DIRECTOR CARLOS MORAIS JOSÉ
MOP$10
SEXTA-FEIRA 9 DE JUNHO DE 2017 • ANO XVI • Nº 3829
JOSÉ SIMÕES MORAIS
Modo de perguntar
PAULO JOSÉ MIRANDA
h
AGÊNCIA COMERCIAL PICO • 28721006
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Valha-nos Sto. Agostinho
hojemacau
Fragmentos
MARÍTIMA PAIXÃO
mas os dois deputados pró-democratas, que em tempos davam voz à Associação Novo Macau, manifestam agora em uníssono um pensamento: “a vontade de ser fragmento.”
EVENTOS
“UMA FAIXA, UMA ROTA”
Portas giratórias PÁGINA 4
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OPINIÃO
Mais um ISABEL CASTRO
MACAUPASS
Novas aplicações CORRIDA AO ESPAÇO
Nasceu uma estrela PUB
GRANDE PLANO
PÁGINA 6
PATRIMÓNIO
O QUE FAZ FALTA PÁGINA 7
HOJE MACAU
Vão à luta em listas diferentes, embora tenham entregue em conjunto as candidaturas às eleições para a Assembleia Legislativa de 17 de Setembro. A fórmula não é nova
ANA MARIA PESSANHA
XINHUA
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ELEIÇÕES AU KAM SAN E NG KUOK CHEONG CONCORREM SEPARADOS
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Com metas ambiciosas, o Governo chinês perfila-se como um candidato a líder da pesquisa espacial em termos globais. A curto prazo tenciona aterrar na face oculta da Lua e enviar sondas a Marte e Júpiter. Enquanto a NASA sofre cortes orçamentais, a agência espacial chinesa tem tido um forte investimento de Pequim
ANÁLISE CHINA ACELERA O PASSO RUMO À LIDERANÇA NA CORRIDA AO ESPAÇO
NO CAMINHO O crescimento económico chinês catapultou o país de volta à ribalta internacional e está a levar a tecnologia chinesa para além dos limites terrestres. Pequim tem investido fortemente na corrida espacial, quase triplicando os 4,7 mil milhões de yuan do período 2011-2015, para 15,6 mil milhões projectados para 2026-2030. Os rios de dinheiro foram acompanhados por uma retórica forte que demonstra, claramente, a intenção de domínio da área que leva o ser humano a ultrapassar-se na busca de conhecimento. Até ao final do próximo ano, a China ambiciona aterrar na face oculta da Lua e até ao final de 2020 chegar com uma sonda a Marte, numa missão semelhante ao projecto Mars Rover da NASA. Júpiter e as suas luas também são um destino a alcançar a curto prazo, de acordo com o programa espacial chinês. No final do ano passado, Wu Yanhua, o director da Administração Nacional Espacial, foi bem claro quanto às intenções chinesas: “O nosso objectivo é, por volta do ano 2030, estarmos entre as grandes potências mundiais em exploração espacial”. O que é notável, tendo em conta que a China entrou muito tarde na corrida espacial, com os Estados Unidos, a Rússia e a Europa levando consideráveis avanços. Os investimentos chineses de décadas culminaram, em 2003, com a aterragem de uma sonda na Lua e no lançamento de um laboratório que servirá de génese para uma estação espacial com 20 toneladas. Ian Hou, professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Macau, tem uma abordagem científica que relega para segundo plano a visão política de liderança neste capítulo. “Não faço ideia se o programa chinês vai ultrapassar um dia o americano, o essencial é explorar o desconhecido”, comenta o académico. Ian Hou acrescenta que “as implicações políticas não são a prioridade dos
REUTERS
GRANDE PLANO
programas de pesquisa espacial, o trabalho que os cientistas fazem tem como objectivo a melhor compreensão do universo”.
NOVOS MUNDOS
A descoberta espacial não se esgota na imagem de um astronauta a pisar solos extraterrestres. Hoje em dia, a tecnologia espacial faz parte do quotidiano, principalmente em termos de comunicações, no campo da robótica e nas ferramentas de navegação como o GPS e o Google Earth. Além do aprofundamento do conhecimento científico, os programas espaciais têm oferecido ao mundo novas ferramentas que melhoraram, em muito, a vida na Terra.
Ian Hou recorda que os programas espaciais norte-americano e soviético originaram novos produtos usados no dia-a-dia, por exemplo “a computação avançou imenso”,
“O nosso objectivo é, por volta do ano 2030, estarmos entre as grandes potências mundiais em exploração espacial.” WU YANHUA DIRECTOR DA ADMINISTRAÇÃO NACIONAL ESPACIAL
trazendo uma nova revolução tecnológica. O académico prevê que o investimento chinês traga novas tecnologias, efeito secundário nascido do engenho científico requerido para uma missão espacial. Por exemplo, o combustível usado para propalar os foguetões pode originar novidades em termos de eficiência energética. Na nova geração de aeronaves espaciais “é usada uma mistura de hidrogénio e oxigénio líquido, que procura ser mais eficiente”, explica Ian Hou. O académico prevê que, um dia, este tipo de combustível, mais limpo que os fósseis, chegue à sociedade e substitua a gasolina usada pelos automóveis. Pequim investiu também no ramo da climatologia. Com o ob-
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DAS ESTRELAS do viagens mais baratas e amigas do ambiente.
INSPIRAÇÃO ESPECIAL
jectivo de estudar os fenómenos de aquecimento global, a China lançou o satélite TanSat em Dezembro, para monitorizar o dióxido de carbono atmosférico a partir do espaço. No plano das aeronaves a China surge como competidora directa da norte-americana SpaceX, de Elon Musk. Neste momento, a China Aerospace Science and Industry Corporation (Casic) está a desenvolver uma nave para missões espaciais que descola horizontalmente, ao contrário das tradicionais descolagens verticais. O foguetão, que para transportará equipas de astronautas e carga, terá uma operacionalidade semelhante a um avião comercial. Mas, obviamente, muito mais potente
“As implicações políticas não são a prioridade dos programas de pesquisa espacial. O trabalho que os cientistas fazem tem como objectivo a melhor compreensão do universo.” IAN HOU PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE MACAU
e rápida, com capacidade para acoplar com outra nave, ou estação espacial. A aeronave desenvolvida pela Casic, uma indústria do ramo da defesa, terá a capacidade para aterrar em aeroportos convencionais. O vice-presidente da empresa, Liu Shiquan, revelou esta semana na Global Space Exploration Conference em Pequim que o projecto está quase finalizado e prestes a avançar para a fase de testes. Liu explicou que os seus engenheiros tiveram de contornar alguns aspectos técnicos relativos ao design do motor. Apesar disso, ainda não há uma data para o primeiro voo de teste. Este projecto promete ser um dos aspectos chaves do sucesso da corrida espacial chinesa, permitin-
Os lançamentos de foguetões e os históricos primeiros passos na Lua de NeilArmstrong são duas das imagens de marca do século XX, momentos que inspiraram gerações de novos cientistas e que empurraram para a frente o progresso humano. Ian Hou acha que o programa espacial chinês terá capacidade para “inspirar as novas gerações a terem sonhos mais audazes e a alargarem os horizontes do conhecimento”. Nesse sentido, os jovens chineses podem ter novos heróis num futuro próximo. Em declarações à agência estatal Xinhua na passada terça-feira, Yang Liwei, director da China Manned Space Agency, revelou que “a missão tripulada à Lua terá, brevemente, aprovação e financiamento”. Ian Hou sente que se vivem tempos excitantes na ciência chinesa. “Apesar de não trabalhar no ramo aeroespacial, mas na área da física aplicada, saliento o investimento do Governo chinês, e também de Macau, na investigação científica”, comenta. O académico acrescenta que “os líderes chineses de hoje viram o grande potencial de retorno do investimento nas ciências”. A corrida espacial também se faz no chão e a grande velocidade. No ano passado, a China completou a construção de um telescópio com 500 metros de diâmetro para detecção de sinais de rádio. Está em perspectiva a construção de outro telescópio no Tibete, mas o esforço astronómico de Pequim não se fica por aqui. A China faz parte de uma colaboração internacional que está a construir uma rede de telescópios na Austrália e na África do Sul. Outro dos projectos que procura respostas no espaço é o Dark Matter Particle Explorer, lançado há ano e meio com o intuito de estudar a origem de raios cósmicos através da observação de electrões de alta energia, um dos ramos da ciência mais recentes e aliciantes em termos de astrofísica. O forte investimento chinês tem atraído a atenção das tradicionais potências espaciais, até pelas impli-
cações militares que a inovação científica pode trazer. Em Washington, a interpretação da corrida espacial chinesa ganha outros contornos. Em entrevista à agência Bloomberg, James Lewis, vice-presidente do think-tank Centro de Estratégia e Estudos Internacionais, considera que “a China usa a corrida ao espaço para ganhar vantagem política”. O norte-americano acha que, “apesar de haver óbvias actividades relacionadas com pesquisa científica, o primeiro objectivo de Pequim é demonstrar poder no plano internacional”.
Ian Hou acha que o programa espacial chinês terá capacidade para “inspirar as novas gerações a terem sonhos mais audazes e a alargarem os horizontes do conhecimento” A inovação tem alastrado na China, assim como o crescimento económico. O investimento de três biliões de yuan que Pequim fez em biotecnologia, Internet e indústria tecnológica tem dado claros frutos. Neste momento, a China tem 38 startups que valem, pelo menos, mil milhões de dólares na Unicorn List, uma escala que mede o valor de empresas. Entre estas companhias contam-se a UBTECH Robotics Corp., a empresa de pesquisa genética iCarbonX, a gigante das aplicações para telemóveis Apus Group, entre outras. Pequim está, claramente, a apostar no futuro, afastando-se da industrialização pesada do passado. Esta é uma vontade assumida várias vezes por Xi Jinping, que quer fomentar o crescimento económico, assente em tecnologia de ponta, e trazer a velha China para o futuro. João Luz
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GCS
POLÍTICA
•Paulo Portas, consultor da Mota-Engil “Como um dia referiu um dirigente chinês, Macau é fruto de um acordo e não o resultado de um conflito. Essa diferença nota-se aqui.”
O ex-vice-primeiroministro de Portugal regressou a Macau para participar numa conferência sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota”. Elogiou a China e Macau e falou da necessidade de combater o proteccionismo económico
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ESPIU a pele de político e vestiu a de consultor da empresa de construção civil Mota-Engil. Foi na qualidade de presidente do conselho estratégico internacional da Mota-Engil para a América Latina e África que Paulo Portas regressou a Macau, onde discursou na abertura da Conferência Internacional Uma Faixa, Uma Rota e o Desenvolvimento de Macau. Portas não quis falar aos jornalistas depois de uma apresentação que durou cerca de dez minutos e que foi proferida em português e em inglês. Nela ouviram-se elogios à China e a Macau no período pós-transição, mas também
Paulo Portas OS ELOGIOS À CHINA E OS RECADOS A DONALD TRUMP
O senhor Mota-Engil recados directos à liderança de Donald Trump, Presidente norte-americano. “Nos últimos 30 ou 40 anos, o mundo mudou radicalmente. A queda do Muro de Berlim marcou o fim de um período dominado por dois blocos. Por isso é que o Presidente chinês se bate pelo mercado livre, e, ao mesmo tempo, a nova bandeira americana parece ser proteccionista”, referiu. Paulo Portas deixou o alerta sobre a necessidade de pensar de forma global sobre problemas que atingem todos os países. “Temos de compreender que as questões globais não se podem resolver dentro das fronteiras tradicionais ou de forma unilateral. Questões como as alterações climáticas ou os recursos necessários para uma economia mais verde, a pressão demográfica ou a segurança alimentar são questões globais e desafios globais. Precisam de uma governança global.” Sobre a China, Paulo Portas não esqueceu Deng Xiaoping, tendo-se referido a ele como um dos maiores estadistas de sempre, protagonista de uma profunda reforma económica. “Nos últimos 30 ou 40 anos, o que é impressionante não é a mu-
dança da China, mas a dimensão dessa mudança. A China lidera os sectores do comércio electrónico, telecomunicações e alta tecnologia.” Ainda assim, “há problemas que se mantêm”. “Há desafios demográficos e sociais, e riscos ambientais. A capitalização precisa de um sector financeiro robusto. Diversidade, migração. São estes os problemas que a China tem vindo a ter e a resolver”, observou o ex-político.
MACAU, ESSE SUCESSO
Os elogios de Paulo Portas não foram apenas direccionados para a China e o seu posicionamento no
mundo, mas também para Macau e para o papel que pode ter no contexto da política “Uma Faixa, Uma Rota”. “Como um dia referiu um dirigente chinês, Macau é fruto de um acordo e não o resultado de um conflito. Essa diferença nota-se aqui”, frisou. “Num mundo cheio de perigos e confrontos, Macau é o bom exemplo de uma transição bem-sucedida. A potente expressão que Macau tem hoje é também o resultado de uma negociação cuidada e mutuamente bem gerida, que permitiu uma passagem pacífica,
CHUI SAI ON MACAU TEM “VANTAGENS SINGULARES” Coube ao Chefe do Executivo, Chui Sai On, dar o pontapé de saída da Conferência Internacional sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota” e o Desenvolvimento de Macau. No seu discurso, o líder do Governo defendeu que a política implementada por Pequim “causou, nos últimos quatro anos, um grande impacto a nível mundial”, tendo alcançado “resultados assinaláveis”. Quanto ao papel de Macau nesta política, Chui Sai On lembrou que o território tem “vantagens singulares” por ter sido, em tempos, “um importante entreposto na rota marítima da seda”, com “ligações históricas duradouras com os países situados ao longo da rota”. A cidade encontra-se “numa nova fase de desenvolvimento”, uma vez que a economia se mantém, aos olhos do Chefe do Executivo, “estável”, “com uma notável tendência de melhoria”. Ontem discursaram ainda nomes como Bingnan Wang, ministro assistente do Comércio da China, e Li Zhaoxing, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros do país.
suave e respeitadora da soberania portuguesa para a soberania chinesa”, acrescentou Paulo Portas. O ex-vice-primeiro-ministro lembrou que “na transição de Macau foi precisamente o factor de confiança para que a República Popular da China escolhesse Portugal como uma das suas primeiras e mais estáveis ‘parcerias estratégicas’ na Europa”. “Posso afirmar que essa parceria avançou significativamente; e posso dizê-lo com o valor acrescentado de a ter testemunhado e estimulado enquanto governante”, apontou ainda. Paulo Portas disse também que grande parte dessas ligações comerciais estabeleceu-se graças ao apoio de Macau. “Em poucos anos o mercado chinês passou a estar no top 10 das nossas exportações. Frutíferas parcerias luso-chinesas estabeleceram-se para conquistar mercados noutros continentes, como em África ou na América Latina. Várias dessas parcerias nasceram ou desenvolveram-se em Macau”, rematou. A conferência sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota” termina hoje e é organizada pelo Grand Thought Think Tank, uma associação virada para esta temática, que tem o deputado nomeado Ma Chi Seng como um dos membros. Andreia Sofia Silva
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Eleições AU KAM SAN E NG KUOK CHEONG EM LISTAS DIFERENTES
Separados, mas juntos
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OUTROS JOVENS
Quanto à sua candidatura, Au Kam San adiantou que vai “liderar jovens” nas eleições. “Se não fosse a esperança de formar mais jovens, não precisávamos
de apresentar candidaturas em listas separadas”, justifica. O deputado admite que não é fácil garantir que os eleitores simpatizantes do movimento pró-democracia se dividam de forma acertada no momento de votar, de modo a que ambos os cabeças-de-lista sejam reeleitos, mas acredita que não haverá dificuldades em assegurar a continuidade da bancada.
Au Kam San também faz referência à “era da vontade geral fragmentada”, para antecipar uma “forte concorrência” e explicar que pode não ser uma grande vantagem o facto de, neste momento, ser deputado à AL. Mas a batalha, se for reeleito, não será diferente daquela que tem levado a cabo na sua vida política: lutar por mais assentos para os deputados eleitos pela via directa e impulsionar a democracia no território.
Em vários sítios do mundo, “entrámos numa era de vontade geral fragmentada” e chegou ao fim “o tempo da solidariedade”, diz Ng Kuok Cheong
Ainda em relação ao processo de recolha de assinaturas, e em comparação com o que aconteceu no passado, Au Kam San e Ng Kuok Cheong dizem não ter sentido uma grande diferença. Até acham que houve mais gente a abordá-los, quer aqueles que os criticam, quer os que concordam com eles. Quanto aos restantes candidatos, ambos vão ter listas constituídas por, pelo menos, seis pessoas. Os nomes ainda não foram tornados públicos, mas Ng Kuok Cheong avança, desde já, que terá ao seu lado pessoas de diferentes grupos etários, bem como mulheres. Vítor Ng (com I.C.)
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Afinal havia duas Grupos ligados a Chan Meng Kam apresentam candidaturas
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Á menos de um ano, juraram a pés juntos que a ideia não estava em cima da mesa. Agora, chegado o momento de tratar das primeiras formalidades para as eleições de 17 de Setembro, a realidade é outra. Dois grupos ligados a Chan Meng Kam entregaram ontem os formulários de constituição de candidatura. O objectivo, explica o mandatário Chan Chon Pat, é garantir que esta força política com fortes ligações à comunidade de Fujian garante três assentos na Assembleia Legislativa (AL), à semelhança do acontece na actual legislatura. “A decisão foi tomada depois de uma rigorosa ponderação e deve-se à concorrência enorme que vai haver nestas eleições”, justifica. Desconhecem-se, para já, quem serão os cabeças-de-lista destas duas candidaturas, apresentadas pela Associação dos Cidadãos Unidos de Macau e pela Associação dos Cidadãos para o Desenvolvimento de Macau. Chan Chon Pat limita-se a dizer que os grupos “ainda estão a pensar nos candidatos adequados”. No entanto, serão divulgadas em breve mais informações, assim como o programa político. O mandatário, que é também o presidente da As-
sociação Aliança de Povo de Instituição de Macau, explicou que cada grupo conseguiu recolher 500 assinaturas. Nas legislativas de 2013, Chan Meng Kam foi o grande vencedor do sufrágio directo, tendo obtido um resultado histórico. A lista da Associação dos Cidadãos Unidos de Macau conseguiu 26.385 votos, o que garantiu a eleição de três deputados: Chan Meng Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei. Foi o resultado mais expressivo de sempre na história das eleições do território. Em Julho do ano passado, o semanário O Clarim avançava a hipótese de a família política de Chan Meng Kam se dividir, atendendo ao método de contagem de votos de Macau, que dificulta a eleição de um terceiro deputado. Ao HM, o deputado reagiu dizendo que a notícia era falsa. Ainda segundo o jornal, uma das listas de 2017 seria encabeçada por Si Ka Lon, actual número dois de Chan Meng Kam. Admitia-se também o regresso político de Ung Choi Kun, que foi deputado até 2013. Ao HM, os dois negaram a notícia, tendo Si Ka Lon dito que a notícia o deixou “chocado”. Já Ung Choi Kun jurou que não tem vontade de voltar a ser membro da AL. V.N./ I.C.
PANCHÕES SI KA LON QUER DIVULGAÇÃO DE RELATÓRIO
O deputado Si Ka Lon pediu ao Executivo a divulgação do relatório das investigações relativamente aos terrenos ocupados pela Fábrica de Panchões Iec Long. Em, causa, diz o deputado, está a transparência com que o Governo está a encarar o processo que envolve a permuta de terrenos. Para Si Ka Lon, uma vez que o Executivo já anunciou ter concluído o relatório, é necessário tornar o documento público. Por outro lado, o deputado pede ainda que, tratando-se de uma “permuta ilegal de terrenos”, o Governo esclareça o que vai ser feito juridicamente de modo a que o caso seja resolvido e para “assegurar os direitos dos pequenos proprietários que compraram fracções nos termos da lei”. TIAGO ALCÂNTARA
UITO aconteceu desde as eleições de 2013. Au Kam San rompeu formalmente com a Associação Novo Macau (ANM), por não concordar com o rumo do movimento a que sempre pertenceu. Ng Kuok Cheong não bateu com a porta, mas quase. Os dois deputados à Assembleia Legislativa deixaram claro, há já algum tempo, que iriam continuar na vida política, com ou sem ANM. Ontem, juntaram-se para entregarem em conjunto os pedidos de reconhecimento de constituição de comissão das candidaturas. Os pró-democratas continuam a candidatar-se em listas separadas. Ng Kuok Cheong, da Associação de Próspero Macau Democrático, recolheu 500 assinaturas. Vincou que não recebeu qualquer apoio da Novo Macau, desdramatizando o facto de já não contar com a associação que um dia foi sua. Em vários sítios do mundo – e em Macau, Hong Kong e Taiwan também –, “entrámos numa era de vontade geral fragmentada” e chegou ao fim “o tempo da solidariedade”. O deputado diz que tem “vontade de ser um fragmento pequeno”, mas espera que “os fragmentos não se ataquem uns aos outros” e que haja uma “competição saudável”. Au Kam San volta a candidatar-se pela Associação de Novo Movimento Democrático. O deputado diz que terá recolhido mais de 700 assinaturas – 500 é o número máximo que pode ser submetido.
HOJE MACAU
Os dois deputados pró-democratas repetem a fórmula do passado, na esperança de garantirem a eleição de ambos. Duas listas diferentes para uma só bancada, desta vez sem o selo da Associação Novo Macau
POLÍTICA
6 SOCIEDADE
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Serviços MACAUPASS CRIA NOVO PRODUTO PARA TELEMÓVEIS
App com dinheiro lá dentro
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HAMA-SE MacauPay e poderá substituir, um dia, cartões, notas e moedas nas compras feitas em muitas lojas da cidade. Para já, ainda só há duas empresas que aderiram ao projecto, que está a dar os primeiros passos.Aplataforma foi ontem apresentada e já é
possível descarregar a aplicação para dispositivos móveis. Depois, é seguir os passos e inserir os dados pessoais. Nos estabelecimentos comerciais, quem tiver a app pode mostrar o código no acto do pagamento e a despesa fica saldada em segundos. A MacauPass tem como entidades colaboradoras o Banco Tai Fung e o Banco Guangfa da China. Os clientes destes dois bancos podem ligar as contas à aplicação da MacauPay, mas o carregamento do novo serviço também pode ser efectuado na cadeia de supermercados Royal e nas lojas de conveniência OK, que aderiram à plataforma, e na Macau Pass. A empresa quer aliar a plataforma a outras lojas e serviços e espera que, no futuro, sejam mais de mil os locais onde os utentes possam fazer pagamentos com o MacauPay. A aposta será feita na restauração, no entretenimento, na comunicação, nos transportes e na educação.
mostrou-se ontem satisfeito com a generalização do uso do Macau Pass no território, tendo explicado que são contabilizadas, em média, 650 mil utilizações. O facto de entre 90 mil a 100 mil serem foram do âmbito dos transportes leva o
responsável a acreditar que o cartão está já enraizado no quotidiano dos residentes do território, sendo usado em supermercados, lojas de conveniência, restaurantes, parques de estacionamento e serviços públicos. “Há cada vez mais
George Zhang garante que a protecção de dados pessoais está assegurada
comerciantes que querem introduzir o pagamento por MacauPass nas suas lojas”, conta o director geral. Quanto à nova aplicação, George Zhang garante que a protecção de dados pessoais está assegurada. A equipa que desenvolveu o sistema esteve a trabalhar um ano e meio nesse sentido, referiu. Vítor Ng (com I.C.)
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TANG MING TUNG/GETTY IMAGES
A MacauPass apresentou ontem uma nova plataforma de pagamento. O MacauPay é uma aplicação no telemóvel que já pode ser utilizada nalgumas lojas. A empresa quer generalizar o serviço
DADOS GARANTIDOS
O director geral da Macau Pass, George Zhang,
EDITAL
: 61/E-BC/2017 :67/BC/2017/F :Início de audiência pela infracção às disposições do Regulamento de Segurança Contra Incêndios (RSCI) :Rua da Emenda n.º 21, EDF. Luen Seng, parte do terraço sobrejacente à fracção 4.º andar A, Macau.
Cheong Ion Man, subdirector da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), no uso das competências delegadas pelo Despacho n.º 12/SOTDIR/2015, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 38, II Série, de 23 de Setembro de 2015, faz saber que ficam notificados o dono da obra e o proprietário da fracção do local acima indicado, cujas identidades se desconhecem, do seguinte: 1. Na sequência da fiscalização realizada pela DSSOPT, apurou-se que no local acima indicado realizou-se a seguinte obra não autorizada: Obra
Infracção ao RSCI e motivo da demolição
Construção de um compartimento com ao n.º 4 do artigo 10.º, obstrução do 1.1 cobertura, suporte e suporte de vaso me- Infracção tálicos e paredes em alvenaria de tijolo. caminho de evacuação. 2. Sendo as escadas, corredores comuns e terraço do edifício considerados caminhos de evacuação, devem os mesmos conservar-se permanentemente desobstruídos e desimpedidos, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º do RSCI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/95/M, de 9 de Junho. As alterações introduzidas pelos infractores nos referidos espaços, descritas no ponto 1 do presente edital, contrariam a função desses espaços enquanto caminhos de evacuação e comprometem a segurança de pessoas e bens em caso de incêndio. Assim, a obra executada não é susceptível de legalização pelo que a DSSOPT terá necessariamente de determinar a sua demolição a fim de ser reintegrada a legalidade urbanística violada. 3. Nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do RSCI, a infracção ao disposto no n.º 4 do artigo 10.º é sancionável com multa de $4 000,00 a $40 000,00 patacas. Além disso, de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo, em caso de pejamento dos caminhos de evacuação, será solidariamente responsável a entidade que presta os serviços de administração ou de segurança do edifício. 4. Considerando a matéria referida nos pontos 2 e 3 do presente edital, podem os interessados, querendo, pronunciar-se por escrito sobre a mesma e demais questões objecto do procedimento, no prazo de 5 (cinco) dias contados a partir da data da publicação do presente edital, podendo requerer diligências complementares e oferecer os respectivos meios de prova, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 95.º do RSCI. 5. O processo pode ser consultado durante as horas de expediente nas instalações da Divisão de Fiscalização do Departamento de Urbanização desta DSSOPT, situadas na Estrada de D. Maria II, n.º 33, 15.º andar, em Macau (telefones n.os 85977154 e 85977227). RAEM, 02 de Junho de 2017 Pelo Director dos Serviços O Subdirector Cheong Ion Man
O Instituto Cultural (IC) vai levar a cabo obras de reforço estrutural temporário na área dos estaleiros de Lai Chi Vun. Em comunicado, explicase que, recentemente, vários serviços públicos estiveram a avaliar as edificações em Coloane. Tendo em conta a situação em que se encontram, bem como a aproximação da época de tufões, o IC decidiu fazer obras de reforço estrutural, que implicam a construção de uma cerca. A intervenção deverá estar concluída em meados do próximo mês. Recorde-se que dois estaleiros de Lai Chi Vun foram demolidos. O Governo pretendia fazer o mesmo a várias outras estruturas, uma intenção que foi travada após uma forte contestação de vários sectores da população.
PENSÕES NOVA REDUÇÃO DOS CUSTOS DO FUNDO DE INVESTIMENTO
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Edital n.º Processo n.º Assunto Local
LAI CHI VUN OBRAS NOS ESTALEIROS ATÉ JULHO
RANKING UNIVERSIDADE DE MACAU É 501 EM 550
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EM mais, nem menos: a Universidade de Macau conservou a posição que já tinha no ranking elaborado pela empresa Quacquarelli Symonds (QS), um dos mais prestigiados internacionalmente. Num universo de 550 estabelecimentos de ensino superior, a universidade localizada na Ilha da Montanha consegue o lugar 501. Quanto ao ranking por região, é a número 163, descendo duas posições em relação à avaliação do ano passado. O ranking da QS é liderado por três universidades norte-americanas: o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e as universidades de Stanford e de Harvard. Quanto à Ásia, Hong Kong tem quatro estabelecimentos de ensino superior no top 50:
a Universidade de Hong Kong, a Universidade de Ciência e Tecnologia, a Universidade Chinesa e a Universidade Cidade de Hong Kong. Singapura tem duas instituições no grupo das 15 melhores. Já a China consegue, através da Tsinghua, estar na 25.a posição. No que toca a Portugal, registou-se uma melhoria generalizada dos resultados das universidades portuguesas na edição deste ano do ranking da QS. As universidades de Aveiro e do Minho entram pela primeira vez na lista, elevando para sete o número de entidades portuguesas incluídas. Todas as restantes subiram bastante na tabela, com a Universidade do Porto a ocupar o melhor lugar (301.º).
O Fundo de Pensões de Macau anunciou ontem ter conseguido uma nova redução dos custos do fundo de investimento em acções internacionais no âmbito do regime de previdência dos funcionários públicos. Em comunicado, explica-se que a redução, “no máximo de 43 por cento”, com efeitos a partir de 1 de Abril último. O fundo de investimento em acções internacionais é gerido de forma activa pela Schroders. “O Fundo de Pensões tem-se empenhado de forma contínua no aperfeiçoamento do regime, e procedido à fiscalização incessante das situações de risco e dos desempenhos de retorno dos diversos planos de aplicação das contribuições, com o apoio da empresa de consultadoria financeira”, indica o mesmo comunicado.
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A
PROBLEMA DE FUNDO
Mas a situação é tanto mais grave porque se prende com outra falha fundamental: a ausência de um plano director municipal. A lei de planeamento urbanístico também existe, mas a sua operacionalização está aquém da realidade. A promessa de um plano director por parte do Executivo é mantida, mas não passa daí. Para Mário Duque, falar
Património LEI PRECISA DE OPERACIONALIZAÇÃO, DEFENDEM ARQUITECTOS
Quem espera, desespera O plano de salvaguarda e gestão do centro histórico deveria ter estado pronto em 2015. A UNESCO alertou Macau e alargou o prazo até 2018. O regime relativo à salvaguarda do património cultural existe desde 2013 mas, pelos vistos, não é suficiente. É preciso regulamentar e colocar os princípios legais em acção GONÇALO LOBO PINHEIRO
lei de salvaguarda do património cultural existe desde 2013. Na prática, os resultados são ainda poucos. Prova disso é o atraso de mais de dois anos na criação do plano de salvaguarda e gestão do centro histórico, exigido pela UNESCO. O Instituto Cultural (IC) justificou a demora com a complexidade do processo, mas arquitectos locais não conseguem apontar razões plausíveis e defendem que as leis precisam de operacionalização para serem eficazes. “O assunto já não tem explicação”, afirma o arquitecto Mário Duque ao HM. “Se não há resultados concretos será porque não há recursos financeiros ou intelectuais ou organizacionais para o fazer e, Macau, por princípio, deveria ter tudo isto”, diz o arquitecto, que não encontra uma justificação aceitável para os contínuos atrasos neste tipo de matéria. Já para Maria José de Freitas, também arquitecta e com trabalho feito na área do património, as razões que levam à demora têm que ver com o facto de, “em Macau, existirem uma série de interesses ligados a entidades mais ou menos conhecidas”. Relativamente à actuação do Instituto Cultural, a arquitecta considera que o departamento do património tem deficiências crassas, entre elas a falta de recursos humanos. Quando se fala de estabelecer um plano no que respeita ao património, “é necessária uma equipa multidisciplinar”, até porque “nem toda a gente sabe de arqueologia, nem toda a gente sabe de arquitectura, nem toda a gente sabe trabalhar com pedra”, explica. Para Maria José de Freitas, esta é uma área que exige a coordenação de saberes e para ser concretizada é necessário “ir buscar quem sabe e promulgar medidas efectivas tendo em vista a protecção do património”, sendo que, considera, esta é uma acção que tem estado a ser sucessivamente adiada.
SOCIEDADE
• Mário Duque, arquitecto “Temos códigos e leis para tudo e mais alguma coisa, mas não temos um plano do ordenamento territorial, e Macau é o que é por causa disso.”
de planeamento de património sem plano director, não faz sentido. “O plano de gestão de património está integrado no plano director. As coisas têm hierarquias. Nenhum plano director anda a reboque de um plano de gestão do património”, explica o arquitecto. Mário Duque vai mais longe. A existência de um plano director deveria ser tida como se se tratasse de um Código Civil ou Penal, uma directriz fundamental que estabelece normas gerais e que só seria sujeita a revisões pontuais. “Temos códigos e leis para tudo e mais alguma coisa, mas não temos um plano de ordenamento territorial, e Macau é o que é por causa disso”, sublinha o arquitecto. A opinião é partilhada por Maria José de Freitas. Apesar de salientar a importância da lei de salvaguarda do património, a
arquitecta é peremptória: “Este plano deveria estar encruzado com o plano director”, até porque “as duas leis, a do planeamento urbano e a do património, foram publicadas na mesma altura e têm que ver com essa situação, são matérias intrinsecamente ligadas”, disse. Aexistência de uma lei sem regulamentos faz com que o regime se torne quase inútil. “A lei do património em si enunciou princípios coerentes e lógicos, mas não chega: tem de ser completada com o plano de gestão, tem de ser regulamentada”, aponta, sendo que “uma lei necessita de uma regulamentação para ter efectividade prática, e é isso que falta”.
SOLUÇÕES PARA TODOS OS GOSTOS
O IC referiu que em 2018 terá o planeamento de gestão do património pronto, mas a sua concretização pode ter vários contornos.
• Maria José de Freitas, arquitecta “A lei do património em si enunciou princípios coerentes e lógicos, mas não chega: tem de ser completada com o plano de gestão, tem de ser regulamentada.”
De acordo com Maria José de Freitas, a solução, num primeiro momento, passa pela implementação de medidas provisórias. “Já que apresentámos a candidatura junto da UNESCO, vamos ter de definir medidas de salvaguarda, nem que sejam provisórias, desde que sejam as necessárias”, afirma. A razão, aponta, é a impossibilidade de permanecer mais tempo à espera de um plano de salvaguarda e gestão. Já para Mário Duque, a solução que poderá vir a ser dada pelo Executivo pode ter duas frentes. Uma das hipóteses apontadas pelo arquitecto é a realização de um plano de gestão de património à margem de uma concepção geral inerente ao plano director. Mário Duque ilustra: “É como ter uma casa a cair aos bocados, mas há uma lei do património que diz que a fachada deve estar recuperada.
A casa continua toda podre, mas a fachada é arranjada porque está na zona de salvaguarda”. A medida não se insere no que deveria, ou seja, no ordenamento do território, mas “integra, eventualmente, a salvaguarda de património”. Por outro lado, o Executivo pode aproveitar a pressão da UNESCO para criar o “utópico” plano director. “Poderá acelerar os dispositivos para um plano director que há-de integrar a gestão de património”, até porque, completa, “nas situações em que se perde a mão ou não há comando das coisas, pode haver uma exigência relativamente a um acessório que obrigue as pessoas a fazerem o que é principal”, remata Mário Duque. Sofia Margarida Mota
sofiamota.hojemacau@gmail.com
8 CHINA
hoje macau sexta-feira 9.6.2017
EUA SECRETÁRIO DA ENERGIA QUER COOPERAÇÃO SOBRE O CLIMA
XI JINPING NO CAZAQUISTÃO EM VISITA DE ESTADO
Caminhos sínicos
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Rick Perry apontou o gás natural liquefeito, energia nuclear e captura de carbono como duas áreas em que os dois países podem trabalhar juntos
AP/NG HAN GUAN, POOL
secretário norte-americano da Energia disse ontem que Estados Unidos e China têm “oportunidades extraordinárias” para colaborarem no combate às alterações climáticas, numa altura em que Donald Trump é criticado por sair do acordo de Paris. Num encontro com o vice-primeiro-ministro chinês Zhang Gaoli, Rick Perry apontou o gás natural liquefeito, energia nuclear e captura de carbono como duas áreas em que os dois países podem trabalhar juntos. Na segunda-feira, Perry afirmou no Japão esperar que a China se torne num “verdadeiro líder” na questão do clima e rejeitou as acusações de que os EUA estão a recuar. A decisão de Trump abriu um vazio na liderança do
combate ao aquecimento global que poderá vir a ser preenchido pela China, que prepara um imenso processo de descarbonização da sua economia. PUB
HM • 2ª VEZ • 9-6-17
ANÚNCIO Interdição Nº
CV1-17-0021-CPE
1º Juízo cível
REQUERENTE: O Ministério Público. ----------------------REQUERIDO: Tam Pek U, casada, nascido a 04/02/1933, na China, filha de Tam Un Iek e Ho Sut Kuan, residente na “中國廣東省珠海市拱北港三路6號珠海市樂百年護老中 心”.----- A MERITÍSSIMA JUIZ DO 1º JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE BASE DA R.A.E.M.: --------------FAZ SABER QUE, foi distribuída neste Tribunal, em 22 de Maio de 2017, uma Acção Especial de Interdição, com o número acima indicado, que o Ministério Público move contra Tam Pek U, a fim de ser decretada a sua interdição por anomalia psíquica. ------------------------------------------------ Tribunal Judicial de Base da R.A.E.M., aos 29 de Maio de 2017. -----------------------------------------------------------------***
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O país asiático é o maior emissor mundial de gases com efeito de estufa e nas suas grandes cidades a poluição atmosférica está muitas vezes acima dos limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde, gerando milhões de mortes prematuras todos os anos. No início do encontro entre Perry e Zhang, antes dos jornalistas saírem da sala, nenhum deles mencionou a decisão de Trump. O acordo de Paris, celebrado em 2015, era visto como um marco na cooperação entre Pequim e Washington, as duas maiores economias do mundo e com posições antagónicas em questões como segurança regional e Direitos Humanos. Perry não mencionou energias renováveis como
a solar e a eólica, em que a China tem a maior capacidade instalada do mundo.
Presidente chinês Xi Jinping chegou esta quarta-feira ao Cazaquistão para uma visita estatal e para participar na 17ª Reunião do Conselho dos Líderes de Estado da Organização de Cooperação de Shanghai (OCS). Durante a sua estadia no país do centro asiático, Xi também marcará presença na cerimónia de abertura da Expo Mundial 2017 em Astana. A viagem marca a primeira visita de Xi ao centro asiático este ano. O líder chinês visitou o Cazaquistão em duas ocasiões desde que tomou posse, respectivamente em 2013 e 2015. “Tenho boas memórias da magnífica estepe cazaque, dos rios vibrantes, do extraordinário desenvolvimento nacional, e sobretudo do povo cazaque
simpático e sincero”, disse Xi num artigo publicado esta quarta-feira num jornal cazaque. A presença de Xi na Expo 2017 em Astana, sob o tema de “energia futura”, não mostra apenas o apoio completo da China ao Cazaquistão, mas também a importância que o país dá às novas energias, disse o ministro assistente dos Negócios Estrangeiros da China, Li Huilai, na segunda-feira. Os maiores destaques da cimeira da OCS serão o acesso formal da Índia e do Paquistão à organização e o facto de a China assumir a presidência da OCS após a reunião, segundo Sun Zhuangzhi, secretário-geral do Centro de Pesquisa da OCS na Academia Chinesa de Ciências Sociais.
BOAS VIBRAÇÕES
Na terça-feira, o governador da Califórnia, Jerry Brown, desvalorizou em Pequim a decisão de Donald Trump, classificando-a como um “retrocesso temporário” na luta global contra as alterações climáticas. “A China, os países europeus e os estados norte-americanos vão preencher o vazio deixado pela decisão de Washington”, garantiu Brown, que participou em Pequim numa conferência sobre fontes de energia renovável. A China e a Califórnia anunciaram no mesmo dia um acordo de cooperação para reduzir a emissão de gases.
APPLE VINTE DETIDOS POR VENDA DE DADOS PESSOAIS
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INTE e duas pessoas, incluindo 20 funcionários da Apple, foram presos pelas autoridades chinesas, como parte de uma investigação à venda de bases de dados de clientes da multinacional norte-americana, informou ontem a polícia.Os suspeitos são acusados de invasão de privacidade e usurpação de dados pessoais, disse em comunicado a polícia da província de Zhejiang, leste da China. Os detidos terão alegadamente usado o sistema de informação da Apple para colectar nomes, números de telefone e de identificação, e ou-
tros dados dos usuários, para vender. Segundo as autoridades, o esquema gerou lucros no valor de 50 milhões de yuan. Os suspeitos foram presos na semana passada, em várias províncias da China. O tráfico de dados pessoais é comum no país. Em Fevereiro passado, oito pessoas, incluindo ex-funcionários do município de Xangai, foram condenadas a até dois anos de prisão por venda dos dados de mais de 5.000 recém-nascidos. Estes dados foram vendidos a empresas com negócios na área dos cuidados infantis e infantários.
9 hoje macau sexta-feira 9.6.2017
Mar da tranquilidade Japão diz que novo ensaio de mísseis de Pyongyang não ameaçou a sua segurança
AP /AHN YOUNG-JOON
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Governo japonês considera que o ensaio de mísseis realizado ontem pela Coreia do Norte não representou uma ameaça à sua segurança, ao contrário de outras vezes, em que projécteis caíram em águas da sua Zona Económica Exclusiva. “Estamos a tomar as medidas adequadas a par com a comunidade internacional”, afirmou o ministro porta-voz do Executivo japonês, Yoshihide Suga, indicando que estão a analisar informação sobre o lançamento com os Estados Unidos e a Coreia do Sul, ainda que este não tenha representado uma “ameaça à segurança” do país. A Coreia do Norte lançou ontem múltiplos mísseis a partir das imediações da cidade costeira de Wonsan, no sudeste, que percorreram 200 quilómetros antes de cair em águas do mar do Japão, segundo confirmaram os governos de Seul e Tóquio. Ambos os países colaboram com os Estados Unidos no sentido de identificar os projécteis utilizados no lançamento que acreditam ser mísseis de cruzeiro e não balísticos. A confirmar-se a suspeita, o ensaio não violaria as resoluções do Conselho de Segurança da ONU que pesam sobre a Coreia do Norte, as quais proíbem os lançamentos que usam tecnologia de mísseis balísticos.
Apesar de considerar que o mais recente lançamento de Pyongyang não representou uma ameaça para o Japão (...) Tóquio destacou a insistência por parte do país vizinho na realização deste tipo de testes
Apesar de considerar que o mais recente lançamento de Pyongyang não representou uma ameaça para o Japão, por não ter caído em águas da sua Zona Económica Exclusiva – a última vez que tal sucedeu foi em 29 Maio –, Tóquio destacou a insistência por parte do país vizinho na realização deste tipo de testes. Desde
o início do ano, a Coreia do Norte levou a cabo dez lançamentos de mísseis balísticos, actos “que não se podem permitir”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Fumio Kishida, em declarações reproduzidas pela emissora pública NHK. Na sequência do ensaio norte-coreano de ontem, o Presidente
da Coreia do Sul, Moon Jae-in, convocou, por seu turno, uma reunião do Conselho de Segurança Nacional para debater medidas contra este tipo de testes por parte do país vizinho.
REGIÃO
BIRMÂNIA RECUPERADOS CORPOS DE OCUPANTES DE AVIÃO DESPENHADO
As equipas de resgate recuperaram ontem os corpos de três ocupantes do avião militar birmanês que se despenhou, quarta-feira, no mar frente à costa sudeste da Birmânia com 104 pessoas a bordo. Segundo as informações que o Exército da Birmânia está a difundir através de uma conta na rede social Facebook, os corpos de um homem, uma mulher e de um menor foram detectados e recuperados nas últimas horas. As equipas que se encontram na zona, a 22 quilómetros de Kyauk Nimak, encontraram também as rodas do aparelho, vários coletes salva-vidas e peças de roupa. O avião, um Y-8F-200 de fabrico chinês, descolou, quarta-feira, da cidade de Myeik com destino a Rangun tendo desaparecido do radar, depois de sobrevoar a cidade de Dawei, a cerca de cem quilómetros do aeroporto de partida. No aparelho viajavam 90 passageiros, entre militares e familiares dos soldados, e 14 tripulantes.
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AVISO Programa de bolsas de estudo para o ensino superior do ano lectivo de 2017/2018 Aceitam-se, em breve, as candidaturas para o Plano de Bolsas de Estudo para o Ensino Superior e para o Plano de Pagamento dos Juros ao Crédito para os Estudos, oferecidos pelo Fundo de Acção Social Escolar, com as seguintes informações detalhadas: 1. Bolsas de Estudo para o Ensino Superior O prazo de candidatura decorre entre 12 e 30 de Junho de 2017. As categorias e vagas são as seguintes: 1.1 Bolsas-Empréstimo: destinam-se a apoiar estudantes com dificuldades económicas e contam com 4.000 vagas. 1.2 Bolsas de Mérito: servem para premiar os estudantes que tenham obtido a classificação de distinção, havendo 410 vagas, sendo 280 para os finalistas do ensino secundário do ano lectivo em curso e 130 para os estudantes que já se encontram a frequentar o ensino superior. 1.3 Bolsas Especiais: há 460 vagas, sendo o número de vagas, para os diversos cursos de especialização, o seguinte: Vagas para as Cursos de especialização bolsas especiais Cursos de estudos portugueses, língua portuguesa, cultura e língua portuguesas, tradução das línguas 50 chinesa e portuguesa, ou outros cursos de especialização equivalentes Deslocação a Portugal para frequentar a licenciatura em Finanças, Contabilidade ou Direito (inclui a frequência do curso preparatório de um ou dois anos de língua portuguesa para acesso à 20 licenciatura) Terapia da fala, terapia auditiva verbal, terapia ocupacional, fisioterapia ou outros cursos de 60 especialização equivalentes Enfermagem 160 Disciplinas relacionadas com as indústrias culturais e criativas 50 Serviço social Aconselhamento psicológico (inclui aconselhamento psicológico, consulta de psicologia, 120 aconselhamento e psicoterapia, psicologia clínica ou outros cursos de especialização equivalentes). Ensinos infantil, primário e especial ou outros cursos de especialização equivalentes 1.4
Bolsas Extraordinárias: contam com 35 vagas e destinam-se a apoiar os estudantes que frequentam cursos de Língua Portuguesa, em Portugal, após a conclusão da licenciatura ou que tencionem frequentar uma licenciatura, de língua veicular portuguesa, em Portugal, e que já sejam apoiados por outras entidades. 2. Plano de Pagamento dos Juros ao Crédito para os Estudos Destina-se aos candidatos que já obtiveram o empréstimo para o prosseguimento dos estudos, concedido pelos bancos que assinaram o protocolo de cooperação com o Fundo de Acção Social Escolar. Os alunos que satisfaçam as condições serão apoiados no pagamento dos juros resultantes do empréstimo durante o período de estudo. O período de candidatura inicia-se a partir de hoje e termina a 31 de Dezembro de 2017. Os documentos referentes à candidatura podem ser levantados na DSEJ ou descarregados através do seu website (www.dsej.gov.mo). Para mais esclarecimentos queiram, por favor, ligar para a Linha aberta 24 horas das Bolsas de Estudo, telefones 28400666 (entre os dias 9 e 30 de Junho de 2017), 83972522 e 83972518, ou contactem esta Direcção de Serviços através do e-mail: bolsa@dsej.gov.mo. Macau, 2 de Junho de 2017. A Presidente do Conselho Administrativo Leong Lai (Directora dos Serviços de Educação e Juventude)
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ANA MARIA PESSANHA
EVENTOS
“O mar é um pouco u
Um convite para falar das suas obras foi suficiente para Ana Maria Pessanha começar a falar de si própria, num acto quase instintivo. Numa visita guiada, a pintora explica a sua forte ligação ao mar, a paixão pelos tons verdes e azuis, e a relação com determinados quadros. A exposição “O Mar” está na Casa Garden até finais de Agosto
HOJE MACAU
PINTORA
Comecemos por este verso de Fernando Pessoa: “Olhando o mar, sonho sem ter de quê. Nada no mar, salvo o ser mar, se vê”. A poesia de Pessoa inspirou-a? Não tanto assim. Procuro associar sempre a pintura com a literacia, e percorri escritores que fundamentassem o meu trabalho, como Pessoa e Sophia de Mello Breyner, para suportar um pouco a palavra com a imagem. Mas não foi Pessoa que me inspirou. O mar está muito presente na literatura portuguesa. Que mar é este que vemos aqui nos seus quadros? É muito pessoal. Sou descendente de madeirenses. A minha mãe, quando casou e veio viver para Portugal, ia todos os anos à Madeira. E desde miúda que viajava em barcos. Quanto tempo demorava essa viagem? Dois dias. Uma miúda de três anos num barco... O mar ficou muito no meu inconsciente, de tal maneira que é o meu tema preferido. É um pouco uma obsessão. Tenho dificuldade em estar longe do mar. Já estive duas vezes no estrangeiro, nos Estados Unidos e na Alemanha, uma estadia de 12 anos, e fazia-me falta estar
perto do mar. Procurava os rios. Mas faltava o cheiro, o ritmo do mar. O ruído. [Cabo Girão] Esta é uma vista impressionante que há na Madeira, e que é mais impressionante porque tem uma espécie de miradouro com vidro. Quando me inspirei para fazer este quadro, o miradouro ainda não existia. Este quadro está relacionado com as minhas origens. [Splash Out] Este quadro é uma onda a rebentar.
na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde estas cores estavam muito presentes. Trabalhei muito com essas cores, mesmo tendo estado alguns anos sem pintar. A minha paleta era azuis, verdes e cinzentos azulados. Pensei até que tinha perdido a mão nessa altura, mas as minhas filhas insistiram para eu pintar de novo. Peguei na paleta e essas mesmas cores vieram de novo.
Representa algo para si? A minha pintura tem as raízes, mas não é uma pintura subjectiva, é visual. Passo muito tempo em Tróia, e fico muito sossegada a ver o mar e a esquematizá-lo. Então digamos que este quadro é uma fotografia esquematizada de uma onda.
Por que esteve esse tempo sem pintar? Estive na Alemanha e dediquei-me muito a educar os meus filhos. Nunca se consegue realizar pintura com alguma qualidade se não tivermos, pelo menos, cinco horas por dia com as telas. Não tinha tempo. Preparei tudo para elas serem boas alunas.
Usa muito os azuis e os verdes, bem como os amarelos. Já pensou pintar o mar numa outra cor? Ou gosta de pintar o mar como ele é? Também uso outras tonalidades. Mas esta é, de facto, a minha paleta de cores preferida. Tenho todos os tubos das tintas guardados em gavetas, e as minhas filhas dizem-me que me vão tirar as gavetas dos azuis e dos verdes. Para ver se eu tenho prazer a pintar noutras cores. Mas eu comecei a minha formação artística
Quando finalmente pegou nos pincéis, voltou tudo. Não me tinha esquecido de nada. Neste momento não só ensino pintura a futuras professoras e educadoras [é coordenadora do mestrado na Escola Superior de Educação Almeida Garrett], como dou lições particulares. Quando me colocam dúvidas, eu resolvo a dúvida no momento. Não me esqueci. A pintura é uma coisa muito interessante, porque mexe
muito connosco, e com a memória. Comecei a pintar com 18 anos e nessa altura a memória retém tudo. Consegue ensinar o que aprendeu e o que foi percepcionando? Costumo dizer que não se ensina nada a ninguém se as pessoas tiverem mais de 40 anos. É mais complicado ensinar, as pessoas têm muitos estereótipos, querem pintar como Picasso e Van Gogh. A primeira coisa que digo às pessoas quando chegam ao meu atelier é: “Agora vamos ficar loucos”. Fazemos experiências. [Sombras] Esta pintura é feita muito
“[Henri Matisse] tem um posicionamento social talvez parecido com o meu, porque ele dizia que a pintura devia ser para dar júbilo às pessoas. Terei prazer se as pessoas vierem aqui e passarem um bom momento.”
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EVENTOS LUSA
uma obsessão” pessoas, para pintarem, têm de saber dominar a técnica, a composição, e ter prazer no que estão a fazer. Para mim, pintar a sofrer não serve. A pintura é vista como uma terapia. Mas isso é sempre, seja uma pintura com dor ou com prazer. A Paula Rêgo, por exemplo, não sei se ela sofre quando pinta, mas ela de facto pinta coisas mais dramáticas. Deve ter prazer, porque trabalha muitíssimo bem o pastel. A Ana Maria pinta mais a paz, a serenidade? A minha contestação social, digamos assim, não está associada à pintura, mas sim à participação na educação e na comunidade. Fiz sempre muito trabalho de voluntariado com crianças e ensino.
da manipulação da tela, e só a partir de certa altura é que comecei a usar trinchas e pincéis. [Texturas] Aqui fiz uma fusão de líquidos que não são mexidos. Este é algum mar em especial? É um fragmento da onda, fiz um close up. E fiz aqui estas experiências com os líquidos que não se misturam. Diz nas aulas “vamos ficar loucos”. Pinta-se a desorganização, mas a pintura tem também esse lado mais organizado. Tem, e um lado racional. Se a pintura não estiver bem, mais vale colocar a tela no lavatório e começar de novo. Há muitas telas que não ficaram bem e não vieram para esta exposição. Não se pode pensar que o pintor fez todas as telas que estão expostas. Fez mais. Quando pinto uma tela levo-a para minha casa e olho para ela durante dois meses. Se não me fartar dela, está pronta para ser exposta. Quem mais tem direito a esse olhar crítico? As minhas filhas. As mesmas que lhe queriam tirar as tintas.
Elas também são da área das artes, são designers. Não fiz nada para seguirem esse campo, a não ser ter-lhes comprado bons materiais de pintura. Elas têm uma crítica de arte distanciada, e por isso ajudam-me. [O Mar] Este quadro já esteve para ser comprado várias vezes, e eu não deixo. É o seu preferido? É. Acho que criei amizade em demasia com este quadro. Quando começo a pintar, digo para mim própria se o quadro é meu ou se é para uma exposição, e com este não devo ter dito isso. Há obras com as quais se cria uma relação afectiva. Aqui tem quadros com cores vivas. Foi quando as minhas filhas me disseram que iam roubar-me os pincéis. E eu disse: “Se calhar sou capaz de pintar sem azul e verde”. [Vinho Veritas] Gosta destas telas tanto como gosta das outras? Não é bem isso. Esta, por exemplo, tem uma realização muito bonita. É aplicação de folha de ouro numa tela de linho. Gosto muito, mas se lhe disser o que me dá prazer, é descobrir os tons de azul e de verde. Fiquei surpreendida no momento, mas não é tão lúdico. E acho que as
Qual a relação da sua obra com o trabalho de Henri Matisse? Tenho uma admiração por ele. Tem um posicionamento social talvez parecido com o meu, porque ele dizia que a pintura devia ser para dar júbilo às pessoas. Terei prazer se as pessoas vierem aqui e passarem um bom momento. Criei alguma afinidade com Henri Matisse, mas a exposição minha que mais esteve associada ao pintor foi a que fiz há três anos. Essa era muito à base de papel e recortes, mas a temática era o mar. A de Matisse era as plantas. Hoje é mais difícil ser pintora do que quando começou? Não acho. Pertenço a uma geração que fez a sua formação na Faculdade de Belas-Artes do Porto onde António Barreto era um jovem assistente, anos antes de vir para Macau. Mulheres dessa geração que tentaram mostrar a sua pintura, não existem. Existem pintoras que deixaram Portugal, como Paula Rêgo e Vieira da Silva. Em Portugal era complicado, porque para vendermos um quadro tínhamos de vender aspectos afectivos ao cliente. Tínhamos de conceder determinadas atenções, o que não agradava à maior parte das pessoas. Ser artista mulher hoje é mais fácil, a sociedade está mais preparada. Aqui em Macau, graças ao contributo de António Barreto, vejo que as pessoas que vêem ver a minha exposição percebem o que estão a ver e o que estão a comprar. E isso é interessante, não é por acaso. Houve uma educação. Andreia Sofia Silva
andreia.silva@hojemacau.com.mo
Da essência da literatura Ministro português destaca papel de Macau
A
S pontes culturais entre Portugal e China são muito antigas, mas a literatura, sobretudo a contemporânea, é fundamental para estreitar essas relações e proporcionar um maior conhecimento humano mútuo, destacou o ministro português da Cultura, Luís Castro Mendes. “São muito antigas as pontes culturais entre Portugal e China, graças, em muito, ao papel que Macau desempenha. Macau é um lugar privilegiado de cruzamento entre Portugal e China, entre o Ocidente e o Oriente”, lembrou Luís Castro Mendes, no encerramento do 1.º Fórum Literário Portugal-China, que se realizou esta semana em Lisboa. O ministro destacou o património cultural da literatura clássica e sublinhou que a literatura chinesa contemporânea constitui um território de descobrimento. “É para começar a colmatar e a combater esta carência que se fez este fórum. Espero que tenha contribuído para estreitar relações e espero que tais pontes nos aproximem cada vez mais uns dos outros”, disse. O fórum reuniu escritores portugueses e chineses, que debateram os temas da literatura, sociedade e inclusão. “Podemos aprender muito uns com os outros nas áreas científicas, tecnológicas, mas há uma coisa muito importante que a literatura traz: é a compreensão do humano. Compreendemo-nos melhor uns aos outros como seres humanos através do conhecimento mútuo das nossas literaturas”, afirmou.
OS CAMINHOS DELES
O debate abriu com a escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso que, como foi destacado no início do fórum pela presidente da Associação Chinesa de Escritores, Tie Ning, “não está publicada na China, mas vai ser”. Para a autora de “O Retorno”, “a melhor maneira de contar a verdade é inventar a melhor mentira que a sirva” e uma história ficcionada bem contada é mais real, porque perdura no tempo e pertence a mais gente, do que a própria realidade efémera.
Para José Luís Peixoto, no centro da literatura está a natureza humana e é isso que torna os livros universais e compreensíveis em qualquer lugar do mundo, independentemente do tempo, do espaço, da história e da cultura a que está ligado cada escritor. “Por isso, um livro é compreensível aqui e do outro lado do mundo, porque partilhamos valores e ideias”, afirmou. Gonçalo M. Tavares disse que a escrita é um trabalho solitário e que o trabalho do escritor é aproximar-se e afastar-se dos acontecimentos, para ter vários olhares. Na opinião do autor, um escritor tem de ter uma visão do passado e do futuro, e ilustrou a ideia com uma personagem “que era tão vesga que, à quarta-feira, olhava ao mesmo tempo para o domingo passado e para o domingo seguinte”. O escritor Zhan Wei, vice-presidente da Associação Chinesa de Escritores, centrou a sua atenção na Internet e na forma como esta põe em risco o individualismo e a apreciação da arte. “As pessoas vão afastar-se por não estarem habituadas a ter paciência. A era da Internet é rápida, barulhenta, as pessoas perdem a paciência para o que não é assim”, afirmou. Chi Zijian considerou que a literatura, como criação individual, não se pode separar da sociedade e defendeu que um escritor deve conseguir integrar-se na sociedade para observar e exteriorizar-se, para conseguir dar vida à história que quer contar. Su Tong, o mais conhecido em Portugal dos autores chineses que participaram no fórum, recorreu a um conto do escritor norte-americano John Cheever – “The Enormous Radio” – para afirmar que toda a história reflecte alguma coisa do escritor e da sociedade. O conto narra a história de um casal que conseguia ouvir numa estação do seu rádio as conversas dos vizinhos, acabando essas vivências por se refletir nas suas próprias vidas. “É como se fosse o escritor a fazer a imitação de algo invisível. Temos de nos tornar invisíveis e entrar no rádio gigante ou tornarmo-nos o próprio rádio, para escutar a pulsação da sociedade”.
h ARTES, LETRAS E IDEIAS
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José Simões Morais
Convento e Igreja de Santo Agostinho O
Frade espanhol Francisco Manrique, da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, trabalhava nas Filipinas desde 1575 e aportou em Macau a 1 de Novembro de 1586, dia da festa de Todos os Santos, acompanhado pelos padres Diogo Despinal e Nicolau Tolentino. Comprou uma casa talvez próximo do local onde foi depois construído o Baluarte de Bom Parto e aí, em honra de Nossa Senhora da Graça fundou o Mosteiro de Sto. Agostinho. A 9 de Agosto de 1589, Filipe II de Espanha ordenou a retirada dos religiosos espanhóis de Macau e assim, logo treze dias depois Fr. Miguel dos Santos aqui fundou os agostinhos portugueses, sendo-lhe então entregue o mosteiro. Já em 1591 foi o convento transferido para o actual local, na Colina de Sto. Agostinho, sendo ao lado construída a igreja. Os Agostinhos aí se mantiveram até serem colocados fora de Macau devido ao Legado Pontifício para a China, o Patriarca de Antioquia Charles Thomas Maillard de Tournon, que após publicar em Nanjing a 25 de Janeiro de 1706 um decreto condenando os Ritos de Confúcio sobre o culto dos Antepassados, foi expulso pelo Imperador Kang Xi. Também os religiosos que missionavam na China e comungavam as ideias de Tournon, muitos vieram para Macau e assim, no Império Celeste só se mantiveram os jesuítas. Regressado a Macau em 30 de Junho de 1707, o Patriarca Tournon quis que fosse aplicado aqui o seu decreto, mas o Bispo de Macau, D. João de Casal não só se recusou a publicá-lo, mas ordenou às autoridades eclesiásticas que negassem obediência ao Patriarca. Tal levou a um conflito com troca de excomunhões, colocando-se os Agostinhos e os Dominicanos ao lado de Tournon. “O Cardeal Tournon hospedou-se no convento de Sto. Agostinho de Macau e aqui faleceu a 8 de Julho de 1710”, segundo Benjamim Videira Pires, que refere, “Por isso, os Agostinhos principiaram a perder, desde essa data, o seu prestígio junto do Bispo, do Governador e da população patriota de Macau [todos eles excomungados pelo Patriarca], até serem daqui expulsos em 15 de Janeiro de 1712”. Nessa data, por ordem do Vice-Rei de Goa D. João Rodrigo da Costa, foi retirado aos frades o Convento de Santo Agostinho e a igreja, sendo eles deportados para a
Índia em 1717. Por ordem do Rei D. João V, o convento foi devolvido aos Agostinhos em 1721.
BATALHÃO AQUARTELADO
“Em Janeiro de 1808, solicitava-se para a corte medidas para a organização de um Batalhão de Infantaria, com exercício de Artilharia, para Macau, com um total de 376 homens, entre oficiais e soldados” segundo Jorge de Abreu Arrimar. Tal se devia à defesa da Colónia contra os piratas e também pelas tentativas dos ingleses de com a pretensão de proteger Macau contra os franceses tentarem ocupá-la. Assim, o Batalhão Príncipe Regente foi criado a 13 de Maio de 1810 e “os soldados que o compõem, são para ali enviados da Capital da Ásia Portuguesa, os quais, sobre serem os piores que produz aquela Região, se tornam, pela mudança do clima, de uma repugnante nulidade”, segundo o Tenente-coronel José Guimarães e Freitas. Essa guarnição militar de 39 praças, enviada da Índia pelo Vice-Rei, chegou a Macau a 15 de Junho de 1823 e foi aumentada com a mocidade macaense para um número próximo dos 400. Tinha também o cargo de polícia da cidade, ou melhor, a Polícia servia-se desses militares. O Bispo de Macau colocou dificuldades para ser o aquartelamento instalado no edifício do antigo Colégio de S. Paulo, desocupado pela pombalina expulsão dos jesuítas e por sugestão do Senado, aprovada pelo Rei, foram colocadas duas
Companhias no antigo quartel e outras duas, na Fortaleza do Monte. No amplo Convento de Santo Agostinho, devido aos poucos frades que nele residiam, foi aquartelado o Batalhão Príncipe Regente, provocando em 30 de Março de 1829 um protesto da parte do provincial da Ordem em Goa. Mas aí ficou ainda aquartelado por mais dois anos, pois a 14 de Abril de 1831 encontrando-se o Convento em estado de ruína, passou o Batalhão para o Colégio de S. Paulo, <tanto por ser Edifício da Real Fazenda, como nenhum edifício se oferece melhor>. A 26 de Janeiro de 1835, devido ao incêndio no Colégio de S. Paulo, que devorou todo o edifício e a igreja, restando apenas a fachada, voltou o Batalhão a ocupar o Convento de Santo Agostinho. Com a definitiva vitória dos Liberais em 1834 e o decreto de Joaquim António de Aguiar a extinguir as Ordens e Congregações religiosas do território português e o sequestro de todos os seus bens, em Macau deu-se o abandono dos conventos pelos frades em Setembro de 1835. O Governo apossou-se do Convento de Sto. Agostinho, para onde voltou o Batalhão, mas a 13 de Maio de 1837, o seu comandante queixava-se que dentro do convento chovia <como na rua, em todas as Companhias>.
A ESCOLA
No Convento de Sto. Agostinho esteve até 1846 o Batalhão Príncipe Regente, tendo o Bispo de Macau Jerónimo
José da Mata a 5 de Julho de 1845 solicitado a concessão do edifício para nele estabelecer uma casa de educação para a mocidade do sexo feminino. Por se encontrar esse edifício hipotecado ao fundo do Recolhimento de Santa Rosa, por vinte mil patacas, o Governador achou por bem fazer essa transacção <que desse o duplicado resultado de constituir o dito Recolhimento possuidor daquele edifício, com o fim indicado, e de ficar a Fazenda aliviada do encargo correspondente ao valor dele>. Assim, a 10 de Agosto de 1846 o Convento de Sto. Agostinho foi transformado em escola de meninas. O Recolhimento de Santa Rosa de Lima em 21 de Dezembro de 1848 passou a ter na direcção as Filhas de Caridade de S. Vicente de Paula e como estava destinado à educação das meninas órfãs, aí se juntou com a escola feminina, até que em 1857, o Recolhimento e os seus rendimentos foram transferidos para o Mosteiro de S. Clara. Com essa saída, o Convento de Sto. Agostinho albergou em 1857 o Corpo de Polícia, onde se encontrava também o Hospital Militar, que aí esteve até à inauguração do Hospital Conde de S. Januário, em 6 de Janeiro de 1874. O Corpo de Polícia manteve-se no Convento, até que em 18 de Janeiro de 1879, o Governador Carlos Eugénio Correia o dissolveu e criou em seu lugar a Guarda Policial de Macau, ficando aí aquartelada a 1.ª Divisão. O Convento em 1886 foi de novo reparado devido à sua péssima construção, permanecendo a 1.ª Divisão da Guarda Policial até 4 de Outubro de 1893, quando se mudou para o Quartel de S. Francisco, preparando-se o antigo Convento para servir de instalações ao Liceu. Em 1894, o Liceu de Macau, apesar de provisoriamente instalado no Convento de Sto. Agostinho, nele ficou até ao final do ano lectivo de 1899/1900, sendo em meados de 1900 transferido para a Calçada do Governador (hoje do P. Luís Fróis, S.J.). Em ruínas, o Convento de Santo Agostinho foi depois comprado por Artur Basto (1873-1935, filho primogénito de António Joaquim Basto), que o transformou em sua residência. Com a sua morte (a 11 de Março de 1935) foi adquirido pela Companhia de Jesus e serviu de casa de repouso aos jesuítas sobre o nome Residência de Nossa Senhora de Fátima, actual Vila Flor.
13 hoje macau sexta-feira 9.6.2017
em modo de perguntar
Paulo José Miranda
Karadeniz
“O que nos espera é o nada” (continuação)
abre toda. Se me virem a entrar de lado vão pensar que há algo de estranho. Vão querer saber. Vão começar a bisbilhotar.
Mas o Karadeniz disse que também tem moedas muito antigas, de antes deste seu tempo!... É verdade, mas não foram procuradas como raridades de colecção! Foram encontradas em lugares do dia a dia, compradas a quem não sabia do seu real valor. Essas moedas são mais um testemunho do que se encontra nas ruas da cidade neste meu tempo do que um troféu raro. Não é peça de colecção, é peça do que se encontra na cidade.
Um destes dias já nem sequer consegue cá entrar, Karadeniz! Como é que vai fazer, arranjar outra casa? Com a minha idade já não vai ser preciso, Paulo. Mas imagina que tinha começado com isto muitos anos antes! Então, sim, é que teria de arranjar outra casa. Por outro lado, não conseguiria deixar umas coisas aqui e outras lá. Teria de mudar tudo para uma casa maior, teria de ter tudo junto. Não consigo ver as minhas coisas separadas. Nem conseguiria separar-me delas. E então teria outro problema: a mudança de tudo isto. (pausa) Gostava de morrer aqui entre as coisas.
O que é que o Karadeniz pretende fazer com tudo isto? Enquanto for vivo, vou juntando mais coisas todos os dias. Quando morrer já não posso decidir nada acerca disto. Provavelmente vai tudo para o lixo. Mas não o angustia saber que todo este seu esforço vai acabar em nada? É como a vida! No fundo, o que aqui estou a fazer é uma metáfora da vida. Provavelmente, preferiríamos viver para sempre, ou ser recordados para sempre, mas o que nos espera é o nada. Não é, Paulo? O que vamos ser quando já não formos, ainda não sabemos! Não sabemos, mas temos bons indícios do que vai ser. Sabes o que é que também colecciono, Paulo? O quê? Esqueletos de peixes. Esqueletos?! Sim, espinhas de peixe! Tenho um esqueleto de cada um dos peixes que se pode comer em Istambul. De todos?! Bem, de quase todos. Desfio-os com muito cuidado antes de comer e depois guardo o esqueleto do peixe. E hoje, portanto, é esta a sua vida?! Podemos dizer que sim! Por vezes, vejo o que faço como uma grande obra de arte. Outras vezes, vejo tudo isto apenas como uma obsessão em relação à permanência. Gostava que as coisas permanecessem. Gostava que o que vem a seguir não apagasse o que já há. O que há devia haver sempre. O que há não devia tornar-se passado.
Só que o seu corpo poderia apodrecer aqui, sem que ninguém desse por isso! Era bonito! Tornava-me eu mesmo parte da colecção, parte do amontoado de coisas.
A sua mulher chegou a saber desta casa, deste amontoado de coisas? Nem ela, nem o meu filho. Já pensou que esta casa, esta obsessão por juntar coisas não é muito diferente da obsessão da sua mulher pelos gatos? Já! Quem está apaixonado, seja pelo que for, não tem jeito para mais nada. Não se pode estar apaixonado por mais do que uma coisa, por exemplo, uma pessoa e aquilo que se faz, ou por mais do que uma coisa que se faz ou por mais do que uma pessoa? Não estou certo disso. Podemos ter relações intensas com várias coisas ou várias pessoas, mas julgo que a paixão é um sen-
Gostava que as coisas permanecessem. Gostava que o que vem a seguir não apagasse o que já há. O que há devia haver sempre. O que há não devia tornar-se passado
timento exclusivo. A paixão pode ser um ódio. O ódio que tive aos gatos era uma paixão. Não me deixava ver mais nada. O ódio é a carga negativa da paixão; a paixão é a carga positiva do ódio. Por isso é que tantas vezes se passa de uma carga para outra em relação ao mesmo objecto ou à mesma actividade ou à mesma pessoa. Nunca sentiste ódio pela escrita ou por uma pessoa por quem já estiveste apaixonado? Adiante! Há alguém que saiba da sua colecção? Há alguém que já aqui tenha estado? Não e não. Um cidadão não pode compreender o que se passa aqui. As pessoas que moram neste prédio, nos outros andares, se soubessem de tudo o que aqui está, obrigavam-me a vazar o apartamento. Tenho sempre medo de que alguém venha a saber. Uma vez mais, uma actividade que tem de manter em segredo! Infelizmente assim é! Trago as coisas a horas diferentes, de modo a que tenham dificuldade em controlar as minhas entradas e o que faço. Porque, como já viste, o amontoado de coisas é tão grande que a porta de entrada já nem sequer
O Karadeniz não tem mais nenhum familiar vivo, para além do seu filho? Não! Fui filho único e os outros parentes há décadas que não sei deles. Como o meu filho não vai precisar do meu dinheiro, nem sequer o vai querer, gasto o dinheiro nestas coisas e nas viagens que faço, que agora já vão sendo poucas. Quase ninguém sabe de mim, no mundo inteiro. Julgo que nasci para ser tudo o que quisesse, desde que não fosse conhecido, desde que passasse completamente despercebido. Comecei por matar pessoas e gostava de acabar entre estas coisas que ninguém quer. Mas há muita grandeza na sua vida, Karadeniz! Muita grandeza, como assim!? Você deixa de matar pessoas pelo ódio aos animais, que passa a matar, e acaba por encontrar o amor, a paixão entre as coisas que ninguém guarda, que ninguém quer, nessa sua obra de arte, como por vezes lhe chama. Não vê grandeza nisso? Você foi sempre exemplar em tudo o que fez! Uma coisa é certa e, se bem te percebo, tens razão, vivi sempre nos limites do humano. Se isso é uma grandeza, já não sei. (continua)
14
h
C
OMO pessoas, dormem enroladas sobre si próprias, como bichos friorentos e mergulhadas fundo na massa espessa das roupas confusas e amorfas. E outras, arrumadas numa rigorosa comissura do universo, feito de pregas lisas e dobras impecáveis. Como umas se afundam, ansiosas ou desalentadas, num buraco profundo e escuro e como se na própria noite cósmica, e outras se expõem desatentas de perigos, desconhecimentos e sonhos, em que umas e outras se sujeitam a perecer de angústia ou desalento. Sonhos que são despedidas que já foram e sonhos que são reencontros com os que já não estando, ainda doem. Os mortos que começam a voltar quando se situam com mais clareza no mapa de constelações com que cobrem o céu. Privado. Como um toldo etéreo no pátio de cada um e na sua porção de mundo. E que voltam, sem que raramente seja para mais do que anunciar que já estão. Longe. Outras vezes uma espécie de ilusão passageira e doce, como para matar saudades. Aceites no imediato do dia porque não há como vencê-los senão com o momento seguinte. Virar a página, com o gesto de afastar o lençol. Dormir. Uma pausa no sobreaquecimento das emoções. Uma desistência precisa. Uma demissão até breve. Mas às vezes um pouco à superfície da noite, do leito feito lençol de água espessa e densa, em que nenhum corpo mergulha e os braços tentam cortar em braçadas sofridas e vãs. De bruços sobre um oceano viscoso em que o corpo quereria mergulhar e avançar ao ritmo remado do esforço despendido. Recorrente sonho em secreto receio de Freud. Essa matéria estranha e confusamente mesclada, das matérias têxteis de uma realidade visível, e das camadas subterrâneas a um cenário interior. Um paraíso de todos os dias. As noites. Perdido e reencontrado como tal. Temido por insones. Por crianças. Por sonhadores sem rédea. No sono. Talvez a consistência exacta do conforto da protecção. Uma espécie de abraço da parte física da criatura a reencontrar no segredo da noite. Nas águas de colorido e densidade variada. Como as águas em Bachelard. As límpidas, transparentes em profundidade. Mas repletas de
brilhos e tão calmas e sorridentes que paradoxalmente não se deixam atravessar. Espelho narcísico que nada revela de si sem o outro, o rosto que se contempla e morre de tamanha devolução. Ou as profundas insondáveis em si, e desconhecidas nas suas escuridões que tudo escondem e que nelas sugam o olhar. O engolem em profundezas por explorar, o perdem, devolvendo em si e de si, unicamente o olhar que nelas mergulha como ao interior de si próprio. As primaveris e superficiais, alegres, frescas e repletas de brilhos, e as viscosas e obscuras, que fazem do ser o retorno a si próprio, não em forma de reflexo mas à forma da reflexão. Como as pessoas são diferentes e diferentes de como são com os outros ou os outros outros. Como se a cada uma, uma das faces dessas criaturas aladas caprichosas e míticas que personificam com caracteres diversos os deuses dos sonhos filhos de Hipnos, o do sono irmão da morte. Quando nunca se sabe afinal se não é unicamente este que espera de braços abertos recolher o corpo abandonado. Como se fora o seu irmão. E que às vezes se distrai para ele. No centro do eterno retorno da casa. Cama, barcaça enorme como um monumento digno do espaço ocupado, elegida a sua natureza de pódio. Muito altas ou rasas a tocar a terra. Enformada de pesados veludos e pregas acetinadas em tonalidades ricas, de fogo e de luz. Pesados brocados em festa barroca, pueris poéticas de estrelas, geométricas e vastas linhas, rectas como autoestradas recentes de sentidos únicos. Sempre, ir e voltar. Em parques ensolarados, ou, pensando na deliciosa descrição de Ovídio, nas Metamorfoses, em que é a de Morfeu, de negro ébano, entranhada numa escura caverna: “Nunca lhe pode o Sol mandar seus raios; (…) Do lugar o silêncio nunca rompem/ Os solícitos cães, os roucos patos,(…) Nele alterados sons de voz humana” . E decorada com flores. Papoilas, as “fecundas dormideiras”. As do ópio verdadeiro como o dos sonhos. Alguns. Era Morfeu – é - diz o nome, aquele que forma ou dá forma. Moldador de sonhos. Era talvez o irmão escultor das visões dos outros três. O dos pesadelos, o das coisas, o das ilusões. Ser objecto. Ser objecto de si e não muito sentir ser mais do que
ANABELA CANAS
Lençóis
isso. Essa dependência do espelho. Do espelho como reciprocidade. Ou como comunicação. Do espelho de um olhar a mais do que o de se ser em si e não mais. E precisar de ser em mais. Esta ânsia de comunicação de eco de devolução. E a barcaça-cama a devolver em espelho o que se procura. Em linhos ou cetins. Talvez
o irmão fantasia. Mas nunca se sabe qual dos irmãos nos acolhe na noite. E não chegar o ser em si porque se neutraliza na ausência do eco de si em si mesmo. O sono. Se não se distrair para Tanatos. Sempre esta dúvida da cor que é o nada. O negro profundo ou branco superficial.
15 hoje macau sexta-feira 9.6.2017
de tudo e de nada
Anabela Canas
de água para a frente. Sem lastro. Com tudo o que foi e com tudo o que fica, fresco e limpo como se novo em folha. Em folha branca. Para recomeçar no ponto preciso em que se fico na anterior. O grau zero. Com todo o sono e o apagado pelo meio. Como se de tudo sobrasse uma alma limpa e nova. O que é tão transcendente como fazer a cama todos os dias. Amorosamente. Porque não se diz disso refazer. Fazer. Como se nunca tivesse sido. De fresco. Com lençóis bordados a branco sobre branco. A lembrar climas quentes e outros tempos. A lembrar a disciplina de outros tempos e rituais. Mas nunca puxar as orelhas à cama, expressão tonta. Porque fez o seu papel sem culpa, como lhe estava destinado. A lembrar a frescura de outros tempos e de outras idades. A lembrar o que é preciso esquecer todos os dias. A lembrar o que não se quer lembrar. E a lembrar o que se quer guardar de alma de duas faces. Leve e pesada em simultâneo. Leve e pesada como os intervalos da música. Pausas. Às vezes apenas pesada. De penas. Mas fácil de pintar em tons matinais. Transparentes a resguardar um dia diferente. Sempre. E brancos de síntese cansada e nocturna. Em branco para renascer. Como das cinzas. Como do fumo em que mais um dia se esvaiu, muitas vezes sem remédio. Sempre sem retorno. Sem poder voltar atrás, sem poder querer. Antes a vida numa página em branco. Mais fácil dizê-lo que fazê-lo. Abrir a cama fresca e depurada à noite e serenar a alma colorida de muitas cores e sombras.
ACORDAR COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ.
Em branco. Sempre gostei de lençóis brancos como uma página. Matérias antiquadas, finas ou rústicas, de linho e algodão. Bordados à máquina ou à mão, que importa o valor das mãos, se estão lá. Sempre, com amor ou por dever. Um lugar em branco. Em brancos vários. De restos de recordações de família e de restos de recordações de
recordações contadas. Recontadas. Ou construídas. No viver. Sobre o branco, como uma página. Porque é ali que tudo se faz e desfaz. E se refaz. Que os dias começam e que os dias acabam. E, como a alvura dos lençóis agradáveis à pele, a clareza límpida e nova de todos os dias a ter que recomeçar. Talvez a alma lavada de fresco e virada
Ando há tantos dias a pensar nisto do irremediável. Que é a vida inteira e tudo. Tudo o que se faz, tudo o que se diz, tudo o que se pensa. Não há emenda possível depois de haver acontecido, sido, feito, dito, desdito. Pensar, fazer. Dizer. Tudo e em tudo, o irremediável. Nada de ilusões, emendas, desculpas, esquecimentos ou perdões. Uma construção. Em frente e em altura. Às vezes, matérias de pouca qualidade. Que fazer à pobre imagem do humano que se é… Desfazer e empregar matérias de mais valor. Isso sim. Nas construções. Mas a vida não é assim. Tudo o que foi, fica. Para sempre na aleatória construção
e destruição da memória. Com defeitos, efeitos. Um impacto só visível com uma dose enorme de fantasia no depois. Nem sei se, além dessa leitura meio fantástico, meio dedução, meio por meio fé ou interpretação, se vislumbram de facto conclusões, relações de uma causa, ela própria indiscernível e de um efeito desligado de todos os possíveis, de tudo. E de parentesco por atribuir. Mas uma coisa sei: penso, ou sei, tudo é sem remédio. Mas só se não fosse a aprendizagem dos materiais. As matérias melhores na arquitectura dos dias. A conhecer, a acolher, a escolher a preferir. O dia depois do dia que foi, é o caminho possível. O que vem a seguir. Uma página felizmente em branco, forçada, teimosamente forçada. Em branco para escrever. Sim. Só assim esta sensação aterrorizante e de aliviada, se bem que temporária, eternidade é suportável. Até amanhã. A íntima desconfiança de que não é para sempre embora o que dói pareça ser. A absoluta certeza de que a vida já mostrou que não dura. A irremediável sensação de que se fosse para sempre tudo era talvez pior porque a fé no placebo ou no remedio se estendia nos dias preguiçosa, langorosamente. Mas quanto se impõe no inevitável respirar - na escrita- Tão dominado por emoções que o retiram, mas nunca o suficiente. Quase nunca. E como tal. A sensação de que a eternidade é em cada momento, e a certeza do momento seguinte. Na melhor das hipóteses. E mas ainda, porque sonhamos, até amanhã. Aqui. Nunca à mesma hora - diria - nunca no mesmo lugar. Nunca a mesma de hoje. Mas a mesma de amanhã. De sempre, mas tendo dormido de fresco em lençóis brancos. Quando se dorme. Perto de Tanatos mas para a vida. Abrir a cama à noite. Como um livro branco. Fechar o livro, o dia, a noite. A última página. Sobre o corpo. Tudo. A certeza de que só há uma vez para cada coisa. Como águas da passagem de um rio. Eternas, repetidas e únicas. Desfazer a cama. Como no amor. E depois, manhã clara, abrir o livro e sair-lhe de dentro como o dia, uma história por contar. Fazer a cama de lençóis em branco. Fazer o dia como uma página a escrever.
16 (F)UTILIDADES TEMPO
hoje macau sexta-feira 9.6.2017
?
AGUACEIROS
O QUE FAZER ESTA SEMANA Diariamente
MIN
27
MAX
32
HUM
65-95%
•
EURO
9.01
BAHT
EXPOSIÇÃO | “TENTATIVE NOTEBOOK - WORKS BY RUI RASQUINHO” Art for All Society, Jardim das Artes | Até 14/06 EXPOSIÇÃO “AMOR POR MACAU” DE LEE KUNG KIM Museu de Arte de Macau | Até 9/7 EXPOSIÇÃO “CONSTELLATION” DE NICOLAS DELAROCHE Galeria do Tap Seac | Até 08/10
O CARTOON STEPH
SOLUÇÃO DO PROBLEMA 53
PROBLEMA 54
UM DISCO HOJE
THE MUMMY SALA 1
THE MUMMY [2D][C] Fime de: Alex Kurtzman Com: Tome Cruise, Sofia Boutella, Annabelle Wallis, Jake Johnson 14.30, 16.30, 19.30, 21.30
Macau muda de pele como uma cobra, com o desembaraço dengoso de um réptil que se desfaz do saco epidérmico que o reveste sem dramas. É uma cidade mutante, em constante transformação, um espaço em que o futuro tudo atropela, esmagador e maciço como lingotes vindouros. Pelo caminho ficam os fósseis urbanos, entalados entre a história que se quer preservar e um passado que é tratado como um trauma urbanístico. Como se a cidade tivesse vergonha da sua antiga roupagem. A conservação anda nas bocas do poder, mas teima em chegar ao plano material, à efectivação concreta. A conserva histórica fica perdida no fundo da despensa dos decisores, vandalizada por um emaranhado de procedimentos, consultas e pareceres em dilação assassina. Um rol de burocracias que esmagam a história, enquanto o futuro não tem pejos em romper o horizonte com mais betão e mais vigas. O espaço é um dos luxos supremos em Macau, a terra faz-se cara por estas bandas. O património é apenas uma curiosidade para os turistas que conseguiram arrastar a vontade para fora dos casinos. Imagino se o meu antepassado egípcio retratado na Esfinge estivesse em Macau. Por esta altura teria um hotel construído em cima, com uma réplica reluzente de uma esfinge. E essa é a solução. Que se repliquem as Ruínas de São Paulo e o Farol da Guia, numa abordagem mais moderna e brilhante. Com shows de luzes e quedas de água artificiais. Tudo arrumadinho num novo aterro e, em menos de nada, já ninguém se lembrará do património em conserva. Pu Yi
“WE SINK” | SOLEY
Soley vem da Islândia e o álbum “We Sink” é um bom exemplo das canções que os músicos do país do gelo nos habituam. São 13 temas que não cansam. A “one band woman” consegue trazer canções que embalam. Não adormecem, mas distraem, trazem imagens e transportam para um mundo de paisagens brancas e auroras boreais. Não é um disco novo, mas é um disco que acompanha e que pode ser ouvido de quando em vez, ou muitas vezes, sempre que apetecer viajar.
Sofia Margarida Mota
Danny Huston 14.30, 16.45, 19.15, 21.30 SALA 3
BLEED FOR THIS [C] Fime de: Ben Younger Com: Miles Teller, Aaron Eckhart, Katey Sagal 14.30, 16.45, 21.30
SALA 2
THE MUMMY [3D][C]
Fime de: Patty Jenkins Com: Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright,
Fime de: Alex Kurtzman Com: Tome Cruise, Sofia Boutella, Annabelle Wallis, Jake Johnson 19.30
WONDER WOMAN [B]
SUDOKU
DE
C I N E M A
1.18
CONSERVA ENLATADA
EXPOSIÇÃO DE DANIEL VICENTE FLORES Albergue SCM | Até 4/6
Cineteatro
YUAN
AQUI HÁ GATO
FAM – EXPOSIÇÃO “A ARTE DE ZHANG DAQIAN” Museu de Arte de Macau | Até 5/8
EXPOSIÇÃO “DESTROÇOS” DE VHILS Oficinas Navais, nº. 1 Até 31/11
0.23
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17 PERFIL
JOSÉ DAS NEVES
hoje macau sexta-feira 9.6.2017
JOSÉ DAS NEVES, DESIGNER GRÁFICO
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Um macaense de gema
ASCIDO e criado em Macau, José das Neves é a representação da mistura de culturas que o território sempre testemunhou. O seu pai é um macaense de primeira geração, fruto do amor entre um militar português e uma chinesa, enquanto a mãe é uma portuguesa de Moçambique. Mais conhecido pelos amigos como “Chefe”, José viveu em Macau até aos 13 anos. Recorda que durante a sua infância a cidade “era muito calminha, com muitas actividades de lazer” para as crianças. Viviam-se tempos tranquilos, em muitos aspectos antagónicos com a actualidade. Mesmo na escola, os jovens tinham mais espaço para desenvolverem a sua personalidade, para assumirem as suas diferenças. “Havia uma maior liberdade individual em relação aos dias de hoje, algo que gostava muito que o meu filho experimentasse”, revela. José gostava desse período, em que não havia a obrigatoriedade de usar farda, em que ele e os seus colegas vestiam o que lhe apetecia para ir para as aulas. Nos tempos livres, dedicava-se ao basquetebol e ao futebol, passando os dias a jogar, até que a música electrónica entrou
de rompante na sua vida, inspirando José a tornar-se DJ durante vários anos. Entretanto, após os 13 anos, a vida do macaense tornou-se agitada num constante vai e vem entre Macau e Lisboa, vivendo um ano em Portugal e outro cá até aos 18 anos. Foi uma grande mudança para José, um mundo novo se abriu. “Lisboa era uma cidade em que se passavam muitas mais coisas, uma capital, havia sempre o que fazer”, recorda. Foram tempos de crescimento para o macaense. Experimentou pela primeira vez viver sozinho, fora da alçada protectora dos pais. “Aprendi muito mais sobre a vida nesse período do que em todos os anos que passei em Macau”, conta. Amiúde regressava à Ásia, e antes de voltar de vez, ainda viveu um ano em Inglaterra. Mas o bom filho à casa torna, com 23 anos feitos e muito mundo na bagagem.
BARREIRA INVISÍVEL
As deambulações europeias de José abriram-lhe horizontes que não se limitaram à geografia. Em Portugal desenvolveu as suas capacidades na língua portuguesa que, antes das viagens, estava para lá de enferrujada, facto que tinha contornos sociais.
Quando era jovem “havia muitos grupinhos e era preciso ter um domínio bom da língua portuguesa para entrar”. José conta que após o seu regresso, já a falar melhor português, o seu círculo de amigos mudou completamente. O designer gráfico recorda que nos anos 1990 havia uma espécie de barreira invisível entre portugueses e macaenses, “havia um certo elitismo e colonialismo também, mas isso foi desaparecendo gradualmente”. José diz que hoje em dia não se vê nada disso, facto que considera uma das coisas mais positivas em relação ao passado. A transferência de administração foi marcante e trouxe momentos algo bizarros na vida do designer gráfico. “Foi um período extremamente estranho, muitos dos meus amigos, de repente, foram embora, parecia que a cidade tinha ficado vazia”, recorda. José explica que sentiu uma espécie de vácuo durante esse período e o tédio aumentou consideravelmente. Algo que foi passageiro e que reverteu completamente assim que as pessoas começaram a voltar. Hoje em dia, nota uma enorme perda de qualidade de vida para quem reside no
território. “Antes da liberalização do jogo, Macau era uma cidade muito artística, quase toda a gente tinha um piano em casa”, relata o designer gráfico. Apesar do crescimento económico, dos empregos e salários, José considera que a riqueza em Macau é muito mal distribuída. “Temos todo o dinheiro que é preciso para começar muitos programas – educação gratuita, ensino superior gratuito, saúde e transportes públicos gratuitos”, elabora o macaense. Com um forte cariz socialista, José acha que a cidade podia fazer melhor em proporcionar uma vida confortável aos seus cidadãos. Em termos de vida, José das Neves considera que Macau pode ser uma cidade claustrofóbica, que o impele a partir. “De tempos a tempos, sinto uma vontade descontrolada de sair daqui, nem que seja para Hong Kong, é completamente necessário.” João Luz
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18 OPINIÃO
hoje macau sexta-feira 9.6.2017
um grito no deserto
O SUICÍDIO, EDOUARD MANET, 1880 (PORMENOR)
Suicídios políticos à beira rio
L
EMBRO-ME de há quatro anos atrás ter escrito um artigo durante o Festival Duanwu (Festival do Barco do Dragão). Quatro anos volvidos, a história repete-se por causa das eleições para a 6ª. Assembleia Legislativa, com data marcada para 17 de Setembro próximo. Não tive oportunidade de aprender História com o Padre jesuíta Benjamim Videira Pires, mas dou aulas numa escola fundada por ele. Tendo sido historiador e director de um colégio, surpreendi-me quando soube que vestia roupas muito usadas. Levou uma vida modesta, marcada pela procura da Verdade, precisamente o oposto do que acontece com os políticos. De todos os suicídios cometidos por causa da política, o mais surpreendente é sem dúvida o de Qu Yuan, que se atirou ao Rio Miluo. Qu foi governador do Estado Chu, mas perdeu os favores do Rei devido a intrigas urdidas por outros ministros. Vendo que o seu Estado estava à beira do declínio, e não conseguindo encontrar forma de o salvar, Qu optou por se suicidar o que, bem vistas as coisas, não é forma de salvar um país. Uma outra história ocorreu dezenas de anos depois desta. Xiang Yu, que ficou do
lado dos derrotados durante o Conflito Chu–Han, lançou-se ao Rio Wu. Na guerra, Xiang não tinha rival. Desenhou uma estratégia e levou a cabo um ataque muito ofensivo que o fez vencer o combate. Mas, apesar da vitória pessoal a sua facção foi derrotada e, com vergonha de enfrentar a corte imperial, decidiu matar-se em vez de aceitar o convite do barqueiro que se ofereceu para o levar para a outra margem do rio. Há quem diga que se ele tivesse atravessado o rio, talvez tivesse vencido a batalha. Na minha opinião e, baseado no que ele fez nas horas que antecederam o seu suicídio, acho que nunca teria conseguido aceitar a derrota. E, mesmo que tivesse atravessado o rio, a derrota dar-se-ia mais cedo ou mais tarde. Quando as pessoas não assumem as consequências das suas acções e decidem suicidar-se para
Quando as pessoas não assumem as consequências das suas acções e decidem suicidar-se para fugir ao fracasso, serão dignas da nossa compreensão?
fugir ao fracasso, serão dignas da nossa compreensão? A última história passa-se em “Hou Kong” (Rio Hou)”, antigo nome de Macau. A vida é realmente enigmática. Um suicídio por razões políticas acontece em Macau, uma cidade sem rio. A duração de uma vida política depende da capacidade de se saber lidar e valorizar as circunstâncias. Dois provérbios chineses, “tem a sabedoria de te retirares quando os problemas te submergem” e “retira-te quando tiveres conquistado o reconhecimento”, são adágios reconhecidos pelo valor das verdades que encerram. Eles ajudam as pessoas a lembrar-se que há um tempo para seguir em frente e lutar e um tempo para nos afastarmos. Só quando sabemos abrir mão de certas coisas é que podemos conservar o mais importante. Quando alguém se quer manter na mesma posição por demasiado tempo, sem aceitar avanços ou inovações, fica cada vez mais conservador e a sua carreira política termina mais cedo ou mais tarde. Acabará por perecer, às suas mãos ou às mãos de terceiros. Quem gosta de História tem de conhecer o passado e antever o futuro. Macau está mergulhado em contradições devido ao seu rápido desenvolvimento económico, que se irão reflectir no processo eleitoral para a Assembleia Legislativa.
Ex-deputado e membro da Associação Novo Macau Democrático
PAUL CHAN WAI CHI
19 OPINIÃO
hoje macau sexta-feira 9.6.2017
contramão
ISABEL CASTRO
isabelcorreiadecastro@gmail.com
O dia em que pensarmos que foi apenas mais um, está tudo dito. Mas a verdade, vista de uma certa perspectiva, é que foi apenas mais um. Nós é que temos esta dificuldade de olhar para o mundo todo, o que é compreensível. Os nossos olhos, a maior parte das vezes, são incapazes de ver o mundo como uma coisa única, pela incapacidade física e emocional de abarcarmos tudo. Ficamos, assim, pelo nosso campo de visão. E aí ainda não foi apenas mais um, como acontece em tantos outros sítios. Mais um, mais uns, mais muitos. Olha, houve ali um tiroteio. Olha, agora foi em Londres. Olha, parece que alguém foi esfaqueado. E havia uma carrinha a atropelar pessoas, gente que não é ninguém em especial e que é tudo em especial para a gente delas. Olha, são seis mortos. Não, foram oito. Mais um, mais uns, mais muitos. Ninguém sabe como lidar com este quase novo normal que não pode ser a norma. No dia em que pensarmos que foi apenas mais um, está tudo feito. Mas esse dia pode não estar longe, porque ninguém sabe o que fazer a este terror que precisa de muito pouco para existir. Ninguém sabe como lhe dar a volta, porque não há apenas um destinatário a quem se pede para ter juízo. Ensinaram-nos na escola que as guerras eram feitas de inimigos. Uns de um lado com canhões, os outros com espingardas e cavalos e espadas e depois com tanques e bombas. Havia trincheiras e frentes de combate, era sangue por todo o lado, apesar dessas guerras de antes serem todas a preto e branco. Mais tarde vieram outras bombas, mais sofisticadas, submarinos e porta-aviões, ataques à distância, mortos e feridos e gaseados. Ainda assim, ia-se para a guerra. Mais tarde ainda inventaram-se outras tecnologias, guerras telecomandadas como se estivessem todos no sofá, à excepção dos mortos, feridos e gaseados. A guerra das trincheiras ainda existe, mas não é no nosso campo de visão. De vez em quando lemos uns textos e vemos umas reportagens da guerra a sério, daquela que tem pó e sangue e mortos abandonados, para fingirmos que damos importância ao que se passa no mundo, para termos o conforto judaico-cristão da relevância dada ao nosso semelhante. Mas não são as guerras que nos dizem mais. As que mais nos incomodam são as que se arriscam a ser normais. Mais um, mais uns, mais muitos. Embarquei para Macau exactamente um mês depois do 11 de Setembro. No Aeroporto de Lisboa era gente armada por todos os lados, medidas de segurança ex-
A BOCA DO INFERNO, MESTRE DE CATARINA DE CLEVES, SÉCULO XV (PORMENOR)
N
Foi mais um
cepcionais para tempos que, à época, eram uma assustadora novidade. O terrorismo que nos entrava pelas televisões costumava ser uma coisa circunscrita a causas, a certos países, a questões políticas e territoriais. Aquelas metralhadoras todas não faziam qualquer sentido, mas é assim que se reage ao medo. No torpor de quem voa para o desconhecido, não foi difícil deixar esse terror para trás. Deste sofá confortável onde estou, protegida pela nossa pequenez e simplicidade, por esta neutralidade histórica conquistada
Destes soldados rasos não sabemos o nome, porque nem sequer se tinham alistado. Não tinham ido para a guerra; a guerra é que foi ter com eles
por nos deitarmos com Deus e com o Diabo, fui vendo o mundo que cabe no meu campo de visão ser bombardeado sem razão. Morreu gente que ia para o trabalho de manhã e que tinha acabado de deixar os filhos na escola, morreu gente que ia a ouvir música boa e música de duvidosa qualidade, morreu gente que saiu de casa chateada com o marido ou com a mulher, morreu gente que saiu de casa a amar, morreu gente que tinha ido fumar um cigarro, morreu gente sozinha e gente acompanhada. Morreu gente só porque sim. Destes soldados rasos não sabemos o nome, porque nem sequer se tinham alistado. Não tinham ido para a guerra; a guerra é que foi ter com eles. Os livros de história já não nos contam todas as formas das guerras e os dicionários ainda não foram capazes de encontrar uma definição para este terror, que é quase normal mas que não pode ser a norma, mais um, mais uns, mais muitos. No dia em que pensarmos que foi apenas mais um, não saberemos o que dizer aos nossos filhos.
A
EMPRESÁRIA Isabel dos Santos, que detém a distribuidora angolana de televisão por subscrição Zap, escreveu ontem que “a SIC é muito cara” e que a exclusão dos canais daquele grupo português é uma decisão comercial. A posição é assumida pela empresária, filha do chefe de Estado angolano, numa publicação que Isabel dos Santos colocou ontem nas redes sociais, onde tem estado activa há vários dias, e que surge depois de a distribuidora DStv ter tomado a mesma medida, excluindo desde segunda-feira também os canais SIC Internacional África e SIC Notícias da sua grelha, como já tinha feito a Zap, em Março. “Ainconfessável ganância comercial do milionário Pinto Balsemão. Em Angola quer encaixar pela SIC um milhão de euros/ano. A comparar com a BBC 33 mil euros/ano ou a Al Jazeera 66 mil euros/ano”, escreve Isabel dos Santos. Sem nunca se referir directamente às decisões de exclusão da grelha das duas PUB
“
Seguido do seu guarda fiel/o monarca/sai do palácio e desce ao parque prazenteiro/Dança co´o inverno a flor do/Pessegueiro” Benjamim Videira Pires
Política à parte Isabel dos Santos diz que exclusão da SIC é decisão comercial
distribuidoras que operam em Angola (Zap e DStv) daqueles dois canais do grupo Impresa, presidido por Francisco Pinto Balsemão, Isabel dos Santos afirma que “a razão é comercial e não política”. “A SIC é muito cara”, conclui a empresária, no mesmo texto, escrito em português, inglês e francês. Desde a meia-noite de segunda-feira que a operadora de televisão por subscrição Multichoice, através da plataforma internacional DStv, deixou de transmitir os canais SIC Notícias e SIC Internacional África em Angola.
“A inconfessável ganância comercial do milionário Pinto Balsemão. Em Angola quer encaixar pela SIC um milhão de euros/ano. A comparar com a BBC 33 mil euros/ano ou a Al Jazeera 66 mil euros/ano.” ISABEL DOS SANTOS EMPRESÁRIA
REGRA GERAL
Esta decisão é semelhante à tomada anteriormente pela Zap, outra das duas operadoras generalistas em Angola, que em 14 de Março interrompeu a difusão dos canais SIC Internacional e SIC Notícias nos mercados de Angola e Moçambique, o que aconteceu depois de
o canal português ter divulgado reportagens críticas ao regime de Luanda. A Multichoice África, que tem a plataforma DStv, fornece serviços de televisão pré-paga de canais digitais múltiplos contendo canais de África, América, China, Índia, Ásia e Europa, por satélite. Já a Zap, que iniciou a sua actividade no mercado angolano em Abril de 2010, é actualmente a maior operadora de TV por satélite em Angola. A operadora portuguesa NOS detém 30% da Zap, sendo o restante capital detido pela Sociedade de Investimentos e Participações, da empresária angolana Isabel dos Santos. A maioria do capital da NOS é detido pela ZOPT, ‘holding’ detida pela Sonae e por Isabel dos Santos. Na segunda-feira, a SIC disse ser “totalmente alheia” ao facto de os canais SIC Notícias e SIC Internacional África terem deixado de ser transmitidos pela plataforma DStv em Angola, acrescentando que a transmissão dos dois canais se mantém em Moçambique através da DStv.
sexta-feira 9.6.2017
INTERNET CHINA FECHA CONTAS DE JORNALISTAS DA IMPRENSA COR-DE-ROSA
A Administração do Ciberespaço da China ordenou ontem o encerramento 60 contas nas redes sociais de jornalistas da imprensa cor-de-rosa, devido à lei para o ciberespaço, que entrou em vigor no país este mês. Os representantes de empresas da Internet que alojavam estas contas, como o Baidu, Tencent ou Sina, foram convocados ontem pelas autoridades para serem informados sobre os novos regulamentos. As autoridades pediram às firmas para que “adoptem medidas efectivas para acabar com as notícias sobre celebridades vulgares e ostentosas”, informou a revista Caixin. Entre as contas encerradas encontram-se várias do jornalista Zhuo Wei, considerado o principal paparazzi chinês, com mais de oito milhões de seguidores.