOGADA

“Viola o princípio de igualdade, porque às vezes é assim para uns e não para outros.” PEDRO LEAL ADVOGADO

Uma visita ao site da PJ permite ter acesso aos mais recentes casos detectados por esta autoridade e perceber que há revelações de identidade. Ainda que nem todos os comunicados o façam, o HM conseguiu encontrar mais de meia dezena onde surgem nomes: “Verificou-se que quatro indivíduos (três homens de apelido Chui, Leong e Choi) tinham entrado e saído do quarto...”, pode ler-se. “Apreenderam-se 0,18 gramas de maku na posse do Chui e 1,07 gramas na mala da Fong”, detalham. Todos os advogados concordam que as autoridades violam a lei quando revelam identidade – algo que fizeram assim que Alan Ho foi detido. Mas as opiniões dividem-se quando a questão não são os detidos e suspeitos, já que há advogados que têm uma interpretação diferente quando a pessoa já é arguida. “Não há nada que impeça que o nome seja tornado público [se eles forem arguidos]. Uma coisa é o processo estar em segredo de justiça e as entidades não poderem falar do conteúdo do processo. Outra coisa é dizer que fulano é arguido”, explica ao HM Álvaro Rodrigues. “Pode ser uma questão de lealdade institucional, se é que ainda existe, e não divulgam os nomes. Mas não há nenhuma proibição”, defende o advogado. Também um outro jurista, que prefere não ser identificado, indica ao HM que “no caso de ser arguido, o nome pode ser divulgado”, ainda que “o conteúdo do caso não”. Mas, diz, só aqui. “Se a PJ divulga o nome de um detido suspeito, nalguns casos que ainda nem foi presente ao JIC, não está a cumprir a lei. É completamente ilegal.” Joana Freitas

Joana.freitas@hojemacau.com.mo


9 hoje macau quinta-feira 3.3.2016

SOCIEDADE

ASSOCIAÇÃO FALA DE USO INDEVIDO DO NOME DE FESTIVAL COM MARCO MULLER

O Direito ao cinema O nome é parecido – quase semelhante – e isso poderá fazer com que haja queixa em tribunal. É o que garante a Associação de Filme, Televisão e Media de Macau sobre o mais recente anúncio de um festival internacional de cinema por cá

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Associação de Filme, Televisão e Media de Macau publicou uma declaração no jornal Ou Mun onde refere que o nome da actividade “Festival Internacional de Filmes de Macau” é uma marca registada na Direcção dos Serviços de Economia (DSE) desde 2009, criticando a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau de utilizar esta designação sem autorização. Conforme o HM já avançou, a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau vai organizar o seu primeiro festival internacional de cinema em Dezembro, um evento que se intitula “International Film Festival Macao”. Esta iniciativa pretende mostrar diversos géneros do cinema e está prevista uma

competição, uma gala e mostras temáticas. Mas segundo a Associação de Filme, Televisão e Media, o festival tem sido organizado sempre por si.

“Qualquer actividade e promoção pública que use a nossa marca sem autorização prejudica o direito de uma marca que pertence à nossa associação e faz com que

O HM contactou Orson Wong, chefe de coordenação de actividades da Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão, que referiu que o conteúdo da declaração “não tem muito a ver com a actividade desta associação”. “A nossa actividade ainda não foi publicada oficialmente e ainda estamos a preparar o nome do festival. A declaração fala do nome e da marca e nós não podemos comentar se estamos ou não envolvidos num conflito”, disse Orson Wong, que garantiu que vai continuar a dar atenção ao caso para evitar uma violação do direito de propriedade intelectual. Ainda que os nomes sejam semelhantes em Inglês e Português, o nome da actividade da Associação de Cultura e Produção de Filmes e Televisão de Macau é, em Chinês, “Exposição Internacional de Filmes de Macau”, diferenciando-se da marca acima referida. Flora Fong

Alunos de Macau vão participar em intercâmbios com a China

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EM ANÁLISE

flora.fong@hojemacau.com.mo

Da “arte à formação de líderes” ILHARES de estudantes de Macau vão ser seleccionados para participar em actividades de intercâmbio na China, ao abrigo do “Programa Mil Talentos”, ao longo dos próximos três anos, lançado pelo Governo. Ao abrigo do programa, que havia sido anunciado em Novembro nas Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2016, vão ser seleccionados anualmente mil candidatos para participarem em actividades de intercâmbio no interior da China, as quais se vão realizar em cooperação com o Ministério da Educação da China e a Federação da Juventude Chinesa. “Organizar-se-ão visitas nacionais com cariz de investigação e de

haja confusão junto do público”, refere a declaração. A associação garante que vai agir judicialmente.

intercâmbio, inclusive de estudantes universitários e do ensino secundário”, detalhou, em comunicado, o Gabinete do Porta-voz do Governo, indicando que o programa está sob a responsabilidade do Gabinete do Chefe do Executivo, cabendo à Fundação Macau coordenar contactos com escolas e associações juvenis para executar conjuntamente os programas. No âmbito do programa trienal, vão ser criados dois grupos: o grupo para escolas secundárias e o grupo aberto. No primeiro ano, 12 escolas são convidadas, a título experimental, a seleccionar grupos de alunos do secundário para integrarem as actividades, dando

início a programas de geminação com escolas na China. A triagem dos alunos do ensino profissionalizante será delegada a dez grupos da sociedade civil, que actuam na área da juventude. No primeiro ano, prevê-se a participação de escolas e associações de Cantão, Zhejiang, Jiangsu e Xanghai.

SUBIR DE NÍVEL

O plano concreto do programa e os trabalhos de inscrição serão iniciados, de forma gradual, pelas associações e escolas, estando previsto

que as actividades se subordinem a temas como formação de líderes, inovação científico-tecnológica ou artes e cultura. O “Programa Mil Talentos” corresponde “a uma tentativa da RAEM de promover em grande escala o trabalho na área da juventude”, segundo o Governo. “Através da interacção com a juventude da China, pretende-se encorajar os jovens de Macau a elevarem o seu nível cultural e capacidades intelectuais”, oferecendo-lhes “oportunidades para conhecerem os desenvolvimentos mais recentes a nível nacional, incentivando-os ao desenvolvimento pessoal em paralelo com o desenvolvimento do país”, refere o comunicado oficial. LUSA/HM

DECLARADA CADUCIDADE DOS TERRENOS DO LA SCALA

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Executivo declarou a caducidade dos terrenos em frente ao aeroporto de Macau, onde iria ser construído o empreendimento de luxo La Scala. De acordo com um despacho ontem publicado em Boletim Oficial, o Secretário Raimundo do Rosário deu ordem de caducidade aos lotes por falta de desenvolvimento, já a 24 de Fevereiro. Os lotes foram concedidos por arrendamento e sem concurso público à CAM - Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, que depois os dividiu e atribui a diferentes sociedades. Os direitos resultantes da concessão destes lotes viriam a ser transmitidos novamente, desta vez a favor da Moon Ocean, aos empresários Steven Lo e Joseph Lau, que estavam a construir o empreendimento La Scala. Os dois homens foram já condenados por corrupção a mais de seis anos de prisão, mas não estão a cumprir pena por não estarem em Macau na altura da sentença e não haver acordos com Hong Kong nesse sentido. Chui Sai On, Chefe do Executivo, ainda declarou nulo o acto de concessão dos terrenos, mas essa decisão foi alvo de “recurso contencioso que ainda não foi decidido definitivamente pelo Tribunal competente”. Ainda assim, o Governo assegura que o prazo de arrendamento dos lotes “expirou em 13 de Dezembro de 2015 sem que estes se mostrassem aproveitados”, pelo que declarou a caducidade da concessão de “acordo com a Lei de Terras”. Sobre o futuro do terreno, Raimundo do Rosário não especifica, adiantando apenas que, em termos gerais, a prioridade do Governo é a habitação pública. J.F.


10 ENTREVISTA

GIULIO ACCONCI MÚSICO E ARTISTA PLÁSTICO

Todos o conhecemos como uma estrela da Pop, mas ele tem outro lado. O de designer gráfico, cultivado há muitos anos em Itália, e o de quem sofreu uma transformação quando se apaixonou pelas aguarelas. Apanhámos Giulio Acconci a meio do processo de reflexão e soubemos que uma exposição pode estar aí ao virar da esquina. Pelas amostras a que tivemos acesso, tivemos de saber mais Como começou a aventura das aguarelas? Com um livro de um grande pintor macaense, o Luis Luciano Demée, mostrado pelo meu irmão (Dino). A intensidade da pincelada e a forma como as aguarelas se combinavam, criando outras formas, quase casuais... foi o rastilho. Depois uma conversa sobre caligrafia com a Maggie Chiang, algo que sempre me interessou. Ela é chef e brinca com cores e formas na sua cozinha e trocámos várias ideias. Como ela estava a produzir uns jantares especiais de São Valentim, pensei criar imagens com caligrafia, tinta e aguarelas. Desenvolvi uma série de histórias curtas para cada prato e produzi as imagens em computador - aguarelas digitais, se quiser. Aí pensei que se as fazia assim também teria de conseguir fazer com tinta e pincel. Em que fase está o processo? A chegar a uma ideia, a definir o que pretendo dizer. O meu treino de designer obriga-me a fazer esboços como treino. Mas nunca fiz uma composição completa de forma satisfatória e é nisso que estou a trabalhar. Em termos mais concretos isso quer dizer que... É um jogo mental. Interrogo-me: ‘vou pintar o que penso, o que sinto, ou as minhas observações do ambiente que me rodeia? Será abstracto, mais ou menos filosófico?...’ Há imensas formas de expressão e é nesse processo que estou. Pode ser sarcástico, político, divertido, fantasioso... Como está a ser desenvolvido esse processo de pesquisa? Para tornar as coisas mais simples, estou a transformar isto num trabalho. A tentar retirar-me do processo e, pegando na minha experiência como designer, do trabalho por encomenda. Estou a contratar-me para uma série sobre a Hill Road [em Hong Kong], a área onde vivo. Mas numa forma leve e contemporânea, nada clássica com vários tipos de composição. Associar pequenas histórias a cada imagem também pode ser uma possibilidade. No que respeita a temas, já existe algo alinhavado? Hong Kong, para já, é o tema porque é mais simples, é onde vivo. Como

tenho dois cães é provável que eles surjam. Um é branco, o outro é preto, por isso dão um interessante conceito yin yang. (risos) Que imagens sugerem Hong Kong? Tenho curiosidade em perceber como as coisas se vão desenvolver. Pelo que vejo, as pessoas não andam muito felizes, independentemente do espectro político a que pertençam. Há uma sensação de incerteza no ar e, como em Hong Kong é tudo dinheiro, quando ele não abunda as pessoas não funcionam. De uma forma geral, claro.

“Se realmente sair cá para fora como artista, tem mesmo de ser algo para além de dizer que sei pintar. É uma oportunidade como indivíduo, como pessoa, como Giulio Acconci, não como [banda] Soler” Como vê a situação actual da cidade? Vivemos um período de transição. Por isso, eu e os meus amigos tentamos manter-nos positivos porque tudo acabará por resolver-se. Oiço muita gente, do taxista ao jovem empresário, dizer que não faz tanto dinheiro como antes, que a vida não é tão fácil como antes... De uma forma geral, as pessoas comparam tudo ao ‘antes’. Acho isso negativo. Temos de preocupar-nos mais com o ‘agora’. Claro que existe gente mais pro-activa, cheia de energia e é nessa tendência que pretendo inserir a minha arte e a minha música. As coisas mudam, nunca ficam iguais. Por falar em música, será de esperar que a próxima vez que ouvirmos falar de Giulio Acconci seja no escaparate de uma galeria e não no poster de um concerto?

A arte na do tumul É bem possível (muitos risos). Claro que continuo a fazer música mas estou a gostar muito da aventura do artista plástico, produzir pinturas, isso é verdade. Para quando a “vernissage”? Quem sabe? Talvez esteja aí mesmo ao virar da esquina. Como imagina essa exposição? Gostava de algo simples, sem grandes alaridos. Mas tenho de pensar em muitas coisas, no que quero dizer. Se realmente sair cá para fora como artista, tem mesmo de ser algo para além de dizer que sei pintar. É uma oportunidade como indivíduo, como pessoa, como Giulio Acconci, não como [banda] Soler. Porque, como Soler, as pessoas pensam que sou eu mas não é verdade. É apenas uma personagem criada para aquele efeito. Como pintor torno-me protagonista. Aconteça ou não, o processo mental, a procura de ideias, a pesquisa, as técnicas... ouvir pessoas tem sido uma grande experiência, maravilhoso mesmo. Telas grandes, pequenas... como vai ser? Variado. Quando vou a uma exposição gosto de ver um pouco do percurso do artista. Às vezes exibem alguns esquiços, estudos. Eu quero fazer isso, uma pequena secção com esquiços simples. Desses até pinturas grandes. Sabemos que existe um legado artístico na família. Qual a importância dessa influência? É verdade. O meu pai [Oseo Acconci] foi escultor, estudou Belas Artes, o meu avô era pedreiro e fazia pedras tumulares, está a ver? (risos). Para além disso, o meu pai construía tudo em casa. Das cadeiras, à mesa onde estudava, à mobília de jantar, as nossas camas... vivíamos num prédio que ele construiu... Por isso, a primeira vez que tive de comprar mobília foi um processo estranho (risos). Era também muito vocal em relação a tudo. Sempre a apontar detalhes, a realçar coisas, razões, naquele engraçado sotaque italiano dele. Tanto ele como a minha mãe sempre nos encorajaram a desenhar. Tenho dezenas de blocos de desenho em casa. Um dia, ele levou-nos a


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asce lto uma exposição e perguntou-me se um dia gostava de ter a minha. Disse que sim e ele prometeu-me uma, um dia. Infelizmente faleceu antes do tempo, tinha eu 15 anos. Por isso, se a vier a fazer uma exposição, será dedicada a ele. Como se fosse ele a comissioná-la. Onde irá acontecer? Em Hong Kong ou em Macau? Não faço ideia. Apaixono-me por lugares. Gosto do mundo todo. Gosto muito de ir à China (vou muitas vezes a Chengdu), adoro Cantão, Londres e, claro, estarei sempre ligado a Macau. PUB

Pelo lado do sentimento terei de dizer Macau mas, se quiser ser prático, vai ser aqui.Averdade é que ainda não sei. E a cena artística em Macau? Que percepção ressoa do que aqui se passa? Ainda há pouco, numa conversa com o Fortes [Pakeong] fiquei com a impressão que existe um número de pensadores livres por aí com capacidade para se exprimirem artisticamente, o que me deixa entusiasmado. E noto que se fala muito mais em criatividade. Parece que quase todas as pessoas que encontro falam de ideias, isso faz-me muito feliz. Além disso, posso estar enganado, mas parece-me que estão a começar a aparecer patronos, o que seria muito importante para o desenvolvimento artístico. E as artes de Hong Kong? Podemos dizer que estão moribundas? Nada disso. A arte floresce na tristeza, na incerteza, no tumulto. Se andarmos pelos círculos artísticos, descobre-se muita gente discreta. Tenho encontrado muita qualidade, muitas pessoas interessantes. Há mesmo um certo orgulho entre eles e uma geração que se mantém fiel às convicções. É como o surf. Sem ondas não há. No mundo

da arte, se estiver sempre tudo bem, vamos falar do quê? Existem, claro, os que produzem arte quando estão felizes, mas o que vejo na história é que as melhores obras nascem do tumulto. Agora vai sobrar para esse lado. Que tumulto é esse que o motiva? A minha vida toda (gargalhadas). Tem sido uma luta. A questão é se vemos

um problema como um bloqueio ou como uma situação a ser resolvida. Nos anos mais recentes tenho tentado uma abordagem mais positiva, mas na maior parte do tempo pensava se estaria no meio de alguma profunda tragédia grega (ri-se mais). Mas as pessoas olham para si e vêem uma estrela da Pop, vida de glamour, bom aspecto, festas sofisticadas... como pode falar de luta? Como disse, o Giulio dos Soler é uma personagem, é entretenimento, é o nosso papel. Também é uma protecção, porque se criticarem os Soler não me atingem. Não ando no jogo duro do ‘show off’. A minha realidade é muito diferente. Sou muito “nerd”, gosto de estar em casa, de ver documentários. Estou sempre a tentar aprender, a absorver ideias. E tenho uma rotina saudável. Faço caminhadas regulares com o meu irmão, vamos buscar água à fonte numa zona perto daqui, corro com os cães. As pessoas pensam que passo a vida no ginásio mas não. Também não lhes quero estoirar a bolha. Se ficam contentes com isso, óptimo. Em relação ao glamour, quando alguém pretende entrar nesta indústria digo-lhes sempre a verdade: “No glamour. Nenhum”. (risos)

ENTREVISTA

“Não ando no jogo duro do ‘show off’. A minha realidade é muito diferente. Sou muito “nerd”, gosto de estar em casa, de ver documentários. Estou sempre a tentar aprender, a absorver ideias” Mas a exposição vai colocá-lo a nu, ou vai surgir outra personagem? Eu acredito em Shakespeare quando diz que a vida é um palco onde desempenhamos muitos papéis. Por isso, o mais provável, é sair outro personagem. O verdadeiro Giulio vai continuar muito elusivo e só talvez um dia o partilhe com a pessoa certa. Para já, acho que vai sair o meu lado pintor, outro personagem. Manuel Nunes

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12 CHINA

hoje macau quinta-feira 3.3.2016

Xinhua DESTRUIÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO É “MAL NECESSÁRIO”

O insustentável peso da indústria

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destruição de postos de trabalho na China resulta de uma transição no modelo económico que “não pode continuar a ser adiada”, face à “insustentabilidade” de algumas indústrias, escreveu ontem a agência oficial chinesa Xinhua. “Em sectores como o do carvão e do aço, a mudança é imperativa, visto que o modelo vigente é insustentável”, refere a agência sobre o excesso de capacidade de produção na indústria chinesa. De acordo com o Ministério de Recursos Humanos e Segurança Social da China, só naquelas indústrias, a China deverá extinguir 1,8 milhão de empregos ao longo dos próximos anos. Em resposta à crise financeira global de 2008, Pequim investiu biliões de dólares em grandes obras públicas, visando manter postos de trabalho. Na indústria siderúrgica, o país asiático produz hoje mais do que os outros quatro gigantes do sector - Japão, Índia, Estados Unidos e Rússia - combinados. Segundo um relatório da Câmara do Comércio da União Europeia (UE) em Pequim, a produção de aço na China está mesmo “completamente” descoordenada da procura do mercado. O mesmo estudo indica que mais de 60% da produção de alumínio no país apre-

senta resultados financeiros negativos e que, em apenas dois anos, a produção de cimento igualou a quantidade total produzida pelos EUA durante todo o século XX.

MUNDO FANTASMA

Para quem já atravessou de comboio a China de norte a sul, a visão de milhares de edifícios e obras ‘faraónicas’ vazias atesta uma realidade que os analistas consideram “assustadora”. “O resultado é destrutivo”, assume a Xinhua. “Os preços estão em queda livre e as fábricas de aço surgem hoje fantasmagóricas, com as perdas operacionais a resultarem na paragem da produção”, descreve. Os funcionários, “apesar de terem mantido os seus postos de trabalho, têm poucas garantias de que o salário do próximo mês será pago”, acrescenta. Para a UE, o problema tem também “profundas” consequências na economia

“Em sectores como o do carvão e do aço, a mudança é imperativa, visto que o modelo vigente é insustentável”

mundial, à medida que o excesso de produção do “gigante” asiático se escoa além-fronteiras, causando pressões deflaccionárias. Pequim anunciou, entretanto, planos para reduzir a produção na indústria do aço chinesa, ao longo dos próximos cinco anos, com um corte anual de entre 100 a 150 milhões de toneladas - 12,5% do total produzido pelo país. Na semana passada, criou também um fundo de cem mil PUB

ANÚNCIO CONCURSO PÚBLICO N.o 8/P/16 Faz-se público que, por despacho do Ex.mo Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 19 de Fevereiro de 2016, se encontra aberto o Concurso Público para «Fornecimento e Instalação de Um Equipamento para Biópsia Aspirativa Transbrônquica por Agulha Guiada pela Ultrassonografia Endobrônquica aos Serviços de Saúde», cujo Programa do Concurso e o Caderno de Encargos se encontram à disposição dos interessados desde o dia 2 de Março de 2016, todos os dias úteis, das 9,00 às 13,00 horas e das 14,30 às 17,30 horas, na Divisão de Aprovisionamento e Economato destes Serviços, sita na Rua Nova à Guia, n.º 335, Edifício da Administração dos Serviços de Saúde, 1.o andar, onde serão prestados esclarecimentos relativos ao concurso, estando os interessados sujeitos ao pagamento de MOP42,00 (quarenta e duas patacas), a título de custo das respectivas fotocópias (local de pagamento: Secção de Tesouraria destes Serviços de Saúde) ou ainda mediante a transferência gratuita de ficheiros pela internet no website dos S.S. (www.ssm.gov.mo). As propostas serão entregues na Secção de Expediente Ge-

ral destes Serviços, situada no r/c do Centro Hospitalar Conde de São Januário e o respectivo prazo de entrega termina às 17,45 horas do dia 31 de Março de 2016. O acto público deste concurso terá lugar no dia 1 de Abril de 2016, pelas 10,00 horas, na “Sala Multifuncional” do Antigo Gabinete para a Prevenção e Controlo do Tabagismo dos Serviços de Saúde, sita no r/c, da Estrada de S. Francisco, n.º 5, Macau. A admissão a concurso depende da prestação de uma caução provisória no valor de MOP44 000,00 (quarenta e quatro mil patacas) a favor dos Serviços de Saúde, mediante depósito, em numerário ou em cheque, na Secção de Tesouraria destes Serviços ou através da Garantia Bancária/Seguro-Caução de valor equivalente. Serviços de Saúde, aos 25 de Fevereiro de 2016 O Director dos Serviços, Lei Chin Ion

milhões de yuan para assistir os trabalhadores despedidos. “À medida que a China se esforça para elevar o seu modelo de crescimento económico, a perda de postos de trabalho é um efeito negativo, mas necessário”,

conclui a Xinhua (ver texto secundário). A China é a segunda economia mundial, a seguir aos EUA, e um dos motores do crescimento global. Em 2015, a economia chinesa cresceu 6,9%, o

ritmo mais baixo dos últimos 25 anos. No mesmo período, o sector dos serviços representou pela primeira vez mais de metade do Produto Interno Bruto (PIB), à frente da indústria e agricultura.

Energia distorcida

Greenpeace alerta para ‘bolha’ no sector de carvão

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organização ecologista Greenpeace alertou ontem para uma ‘bolha’ no sector energético chinês de carvão, já que está a aumentar o número de centrais térmicas aprovadas, apesar do excesso de capacidade. A Greenpeace indica, num relatório, que 210 novas centrais de carvão foram aprovadas em 2015 na China, apesar de a produção com este tipo de energia ter estagnado desde 2011, o que leva a organização a acreditar que há uma ‘bolha’. Esta situação deve-se a uma “bolha no investimento”, causada pelas “distorções” no sistema financeiro e a tomada de decisões económicas na China, cujo modelo actual faz com que as empresas estatais e governos locais tenham de investir em projectos que têm pouca utilidade e rentabilidade, encorajados pelo Governo central e com crédito fácil do sector bancário público. Lauri Myllyvirta, analista da Greenpeace, lamenta que, apesar

dos alertas acerca da “crise de sobrecapacidade” do sector de energia térmica, o número de novas centrais de carvão “esteja a crescer”, ainda que muitas gerem pouco ou nenhum lucro. Segundo o relatório, a energia térmica produzida por carvão não terá “espaço” dentro das necessidades energéticas do país até 2020, particularmente devido ao aumento da energia procedente de fontes renováveis, do nuclear e do gás. Para a Greenpeace, esta situação faz com que não seja necessário construir mais centrais – as 210 criadas em 2015 representaram um investimento de 640 mil milhões de yuan (90 mil milhões de euros). Assim, a organização pede ao Governo chinês que “proíba” a emissão de novas autorizações para a construção de centrais e “cancele” as licenças em regiões com excesso de capacidade, além de instar o próximo Plano Quinquenal chinês a incluir um limite nacional de consumo de carvão.


13 hoje macau quinta-feira 3.3.2016

XANGAI ENCOLHE AO FIM DE UM SÉCULO

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população de Xangai, uma das metrópoles mais populosas do mundo, desceu em 2015, pela primeira vez num século, para 24,15 milhões de habitantes, segundo dados do governo local. A queda, de 0,4%, ou 104.100 residentes, face ao ano anterior, tem como base apenas as pessoas que viveram na cidade pelo menos seis meses no espaço de um ano. Entre 1982 e 2014, o número de residentes naquela que é considerada a capital económica da China, e importante fonte de emprego na costa leste do país, aumentou de 11,8 milhões para 24,25 milhões. A diminuição deve-se ao alto custo de vida e à reestruturação da economia local, que nos últimos anos, levou à extinção de postos de trabalho no sector secundário, segundo o jornal oficial China Daily. Nos últimos dez anos, a economia de Xangai passou a basear-se sobretudo no sector dos serviços e na tecnologia, levando a uma redução do emprego nas fábricas e na construção civil. Como resultado, o número de trabalhadores migrantes recuou 1,5%, para 9,82 milhões no ano passado (40,6% da população total). O município tem também deslocado muitos habitantes do centro para novos complexos residenciais nos subúrbios, outrora ocupados por complexos industriais ou campos agrícolas. Em Xangai, uma das cidades mais cosmopolitas da China e segundo dados da embaixada de Portugal, vivem cerca de 300 portugueses, mais do dobro dos que vivem em Pequim.

CHINA

COMÉRCIO COM PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA A CAIR

Vacas 25, 7% mais magras

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S trocas comerciais entre a China e os países de língua portuguesa caíram 25,73% em 2015, atingindo 98,47 mil milhões de dólares, a primeira queda desde 2009, indicam dados oficiais. Além do primeiro declínio desde 2009 (altura em que desceu 18,9%), foi também a primeira vez que o valor ficou abaixo dos 100 mil milhões de dólares desde 2010, ano em que o comércio entre a China e os países de língua portuguesa totalizou 91,42 mil milhões de dólares, segundo dados compilados pela agência Lusa. Dados dos Serviços de Alfândega da China publicados no portal do Fórum Macau indicam que, entre Janeiro e Dezembro, a China comprou aos países de língua portuguesa bens avaliados em 62,30 mil milhões de dólares – menos 27,92% – e vendeu produtos no valor de 36,16 mil milhões de dólares, menos 21,62% face a 2014. O Brasil manteve-se como o principal parceiro económico da China, com o volume das trocas comerciais bilaterais a cifrar-se em 71,80 mil milhões de dólares em 2015, menos 17,37% comparativamente a 2014. As exportações da China para o Brasil atingiram 27,42 mil milhões de dólares, traduzindo uma quebra de 21,47%, enquanto as importações chinesas totalizaram 44,38 mil milhões de dólares, reflectindo uma descida de 14,61% em termos anuais.

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China vai aprovar uma nova directiva para aumentar a protecção aos profissionais que trabalham no sistema judicial do país, depois de dois homens terem assassinado uma juíza e ferido o seu marido em Pequim. A notícia caiu como uma bomba junto dos profissionais do sector e o chefe da Segurança do Partido Comunista Chinês, Meng Jianzhu, exigiu, medidas para proteger os juízes e procuradores, assim como as suas famílias, segundo o South China Morning Post. Brevemente, o Governo deverá publicar o conteúdo da nova directriz, que será implementada ainda este ano. O número de ataques do género tem aumentado no país, com o caso mais recente a resultar na morte, em Pequim, de Ma Caiyun,

Com Angola, o segundo parceiro chinês no universo da lusofonia, as trocas comerciais caíram 46,84%, para 19,70 mil milhões de dólares, entre Janeiro e Dezembro de 2015. Pequim vendeu a Luanda produtos avaliados em 3,72 mil milhões de dólares – menos 37,71% face a 2014 – e comprou mercadorias avaliadas em 15,98 mil milhões de dólares, ou seja, menos 48,60%.

TERCEIRA PARTE

Com Portugal - terceiro parceiro da China no universo de

países de língua portuguesa -, o comércio bilateral ascendeu a 4,37 mil milhões de dólares – menos 8,99% –, numa balança comercial favorável a Pequim que vendeu a Lisboa bens na ordem de 2,89 mil milhões de dólares – menos 7,61% – e comprou produtos avaliados em 1,47 mil milhões de dólares, menos 11,59%. Só no mês de Dezembro, as trocas comerciais entre a China e os países de língua portuguesa ascenderam a 7,57 mil milhões de dólares em Dezembro, reflectindo

Trancas na porta

Protecção aumenta após assassinato de juíza

uma juíza de 38 anos, atingida por tiros disparados por dois homens. Ma, que tinha sido reconhecida como juiz “modelo” e detinha um recorde de 400 casos resolvidos por ano, acabou por falecer no hospital. O seu marido, Li Fusheng, um agente da polícia que trabalhava no mesmo tribunal, também ficou ferido durante o ataque, segundo um comunicado da polícia de Pequim.

VEREDICTO FATAL

Alegadamente, um dos suspeitos, com o apelido Li, estava descontente com a divisão da propriedade estipulada por Ma no veredicto sobre o seu divórcio.

um aumento de 12,66% face ao mês anterior. Os dados divulgados incluem São Tomé e Príncipe, apesar de o país manter relações diplomáticas com Taiwan e, por isso, não participar directamente no Fórum Macau. A China estabeleceu a Região Administrativa Especial de Macau como a sua plataforma para o reforço da cooperação económica e comercial com os países de língua portuguesa em 2003, ano em que criou o Fórum Macau, que reúne ao nível ministerial de três em três anos. A próxima conferência ministerial, que será a quinta desde 2003, deve realizar-se este ano, mas ainda não há data. Este mês, o Governo de Macau criou uma Comissão para desenvolver a plataforma de cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa. Essa comissão é presidida pelo chefe do Executivo e tem, entre as suas competências, a realização de “estudos sobre a construção da RAEM [Região Administrativa Especial de Macau] como uma ‘Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa’ e elaborar as medidas e políticas necessárias”. Conta com 11 membros, cujo mandato tem a duração de um ano, todos membros de diferentes tutelas do Governo, não havendo representantes dos países de língua portuguesa.

Os agressores, que acabaram por se suicidar no dia seguinte, mataram também o marido da ex-mulher de um deles, utilizando uma pistola fabricada pelos mesmos. Numerosos juízes manifestaram publicamente a sua tristeza pela morte de Ma, condenando a violência e apelando ao aumento da protecção. “Trataremos de maneira severa os casos resultantes em danos pessoais ou na propriedade de juízes e das suas famílias”, afirmou Sun Jungong, porta-voz do Tribunal Supremo. Em Fevereiro do ano passado, um juiz que presidia a um caso de divórcio na província central de Henan foi atacado à entrada do tribunal e ferido com gravidade, depois de outro colega, em Shenzhen, ter sofrido agressões meses antes.


h ARTES, LETRAS E IDEIAS

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Diáspora do desejo

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STAMOS sempre a aprender. Isto não é um dístico de vaidade ou arrogância, é mesmo e pelo contrário a assunção de uma humilde autocrítica, que me seja perdoado o recurso a esta expressão com conotações tão obscenas. Vem isto a propósito da leitura de mais um livro de Milan Kundera, incontornável autor de uma brilhante e vasta obra. Repito-me por vezes insistindo sobre o facto de que as melhores obras de literatura da Europa Central possuem um sabor ensaístico que as distingue da maior parte da literatura de ficção da Europa Ocidental e mais particularmente ainda uma tonalidade acentuadamente cosmopolita e de vanguarda. Comparativamente à literatura francesa e mais ainda à literatura anglo-saxónica que contudo só se torna inequívoca na sua versão norte americana, as literaturas da Mitteleuropa, austríaca, húngara, checa e balcânica, em particular, apresentam sempre sinais de uma dimensão extra romanesca; ou seja, histórica, ensaística, e mesmo filosófica. Neste texto, de Kundera, ensaio ou novela que talvez seja o que ainda assim melhor se lhe coaduna, estamos sempre a ser surpreendidos por considerações que colidem com a nossa interpretação e sentido da conveniência entre os factos históricos e culturais. Feito depois um balanço final chegamos à conclusão de que afinal o edifício das nossas certezas não é assim tão abalado quanto isso, mas o choque e a surpresa não podem deixar de ser assinalados. Vamos ao nosso caso concreto para melhor nos entendermos. Tenho para mim e já o disse aqui nas páginas deste jornal, nos textos que tenho vindo a publicar, que o melhor da cultura europeia do século passado e já na transição do século XIX para o século XX podia ser associado aos intelectuais da chamada Mitteleuropa e em particular aos intelectuais judeus. É espantoso o número de artistas e escrito-

res e até filósofos com esta característica étnica, digamos assim com brevidade, que se evidenciaram nas suas actividades com assinalável mérito e brilho. Isso não pode ser desmentido, nem é o objectivo destas minhas considerações, por

MILAN KUNDERA nasceu no dia 1 de Abril em Brno, na antiga Checoslováquia, hoje República Checa. Foi em tempos militante do Partido Comunista Checoslovaco do qual viria a ser expulso em 1950. Em 1956 foi readmitido, mas finalmente em 1970 foi expulso, desta vez definitivamente, desta vez teve por companheiros de (in) fortúnio, entre outros Vaclav Havel. Claro que esteve envolvido na Primavera de Praga em 1968, o que significa que as suas posições há muito tempo tinham deixado de ser ortodoxas se é que alguma vez o foram. Lembre-se que a Brincadeira data de 1967. Durante o período de ocupação do território pelas tropas do Pacto de Varsóvia, com Havel e outros participou num movimento de carácter reformista socialista mas contra o totalitarismo soviético, do qual desistiu em definitivo em 1975, ano em que abandonou a Checoslováquia para se exilar em Paris. Veio a tornar-se cidadão francês em 1980. Pode-se considerar que o estilo de Milan Kundera vai no sentido de uma tradição da Europa Central e em particular do eixo Viena-Budapeste e que muito deve a autores como Robert Musil e Herman Broch, mas também a escritores ingleses como, em particular, Henri Fielding, pelo modo como tece uma imensa tapeçaria de digressões e ensaísmo filosófico. Para além da sua obra-prima eu destacaria os romances, A Brincadeira, A Imortalidade e o ensaio A Arte do Romance entre muitas outras obras. Nenhum dos seus livros de ficção alcança a grandeza e a mestria de A Insustentável Leveza do Ser. Uma obra-prima só ocorre na vida de um escritor uma vez.

todas as razões, intelectuais, estéticas e até afectivas. Claro que a afectividade é multiforme e não se justificaria eventualmente se não contivesse os pressupostos de uma profunda solidariedade ideológica inseparável dos conceitos de alteridade, diáspora, exílio e desenraizamento. Desde logo porque estes conceitos são a matriz e os alicerces da minha própria posição sobre os temas que podem ser trazidos à colação: identidade, cosmopolitismo, concepção artificial e não orgânica da sociedade e do Estado. Provavelmente não sou só eu que se habituou a relacionar os judeus com uma cultura profundamente cosmopolita, assente em mecanismos de Identidade reduzidamente nacionalistas e até no limite a rasar os informes de uma cultura apátrida. A segunda guerra mundial e a perseguição que lhes foi movida com a consequente diáspora confirma-o e inscreve-se como um dos maiores fenómenos históricos do nosso tempo contemporâneo, com implicações inquestionáveis. Para o Mal e para o Bem. Vem ao caso a digressão, a meu ver notável, que Kundera faz sobre o judeu austríaco,

Arnold Schoenberg, a propósito de algumas questões que sibilinamente lhe foram colocadas por um jornalista americano, já o músico e teórico da escala de doze tons se encontrava há catorze anos afastado da sua pátria. A pergunta ia no sentido de querer saber se Schoenberg sentia saudades da pátria. A pergunta era sibilina pois sendo a Áustria a pátria do músico de Viena, a verdade é que o artista sempre identificou a Alemanha, a cultura alemã e a língua alemã, como a sua pátria espiritual. É nesse ponto que a posição de Schoenberg nos parece atípica pois exprime uma pertença muito vincada, enquanto judeu, relativamente à pátria de acolhimento e de resto nem sequer a essa mas a uma pátria culturalmente mais alargada e englobante o que o identificaria com a velha estirpe teutónica, o que afinal não corresponde à verdade. O que é verdade é que a germanização de Arnold Schoenberg foi consistente ao ponto de ter renegado o judaísmo e se ter convertido ao cristianismo na sua versão mais alemã, o luteranismo. Viria contudo a regressar à religião judaica em Paris no contexto da primeira fase do exílio, em consequência do nazismo, que o levará finalmente até à América, como a tantos outros. Não foi para mim surpreendente o facto de Schoenberg, ter assumido a sua nacionalidade europeia, muitos judeus da diáspora assumiam as suas nacionalidades migrantes quase sempre com grande galhardia. Já é mais estranha a sua tão grande fidelidade à Alemanha e à cultura alemã, uma vez que os seus antepassados próximos eram originários da Hungria, já europeus, portanto, mas não alemães. Seguramente que a inserção de Schoenberg, pela educação musical, no espaço da tradição da língua alemã e isso aconteceu com muitos outros, artistas, músicos e escritores em particular assim como filósofos, poderá ter desempenhado um papel importante na redefinição de uma pertença acima das oscilações identitárias ligadas aos espaços físicos e políticos. Teríamos assim uma redefinição do quadro: Primeiro judeu, do ponto de vista étnico e histórico, depois húngaro pela origem familiar recente, mas por esta pertença já enquadrado num espaço germanizado, uma vez que a Hungria se integrava no espaço geopolítico do Império Austro-húngaro de que Viena era a capital. Aliás foi justamente em Viena que o músico nasceu a 13 de Setembro de 1874. Finalmente por esta via vienense acabaria por se ligar à língua alemã e finalmente à cultura alemã. Milan Kundera explora estas contradições da vida espiritual de Schoenberg, fazendo-o de uma forma articulada com conceitos e com vidas de personagens, em particular Irena, ou seja a personagem principal. Se o conceito motor de A Insustentável Leveza do


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fichas de leitura

Ser era a compaixão, o conceito motor deste romance, A Ignorância, é a ideia de nostalgia, que o autor trata etimologicamente na sua complexa evolução histórica e linguística e ainda na sua diversificação semântica. A personagem principal do romance, Irena, é uma checa há alguns anos a viver em Paris, para onde emigrou na circunstância da ocupação da Checoslováquia pelas tropas comunistas do Pacto de Varsóvia, como aconteceu aliás com o próprio Milan Kundera. Irena, a fazer fé pelos dados cronológicos terá saído de Praga logo na época da invasão em 1968, pois agora, no romance claro, está há mais de 20 anos emigrada. Estaremos portanto em 1989. A sua grande amiga Sylvie espera entretanto que no contexto revolucionário que começa no leste da Europa a partir de 1988, Irena deseje voltar à pátria; seja pela pátria seja pelo menos pela revolução. Sylvie, a sua amiga, é animada, ainda, pelo espírito da chamada Grande Marcha, tal como Franck o era em A Insustentável Leveza do Ser. Esta crença da marcha para a liberdade é um avatar ideológico de longa duração, uma das muitas metanarrativas da Modernidade, expressão de um sentimento tão europeu e francófono, herdado da Filosofia das Luzes. Só a título de curiosidade, foi justamente essa crença nas Grandes Marchas, pelo progresso, pela liberdade e pela paz que determinou que a cultura europeia tivesse entrado em crise na segunda metade do século XX. A crise foi em larga medida estimulada pela falência das metanarrativas, falência essa, ditada, justamente, por eventos como a segunda guerra mundial e o nazismo mas também paradoxalmente acelerada pela débacle do Império Soviético. O Império Soviético, o seu colapso, tão abrupto e rápido, levou consigo, pelo menos durante um certo tempo, o sonho igualitário do Comunismo. Provavelmente nada de mais ambivalente aconteceu na Europa em toda a sua história. O fim do comunismo representou o colapso de um mito, de uma crença historicista enraizada na Europa, e representou também a agonia de uma perspectiva escatológica, embora secularizada, que produzira sentimentos tão contraditórios e apaixonados. O fim do comunismo foi para muitos, o fim de um sonho e para outros tantos, o fim de um pesadelo. Em boa verdade, e eu já o escrevi num texto sobre a pós-modernidade, o fim do comunismo encerrava em si mesmo a dupla dimensão de um sonho e de um pesadelo em simultâneo. Só na dinâmica diacrónica da história é que o fenómeno se desdobrou e pôde ler-se como um sonho que degenerou em pesadelo, que afinal há muito já tinha degenerado em pesadelo, conquanto mantivesse ainda uma enorme aura de esperança e sonho. Eu digo paradoxalmente, de facto por isso mesmo, porque apesar do que na realidade e na prática representava, o comunismo era ideologicamente ainda para uma boa parte da consciência ocidental, embora cada vez menor, uma ideia emancipadora e revolucionária, ou seja, uma metanarrativa e uma Grande Marcha. É balizado por estes pressupostos que Kundera desenvolve numa digressão longa, para minha surpresa, um longo artigo de reflexão sobre a figura de Schoenberg. O desenvolvimento teórico é apaixonante, mas

Kundera, Milan, A Ignorância, Asa, Lisboa, 2001 Descritores: Literatura Checa, Nostalgia, Emigração, Exílio, Comunismo, Identidade, Democracia, Liberdade, ISBN: 9789724125862

isso não é nada surpreendente, pois Kundera que estudou música a sério é um largo e profundo conhecedor da matéria. A surpresa radical estala quando o autor me coloca perante uma declaração de Schoenberg, em que este teria afirmado na sequência da sua invenção da escala dodecafónica, que “graças a si, a dominação, (não disse ‘glória’, disse Vorherrschaft, ‘dominação’), da música alemã, (ele, vienense, não disse música ‘austríaca’, disse alemã) estaria garantida, durante os próximos cem anos” (p. 14). Como se sabe, alguns anos depois estaria exilado em Paris, banido e ostracizado por essa mesma Alemanha de cuja Vorherrschaft se ufanava e cuja glorificação quisera garantir com a sua própria arte. Mais surpreendido fiquei, mas convencido, por agora, quando Kundera exacerba um dado absolutamente inesperado para mim e que é a ligação da arte de Schoenberg a mecanismos de enraizamento no solo alemão, a fazer fé que o músico teria usado esta expressão. Ora, usou mesmo, o que para mim é aviltante pois sempre li a obra de Schoenberg, e cito tantas vezes o poema de Jorge de Sena, na Arte de Música em que o poeta glosa literariamente o Concerto para Violino e Orquestra do célebre músico vienense, afinal alemão, como sendo a grande expressão de uma modernidade cosmopolita e quase apátrida. Para mim o concerto é a expressão de uma sensibilidade desenraizada, pessimista e agónica dos balbuciamentos de uma modernidade que sofre os efeitos da primeira crise intelectual e moral ao mesmo tempo que assinala o triunfo de um individualismo decadente e desiludido. Mas pelos vistos as coisas não se passavam assim na consciência finissecular de Schoenberg e em vez de se sentir como eu sempre o vi, e Kundera também, como alguém que estava a escrever o fascinante epílogo da História da Grande Música Europeia ter-se-ia sentido antes o prólogo de um glorioso futuro. Confesso a minha enorme estranheza e perplexidade. Mudemos de assunto. Sempre soube de uma forma sobretudo intuitiva que alguma coisa me incomodava nas estratégias identitárias e nos seus cultos repetitivos e reiterados. A obsessão pelo mesmo, a invocação exaustiva de memórias sempre as mesmas que constituem por exemplo a argamassa de coesão dos grupos sedentários, as tertúlias dos cafés de bairro, os clubes que se frequentam sempre para as mesmas actividades, as inevitáveis conversas redundantes e circulares, das quais nunca se sai. E também por um processo intuitivo me apercebi das vantagens ontológicas da rotura, do abandono, da recusa do quotidiano, da fuga para longe ou em última instância mesmo para perto, a procura de um escondimento

quando a fuga não é possível. Nunca fui de grandes rotinas e de grandes fidelidades. É vital e visceral em mim desaparecer para me salvar das tenazes da repetição viciante, da acédia, das monotonias que preparam o logro das grandes armadilhas, as teias de aranha dispostas nos recantos, o pratinho de mel envenenado sobre a eterna mesa sempre posta e ali à mão. Não vale a pena explorar os elementos ontológicos e metafísicos da fuga, do retiro ou da aventura, eles são sobejamente conhecidos e explorados pela literatura e pelo cinema até à exaustão. Deixemos isso portanto de lado agora. Já escrevi de sobejo sobre o tema, lathe biosas, hoc erat in votis, redi ad cor, purga, sublimação, ascese etc. Centrar-me-ei antes na problemática levantada por Kundera nesta novela: a questão da narrativa. A questão central e dramática da necessidade da narrativa. Diz o autor que Ulisses, que lhe serve como paradigma homológico e fac simile, se aborrece infinitamente pois todos lhe falam de Ítaca, quando o deveriam interpelar, no sentido de o estimular, sobre a sua odisseia! Não fora o caso de que antes de acostar a Ítaca ter sido levado para o País dos Feácios por causa de um naufrágio e teria morrido intoxicado de acontecimentos sem ninguém para desabafar, o termo só pode ser este. Ora no núcleo claustrofóbico das relações identitárias só podemos desabafar a redundância da nossa história partilhada, comum, aquela que no fim de contas é menos idiossincraticamente nossa a título pessoal e privado, ensimesmados em torno de lugares comuns exaustivamente partilhados até à náusea. Isso é o que justamente acontece nas comunidades fechadas, nas comunidades emi-

Manuel Afonso Costa

grantes por exemplo, em que os dispositivos identitários adquirem os contornos de uma tara, narrativa tautológica, obsessiva, onde jamais pode brilhar a disfuncionalidade de uma outra narrativa puramente individual, única, inovadora, capaz de por si fazer estalar o verniz e a argamassa do idêntico, instituindo a perversão da surpresa e do inesperado, o escândalo do imprevisto, a agressão disfórica do inusitado. É deste modo que eu sou levado a entender por exemplo a necessidade do Imperador Kublai Khan mas também a de Marco Polo, nas Cidades Invisíveis de Calvino. Precisam ambos daquele suplemento vital. Não é nada difícil aceitar que isso aconteça mais facilmente no contexto da diáspora e na relação entre estranhos, desconhecidos. Não podendo por ora dizer mais do que isto, penso que se percebe que tudo isto caracteriza o poder da efabulação, o poder comunicativo inaugural da paixão amorosa, da descoberta, do encontro acidental, o poder afinal do desejo. Só o estrangeiro, só o estranho, só o desconhecido, provocam de forma radical o nosso ínsito desejo ficcional e efabulatório, quando, tal como provavelmente o Rei dos Feácios terá feito com Ulisses e Kublai Khan fez pela mão de Calvino, e vindo ao nosso encontro, nos diz: Quem és tu? De onde vens? Conta! Narra-nos a tua vida, a tua história, pois ela será tal como todas as vidas, única e exemplar. Em todos os seres humanos está adormecido um efabulador e um aventureiro. Só no quadro de uma relação de alteridade é possível furar a carapaça da identificação ao mesmo, romper as fronteiras rígidas da rotina, da tirania quotidiana, previsível, programada, que nos amarra como uma armadilha. Note-se como, e não deixa de ser muito esclarecedor, em várias línguas o sentimento de desejo nostálgico, ou saudoso mesmo, se estrutura em torno, em simultâneo, dos conceitos de falta ou ausência e de estranheza, no sentido em que o estranho é o estrangeiro e marca central de alteridade. Na língua inglesa o sentimento exprime-se através do verbo to miss, em português faltar. Dizer que me tens feito falta é o mesmo que dizer que sinto saudades de ti. Mas em castelhano é ainda mais interessante a denotação, pois é mesmo estrañar que exprime imediatamente saudade ou nostalgia, …. Tenho-te estrañado tanto, significa que me tens feito falta, que sinto saudades da tua presença, etc. Os dados estão assim lançados para que se possa ligar de uma forma dinâmica e mesmo dialéctica, a alteridade, o amor, o estrangeiro (estranho) e a narratividade. Para mim só neste contexto dinâmico faz sentido estudar e desenvolver o conceito bem português da saudade, ou seja enquanto potencialidade narrativa do desejo.

*No quadro da colaboração de Manuel Afonso Costa com a Biblioteca Central de Macau-Instituto Cultural, que consiste entre outras actividades no levantamento do espólio bibliográfico da biblioteca e na sua divulgação sistemática, temos o prazer de acolher estas “Fichas de Leitura” que, todas as quintas-feiras, poderão incentivar quem lê em Português.


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Michel Reis

“O Livro do Desassossego” chega a Londres “O coração, se pudesse pensar, pararia.”

“V

AN der Aa: The Book of Disquiet”, o espectáculo multimédia do holandês Michel Van der Aa, foi apresentado nos dias 24 e 25 de Fevereiro em Londres, no qual a maestrina portuguesa Joana Carneiro dirigiu a London Sinfonietta, uma das mais conceituadas orquestras sinfónicas britânicas. Com base nos escritos autobiográficos de Bernardo Soares (“semi-heterónimo” de Fernando Pessoa, segundo o próprio), a peça, apresentada pelo Southbank Centre, subiu ao palco do Teatro Coronet numa versão inglesa, com o actor Samuel West a fazer de Bernardo Soares. Esta peça de teatro musical para actor, agrupamento e filme foi apresentada pela primeira vez na língua alemã, em 2009, em Linz, ano que a cidade alemã foi capital europeia da cultura. Em Fevereiro de 2010 chegou, na sua versão portuguesa, à Casa da Música no Porto, com João Reis como protagonista. O espectáculo de Van der Aa é descrito como um misto de representação com música e vídeo no qual, entre outros, a fadista Ana Moura está presente. Joana Carneiro, maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, no Teatro Nacional de São Carlos e tida como uma das melhores regentes do mundo, conta já com uma larga experiência internacional. Em 2009, foi nomeada directora musical da Berkeley Symphony, nos Estados Unidos e Maestrina Convidada da Orquestra Gulbenkian. Seguiram-se concertos com algumas das melhores orquestras de França, Canadá, Espanha, Suécia, Nova Zelândia e Austrália. Van der Aa escreveu o seu próprio libreto a partir do livro de Pessoa, a maior parte dito pelo actor, sentado a uma secretária. Ecrãs de vídeo em vol-

ta deste oferecem imagens filmadas de outras personagens mencionadas nos textos: um major reformado, um varredor de ruas e uma rapariga com que Soares sonha depois de a ver numa litografia; chama-lhe Ofélia e é retratada em filme pela cantora de fado Ana Moura. Estes seus alter-egos interferem de modo crescente até que surge um diálogo virtuoso entre o actor e os heterónimos, que a seguir desaparecem gradualmente. Os temas explorados nos escritos de Fernando Pessoa complementam as ideias exploradas no trabalho de Michel Van der Aa. Tal como as suas obras recentes exploram a ideia de identidade, o Livro do Desassossego de Pessoa está escrito na perspectiva do alter-ego de um guarda-livros chamado Bernardo Soares. Pessoa cria diferentes personagens para tornar visível um diálogo interior. Cada um dos heterónimos tem a sua própria biografia, língua e origens, diz Van der Aa. É adequado, então, que estas personagens fracturadas tenham as suas próprias identidades musicais, pelo que o compositor considera The Book of Disquiet como uma das suas partituras mais coloridas. Van der Aa descreve os escritos de Pessoa como densos, bastante pesados e por vezes sombrios, mas cheios de sagacidade e explora as implicações das ideias do poeta na era moderna. Refere ainda que, na realidade, o protagonista não vive; ele escreve sobre os seus amigos ou fala com eles em sonhos porque dessa forma pode afastar-se deles. Não é capaz de se ligar ao resto do mundo. A concluir, refere que o ecrã do computador é a janela e alguns de nós vivemos no Facebook em vez de em pessoa. Apropriadamente, o compositor concebeu a obra multimédia como um todo em vez a separar nas suas componentes. As diferentes componentes sempre lhe surgem em paralelo uma às outras – quando está a escrever a

música pensa no que está a acontecer no filme ou no palco e como estas camadas se encaixam umas nas outras. Refere que não é uma peça com música de fundo – é teatro musical. A música conta a parte da história que o texto não conta e tudo se encaixa. O Livro do Desassossego é considerado uma das maiores obras de Fernando Pessoa. É um livro fragmentário, sempre em estudo por parte dos críticos pessoanos, tendo estes interpretações díspares sobre o modo de organizar o livro. Existe uma versão resumida do mesmo, com os trechos mais belos e representativos da obra, intitulada Palavras do Livro do Desassossego. Uma das estudiosas de Pessoa, Teresa Sobral Cunha, considera que existem dois Livros do Desassossego. Segundo esta última, que organizou em conjunto com Jacinto do Prado Coelho e Maria Aliete Galhoz a primeira edição do livro, publicada apenas em 1982, 47 anos depois da morte do autor, existem dois autores da obra: Vicente Guedes numa primeira fase (anos 10 e 20) e o já referido Bernardo Soares (final dos anos 20 e 30). Já outro estudioso de Pessoa, António Quadros, considera que a primeira fase do livro pertence a Pessoa. A segunda fase, mais pessoal e de índole da escrita de um diário, é a que pertence a Bernardo Soares. Quando Fernando Pessoa morreu em 1935, deixou uma arca cheia de escritos incompletos e não publicados, entre os quais estavam as páginas que constituem a sua obra-prima póstuma, O Livro do Desassossego – a autobiografia do seu semi-heterónimo Bernardo Soares. Mais de três décadas depois de ter sido revelada ao mundo, a partitura de Michael Van der Aa transforma a colecção de vinhetas de sonho e anedotas autobiográficas de Pessoa numa obra hipnótica que combina a palavra falada, com música, electrónica e vídeo, examinando a verdadeira natureza do sempre inapreensível ego.

“A partitura de Michael Van der Aa transforma a colecção de vinhetas de sonho e anedotas autobiográficas de Pessoa numa obra hipnótica que combina a palavra falada, com música, electrónica e vídeo, examinando a verdadeira natureza do sempre inapreensível ego”


17 hoje macau quinta-feira 3.3.2016

contos & histórias António Conceição Júnior

Anónimos Imprecisa, em 1986, uma notícia informava que um condutor de triciclo cometera suicídio pendurando-se no gradeamento da ponte Macau-Taipa.

O

perfil da cidade parecia benevolente na contraluz do sol poente. Com a ponta do pé, que recolheu de imediato não fosse haver um poço sem fundo, sentiu a água morna e o lodo do leito do rio. Sentiu repugnância. Decidiu pôr-se de novo a nado, duas cabaças atadas à cinta. Nadou até sentir um apoio sólido por debaixo da fina camada de lama. Parou no molhe, exausto. À direita, na ligação da barreira de pedra, pescadores lançavam redes esticadas por quatro bambus. À esquerda, o vulto de uma igreja no cimo de uma colina. Olhou para trás, levou a mão à cintura e puxou a corda fina de fibra de coco. Foi puxando, encostado às rochas, receando os fachos de luz que um farol projectava. Por fim, a corda trouxe um saco de pano. Encostou a cabeça ao molhe e respirou fundo. Chegara. Lentamente, desatou a corda apenas pelo tacto e desembaraçou-se das cabaças. Com cuidado subiu as pedras do molhe. Os intermitentes lampejos do farol permitiram que visse os pescadores, bambus ao ombro, dirigirem-se para terra firme. Deitou-se, o saco fazendo de almofada, para que a roupa secasse, mas adormeceu, não soube por quanto tempo. Acordou sobressaltado, olhando um céu estrelado. Não sabia as horas. Levantou-se e decidiu que tinha de caminhar. Subindo dois degraus que o trouxeram para terra, vislumbrou perto umas árvores. Mais longe, contra o céu ainda escuro, erguia-se uma massa ainda mais negra. Guó Jianjun atravessou lesto a estrada deserta, os braços apertando o saco contra o peito. Embrenhou-se na terra batida, sentindo a humidade sob os pés. Havia um cheiro que o fez recordar os campos que atravessara a cavalo. Agachou-se, concentrando os sentidos para entender a razão daquele odor. Discerniu uma barraca ao longe. Sapos coaxavam e mosquitos zuniam perto, numa sinfonia que lhe era familiar. Viu uma bananeira com fruta por colher. A fome apertava, comeu. De uma lata, bebeu água, mão em concha. Lá para Oriente já clareava e uma luz acendeu-se na barraca próxima. Junto à bananeira, escavou rapidamente a terra húmida. Abriu o saco, retirou algo que colocou no buraco, e cobriu-o novamente. Colocou um pesado pedregulho por

cima e alisou a terra. Olhou em volta. Precisava fixar o local antes de se afastar. Amanhecia quando Guó chegou à cidade. Olhou em redor para se orientar. Encaminhou-se para uma rua. Tudo era novo aqui. Os edifícios recordavam-lhe vagamente Xangai, Tsingtao, mas aqui tinham um sabor que não sabia decifrar. Sobre jornais velhos, esteiras, caixas de papelão espalmado, viu gente a dormir debaixo de arcadas. Guó Jianjun tinha servido Chiang Kai-shek desde os tempos de Xangai. Tornara-se um dos elementos de ligação entre o Generalíssimo e o chefe do Grupo Verde, Du Yusheng, a quem chamavam “Du, orelha grande”. O Grupo Verde era uma seita que fazia os trabalhos sujos para o Kuomintang. Chegara a major quando a debandada no seu regimento começou, depois das notícias de Nanjing. Pegaram no ouro que puderam, meteram-se a caminho, cada um por si, e deixaram Xangai para os japoneses. Conseguira chegar a Ao Men. Era a última etapa. Pelo caminho, vira cadáveres que boiavam nos braços do delta. Tinha conseguido contornar os guardas japoneses, nunca largando o saco. Da ilha vizinha tinha olhado a cidade, mas não se atrevera a atravessar aquele braço de água porque lanchas patrulhavam junto aos juncos em descanso. Ouvira tiros, vislumbrara caçadores que se entretinham a caçar. A sua Mauser C96 perdera-a na fuga. Tirara o uniforme e lançara-o a um poço numa aldeia abandonada. Caminhou até onde tudo era deserto e, na calada da noite, foi atravessando ilha a ilha. Quase desesperara. Guó Jianjun, curvado, percorreu as arcadas. Passou por uma praça de traça ocidental. Procurou andar por ruelas, evi-

tando expor-se. Meteu por uma viela, assinalada numa placa como Rua dos Cules e, ironicamente, desembocou na Rua da Felicidade. Desorientado, virou à direita, na Travessa do Aterro Novo. Encontrou uma casa de câmbios e de penhores. De cabeça ainda rapada, rosto sujo, preocupava-o não se fazer entender. Olhou em volta e entrou rapidamente, contornando um alto biombo vermelho. Olhou para cima, para o funcionário atrás das grades protectoras. Pôs a mão na cintura e retirou das calças um lingote de ouro bem amarelo, quase quadrado, com a inscrição 999 e, por baixo, 1000. Deveria ter de espessura um dedo. O funcionário olhou a peça com ar de treinada indiferença. Olhou para Guó e, sem querer, tremeu. Guó Jiajun olhava-o com um olhar que há muito não tinha. Era um olhar frio, gélido, impiedoso. O homem retirou-se, e Guó ouviu-o falar com outro num dialecto desconhecido. O homem voltou, olhou de dentro da jaula. Disse-lhe algo em cantonense. Guó respondeu uó pu tong(1) . O outro pegou numa folha e escreveu com o pincel “o câmbio está a oitocentas patacas”. Guó olhou para ele e rosnou “ Huángjīn shì jīn” (ouro é ouro). Os olhos eram duas ranhuras. O homem voltou a conferenciar com o superior invisível. Aproximaram-se os dois e o patrão olhou, mirou, e, atarantado, gaguejou “ni shi, ni shi” (você é, você é…). Os olhos de Guó abriram-se mais, aquele rosto gordo não lhe era estranho. “Ni shi lu ma?” A frase era enigmática, pois lu tanto podia significar verde como corça. Guó sorriu, levou a mão direita ao externo, o polegar e o dedo mínimo abrindo-se ao máximo, o indicador e o anelar esticados e o dedo médio recolhido e deixou a mão escorrer lentamente até ao estômago.

O superior deu uma ordem ao funcionário, abriu a porta oculta para Guó subir, ni lai, lai (venha, venha). O outro ficou a contar enormes notas arroxeadas de dez patacas. Cem notas de dez. Li Gangming reconhecera Guó. Como era pequeno o mundo. As memórias de Du Yusheng, o orelhas grandes, tinham atravessado Xangai até ali. Ambos eram sobreviventes da mais recente das tragédias na China. Ambos tinham receado o poder crescente de Mao e de Zhou Enlai. Os comunistas tinham-se separado dos do Kuomintang desde 1927, embora ambos tivessem combatido os japoneses. Aquilo era uma confusão. Apenas tinha sabido que os do Kuomintang haviam fugido, quando os japoneses entraram em Xangai. Li levou Guó para outro compartimento, mirou Guó e pegando num pau com uma forquilha, depois de ter consultado uns papelinhos atados à roupa, tirou uma túnica e calças largas que lhe entregou. O funcionário, agora reverente, entregou com as duas mãos um embrulho com as mil patacas. Foi buscar uma bacia de esmalte, água quente e entregou uma toalha para Guó limpar o corpo. Meia hora depois Li Gangming e Guó Jiajun, agora apresentável, saíram e foram jantar. A guerra acabara, era tempo de se ajustarem algumas contas. Guó passou a viver à grande, quarto no Hotel Central. Jogava com frequência. Li Gangming fora obrigado a fechar a casa de penhor, vendera a licença de cambista por bom dinheiro e partira para Hong Kong. Aos poucos, a cidade foi-se despovoando dos refugiados. O mundo não parava. Muitos ficaram, adaptando-se ao pequeno burgo. As idas de Guó Jiajin ao buraco junto à bananeira pararam. Esgotara tudo, estoirara tudo numa febre autodestrutiva, numa raiva contra o destino. Vivia na miséria após alguns, poucos, anos de abundância. Pedalava um triciclo, tez queimada do sol, longas barbas brancas, e corpo magro, ressequido. Falava sozinho. Nos anos oitenta, um jornal noticiou, de forma vaga, um suicídio. Era Guó Jiajun que havia desistido de viver. Durante a noite, o ex-major tirou o cinto, atou-o ao corrimão da ponte, enfiou a cabeça e deitou-se de barriga para baixo e deixou-se asfixiar. Morte anónima, a do condutor de triciclo.


18 (F)UTILIDADES TEMPO

MUITO

hoje macau quinta-feira 3.3.2016

?

NUBLADO

O QUE FAZER ESTA SEMANA Sábado

ABERTURA DO FESTIVAL ROTA DAS LETRAS Edifício do Antigo Tribunal, 15h00 Entrada livre

MIN

14

MAX

20

HUM

60-90%

EURO

8.68

BAHT

Domingo

ROTA DAS LETRAS: “ESTRANHOS NA CIDADE”, COM CHAN KOONCHUNG, AGNES LAM E C.F.HU Edifício do Antigo Tribunal, 15h00 Entrada livre

O CARTOON STEPH

SUDOKU

DE

ROTA DAS LETRAS: “UM OLHAR SOBRE A LITERATURA DA CHINA, MACAU E HK” Com Un Sio San, Zhou Jia Ning, Tang Siu Wa e Yang Chia-Hsien Edifício do Antigo Tribunal, 17h30 Entrada livre ROTA DAS LETRAS: “TANG XIANZU, PIONEIRO EM MACAU” Com Mu Xinxin e Edward Li Edifício do Antigo Tribunal, 18h30 Entrada livre ROTA DAS LETRAS: “O IMPACTO DECISIVO DOS LIVROS NA INFÂNCIA” Com Luiz Ruffato e Carlos André Edifício do Antigo Tribunal, 18h30 Entrada livre

SOLUÇÃO DO PROBLEMA 40

EXPOSIÇÃO [X] DE RHYS LAY Fundação Rui Cunha (até 13/03) Entrada livre EXPOSIÇÃO “MA-BOA, LIS-CAU”, DE CHARLES CHAUDERLOT (ATÉ 19/03) Museu de Arte de Macau Entrada livre EXPOSIÇÃO “UM SÉCULO DE ARTE AUSTRÍACA” (ATÉ 3/04) Museu de Arte de Macau Entrada livre EXPOSIÇÃO “MANUEL CARGALEIRO” (ATÉ 3/03) Casa Garden Entrada livre HISTÓRIA NAVAL (ATÉ 9/04) Arquivo Histórico de Macau Entrada livre EXPOSIÇÃO “CAIXA DE MÚSICA” (ATÉ 3/04) Museu da Transferência Entrada a cinco patacas

Cineteatro

C I N E M A

SALA 1

GODS OF EGYPT [B]

Filme de: Alex Proyas Com: Nikolaj Coster-Waldau, Brenton Thwaites, Gerard Butler 14.30, 16.45, 21.30

MERMAID [B]

UM LIVRO HOJE

“A METAMORFOSE” (FRANZ KAFKA, 1912)

Ler Kakfa não é um desporto sem riscos. Nem uma decisão para tomar de ânimo leve. Os seus escritos insinuam-se dentro de nós como um vapor invisível, negro em substância, que não nos largará nunca, pois revelam-nos os cantos mais escuros da alma, para os quais é melhor sermos avisados para prevenir naufrágios, como um barco precisa de saber que há escolhos pela frente. “Metamorfoses” foi escrito em 1912 e em apenas 20 dias. Certo dia, um caixeiro viajante acorda metamorfoseado num insecto monstruoso. Ou as dificuldades de viver numa sociedade moderna e a luta pela aceitação pelos outros quando mais precisamos deles. Uma reflexão tão válida há cem anos, como nos dias de hoje. É esse o poder de Kafka. Atreva-se. Manuel Nunes

THE FINEST HOURS [B]

Filme de: Craig Gillespie Com: Chris Pine, Casey Affleck, Ben Foster, Eric Bana 16.15 SALA 3

SALA 2

THE FINEST HOURS [B]

Filme de: Lenny Abrahamson Com: Brie Larson, Jacob Tremblay, Joan Allen,

PROBLEMA 41

Encontrei uma amiga antiga que não via há dez anos. Tive uma sensação bem estranha. Primeiro, tive vergonha de a reconhecer, não tive certeza se ela também me reconheceria. Depois tive coragem de confirmar com ela quem era, porque queria recuperar memórias. “Sou eu”, “És tu”... Mesmo que não tenha memórias claras no cérebro – eu era pequenito quando estávamos os dois na montra para adopção - fiquei muito contente de ser reconhecido e de recordar momentos passados, de partilhar a vida de agora com ela. E se calhar até podemos ser amigos novamente! Vocês alguma vez tiveram a mesma experiência? Durante toda a vida conhecemos determinados amigos, mas com alguns só estamos um certo tempo, por causa de mudanças pessoais, ou de ambiente. Alguns amigos perdemos facilmente, são meros “transeuntes”. Depois de passarem, não voltam mais. Mas outros podem tornar-se amigos de sempre, para sempre, se mantivermos contactos. Para mim, a segunda situação é mais difícil. Já quebrei a promessa de “ser sempre amigo” de algumas pessoas que conheci no passado, porque ao longo da minha vida conheci outros e esqueci-me. Mas há algo com que concordo: a actual tecnologia aproxima as pessoas que estão longe, mas às vezes põe distante os amigos “próximos”, da mesma cidade, desde que estes tenham um smartphone nas mãos: fazem-me um “like”, mas nunca estamos juntos. Ontem aprendi que um encontro é mais precioso do que saber o que estão a fazer através de um ecrã.. Pu Yi

William H. Macy 14.30, 19.15, 21.30

FALADO EM CANTONÊS LEGENDADO EM CHINÊS E INGLÊS Filme de: Stephen Chow Com: Deng Chao, Show Lo, Zhang Yu Qi, Jelly Lin 19.30

THE ROOM [B]

1.22

INEVITÁVEL VIDA

ROTA DAS LETRAS: “CARTAS DA GUERRA” Filme de Ivo Ferreira, 19h45 Galaxy Cinema Entrada livre, mas com bilhete

Diariamente

YUAN

AQUI HÁ GATO

ROTA DAS LETRAS: “PARA QUE SERVE A CULTURA NA VIDA DO HOMEM COMUM?” Palestra de José Pacheco Pereira e C.F. Hu, 16h00 Edifício do Antigo Tribunal Entrada livre

ROTA DAS LETRAS: “VIAGENS PELA HISTÓRIA DA CHINA”, COM MARK O’NEILL Palestra de José Pacheco Pereira e C.F. Hu, 16h30 Edifício do Antigo Tribunal Entrada livre

0.22

LONDON HAS FALLEN [C]

Filme de: Babak Najafi Com: Gerard Butler, Aaron Eckhart, Morgan Freeman 14.15, 16.00, 17.45, 21.45 Filme de: Craig Gillespie Com: Chris Pine, Casey Affleck, Ben Foster, Eric Bana 19.30

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Propriedade Fábrica de Notícias, Lda Director Carlos Morais José Editores Joana Freitas; José C. Mendes Redacção Andreia Sofia Silva; Filipa Araújo; Flora Fong; Tomás Chio Colaboradores António Falcão; António Graça de Abreu; Gonçalo Lobo Pinheiro; José Drummond; José Simões Morais; Maria João Belchior (Pequim); Michel Reis; Rui Cascais; Sérgio Fonseca Colunistas António Conceição Júnior; André Ritchie; David Chan; Fernando Eloy; Isabel Castro; Jorge Rodrigues Simão; Leocardo; Paul Chan Wai Chi; Paula Bicho; Rui Flores; Tânia dos Santos Cartoonista Steph Grafismo Paulo Borges Ilustração Rui Rasquinho Agências Lusa; Xinhua Fotografia Hoje Macau; Lusa; GCS; Xinhua Secretária de redacção e Publicidade Madalena da Silva (publicidade@hojemacau.com.mo) Assistente de marketing Vincent Vong Impressão Tipografia Welfare Morada Calçada de Santo Agostinho, n.º 19, Centro Comercial Nam Yue, 6.º andar A, Macau Telefone 28752401 Fax 28752405 e-mail info@hojemacau.com.mo Sítio www.hojemacau.com.mo


19 hoje macau quinta-feira 3.3.2016

OPINIÃO

bairro do oriente

LEOCARDO

TERRY JONES, LIFE OF BRIAN

O

último fim-de-semana marcou um retrocesso civilizacional em Portugal, com mais um acto de censura por parte da Igreja Católica, e a conivência do seu rebanho, que se diz “indignado”. Tudo por causa de um cartaz do Bloco de Esquerda, destinado a assinalar a aprovação no último dia 10 de Fevereiro da lei que permite a adopção por casais do mesmo sexo, um dos grandes cavalos de batalha do lobby “gay”, que com o pretexto da igualdade queria ver todos a usufruir dos mesmos direitos, sem distinção entre famílias convencionais e alternativas (é difícil escrever em linguagem de “igualdade”). No cartaz em causa aparecia uma imagem de Jesus Cristo do Sagrado Coração, e ao seu lado uma mensagem onde se lia “Jesus também tinha dois pais”, e em baixo em letras mais pequenas uma menção à lei aprovada, acompanhada da data. Só isto e mais nada. Confesso que sorri quando vi pela primeira vez o cartaz, não por maldade, e muito menos por o achar engraçado. A verdade é que não sei porque é que esgalhei aquele sorriso quase espontâneo, mas pode ter sido por instinto, feliz pelo país ter atingido um patamar do progresso em que coisas como estas já não deixam ninguém chocado, e que incidentes dignos do Index da Santa Inquisição, como a censura de uma obra daquele que viria a ser até agora o único Nobel português, ou a perseguição a um humorista por causa de uma rábula com a última Ceia, eram tudo coisas do passado. Infelizmente enganei-me, e quem quiser começar a contar a partir de sábado passado a última vez que algo de tão retrógrado aconteceu, não perca tempo, pois parece que não se aprendeu nada. Os católicos ficaram ofendidos, sim senhor, e vejam lá que até encaminharam para a Procuradoria Geral uma queixa com três mil assinaturas, acusando o Bloco de “blasfémia”, uma figura que em pleno século XXI consta do Código Penal. Compreendo que conste, aceita-se, mas o que se entende por “blasfémia”, que só consigo visualizar dita por um padre de olhos muito abertos segurando uma Bíblia na mão e acenando um crucifixo na outra urrando “blasfééémia ... esconjuuurooo!”? Uma imagem que por incrível que pareça ainda faz sentido. A imagem não estava adulterada, mas mesmo assim houve quem alegasse que “as cores estavam mudadas” – algum fotófobo cristão com toda a certeza – e a mensagem era “sugestiva”, pois associava Jesus à adopção por casais do mesmo sexo. Deve ser aí que está a tal “blasfémia”, afinal. “Que nojo, casais do mesmo sexo”, terão eles pensado.

Perguntaram a Jesus?

Para não desviar as atenções do essencial, vou-me abster de mencionar o registo da Igreja com tudo o que tenha a ver com crianças, orfanatos e afins. Seria rebaixar-me ao nível de quem condenou e enxovalhou pessoas com base na sua orientação sexual, tentou a todo o custo privá-las dos mesmos direitos CIVIS, e ainda conseguiu que a tal lei fosse vetada uma vez, prolongado assim a angústia de quem tem a consciência de que isto partia de uma instituição que tem um historial de séculos de perseguições, tortura e execuções contra todos os que eram apenas diferentes. Gostava de saber se estes cristãos que se dizem ofendidos vão à missa, comungam e confessam os seus pecados, como qualquer bom cristão com moral para acusar alguém de blasfémia. Não? É exagero meu? Então certamente que se partilharem a sua vida com mais alguém (do sexo oposto, lógico) são casados, caso contrário vivem em “fornicação”. Não? A Igreja diz que sim, e no caso de virem a terem filhos, a lei civil dotou as crianças do mesmo estatuto de todas as outras que também não pediram para nascer.

Para a Igreja continuam a ser “bastardos”. Não é um insulto, não, é mesmo isso que lhes chamam. O Bloco de Esquerda recuou na intenção de publicar o cartaz. Fez mal, e de ter ficado perto de fazer História, passou ao anedotário nacional, com as beatas de braço cruzado a bater com o pé e carantonhas medonhas a ralhar “vejam lá, ai que temos o caldo entornado”, em mais um postal muito nacional. O fundador do PS, Alberto Barros, veio defender a iniciativa, alegando ainda que “a blasfémia está na Bíblia”. De facto o cartaz não diz nenhuma mentira – tecnicamente, lá está. Eu entendi a ideia, agora quem vê naquilo algo de pérfido, ou a sugestão de que um dos três elementos ali mencionados tem alguma coisa a ver com a adopção por casais “gay”, tem uma imaginação fértil. E doentia. A discussão que veio depois, quer nas redes sociais, quer em artigos de opinião, mais pareciam o concurso “quem é o mais engraçadinho”, com a temática centrada em “quantos pais tem afinal Jesus”, e qual deles era o quê, um sem fim de inanidades que nem parecem vindas de gente que diz ter “fé”, algo

“Se calhar era mais justo se perguntássemos a Jesus o que preferia: se ter dois pais, ou ser torturado em nome de quem insiste em não lhe atribuir qualidades humanas”

que deve e merece ser respeitado, pois apesar de não carecer de fundamentação científica, é do desígnio de cada um – e o que tenho eu a ver com isso? Pior foi ler comentários do género “sou agnóstico, mas...”, mas nada, e se é agnóstico não tem nada que partilhar de uma indignação de que se desmarcou à partida. Outros ainda sugeriram “que se fizesse o mesmo com Maomé”, que como se sabe, diz-nos muito a nós, e anda sempre na nossa mente e nos nossos corações, e “iam ver o que acontecia”. Estes devem ser os mesmos que ainda há um ano “eram Charlie”. Sabem o que mais? Na altura achei aquilo uma bacoquice saloia, de um pedantismo gritante. Hoje vejo que tinha razão. No fim, e depois de mais uma decepção, chego à conclusão que ainda estamos muito atrás do que seria o ideal nesse princípio da separação entre a Igreja e o Estado, quando uma imagem inocente com aquela ainda fere sensibilidades a este ponto. Eu pessoalmente considero muito pior aquela em que Jesus aparece pregado, ensanguentado, com uma coroa de espinhos e um ar de quem se não está a divertir mesmo nada, mas esta é uma imagem “adorada” pelos mesmos católicos que se ofenderam com a outra. Se calhar era mais justo se perguntássemos a Jesus o que preferia: se ter dois pais, ou ser torturado em nome de quem insiste em não lhe atribuir qualidades humanas. E eles e a outros, para o bem e para o mal.


Escrevo nas constelações / o espaço abolido / no flanco de um naufrágio / sem barco e sem mar, / a liberdade de uma aliança / entre mim e o reflexo / da lua a pratear / na tempestade / estrelas de bonança...”

Jorge Arrimar

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Sem condições HK Menos 500 trabalhadores na ponte para Macau

O

governo de Hong Kong retirou a proposta para contratar mais de 500 trabalhadores para ajudar na construção da ponte que vai ligar Hong Kong, Macau e Zuhai, na China interior, que será uma das maiores do mundo. A informação foi dada por um representante dos trabalhadores no Conselho Consultivo do Trabalho, Leung Chau-ting, anunciou ontem a Rádio e Televisão Pública de Hong Kong (RTHK). Este responsável disse que os funcionários que participaram na reunião de terça-feira confirmaram que os empreiteiros teriam de alterar os termos de recrutamento, baixar os requisitos de experiência e empregar trabalhadores locais. A proposta para importar trabalhadores surgiu da parte dos empreiteiros, mas foi contestada por representantes dos trabalhadores locais e associações.

O governo de Hong Kong está sob pressão para acelerar a construção da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, obra lançada em 2009 e cuja conclusão foi adiada um ano, até ao final de 2017, escreve a RTHK. O departamento de estradas de Hong Kong disse que havia várias razões para o atraso na conclusão da infra-estrutura, incluindo a falta de mão-de-obra. Quando ficar concluída, a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, que atravessa o Delta do Rio das Pérolas, terá um comprimento de 29,6 quilómetros e será uma das maiores do mundo. Parte da travessia será realizada através de um túnel subaquático de 6,7 quilómetros. A ponte fará a ligação entre duas ilhas artificiais, uma junto ao aeroporto de Hong Kong, em San Shek Wan, na ilha de Lantau, e outra entre Zhuhai, no interior da China, e Macau.

RUI LEÃO ELEITO PRESIDENTE DO CIALP

O arquitecto local Rui Leão foi eleito presidente do Conselho Internacional dos Arquitectos de Língua Portuguesa (CIALP) por um período de três anos. A assembleia-geral, realizada no Rio de Janeiro, serviu para eleger como vice-presidentes Vítor Leonel, bastonário da Ordem dos Arquitectos de Angola e João Santa-Rita, bastonário da Ordem de Arquitectos em Portugal.

MALAWI MULTIDÃO QUEIMA VIVAS SETE PESSOAS

Uma multidão queimou vivas no Malawi sete pessoas suspeitas de tráfico de ossos humanos, frequentemente utilizados em práticas de bruxaria, declarou ontem a polícia. As vítimas «foram encontradas com ossos humanos e a multidão decidiu queimá-los» com gasolina, na terça-feira, no distrito de Nsanje, sul do Malawi, disse à agência France Presse um responsável da polícia, Kirdy Kaunga. Nenhuma pessoa foi detida pela polícia

quinta-feira 3.3.2016


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