Cadernos de Direito e Cultura do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes
Organizadores Elaine Favero Nichollas de Miranda Alem Editora e Coordenadora da edição Débora Cavaleri Projeto Gráfico e design da edição Paulo Zapella Revisão Geral Ivan Borges Sales Autores participantes dessa edição Camila Furlan da Costa, Igor Baptista de Oliveira Medeiros e Guilherme Brandelli Bucco Inti Anny Queiroz Noemia Fatima Rodrigues, Judite Sanson Bem e Zila Bernd Tomás German e Angela Zamin Agradecimentos Agradecemos especialmente autores dos artigos dessa edição, que gentilmente nos autorizaram a incluir seus artigos na presente publicação. Informações adicionais A publicação é distribuída gratuitamente por meio digital. Qualquer forma de comercialização é vedada. Esta publicação teve a colaboração de toda equipe do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes. FAVERO, Elaine; ALEM, Nichollas de Miranda (org.). Cadernos de Direito e Cultura. Volume 2: O mecenato na Lei Rouanet. São Paulo: Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes, 2018.
Contato contato@institutodea.com
APRESENTAÇÃO
Os Cadernos de Direito e Cultura foram criados para compilar diversos conteúdos jurídicos sobre um determinado tema e, assim, facilitar e incentivar o seu estudo. A maior parte dos textos que irão compor a coleção já foram publicados de maneira dispersa. Porém, acreditamos que estes mereciam uma reunião especial. Essa é a proposta dos Cadernos: juntar anotações, reflexões e o melhor de nossa produção teórica e técnica nos temas de convergência entre Direito, Cultura e Economia Criativa. Esta segunda edição traz artigos e jurisprudência sobre o mecenato da Lei n.º 8.313/91, popularmente conhecida como Lei Rouanet. Este mecanismo acabou se tornando, ao longo dos anos, um dos principais instrumentos de financiamento da cultura no país. No entanto, o programa foi alvo de diversos questionamentos pela mídia e por grupos políticos, que defenderam inclusive sua extinção. A proposta deste caderno e auxiliar no debate, organizando e apresentando textos que possam colaborar com o debate sobre o assunto. Como já mencionamos em outra ocasião, este é um caderno. Assim, convidamos o leitor a usar as margens e abusar dos grifos. Boa Leitura!
Nichollas Alem
SUMÁRIO O FINANCIAMENTO DA CULTURA NO BRASIL NO PERÍODO 2003-15: UM CAMINHO PARA GERAÇÃO DE RENDA MONOPOLISTA
PG 08
ÉTICA E DILEMA NA ESFERA POLÍTICO-CULTURAL BRASILEIRA: DEBATES ACERCA DA POLÊMICA LEI ROUANET
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O PROJETO RESGATE DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DA UFRGS - CONTRIBUIÇÕES DA LEI ROUANET
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CROWDFUNDING E LEI ROUANET: UM OLHAR PARA O IMPACTO DE AÇÕES COLETIVAS NO CENÁRIO CULTURAL BRASILEIRO
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JURISPRUDÊNCIA
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O FINANCIAMENTO DA CULTURA NO BRASIL NO PERÍODO 2003-15: UM CAMINHO PARA GERAÇÃO DE RENDA MONOPOLISTA
Por Camila
Furlan da Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Escola de Administração, Programa de Pós-Graduação em Administração Universidade Federal do Pampa / Campus Santana do Livramento - Santana do Livramento / RS - Brasil;
Igor Baptista de Oliveira Medeiros Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Escola de Administração, Programa de Pós-Graduação em Administração Porto Alegre / RS - Brasil;
Guilherme Brandelli Bucco Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Escola de Administração, Programa de Pós-Graduação em Administração Porto Alegre / RS - Brasil
Resumo: Este artigo analisa o financiamento público da cultura no Brasil, a partir de um estudo longitudinal quantitativo dos projetos aprovados pelo Ministério da Cultura entre 2003 e 2015, com base teórica na categoria de renda monopolista oriunda da economia política. Os resultados evidenciaram que, mesmo com a modificação na concepção de cultura no plano governamental, há concentração de incentivadores e de proponentes que utilizam a Lei de Incentivo à Cultura (LIC) para a obtenção de recursos no fomento a projetos. Concluímos que a política pública de financiamento da cultura continua transferindo para o mercado a decisão de quais projetos serão financiados. O mercado, por sua vez, tende à geração de renda monopolista, por meio do uso do recurso público para a promoção de projetos culturais que interessam à imagem organizacional sob o monopólio de poucas produtoras e fundações. Palavras-chave: políticas públicas culturais; financiamento da cultura; renda monopolista.
Introdução A ideia de cultura nacional é uma categoria distintivamente moderna. Nas sociedades tradicionais ou numa era pré-moderna, a lealdade e a identificação que eram atribuídas à tribo, ao povo, à religião e ao território foram transferidas, gradativamente, nas sociedades ocidentais modernas, à cultura nacional. “A cultura nacional se tornou uma característica-chave da industrialização e um dispositivo da modernidade” (Hall, 2014:30).
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Em contrapartida, o debate sobre a produção cultural é imprescindível a todo país que almeja empoderar sua sociedade civil em busca da democracia plena. A cultura, pela sua força simbólica e econômica, pode engendrar mecanismos de aprofundamento da cidadania, aprimorando os ambientes sociais, desenvolvendo criatividade, inovação e sustentabilidade, além de promover o respeito às diferenças e à diversidade e a redução de níveis de violência direta. É por meio dos valores culturais que a pessoa se enxerga como sujeito pertencente a uma nação. A política cultural deve ser vista como fator de inclusão social, uma vez que é primordial na geração não apenas de opções de lazer, mas de alternativas para renda e na ampliação de possibilidades de comunicação e criação (Brasil, 2014). O financiamento da cultura sob a pauta do Ministério da Cultura (MinC) é promovido por meio de apoio a projetos culturais via renúncia fiscal regida pela Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei no 8.313/1991), a Lei Rouanet, via Lei do Audiovisual (Lei no 8.685/1993) e também com financiamento direto por meio de editais para projetos específicos lançados anualmente (Brasil, 2016). Os recursos investidos pela Lei Federal de Incentivo à Cultura (LIC) são objeto de análise deste estudo; pois, de 2003 a 2015, representaram 90,8% do dinheiro público destinado à cultura no Brasil (Brasil, 2016). Para Botelho (2001) as formas de financiamento dos projetos de cultura devem ser avaliadas de maneira criteriosa. Neste mesmo período, a LIC gerou um pouco mais de 13 bilhões de reais em investimentos em cultura. A modalidade majoritária de financiamento tem sido as leis de incentivo, o que para Rubim (2013) transfere para as empresas o poder de decisão sobre o que será produzido culturalmente no país. Mesmo com a ampliação do conceito de cultura com a adoção de sua noção antropológica1 no plano governamental a partir de 2003 (Rubim, 2010), as gestões de Gilberto Gil (2003-08) até a última gestão de Juca Ferreira (201516) têm acompanhado um contexto acentuado de transformação da cultura em um gênero de mercadoria. Nesse período, houve uma ampliação nas formas de financiamento, aumentando o recurso público investido diretamente via editais para projetos específicos, por meio do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Entretanto, essa forma direta de financiamento da cultura ainda é restrita. A LIC ainda se constitui como a forma de financiamento preponderante. Em 2016, devido à temporária extinção do MinC pelo governo interino de Michel Temer, essa política de financiamento passou a ser pauta de diversos debates públicos acerca do seu funcionamento, alcances e limites, ocasionando investigações de fraudes nesse mecanismo. A LIC foi implementada no governo Collor, popularmente chamada de Lei Rouanet, em alusão ao ministro da Cultura na época, Sérgio Paulo Rouanet. Ela é uma política pública de incentivos fiscais em que pessoas físicas (cidadãos) e pessoas jurídicas (empresas) podem aplicar parte do imposto de renda em ações culturais. Neste artigo, iremos analisar a existência de concentração de
1 A noção de cultura no sentido antropológico enfatiza as “visões de mundo, memórias, relações sociais e simbólicas, saberes e práticas; experiências diferenciadas nos grupos humanos — fundamentos das identidades sociais” (Vianna, 2006:2). 10
incentivadores e proponentes pessoas jurídicas que utilizam a LIC para a obtenção de recursos nos governos Lula (2003-10) e Dilma (2011-15), e verificando a geração de renda monopolista na produção de bens culturais brasileiros. Segundo Harvey (2006), a categoria de renda monopolista é oriunda da economia política e surge em virtude do controle exclusivo sobre algum item. Sob a égide da renda monopolista, os produtos e eventos culturais tornam-se commodities para acumulação de capital por uma pequena elite econômica, que pouco produz e muito consome.
MARCO TEÓRICO A GERAÇÃO DA RENDA MONOPOLISTA PELA INDUSTRIALIZAÇÃO DA CULTURA A busca de renda monopolista é apontada por Harvey (2006) como uma das principais fontes de contradição do sistema capitalista. No atual estágio do capitalismo, há uma apropriação pelo capital de diversos setores, além dos produtivos tradicionais, como educação, saúde e cultura. Os bens culturais transformam-se em commodities, em itens passíveis de industrialização, análogos à forma tradicional de produção, distribuição e comercialização de mercadorias. Para Harvey (2014), “todas as commodities que podemos comprar na sociedade capitalista têm um valor de uso e um valor de troca”. Para Marx é a utilidade de uma determinada mercadoria que faz dela um valor de uso; assim, somente podemos considerar de forma efetiva seu valor de uso a partir de seu consumo. É o valor de uso que forma o conteúdo material de uma riqueza, qualquer que seja sua forma social (Marx, 2013:114). Já o valor de troca é o que permite que o valor de uso de um tipo seja trocado por outro. Essa relação entre diferentes tipos é alterada constantemente no tempo e no espaço. Assim, conclui-se que os valores de troca são historicamente condicionados. Adorno e Horkheimer (1985:131) destacam que o “valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca; ao invés do prazer, o que se busca é assistir e estar informado, o que se quer é conquistar prestígio e não se tornar um conhecedor”. Eles complementam que “tudo só tem valor na medida em que se pode trocá-lo, não na medida em que é algo em si” (Adorno e Horkheimer, 1985:131). Os autores destacam que a cultura é uma mercadoria paradoxal que está submetida à lei de troca; quanto mais destituída de sentido, mais ela serve a interesses econômicos. Essa visão é compartilhada por Harvey (2006:221) quando afirma que “é inegável que a cultura se transformou em algum gênero de mercadoria”. Harvey (2006) introduz a categoria de renda monopolista na tentativa de entender os processos contemporâneos de globalização econômica. Toda a renda é obtida a partir do poder monopolista dos proprietários privados de um item; assim, a renda monopolista se caracteriza pelo aumento dos ganhos, em decorrência do controle exclusivo de algum item crucial, único e irreplicável. A 11
renda monopolista se vincula a duas contradições: (1) um item, mesmo possuindo qualidades especiais, como particularidade e singularidade — requisitos essenciais para essa categoria —, elas não são tão especiais que não possam ser calculadas monetariamente; (2) quanto mais facilmente negociável seja determinado item, menos único ele se torna. Nesse caso, as vantagens monopolistas são suprimidas pela sua transformação em uma commodity (Harvey, 2006). A industrialização da cultura, ou a sua massificação, tem sido sinalizada desde a Escola de Frankfurt. Para Adorno e Horkheimer (1985), a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. A indústria cultural pode se vangloriar “de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias” (Adorno e Horkheimer, 1985:111). Mais tarde, é a filósofa brasileira Marilena Chaui (2011) que evidencia que a cultura é um direito do cidadão, direito de acesso aos bens e obras culturais, direito de fazer cultura e de participar das decisões sobre a política cultural. Mas, na forma da indústria cultural, a economia gerencialista neoliberal nega esses traços da cultura, reforçando-a como cultura de massa, na qual obras de pensamento e de arte tendem de expressivas a se tornarem reprodutivas e repetitivas; e, de trabalhos de criação, a se tornarem eventos para consumo. Nas palavras da autora, a chamada cultura de massa se apropria das obras culturais para consumi-las, devorá-las, destruí-las, nulificá-las em simulacros. Justamente porque o espetáculo se torna simulacro e o simulacro se põe como entretenimento, os meios de comunicação de massa transformam tudo em divertimento, formando o mercado cultural (Chaui, 2008). De fato, a fusão atual da cultura e do entretenimento não se realiza apenas como depravação da cultura, mas igualmente como espiritualização forçada da diversão (Adorno e Horkheimer, 1985). Além do mais, a competição é uma característica do sistema capitalista que tende para o monopólio, dado que num ambiente concorrencial apenas os mais fortes sobreviverão, portanto, a competição tende a acelerar o monopólio (Harvey, 2006). A renda monopolista por muito tempo foi protegida pelas barreiras protecionistas conferidas pelos Estados-nação, mas com o avanço da globalização devido à diminuição dos custos de transporte e comunicação houve uma tendência de diminuição dessas rendas. Todavia, para Harvey (2006), o capitalismo não existe sem renda monopolista, ele sempre busca meios de alcançá-la e, atualmente, a cultura está cada vez mais sendo utilizada para garantir tal poder de monopólio. Imersas na internacionalização da cultura, as indústrias culturais favorecem a abertura de cada nação à variedade de informação e, ao mesmo tempo, há a concentração dos meios, a homogeneização dos conteúdos e o acesso desigual e assimétrico aos bens e mensagens (Cesário, 2007). Essa dinâmica de trocas simbólicas concentradas, homogêneas e assimétricas se dá em uma espiral de contínuo movimento, de forma que outros modos de distinção passarão a ser 12
invocados para estabelecer alegações e discursos monopolistas, idealizados para garantir a veracidade dessas alegações. A mudança de linguagem discursiva corresponde à ascensão da competição e globalização internacional dos empreendimentos culturais, assumindo papéis distintivos, refletindo a transformação em commodities do consumo cultural de linhas padronizadas (Harvey, 2006). E, assim, cultura, arte e distração se reduzem mediante sua subordinação à totalidade da indústria cultural, que se caracteriza pela repetição. É com razão que o interesse de inúmeros consumidores se prende à técnica, não aos conteúdos teimosamente repetidos, ocos e já em parte abandonados (Adorno e Horkheimer, 1985). Nesse sentido, toda prática cultural, essencialmente oriunda das artes, passa a ser reproduzida em grande escala, de preferência com um apelo cultural transnacional para que o detentor de sua posse possa auferir mais lucro na troca, na experiência ou no consumo de seu bem cultural, não apenas no seu país de origem, mas em todos os cantos do globo. A partir desse contexto de transnacionalização da cultura e de hibridação das identidades culturais, a geração de poder monopolista também ocorre com as megafusões das principais corporações dos meios de comunicação, dos produtores e distribuidores das indústrias no campo da cultura. O aumento na concentração se dá, primordialmente, na distribuição dos produtos das ditas indústrias culturais (Hirsch, 2000).
POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA NO BRASIL A partir da discussão do conceito de renda monopolista e de como a cultura está sendo utilizada para fins de acumulação de recursos financeiros, é importante analisar o atual cenário do financiamento das políticas culturais brasileiras para tentar entendê-lo sobre a ótica da renda monopolista. A política pública de cultura, para Saravia (1999:91), envolve desde “a preservação dos monumentos históricos e arquitetônicos até o fomento ao cinema, passando pelas diversas atividades possíveis no campo da música, das artes plásticas e das artes do espetáculo”. Todos esses setores culturais estão sujeitos a prioridades, determinadas por linhas políticas e ideológicas (Saravia, 1999). No Brasil, as políticas culturais ainda carecem de estudos acadêmicos, principalmente, em razão de a cultura ser uma prioridade recente na agenda política. Há um atraso na institucionalização dessa área na organização do Estado, pois, mesmo havendo políticas públicas direcionadas para o setor desde os anos 1930, o Ministério da Cultura foi criado somente em 1985 (Corá, 2014). A Constituição Federal de 1988 enfatizou o direito de acesso à cultura, a legitimidade da diversidade cultural brasileira e o papel do Estado nessa construção (Carvalho, Silva e Guimarães, 2009). Entretanto, desde a década de 1990, o modelo de mecenato, com as leis de incentivo, tem sido destaque nas ações públicas voltadas para a cultura, fazendo com que esse campo organizacional seja orientado em primazia pelo financiamento público, por meio da renúncia 13
fiscal, de ações efetivadas por organizações privadas (Medeiros, Alves e Farah, 2015). Castro (1989) já havia salientado que a lei do mecenato (caso da antiga Lei Sarney e da atual Lei Rouanet) é, de fato, uma política empresarial para a cultura brasileira, significando a setorização da produção cultural, concentrada em uma elite de produtores especializados escolhida pelos empresários. Esse modelo de financiamento pode “provocar um sério entorpecimento na produção cultural brasileira. Os empresários não vão querer financiar artistas que não representem a sua maneira de olhar o país” (Castro, 1989:28). Além disso, ao analisar a influência do Estado e do mercado no campo da cultura entre 1920 e 2002 no Brasil, Simões e Vieira (2010) agregam que o desinteresse do Estado nos aspectos culturais como fatores estratégicos para o desenvolvimento da nação, aliado aos problemas financeiros que o assolaram por diversos períodos, justifica o surgimento das leis de incentivo que deslocariam de vez a capacidade de decisão e gestão da cultura para o mercado. Houve uma mudança significativa na concepção das políticas públicas de cultura no Brasil a partir de 2003. Foi adotada a noção antropológica na construção de políticas públicas culturais a partir da gestão do ministro Gilberto Gil no primeiro governo Lula. Para Botelho (2001:74), a cultura, no seu sentido antropológico, é produzida pela “interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e estabelecem suas rotinas”. É necessário que ocorra uma reorganização das estruturas sociais e uma nova distribuição de recursos econômicos, para que a política atinja a cultura na sua dimensão antropológica (Botelho, 2001). Além disso, Vianna (2006) argumenta que a Constituição Federal de 1988, nos artigos 215 e 216, formalizou a dimensão “imaterial” dos bens culturais, que estão relacionados com cultura no sentido antropológico. Ao longo dos dois mandatos do governo Lula, as iniciativas procuraram articular a democratização da cultura com o processo de agenda governamental, bem como no próprio crescimento do aporte de recursos ao MinC (Souza, 2012). Caminha (2013) observa que, nesse período, o discurso do Estado reaparece como promotor de políticas públicas para intervir e corrigir as injustiças de uma sociedade baseada no livre mercado. Essa nova concepção de política pública buscou romper com as três tristes tradições no âmbito das políticas públicas culturais no Brasil: ausências, autoritarismos e instabilidades (Rubim, 2013). A primeira tradição, a ausência, é motivada pela visão neoliberal do Estado, na qual este não deve promover políticas culturais, sua atuação deveria se restringir à promoção de cultura por meio de leis de incentivo. Outro aspecto que norteou a área cultural é a forma com que as políticas são concebidas no país, marcadas pelo autoritarismo, ou seja, políticas constituídas no âmbito dos gabinetes, sem a participação da sociedade brasileira. O setor público “não previu ações efetivas para garantir à população acesso a todas as formas de cultura; o que não interessa às empresas tem ficado à margem” (Saraiva e Frias, 2009:62). O terceiro traço característico do setor cultural é a instabilidade desse campo, dada a falta de continuidade das políticas promovidas pelo Estado (Rubim, 2010), bem como a falta de articulação entre união, estados e municípios. Neste sentido, Netto (2015) reforça que as políticas públicas de cultura, tomadas isoladamente, não conseguem atingir o plano cotidiano, pois não há articulação entre as esferas 14
públicas para que seus resultados tenham efetividade. Esses três traços tentaram ser combatidos a partir do governo Lula, pela adoção de uma nova concepção de políticas culturais e pela redefinição do papel do Estado na construção de políticas públicas. Na última década, foram rediscutidas as formas de financiamento, para combater a ausência do Estado na decisão da alocação dos recursos. Entretanto, o projeto de lei que modifica os meios para financiar a cultura permanece no âmbito do debate. Oliveira, Vieira e Silva (2007) defendem que a primazia da política de incentivos fiscais tem promovido inúmeras distorções, pois setores, como o do patrimônio, apresentam dificuldades na captação de recursos. Bier e Cavalheiro (2015:44) salientam o quanto a LIC continua a falhar em diversos aspectos, como: a perpetuação do monopólio das grandes cooperações na definição do produto cultural a ser desenvolvido; a concentração de recursos aplicados no Sudeste; a restrição, na maioria dos casos analisados, da produção de obras de artistas de alto renome ou grande apelo comercial; a vultosa arrecadação destinada à produção de espetáculos internacionais que não possuem origem na cultura brasileira; a carência de metodologia de captação de recursos que democratizem o acesso e a decisão da aplicação do erário público; e, principalmente a ausência de sensibilização da sociedade civil uma vez que a maioria absoluta da população brasileira que paga o imposto sobre a renda desconhece a existência da lei, bem como seus benefícios, o que se reflete na baixa participação social desse instrumento de política pública. Com relação ao segundo traço, o autoritarismo procurou ser rompido com a ampliação da atuação do Estado para além do patrimônio e das artes, introduzindo nas ações do MinC outras culturas, como: afro-brasileiras, indígenas, de gênero, de orientação sexual, das periferias, das redes e tecnologias digitais, populares. O terceiro traço, a instabilidade do setor cultural, tem sido combatido por meio de um processo de reformulação e redimensionamento das políticas do MinC, com a criação e a estruturação do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e do Plano Nacional de Cultura (Rubim, 2010). Essa ação aspira ser o principal mecanismo de articulação e coordenação federativa para combater a ausência de políticas reguladas na área, que tornam a cultura um setor não prioritário na alocação de recursos públicos pelas autoridades locais (Zimbrão, 2013), além de tentar reverter a política baseada em incentivos fiscais mimetizada pelos estados e municípios numa estrutura de gerenciamento de recursos similar à verificada em nível federal (Carvalho, Silva e Guimarães, 2009). Assim, desde 1930 até o momento de institucionalização do SNC, a trajetória das políticas públicas de cultura no país tem sido marcada pela luta entre aqueles que defendem a preservação de um modelo excludente, elitista e centralizador de política, e outros que reivindicam a cultura como um direito social (Carvalho, Silva e Guimarães, 2009). A manutenção do modelo elitista tem direcionado as políticas públicas de cultura para a geração de renda monopolista. 15
Neste sentido, Cesário (2007), ao analisar as atuais políticas públicas para o cinema brasileiro, alerta que o Estado tem contribuído para a geração de renda monopolista. Para ela, o Estado deve desenvolver políticas públicas para não deixar o setor cultural inteiramente ao comando do mercado e é seu papel fomentar a produção e a distribuição de produtos culturais nacionais. Por anos, a atuação do Estado brasileiro limitou-se ao financiamento de projetos, através da LIC, isentando-se do poder decisório sobre os investimentos no setor, deixando que o mercado determinasse onde seriam investidos os recursos públicos. Apesar das iniciativas apontadas para combater as três tristes tradições e da modificação conceitual com a inclusão da sociedade brasileira na construção das políticas públicas por meio da realização de Conferências Nacionais de Cultura e da criação do Conselho Nacional de Políticas Culturais (Soto et al., 2010), a tendência ainda é a manutenção das políticas públicas de cultura na geração de renda monopolista. Rubim (2010) alerta que, sem uma inversão drástica na política de financiamento, as políticas de diversidade cultural e regional do MinC são postas em xeque. Corre-se o risco de o dinheiro público na área de cultura contribuir ainda mais para a geração de renda monopolista e os bens culturais serem cada vez mais indisponíveis para a população brasileira.
ESTRUTURA DE FINANCIAMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA NO BRASIL O Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) foi instituído pela Lei no 8.313/1991 (Lei Rouanet) e tem a finalidade de estimular a produção, a distribuição e o acesso aos produtos culturais, proteger e conservar o patrimônio histórico e artístico e promover a difusão da cultura brasileira e a diversidade regional. Há no programa a previsão de três formas de apoio aos projetos culturais: Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), Incentivo Fiscal (LIC) e Fundo Nacional da Cultura (FNC) (Brasil, 2016). O Ficart consiste na participação dos investidores nos eventuais lucros ao aplicarem recursos em projetos culturais e artísticos, de cunho comercial. Esse fundo de investimento ainda não foi implementado pelo Ministério da Cultura. A segunda forma, a mais utilizada, é o incentivo fiscal, também denominado Renúncia fiscal ou Mecenato, uma forma de estimular o apoio da iniciativa privada ao setor cultural. Podem ser proponentes de um projeto cultural pessoas físicas com atuação na área cultural (artistas, produtores culturais, técnicos da área cultural); pessoas jurídicas públicas de natureza cultural da administração indireta (autarquias, fundações culturais); e pessoas jurídicas privadas de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos (empresas, cooperativas, fundações, ONGs, organizações culturais). O proponente deve apresentar sua proposta cultural ao MinC e, caso ela seja aprovada, é autorizado a captar recursos junto a 16
incentivadores, que podem ser pessoas físicas pagadoras de Imposto de Renda (IR) optantes pela Declaração Completa ou empresas tributadas com base no lucro real (Brasil, 2016). Os incentivadores que apoiarem projetos poderão ter o total ou parte do valor desembolsado deduzido do imposto devido, dentro dos percentuais permitidos pela legislação tributária. Para as pessoas jurídicas, até 4% do imposto de renda devido, e para pessoas físicas, até 6% do imposto de renda devido. Conforme a Instrução Normativa (IN) no 1, de 9 de fevereiro de 2012, que regula procedimentos relativos ao mecanismo de incentivos fiscais da Lei Rouanet, as propostas culturais devem ser apresentadas entre 1º de fevereiro e 30 de novembro de cada ano. Vale ressaltar ainda que o proponente poderá movimentar os recursos tão somente após captar pelo menos 20% do total requerido para o projeto (Brasil, 2016). A terceira forma se dá pelo FNC, que consiste em um fundo de natureza contábil, com prazo indeterminado de duração, que funciona sob as formas de apoio a fundo perdido ou de empréstimos reembolsáveis. Segundo o art. 4º da Lei Rouanet, o FNC tem por objetivo principal captar e destinar recursos para projetos culturais compatíveis com as finalidades do Pronac. Ainda, esse fundo visa estimular a distribuição regional equitativa dos recursos a serem aplicados na execução de projetos culturais e artísticos; além de favorecer a visão interestadual, estimulando projetos que explorem propostas culturais conjuntas, de enfoque regional, entre outras atividades (Brasil, 2016).
MÉTODO O presente estudo foi realizado por meio da análise da distribuição dos recursos entre incentivadores e entre proponentes, ao longo de um período de 13 anos (200315). Tal corte temporal se inicia em 2003, pois é a partir do governo Lula que se modificou a concepção das políticas públicas de cultura, adotando-se uma visão antropológica, mais ampla de cultura. Foram analisados os dados de todos os incentivadores e proponentes pessoas jurídicas de projetos culturais no Brasil. Não serão analisados os investimentos realizados por pessoas físicas, pois representam, em média a cada ano, apenas 1,5% do total investido. Os dados foram coletados no sítio eletrônico do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (SalicNet) (Brasil, 2016). As consultas foram feitas nas abas “Proponentes” e “Incentivadores”, nas opções “Maiores Proponentes” e “Maiores Incentivadores por Ano”, respectivamente. Todos as informações coletadas representam valores reais, pois os dados publicados são corrigidos pelo próprio SalicNet.
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A evidenciação de uma possível distribuição desigual de renda entre os agentes pode ser mais claramente analisada tomando-se a variabilidade conjunta entre esses elementos. Em uma primeira análise dos dados, observamos que as quantidades de incentivadores e de proponentes são razoavelmente altas, de modo que não foi possível tecer conclusões claras a partir dos dados brutos (em 2015, por exemplo, foram 2.361 proponentes e 3.378 incentivadores, conforme se observa nas tabelas 3 e 4). Diante disso, optamos por efetuar uma divisão dos montantes totais propostos e incentivados em quatro grupos, de modo que cada grupo representasse 25% dos recursos totais. Isso foi feito tanto para proponentes quanto para incentivadores, em cada um dos 13 anos. As listas de incentivadores e proponentes foram, então, ordenadas de forma decrescente com respeito ao seu valor movimentado e cada pessoa foi classificada em um dos grupos, os quais contêm, como dito, pessoas que, somadas, movimentaram aproximadamente 25% dos recursos totais. Essa classificação produziu uma variável categórica (grupos) com quatro categorias e uma variável intervalar (contagem de empresas no grupo). A partir dessa classificação, foi possível testar a hipótese de que os totais de incentivadores e proponentes nos grupos não são significativamente diferentes, situação na qual se poderia concluir que houve distribuição equilibrada de renda entre as pessoas jurídicas. O teste mais comumente utilizado para o presente caso (uma variável categórica com mais de duas categorias e uma variável métrica) é a análise de variância (Anova) que, de acordo com Downing e Clark (2002), testa a hipótese nula de que as médias dos diferentes grupos são iguais, contra a hipótese alternativa de que há diferença entre pelo menos dois dos grupos. Conforme esses autores apontam, uma das suposições da Anova é de que a variância seja a mesma entre todos os grupos. Becker (2015) observa que um dos testes de igualdade de variâncias recomendável é o teste de Levene. Tal teste foi efetuado, o qual resultou que há diferença significativa entre os grupos, a um nível de significância inferior a 0,05%. Diante disso, Becker (2015) recomenda que, alternativamente à Anova, se utilize um teste não paramétrico, o teste de Kruskal-Wallis, o qual tem como hipótese nula a homogeneidade das distribuições de probabilidade dos grupos. Todos os testes estatísticos foram conduzidos no software IBM® SPSS versão 20.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS No período analisado, houve um aumento de 57,4% na demanda por recursos para o desenvolvimento de projetos na área de cultura (gráfico 1) passando, em 2015, a mais de 11 mil projetos apresentados para o Ministério da Cultura. Em 2011, ano com o maior número, foram apresentados mais de 14 mil projetos. Entre os projetos apresentados, também houve um aumento significativo no número de aprovados pelo MinC, com um crescimento no período de 29,2%. O aumento mais significativo ocorreu em relação à quantidade de projetos efetivamente apoiados, aqueles que conseguiram captar o recurso no mercado, havendo um crescimento de 104,2% no número de projetos em 2015 em relação ao ano de 2003. O número de projetos apoiados tem apresentado um crescimento mais regular do que a quantidade de projetos apresentados. Ressaltamos que apenas 27,9% dos projetos apresentados (11.274) em 2015 foram efetivamente apoiados (3.151) por meio da LIC. 18
GRÁFICO 1 // QUANTIDADE DE PROJETOS APRESENTADOS, APROVADOS E APOIADOS ENTRE 2003-15 16.000 14.000 12.000 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 0 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Qtde apresentados
Qtde aprovados
2012 2013 2014 2015
Qtde apoiados
Outro dado importante diz respeito aos montantes solicitados e captados. Ao longo do período analisado foram demandados 93 bilhões de reais em recursos para os projetos apresentados ao MinC. Desse montante, o Ministério autorizou a arrecadação de 55 bilhões de reais através da LIC. Entretanto, os proponentes de projetos culturais conseguiram captar no mercado apenas 26% do total aprovado pelo Ministério. Os dados revelam que muitos projetos culturais não foram implementados por falta de investimentos do mercado. Os projetos que obtêm recursos por meio da LIC estão de forma majoritária presentes na região Sudeste do país (gráfico 2), que concentra 79,2% do total investido em cultura no período analisado, seguida do Sul com 11,3% e do Nordeste com 5,8%. Os investimentos na região Centro-Oeste representam apenas 2,8% e da Norte menos de 1% do que é investido em cultura. Comparando esse dado com a distribuição espacial da população no país, percebemos que há uma grande concentração dos recursos investidos em cultura, visto que apenas 42,12% da população brasileira localiza-se na região Sudeste.
19
GRÁFICO 2 // DADOS AGREGADOS DE 2003-15 DA DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DOS RECURSOS EM RELAÇÃO À POPULAÇÃO 90
Percentual (%)
80 70 60 50 40 30 20 10 0
Centro-Oeste
Norte
Sul
Nordeste
Sudeste
População
7,4
8,3
14,4
27,8
42,1
Captação
2,8
0,9
11,3
5,8
79,2
GRÁFICO 3 // DESIGUALDADE REGIONAL NA CAPTAÇÃO DE RECURSOS VIA LIC 1.000
Milhões de R$
800 600 400 200 0 2003
2004
2005
Centro-Oeste
2006 Nordeste
2007
2008
Norte
Sudeste
2009
2010
Sul
Diante dos dados agregados de distribuição dos recursos investidos em cultura por meio da LIC, apresentamos os resultados dos testes estatísticos, utilizados no intuito de testar a hipótese de que há concentração de renda em poucos incentivadores e proponentes. A tabela 1 apresenta os montantes totais movimentados pelos incentivadores e pelos proponentes, ao longo do período.
20
TABELA 1 // TOTAL DE RECURSOS MOVIMENTADOS
Ano
Incentivadores (Milhões de R$)
Variação (Percentual)
Proponentes (milhões de R$)
2003 2004
Variação (Percentual)
428,35
-
428,35
-
508,18
+18,8%
508,18
+18,6%
2005
722,58
+41,9%
722,58
+42,2%
2006
846,33
+17,6%
846,33
+17,1%
2007
982,50
+15,9%
982,50
+16,1%
2008
954,31
-2,7%
954,31
-2,8%
2009
968,23
+1,7%
968,23
+1,5%
2010
1.150,78
+19,0%
1.150,78
+18,8%
2011
1.305,81
+13,5%
1.305,81
+13,5%
2012
1.254,85
-3,5%
1.254,85
-3,9%
2013
1.239,37
-1,2%
1.239,37
-1,2%
2014
1.310,10
+5,8%
1.310,10
+5,7%
2015
1.155,33
-11,1%
1.155,32
-11,8%
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do SalicNet.
Os montantes totais de recursos foram divididos em quatro grupos, ano a ano. As listas de incentivadores e proponentes foram ordenadas em ordem decrescente de valor movimentado e cada pessoa jurídica foi classificada em um dos grupos, de maneira que cada um deles contivesse pessoas jurídicas cujos montantes totais somassem aproximadamente um quarto (25%) do total movimentado no ano em questão. A tabela 2 apresenta as frequências absoluta e relativa de incentivadores incluídos em cada grupo, ano a ano. TABELA 2 // GRUPOS DE INCENTIVADORES PESSOAS JURÍDICAS 1º Grupo
2º Grupo
3º Grupo
4º Grupo
Ano
Total Frequência
%
Frequência
%
Frequência
%
Frequência
%
2003
1252
92,19
82
6,04
22
1,62
2
0,15
1358
2004
1656
92,72
102
5,71
25
1,40
3
0,17
1786
2005
1918
94,53
93
4,58
17
0,84
1
0,05
2029
2006
2201
94,75
100
4,30
21
0,90
1
0,04
2323
2007
2240
93,92
114
4,78
27
1,13
4
0,17
2385
2008
2288
93,01
135
5,49
32
1,30
5
0,20
2460
2009
2244
93,66
124
5,18
24
1,00
4
0,17
2396
2010
2742
93,08
165
5,60
35
1,19
4
0,14
2946
2011
3079
93,90
160
4,88
35
1,07
5
0,15
3279
2012
3038
93,79
155
4,79
37
1,14
9
0,28
3239
2013
3215
92,60
191
5,50
51
1,47
15
0,43
3472
2014
3255
92,84
190
5,42
49
1,40
12
0,34
3506
2015
3106
91,95
204
6,04
53
1,57
15
0,44
3378
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do SalicNet. CONTINUA
21
TABELA 3 // GRUPOS DE PROPONENTES PESSOAS JURÍDICAS 1º Grupo
2º Grupo
3º Grupo
4º Grupo
Ano
Total Frequência
%
Frequência
%
Frequência
%
Frequência
%
913
80,87
148
13,11
51
4,52
17
1,51
1129
2004
1118
79,07
193
13,65
74
5,23
29
2,05
1414
2005
1393
81,89
207
12,17
76
4,47
25
1,47
1701
2006
1574
81,94
233
12,13
87
4,53
27
1,41
1921
2007
1751
81,03
274
12,68
103
4,77
33
1,53
2161
2008
1786
81,18
286
13,00
99
4,50
29
1,32
2200
2003
2009
1747
81,67
274
12,81
94
4,39
24
1,12
2139
2010
1878
80,77
309
13,29
104
4,47
34
1,46
2325
2011
2091
81,20
341
13,24
111
4,31
32
1,24
2575
2012
2083
80,46
353
13,63
119
4,60
34
1,31
2589
2013
2044
80,31
343
13,48
121
4,75
37
1,45
2545
2014
2007
82,19
308
12,61
97
3,97
30
1,23
2442
2015
1923
81,45
306
12,96
98
4,15
34
1,44
2361
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do SalicNet.
Ainda que possam parecer claras as diferenças entre os grupos, julgouse necessária a realização de um teste estatístico de diferença entre grupos, de modo a evidenciá-las. O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para testar a hipótese nula de que os grupos provêm de populações com idênticas distribuições de probabilidade. A tabela 4 apresenta tais resultados. TABELA 4 // DIFERENÇA ENTRE GRUPOS Tipo
H0
Nível de significância
Decisão
Incentivadores
A distribuição de frequências é a mesma ao longo dos grupos
0,000
Rejeitar a hipótese nula
Proponentes
A distribuição de frequências é a mesma ao longo dos grupos
0,000
Rejeitar a hipótese nula
Fonte: Elaborada pelos autores.
As diferenças observadas entre grupos, ao longo do período analisado, não são decorrentes de aleatoriedade, conforme o resultado do teste. Em outras palavras, há diferença significativa entre os quatro grupos de incentivadores e entre os quatro grupos de proponentes. As populações desses grupos são estatisticamente diferentes. Além disso, buscamos identificar quais as pessoas que, com maior frequência, se apresentaram entre os maiores incentivadores. Optamos por identificar os 10 principais incentivadores através da LIC em cada ano. A tabela 5 apresenta a frequência que os principais incentivadores figuraram entre os 10 maiores ao longo do período analisado.
22
TABELA 5 // PESSOAS JURÍDICAS MAIS FREQUENTES ENTRE OS 10 MAIORES INCENTIVADORES PELA LIC Incentivador
Frequência
Incentivador
Frequência
Banco do Brasil S.A.
13
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT)
4
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
13
Telecomunicações de São Paulo S.A.
4
Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras)
11
Banco Bradesco Financiamentos S.A.
3
Vale S/A
10
Banco Bradesco S/A
3
Centrais Elétricas Brasileiras S/A
9
Banco Itaucard S.A.
3
Bradesco Vida e Previdência S/A
8
Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração
3
Cielo S.A.
5
Gerdau Açominas S.A.
3
Petrobras Distribuidora S.A.
5
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do SalicNet.
Percebemos que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco do Brasil S.A. estão entre os 10 principais incentivadores em todos os anos analisados. Além disso, esses dados nos permitem auferir que os principais incentivadores da cultura no Brasil são empresas públicas e sociedades de economia mista que pertencem ao Estado. Das empresas privadas identificadas entre os principais financiadores da cultura no país há um predomínio do setor financeiro, seguido por mineração e telecomunicações. Entre os incentivadores, notamos que um restrito número de empresas decide quais são os projetos financiados. Entre 2003-15, a concentração de incentivadores variou de 5,24% em 2006 a 8,05% em 2015. Em 2006, apenas 5,24% das empresas incentivadoras da cultura determinaram em quais projetos foram investidos 75% (soma dos três últimos grupos desse ano, conforme tabela 2) do total de recursos financeiros destinados pela LIC. A pequena variabilidade demonstra que não houve decréscimo relativo da concentração, dado que, ainda, poucas empresas determinam o que é produzido no país culturalmente. Na tabela 6 identificamos, também, os 10 maiores proponentes que captam recursos por meio da LIC no período de 2003 a 2015. Observamos que o Instituto Itaú Cultural apareceu entre os 10 principais captadores de recursos por meio da LIC em todos os anos analisados. Observamos que no grupo de proponentes também há uma grande concentração da produção cultural no país. Em 2003, 75% (soma dos três últimos grupos da tabela 3) do total investido em cultura por meio da LIC foi captado no mercado por apenas 19,14% das empresas que apresentaram projetos para o MinC. Em 2015, mais de uma década de vigência da visão antropológica como concepção de política pública de cultura, a concentração de recursos financeiros permaneceu praticamente inalterada, visto que 18,55% das empresas proponentes concentraram 75% do que 23
foi investido no referido ano. Esses dados reforçam que o financiamento por meio da Lei de Incentivo, mesmo com a implementação de uma visão antropológica, cria nas diferentes regiões brasileiras uma clara exploração econômica dos bens culturais nas mãos de poucos, corroborando as ideias de Harvey (2006) de que o avanço do mercado sobre o campo da cultura se dá pela exploração dos bens culturais na forma de renda monopolista. TABELA 6 // PESSOAS JURÍDICAS MAIS FREQUENTES ENTRE OS 10 MAIORES PROPONENTES PELA LIC Proponente
Frequência
Proponente
Frequência
Instituto Itaú Cultural
13
Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
6
Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira
10
Aventura Entretenimento Ltda.
4
T4F Entretenimento S.A. (2 CNPJs)
9
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
4
Associação Orquestra Pró Musica do Rio de Janeiro
8
Associação Cultural da Funarte
3
Fundação Roberto Marinho
8
Associação de Amigos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro
3
Fundação Bienal de São Paulo
7
Associação Sociedade de Cultura Artística Fundação Iberê Camargo
3
Fundação Padre Anchieta Centro Pauista de Rádio e TV Educativas
7
H. Melillo Comunicação e Marketing Ltda.
3
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM)
7
Instituto Tomie Ohtake
3
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do SalicNet.
Os resultados da concentração gerados pelo financiamento da cultura por meio da LIC tornam-se ainda mais relevantes quando comparados com os valores investidos por meio do FNC. A tabela 7 mostra que, no período de 200315, apenas 9,2% dos recursos investidos foram oriundos desse fundo. TABELA 7 // DIFERENÇA ENTRE OS RECURSOS INVESTIDOS PELA LIC E PELO FNC
Ano
Total investido
LIC
% da LIC
FNC
% do FNC
430.893.947,10
93,44%
30.263.643,04
6,56%
2003
461.157.590,14
2004
592.570.649,34
512.099.071,71
86,42%
80.471.577,63
13,58%
2005
859.571.783,84
726.776.280,39
84,55%
132.795.503,45
15,45%
2006
932.496.915,31
854.803.919,47
91,67%
77.692.995,84
8,33% 19,50% 12,31%
2007
1.230.705.156,83
990.675.659,20
80,50%
240.029.497,63
2008
1.098.927.549,77
963.700.956,53
87,69%
135.226.593,24
2009
1.137.285.420,69
980.018.012,32
86,17%
157.267.408,37
13,83%
2010
1.457.140.463,99
1.166.377.190,82
80,05%
290.763.273,17
19,95%
2011
1.351.713.286,78
1.324.372.827,24
97,98%
27.340.459,54
2,02%
2012
1.302.487.770,31
1.277.144.304,65
98,05%
25.343.465,66
1,95% CONTINUA
24 2013
1.331.552.331,68
1.261.701.217,10
94,75%
69.851.114,58
5,25%
2014
1.352.724.210,88
1.334.890.490,83
98,68%
17.833.720,05
1,32%
2008
1.098.927.549,77
963.700.956,53
87,69%
135.226.593,24
12,31%
2009
1.137.285.420,69
980.018.012,32
86,17%
157.267.408,37
13,83%
2010
1.457.140.463,99
1.166.377.190,82
80,05%
290.763.273,17
19,95%
Ano 2011
Total investido 1.351.713.286,78
LIC 1.324.372.827,24
%97,98% da LIC
FNC 27.340.459,54
% 2,02% do FNC
2012 2003
1.302.487.770,31 461.157.590,14
1.277.144.304,65 430.893.947,10
98,05% 93,44%
25.343.465,66 30.263.643,04
1,95% 6,56%
2013 2004
1.331.552.331,68 592.570.649,34
1.261.701.217,10 512.099.071,71
94,75% 86,42%
69.851.114,58 80.471.577,63
5,25% 13,58%
2014 2005
1.352.724.210,88 859.571.783,84
1.334.890.490,83 726.776.280,39
98,68% 84,55%
17.833.720,05 132.795.503,45
1,32% 15,45%
2015 2006
1.218.999.344,55 932.496.915,31
1.186.406.761,36 854.803.919,47
97,33% 91,67%
32.592.583,19 77.692.995,84
2,67% 8,33%
Total 2007
14.327.332.474,11 1.230.705.156,83
13.009.860.638,72 990.675.659,20
90,80% 80,50%
1.317.471.835,39 240.029.497,63
9,20% 19,50%
2008
1.098.927.549,77
963.700.956,53
87,69%
135.226.593,24
12,31%
2009
1.137.285.420,69
980.018.012,32
86,17%
157.267.408,37
13,83%
2010
1.457.140.463,99
1.166.377.190,82
80,05%
290.763.273,17
19,95%
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do SalicNet.
Dessa forma, ampliar o conceito de cultura na pasta governamental 27.340.459,54 1.324.372.827,24 2,02% 97,98% 1.351.713.286,78 2011 pode ser apenas uma retórica de que a população terá acesso aos bens e obras 25.343.465,66 1.277.144.304,65 1,95% 98,05% 1.302.487.770,31 2012 culturais que representam a diversidade brasileira. Com as remanescentes leis 69.851.114,58 1.261.701.217,10 5,25%mas 94,75% pelo Estado 1.331.552.331,68 de2013 incentivo, o dinheiro público não é recolhido como tributo, 1.334.890.490,83 1,32% 98,68%cultural. 17.833.720,05 1.352.724.210,88 2014 transformado em instrumento de incentivo Conforme evidenciado também por Souza (2012),1.186.406.761,36 Simões e Vieira (2010) (2007), essa 2,67% postura 32.592.583,19 97,33% e Cesário 1.218.999.344,55 2015 distante no trato da cultura não garante o acesso e tampouco a produção pela 1.317.471.835,39 13.009.860.638,72 9,20% 90,80% 14.327.332.474,11 Total maioria da população que, em última instância, é quem a financia. O dinheiro público é, assim, transformado em benefícios privados, mantido sob o poder monopolista de algumas poucas empresas. As políticas públicas voltadas para a cultura se apresentam deformadas ao não abrangerem as massas e ao não incentivarem a diversidade da produção simbólica, já que é o mercado, por meio de empresas privadas e públicas, que determina quais projetos serão financiados. Evidenciamos, então, um avanço das empresas no campo da cultura mediante a exploração dos bens culturais na forma de renda monopolista, comprometendo a adoção, de fato, de uma visão antropológica de cultura. Assim, mesmo com a implementação de programas como Pontos de Cultura, Mais Cultura, Intercâmbio e Divisão Cultura, entre outros, a manutenção da forma de financiamento público do setor, por meio da permanência da LIC, faz com que poucos tenham acesso aos recursos públicos, uma vez que o mercado tende a manter a concentração da produção cultural do país sobre o controle de poucos, não distribuindo os recursos de uma forma equânime.
Considerações finais Este trabalho teve o propósito de analisar a geração de renda monopolista nas políticas de financiamento público da cultura no Brasil por meio da análise dos recursos investidos em projetos culturais através da Lei de Incentivo à Cultura. Optamos por um estudo longitudinal de 2003 a 2015, visto que em 2003 houve uma alteração na concepção de política pública de cultura com a adoção de uma visão antropológica a partir do governo Lula. Os dados evidenciaram que há uma grande concentração de recursos financeiros em um grupo restrito de empresas públicas e privadas, tanto entre os incentivadores dos projetos culturais quanto entre os proponentes destes projetos. Há também uma grande concentração regional dos projetos financiados no Sudeste, desprovendo outras regiões do acesso aos bens culturais e da sua produção. A política pública de financiamento da cultura transfere para as empresas a decisão de quais projetos podem captar recursos, mesmo exigindo 25
a prévia aprovação do Ministério da Cultura. O mercado, por sua vez, tende à geração de renda monopolista, por meio do uso do recurso público para o incentivo de projetos culturais que promovem a imagem organizacional, sobre o monopólio de poucas produtoras e fundações. Portanto, os dados empíricos coletados corroboram as persistentes afirmações de Rubim (2010, 2013) de que a manutenção das políticas de financiamento público de cultura compromete as políticas de diversidade cultural e regional propostas pela adoção de uma visão antropológica da cultura na concepção das políticas do MinC. É necessário reformar as formas de financiamento, pois a LIC, principal política ao longo dos anos analisados, mantém os recursos públicos sob o domínio de poucos. Sem essa reforma nas políticas públicas de financiamento a tendência é a manutenção do uso da cultura para geração de renda monopolista, além de o acesso aos bens culturais permanecer restrito a pequenas parcelas da população, impossibilitando uma efetiva atuação governamental no fomento da diversidade cultural e regional no Brasil.
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ÉTICA E DILEMA NA ESFERA POLÍTICOCULTURAL BRASILEIRA: DEBATES ACERCA DA POLÊMICA LEI ROUANET
Por Inti
Anny Queiroz
Doutoranda e mestre em Filologia e Língua Portuguesa pela FFLCH – USP Universidade de São Paulo Resumo: A ética e a política foram amplamente tratadas em diversas obras do pensador Aristóteles, pois eram assuntos relevantes para o pensamento grego. O tema também foi tratado por pensadores contemporâneos da filosofia da linguagem e da argumentação. Para compreender tanto o que significa o dilema quanto a importância da ética na política é relevante à nossa reflexão tratarmos destes temas na primeira parte deste estudo e como estes se relacionam nesta reflexão de caráter multidisciplinar com vistas na aplicação em debates das políticas culturais. Na segunda parte do estudo trataremos da Lei Rouanet e do corpus escolhido para análise de um debate acerca desta polêmica lei travado no início de 2015 em artigos publicados na grande mídia: uma entrevista com o Ministro Juca Ferreira e um artigo de opinião de Adriana Rouanet. Palavras-chave: Dilema, Ética, Política, Política Cultural, Lei Rouanet.
Ética e discurso político: dialética, escolha, deliberação e dilema Para Aristóteles, a ciência política em seu sentido amplo era designada principalmente àqueles que tinham não apenas o saber prático, mas principalmente uma combinação deste com o saber teórico, a filosofia. Esse saber teórico ou intelectual não era designado a qualquer cidadão. Para chegar a este patamar superior era necessário: um bom ethos obtido por meio do habitus desenvolvido pela prática ao longo da vida, uma boa linhagem que daria uma predisposição física relacionada a uma inteligência no sentido fisiológico e a vontade de aprender os ensinamentos intelectuais teóricos. A combinação destes fatores possibilitariam a arete, isto é, a virtude ética. Cabia então a estes filósofos políticos a compreensão da natureza dos fatores que poderiam contribuir para a busca do bem maior, a felicidade. Este seria o critério prático principal da ação correta e da virtude moral da ética aristotélica. A virtude estava diretamente relacionada com o ethos de cada cidadão, e foi largamente tratada nas três éticas aristotélicas, mas principalmente na “Retórica”. Em sua obra “Política”, a ética foi pensada ao demonstrar a realidade de povos e comunidades sociais. O ethos apesar de ser amplamente tratado na Retórica, está diretamente relacionado aos estudos da ética e deve ser compreendido no termo plural ethe e está na relação dos costumes do homem 31
entendido por Aristóteles como animal político e em diálogo com a comunidade. A ethe deve ser pensada na intenção de auxiliar o cidadão grego legislador na “elaboração de uma ética coletiva adaptada ao povo” (VERGNIERES, 1998, p.9) visando a correção dos costumes de cada cidadão que vive em comunidade, isto é, a Ethe se relaciona não apenas à ética mas também à política. Aristóteles acreditava que um cidadão que agia de forma correta em seus assuntos particulares também o fazia para o bem da comunidade e consequentemente em sua relação com a polis de modo mais amplo. Para ele, o cidadão deve tudo à cidade e é por meio da prática da democracia, pela prática da ciência política e é através da deliberação (e do logos) que esta relação acontece. O cidadão1 em sua relação com a polis ateniense “tem o poder de mudar as leis se tiver apoio de concidadãos conscientes. Pode escolher entre persuadir e ser persuadido e a saber obedecer” (VERGNIERES, 1998, p. 51) O discernimento e a escolha estão diretamente relacionados ao dilema que implica uma dificuldade de escolha e envolve a questão ética em seu ponto mais profundo. “às vezes, é difícil decidir o que devemos escolher e a que custo, e o que devemos suportar em troca de certo resultado, e ainda é mais difícil firmar-nos na escolha, pois em muitos dilemas deste gênero o mal esperado é penoso.” (ARISTÓTELES, 2001, p.501) Para Aristóteles, o pior mal residiria na ação injusta, já que esta pressupõe a deficiência moral do agente político e estava condicionada a uma escolha. Estas escolhas prudentes de cada dilema estavam diretamente relacionadas à questão da cidadania e da criação das leis. A política atual, por exemplo, pensada enquanto instituição, também depende de escolhas, posicionamentos e ações que em boa parte dos casos incidem em dilemas. “o melhor governo é aquele em que cada um melhor encontra aquilo de que necessita para ser feliz” (ARISTOTELES, 1977, p.45). Os seres humanos devem ser capazes de deliberar bem acerca do que é bom e conveniente para si mesmos de um modo particular e para os outros em um sentido mais amplo. Tal habilidade possibilita o reconhecimento do universal por meio de uma situação particular. É possível dizer que para melhor
1 O cidadão grego participativo da democracia deve ser entendido como homem adulto e de classe social não escrava, com boa linhagem familiar. Mulheres, escravos, crianças, idosos, pessoas com deficiência não eram considerados intelectualmente hábeis para operar na ágora democrática grega. 32
desenvolver um dilema político, utilizamos o discernimento realizado a por meio da deliberação sobre aspectos variáveis da coletividade. Resultante desse processo, a escolha será feita de forma especulativa sobre as opções possíveis, algumas delas preteridas e não acionadas. Para nos auxiliar nesta reflexão, trazemos também a nova retórica proposta pelos belgas Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (1999) em que encontramos as figuras de dissociação que poderão nos ajudar a perceber no corpus analisado neste estudo como se inscreve a resolução de um dilema na esfera política e os posicionamentos em relação a uma complexa tese dialética. No discurso político, o dilema está condicionado a questões que o agente político precisa resolver e prescindem uma escolha axiológica e que envolvem questões particulares apenas em relação à sua moral particular. Contudo, no caso de um agente político, estas envolvem principalmente questões de interesse público, de todos os cidadãos. Quando a escolha é feita, o dilema está em plena potência de desenvolvimento e a argumentação dialética se torna ainda mais necessária para defender os pontos de vista que determinaram aquela escolha. O agente político ao deliberar sobre um tema polêmico, não apenas apresenta sua escolha baseada em seu ponto de vista, posicionando-se axiologicamente, mas necessita defender sua tese com base numa argumentação que será responsivamente acolhida ou não pela coletividade. O posicionamento ético do agente político deve sempre buscar na resolução do dilema, a justa medida e o bem do coletivo. Isso também se aplica aos dias de hoje como poderemos ver neste estudo.
A LEI ROUANET NA ESFERA POLÍTICO-CULTURAL BRASILEIRA Desde o início dos anos 1990, a distribuição de verbas federais para a cultura é feita prioritariamente pela lei 8.313/1991, mais conhecida como Lei Rouanet. Foi escrita por Sergio Paulo Rouanet, Secretário Federal de Cultura da gestão do Presidente Fernando Collor, com base na lei anterior, a Lei Sarney, que fora engavetada a pedido do então presidente. Esta nova lei recebeu o número de 8.313 e foi aprovada em caráter de urgência em dezembro de 1991. A lei é conhecida popularmente e nomeada como Lei Rouanet em homenagem ao seu autor e institui o Programa Nacional de Apoio á Cultura (PRONAC). Apesar de ter em seu texto características e intenções similares às da Lei Sarney, demonstrou já em seu primeiro texto o espectro ainda mais liberal da lei de incentivo. Este viés foi reforçado de maneira ainda mais clara na gestão seguinte com o Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) e a gestão de seu Ministro da Cultura Francisco Weffort de 1995 a 2002. A Lei Rouanet, foi aperfeiçoada ao longo do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo sido promulgadas algumas regulamentações que permitiram uma maior agilidade em sua aplicação. Durante a gestão do Ministro Francisco Weffort (1995-2002) o governo federal diminuiu o nível dos
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investimentos públicos na área da cultura, repassando para a iniciativa privada a responsabilidade de decisão sobre os rumos da produção cultural. Os recursos oriundos da renúncia fiscal prevista pela Lei são públicos, são parte do imposto de renda devido pelas empresas ao governo. (...)A decisão é privada, mas o dinheiro que financia os projetos é, na verdade, público. (CALABRE, 2005, p.8) Os anos de gestão do Ministro Weffort, que assim como o então presidente FHC também era um cientista social, deve ser considerado como um período de fortalecimento da Rouanet, ainda que esta estivesse voltada para os benefícios das empresas patrocinadoras mais do que propriamente para a produção cultural em si. O caráter neoliberal da gestão reforçou a utilização de verbas de grandes empresas ao delimitar na resolução de junho de 1995, que apenas empresas de lucro real poderiam utilizar seus benefícios. Nesta fase inicial, poucos produtores e artistas tinham conhecimento da lei de incentivo cultural. Os trâmites burocráticos para utilizá-la, bem como os processos de produção de projetos culturais eram de total desconhecimento da maioria dos produtores de cultura. As grandes produtoras da época, bem como agências de publicidade e departamentos de marketing de grandes empresas, aproveitaram deste desconhecimento da lei por parte dos demais artistas e iniciaram os usos de ferramentas deste setor para obter as verbas disponíveis previstas nas leis de cultura com o desenvolvimento de projetos de ordem corporativa e comercial. Ainda que a lei tomasse força a partir do uso via empresas e o lançamento dos primeiros editais culturais a partir do começo dos anos 2000 é notório que as intenções eram voltadas aos interesses da indústria cultural. O desconhecimento do uso das leis, a dificuldade de artistas de compreenderem os mecanismos, os textos, formulários e principalmente a dificuldade de operação das questões fiscais, tornaram a lei exclusiva de poucos em sua primeira década de existência. Durante os anos da gestão do ministro Weffort, mas principalmente no segundo período, a média anual de projetos inscritos na Lei Rouanet ficou estabilizada em três mil projetos ao ano. É possível aferir que nos anos finais do século XX, a lei era para poucos e não possibilitava de fato o caráter democrático que o discurso do governo tentava divulgar. O número de projetos aprovados foi consideravelmente superado na gestão seguinte onde já a partir do primeiro ano a média chegaria a seis mil projetos ano, e a uma estabilidade de quase oito mil projetos ao ano a partir do terceiro ano da gestão Lula / Gil.2 Em 2003, com a entrada do Ministro Gilberto Gil, uma nova legislação para o incentivo à cultura foi proposta. O modelo das leis de incentivo à cultura, em especial a Rouanet, passa a ser questionado nesta nova gestão, que buscava implantar um novo modelo de política cultural. A nova gestão desde o início mostrou que buscava um caráter realmente democratizante e pretendia lançar na esfera das políticas culturais novas diretrizes para a gestão do Ministério ao criar outros mecanismos de distribuição de verbas de cultura e novos decretos 2 Informações do Texto: “Dados da Rouanet 20 anos” Disponível em < www.cultura.gov.br > acesso em 12/02/2016. 34
para a lei federal. Além dos novos programas como o Cultura Viva, foram criadas novas secretarias e instituições vinculadas ao MinC, ampliando relativamente o montante da verba do orçamento do governo federal para a cultura. O governo Lula foi um marco divisor na história brasileira, com a presença do ministro Gilberto Gil trazendo para os estados e cidades demanda inédita de trabalho: os encontros nacionais, os editais, os vários programas de cultura viabilizando frentes de trabalho nas linguagens artísticas, os debates regionais e seminários, a Conferência Nacional de Cultura, a implantação do Plano Nacional de Cultura e, por fim, as múltiplas ações do MinC, entre parcerias e medidas transversais com traços de participação e cooperação singular de vários atores sociais, sociedade civil e demais membros da União, estados e municípios, numa gestão democrática da cultura, que impõe novo comportamento ao país. (COSTA, 2009, p. 76) O caráter democratizante e artístico de gestão do Ministro Gil possibilitou inclusive o maior interesse da população no Ministério, ao ser liderado por um músico popular conhecido nacionalmente, e por trazer, desde o primeiro ano de sua gestão, maior abertura à participação da população em fóruns, debates e encontros promovidos pelo MinC nas mais variadas cidades e estados do país. A partir de uma série de encontros realizados por funcionários regionais e setoriais do ministério essas populações puderam ter acesso às informações relativas às leis e aos formulários de inscrição de projetos bem como utilizar os canais de comunicação que o ministério disponibilizara para estas minorias. A aproximação do Ministério com a sociedade de um modo geral foi percebida e bem recebida pelos artistas que prontamente apoiaram a gestão e passaram a utilizar a lei cada vez mais. Antes de implementar as mudanças, o Ministério realizou uma série de consultas e fóruns com participação de diversos segmentos da área artística e da sociedade em geral, onde ficaram evidenciadas tanto as distorções acarretadas pela forma da aplicação da lei, quanto sua extrema importância para o setor artístico-cultural. Estavam abertos os primeiros canais de diálogo entre o Minc e a sociedade civil. Internamente foi planejada a criação de secretarias, buscando uma racionalização do trabalho que levasse a uma definição do papel do próprio Ministério dentro do sistema de governo. Foram criadas as secretarias de Políticas Culturais, de Articulação Institucional, da Identidade e da Diversidade Cultural, de Programas e Projetos Culturais e a de Fomento a Cultura. Estava formada uma nova estrutura administrativa para dar suporte à elaboração de novos projetos, ações e de políticas. (CALABRE, 2007, p.11) Essa diversidade foi percebida na aprovação de outros tipos de projetos culturais no mecenato, a partir da ampliação do conceito de arte e a inclusão cultural das minorias como prioridade da gestão, que até então privilegiava apenas as belas artes e a indústria cultural. Neste período, chama atenção o aumento considerável no número de projetos inscritos e aprovados nos primeiros anos da gestão Gil, e isto pode ser comprovado pelo impressionante número de aproximadamente 12 mil projetos culturais inscritos na Lei Rouanet no ano de 2005 sendo mais de 7 mil desses projetos aprovados pela legislação. Se por um 35
lado tivemos um grande número de projetos inscritos e aprovados no PRONAC, por outro, é importante considerarmos que poucos destes projetos obtiveram recursos de fato. As pesquisas realizadas pelo Ministério apontam que, ao longo da história, em média, apenas 24% destes projetos conseguem de fato o patrocínio pretendido.3 No ano de 2006, uma notícia veiculada pelo Jornal Folha de SP no mês de abril, levantou a primeira grande polêmica acerca dos benefícios da Lei Rouanet. Um projeto cultural no valor de 14 milhões de reais do grupo canadense Cirque du Soleil foi aprovado na lei Rouanet para receber os benefícios previstos pela mesma. Logo o assunto tomou conta da grande mídia, outras polêmicas vieram e a lei Rouanet tornou-se um debate conhecido do grande público, que passou a questionar se de fato a lei beneficiava os agentes culturais que realmente precisavam de apoio. Desde então, não são raras matérias na grande mídia questionando os usos das verbas de cultura na lei, bem como os debates sobre o assunto nas redes sociais. A aprovação de um projeto na Lei Rouanet não caracteriza sua pronta realização. A lei prevê que os projetos aprovados busquem um patrocínio privado a partir da obtenção do certificado de isenção fiscal. A verba pública disponibilizada pelo governo para incentivar a cultura passa pelo processo de mecenato a partir de uma empresa privada que proporciona o investimento inicial em busca de uma isenção fiscal no imposto de renda. A democratização da lei de incentivo a partir das facilidades proporcionadas pela ideologia do governo vigente e o consequente grande número de projetos aprovados na metade dos anos 2000 criou um novo mercado, porém um mercado “inflado” de projetos. Ainda que o Ministério buscasse aprimorar essas populações de habilidades para atingir as metas propostas, a exclusão cultural no setor pode ser aferida a partir dos resultados dos projetos que foram, ou não, realizados. Esses resultados trouxeram um novo desafio ao MINC e ao governo como um todo. As diferenças sociais e educacionais causadas pela péssima distribuição econômica estavam refletidas nas pesquisas do ministério, e consequentemente apareceram neste momento como uma questão difícil de solucionar, pois remetiam a problemas de outras esferas. No ano de 2010, ano do fim de seu primeiro mandato, o Ministro da Cultura Juca Ferreira, em colaboração de parlamentares e pensando no diálogo com os novos marcos regulatórios de cultura criam Projeto de Lei Procultura (PL 6722/2010). A nova proposta busca alterar substituir a Lei Rouanet, a partir do substitutivo do deputado Pedro Eugênio e com isso tornar mais justa a distribuição das verbas de incentivo e a regulação do Fundo Nacional de Cultura.
ANÁLISE DO CORPUS E DISCUSSÃO Para evidenciar o debate acerca do tema que aqui nos interessa e relacionálo à proposta de análise teórica, a ética e o dilema político, escolhemos dois 3 Dados do Ministério da Cultura apontam que em 2011 em média 24,61% dos projetos aprovados nos trâmites do Mecenato de fato conseguiam patrocínio. 36
enunciados recentes veiculados na mídia digital e que evidenciam uma polêmica recente ocorrida acerca da possível mudança na legislação da Lei Rouanet. O primeiro enunciado é uma entrevista na grande mídia com o Ministro da Cultura Juca Ferreira, cedida ao jornal O Globo e publicada logo após sua segunda posse como ministro em janeiro de 2015. O enunciado traz em seu título um dos propósitos de sua nova gestão: a substituição da Lei Rouanet. “Juca Ferreira abre fogo contra a Lei Rouanet”4 (O GLOBO) mostra de certo modo a posição do ministro em relação à pauta nas expressões fortemente marcadas: “abre fogo contra” . O segundo enunciado é um artigo de opinião no portal UOL, escrito por Adriana Rouanet, filha de Sergio Paulo Rouanet, criador da lei. O título do artigo demonstra claramente o posicionamento de Adriana em favor da lei e em disjunção ao pensamento de Juca Ferreira e isso já aparece no título: “Longe de ser obsoleta, Lei Rouanet democratiza apoio à cultura com financiamento coletivo”5. Não apenas nos títulos, mas também nos teores dos enunciados é possível verificar os posicionamentos contrários e o diálogo responsivo entre eles. Os enunciados demonstram também dois tipos de posicionamentos discursivos bem comuns em relação aos agentes atuantes na esfera político-cultural brasileira atualmente. Por um lado temos aqueles representados pelo discurso de Juca, que compreendem que a lei deve ser substituída pela nova lei Procultura, pois esta poderia distribuir de forma mais justa as verbas de cultura. Por outro, temos o discurso que representa os produtores culturais de grandes projetos que não querem perder os privilégios que tiveram ao longo desses anos em que a lei Rouanet esteve em vigor. Aqui percebemos uma questão de forte cunho ideológico em que temos o bem de muitos em contraponto ao bem de poucos. Isto nos remete não apenas à disjunção discursiva ideológica de posições de grupos e dos interlocutores em questão, mas também à questão ética do bem coletivo tratada por Aristóteles. Ainda que o ministro tenha mostrado em seu discurso seu posicionamento perante a pauta, o dilema em relação à Lei Rouanet e sua escolha são visíveis e conhecidas. Apesar de seu posicionamento em nenhum momento Juca diz que vai “acabar” efetivamente com a Lei Rouanet e em nenhum momento ele declara guerra à Rouanet de modo claro. Nos dois enunciados, seu posicionamento contrário à lei são demonstrados nas expressões: “‘É preciso modificar isso” e “Sou bastante crítico à lei Rouanet”. Contudo em nenhum dos enunciados ele se aproxima de qualquer expressão relativa à uma “guerra” à tal lei e sim como uma mudança, uma substituição. A dissociação com o discurso de Adriana é percebida principalmente na escolha de qual tipo de mudança se busca.
No Tratado de Argumentação de Perelman vemos que a “dissociação
4 Disponível em: < http://oglobo.globo.com/cultura/juca-ferreira-abre-fogo-contra-lei-rouanet-15258675 > acesso em 31/01/2016. 5 Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/05/15/longe-de-ser-obsoleta-lei-rouanet-democratiza-apoio-a-cultura.htm > acesso em 31/01/2016. 37
das noções determina um remanejamento mais ou menos profundo dos dados conceituais que servem de fundamento para a argumentação” (PERELMAN, 1999, p. 468) visando modificar a estrutura destes e assim “remover uma incompatibilidade, nascida do cotejo de uma tese com outras” (PERELMAN, 1999, p. 469) Por outro lado, as dissociações das noções trazem na argumentação as novas noções que propõe novo “arranjo” em relação às ideias propostas, isto é, buscar novas soluções e trazer uma “nova estruturação do real” (idem, p. 471). O enunciado de Adriana Rouanet no portal UOL é uma clara resposta ao enunciado do ministro Juca Ferreira. Os mesmos tópicos aparecem nos dois enunciados e demonstram claramente as posições quase sempre antagônicas: o discurso de que “A Lei Rouanet é obsoleta” é um dos temas centrais da discussão. Para Juca a lei é obsoleta “é um engodo, é o ovo da serpente da cultura”. Para Adriana a lei está “longe de ser obsoleta” e só seria “obsoleta por ter sido aprovada há mais de vinte anos e tendo sido pouco remodelada em vistas às tendências do mercado”. Isto é, aqui os interlocutores marcam claramente suas posições antagônicas. Estão disjuntos em relação à tese. A ideia de que a “A Lei Rouanet privilegia a concentração de verbas para grandes produções culturais” aparece em ambos os enunciados. Ambos concordam neste ponto. Na entrevista para o Jornal O Globo, Juca traz uma longa fala com diversos argumentos consistentes demonstrando o privilégio: apenas 20% dos projetos conseguem patrocínio, 80% vai para RJ e SP, 60% para as duas capitais. Porém enquanto para Juca isso é um fator negativo da lei, para Adriana, que é produtora de grandes projetos, é um fator positivo e, se a lei acabar, seria injusto pois prejudicaria estes grandes projetos. Ambos concordam que é necessária a reformulação da Lei Rouanet, porém defendem a reformulação do mecanismo de formas diferentes. Enquanto Juca defende a substituição da Rouanet pela Lei Procultura, uma lei mais moderna, mais justa na distribuição de verbas e adequada ao diálogo com os novos marcos regulatórios, Adriana defende a manutenção e reformulação da lei Rouanet. Perelman diz que uma das maneiras de percebermos a dissociação é a partir do par filosófico “aparência – realidade”. A aparência representa “o aparente, ao que se apresenta em primeiro lugar, ao atual, ao imediato, ao que é conhecido diretamente” (PERELMAN,1999, p. 472 - 473) e a realidade representa o que “fornece um critério, uma norma que permite distinguir o que é válido do que não é” (PERELMAN, 1999, p. 473) Na percepção do par “aparência-realidade” temos no caso de Juca um indício importante para toda a argumentação. Logo no início da entrevista temos o trecho: “Sou bastante crítico à Lei Rouanet e formei minha opinião com base nos dados do IBGE e do IPEA. A lei criou a ilusão de que haveria uma parceria público-privada financiando a cultura. Não é verdade.” E fica ainda mais evidenciado quando na sequência das perguntas ele diz “A Rouanet dá a aparência de parceria público-privada”. (grifos meus) 38
Ao citar que formou sua opinião com base em dados de dois organismos
de referência em termos de pesquisas quantitativas e qualitativas, Juca reforça seu argumento de prova e de autoridade sobre a Lei Rouanet como algo irreal. Ele diz que existe uma ilusão de que é uma lei de parceria entre o Estado e as empresas patrocinadoras, porém isso não acontece no plano do real. De fato, o próprio texto da Lei Rouanet evidencia isso quando propõe que 100% da verba patrocinada seja deduzida do imposto de renda das empresas patrocinadoras. Isto é, a empresa que patrocina recebe integralmente a verba patrocinada como bônus ao declarar o imposto de renda, sendo a verba deste patrocínio no caso totalmente de origem pública. Contudo Juca ao invés de explicar esse complexo mecanismo fiscal na entrevista, pois sabe de sua complexidade para o público leigo, utiliza do argumento de prova de autoridade do conhecimento dos números do IBGE e do IPEA para reforçar sua crítica à lei e ancorar sua argumentação em dados numéricos oficiais. Na análise devemos levar em conta também o papel e o local social de cada um dos interlocutores. Juca Ferreira é sociólogo e ministro da cultura, e deve pensar o tema em relação a todos os agentes culturais e à sociedade brasileira como um todo. Sua função política enquanto ministro prescinde do fazer em vistas ao bem coletivo, isto é, uma prática ética. Já Adriana, além de estar defendendo uma lei criada por seu pai, defende também sua posição enquanto produtora cultural de grandes projetos, isto é, uma prática particular. Ambos apresentam suas visões axiológicas do tema de acordo com seus papéis sociais. Porém na resolução do dilema político, como vimos ao tratar da ética aristotélica, deve prevalecer o bem comum a toda a coletividade e não o privilégio de poucos, muito menos uma escolha individual. No texto resposta de Adriana, percebemos que ela traça um percurso argumentativo estratégico para o debate discursivo com o ministro. Nos três primeiros parágrafos faz uma síntese discursiva dos pontos tratados por Juca Ferreira em sua entrevista. No quarto parágrafo, ainda que no geral seu posicionamento seja contrário (evidenciado inicialmente pelo título) ela concorda com alguns pontos tratados por ele, como em relação à concentração das verbas favorecidas pela lei. No quinto parágrafo a disjunção é percebida claramente quando ela apesar de concordar com a injustiça social da lei Rouanet, defende seu ponto de vista de alguém que produz grandes projetos. Adriana não mede palavras ao dizer que os projetos que serão prejudicados são de “grande porte”, “sucesso”, “alta visibilidade”, de “grande público”. A lei, como é utilizada hoje, pode ser injusta e sem dúvida precisa ser reformulada. Mas o governo não deve modificá-la de modo a prejudicar os belos projetos culturais de grande porte que estão tendo sucesso no país, que têm alta visibilidade e para os quais claramente há público. (ROUANET, 2015)
No parágrafo seguinte, Luciana dá seu “cheque-mate” com o uso da 39
expressão popular “em time que está ganhando não se mexe” e propõe que a lei seja reformulada para assim continuar a apoiar os grandes projetos da mesma forma e “simultaneamente estimule com novas medidas os segmentos independentes”. Isto é, ela não se preocupa em esconder de forma alguma que defende os vencedores de sempre. Ao longo do restante do texto, ela tenta trazer algumas soluções para o apoio aos independentes com argumentos abstratos e que não se aplicam à realidade do país. Isso é demonstrado claramente nos trechos em que ela diz que os pequenos projetos poderiam ser beneficiados pela atual melhora na tecnologia e o uso das redes sociais Twitter e Facebook. Aqui podemos pensar mais uma vez o par “aparência – realidade”. O argumento de Adriana é fragilizado pelos dados do IBGE de 2013 que evidenciam que o acesso à internet no Brasil ainda não alcançou os 50% a nível federal e na região norte, por exemplo, a inclusão digital atinge apenas uma média de 15% da população. Aparentemente o uso da internet no Brasil foi ampliado e nos grandes centros de fato tem sido largamente utilizada (ainda que mesmo na região sudeste ainda não tenha alcançado 65% dos lares e a grande maioria das pessoas tenham acesso apenas por dispositivos móveis). Outro argumento frágil no discurso de Adriana trata sobre os patrocínios de projetos por pessoas físicas que podem utilizar 6% do valor pago ao imposto de renda para patrocinar projetos. Ela diz que apenas 1% das pessoas físicas utilizam a lei para patrocínios. Ela não leva em conta que esse número é reflexo da injusta distribuição de renda no país em que uma fração mínima da população paga altos valores ao “leão” e só assim os tais 6% de dedução de imposto resultariam em verbas para de fato patrocinar projetos. A refutação de Adriana indica a incompatibilidade de visões sobre o tema e a dissociação de noções com o ministro. Seus argumentos indicam um direcionamento ideológico diverso de Juca Ferreira que correspondem a seu papel social enquanto filha do criador da lei e produtora de grandes projetos culturais. Enquanto ela entende que projetos de grande porte precisam da Lei Rouanet evidenciando o caráter de privilégios que a lei prescinde, os dados informados pelo ministro Juca demonstram a necessidade de uma alteração da legislação para que de fato aconteça a democratização das verbas para incentivo da cultura. Perelman evidencia que “a diversidade dos pontos de vista sobre o objeto, ou as metamorfoses do termo I (a aparência) serão convocados, através de exemplos para justificar a multiplicidade das aparências”. (PERELMAN, 1999, p. 482) Ao refletirmos sobre a aparência versus a realidade dos fatos, vemos que para Juca a “Lei Rouanet é obsoleta”, pois não democratiza as verbas de cultura de forma justa enquanto que para Adriana a lei é necessária pois apoia grandes projetos. Todavia, os argumentos de Juca Ferreira estão baseados em números consistentes e compreendem que uma lei federal deve beneficiar o maior número de agentes e a maior diversidade de projetos culturais. Por outro lado, os argumentos de Adriana apenas levam em conta os projetos de grande porte que como ela mesma diz tem “alta visibilidade” e “grande público”. É essencial 40
a nossa reflexão perceber que a lei em questão visa incentivar a produção de cultura no país. Este fato ao ser levado em conta em relação ao argumento de Adriana remete seu discurso a um paradoxo pois se estes projetos de fato tem alta visibilidade e boa formação de público a necessidade da utilização de uma lei de incentivo à cultura não se faz tão necessária assim, já que poderiam utilizar as verbas oriundas de bilheterias para sua manutenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Fica evidente aqui que as polêmicas em torno da Lei Rouanet continuarão permeando os discursos e as polêmicas da esfera político-cultural enquanto esta lei existir por conta de seu teor comprovadamente injusto em relação ao que esta se propõe, isto é, incentivar a cultura brasileira. Os dados demonstrados no discurso de Juca Ferreira tornam evidente o argumento de que a Rouanet é uma lei que privilegia alguns projetos e produtores, ao criar uma relação de política cultural guiada pelo mercado, em que as empresas escolhem quais projetos culturais serão patrocinados. Neste parâmetro, projetos com maior visibilidade, grandes artistas e realizados em grandes capitais continuarão a ser prioridade para os patrocínios. Se de fato o ministro Juca Ferreira, ou qualquer outro agente político do ministério persistir em sua batalha para a alteração da legislação de cultura para um viés mais democratizante, terá em seu caminho fortes oponentes. No caso, os grandes artistas e produtores, que há muitos anos utilizam a lei e que tem perante ao grande público e à grande mídia muito mais visibilidade do que um agente político. Estes não medirão esforços para defender o mecanismo e conservar a esfera político cultural como esteve nesses últimos anos, nas mãos de poucos. O dilema do discurso político de Juca Ferreira em relação à lei Rouanet é visível e ainda que sua posição em relação ao tema esteja marcada e suas escolhas já tenham sido feitas. Independente do que ocorrer no futuro, seu legado estará sempre nos debates da esfera e continuará nas batalhas em defesa da democratização da cultura, tornando assim esse dilema e essa polêmica durável enquanto esta lei existir.
REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. trad: Mário Kury. 4ªed. Brasília: UNB, 2001. ARISTÓTELES. Política. Trad. M. Campos. Lisboa: Europa-América, 1977. CALABRE, L. (org.) CALABRE, Lia. Política cultural no Brasil: um histórico. IN: publicação do I ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Ed. UFBA: Salvador, 2005. Anais eletrônico do Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Disponível em: < http://www.cult. ufba.br/enecul2005/LiaCalabre.pdf > acesso em 20/03/2016 ______________. “Políticas culturais no Brasil: balanço e perspectivas. IN: 41
publicação do III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Ed. UFBA: Salvador, 2007. Anais eletrônico do Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Disponível em: < http://www.cult.ufba.br/ enecult2007/LiaCalabre.pdf > acesso em 20/03/2016. COSTA, Cleisemery Campos da. História da cultura e gestão: do MEC ao MINC. IN: CALABRE, Lia. Políticas culturais: reflexões e ações. – São Paulo: Itaú Cultural; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2009 p. 71 80. JORNAL O GLOBO “Juca Ferreira abre fogo contra a Lei Rouanet” Jornal O Globo, 08/02/2015. Disponível em <http://oglobo.globo.com/cultura/jucaferreira-abre-fogo-contra-lei-rouanet-15258675 > acesso em 31/01/2016. PERELMAN, Chaim. Tratado da argumentação. Trad. Maria Ermantina Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 1999. ROUANET, Adriana. “Longe de ser obsoleta, Lei Rouanet democratiza apoio à cultura com financiamento coletivo.” Artigo de opinião publicado em 15/05/2015 Disponível em:<http://noticias.uol.com.br/opiniao/ coluna/2015/05/15/longe-de-ser-obsoleta-lei-rouanet-democratiza-apoioa-cultura.htm > acesso em 31/01/2016. VERGNIERES, Solange. Ética e política em Aristóteles: Physis, Ethos, Nomos. São Paulo: Paulus, 1998.
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O PROJETO RESGATE DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DA UFRGS CONTRIBUIÇÕES DA LEI ROUANET
Este artigo é fruto da Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre no PPG em Memória Social e Bens Culturais do Centro Universitário La Salle ( UNILASALLE), Canoas, RS.
Por Noemia
Fatima Rodrigues
Noemia Fatima Rodrigues - Mestra em Memória Social e Bens Culturais pelo UNILASALLE, Canoas. noemia03@yahoo.com.br
Judite Sanson de Bem Economista, Mestra Em Economia Rural pela UFRGS; Doutora em História/PUCRS, Prof. PPG Em Memória Social e Bens Culturais UNILASALLE, Canoas. jsanson@terra.com.br
Zilá Bernd Pós-doutora na Université de Montréal (Canadá); Doutora em Letras (Língua e Literatura Francesa) pela Universidade de São Paulo (1987); Mestra em Letras pela Universidade Fed. do Rio Grande do Sul - UFRGS (1977); Licenciatura em Letras pela mesma universidade (1967). Aposentada como titular da UFRGS foi professora e orientadora convidada do PPG Letras/UFRGS até dezembro de 2015. Desde 2008 é professora e orientadora do PPG-Memória Social e Bens Culturais do Centro Universitário La Salle (UNILASALLE-Canoas). zilabster@gmail.com
Resumo: É assente a necessidade de proteção do patrimônio histórico e cultural edificado. Com os anos as edificações apresentam desgaste seja pelo tempo ou devido ao uso, necessitando, portanto, de conservação e preservação. Os prédios históricos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS remontam ao início do século XX, sendo o conjunto de doze prédios históricos considerados um patrimônio do estado do Rio Grande do Sul. As atividades necessárias à preservação dos mesmos envolvem elevados recursos financeiros, os quais não estavam contemplados, integralmente, no orçamento da UFRGS em 1999. Por tal razão, considerando a premente necessidade de restauração dos seus prédios e a indissociável demanda por mais recursos, a Instituição buscou a Lei Federal de Incentivo à Cultura (8.313/91), conhecida como Lei Rouanet. Palavras-chave: Lei Rouanet; Políticas públicas de financiamento à Cultura; Patrimônio Cultural; Preservação; Memória.
Introdução Ao longo do século XX, cresceu a preocupação das nações com a preservação do patrimônio cultural, notadamente devido à atuação de Organizações Internacionais como a ONU, a UNESCO e o ICOMOS. Nesse 45
cenário, constata-se a importância da preservação do patrimônio cultural para a humanidade. O Brasil ingressou no século XXI envidando esforços para aprimorar a proteção do seu patrimônio cultural. Não é raro constatar nas cidades brasileiras edificações e monumentos se deteriorando devido às intempéries e à falta de conservação. Para proteger o patrimônio cultural brasileiro, a Constituição Federal de 1988 atribuiu obrigações e responsabilidades ao Estado e aos cidadãos. Assim, o Estado e a sociedade devem se empenhar na construção de meios para recuperar e revitalizar o patrimônio cultural pátrio. Por conseguinte, a necessidade de proteção dos bens que compõem o patrimônio cultural edificado do país é assente, uma vez que, com o passar dos anos, as edificações apresentam desgastes pela passagem do tempo e pelo seu uso. Diante destas condições, os edifícios históricos demandam serviços especializados de conservação e de preservação. A UFRGS foi criada em 1934, sendo uma das mais antigas universidades públicas do país. Sua estrutura física está distribuída nos municípios de Porto Alegre, Gramado, Eldorado do Sul, Tramandaí, Imbé e Capão Novo. Na cidade de Porto Alegre, a Instituição estrutura-se em quatro campi: Centro, Olímpico, Saúde e do Vale. No Campus Centro possui um patrimônio cultural edificado, onde convivem duas gerações históricas e artísticas de edificações dos séculos XIX e XX. O primeiro grupo é composto por 11 edifícios construídos entre 1898 e 1928, distribuídos entre os dois quarteirões de área edificada com delimitação conformada pelas Avenidas João Pessoa, Osvaldo Aranha, Paulo da Gama, pela Rua Engenheiro Luiz Englert e pela Praça Argentina. Esse conjunto apresenta características dos estilos Eclético1 e Art Noveau2. Estes edifícios, com o passar dos anos, apresentavam desgastes inerentes à passagem do tempo e ao seu uso. Ocorre que a Universidade, no ano de 1999, não dispunha de recursos financeiros, na integralidade, em seu orçamento para custear as obras de restauro. Por tal razão, considerando a necessidade de restauração dos seus prédios e a indissociável demanda por mais recursos, a UFRGS buscou na Lei Rouanet e em outras fontes, a receita extraorçamentária de que necessitava. 1 Ecletismo na arquitetura: uso livre de elementos de vários estilos, inclusive em um mesmo edifício, cujo auge foi alcançado como uma expressão do Historicismo na segunda metade do século XX, além de desempenhar um importante papel no Pós-Modernismo (ENCYCLOPEDIA of 20th – Century Architecture. New York: Abrams, 1987, p.85) 2 Na arquitetura, as obras Art Noveau demonstram o propósito de acabar com a imitação dos estilos do passado, produzindo uma arquitetura florida, que cultiva o artesanato, os materiais coloridos e os revestimentos exóticos, valendo-se de linhas curvas no formato das aberturas e elementos decorativos. (ENCYCLOPEDIA of 20th – Century Architecture. New York: Abrams, 1987, p 28 -29) 46
A Lei Rouanet instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) com a finalidade precípua de captar e canalizar recursos financeiros para estimular a produção, a difusão dos bens culturais e preservar os bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro. Nesse cenário, foi concebido e se desenvolveu o Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS” em 1999. Através dele a Universidade está restaurando os seus prédios históricos da primeira geração. Essas edificações são obras de inestimável valor arquitetônico e histórico, importantes para a preservação da memória da Universidade e da história sociocultural de Porto Alegre. Desse modo, a pesquisa analisou as contribuições da Lei Rouanet para o Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS”, no período de 1999 a 2013, um estudo de caso. Com o Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS”, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul se propôs a recuperar doze prédios construídos para abrigar os primeiros cursos de graduação no estado do Rio Grande do Sul, entre 1898 e 1928, conhecidos com prédios da primeira geração. O objetivo deste artigo é apresentar o Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS”, por meio da análise do estado de conservação dos prédios históricos da Instituição, na década de 1990, e dos valores captados pela Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) para a sua restauração, no período compreendido entre 1999 e 2013. Metodologicamente o artigo trata-se de uma investigação descritiva, documental e bibliográfica. Os dados financeiros, oriundos do Setor de Patrimônio Histórico da UFRGS e do Ministério da Cultura, são tratados na forma da estatística descritiva.
ESTADO DE CONSERVAÇÃO DOS PRÉDIOS HISTÓRICOS NO FINAL DA DÉCADA DE 1990 A UFRGS possui um acervo edificado de valor histórico-cultural no contexto urbano da cidade de Porto Alegre, cuja construção desenvolveu-se em dois momentos. Primeiramente, entre os anos de 1898 e 1928, foram erigidas doze edificações que constituem o conjunto denominado de prédios históricos da UFRGS da “primeira geração”. Onze destas edificações estão localizadas no Campus Centro e uma, o Prédio da Faculdade de Agronomia, no Campus do Vale, as quais são consideradas patrimônio cultural do Rio Grande do Sul pela Lei nº 11.525, de 15 de setembro de 2000. Destaca-se, ainda, que duas são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN): os prédios da Faculdade de Direito e do Observatório Astronômico. 47
Entre os anos de 1996 e 1998, foi realizado um inventário que demonstrou o quanto as edificações históricas da primeira geração da UFRGS estavam castigadas pelo tempo e pelo uso, necessitando, assim, de preservação e manutenção para continuar cumprindo com as suas funções de abrigar o ensino, a pesquisa e a extensão. Neste período, por exemplo, havia dois prédios interditados por medida de segurança. Para reverter esta situação, foi necessário encontrar uma fonte extra de recursos para arcar com os custos das restaurações, os quais extrapolavam as despesas ordinárias da Universidade. Com a finalidade de demonstrar a situação em que se encontravam os prédios históricos da UFRGS, em 1998, apresentam-se os Quadros 1, 2 e 3, nos quais se elaborou um resumo do inventário de proteção de acervo cultural da UFRGS realizado naquele ano. QUADRO 1 // PRIMEIRO QUARTEIRÃO - CAMPUS CENTRO PRÉDIOS / ANO DE CONSTRUÇÃO
OBRAS APONTADAS COMO NECESSÁRIAS EM 1998
OBSERVAÇÕES
Escola de Engenharia 1901
Recuperar a cobertura, os pisos (estágio precário), as esquadrias, as instalações elétricas e hidrossanitárias e a pintura original.
-
Château 1906/1908
Recuperar a cobertura, as instalações elétricas e hidrossanitárias, as aberturas, os elementos que compõe a fachada externa e a pintura original.
A edificação apresentava graves problemas pela falta de manutenção e foi interditado por medida de segurança. O seu telhado chegou a desabar pela deterioração das estruturas de madeira.
Castelinho 1906/1908
Recuperar a fachada original, os elementos ornamentais e a pintura.
Falta de manutenção e conservação.
Observatório Astronômico 1908
Recuperar a cúpula metálica, a impermeabilização na cobertura e a pintura original.
As alvenarias e as pinturas murais estavam desgastadas pela umidade e pela falta de manutenção.
Instituto Eletrotécnico 1910
Recuperar os elementos decorativos internos, os figurativos das fachadas, a impermeabilização da cobertura e a pintura.
Falta de manutenção e conservação.
Instituto Parobé 1928
Recuperar a cobertura com as suas três cúpulas de cobre e a pintura original.
Falta de manutenção e conservação.
Faculdade de Direito 1910
Recuperar a pintura mural, os elementos decorativos e a pintura original.
Falta de manutenção e conservação.
TOTAL: 07
-
-
Fonte: Rodrigues, 2015. FDB: UFRGS, 1998; UFRGS, 2004.
48
A Figura 1 demonstra o estado de conservação do prédio do Château antes das obras de restauro. FIGURA 1 // FOTOS DO CHÂTEAU ANTES DO RESTAURO
Fonte: Acervo do SPH/UFRGS.
Este edifício abrigou as oficinas de marcenaria, carpintaria, serralheria, sala de máquinas, almoxarifado e ambulatório da Escola de Engenharia. Trata-se de uma edificação que testemunhou os primeiros passos da Escola Técnica do Rio Grande do Sul. No Quadro 2 são apresentados os prédios integrantes do segundo quarteirão. QUADRO 2 // SEGUNDO QUARTEIRÃO – CAMPUS CENTRO
PRÉDIOS / ANO DE CONSTRUÇÃO
OBRAS APONTADAS COMO NECESSÁRIAS EM 1998
OBSERVAÇÕES
Rádio da Universidade 1908
Recuperar a pintura original.
Havia infiltrações na cobertura e no terraço que causavam danos nos espaços interiores, bem como na alvenaria, no reboco e nos elementos de madeira.
Museu Universitário (Curtumes e Tanantes) 1913
Recuperar a cobertura, os elementos ornamentais, as aberturas, o sistema elétrico e hidrossanitário e a pintura original.
A cobertura apresentava falta de telhas e deformação. As paredes apresentavam infiltrações e rachaduras, sendo que, em alguns pontos, não havia mais reboco. O mezanino e a escada de acesso a este estavam parcialmente destruídos pela ação dos cupins. As esquadrias estavam praticamente sem vidros pelo desgaste e a falta de manutenção. Foi interditado por medida de segurança.
Antigo prédio da Faculdade de Medicina 1924
Restaurar o Salão Nobre, recuperar os elementos decorativos da fachada, a pintura e substituir o sistema mecânico de ventilação.
A ação do tempo e a falta de manutenção levaram à deterioração do reboco, das esquadrias, das estruturas de madeira da cobertura, dos pisos e dos elementos
CONTINUA
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mezanino e a escada de acesso a este estavam parcialmente destruídos pela ação dos cupins. As esquadrias estavam praticamente sem vidros pelo desgaste e a falta de manutenção. Foi interditado por OBSERVAÇÕES medida de segurança.
PRÉDIOS / ANO DE CONSTRUÇÃO
OBRAS APONTADAS COMO NECESSÁRIAS EM 1998
Antigoda prédio Rádio da Faculdade Universidade de Medicina 1908 1924
Restaurar oaSalão Nobre, recuperar Recuperar pintura original. os elementos decorativos da fachada, a pintura e substituir o sistema mecânico de ventilação.
A açãoinfiltrações do tempo na e acobertura falta de e no Havia manutenção levaram à danos deterioração terraço que causavam nos do reboco, das esquadrias, dasna espaços interiores, bem como estruturasno dereboco madeira alvenaria, e da noscobertura, dos pisos ede dos elementos elementos madeira. decorativos.
Museu Universitário Antigo prédio (Curtumes do Institutoede Tanantes) Química 1913 1926
Recuperar a cobertura, os elementos Restaurar aornamentais, cobertura, osaspisos, o aberturas, o sistema elétrico e sistema elétrico e hidrossanitário ea hidrossanitário pintura original.e a pintura original.
TOTAL: 04
-
A cobertura apresentava falta de telhas e deformação. paredes e O edifício apresentavaAs infiltrações apresentavam infiltrações e problemas de umidade. rachaduras, sendo que, em alguns pontos, não havia mais reboco. O mezanino e a escada de acesso a este estavam parcialmente destruídos pela ação dos cupins. As esquadrias estavam praticamente sem vidros pelo desgaste e a falta de manutenção. Foi interditado por medida de segurança.
Fonte: Rodrigues, 2015. FDB: UFRGS, 1998; UFRGS 2004.
A figura 2 evidencia a deterioração em que se encontrava o prédio do “Curtume e Tanantes”. Esta edificação possui na Afachada um frontão adornado ação do tempo e a falta de Antigo prédio Restaurar o Salão Nobre, recuperar da Faculdade elementos decorativos da manutenção à deterioração por uma pintura osque simboliza o trabalho, o qual estavalevaram invisível devido ao de Medicina fachada, a pintura e substituir o do reboco, das esquadrias, das desgaste da construção. Esse edifício foi construído paradeabrigar sistema mecânico de ventilação. estruturas madeira o dalaboratório cobertura, 1924 dos pisos e dos elementos de resistência de materiais da Escola de Engenharia, órgão de vanguarda na decorativos. pesquisa de novas tecnologias no início do século XX. Após, o prédio foi ocupado pelo Curso de Tecnologia do Couro, fato este que o tornou conhecido como Antigo prédio Restaurar a cobertura, os pisos, o O edifício apresentava infiltrações e “Curtumes e Tanantes”. do Instituto de sistema elétrico e hidrossanitário e a problemas de umidade. Química 1926
pintura original.
FIGURA 2 // FOTO DO “CURTUMES E TANANTES” ANTES DO RESTAURO (ATUAL MUSEU DA UFRGS) TOTAL: 04 -
Fonte: Acervo do SPH/UFRGS.
50
O Quadro 03 apresenta um resumo sintético do estado de conservação do edifício central da Faculdade de Agronomia, no Campus do vale. QUADRO 3 // CAMPUS DO VALE
PRÉDIOS / ANO DE CONSTRUÇÃO
OBRAS APONTADAS COMO NECESSÁRIAS EM 1998
OBSERVAÇÕES
Faculdade de Agronomia 1913
Recuperar a cobertura, os pisos, as esquadrias, as instalações elétricas e hidrossanitárias e a pintura original.
A edificação apresentava vários problemas. Chegou a ser interditada, parcialmente, por medida de segurança. O forro do último pavimento, módulo central, desabou pela ação do tempo e pela falta de manutenção.
TOTAL: 01
-
-
Fonte: Rodrigues, 2015. FDB: UFRGS de 1998; UFRGS, 2004.
A figura 3 demonstra o estado de conservação precário em que se encontrava o Prédio da Faculdade de Agronomia antes das obras de restauro. FIGURA 3 // FOTO DO PRÉDIO DA FACULDADE DE AGRONOMIA ANTES DO RESTAURO
Fonte: Acervo do SPH/UFRGS.
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Este edifício foi construído com auxílio do governo do estado do Rio Grande do Sul (RS). A estrutura de funcionamento foi inspirada em modelo norte-americano, com foco no ensino prático-teórico, na pesquisa e na extensão rural. Como visto nas figuras 1, 2 e 3 é evidente o estado de deterioração em que se encontravam os prédios históricos da UFRGS antes da implantação do Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS”.
O projeto Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS No primeiro reitorado da professora Wrana Maria Panizzi, de 1996 a 2000, foi implementado o Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS”, o qual surge em consequência do inventário realizado no período de 1996-1998, que constatou o quanto os prédios históricos da primeira geração, construídos entre 1898 e 1928, estavam desgastados pelo tempo e pelo uso. Dois dos prédios históricos chegaram, inclusive, a ser interditados por questões de segurança: o prédio do Château e o do “Curtumes e Tanantes”. No ano de 1998, foi editado o livro “Os Prédios Históricos da UFRGS: Atualidade e Memória”, em português e inglês. Com esta publicação, desejava-se atrair a atenção para a importância da preservação deste significativo patrimônio para a comunidade acadêmica e para a sociedade. No mesmo ano, foi encaminhado o pedido de tombamento do conjunto arquitetônico do Campus centro à 12ª Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – (IPHAN). O pedido da UFRGS foi encaminhado ao Ministério da Cultura/IPHAN, com parecer favorável pelo Superintendente da Regional Sul, o arquiteto Luiz Fernando Rhoden. O pleito em comento incluía os doze prédios, construídos entre os anos de 1898 e 1928, e o Prédio da Reitoria. O pedido de tombamento visava a conferir uma maior proteção ao patrimônio cultural edificado e à aprovação do Projeto perante o Ministério da Cultura (PRONAC) para o financiamento das obras de restauro por meio da Lei Rouanet. Em outubro de 1999, o IPHAN aprovou o tombamento dos prédios da Faculdade de Direito e do Observatório Astronômico. Na sequência, em 1999, o Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS” foi aprovado pelo Ministério da Cultura, por meio da Portaria nº 393, de 28 de outubro de 1999, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 1º de novembro do mesmo ano, inserido no Programa Nacional de Apoio à
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Cultura (PRONAC), na modalidade Incentivo Fiscal da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). A partir deste momento, a UFRGS estava autorizada a captar recursos da iniciativa privada, através de doações e patrocínios de pessoas físicas e jurídicas, respectivamente. Em suma, esse projeto contempla dois objetivos fundamentais: (i) recuperar e preservar os prédios históricos de imenso significado cultural, os quais estavam desgastados pelo tempo e pelo uso, devolvendo-os à comunidade acadêmica e à população em geral, para se (re) integrarem ao cotidiano das atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade, e (ii) resolver parcela das carências e das demandas por espaço físico que a Universidade enfrenta, dada a sua constante ampliação (PANIZZI, 2004).
Com a expedição da Portaria nº 393/99 (DOU 01.11.1999), a UFRGS começou a captação de recursos para a restauração dos seus prédios históricos, iniciando, assim, uma “nova fase” de relacionamento com a sociedade, a qual foi estimulada a conhecer e a participar do Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural”. Na primeira edição do Dia da Doação3, em dezembro de 1999, a UFRGS captou o montante de R$ 269.456,73 (duzentos e sessenta e nove mil quatrocentos e cinquenta e seis reais e setenta e três centavos4), valor que corrigido até dezembro de 2013 representa a quantia de R$ 829.182,65 (oitocentos e vinte e nove mil, cento e oitenta e dois reais e sessenta e cinco centavos5). Nesse dia de captação, foram arrecadados os recursos necessários para a obra de restauro do Prédio do Observatório Astronômico, no valor de R$128.698,86 (cento e vinte e oito mil seiscentos e noventa e oito reais e oitenta e seis centavos), por um patrocinador único, pessoa jurídica6. Esse valor, se corrigido até dezembro de 2013, representa a quantia de R$ 396.037,10 (trezentos e noventa e seis mil reais trinta e sete mil e dez centavos7).
A figura 4 mostra o prédio histórico do Observatório Astronômico após o processo de restauro.
3 Dia da Doação: data simbólica que marca a campanha realizada, anualmente, pela UFRGS para a captação de recursos destinados à restauração de seus prédios históricos. 4 Controles internos do SPH/UFRGS. 5 Valor corrigido pelo (IGP-M - FGV). Valor atualizado até dezembro de 2013 por ser este o limite do lapso temporal abrangido pela presente investigação. 6 Controles internos do SPH/UFRGS. 7 Valor corrigido pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M - FGV). Valor atualizado até dezembro de 2013 por ser este o limite do lapso temporal abrangido pela presente investigação. 53
FIGURA 4 // FOTO DO OBSERVATÓRIO APÓS O RESTAURO
Fonte: Acervo do SPH/UFRGS.
Valores e destinação dos recursos captados de 1999 a 2013 No período compreendido entre 1999 e 2013, a UFRGS arrecadou um montante de R$ 19.406.007,59, em que 54,87% são oriundos da Lei Rouanet, ou seja, R$ 10.647.767,81. Dentro do valor captado através da Lei Rouanet, por sua vez, observa-se a seguinte distribuição entre os incentivadores: 32,38% dos recursos são provenientes de pessoas físicas e 67,62% de pessoas jurídicas. Do montante total de R$ 19.406.007,59 arrecadados, os 45,13% restantes têm como origem as seguintes fontes: Lei Estadual de Incentivo à Cultura – PróCultura: 12,96%; Emendas Parlamentares: 11,85%; Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das cidades históricas: 7,73%; recursos da UFRGS: 6,04%; convênios: 3,33%; e outros recursos: 3,22%.
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O balanço das restaurações até 31 de dezembro de 2013 apresenta os seguintes resultados: (i) foram restaurados sete prédios históricos, do total de doze edificações, sendo elas: Curtumes e Tanantes (atual Museu da UFRGS), Observatório Astronômico, Rádio da Universidade, Château, Faculdade de Direito, Castelinho e a Faculdade de Agronomia; (ii) já foram realizadas obras parciais em outras edificações, como a implantação de acessibilidade no Prédio da Antiga Faculdade de Medicina (parcial) e os reparos nas cúpulas do Instituto Parobé, por exemplo; (iii) o prédio da Escola de Engenharia, que será o oitavo a ser concluído, está na fase final das obras de restauro; e (iv) o prédio do Instituto Parobé, que será o nono a ser concluído, está em obras para a implantação de acessibilidade no núcleo central. A título de exemplo, apresenta-se nas figuras 5, 6 e 7 abaixo, as imagens dos prédios do “Curtumes e Tanantes”, do Château e da Faculdade de Agronomia, que foram restaurados e reintegrados às atividades da instituição, nos anos de 2002, 2004 e 2009, respectivamente. FIGURA 5 // FOTO DO “CURTUMES E TANANTES” APÓS O RESTAURO (ATUAL MUSEU DA UFRGS)
Fonte: Acervo do SPH/UFRGS.
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FIGURA 6 // FOTO DO CHÂTEAU APÓS O RESTAURO
Fonte: Acervo do SPH/UFRGS.
FIGURA 7 // FOTO DO PRÉDIO DA FACULDADE DE AGRONOMIA APÓS O RESTAURO
Fonte: Acervo do SPH/UFRGS.
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Nesse contexto, também ganham relevo e reconhecimento às realizações do Projeto da UFRGS. Ele já recebeu vários prêmios, nacionais e internacionais, como: o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade do IPHAN8, nos anos 2000, 2001, 2002 e 2006; o IV Prêmio Joaquim Felizardo da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, em 2010; e o VII Prêmio Internacional Rainha Sofia de Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural, em 20119.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O Brasil ingressou no século XXI com a necessidade de aprimorar a proteção do seu patrimônio cultural. Os bens culturais, materiais e imateriais, são testemunhos vivos da história da sociedade brasileira. Fazem parte do imaginário coletivo nacional, compondo os sentidos de coletividade e de pertencimento ao país. Preservar o legado cultural do povo brasileiro consiste em criar condições para que este permaneça. Conservá-lo, de modo democrático e com consciência intergeracional, implica criar condições para que seja conhecido pela geração do presente e exista para a sociedade do futuro. A preservação do patrimônio cultural edificado contribui para a preservação das memórias coletivas da sociedade. A memória é relacional e pode ser evocada por uma série de elementos externos ao indivíduo, como o aspecto material das cidades, os objetos e os prédios, os quais podem funcionar como pontos de apoio para a recordação. A historicidade das edificações lhe atribui uma representatividade qualificada, de relevante significado social e cultural, que precisa ser considerada, valorada e protegida. Os prédios históricos da UFRGS são referência para as memórias coletivas de milhares de indivíduos - alunos, ex-alunos, servidores públicos, sociedade porto-alegrense, dentre outros. Ademais, muitas destas edificações foram construídas graças ao esforço da comunidade rio-grandense e dos seus fundadores. Tanto que parte dos recursos foi captada em quermesses, bailes, livros de ouro, campanhas de donativos e doações de outros municípios. Por consequência, este patrimônio cultural edificado é permeado e envolto de significados simbólicos, fazendo reviver memórias e despertar sentimentos de identidade e de pertencimento. O Projeto “Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS”, ao recuperar esses prédios, revigora a importância social deste patrimônio cultural edificado, que merece proteção por firmar e confirmar a engenhosidade, a história e o imaginário das gerações passadas. A Lei Rouanet instituiu um novo formato para o financiamento da cultura no país, legitimando os projetos culturais por meio de orçamentos 8 O Prêmio Rodrigo é um dos maiores prêmios nacionais na área de preservação do patrimônio cultural. 9 Por unanimidade do corpo de jurados, foi concedida a Menção Honrosa pela Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo, do Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperación. A própria Rainha Sofia procedeu à entrega da placa e do diploma à UFRGS, em cerimônia realizada na Espanha em 2012. 57
pré-aprovados e pela instituição da obrigatoriedade da democratização do acesso aos bens, produtos e serviços culturais, bem como de medidas que promovem a acessibilidade aos espaços e produtos culturais, para idosos e pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, além de cotas de ingressos a preços populares. Para os prédios históricos da UFRGS, a Lei Rouanet abriu caminhos para a colaboração dos incentivadores em prol do patrimônio cultural edificado da Instituição. Ao longo dos anos essa ação participativa se consolidou, fortalecendo o sentimento de pertencimento da comunidade acadêmica e da sociedade em geral. Como visto, pela análise dos dados e das imagens apresentadas, a implantação do Projeto em comento ocorreu em um momento decisivo, pois era premente e necessária uma intervenção restaurativa e de adaptação às demandas contemporâneas nas suas doze edificações históricas. Se a iniciativa do projeto tardasse, corria-se o risco de que alguns destes edifícios ficassem descaracterizados, o que traria uma perda irremediável para o patrimônio cultural da UFRGS e da sociedade rio-grandense.
REFERÊNCIAS BRASIL. Lei Federal nº 8.313 de 1991. Restabelece princípios da Lei n° 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. PANIZZI, Wrana Maria. Introdução. In: UFRGS. Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2004. RIO GRANDE DO SUL. Lei Estadual nº 11.525/2000. Declara integrantes do patrimônio cultural do Estado os prédios históricos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/filerepository/ repLegis/arquivos/11.525.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2015. RODRIGUES, Noemia Fatima. Contribuições da Lei Rouanet para o Projeto Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS. Estudo de Caso/ Noemia Fatima Rodrigues-2015. UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Inventário de Proteção do Acervo Cultural da UFRGS. Primeiro Campus Universitário do Brasil. Primeira Universidade Técnica. 1998. Não publicado. _______. Os prédios históricos da UFRGS: atualidade e memória. Porto Alegre: UFRGS, 1998a.
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_______. Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS/ organizado Secretaria do Patrimônio Histórico - Porto Alegre: UFRGS, 2004. _______. Prêmio Rainha Sofia, 2011. Dossiê encaminhado à 7ª edição do Prêmio Reina Sofia de Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural. Categoria Patrimônio Material. (Premiado com Menção Honrosa) Não publicado.
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CROWDFUNDING E LEI ROUANET: UM OLHAR PARA O IMPACTO DE AÇÕES COLETIVAS NO CENÁRIO CULTURAL BRASILEIRO
Por Tomás
German
Graduado em Comunicação Social: habilitação Publicidade e Propaganda, pela FAFICH-UFMG. E-mail: tomasspgerman@gmail.com
Angela Zamin Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); líder do Resto - Laboratório de Práticas Jornalísticas (CNPq/UFSM); doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. E-mail: angelazamin@gmail.com
Resumo: Por meio de análise de dados e recorrendo à algumas bibliografias o presente artigo traça um panorama do incentivo cultural no Brasil. Trata-se de uma Lei de Incentivo (Lei Rouanet, nº 8.313/91) que se demonstra ineficiente visto ao baixo valor per capta arrecadado e a forte centralização de recursos. Em contrapartida, ganham força formas alternativas de financiamento de projetos culturais como o crowdfunding, ou financiamento coletivo, que vem tendo um crescimento significativo não só no Brasil como no mundo. O crowdfunding é uma forma de viabilizar projetos por meio de um esforço coletivo que apoia financeiramente projetos em troca de recompensas. A plataforma de financiamento coletivo Evoé (evoecultural.com), que permite a inscrição de projetos incentivados pela Lei Rouanet, é estudada por meio do projeto Documentário Nonô que atingiu 101% do valor solicitado à plataforma. O projeto foi incentivado pela Lei Rouanet e teve grande parte de seus recursos arrecadados via impostos de pessoas físicas. Conceitos como cultura da convergência (JENKINS, 2008) redes sociais (RECUERO, 2010; BARABÁSI, 2009) e queda dos olimpianos (MORIN, 1997), vêm à tona para dar luz ao processo reflexivo do artigo. Palavras-chave: Crowdfunding, Lei Rouanet, Incentivo cultural, Mercado criativo.
PLOT BRASILEIRO Ainda que a célebre frase “um país é feito de homens e livros”, de Monteiro Lobato, tenha alimentado o imaginário de um nacionalismo brasileiro, a luta pelo fim do analfabetismo no país e a esperança de desenvolvimento, os brasileiros gastam em média 5 horas e 12 minutos semanais para ler livros e o país ocupa a 27ª posição, de 30, no ranking de leitura do NOP World Culture Score Index1. No
1 Disponível em: <http://www.prnewswire.com/news-releases/nop-world-culture-scoretm-index-examines-global-media-habits-uncovers-whos-tuning-in-logging-on-and-hitting-the-books-54693752.html>. Acesso 21 maio 2017. 61
ano de 2015 o país registrou, ainda, uma retração no mercado livreiro de -3,27%, que, considerando a variação de IPCA,2 significa uma redução de -12,63%.3 O caso do mercado editorial reflete, sim, a crise econômica que o país vive desde 2014, mas também expõe uma realidade nacional: o baixo investimento em cultura. A Lei Rouanet, Lei Federal de Incentivo à Cultura, lei nº 8.313 de 23 de dezembro 1991, principal sistema de fomento à cultura no Brasil, demonstra ser ineficiente justamente por concentrar recursos em regiões de maior desenvolvimento econômico do país e em projetos de projeções significativas. De 1995 até 2011, a Lei Rouanet captou 13,5 bilhões de reais, número que parece contradizer o rótulo de ineficiente, ainda mais no tocante que durante esse período a captação de recursos cresceu 3.500%; começando de R$ 35.517.655,00, em 1995, para R$ 1.339.510.402,00, em 2011, segundo dados analisados por SáEarp et al. (2012)4. Entretanto, como mesmo nos demonstram os autores, esse valor de 13,5 bilhões [...] expressa uma captação acumulada de pouco menos de 71 reais para cada brasileiro em todo o período – na media anual de 4,18 reais por habitante. Isso mesmo: quatro reais e dezoito centavos per capita. (SÁ-EARP et al., 2012, p. 3). Sá-Earp et al. (2012) mostram que apenas 23% do valor aprovado foi, de fato, captado, 43% dos projetos conseguiram captar algum recurso (o que não quer dizer que conseguiram 100% do valor aprovado, muito menos que conseguiram ser executados). Na realidade, a Lei Rouanet demonstra um problema de desigualdade no país, visto que onde há maior concentração do PIB brasileiro, também concentra a maior quantidade de projetos aprovados e captados na Lei de Incentivo: [...] a região sudeste conta com 42% da população, 55% do PIB, 67% dos projetos aprovados e captados, 74% dos valores aprovados e 80% dos valores captados. Em contraste, a região norte tem 8% da população, 5% do PIB e 1% de projetos e valores autorizados e captados. (SÁ-EARP, et al., 2012, p. 4). A concentração também se dá para as categorias que abrangem a lei, em que duas das sete categorias concentram 39% dos recursos. Os destaques são as categorias de música, em que se enquadram grandes festivais, e artes cênicas, com projetos estrelados por artistas de projeção nacional e internacional.
Dentre os maiores incentivadores à cultura, registra-se a esmagadora
2 Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) mensura as variações de preços ao consumidor de 11 capitais brasileiras e regiões metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Brasília e Goiânia) de acordo com uma metodologia definida pelo IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaultinpc. shtm>. 3 Disponível em: <http://jornal.usp.br/artigos/o-mercado-editorial-e-o-leitor-brasileiro/>. Acesso em: 21 maio 2017. 4 Os dados dessa pesquisa foram cedidos pelo Ministério da Cultura. 62
presença de empresas estatais, como, por exemplo, a Petrobras, seguida das grandes empresas privadas, com uma participação secundária. Pessoas físicas, que podem destinar 6% de seu Imposto de Renda para doação aos projetos incentivados (desde que optem pela declaração completa), possuem uma participação quase insignificante nesse processo. Em 2015, cerca de 7,9 mil cidadãos brasileiros doaram a projetos culturais incentivados via Lei Rouanet, segundo o Ministério da Cultura.5 Em seu site oficial, o Ministério divulgou uma matéria em que afirma: Segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), mais de 10 milhões de brasileiros fazem a declaração do IRPF [Imposto de Renda Pessoa Física] no modelo completo. Considerando a faixa de renúncia de 6%, a captação de recursos de pessoas físicas para a cultura, via incentivo fiscal, tem um potencial de mais de R$ 4 bilhões por ano, mais de três vezes do que o mecanismo movimenta atualmente. (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2016). É de se estranhar, sobretudo, que em um país que há tão pouco incentivo a cultura tenha nesse setor uma importante fatia da economia e do interesse dos cidadãos. A cultura ocupa o quarto maior gasto das famílias brasileiras, com um gasto médio de R$ 184,57, o que equivale a 8,6% do gasto médio familiar de R$ 2.134 (IBGE, 2012). Empresas associadas ao setor cultural movimentaram 374,8 bilhões de reais em receita líquida, de acordo com dados do IBGE de 2010. Os dados do IBGE podem ser relativizados uma vez que inserem no montante as empresas de entretenimento e de comunicação, entre outras que não se aproximam do imaginário “senso comum” do que é considerado cultura (teatros, cinema, exposições, etc.). Entretanto, partilhamos do conceito de cultura que tange as trocas de significado (SANTOS, 1994), o que não conflita com o recorte dado pelo IBGE. O que os dados nos indicam é um movimento econômico grande no setor cultural independente do incentivo. E que há uma parcela considerável de brasileiros (como nos mostra o texto do Ministério da Cultura, 10 milhões de cidadãos) que têm potencial de movimentar mais de R$ 4 bilhões, com parte de seus impostos, para projetos culturais. A desinformação a respeito da possibilidade de destinar parte do imposto para projetos pode ser um dos fatores que impedem que pessoas físicas tenham maior participação no incentivo cultural. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento Social (IDIS) com mil pessoas, em 70 cidades de sete regiões metropolitanas brasileiras, 84% dos entrevistados desconhecem que podem destinar parte de seu imposto para projetos (MENEZES, 2016).
5 Disponível em: <goo.gl/0EuJ0t>. Acesso em: 22 maio 2017. 63
Ao considerar que o número de investidores pessoas jurídicas na Lei Rouanet tem se mantido estável e o potencial de crescimento de pessoas físicas ainda é muito grande, o Ministério da Cultura poderia atuar diretamente nesse cenário adotando medidas simples que melhorariam o resultado da captação anual. [...] Além disso, a razão para o investimento certamente não seria a visibilidade de quem investe, mas a possibilidade no financiamento de uma ação realizada ao alcance do doador. (MENEZES, 2016, s/p.) Longe de esperarem uma ação do governo, como sugere Menezes (2016), produtores culturais estão recorrendo ao modelo de financiamento coletivo, ou crowdfunding. A modalidade já alcançou mais de 34,4 bilhões de dólares em 2015, em todo o mundo.6 No Brasil foram movimentados cerca de 57,2 milhões de dólares, nesse mesmo ano, o que representa um crescimento de +167%.7 O modelo também vem ganhando força, ampliando o leque de atuação,8 com o desenvolvimento de novas modalidades e formas de financiamento. Como exemplo dessa ampliação, destacamos a plataforma Evoé (evoecultural.com), que surgiu em outubro de 2015. Essa plataforma se dedica mais a projetos culturais, mas não exclui outros tipos de projetos de se integrarem nela. A Evoé surgiu para enfrentar o gargalo apresentado anteriormente, de que a maioria dos projetos incentivados pela Lei Rouanet não conseguem captação. Um de seus diferenciais é mesclar mecenato (ou seja, apoios via Imposto de Renda) com apoios diretos sem mecenato. Trata-se de uma plataforma que aceita projetos incentivados e não incentivados por leis de incentivo. Para o presente artigo analisamos o projeto Documentário Nonô, que arrecadou R$ 25.197,13, equivalente a 101% do valor solicitado na plataforma. Trata-se de um dos primeiros projetos cadastrados na Evoé, chancelados pela Lei Rouanet, o que nos permite perceber as potencialidades do financiamento coletivo para solucionar o baixo financiamento de projetos incentivados pela Lei Rouanet.
A LEI ROUANET E O CROWDFUNDING A Lei Federal de Incentivo à Cultura foi elaborada pelo filósofo Sérgio Paulo Rouanet, dando assim seu nome à Lei, no governo de Fernando Collor, em 1991. Ela substitui a Lei Sarney, de 1986, que foi considerada muito fraudável. A lei instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) que constitui três mecanismos de fomento à cultura: o incentivo fiscal, o Fundo Nacional de Cultura e o Fundo de investimento cultural e artístico (Fiscarts).
Ao contrário do que muitas pessoas possam imaginar, aprovar um projeto
6 Disponível em: <https://tab.uol.com.br/crowdfunding/> Acesso em: 22 maio 2017. 7 Idem. 8 Disponível em: <http://hojeemdia.com.br/almanaque/mercado-do-financiamento-coletivo-amplia-leque-em-cinco-anos-de-atuação-1.327811> Acesso em: 22 maio 2017. 64
na Lei Rouanet não é complicado. São somente três passos que o proponente deve seguir para inscrever um projeto na Lei. São eles: a) Cadastro no novo Salic: uma plataforma online do Ministério da Cultura em que o proponente informa dados pessoais e do projeto (como apresentação, justificativa, democratização e demais dados técnicos). b) Anexo dos documentos: em que o proponente comprova algumas informações cadastradas, como carta de anuência da equipe envolvida, direitos autorais, entre outros. c) Envio: o proponente envia de forma online para o MinC, que irá analisar o que foi enviado. Na falta de algum documento ou informação o próprio Ministério entra em contato com o proponente por meio de diligências. Pessoas físicas e pessoas jurídicas têm direito de apoiar projetos incentivados pela Lei com uma parcela de seus Impostos de Renda. Pessoas físicas podem destinar até 6% do imposto devido para os projetos, desde que façam declaração completa, um direito atribuído tanto para quem tem valor a pagar quanto para quem tem valor a restituir.9 Pessoas jurídicas, por sua vez, podem destinar até 4% do imposto, desde que declarem lucro real. Para efetivar a restituição, o apoiador precisa realizar um depósito identificado na conta do projeto que é aberta pelo MinC. O proponente, ciente dos apoios,10 deve emitir um Recibo de Mecenato, documento hábil em que informa dados do projeto, do proponente e do apoiador, além do valor destinado ao projeto. Esse recibo deve ser emitido em três vias, uma delas deve ser enviada ao Ministério, outra para o apoiador e outra deve permanecer com o proponente por no mínimo cinco anos.11 A conta aberta pelo MinC fica bloqueada até atingir, pelo menos, 20% do valor aprovado pelo projeto na Lei. Caso o projeto não atinja 20%, o valor obtido é transferido para o Fundo
9 Esse apoio deve ser feito no ano calendário, ou seja, até o último dia útil do ano anterior ao que é feita a declaração. 10 É comum a nomenclatura da Receita Federal utilizar o termo “doação” ao invés de “apoio” para indicar o ato de destinação de parte do imposto para projetos incentivados. Preferimos o termo “apoio” por ele indicar mais proximidade com a produção do projeto, uma vez que a pessoa (física ou jurídica) que destina parte de seu imposto para um projeto viabiliza sua execução. 11 Quase todos os documentos que envolvem a Receita Federal devem ser guardados por no mínimo cinco anos para o caso do contribuinte, cidadão ou empresa, ser questionado. 65
Nacional de Cultura e os apoiadores continuam com o direito do abatimento fiscal. O crowdfunding, ou financiamento coletivo, por sua vez, surgiu em 2006 com a plataforma europeia Sellaband, que financiava bandas por meio do “poder da multidão”. Mas foi a plataforma estadunidense Kickstarter (fundada em 2009) que difundiu a modalidade pelo mundo. Não é uma novidade, como destaca Hoew (2009). Trata-se da adaptação das convencionais “vaquinhas”12 para o meio virtual. Dessa forma, pessoas se unem para financiar projetos nos quais acreditam. Segundo Valiati et al. (2012), O crowdfunding teve a sua origem no processo denominado crowdsourcing. O crowdsourcing é um modelo de criação e/ ou produção baseado em redes de conhecimento coletivo para solucionar problemas, criar conteúdo ou inventar novos produtos de forma colaborativa. O termo surgiu a partir de um artigo de Jeff Howe, em 2006, para a revista Wired13. [...] Na mesma época, também houve o desenvolvimento do termo crowdfunding como uma das possibilidades do crowdsourcing. A prática teve origem na evolução de iniciativas como o banco de microempréstimos americano Kiva14, uma organização que usa as doações de pessoas físicas para realizar empréstimos a usuários de países em desenvolvimento sem acesso ao sistema bancário convencional. (VALIATI et al, não paginado, 2012) Como salientam Viliati e Tietzmann (2012) uma das motivações dos produtores para optar para o crowdfunding na hora de financiar suas ideias é a falta de burocracia no processo. Em geral, as plataformas não cobram documentos dos proponentes e estão abertas a todo tipo de pessoas que podem livremente cadastrar um projeto e buscar financiadores. A segurança se dá por meio da ativação das redes, em que os hubs, ou nós, possuem um importante papel de divulgação, credibilidade e engajamento (BARABÁSI, 2009). Segundo Recuero (2010, p. 24 [grifo no original]), “uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)”. Barabási (2009, p. 53) completa: Os hubs são o mais forte argumento contra a visão utópica de um ciberespaço igualitário. Sim, todos temos o direito de colocar o que quisermos na Web. Mas alguém perceberá? Se a Web fosse uma rede randômica, teríamos a mesma chance de ser vistos e ouvidos. Coletivamente, de certa forma criamos 12 Um hábito antigo e popular em que amigos e conhecidos contribuem financeiramente para a compra de alguma coisa ou realização de algum projeto. 13 Disponível em: <https://www.wired.com/2006/06/crowds/>. Acesso em: 24 maio 2017. 14 Disponível em <https://www.kiva.org>. Acesso em: 24 maio 2017. 66
hubs, Websites a que todo mundo se conecta. São muito fáceis de encontrar, independentemente de onde estejamos na Web. Em comparação a esses hubs, o restante da Web é invisível. Para todos os propósitos práticos, páginas conectadas por apenas um ou dois outros documentos simplesmente não existem. É quase impossível encontrá-las. Até as ferramentas de busca lhes são desfavoráveis, ignorando-as quando rastreiam a Web à procura de novos sites mais interessantes. Trata-se da força da cultura da participação (JENKINS, 2008) que agora, com a popularização da internet, instaura uma alternativa à indústria cultural, um favorecimento do comportamento “pavloviano” (MORIN apud VALIATI, 2013). [...] Estamos deixando de ser apenas consumidores passivos para passar a atuar como produtores ativos. E o estamos fazendo por puro amor pela coisa (a palavra “amadora” vem do latim amator, “amante”. De amare, “amar”). O fenômeno se manifesta por toda parte - a extensão em que os blogs amadores estão disputando a atenção do público com a grande mídia, em que pequenas bandas estão lançando músicas sem selo de gravadora e em que colegas consumidores dominam as avaliações on-line de produtos e serviços. É como se a configuração básica da produção tivesse mudado de “conquiste o direito de fazê-lo” para o “o que está impedindo de fazer?”. (ANDERSON apud VALIATI, p. 46, 2013 [grifo do original]). O processo de cadastro nas plataformas de financiamento coletivo é simples. O proponente descreve sua ideia, elabora algumas recompensas para serem oferecidas aos seus apoiadores (que podem ser simbólicas, como agradecimentos, ou produtos, como canecas e camisetas), diz de forma simplificada como o dinheiro arrecadado será usado e cria um vídeo apresentando a equipe e o projeto (o que não é obrigatório, mas faz toda diferença para o sucesso da campanha). Alinhada aos interesses dos produtores no processo de desburocratização do financiamento, a Evoé simplifica o processo de captação também para os projetos incentivados pela Lei Rouanet. A plataforma oferece materiais online que auxiliam o produtor na hora de inscrever na lei e por meio de reuniões e contatos via e-mail, soluciona algumas dúvidas que podem ocorrer. O processo de cadastro é bem similar ao de outras plataformas com o único acréscimo de um campo em que se solicita o número do Pronac15 no caso do projeto ser incentivado. Para o apoiador também é algo simples. Se no modelo tradicional ele deve fazer um depósito identificado na conta do projeto, a Evoé cuida desse passo. O apoiador somente escolhe a recompensa e o quanto irá investir, além
15 Logo após o envio do projeto para análises do Ministério da Cultura é emitido o número do Pronac que irá identificar o projeto nos arquivos do governo. 67
da forma de pagamento (boleto ou cartão de crédito). A plataforma também se encarrega de criar os recibos de mecenato e do envio deles ao apoiador, ao Ministério da Cultura e ao proponente, assim que o proponente assinar esse documento. Junto com o recibo de mecenato, também é enviado ao apoiador um passo-a-passo de como declarar o apoio ao projeto cultural no software da Receita Federal que recebe as declarações do Imposto de Renda. A plataforma também indica e sugere para os proponentes a contratação de gestores culturais para cuidar do processo burocrático de prestação de contas e movimentação financeira dos projetos. Dessa forma, são eliminadas diversas dificuldades que o produtor cultural, principalmente iniciante, possui com as leis de incentivo e captação de recursos. Analisamos a seguir a campanha de financiamento coletivo do Documentário Nonô, que mesclou apoios de mecenato (via imposto de renda) com apoios diretos (sem abatimento fiscal) e obteve sucesso na captação.
Documentário Nonô Em 2009 a cidade de Belo Horizonte foi decretada, pela Lei Municipal nº 9.714, capital mundial dos botecos, por possuir a maior concentração de bar e restaurante per capta do Brasil.16 Os botecos parecem constituir um semióforo (CHAUÍ, 2000) dos belo-horizontinos que costumam divulgar a cidade por meio de seus bares e festivais gastronômicos destinados à comida de boteco. Considerado o “rei do caldo de mocotó”, o Bar do Nonô é um antigo bar do centro17 de Belo Horizonte, com mais de 50 anos de história. Lá passam pessoas de todas as idades e classes sociais à procura da iguaria mais famosa: o caldo de mocotó18. A tradição de frequentar o bar é passada de geração a geração, assim como a misteriosa receita do caldo, que agora está sob a responsabilidade dos filhos de Seu Raimundo19, responsável pela receita original. Com intuito de registrar as histórias que já se passaram no bar e refletir sobre a tradição dos botecos na capital mineira, surgiu a proposta do documentário do
16 Disponível em <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=29900&pIdPlc=&app=salanoticias>. Acesso em: 27 maio de 2017. 17 Às vezes a região é também chamada de “baixo-centro” ou “hiper-centro”, para distinguir das zonas mais luxuosas do centro de Belo Horizonte. Trata-se de uma região em que há uma intensa circulação de pessoas e um polo comercial. O Bar do Nonô se localiza entre a Avenida Amazonas e a Rua dos Tupis. 18 Mocotó são as patas de bovinos cozidas sem o casco. A palavra é uma derivação do quimbundo mukoto e significa “pata de animal”. Em português de Portugal o termo que mais se aproxima é “mão-de-vaca”. 19 Senhor Raimundo Corrêa, o Nonô. Utilizamos no texto Seu Raimundo, em função de ser a forma como ele é identificado e é mais conhecido, depois de Nonô, para não confundir com o nome do bar. 68
Bar do Nonô. Os idealizadores, Bárbara Monteiro, Breno Alvarenga e Luiza Garcia, não possuíam um grande portfólio com suas produções, além de não terem projeção midiática que atraísse o interesse de grandes empresas patrocinadoras. Eles haviam tentado diversos editais de fomento à cultura e ao audiovisual para conseguirem recursos para gravação do documentário, sem sucesso em nenhum dos que concorreram. Foi então que procuraram a Evoé para criar uma campanha de financiamento coletivo. Na Evoé, foram aconselhados e ajudados a se inscrever na Lei Rouanet. A plataforma indicou contatos que os auxiliaram na inscrição e os acompanharam em todo o processo. Também receberam auxílio no percurso de planejamento, estruturação e execução da campanha de financiamento coletivo, sugerindo recompensas, ampliando a divulgação do projeto e propondo ações de engajamento. A campanha durou 90 dias e contou com 150 apoiadores, dentre eles apenas 43 optaram por destinar parte de seu Imposto de Renda para o projeto, o que representou 53% do valor arrecadado20. A maior parte dos apoiadores são amigos e familiares21 dos proponentes do projeto, em segunda escala, apreciadores do Bar do Nonô e conhecidos da família Corrêa (que administra o bar). O projeto teve certa repercussão na mídia local, em que os proponentes foram convidados a apresentar o projeto e divulgar o trabalho. Entretanto, essa repercussão gerou mais visualizações à página do que apoio ao projeto em si. Sendo possível perceber no Google Analytic que subiam os acessos à página da campanha quando o projeto pautava a imprensa.22
CONCLUSÕES Ainda que para o cenário criativo o financiamento coletivo não pareça uma solução tão inovadora,23 justamente por ser um cenário que exige novidades a todo o momento e que lida com diversas circunstâncias, o crowdfunding demonstra ser uma chave para libertação de ideias aprisionadas pela falta de recursos. Todos os anos são divulgados relatórios mundiais que afirmam o crescimento da modalidade no mundo, e também aqui no Brasil.
Ainda foram poucos os projetos, principalmente brasileiros, que atingiram
20 Dados colhidos nos relatórios de apoio da plataforma de financiamento coletivo. 21 Ainda que não seja permitido o apoio de familiares do proponente ao projeto na Lei Rouanet, a Evoé conseguiu cambiar apoios de familiares de proponentes de outros projetos. 22 Dados disponíveis aos proponentes do projeto. 23 A afirmação vem de algumas classes de produtores culturais e criativos considerarem o modelo já obsoleto e que não soluciona o problema da sustentabilidade de negócios/projetos criativos e culturais. Muitos consideram o crowdfunding uma ação pontual. 69
um valor significativo, isso é próximo aos investimentos do grande capital (da indústria, que beiram ou ultrapassam a casa dos milhões) em campanhas de crowdfunding. Entretanto, como salienta Valiati (2013), o financiamento coletivo é mesmo uma alternativa à indústria cultural, que prefere investir milhões em algo que comprove o retorno do lucro, do que de fato investir em propostas criativas e inovadoras. Ao mesclar a Lei Rouanet com o financiamento coletivo, a Evoé incentiva que os apoiadores destinem mais dinheiro para os projetos, ao permitir que o benefício fiscal seja também uma recompensa, todavia, ainda não soluciona o problema de baixa captação da Lei. Esse é um dilema diário, ainda não solucionado nem mesmo pelos órgãos cabíveis, muito menos pelas propostas sugeridas e discutidas, atualmente, de mudanças na Lei Rouanet.24 A Evoé, contudo, permite a proximidade de direitos do cidadão aos próprios cidadãos. Aqui falamos não só do direito de decidir quais projetos devem ser viabilizados com os impostos nacionais, mas aproximar o cidadão comum, e não os “Olimpianos”, como dizia Morin (2001), dos privilégios de leis de incentivo. Cabe a esse artigo um princípio de discussão das possibilidades e potencialidades da mescla do financiamento coletivo com as leis de incentivo, no que tange a democratização dos recursos e do acesso às leis.
REFERÊNCIAS AGORA é oficial: Belo Horizonte é a Capital Mundial dos Botecos. Prefeitura de Belo Horizonte, 2009. Disponível em <http://portalpbh.pbh. gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=29900&p IdPlc=&app=salanoticias> Acesso em: 27 maio 2017. BARABÁSI, Albert-László. Linked (Conectado): a nova ciência dos networks. São Paulo: Leopardo Editora, 2009. CAZES, Leonardo, REIS, Luis Felipe. O que deve mudar na Lei Rouanet, e o que o setor pensa disso. O Globo, Rio de Janeiro, 10 mar. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/o-que-deve-mudar-na-lei-rouaneto-que-setor-pensa-disso-21039966> Acesso 28 de maio de 2017. CHAUÍ, Marilena. História do Povo Brasileiro: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu Abramo, 2000. EVOÉ, 2015. Disponível em: <www.evoecultural.com> e <www.evoecultural. 24 Disponível em <https://oglobo.globo.com/cultura/o-que-deve-mudar-na-lei-rouanet-o-que-setor-pensa-disso-21039966> Acesso em: 28 de maio de 2017. 70
com/nono>. Acesso em: 28 maio 2017. HOWE, Jeff. O poder das multidões: por que a força da coletividade está remodelando o futuro dos negócios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. MENEZES, Hemilton. A Lei Rouanet: muito além dos (f)atos. São Paulo: EGalaxia, 2016. MINISTÉRIO DA CULTURA. Financiamento à cultura por pessoa física bate recorde em 2015, 2016. Disponível em: <http://zip.net/bgtKcf>. Acesso em: 22 maio 2017. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. OLIVEIRA, Cinthya. Mercado do financiamento coletivo amplia leque em cinco anos de atuação. Jornal Hoje em dia, Belo Horizonte, 26 de out. 2015. Disponível em: <http://hojeemdia.com.br/almanaque/ mercado-do-financiamento-coletivo-amplia-leque-em-cinco-anos-deatuação-1.327811> Acesso em: 22 maio 2017. O MERCADO editorial e o leitor brasileiro. Jornal da USP, 2016. Disponível em: <http://jornal.usp.br/artigos/o-mercado-editorial-e-o-leitorbrasileiro/>. Acesso 21 de maio de 2017. PR NEWSWIRE, NOP World Culture Score (TM) Index Examines Global Media Habits… Uncovers Who’s Tuning In, Logging On and Hitting the Books, 2005. Disponível em: <http://www.prnewswire.com/news-releases/ nop-world-culture-scoretm-index-examines-global-media-habitsuncovers-whos-tuning-in-logging-on-and-hitting-the-books-54693752. html>. Acesso em: 21 maio 2017. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2010. ROCHA, Camilo. Como levantar fundos para seu projeto na internet?. Nexo, São Paulo, 9 mar. 2017. Disponível em: <https://www.nexojornal. com.br/servico/2017/05/09/Como-levantar-fundos-para-seu-projeto-nainternet#.WRMCLOa0PgU.email>. Acesso em: 22 maio 2017. SÁ-EARP, Fabio, KORNIS, George e JOFFE, Perla Sobrino. A lei Rouanet às vésperas da maioridade. 2012 Disponível em: <http://culturadigital.br/ politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2012/09/Fabio-S%C3%A1-Earp-et71
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JURISPRUDÃ&#x160;NCIA
Jurisprudência – Lei Rouanet - LEI Nº 8.313, DE 23 DE DEZEMBRO DE 1991 STJ “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO, NA INSURGÊNCIA, DE QUE A DECISÃO AGRAVADA TERIA PRATICADO VIOLAÇÃO AO ENUNCIADO 7/STJ, QUE OBSTA O SIMPLES REEXAME DE FATOS E PROVAS EM SEDE DE RECORRIBILIDADE EXTRAORDINÁRIA. CONTUDO, NÃO FOI ESSA A PROVIDÊNCIA ADOTADA NA ESPÉCIE, EM QUE SE PROCEDEU À ATRIBUIÇÃO DE NOVO VALOR JURÍDICO À MOLDURA FÁTICA DELINEADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, DE MODO QUE, ASSIM FAZENDO, VERIFICOU-SE A AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROCESSAMENTO DA LIDE SANCIONADORA, CONFORME APONTOU EM SENTENÇA O MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. AGRAVO INTERNO DO AUTOR DA AÇÃO DESPROVIDO. 1. Conferir nova valoração jurídica à espécie consubstancia exame lógico autorizado em recorribilidade extraordinária, que não viola a inteligência da Súmula 7/STJ, até mesmo porque se circunscreve aos fatos estabilizados e incontroversos na causa, conforme denotam abalizados precedentes desta Corte Superior, que adotaram a providência: AgInt no AREsp. 804.345/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2017; REsp. 1.455.296/PI, Rel. p/Acórdão Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 15.12.2016; AgRg no REsp. 1.283.474/ RS, Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe 13.11.2015. 2. Na decisão agravada, houve reconhecimento, em Sentença, de que eventos culturais foram realizados no Expocentro Edmundo Doubrawa de Joinville/SC e que as apontadas - e reconhecidas – irregularidades administrativas já estavam sendo sanadas a contento, elisivas, inclusive, de Tomada de Contas Especial, motivo pelo qual não havia - como efetivamente não há - elementos mínimos conformadores da justa causa e do disparamento de ação tendente à aplicação das severíssimas iras da Lei 8.429/92. Trata-se, sem dúvida, de revaloração da prova e não de reexame de prova neste Tribunal Superior. 3. Porventura esta Corte Superior, com o objetivo de angariar ou afastar indícios de que uma suposta conduta ímproba ocorreu por desvirtuamento dos objetivos da utilização dos recursos da Lei Rouanet, pretendesse analisar se um determinado evento realizado no Expocentro possuía caráter cultural (ou não), ou se visou a fins comerciais (ou não), seria induvidosa a violação da inteligência da Súmula 7/STJ pela decisão agravada, o que não ocorreu no caso. 4. Em razão de tais circunstâncias e até mesmo porque os argumentos da parte agravante não têm aptidão para estremecer o alicerce da decisão agravada, isto é, o argumento do in dubio pro societate é insuficiente para abalar dialeticamente a categórica e implacável constatação de que está ausente 75
o fato típico na presente demanda, mantém-se a conclusão de que o aresto de origem deve ser reformado, em ordem a que seja inegavelmente restabelecida a sentença extintiva da ação de origem. 5. Agravo Interno do autor da ação desprovido.” (STJ, AgInt no REsp 1348849 / SC, Relator(a) Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento 28/03/2017, DJe 07/04/2017) “PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTRO DE ESTADO DA CULTURA. DEVOLUÇÃO DE VERBA. PROJETO CULTURAL. BLOCO CARNAVALESCO. DECADÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra ato da Ministra de Estado da Cultura que determinou a devolução de verba recebida do Ministério da Cultura, em decorrência do descumprimento parcial de projeto cultural envolvendo o desfile de bloco carnavalesco no carnaval de Salvador de 2004. 2. O termo inicial do prazo da impetração deve ser contado a partir da ciência do ato de autoridade que lesionou o direito líquido e certo do impetrante, consoante o princípio da actio nata. 3. O pedido de reconsideração, assim como o recurso administrativo sem efeito suspensivo, não interfere no curso do prazo decadencial de 120 dias estabelecido no art. 23 da Lei nº 12.016/09, a teor da Súmula 430/STF. 4. Na hipótese, o impetrante foi cientificado da determinação de se devolver a quantia cedida para a execução do projeto cultural em 10.10.04, tendo o mandado de segurança sido impetrado apenas em 10.06.11, isto é, após a análise do recurso administrativo, segundo o qual não consta qualquer previsão normativa ou administrativa de concessão de efeito suspensivo. A alegativa de que a notificação realizada em 10.10.04 para devolução das verbas tinha caráter de mera solicitação não procede, pois, se assim fosse, não haveria sentido em se prever na Lei 8.313/91 o cabimento do pedido de reconsideração. Logo, deve-se reconhecer a decadência do writ. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no MS 17157 / DF, Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 28/09/2011, DJe 13/10/2011) “CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DESVIO DE VERBAS RELATIVAS A PROGRAMA DO GOVERNO FEDERAL DE INCENTIVO À CULTURA. FISCALIZAÇÃO DE ÓRGÃOS FEDERAIS. SUJEIÇÃO DAS CONTAS AO TCU. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. I. Tratando de feito que visa à apuração de possível desvio de verbas sujeitas à fiscalização de órgãos federais e sujeição das contas ao Tribunal de Contas da União, sobressai efetivo interesse da União Federal, ensejando a competência da Justiça Federal para o conhecimento da matéria. II. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, o Suscitante.” (STJ, CC 28191 / SP, Relator(a) Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 08/08/2001, DJ 24/09/2001 p. 235) “Mandado de Segurança. Comissão Nacional de Incentivo À Cultura. CNIC. Habilitação. Lei nº 8.313/91 (art. 32, incs. e parágs.). Decreto nº 445/91. Decreto nº 1494/95 (arts. 35 e 36). Portarias/Ministério da Cultura nºs 197/199 (arts. 1º e 2º) e 315/99. 1. Disposições legais que não elencam nominalmente as entidades para habilitação e integração na CNIC, permitem o exercício da discricionariedade, conforme a finalidade maior das leis de regência. Os critérios objetivos para 76
a habilitação, por si, não ferem o direito líquido e certo da Impetrante, nem demonstram abuso de poder. 2. Sem o luzeiro da liquidez e certeza, nem demonstrado o abuso de poder, ficando desfigurada a ilegalidade na prática do ato malsinado, a segurança vindicada não merece as loas do sucesso. 3. Segurança denegada.” (STJ, MS 6709 / DF, Relator(a) Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Órgão Julgador PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 11/10/2000, DJ 03/09/2001 p. 139) “ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. 1. Tratase, originariamente, de Ação Popular contra Prefeito municipal, o Município de Jundiaí, Secretário de Educação, Cultura e Esportes e Jayme Martins por contratação sem licitação deste último para prestação de serviços de assessoria técnica em processos administrativos e realização de interface com empresários para captação de recursos por meio da Lei Rouanet. A sentença de procedência foi mantida pelo Tribunal de origem. 2. O cotejo da versão do voto vencedor (“não há justificativa para a ausência de licitação prévia”) com a versão do voto vencido (“vislumbro no profissional contratado a notória especialização”) demanda o revolvimento de matéria fática. Súmula 7/STJ. 3. A decisão recorrida aponta, com amparo em precedentes do STJ e do STF, que, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo, por contrariedade às normas aplicáveis ou desatenção aos princípios da Administração Pública, dispensando-se a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, além da existência de dano in re ipsa. O último fundamento não foi atacado. Súmula 182/ STJ. 4. O paradigma apontado trata de hipótese diversa dos autos (ilegalidade em contrato x inexigibilidade de licitação), o que impede a caracterização legal e regimental da divergência. 5. Agravo Regimental não provido.” (STJ, AgRg no AREsp 148306 / SP, Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN, Órgão Julgador SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento 18/12/2012, DJe 08/03/2013) “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RETRANSMISSORA DE TELEVISÃO. LEI ROUANET. PATROCÍNIO DA PRODUÇÃO LOCAL. USO DE “LINK”. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. PONTO INATACADO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. 1. O Tribunal de origem, manteve a decisão singular, com fundamento nos dispositivos da Lei nº 8.313/91, art. 13 do Decreto-Lei nº 236/67 e item V da Portaria nº 93/89, no sentido de que não havia proibição de patrocínio com relação à programação local produzida pela recorrida. 2. A recorrente, contudo, em toda a extensão de suas razões, limitou-se a infirmar o acórdão atacado com base na tese de que “a Lei nº 8.313/91 não excepcionou a aplicação do Del236/67, sendo proibida a propaganda comercial nas televisões educativas”. Em nenhum momento, portanto, atacou a premissa do aresto que se fundamenta na Portaria n° 93/89. É caso de incidência da Súmula 283/STF. 3. Não foi indicada, de modo preciso, a ofensa aos dispositivos de lei federal que teriam sido violados. Aplicação do enunciado da Súmula 284 do Pretório Excelso. 4. Recurso especial não conhecido.” (STJ, REsp 379807 / PR, Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento 15/12/2005, Data da Publicação/Fonte DJ 20/02/2006 p. 262)
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TRF1 “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. HIERARQUIA DAS LEIS. LEI 8.981/1995. INSTRUÇÃO NORMATIVA. TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA. DOAÇÃO E PATROCÍNIO A PROJETOS CULTURAIS. DEDUÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. O IRPJ e a CSLL não têm a mesma base de cálculo nem o mesmo fato gerador, uma vez que são exações distintas. Inviável, portanto, a utilização da mesma norma para ambas, sem observar o princípio da legalidade, como verificado na Instrução Normativa 390/2004. 2. Apelação da impetrante a que se dá provimento.” (TRF1, AMS 2005.38.00.023601-3 / MG; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA, Relator JUIZ FEDERAL LINO OSVALDO SERRA SOUSA SEGUNDO, Re. Acórdão DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, Órgão 7ª TURMA SUPLEMENTAR, Publicação 11/10/2013 e-DJF1 P. 1122) “TELEVISÃO EDUCATIVA. PROIBIÇÃO DE TRANSMITIR PROPAGANDA. LEGITIMIDADE. 1. O artigo 13 do Decreto-Lei 236/67, segundo o qual a televisão educativa não poderá transmitir propaganda, direta ou indiretamente, bem como o patrocínio dos programas transmitidos, ainda que nenhuma propaganda seja feita por meio deles, foi recepcionado pela atual Constituição. Precedentes do STJ. 2. Por outro lado, o artigo 13 do Decreto-Lei 236/67 não foi revogado pelas Leis 7.505/86 (Lei Sarney) e 8.313/91 (Lei Rouanet), uma vez que não há dispositivo destas, expresso, nesse sentido, nem incompatível, nem ainda estas últimas regularam inteiramente a matéria de que trata aquele (L.I.C.C., art. 2º, § 1º). 3. Apelação e remessa a que se dá provimento.” (TRF1, AMS 1999.01.00.0798460 / GO; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA, Relator JUIZ FEDERAL LEÃO APARECIDO ALVES (CONV.), Órgão TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), Publicação 04/03/2004 DJ P. 118, Data Decisão 05/02/2004)
TRF2 “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. TÍTULO EMANADO DO TCU REVISTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO NOS TERMOS DO § 4º DO ART. 20 DO CPC/73. APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO JUIZ. SENTENÇA MANTIDA. I. Trata-se de apelações cíveis interpostas pelos executados contra a sentença que julgou extinta a execução por título extrajudicial movida pela União, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, VI c/c art. 580, ambos do CPC/73, ante a perda superveniente do interesse de agir, que ocorreu porque o objeto da pretensão executiva decorrente de decisão emanada do TCU foi revisto, face ao provimento do Recurso de Revisão interposto pelos executados junto ao TCU, em que se reconheceu a regularidade das contas dos réus e restaram sem efeito o débito imputado e as multas aplicadas. A sentença recorrida condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$5.000,00 (cinco mil reais). II. Tendo em vista a prolação da sentença, bem como a interposição das apelações, quando ainda vigente o CPC/73, devem ser aplicadas as regras desse diploma inclusive quanto aos honorários de sucumbência. Nesse sentido, mutatis
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mutandis, o Enunciado Administrativo nº 7, do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, §11, do novo CPC”. III. Havendo os Apelantes sido condenados em 2006 pelo Tribunal de Contas da União ao ressarcimento dos cofres públicos das quantias captadas pela Lei Rouanet, face ao descumprimento de convênio firmado há quase duas décadas, em que houve demora na prestação de contas por parte dos contratantes, os quais não lograram comprovar as despesas realizadas nem entregaram o produto final de seu trabalho, não restava outra alternativa à UNIÃO senão adotar as medidas para ressarcimento ao erário das quantias captadas através de mecanismos de incentivo à cultura (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual). Incorreta, portanto, a aplicação do princípio da causalidade em desfavor da UNIÃO, eis que, ao tempo da instauração da execução, ainda era perfeitamente válida a decisão do TCU condenatória dos Apelantes, a qual somente foi reformada em 2015, apesar da óbvia intempestidade da entrega da documentação comprobatória das despesas ao Tribunal. IV - Em que pese a constatação de que os Executados, ora Apelantes, deram causa à instauração da execução fiscal ajuizada em 2013 pela UNIÃO, o que seria motivo suficiente para afastar os honorários sucumbenciais fixados em desfavor da UNIÃO, devem ser os mesmos mantidos no valor de R$5.000,00 fixado na sentença, os quais se encontram em conformidade com a regra do §4º do art. 20 do CPC/73, já que o princípio da non reformatio in pejus impede seja afastada a condenação da UNIÃO em honorários, por não haver a mesma apelado da sentença nestes autos. V. Recursos de apelação desprovidos.” (TRF2, 01438473720134025101, Classe: Apelação, Órgão Julgador: 8ª TURMA ESPECIALIZADA, Data da Decisão: 26/04/2017, Data da Publicação: 03/05/2017, Relator MARCELO PEREIRA DA SILVA) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. TÍTULO EMANADO DO TCU REVISTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO NOS TERMOS DO § 4º DO ART. 20 DO CPC/73. APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO JUIZ. I. Trata-se de apelações cíveis interpostas contra a sentença que julgou extintos os embargos à execução por título extrajudicial movida pela União, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, VI do CPC/73, ante a perda superveniente do interesse de agir, que ocorreu porque o objeto da pretensão executiva decorrente de decisão emanada do TCU foi revisto, face ao provimento do Recurso de Revisão interposto pelos executados junto ao TCU, em que se reconheceu a regularidade das contas dos réus e restaram sem efeito o débito imputado e as multas aplicadas. A sentença recorrida condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$5.000,00 (cinco mil reais). II. Tendo em vista a prolação da sentença,bem como a interposição dos recursos de ambas as partes quando ainda vigente o CPC/73, devem ser aplicadas as regras daquele diploma legal, inclusive quanto aos honorários de sucumbência. Nesse sentido, mutatis mutandis, o Enunciado Administrativo nº 7, do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, §11, do novo CPC”. III. Havendo os Apelantes sido condenados em 2006 pelo Tribunal de Contas da União ao ressarcimento dos cofres públicos 79
das quantias captadas pela Lei Rouanet, face ao descumprimento de convênio firmado há quase duas décadas, em que houve demora na prestação de contas por parte dos contratantes, os quais não lograram comprovar as despesas realizadas nem entregaram o produto final de seu trabalho, não restava outra alternativa à UNIÃO senão adotar as medidas para ressarcimento ao erário das quantias captadas através de mecanismos de incentivo à cultura (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual). Incorreta, portanto, a aplicação do princípio da causalidade em desfavor da UNIÃO, eis que, ao tempo da instauração da execução, ainda era perfeitamente válida a decisão do TCU condenatória dos Apelantes, a qual somente foi reformada em 2015, apesar da óbvia intempestidade da entrega da documentação comprobatória das despesas ao Tribunal. IV - Ante a constatação de que os Executados, ora Apelantes, deram causa à instauração da execução fiscal ajuizada em 2013 pela UNIÃO, impende afastar os honorários sucumbenciais fixados em desfavor da UNIÃO. V. Desprovido o apelo dos Embargantes e provido o recurso da UNIÃO para afastar a condenação em honorários, mesmo aquela fixada com base no CPC/73. (TRF2, 00299947920154025101, Classe Apelação Cível, Órgão julgador: 8ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de decisão 26/07/2014, Data de publicação 03/05/2017, Relator MARCELO PEREIRA DA SILVA) “IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PARTICULARES. INEXISTÊNCIA DE CONCURSO COM AGENTE PÚBLICO. EXTINÇÃO DO FEITO. 1. Ação de improbidade administrativa ajuizada em face de empresa privada e seus sócios. Suposto dispêndio irregular de recursos captados por meio das Leis de Incentivo à Cultura e Audiovisual. Imputação de dano ao erário (art. 10 da Lei 8.429/92). 2. Sentença de extinção do feito sem resolução de mérito por ilegitimidade passiva dos réus. Impossibilidade da aplicação da Lei 8.429/92 a particulares, salvo quando em concurso com agentes públicos. 3. Não verificação, na forma do art. 1º, parágrafo único da Lei 8.429/92, da existência de ato ilícito praticado contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção Estatal. Caso no qual, comprovada a prática ilegal ora discutida, não haveria que se falar em prejuízo à empresa ré, uma vez que, ao não entregar o projeto cultural para o qual fora autorizada a captar recursos, tanto a empresa quanto seus sócios estariam expandindo seu patrimônio mediante locupletamento de verbas públicas. Inexistência de participação de servidores públicos nas supostas fraudes noticiadas pelo MPF. 4. Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que “não se admite a presença isolada de particulares no polo passivo de ação de improbidade administrativa, sem que tenham auxiliado ou se beneficiado da prática do ato pelo agente público” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.409.940, Rel. Min. OG FERNANDES, DJE 22.09.2014; STJ, 1ª Turma, REsp 1.282.445/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE de 21/10/2014; STJ, REsp 1.504.052, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 17.06.2015). 5. Recurso de apelação não provido.” (TRF2, 0003749-07.2010.4.02.5101, Classe: Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho, Órgão julgador: VICE-PRESIDÊNCIA, Data de decisão22/09/2016, Data de disponibilização 28/09/2016, Relator RICARDO PERLINGEIRO) “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGOS 9, INCISO XI, 10, INCISO X, E 11, INCISO VI, DA LEI Nº 8.429/92. LEI Nº 8.313/91 (LEI ROUANET). PROJETO CULTURAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS NÃO APRESENTADA. 80
MALVERSAÇÃO DE RECURSOS. AUSÊNCIA DE ATUAÇÃO DE AGENTE PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DE APELAÇÃO JULGADO PREJUDICADO. 1 - O Ministério Público Federal, por meio da presente demanda, postula a condenação de ROMILDO GOMES SANTANA pela prática de atos de improbidade administrativa em razão de não ter apresentado, perante o Ministério da Cultura, a prestação de contas referente às verbas públicas provenientes de incentivos fiscais previstos na Lei 8.313/91 (Lei Rouanet), no valor de R$ 76.270,00 (setenta e seis mil e duzentos e setenta reais), para a execução de projeto cultural consistente na gravação de um disco de música popular brasileira, deixando de comprovar, portanto, a correta aplicação da verba recebida na execução do projeto pactuado. 2 - As penalidades previstas na lei de improbidade administrativa não se aplicam exclusivamente a particular, sem que tenha havido participação de agente público. E, nesse contexto, impende destacar o disposto no artigo 3º, da Lei nº 8.429/92, segundo o qual o particular, estranho aos quadros da administração pública, pode ser considerado agente ímprobo e sujeitar-se às disposições da lei de improbidade administrativa, desde que tenha induzido o agente público a praticar o ato indevido, tenha concorrido de qualquer modo para sua efetivação ou tenha se beneficiado de forma direta ou indireta com a sua prática. 3 - Não se admite, portanto, a presença isolada de particular no polo passivo de ação de improbidade administrativa, sem que tenha auxiliado ou se beneficiado da prática do ato pelo agente público, sobretudo porque a lei de improbidade administrativa prevê que o ato de improbidade administrativa somente pode ser praticado por agente público. A possibilidade de aplicação das penalidades a particular constitui fruto de extensão trazida pelo artigo 3º, da Lei nº 8.429/92, a depender, sempre, da configuração de ato de improbidade administrativa praticado por agente público. 4 - No presente caso, a petição inicial não imputa a prática de ato de improbidade administrativa a qualquer agente público, tendo o demandado, na qualidade de particular, captado recursos para financiar projeto cultural, nos termos do disposto na Lei nº 8.313/91. A petição inicial aponta a suposta malversação de recursos públicos por particular, por não ter prestado contas dos valores recebidos, não se enquadrando o demandado, portanto, na definição de agente público constante do artigo 2º, da Lei nº 8.429/92, segundo o qual “reputa- 1 se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. 5 - Extinção do processo, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, ante a ilegitimidade passiva do demandado, e recurso de apelação julgado prejudicado.” (TRF2, 0000510-63.2008.4.02.5004, Classe: Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho, Órgão julgador: 5ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de decisão 08/06/2015, Data de disponibilização 11/06/2015, Relator ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES) “ADMINISTRATIVO. LEI ROUANET. PRESTAÇÃO DE CONTAS. INADIMPLÊNCIA JUNTO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INSCRIÇÃO NO CADIN. LEGALIDADE. OFERECIMENTO DE GARANTIA. INSUFICIÊNCIA. I- Trata-se a ação ordinária objetivando a suspensão da inscrição do autor no CADIN e a desconstituição 81
de condenação em tomada de contas por não ter corretamente prestado contas perante o Ministério da Cultura, acerca dos recursos captados para projeto cultural nos termos da Lei nº 8.313/91 (“Lei Rouanet”). II- Restando configurado que o autor deixou de observar a correta prestação de contas, bem como não submeteu a circunstância relativa à dificuldade na captação da totalidade dos recursos aprovados ao órgão competente do Ministério da Cultura, bem como que os valores obtidos não foram recolhidos ao Fundo Nacional de Cultura nos termos do Decreto nº 1.494/95, que regulamentava, à época dos fatos, a “Lei Rouanet”, não se vislumbra qualquer ilegalidade quanto à apuração do débito pela Administração Pública, nos termos do aludido Decreto, tampouco com relação à inscrição do devedor no CADIN, nos termos da Lei nº 10.522/2002. III- A garantia hábil a suspender o registro do devedor no CADIN, oferecida pelo devedor em ação que visa discutir o débito, deve ser idônea e suficiente ao Juízo. IV- Apelação cível desprovida. Pedido de suspensão da inscrição do nome do autor no CADIN indeferido.” (TRF2, 0006755-70.2006.4.02.5001, Classe: APELAÇÃO CÍVEL, Órgão julgador: 8ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de decisão 30/07/2014, Data de disponibilização 07/08/2014, Relator MARCELO PEREIRA DA SILVA) “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8.313/91 (LEI ROUANET). PROJETO CULTURAL “MÚSICA BRASILEIRA E O CINEMA NACIONAL - 100 ANOS DE CINEMA NO BRASIL” NÃO REALIZADO. PRESTAÇÃO DE CONTAS NÃO EFETUADA. MALVERSAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS. INEXISTÊNCIA DE ATO ÍMPROBO. DEVER DE RESSARCIMENTO. 1. Ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada em face de empresário individual, após o conhecimento da condenação do réu pelo Tribunal de Contas da União em processo administrativo, que julgou irregulares as contas relativas às verbas públicas captadas para a produção do projeto cultural “Música brasileira e o cinema nacional - 100 anos de cinema no Brasil”, com a utilização dos benefícios criados pelas Leis nº 8.685/93 e nº 8.313/91. Sustenta o Parquet a ocorrência de atos ímprobos tipificados no art. 10 da Lei nº 8.429/92. In casu, não houve prestação de contas dos recursos captados e liberados, mesmo após ter sido notificada a parte ré, e tampouco foi entregue a obra. 2. A ação foi ajuizada em nome da “empresa individual” e de seu titular, pessoa física. Embora o patrimônio de seu titular confunda-se com o da “empresa individual”, fato é que consta o CNPJ na solicitação de apoio a projetos e na Portaria nº 411, de 10/10/2000, do Ministro de Estado da Cultura, que aprovou o projeto cultural. Não há que se falar, portanto, em ilegitimidade passiva no presente caso, sendo desnecessária a exclusão da “empresa individual”, que, ad cautelam, deve ser mantida no pólo passivo da demanda juntamente com o seu titular. 3. Ação ajuizada apenas em face de particular, sem a presença de agente público no pólo passivo da demanda. Inexistência de ato de improbidade administrativa no caso dos autos. O empresário individual atuou como particular que obteve captação de recursos para a produção de projeto cultural, não podendo ser considerado agente público, nos termos do art. 2º da Lei de Improbidade Administrativa. E inexistindo ato ímprobo, não se pode aplicar o art. 3º da Lei de Improbidade. 4. Apesar de afastada a hipótese de ato de improbidade administrativa, o pedido relativo ao ressarcimento ao erário deve ser examinado, observado o interesse público, bem como o princípio da economia processual. 5. 82
O acórdão do TCU é claro quanto a não comprovação da aplicação dos recursos captados para a execução do projeto cultural em tela. E, nesta demanda, os réus sequer apresentaram defesa prévia. Ademais, foi decretada a revelia dos réus, que, apesar de regularmente citados, não apresentaram contestação. Em consequência, reputam-se verdadeiros os fatos alegados na petição inicial pelo MPF, nos termos do art. 319 do CPC. Portanto, correta a condenação da parte ré (“empresa individual” e titular) ao ressarcimento ao erário. 6. Sentença reformada apenas para incluir na condenação a “empresa individual”, mantendo-a no mais. 7. Apelação do MPF conhecida e desprovida. Remessa necessária conhecida e parcialmente provida.” (TRF2, 0000033-69.2010.4.02.5101, Classe: APELAÇÃO CÍVEL, Órgão julgador: 7ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de decisão 30/10/2013, Data de disponibilização 13/11/2013, Relator JOSÉ ANTONIO NEIVA) “APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO RECEBIMENTO DA AÇÃO. I - Cuida-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face do Réu CARLOS EDUARDO NIEMEYER ATTADEMO, com vistas a condená-lo à reparação de danos causados ao patrimônio público federal por atos de improbidade administrativa que teria praticado em decorrência do mau uso de verbas públicas provenientes dos incentivos fiscais previstos na Lei 8.313/91 (Lei Rouanet) para a organização de exposição com fotos das obras mais famosas do arquiteto Oscar Niemeyer, seguida de palestra e apresentação com o próprio, via internet. II - Relatou o Parquet Federal que o Tribunal de Contas da União, em decorrência da omissão no dever de prestar contas dos recursos financeiros captados na forma da Lei 8313/91, julgou irregulares as contas e em débito o Réu supramencionado, condenando-o ao pagamento da quantia de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), além de multa. Neste passo, pugnou o Ministério Público Federal pela condenação dos réus nas penas cominadas no art. 12 da Lei 8.429/92. III - A douta Magistrada de 1ª instância prolatou sentença indeferindo a petição inicial, por carência de ação, haja vista a ação de improbidade administrativa ter sido ajuizada tão-somente em face de particular, quando tal ação tem por sujeito passivo necessariamente o agente público ou o particular que auxilie ou se beneficie da conduta do agente público. IV - A sentença apelada não merece reparos. Senão vejamos: a Lei nº 8.429/92 impõe sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que importem em enriquecimento ilícito (artigo 9º), causem prejuízo ao erário público (artigo 10) e atentem contra os princípios da Administração Pública (artigo 11). V - Outrossim, o artigo 3° deste diploma normativo preconiza que suas disposições também se aplicam ao particulares que induzam, concorram ou se beneficiem do ato praticado pelo agente público. Todavia, não cogita da aplicação das sanções ali impostas exclusivamente ao particular, sem que tenha havido atuação ímproba de algum agente público. VI Desta sorte, não há vislumbrar a presença isolada do particular no polo passivo de ação de improbidade administrativa, sem que o mesmo tenha auxiliado ou se beneficiado da prática do ato pelo agente público, já que, como deflui da Lei 8.429/92, os atos de improbidade somente podem ser praticados por agentes públicos, com ou sem a cooperação de terceiros. VII - Precedentes. VIII - Apelação do MPF improvida.” (TRF2, 0001871-13.2011.4.02.5101, Classe: APELAÇÃO CÍVEL, Órgão julgador: 7ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de decisão 13/03/2013, Data de disponibilização 08/04/2013, Relator REIS FRIEDE) 83
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANULAÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. PATROCÍNIO DA PETROBRÁS À CASA DE ESPETÁCULOS CANECÃO. ILEGALIDADES RELACIONADOS AO CONTRATO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DA UNIÃO FEDERAL -Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de CANECÃO PROMOÇÕES E ESPETACULOS TEATRAIS S.A, CANECÃO PROMOÇÕES DE EVENTO LTDA, PETROBRÁS - PETRÓLEO BRASILEIRO S/A e UNIÃO FEDERAL, objetivando a revogação da sentença recorrida, declarandose a improcedência dos pleitos autorais, itens “a” , anular contrato administrativo, em função de nulidade absoluta, inclusive desobrigando a PETROBRÁS da realização de eventuais pagamentos posteriores à dezembro de 2007, das parcelas vencidas e vincendas, e “b”, condenar o 1º e 2º réus ao ressarcimento de todos os valores recebidos, restituindo-os à PETROBRAS.. -Compulsando-se os autos, verifica-se que o Ministério Público Federal foi intimado pessoalmente da sentença (fls. 803 vº) em 5 de junho de 2009, tendo interposto apelo (fls. 886) em 9 de outubro de 2009, ou seja, ultrapassado o prazo legal, pelo que correta a certidão (fls. 833) dando notícia da não interposição de qualquer recurso pelo Ministério Público Federal em 7 de agosto de 2009, o que deságua no não conhecimento da apelação. -0 recurso aviado pela Canecão Promoções e Espetáculos Teatrais S/A e pela Canecão Promoções de Eventos Ltda não deve prosperar. Conforme ficou provado nos autos, o Sr. Mario Hamilton Priolli, controlador da Canecão Promoções e Espetáculos Teatrais S/A, tendo em vista a situação irregular desta por existência débito tributário vultoso e sua exclusão do Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), se utilizou de pessoa jurídica interposta - Canecão Promoção de Eventos Ltda. - para aprovar projeto junto ao Ministério da Cultura, e assim conseguir o patrocínio perante a sociedade de economia mista Petrobrás S/A. Dessa- forma, ficou comprovado que: a pessoa jurídica interposta não tem empregados (fl. 345); as duas empresas têm o mesmo endereço (fls. 543 e 567); que tal prática foi levada a cabo para ocultar a situação de inadimplência tributária da casa de espetáculos; o Canecão passaria a se chamar Canecão Petrobrás (fl. 309); bem como, o Sr. Mario Priolli foi alvo de ação penal pelo Ministério Público Federal, tendo a respectiva denúncia sido recebida peLa Justiça Federal (fls. 70/71).” -Destarte, efetivamente, o adunado em razões de apelo, seria, efetivamente, irrelevante, no entanto, neste contexto fático-jurígeno, infere-se a configuração de abuso de direito, a caracterizar a nulidade dos negócios jurídicos celebrados, visto que possuíam como objetivo fraudar à lei imperativa, conforme sinalado pelo juízo de piso “Inicialmente, cabe observar que a apresentação de certidões negativas para firmar contrato com a Petrobrás é imperiosa não apenas em função de normas internas da própria empresa estatal, mas em decorrência de previsão legal (Lei n?? 8.666/1993, art. 29, III e IV) e, fundamentalmente, constitucional (art. 195, § 3??). A jurisprudência de nossos tribunais acerca da sujeição das sociedades de economia mista às normas de contratação próprias do Poder Público é remansosa.” com o que não se pode comungar, sob pena de inobservância do ordenamento jurídico pátrio. -Não há, também, que se acenar com locupletamento, no caso das verbas recebidas, in casu, indevidamente, pois como se apurou as mesmas não tiveram a sua aplicação correta, a par de qualquer sorte, da correção inadequada, restou, passe-se o truísmo, vulnerada a imagem da Petrobrás, na linha do veiculado em suas contrarrazões (fls. 846/847 -No que concerne às verbas de sucumbência, 84
sendo o valor da causa, arbitrado em setembro de 2008, no equivalente R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), há reparo, de pronto, a fazer, na medida em que a verba arbitrada, é na metade para cada litisconsorte ativo, e não nos moldes, em epígrafe, estando, por outro lado, ajustada aos parâmetros do benefício patrimonial almejado, sendo desenvolvida atividade justificadora da mesma, ao longo do feito. -Por derradeiro, reexaminando os fatos, especialmente quanto à União, adiro, no mesmo diapasão, a conclusão do juízo a quo quanto à União: “No que tange à responsabilização da União, por omissão na fiscalização por parte do Ministério da Cultura, verificam-se insubsistentes os argumentos do Ministério Público Federal.De fato, não há como dizer que a Petrobrás foi ludibriada e, ao mesmo tempo, responsabilizar o órgão fiscalizador por falha na detecção do embuste. É verdade que até seria possível, diante do renome do Canecão, que algum servidor público encarregado da análise do projeto percebesse a inconsistência de datas mencionada na inicial (fls. 22); entretanto, imputar responsabilidade à União apenas porque esta percepção não ocorreu, é pretensão sem fundamento. (...)Portanto, uma vez que os requisitos formais - repise-se - foram todos devidamente cumpridos, além do que o conteúdo do contrato de patrocínio cultural enquadrava-se perfeitamente nos ditames da Lei Rouanet, permitindo o gozo dos benefícios fiscais, não se faz presente a responsabilidade por omissão da União Federal alegada pelo Ministério Público. Deste modo, conclui-se que, por ocasião da assinatura do contrato com a sociedade de economia mista, apenas as empresas-rés e seu(s) administrador(es) tinham condições de saber que, no ato, havia utilização de interposta pessoa.” -Irretocável, portanto, a decisão primária, que merece ser prestigiada. -Recurso do Ministério Público Federal, não conhecido e recurso de apelação do Canecão Promoção e Eventos Teatrais S/A e Canecão Promoções de Eventos Ltda, bem como a remeça necessária, desprovidos.” (TRF2, 0019735-69.2008.4.02.5101, Classe: APELAÇÃO CÍVEL, Órgão julgador: 8ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de decisão 23/03/2010, Data de disponibilização 19/04/2010, Relator POUL ERIK DYRLUND) “EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA ISOLADA DE PARTICULAR NO PÓLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. 1. Não há vislumbrar ato de improbidade administrativa praticado unicamente por particular que deu destinação irregular às verbas públicas captadas na forma da Lei 8.313/91 (Lei Rouanet) para produção de filme, na medida em que não houve qualquer atuação de agente público. 2. A Lei nº 8.429/92, tem por escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: importem em enriquecimento ilícito (artigo 9º), causem prejuízo ao erário público (artigo 10) e atentem contra os princípios da Administração Pública (artigo 11). 3. O artigo 3° da Lei de Improbidade Administrativa preconiza que suas disposições também se aplicam ao particulares que induzam, concorram ou se beneficiem do ato praticado pelo agente público. Todavia, não cogita da aplicação das sanções ali impostas exclusivamente ao particular, sem que tenha havido atuação de algum agente público. 4. Recurso desprovido.” (TRF2, 0023340-57.2007.4.02.5101, Classe: APELAÇÃO CÍVEL, Órgão julgador: 8ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de decisão 01/07/2008, Data de disponibilização07/07/2008, Relator MARCELO PEREIRA DA SILVA)
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TRF3 PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CONHECIMENTO. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA REJEITANDO AS ALEGAÇÕES FORMULADAS EM RESPOSTA ESCRITA À ACUSAÇÃO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO TIPO. ATIPICIDADE. FRAUDE RELACIONADA A BENEFÍCIOS DA LEI ROUANET. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. RECLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA ANTES DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CRIMINAL. 1. Conhecimento do writ, ante a superveniência de decisão da autoridade impetrada rejeitando as alegações formuladas em resposta escrita à acusação. 2. Para que se caracterize o crime de associação criminosa, é imprescindível que aqueles que se associarem o façam “para o fim específico de cometer crimes”. Além do dolo específico (“para o fim de”), é necessário que a união se dê para a prática de crimes indeterminados (“cometer crimes”), pois a prática de crime determinado ou de crimes determinados caracterizaria o concurso de pessoas (CP, art. 29). 3. A leitura da denúncia mostra que se imputa ao paciente o suposto cometimento de um único crime. Nada mais há na denúncia relacionando o paciente aos corréus da ação penal, de modo que, à toda evidência, não está caracterizada a estabilidade e a permanência, tampouco os crimes indeterminados, para a configuração do delito de associação criminosa. 4. Não é necessária a instrução processual para se chegar a essa conclusão, na medida em que, pelos princípios da correlação entre a acusação e a sentença, do contraditório e da ampla defesa, a acusação deverá estar descrita na denúncia de forma clara quanto ao fato criminoso e todas as suas circunstâncias (CPP, art. 41). Com efeito, se o acusado defende-se dos fatos a ele imputados, estes devem estar bem descritos e conformar-se, em princípio, ao tipo legal supostamente transgredido, a fim de que a ampla defesa possa ser exercida. Se os fatos não se amoldam ao tipo invocado, falta justa causa para a ação penal. 5. É certo que o acusado defende-se de fatos, e não da capitulação que consta na denúncia ou queixa, bem como que o momento processual adequado para eventual correção desta capitulação é o da prolação da sentença, nos termos do art. 383 do CPP. Excepcionalmente, porém, é possível proceder a tal correção em momento diverso, inclusive o de recebimento da denúncia, nas hipóteses de erro flagrante, alteração de competência absoluta e concessão de benefícios processuais ao acusado, com a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na legislação, em especial a transação penal e a suspensão condicional do processo. 6. No caso, há um aparente conflito de normas, pois o MPF imputa ao paciente a prática do delito de estelionato majorado (CP, art. 171, § 3º), enquanto os impetrantes defendem que a conduta do paciente amolda-se, em tese, ao crime do art. 40 da Lei nº 8.313, de 23.12.1991, conhecida como Lei Rouanet. 7. O exame dos autos revela que a intenção do paciente (sem estabelecer qualquer juízo de valor prévio acerca da sua eventual ilicitude), era valer-se do benefício fiscal decorrente da Lei Rouanet, qual seja, a dedução do imposto de renda do valor aplicado no projeto cultural alegadamente fraudado. Assim, esse conflito aparente de normas deve ser resolvido pelo princípio da especialidade (lex specialis derogat generali), pois, no caso, o suposto uso fraudulento dos benefícios da Lei Rouanet são incriminados pelo art. 40 dessa Lei, que, por isso, constitui norma especial em relação ao estelionato e, ainda, 86
ao tipos descritos na Lei nº 8.137/90, sobretudo aquele do art. 2º, IV. 8. É certo também que tal fato constitui especial modalidade de crime contra a ordem tributária, de sorte que o pagamento integral do valor do tributo relativo ao benefício supostamente fraudado, devidamente atualizado, com aplicação de juros e multa, constitui causa extintiva da punibilidade. Contudo, não há como reconhecer, neste writ, a extinção da punibilidade do paciente pelo pagamento integral do tributo, haja vista que tal situação depende de manifestação específica da autoridade fazendária, não presente nos autos, a ser aferida na origem. 9. Considerando o reconhecimento da atipicidade da imputação no que tange ao crime de associação criminosa, bem como a pena máxima do crime remanescente, previsto no art. 40 da Lei Rouanet, a competência para o exame da suficiência do pagamento realizado é do Juizado Especial Federal Criminal. 10. Habeas corpus conhecido. Ordem concedida em parte. (TRF3, 00043077920174030000, Classe Habeas Corpus, Órgão Julgador; DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Data da Decisão: 21/08/2018, Data da Publicação: 27/08/2018) “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL ACÓRDÃO DO TCU. IRREGULARIDADE NOS RECURSOS RECEBIDOS POR MEIO DA LEI ROUANET. INCLUSÃO DO NOME DOS EXECUTADOS EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A interlocutória tem fundamentação, ainda que sumária. 2. Quanto à inclusão dos nomes dos executados (trata-se de execução de acórdão do TCU) nos variados cadastros de inadimplentes que existem por aí - inclusive para o fim de constrangê-los a pagar as dívidas com o Poder Público - é evidente que o art. 782, § 3º, do CPC/15 não obriga o Juiz da execução a determinar que isso seja feito pelo próprio Juízo. O dispositivo legal fala em “requerimento” da parte que o juiz “pode” determinar. 2. No âmbito do Poder Público federal a Lei 10.522/2002 (resultado da conversão de várias medidas provisórias) criou o CADIN, cujas informações são centralizadas no Sistema de Informações do Banco Central do Brasil - Sisbacen, e podem ser acessadas por qualquer órgão integrante da Administração Pública Federal, Direta ou Indireta, incluído os Poderes Legislativo e Judiciário e, ainda, os conselhos de fiscalização das profissões regulamentadas. 3. Existe a possibilidade legal de inserção dos nomes de executados nos registros de maus pagadores, a ser determinada - como óbvio meio coercitivo de cobrança, assim como é o protesto da CDA chancelado recentemente pelo STF - por determinação do Juiz, a pedido da parte exequente. Essa inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes pode ser cancelada pelo pagamento, pelo oferecimento de uma garantia à execução ou pela extinção da execução por qualquer motivo. 4. Na espécie dos autos trata-se de uma execução de acórdão do TCU que julgou irregulares as contas apresentadas por particulares que receberam recursos através da Lei Rouanet para a montagem e realização do projeto “Grease - O Musical”. Os fatos remontam a dezembro de 2002 e a dívida dos agraciados com o dinheiro público atingia quase três milhões de reais à época do ajuizamento da execução do acórdão. 5. Como se verifica do acórdão exequendo, os três envolvidos na dívida não compareceram oportunamente perante o TCU para justificar as irregularidades, sendo que nem foram localizados nos endereços para onde foram expedidas as notificações. Em Juízo até o momento a citação também restou infrutífera. Ou seja: a possibilidade de que a execução de três milhões de reais - dinheiro que faz tanta falta para as 87
ações sociais de que necessitam os brasileiros - seja frustrada é muito provável. 6. Nesse cenário legal e fático, a negativação pretendida pela AGU poderia ter sido deferida, ainda que a AGU tivesse meios de diligenciá-la por si. 7. Agravo de instrumento provido.” (TRF3, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 593193 / SP 0000031-05.2017.4.03.0000, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Órgão Julgador SEXTA TURMA, Data do Julgamento 25/05/2017, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/06/2017) “EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - EMBARGANTE QUE, NA QUALIDADE DE PRODUTOR CINEMATROGRÁFICO, VIU SEREM REJEITADAS AS CONTAS PRESTADAS AO MINISTÉRIO DA CULTURA, EM DECORRÊNCIA DA ANGARIAÇÃO DE RECURSOS PELO PROGRAMA NACIONAL DE APOIO À CULTURA (LEI N. 8.313/91), PARA A FINALIZAÇÃO DO LONGA-METRAGEM “IMPALA ‘60” - INDEFERIMENTO DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL : CERCEAMENTO INEXISTENTE - PROVA DESNECESSÁRIA - AUSENTE COMPROVAÇÃO DO REGULAR EMPREGO DOS RECURSOS CAPTADOS - ÔNUS EMBARGANTE INATENDIDO - IMPROVIMENTO À APELAÇÃO. 1. Defende o apelante, preliminarmente, cerceamento de defesa, decorrente do indeferimento da produção de prova pericial. 2. Sobre a prova pericial, relembra Arruda Alvim (em Manual de Direito Processual Civil, 13ª ed., pg. 1028) o inafastável pressuposto de seu cabimento, qual seja, a necessidade conhecimentos técnicos e específicos. Diz o ilustre jurista, com precisão, ser “imprescindível que os fatos a serem provados por seu intermédio necessitem de tais esclarecimentos e interpretação”. 3. No caso em apreço, vale-se o polo apelante do argumento de que o filme produzido, dado o nível de qualidade e os resultados obtidos através de sua versão em VHS, imperativamente exigiu o emprego do total das verbas captadas, o que poderia ser, a seu ver, facilmente demonstrado através de parecer técnico de expert. 4. O indeferimento da produção de perícia, que deve ser mantido, não acarretou prejuízo à defesa do polo embargante, por dois principais motivos : a uma, mostra-se logicamente desnecessária, em sede de prestação de contas / comprovação de gastos, a intervenção técnica de um profissional cinegrafista, como ora proposto. Referida manifestação, quando muito, seria capaz de avaliar um total gasto na produção da obra, quando, na verdade, o que se ordena é a demonstração da aplicação específica dos R$ 100.000,00 obtidos por intermédio de incentivo público. Em outros termos, não importa o “quanto custou” a produção do filme, se mais ou menos que tal montante, mas, sim, se a verba em foco foi pontual e integralmente utilizada no cumprimento dos objetivos propostos pelo embargante, no Projeto Pronac n. 950798. A duas, e este decerto o fundamento mais relevante, vê-se que a realização da perícia judicial para apuração da utilização das verbas não merece acolhida, pois a legislação aplicável, a Lei n. 8.313/91, alcunhada Lei Rouanet, em seu artigo 29, impõe a criação de conta bancária específica, em nome do beneficiário, onde deverão ser depositados e movimentados os valores do incentivo. Dessa forma, se a apontada conta bancária mobiliza todo o histórico de movimentação das verbas, por óbvio seus extratos se revelam imprescindíveis para a aprovação dos gastos apresentados. 5. Por tais razões, não há falar, na espécie, em violação ao primado da ampla defesa. 6. Em mérito, de se recordar que, tendo os embargos natureza cognoscitiva desconstitutiva, revela-se ônus elementar ao embargante prove o desacerto da atividade embargada. 7. Insurge-se o polo apelante contra 88
as razões que levaram o E. Tribunal de Contas da União a julgar suas contas irregulares, argumentando, em suma, que a total aplicação das verbas poderia ser comprovada de outros meios. 8. Emprestando-se o fundamento retrocitado, não possuem as notas fiscais, solteiramente apresentadas, a desejada capacidade de demonstrar a aplicação dos recursos captados pelo embargante na finalização do longa metragem “Impala’ 60”. 9. Novamente, vênias todas, relembre-se que a especificidade da prova reclamada, atinente à particular demonstração de que os R$ 100.000,00, angariados pelo apelante, foram, de fato, empregados na conclusão da obra em cume. 10. Peca o polo embargante por sua recalcitrância, consistente em resistir veementemente à apresentação dos extratos bancários relativos à conta específica, o que culminou até mesmo na intenção, tão inventiva quanto criativa, de se buscar a produção de prova pericial, através da manifestação técnica de profissional cinegrafista, data vênia. 11. Permanecendo o polo embargante no campo das alegações, tal a ser insuficiente para afastar a exigência em cume, em tema, insista-se, sobre o qual caberia à parte recorrente, como de seu ônus e ao início destacado, produzir por todos os meios de evidência a respeito situação contrária. 12. Embora procure o particular justificar a impossibilidade de conversão do longa ao formato 35mm, destinado à exposição da obra nos cinemas, fato é que, conforme restou claro no v. aresto emanado do E. TCU, a apontada providência constituiu exatamente um dos objetivos da captação do incentivo, máxime porque o filme em si, pelo que lá consta, já se encontrava pronto, aguardando então recursos para sua finalização (conversão) e distribuição. 13. Em tudo e por tudo, impositiva a manutenção da r. sentença, tal qual lavrada. 14. Improvimento à apelação.” (TRF3, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1774569 / SP 0010809-77.2011.4.03.6100, Relator(a) JUIZ CONVOCADO SILVA NETO, Órgão Julgador TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 05/06/2014, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/06/2014) “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. 30ª BIENAL DE ARTE DE SÃO PAULO. BLOQUEIO DE CONTAS PARA EXECUÇÃO DOS PROJETOS PELO MINISTÉRIO DA CULTURA. IRREGULARIDADES EM CONVÊNIOS APROVADOS PELO MINC. REVISÃO PELA CGU. AUTOTUTELA DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO. PROJETO APROVADO E EM EXECUÇÃO. INABILITAÇÃO. REVOGAÇÃO INDIRETA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EXIGÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA AMPLA DEFESA. PRESERVAÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA. SATISFATIVIDADE DA MEDIDA LIMINAR. MANUTENÇÃO DE SITUAÇÃO IGUALMENTE SATISFATIVA E EXTINTIVA DA PRETENSÃO. POSSIBILIDADE DA ADOÇÃO DE MEDIDAS MAIS ADEQUADAS E MENOS PREJUDICIAIS, COMO PRESTAÇÃO DE CONTAS PERIÓDICAS E FISCALIZAÇÃO IN LOCO. ACORDO ENTRE PARTES. PERDA DE INTERESSE. NECESSIDADE DE SER ESTABELECIDO OFICIALMENTE. 1. As prestações de contas relacionadas a convênios anteriores, embora aprovadas pelo MinC, não foram julgadas pelo Tribunal de Contas da União, o que em princípio torna possível e lícito que a administração pública faça a revisão da aprovação, com a finalidade de autotutela dos princípios constantes do artigo 37 da CF/88, poder-dever explicitado no artigo 53 da Lei 9.784/99. 2. Tal revisão, que culminou com a Nota Técnica da CGU, demonstra que a pretensão da União é o ressarcimento dos valores “irregularmente aplicados” que, conforme artigo 83 da IN MinC 1/2010 e artigo 37, § 5°, da CF/88, é imprescritível. 3. Havendo 89
irregularidades na prestação de contas, a administração pode deixar de conceder novos convênios, conforme dispõe o artigo 30, § 2º, da Lei 8.313/91. Os projetos para a realização da 30ª Bienal de Arte, quando do bloqueio das contas relacionadas, no entanto, já estavam aprovados e em plena execução, demonstrando que a aplicação da medida cautelar administrativa do artigo 45 da Lei 9.784/99, justificada na constatação de irregularidade em contas anteriores, e na contumaz impossibilidade da proponente em justificar a boa aplicação dos recursos recebidos, corresponde, em verdade, a revogação indireta do ato de aprovação do projeto da Bienal/2012, já que não há previsão legal para paralisação ou cancelamento de convênio em andamento e já aprovado, mas apenas a suspensão da análise e da concessão de novos incentivos. 4. As supostas irregularidades na prestação de contas e a impossibilidade de justificação de gastos, sequer permitiriam a aprovação do projeto da 30ª Bienal, mas, uma vez ocorrida, não cabe a revogação sumária, mesmo indireta. O procedimento de rescisão de convênio aprovado e em execução deve obediência ao devido processo legal e à ampla defesa, para que se discuta, especificamente, os reflexos dessa rescisão na relação jurídica formada, o que não se vislumbra no caso concreto. 5. Embora concedidas à requerida várias oportunidades para a apresentação de documentos e justificativas sobre as irregularidades constatadas pela CGU, não houve notificação da requerente para que se manifestasse quanto ao descumprimento dos requisitos para manutenção do projeto em execução, a permitir a revogação do anterior ato de aprovação. 6. O artigo 90 da IN MinC 1/2010 previu, específicamente quanto aos projetos em andamento, a impossibilidade de prorrogação do prazo de execução (inc. VI) e a movimentação de recursos já captados, se abaixo do percentual previsto no art. 45 da IN (inc. VII), qual seja, de 20% do orçamento global do projeto, evidentemente, porque aqueles convênios que já atingiram esse percentual, como in casu, já se viabilizaram e, portanto, estão em plena execução, pelo que claramente a IN busca preservar a segurança dessa situação jurídica, certamente inclusive com vistas a não atingir terceiros. 7. Não é vedado à administração o bloqueio de contas de convênios em execução, conforme previsão do artigo 71 da IN MinC 1/2010, dispositivo que também é invocado pela agravada para justificar seu ato. Entretanto, o artigo deixa claro que as irregularidades a ensejar o cancelamento do projeto decorrem de sua própria execução, não estando relacionadas a execução de projetos anteriores. 8. A medida adotada pela administração não é cautelar, mas revocatória e antecipadamente punitiva. Não tem relação alguma com a dívida já existente, dado que os valores bloqueados não servirão para abatimento dessa dívida, ou se presta como medida preventiva ao ressarcimento, pois não pertencem à Fundação Bienal, e, de outro lado, o bem acautelado se refere a uma possibilidade de voltarem a ocorrer fraudes, como indica que ocorreram no passado, mas para isso outras medidas acautelatórias menos graves poderiam ser tomadas, como a imposição de regime de prestação de contas periódicas ou até mesmo instituição de fiscalização in loco durante a execução. 9. A satisfatividade do provimento cautelar para a liberação das contas ligadas à realização da 30ª Bienal de Arte de São Paulo - invocada com base no artigo 1° da Lei 9.494/97 - deve ser analisada em conjunto com a situação atual da requerente, em que elaborados os projetos, com aprovação, iniciou sua execução com a assunção de diversos compromissos financeiros através dos recursos obtidos através do procedimento da Lei Rouanet e teve abruptamente 90
bloqueados os valores, demonstrando que a manutenção da situação também gera efeitos satisfativos prejudiciais ao interesse de discussão judicial da lide. Ou seja, são duas situações em que, seja com a concessão ou negativa da medida cautelar, permanece certa carga de satisfatividade/definitividade para ambos os lados. Aliás, argumentar que a liberação das contas é satisfativa, pois possibilitará irreversivelmente a realização do evento, é admitir que a medida administrativa tomada não é cautelar, por impossibilitá-la. 10. A concessão da medida cautelar permitiria a liberação dos recursos para o prosseguimento dos projetos da Bienal, mas não impediria seu posterior bloqueio caso constatadas novas irregularidades em sua execução ou a efetiva ausência de direito subjetivo do requerente na ação principal. Ou seja, caso deferido o pedido cautelar aqui formulado, este só manterá seus efeitos caso não constatadas irregularidades na execução do próprio convênio, além, evidentemente, da hipótese de ocorrer superação ou perda de eficácia por razões processuais ou reforma por qualquer dos meios previstos. Em não ocorrendo irregularidades e sendo executado corretamente, nenhum prejuízo terá experimentado a agravada; se vierem a ser constatadas, pode haver nova suspensão inclusive no curso da execução. E pode também a administração tomar outras medidas, efetivamente acautelatórias, tendentes a evitar que ocorram. Tal solução busca, dentro do princípio da razoabilidade, ponderar e garantir a necessária segurança jurídica da relação processual, com o princípio que há de prevalecer o interesse público sem prejudicar uma prestação jurisdicional útil, ante a possibilidade de, em tese, perecimento do objeto. 11. Não há perda de interesse da recorrente pela proposta administrativa de acordo para a execução do projeto por outra proponente, pois, além de inexistir notícia acerca de qualquer tratativa efetivamente estabelecida oficialmente, o acordo cuida de opção à decisão judicial, não implicando, até que oficialmente efetuada, qualquer desistência de discussão do tema. 12. Caberá apenas a liberação das contas relativas à 30ª Bienal, inclusive porque relativamente a outros convênios quase nada falou a agravante. Também não cabe desde logo afastar o decreto de inabilitação, haja vista a contundência das acusações, bem assim, a inexistência de plausibilidade quanto à alegação de prescrição e de impossibilidade de revisão da aprovação das contas pela CGU. 13. Parcial provimento ao recurso, para o fim conceder a liminar na ação originária com o fito de determinar a liberação das contas ligadas à realização da 30ª Bienal de Arte de São Paulo.” (TRF3, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 466007 / SP 000390741.2012.4.03.0000, Relator(a) JUIZ FEDERAL CONVOCADO CLAUDIO SANTOS, Órgão Julgador TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 22/03/2012, Data da Publicação/Fonte, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/03/2012) “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INOMINADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. CRÉDITO ORIUNDO DE CONDENAÇÃO DO TCU. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 375 DO STJ. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE PENHORA SOBRE OS BENS À ÉPOCA DA ALIENAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ DOS ADQUIRENTES. INOCORRÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO INEXISTENTE. 1. São manifestamente improcedentes os presentes embargos de declaração, pois não se verifica qualquer omissão no julgamento impugnado, mas mera contrariedade da embargante com a solução dada pela Turma que, à luz da legislação aplicável, decidiu expressamente que 91
“a hipótese dos autos refere-se à execução de título executivo extrajudicial de natureza não-tributária - acórdão do TCU, devolução de valores repassados pela União através da Lei Rouanet -, afastando as disposições do Código Tributário Nacional e autorizando, assim, a aplicação da Súmula 375/STJ”. 2. Consignou o acórdão que “independentemente da discussão quanto à divergência entre informações constantes do DOI e contratos de venda e compra de imóvel arquivados no CRI, é certo que quando da alienação do imóvel, conforme arquivamento no CRI em agosto/2014, não constava qualquer penhora sobre referido bem imóvel”. 3. Concluiu o acórdão que “considerando, ainda, inexistir qualquer demonstração de má-fé da proprietária do imóvel na alienação do imóvel, é manifesta a implausibilidade jurídica do pedido de inclusão de OLGA MARIA DE OLIVEIRA GIL no pólo passivo da execução, bem como de decretação de fraude à execução”. 4. Não houve qualquer omissão no julgamento impugnado, revelando, na realidade, a articulação de verdadeira imputação de erro no julgamento, e contrariedade da embargante com a solução dada pela Turma, o que, por certo e evidente, não é compatível com a via dos embargos de declaração. Assim, se o acórdão violou os artigos 593, II, do CPC; 927 do CC; 37, caput da CF, como mencionado, caso seria de discutir a matéria em via própria e não em embargos declaratórios. 5. Para corrigir suposto error in judicando, o remédio cabível não é, por evidente, o dos embargos de declaração, cuja impropriedade é manifesta, de forma que a sua utilização para mero reexame do feito, motivado por inconformismo com a interpretação e solução adotadas, revela-se imprópria à configuração de vício sanável na via eleita. 6. Embargos de declaração rejeitados.” (TRF3, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 561759 / SP 0016957-32.2015.4.03.0000, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, Órgão Julgador TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 21/01/2016, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/01/2016)
TJSP “RESCISÃO CONTRATUAL C.C. DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO Contrato de CoPatrocínio referente a espetáculo teatral com os benefícios da Lei Rouanet Não cumprimento do cronograma que enseja a resolução do contrato - A chamada Lei Rouanet (Lei n. 8.313/91), regulamentada pelo Decreto n. 5.761/06, instituiu mecanismos de incentivos fiscais, de forma a obter o apoio da iniciativa privada, para o fomento da cultura - O apoio financeiro a um projeto cultural, a título de doação ou patrocínio, pode ser deduzido, por pessoas físicas ou jurídicas, total ou parcialmente, do Imposto sobre a Renda, conforme os arts. 18 e 26 da Lei n. 8.313/91 - Há renúncia fiscal por parte da União que abre mão de parte dos impostos em prol de investimentos em projetos culturais - Ilegitimidade ativa ad causam do patrocinador para reaver a importância que abateu Desnecessidade da expedição de ofício à Receita Federal Condenação ao ressarcimento afastada - Recurso da autora desprovido e conhecido e provido em parte o agravo retido, negando-se, no mais provimento ao apelo do réu.” (TJSP, Apelação 917714830.2009.8.26.0000, Relator(a): Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 27/05/2014, Data de registro: 28/05/2014) “APELAÇÃO – Indenização – Contrato de patrocínio de projeto cultural – Rescisão 92
– Autora que pretende o ressarcimento pela ré dos valores correspondentes à correção do valor principal, bem como do valor despendido para pagamento de imposto de renda em decorrência da não adequação do projeto no art. 18 da Lei Rouanet, que a beneficiaria com abatimento de 100% – Partes que formalizaram instrumento de rescisão prevendo única e exclusivamente a devolução pela ré do valor recebido a título de patrocínio, sem qualquer outra ressalva – Sentença de improcedência mantida. Recurso Improvido.” (TJSP, Apelação 011053745.2009.8.26.0100, Relator(a): Egidio Giacoia, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 30/04/2013, Data de registro: 30/04/2013) “Prestação de serviços Criação, editoração e impressão de livros Ação de cobrança Demanda de empresa particular em face de clube desportivo Sentença de parcial procedência da ação e de improcedência da reconvenção Manutenção do julgado ? Necessidade ? Contrato onde prevista obrigação de a empresa autora obter aprovação do projeto cultural junto ao MEC, a fim de se angariar benefícios fiscais (?Lei Rouanet?) ? Obrigação do clube réu em prospectar e agendar reuniões com empresas patrocinadoras financeiras do projeto ? Uma vez aprovado pelo órgão federal, o projeto acabou não se concretizando, haja vista a falta de patrocinadores ? Culpa pela rescisão da avença não definida ? Impossibilidade de as partes pleitearem o recebimento da multa rescisória ? Correto reconhecimento pelo Juízo da causa ? Autora que, nada obstante, confeccionou e entregou parte dos exemplares do livro, às suas expensas, sendo plenamente aceita pelo réu ? Direito de receber o valor equivalente aos custos do trabalho, sob pena de enriquecimento sem causa da parte contrária ? Correta aplicação dos arts. 884 e seguintes, do CC/2002 ? Sentença ratificada em todos os termos, como permite o art. 252, do RITJSP. Apelo do réu desprovido.” (TJSP, Apelação 9054482-66.2005.8.26.0000, Relator(a): Marcos Ramos, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 17/08/2011, Data de registro: 19/08/2011) “AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução Fiscal - IPTU do exercício de 1997 Penhora on Une via sistema BACEN-JUD. Alegação de que os valores penhorados foram tirados de conta corrente vinculada à promoção de projetos culturais fomentados pelo Governo Federal (Lei Rouanet). Antecipação dos efeitos da tutela recursal concedida para determinar o desbloqueio dos valores penhorados, substituídos por depósito integral da dívida exeqüenda. Agravo prejudicado.” (TJSP, 9049257-60.2008.8.26.0000, Relator(a): João Alberto Pezarini, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 18/12/2008, Data de registro: 04/02/2009) “Ação civil pública - Gastos baseado na Lei Rouanet - A empresa de economia mista (que nasceu e foi criada sob o regime do direito privado) pode destinar parte de seus recursos para realização de publicidade, visando manter viva sua marca na memória dos consumidores, especialmente quando a telefonia se encontrava em grande expansão no país.” “A música clássica é universal e agrada não apenas as classes mais abastadas. Para apreciar uma boa música, não é necessário ser rico e nem ter curso superior. Basta a sensibilidade que independe do nível econômico social do ouvinte. “ “Sentença de improcedência - Recurso 93
improvido.” (TJSP, 9157726-21.1999.8.26.0000, Relator(a): Guerrieri Rezende, Comarca: Comarca nâo informada, Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Público, Data de registro: 24/11/2000)
TJMG “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE TERCEIRO - ART. 1.046, § 2º, DO CPC - VERBA DE INCENTIVO DE PROJETO CULTURAL - LEI 8.313/91 BLOQUEIO JUDICIAL - VALORES DEPOSITADOS NA CONTA BANCÁRIA DA PARTE QUE É MERA COORDENADORA DO PROJETO - IMPOSSIBILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - VALOR MÓDICO - REDUÇÃO - NÃO CABIMENTO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. - Restando comprovado que a conta bancária foi aberta, especificamente para movimentação dos valores captados para a manutenção do projeto cultural, cujo depósito não pertence à executada, não tem cabimento o bloqueio judicial dos valores depositados na conta da coordenadora do projeto. - Não cabe a redução dos honorários advocatícios arbitrados na sentença quando condizentes com a ação e com o processo. - Recurso conhecido e não provido.” (TJMG, Apelação n.º 6049937-50.2009.8.13.0024, Relator(a): Des.(a) Márcia De Paoli Balbino, Data de Julgamento: 24/11/2011) “APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À PENHORA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O BEM BLOQUEADO VIA BACENJUD É IMPENHORÁVEL. Ausente demonstração segura de que o valor constrito via Bacenjud foi captado pela embargante exclusivamente para a execução de projeto cultural tutelado pela Lei Rouanet, não há falar em impenhorabilidade, impondo-se a manutenção da sentença que desacolheu os embargos à penhora. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70072472327, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 22/02/2017)” (TJRS, 70072472327, Órgão Julgador: Vigésima Câmara Cível, Relator: Dilso Domingos Pereira, Data de Julgamento: 22/02/2017, Publicação: Diário da Justiça do dia 06/03/2017)
TJSP APELAÇÃO RÉ – AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS E MATERIAS – OBRA LITERÁRIA – AUSÊNCIA DE PRAZO PARA ENTREGA DO TRABALHO – RESCISÃO CONTRATUAL POR CULPA RECÍPROCA – CONTRADITA DE TESTEMUNHA – AUSÊNCIA DE PROVA DE SUA SUSPEIÇÃO – VALIDADE DA PROVA. Não há prova nos autos de que a testemunha tenha interesse no objeto do processo, sendo de rigor o afastamento do pedido de que o depoimento da testemunha seja considerado apenas como informante. – RESCISÃO CONTRATUAL POR CULPA RECÍPROCA. – DEPÓSITO JUDICIAL DO VALOR PAGO PELA AUTORA PARA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PELA RÉ – JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA – INCIDÊNCIA ATÉ A DATA DO DEPÓSITO JUDICIAL. – JUROS DE MORA – INCIDÊNCIA - ARTIGO 407, DO CÓDIGO CIVIL. O reconhecimento de culpa recíproca na rescisão do contrato entabulado entre as partes, não
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afasta a incidência dos juros de mora, nos termos do disposto no artigo 407, do Código Civil, devendo os mesmos incidir desde a citação, até a data do depósito judicial (17/08/2016 – fl. 201). – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – AUTORA QUE SUCUMBIU NA MAIOR PARTE DE SEUS PEDIDOS – REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. Com efeito, a Autora sucumbiu na maior parte de seus pedidos, devendo a mesma ser condenada no pagamento de 80% das custas e despesas processuais. No que toca aos honorários advocatícios devidos à Ré, fixo em 15% sobre o valor da condenação, já incluídos os honorários recursais. – RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO AUTORA E RÉ – AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS E MATERIAS – OBRA LITERÁRIA – AUSÊNCIA DE PRAZO PARA ENTREGA DO TRABALHO – RESCISÃO CONTRATUAL POR CULPA RECÍPROCA – DANOS MATERIAIS CONSISTENTES NA DEFASAGEM DO VALOR DA IMPRESSÃO – AUSÊNCIA DE PROVA. Trata-se de ação de rescisão contratual c.c. restituição de quantias pagas e indenização por danos materiais e morais, cujo valor foi recebido pela autora através do incentivo cultural da Lei Rouanet. Ficou comprovado que as partes celebraram contrato de prestação de serviços consistente na impressão do livro a ser escrito pela autora. Após dois anos da assinatura da proposta, a ré iniciou tratativas com a autora para entrega do livro, com alternativas de acordo com as quais não concordou. O fato é que ambas as partes pretendem a rescisão do contrato, cada uma atribuindo à outra a culpa pela rescisão. Ocorre, porém, que pelas provas documentais e orais produzidas nos autos, verifica-se que ambas as partes tiveram culpa na rescisão contratual. A ré, por não ter estipulado prazo para a entrega da obra pela autora, recebeu o pagamento antecipadamente, que, contudo, ficou defasado ante aos anos que ficou no aguardo da entrega da obra pela autora. A autora, por sua vez, demorou muito tempo para finalização do livro, fato que ele não estava pronto até a data do ajuizamento da ação, - quase dois anos. Há que salientar que as testemunhas de ambas as partes informaram que quando se firma o contrato de impressão de livros, com aceitação da proposta, a demora entre o fechamento e a impressão do produto varia de 30 a 60 dias. A autora não fez prova cabal para justificar que a demora na entrega da obra ocorreu porque a maior parte das pendências para conclusão da obra dependiam de terceiros, ou de situações alheias à sua vontade. Conclui-se, assim, que a rescisão do contrato deve ocorrer, sendo recíproca a culpa pela rescisão do contrato firmado entre as partes. Isso porque, a autora não poderia ficar por tanto tempo sem entregar a obra, sem data limite; e a ré não poderia ter firmado o contrato sem data para a entrega. Diante disso, necessário que o valor de R$ 125.000,00 captado com o incentivo da Lei Rouanet (Lei n. 8.313/91) entregue à ré deverá ser devolvido à autora. – MULTA – AUSÊNCIA DE INCIDÊNCIA ANTE A CULPA RECÍPROCA NA RESCISÃO. Descabe o pedido referente à multa contratual pretendido pela autora, uma vez que houve culpa recíproca na rescisão contratual. - HONORÁRIOS CONTRATUAIS – OBRIGAÇÃO DA PARTE. Quanto aos danos materiais consistentes nos honorários advocatícios pagos pela autora, verifico que não são devidos. A alegação da autora de ter contratado advogado não configura os danos materiais, uma vez que esta relação é estabelecida entre o advogado e seu cliente. – DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. No que tange aos danos morais eles não estão caracterizados. A autora alega que sofreu danos morais porque, por culpa da ré, atrasou seis meses no projeto do livro, tendo que deixar de fazer uma viagem a Portugal para 95
poder solucionar questões de um negócio jurídico que até então estava certo de ocorrer sem maiores problemas. Ora, a prova dos autos evidenciou que a demora no projeto foi por culpa da autora e não da ré, e o fato de ter que resolver as questões do contrato firmado entre as partes por si só não a impediria de realizar a viagem a Portugal, pois a tecnologia dos dias atuais propicia a resolução de problemas da vida cotidiana em qualquer lugar do planeta. - ART. 252, DO REGIMENTO INTERNO DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Em consonância com o princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, inc. LXXVIII, da Carta da República, é de rigor a ratificação dos fundamentos da sentença recorrida. Precedentes deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça. – RECURSO DA AUTORA IMPROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DA AUTORA IMPROVIDO. (TJSP, 1004511-17.2016.8.26.0405, Classe/ Assunto: Apelação / Prestação de Serviços, Relator(a): Eduardo Siqueira, Órgão julgador: 38ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 16/05/2018, Data de publicação: 17/05/20) RECURSO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS CUMULADA COM TUTELA DE EVIDÊNCIA – CONTRATO DE PATROCÍNIO – LEI ROUANET 8.313/91 – GRATUITDADE PROCESSUAL. A prova colacionada autoriza a concessão do benefício da gratuidade da justiça ao agravante, à míngua de outros elementos que evidenciem sua suficiência econômica. Exegese do disposto no parágrafo 2º do artigo 99 do Código de Processo Civil. O benefício pode ser revogado a qualquer tempo, desde que demonstrada a alteração na condição financeira do requerente ou se comprovada a falsidade de suas alegações, hipótese em que ficará sujeito às penas da lei. Decisão reformada. Recurso de agravo provido para conceder ao agravante os benefícios da gratuidade processual. (TJSP, 2124099-18.2017.8.26.0000, Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Prestação de Serviços, Relator(a): Marcondes D’Angelo, Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 14/09/2017, Data de publicação: 14/09/2017) AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - INOCORRÊNCIA. O Juízo a quo não infringiu o art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, uma vez que estão suficientemente indicados na decisão agravada os motivos pelos quais rejeitou a alegação de incompetência do Juízo, bem como, a desnecessidade de intervenção Federal no presente caso. Assim, é de se reconhecer que a Agravante não foi impossibilitada, nos limites do que restou determinado, de exercer o direito constitucional da ampla defesa, pois teve elementos suficientes para trazer seu inconformismo neste recurso, razão pela qual não pode ser considerada nula a decisão recorrida. RECURSO IMPROVIDO NESTE PONTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. A presente ação diz respeito a contrato firmado entre as partes cuja discussão é independente da questão da utilização da Lei Rouanet. - ART. 252, DO REGIMENTO INTERNO DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Em 96
consonância com o princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, inc. LXXVIII, da Carta da República, é de rigor a ratificação dos fundamentos da r. sentença recorrida. Precedentes deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça. - RECURSO IMPROVIDO NESTE PONTO. DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO (TJSP, 2217079-18.2016.8.26.0000, Classe/ Assunto: Agravo de Instrumento / Prestação de Serviços, Relator(a): Eduardo Siqueira, Órgão julgador: 38ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 21/02/2017, Data de publicação: 21/02/2017) RESCISÃO CONTRATUAL C.C. DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO Contrato de CoPatrocínio referente a espetáculo teatral com os benefícios da Lei Rouanet Não cumprimento do cronograma que enseja a resolução do contrato - A chamada Lei Rouanet (Lei n. 8.313/91), regulamentada pelo Decreto n. 5.761/06, instituiu mecanismos de incentivos fiscais, de forma a obter o apoio da iniciativa privada, para o fomento da cultura - O apoio financeiro a um projeto cultural, a título de doação ou patrocínio, pode ser deduzido, por pessoas físicas ou jurídicas, total ou parcialmente, do Imposto sobre a Renda, conforme os arts. 18 e 26 da Lei n. 8.313/91 - Há renúncia fiscal por parte da União que abre mão de parte dos impostos em prol de investimentos em projetos culturais - Ilegitimidade ativa ad causam do patrocinador para reaver a importância que abateu Desnecessidade da expedição de ofício à Receita Federal Condenação ao ressarcimento afastada - Recurso da autora desprovido e conhecido e provido em parte o agravo retido, negando-se, no mais provimento ao apelo do réu. (TJSP, 9177148-30.2009.8.26.0000, Classe/ Assunto: Apelação / Compra e Venda, Relator(a): Alcides Leopoldo, Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 27/05/2014, Data de publicação: 28/05/2014) APELAÇÃO – Indenização – Contrato de patrocínio de projeto cultural – Rescisão – Autora que pretende o ressarcimento pela ré dos valores correspondentes à correção do valor principal, bem como do valor despendido para pagamento de imposto de renda em decorrência da não adequação do projeto no art. 18 da Lei Rouanet, que a beneficiaria com abatimento de 100% – Partes que formalizaram instrumento de rescisão prevendo única e exclusivamente a devolução pela ré do valor recebido a título de patrocínio, sem qualquer outra ressalva – Sentença de improcedência mantida. Recurso Improvido. ( TJ S P, 0110537-45.2009.8.26.0100, Classe/Assunto: Apelação / Espécies de Contratos, Relator(a): Egidio Giacoia, Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 30/04/2013, Data de publicação: 30/04/2013) Prestação de serviços ? Criação, editoração e impressão de livros ? Ação de cobrança ? Demanda de empresa particular em face de clube desportivo ? Sentença de parcial procedência da ação e de improcedência da reconvenção ? Manutenção do julgado ? Necessidade ? Contrato onde prevista obrigação de a empresa autora obter aprovação do projeto cultural junto ao MEC, a fim de se angariar benefícios fiscais (?Lei Rouanet?) ? Obrigação do clube réu em prospectar e agendar reuniões com empresas patrocinadoras financeiras do projeto ? Uma vez aprovado pelo órgão federal, o projeto acabou não se concretizando, haja vista a falta de patrocinadores ? Culpa pela rescisão da avença não definida ? Impossibilidade de as partes pleitearem o recebimento da multa rescisória 97
? Correto reconhecimento pelo Juízo da causa ? Autora que, nada obstante, confeccionou e entregou parte dos exemplares do livro, às suas expensas, sendo plenamente aceita pelo réu ? Direito de receber o valor equivalente aos custos do trabalho, sob pena de enriquecimento sem causa da parte contrária ? Correta aplicação dos arts. 884 e seguintes, do CC/2002 ? Sentença ratificada em todos os termos, como permite o art. 252, do RITJSP. Apelo do réu desprovido. (TJSP, 9054482-66.2005.8.26.0000, Classe/Assunto: Apelação / Prestação de Serviços, Relator(a): Marcos Ramos, Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 17/08/2011, Data de publicação: 19/08/2011) Ação civil pública - Gastos baseado na Lei Rouanet - A empresa de economia mista (que nasceu e foi criada sob o regime do direito privado) pode destinar parte de seus recursos para realização de publicidade, visando manter viva sua marca na memória dos consumidores, especialmente quando a telefonia se encontrava em grande expansão no país.” “A música clássica é universal e agrada não apenas as classes mais abastadas. Para apreciar uma boa música, não é necessário ser rico e nem ter curso superior. Basta a sensibilidade que independe do nível econômico social do ouvinte. “ “Sentença de improcedência - Recurso improvido.” (TJSP, 9157726-21.1999.8.26.0000, Classe/Assunto: Apelação Com Revisão / Lei 7.446/87 - Ação Civil Pública, Relator(a): Guerrieri Rezende, Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Público, Data de registro: 24/11/2000)
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