MIFF 2017 #2

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DE 8 A 14 DE DEZEMBRO

MIFF

SOFIA MARGARIDA MOTA

ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU DE 11 DE DEZEMBRO DE 2017 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

MACAUNALITERATURAGLOBAL


MIFF relacionadas com dinheiro, o que para mim são tudo complicações. Se se é um escritor, sentamo-nos no nosso quarto sozinhos, fechamos a porta e estamos assim todos os dias, e isso é óptimo. É a única coisa me interessa. Mas, de facto, este ano está muita coisa a mudar porque tenho vários livros que podem vir a ser adaptados e, com isso, tenho de estar envolvido com todos os problemas associados. O que é que o fez mudar de ideias? Tenho cerca de seis livros publicados e dois para o serem. Já escrevi bastante e acho que vou tirar um ano de férias para fazer outras coisas e ver o que acontece. Por outro lado, também há muito dinheiro envolvido (risos) porque faz com que não tenha de me preocupar com essa parte durante uns tempos. Quando escrevemos livros andamos sempre falidos.

É a primeira vez que está a trabalhar com a área do cinema. Tenciona estar mais ligado à sétima arte? Já fui muitas vezes convidado para escrever guiões e sempre disse que não. Conheço muitas pessoas do mundo do cinema e sempre achei que era um negócio muito complicado. Envolve muito tempo junto de um público e envolve muitas questões

Qual o seu interesse pelo cinema? O cinema é um mundo muito interessante. Às vezes até gosto mais de cinema do que, propriamente, de literatura. Vejo muitos filmes. Mas o mais importante é a arte narrativa, que é sempre uma arte. Há sempre uma história. Pintura e música são diferentes. Elas existem numa outra dimensão. Mas as artes narrativas estão ligadas. Quando vejo um filme e enquanto escritor estou sempre tecnicamente interessado no que está a acontecer na história. O mesmo acontece ao ver os filmes deste festival. Estamos sempre a perguntar-nos o que vem a seguir na história e, na maioria das vezes em que conseguimos perceber isso, não nos sentimos bem. Pensamos que se o mesmo acontecer quando alguém está a ler as nossas histórias, elas perdem a imprevisibilidade, e, para nós escritores, isso significa que são fracas. Já foi abordado acerca da possibilidade de adaptar o romance “The Ballad of a Small Player”, que acontece em Macau, para cinema? É uma opção. Aliás, quando sair deste

NOS BASTIDORES “Abrimos o festival com uma boa nota”

“Macau

é única

encontro com os jornalistas, vou ter a minha primeira reunião acerca de um guião desse livro. Mas ainda não pensei nessa história ainda como um filme. Já o escrevi há alguns anos, pelo que há coisas que não estão frescas na minha memória. Quando escrevi “The Ballad of a Small Player”, não tinha em mente qualquer adaptação para cinema. Era apenas literatura. Era um conto de fadas chinês. Por isso, fiquei surpreendido quando me apareceram com a possibilidade de ser adaptado. Se calhar vão me pedir para fazer o screenplay, e se calhar vou pensar nisso. Com quem se vai reunir para o efeito? Não posso ainda dizer ao certo com quem, mas posso avançar que uma das pessoas é o director do festival Mike Goodrige. Só o conheci uma vez em Londres onde o trabalho dele é muito reconhecido enquanto produtor e é uma pessoa com muito bom gosto também. Aliás, isso pode ser constatado pelos filmes que temos neste festival, que são óptimos. Por vezes, nos festivais de cinema,

os filmes conseguem estar muito longe de serem bons, mas neste, a qualidade está muito alta. Acho que é uma situação muito gratificante para Macau: ter todos estes filmes de grande qualidade em competição e em exibição. Todos nós, membros do júri, estamos muito surpreendidos. “The Ballad of a Small Player” é uma história que acontece em Macau e que trata da realidade do território. Como é que lhe ocorreu escrever este livro? A forma como as histórias começam é muito interessante porque não acontece de uma forma, aparentemente, lógica. Há uma pequena passagem no livro em que a rapariga está a relembrar uma oferta que fez num templo, e essa imagem era uma situação por que passei no Tibete. Na altura estava a fazer uma viagem pela China, escrevia para a Vogue e andava acompanhado com dois fotógrafos e dois tradutores. Não sabia porque é que estava ali ao certo, mas acabámos por ir a este lugar assustador, no meio de uma grande floresta com vista para um rio enorme. Era um sitio deserto onde estava um mosteiro gigante com cerca de 30 monges. O meu condutor

MARIA HELENA DE SENNA FERNANDES, PRESIDENTE DA COMISSÃO

ORGANIZADORA DO IFFAM E DIRECTORA DOS SERVIÇOS DE TURISMO DE MACAU

O Festival está em andamento. Depois da abertura, quais a primeiras impressões? Estou muito orgulhosa. Temos muito orgulho que desta vez existam alguns filmes dentro do nosso programa que já têm boas expectativas para os Óscares. “Call me by your name” e “The shape of water” são alguns dos filmes que podem entrar nas corrida. A abertura este ano foi feita com a projecção de um filme de caracter comercial. Como correu?

Abrimos o festival com o “Paddington 2” e para mim foi uma experiência muito diferente da que tivemos no ano passado. Em 2016 o filme de abertura era mais artístico, mas este ano dedicámos o primeiro dia à família. Que mudanças podemos ter nesta edição e para o futuro? Queremos ser um festival para o público em geral e foi bom ver que na cerimónia de abertura contámos com várias famílias que vieram acompanhadas das crianças. Penso que foi um sucesso. Abrimos o festival com uma boa nota.

Qual é agora a prioridade? Acho que é importante cultivar, no público local, o gosto de ir ao cinema porque só assim podemos vir a ter uma indústria neste sector. Precisamos de pessoas a gostar de filmes para que possam ser feitos. Para nós, é importante que este festival seja internacional e para isso tem de ter as projecções, mas também a própria indústria. Este ano temos 14 projectos a procurar investidores. Enquanto membro do Governo, é importante ter esta oportunidade de acolher um festival que possa vir a motivar a nossa indústria.

GONÇALO LOBO PINHEIRO

O livro “The Ballad of a Small Player” passa-se em Macau e pode vir a ser adaptado para o grande ecrã. A obra é de Lawrence Osborne que está no território enquanto membro do júri do Festival Internacional de Cinema. Para o escritor britânico, Macau é um lugar único

LAWRENCE OSBORNE ESCRITOR E JÚRI DO IFFAM

de carro era um tibetano e de repente parou, entrou no templo, e deixou um monte de notas. Eu achei tão estranho. Aquela imagem ficou comigo e não tendo qualquer conexão com Macau acabei por fazer uma adaptação no livro. Foi assim, por exemplo, que nasceu aquela personagem do livro.

“Adorava esta atmosfera que não é nem portuguesa, nem chinesa.” Muitos dos livros que escreve são escritos depois de viver nos sítios onde a narrativa acontece. Isso também aconteceu com “The Ballad of a Small Player”? Não. Normalmente vivo nos lugares mas não vou para nenhum sitio para fazer pesquisa para livros. O processo é o inverso. Detesto essa coisa de alguém pensar em fazer alguma coisa sobre um lugar e ir lá para pesquisar


a”

durante duas semanas. Isso é treta e não funciona. É preciso conhecer realmente um lugar e para isso é preciso lá viver, caso contrário, é falso. Não vivi em Macau mas passei muito tempo aqui em 2001, 2002, 2003 e 2004. Na altura trabalhava para o New York Times e escrevia sobre os medicamentos psiquiátricos na Ásia. Mandavam-me para a China, para o Bornéu, a Indonésia, a Papua Nova Guiné, etc. Acabava sempre por regressar ou a Hong Kong, ou a Bangkok, que funcionavam como uma espécie de base de trabalho. Muitas das viagens que fazia eram à selva e eram muito cansativas. No final, no regresso, acabava sempre por passar, pelo menos, um mês em Hong Kong, para descontrair. Acabei por me habituar a vir a Macau, porque tinha muita curiosidade. Quando percebi que era tão diferente de Hong Kong, comecei a preferir Macau a Hong Kong e a ficar cada vez mais tempo em Macau. Era uma ligação estranha a que sentia, mas foi completamente acidental. Adorava esta atmosfera que não é nem portuguesa, nem chinesa. Não

se vê uma mistura óbvia, mas Macau é única. A segunda razão porque comecei a vir para Macau, teve que ver com o vinho porque também fui um dos críticos de vinho da Vogue e Stanley Ho tinha a maior colecção de vinhos que existia no Hotel Lisboa. São milhares de garrafas. Foi muito interessante para mim porque não conseguimos encontrar este tipo de colecções muito menos feitas por um chinês. Daí existirem cenas no livro que se passam no antigo Robuchon. O jogo, nunca apareceu na sua vida? Sim, apareceu mas mais tarde. Tudo acontece numa sucessão. Quando

passamos muito tempo num sitio, como eu passava no Lisboa a beber bastante vinho e sem conhecer ninguém, num lugar onde toda a gente circula à noite e a ver as pessoas a jogar, começa-se a jogar também. Jogava bacarat na sua forma mais fácil. Aliás acabei por achar que era uma coisa bastante terapêutica, principalmente quando perdia dinheiro. Porquê? A nossa relação com o dinheiro é muito baseada no adquirir e guardar o dinheiro. Passam-se vidas inteiras neuroticamente obcecadas com a ideia de guardar dinheiro, de não o

MIKE GOODRIDGE, DIRECTOR DO FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE MACAU O que tem a dizer do início do festival? Acho que começámos muito bem. Com o filme de abertura, dada a escolha, tivemos a presença de muitas crianças no público o que foi muito interessante. Estamos lançados e agora a preocupação é ver a ligação dos filmes com o público. Que expectativas tem agora? As expectativas são boas. A avaliar pelo número de bilhetes vendidos no sistema, estamos mesmo muito entusiasmados por terem sido em grande quantidade. Agora resta saber se as pessoas vão mesmo ver os filmes. De

qualquer forma, já deu para ver que há realmente interesse. O que é preciso fazer, a partir de agora? É um festival recente e vai ainda demorar alguns anos para habituar as pessoas à sua existência para que participem activamente nele. Não queremos ensinar ninguém, só queremos que as pessoas passem a ter o cinema como um hábito e que se tornem “agarradas” ao grande ecrã. As expectativas são muito boas. Agora que o festival está em andamento é ver como é que corre e acompanhar o evento.

gastar. Se formos a um casino frequentado por chineses, que também são muito obcecados pelo dinheiro, a situação é ainda mais particular porque é um lugar onde é muito fácil perdê-lo. Quando isso acontece é como se alguma coisa dentro de nós se partisse e rendemo-nos a isso. E isso é bom. É a primeira vez que é membro de um júri? Enquanto júri de cinema, sim. É muito mais divertido do que ser júri de livros. No mundo da literatura, se um membro de um júri gosta em especial de um livro detestam se um

outro membro não gosta. Mas aqui é tudo mais objectivo. Discutimos os filmes que vemos ao jantar, de forma muito civilizada. Todos temos sensibilidades diferentes mas discutimos os filmes em todos os aspectos. O que é que é um bom filme para si? Penso que a história tem de ser visceral. Se se pensar muito, se se tratar de um filme muito intelectual, já perdeu alguma coisa. Penso qua a intensidade é o que mais conta. Acho que muitos dos escritores, actualmente, são demasiado intelectuais. Pensam demais, e isso é sempre um erro. Não funciona. Mas tenho de reforçar que ainda só vi filmes bons aqui, entre os sete que já visualizamos. Considera mudar de carreira, da literatura para os filmes? Não, é demasiado tarde para isso. Nós fazemos o que fazemos e já é muito difícil fazer uma coisa bem. Não é possível fazer duas coisas bem.

SOFIA MARGARIDA MOTA

“Queremos que as pessoas passem a ter o cinema como um hábito”

segunda-feira 11.12.2017

SOFIA MARGARIDA MOTA

“Por vezes, nos festivais de cinema, os filmes conseguem estar muito longe de serem bons, mas neste, a qualidade está muito alta.”

O que é um bom livro? Isso é mais complicado. Há muito poucos livros que são realmente bons. A literatura é tão diversa. Sofia Margarida Mota

sofia.mota@hojemacau.com.mo


MIFF CINEMA LOCAL | CHAN KA KEONG ESTREOU A SUA PRIMEIRA LONGA

programa Grupo Título

Hora

Local

Best of Fest Competition Flying Daggers Competition Special Presentation Flying Daggers 2017-12-12 (Tue)

C C C C B D

Angels Wear White The Hungry The Outlaws Beast The Workshop A Prayer Before Dawn

18:30 18:45 18:45 21:00 21:00 21:30

Cinemateca Paixão Centro Cultural de Macau Torre de Macau Centro Cultural de Macau Cinemateca Paixão Torre de Macau

LOCAL VIEW POWER

C

Centro Cultural de Macau

Macao Special Presentation Flying Daggers Competition Crossfire Competition Flying Daggers Crossfire 2017-12-13 (Wed)

(Between the Lies; Ka Cha; Gin, Sake and Margarita, 15:00 Hato’s Journey, Illegalist, The Age Of Hangover)

C

Love is Cold

15:00

Cinemateca Paixão

C B B C C B

Mom and Dad Custody 2001: A Space Odyssey Foxtrot Good Manners Kind Hearts and Coronets

18:30 18:45 19:00 21:00 21:15 22:05

Torre de Macau Centro Cultural de Macau Cinemateca Paixão Centro Cultural de Macau Torre de Macau Cinemateca Paixão

Special Presentation Competition Special Presentation Best of Fest Hollywood Special Presentation Best of Fest

C B D C

The Last Emperor My Pure Land Stained Shuttle Life

15:00 16:15 18:45 18:45

C

Suburbicon

19:00

C

Oh Lucy!

21:00

Gala

D

Samui Song

21:00

Reign of Assassins

21:15

Cinemateca Paixão Centro Cultural de Macau Centro Cultural de Macau Cinemateca Paixão Torre de Macau Convention and Entertainment Centre Cinemateca Paixão Centro Cultural de Macau Centre – Small Auditorium Torre de Macau Convention and Entertainment Centre

12:00

Cinemateca Paixão

14:00

Cinemateca Paixão

16:00

Cinemateca Paixão

C

Pass On; Grandmas; Pedaling Life San Va Hotel Behind the Scenes; My Work Place; A Long Fishing Journey (Ten for Perfection; My Days in An Apartment) The Guardians

18:30

C

I, Tonya

20:30

B

The Florida Project

21:30

Cinemateca Paixão Macau Cultural Center Small Auditorium Cinemateca Paixão

2017-12-11 (Mon)

Actress In Focus: B Michelle Yeoh 2017-12-14 (Thu)

SOFIA MARGARIDA MOTA

segunda-feira 11.12.2017

LOCAL VIEW POWER

B

LOCAL VIEW POWER

B

LOCAL VIEW POWER Best of Fest Hollywood Special Presentation Best of Fest

B

Ainda há muito para fazer Macau pode vir a ter uma indústria de cinema e o Festival Internacional de Cinema pode ser uma grande ajuda. Mas, os realizadores locais têm muito que trabalhar. A opinião é de Chan Ka Keong que estreou no fim-de-semana a sua primeira longa metragem, “Passing rain”. Autocrítico e ciente das dificuldades, o realizador fala ao HM da inexperiência e de aspectos a mudar nas produções futuras

“P

ASSING rain” é a primeira longa metragem de Chan Ka Keong, e fez a sua estreia no fim-de-semana na Torre de Macau enquanto parte do cartaz dedicado às apresentações especiais feitas por realizadores locais. Para o realizador, “Passing rain” não é apenas um nome mas sim a própria essência do filme. “Não gosto de sol, e é por isso que chamei o filme de “Passing rain”, começa por contar ao HM. A ideia é ser uma metáfora da vida: “vem de repente, passa rápido. A vida e a chuva são assim. Aqueles que amamos e aqueles de que não gostamos também aparecem e desaparecem das nossas vidas, como no filme, como a chuva em Macau”, refere.

FILMAGENS CONGESTIONADAS

Mas, apesar do financiamento do Instituto Cultural para a produção da película, as filmagens no território nem sempre são fáceis. O maior problema, aponta, tem que ver com as deslocações. “Até parece cómico

por se tratar de um lugar tão pequeno, sendo suposto ser fácil e rápido andar de um lado para o outro. Mas não é. As estradas são muito estreitas pelo que tínhamos de estacionar a carrinha do material e descarregar para deixar o espaço disponível para filmar. Depois, sempre que tínhamos de mudar de lugar deparávamo-nos com o trânsito. Seria muito mais fácil fazer a maior parte dos trajectos a pé, mas com o material era impossível, explica o realizador.

Por outro lado, tratando-se da primeira longa metragem realizada por existiram outros aspectos que vieram trazer à tona melhorias que têm de ser tidas em conta no futuro. “Não tenho experiência em fazer histórias dramáticas e este filme é uma espécie de salada com vários ingredientes que se vão misturando e que precisava de um drama mais bem trabalhado”, diz.

PROXIMIDADE, PRECISA-SE

Autocrítico, o realizador considera que “com a vertente dramática mais bem trabalhada, um filme torna-se mais apelativo para o público, sendo mais fácil entrar na própria história e nas emoções que lhe estão associadas”. Apesar de satisfeito com “Passing rain”, Chan Ka Keong abre os olhos para os próximos filmes. “Neste filme, falhei ao colocar o público à distância. Não os coloco nas cenas ou em contacto com a emoções das personagens. O público apenas assiste”, aponta.

O próximo projecto já está a ser trabalhado e trata-se de uma produção de baixo custo “em que tudo acontece ao lado de uma cama, entre dois personagens e em que são desenvolvidas as filmagens dos pequenos detalhes da vida”. Para o realizador o Festival Internacional tem um papel fundamental para a indústria local, sendo que é imperativo que os realizadores façam a sua parte. “Os realizadores de Macau têm de trabalhar cada vez com mais afinco para que as próximas edições deste festival possam ter mais trabalhos locais em exibição e capazes de entrar em competição”, remata Chan. Sofia Margarida Mota

sofia.mota@hojemacau.com.mo


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