Cadernos de Direito e Cultura do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes
Organizadores Caroline Godoi de Castro Oliveira Fabíola de Andrade Colle Editora e Coordenadora da edição Elaine Favero Projeto Gráfico e design da edição Paulo Zapella Revisão Geral Nichollas de Miranda Alem Autores participantes dessa edição Cíntia Bell de Oliveira Kelly Lissandra Bruch Letícia Soster Arrosi Beatriz Vergaça Agradecimentos Agradecemos especialmente autores dos artigos dessa edição, que gentilmente nos autorizaram a incluir seus artigos na presente publicação. Informações adicionais A publicação é distribuída gratuitamente por meio digital. Qualquer forma de comercialização é vedada. Esta publicação teve a colaboração de toda equipe do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes. OLIVEIRA, Caroline Godoi de Castro. COLLE, Fabiola de Andrade (org.). Cadernos de Direito e Cultura. Volume 3: Direito da Moda e Fashion Law. São Paulo: Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes, 2019.
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APRESENTAÇÃO
Os Cadernos de Direito e Cultura foram criados para compilar diversos conteúdos jurídicos sobre um determinado tema e, assim, facilitar e incentivar o seu estudo. A maior parte dos textos que irão compor a coleção já foram publicados de maneira dispersa. Porém, acreditamos que estes mereciam uma reunião especial. Essa é a proposta dos Cadernos: juntar anotações, reflexões e o melhor de nossa produção teórica e técnica nos temas de convergência entre Direito, Cultura e Economia Criativa. A presente edição compilou três densos artigos sobre o Direito da Moda e as formas de proteção das criações neste âmbito, tratando da legislação aplicável e de alguns casos paradigmáticos da jurisprudência brasileira sobre o tema, assim como a jurisprudência recente sobre o tema. Por se tratar de um ramo do Direito que se encontra em construção no Brasil, o Direito da Moda se consubstancia em um conjunto de conhecimentos provenientes de diversas áreas, aplicados especificamente ao contexto multifacetado da indústria da moda. Apesar de não haver uma legislação especialmente destinada a regulamentar este mercado, existem instrumentos legais capazes de reger a cadeia de produção e o comércio da moda e do design. Deste modo, as criações deste âmbito se valem de uma proteção multidisciplinar para obter a devida tutela legal dos direitos envolvidos no desenvolvimento e comercialização de seus produtos. Há reflexos positivos e negativos quanto ao fato de ser uma área em construção: se por um lado pode existir uma certa insegurança sobre os mecanismos de proteção, por outro, os profissionais da área podem participar ativamente da pavimentação deste caminho. Por isso, os artigos e as jurisprudências selecionados têm o intuito de direcionar a atuação profissional, bem como de sedimentar a consolidação dos instrumentos atinentes a este segmento. Boa Leitura!
Caroline Godoi e Fabiola Colle
SUMÁRIO FASHION LAW E PROPRIEDADE INTELECTUAL: UMA ANÁLISE DOS MÉTODOS DE PROTEÇÃO DE ATIVOS ORIUNDOS DA INDÚSTRIA DA MODA
PG 08
CONTRATOS E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO ÂMBITO DO DIREITO DA MODA
48
SINAIS DISTINTIVOS NÃO TRADICIONAIS: O CASO LOUBOUTIN
86
DECISÕES EM CASOS EMBLEMÁTICOS
120
JURISPRUDÊNCIA RECENTE
128
FASHION LAW E PROPRIEDADE INTELECTUAL: UMA ANÁLISE DOS MÉTODOS DE PROTEÇÃO DE ATIVOS ORIUNDOS DA INDÚSTRIA DA MODA
Por Cíntia
Bell de Oliveira
Bacharel em Direito pela UFRGS, bell.cintia@gmail.com, Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
Kelly Lissandra Bruch Doutora em Direito pela UFRGS, kelly.bruch@ufrgs.br, Faculdade de Direito e Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Resumo: A proteção dos ativos oriundos da indústria da moda pela propriedade intelectual é assunto controverso, dadas as especificidades dos métodos de proteção e as características intrínsecas aos produtos do ramo. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é analisar cada uma das categorias – patente, direito autoral, desenho industrial e marca – a fim de avaliar seus respectivos requisitos e extrair eventual aplicabilidade de cada um deles no contexto da moda. Para tal, foi feita uma análise doutrinária, legal e jurisprudencial que indica os pontos controversos e apresenta os benefícios e as dificuldades relativas a cada um dos métodos de proteção, apontando-se, ao final, de que maneira seria possível aplicar cada um dos métodos ao ramo. Por fim, realizou-se uma análise conjunta dos resultados encontrados com o fito de demonstrar-se que há espaço para a proteção da propriedade intelectual (em todos os seus aspectos) no contexto da moda, como também que é possível selecionar o método de proteção mais adequado a partir do objeto que se pretende proteger e da função que se pretende abarcar. Assim, conclui-se que, em se tratando de matéria-prima ou processo de produção, adequada será a proteção através de patente. Em caso de produto final de caráter artístico, a proteção poderá se dar por direito autoral. O desenho industrial, por sua vez, será aplicável quando a intenção for proteger o aspecto ornamental do produto particular. Por fim, tanto o produto em si quanto o estabelecimento em geral poderão obter proteção através da marca. Palavras-chave: Direito da Moda. Propriedade Intelectual. Patente. Direito autoral. Desenho Industrial. Marca. Propriedade industrial. Direitos intelectuais. Ativos intangíveis.
Introdução A história da moda atravessa os séculos refletindo os costumes e os acontecimentos da sociedade (PEDROZO, 2015, p. 18). Todavia, a verdadeira
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difusão da moda ocorreu através da Revolução Industrial, que permitiu a industrialização e a produção em massa da vestimenta (MAIA, 2016, p. 5). A indústria da moda percebeu um crescimento exponencial a partir do século XIX, tendo sido estimada em 2,4 trilhões de dólares no ano de 20171. Somente no Brasil, em 2017, o faturamento da cadeia têxtil e de confecção atingiu 45 bilhões de dólares2. É inegável, portanto, a importância social e econômica desse segmento da indústria, de maneira que não causa surpresa o interesse, o desenvolvimento e a especialização do Direito nessa área de atuação. Antes de adentrar no mérito do estudo, cabe destacar que, ao falar-se em indústria da moda, está-se fazendo referência a um contexto global que abarca não só os produtos finais de conhecimento do público em geral – como roupas, sapatos e acessórios –, mas sim todas as etapas, processos, origens e materiais que resultam nesse produto final. Sendo assim, a indústria da moda referida no presente estudo engloba o processo de produção da matéria-prima, as novas tecnologias envolvidas na confecção de materiais, as disposições criativas e originais desses materiais, as novas formas de apresentação dos produtos finais, a distinguibilidade entre os estabelecimentos comerciais do meio e tudo que pode ser envolvido pelo universo fashion. Feita essa consideração, passa-se ao tema geral do presente trabalho. Fashion law, ou Direito da Moda, não é um ramo do direito propriamente dito, mas sim um conjunto de conhecimentos provenientes de diversas áreas aplicados especificamente a este contexto multifacetado da indústria da moda. Dentre as matérias abarcadas pelo Fashion law estão propriedade intelectual, contratos, direito internacional, direito do consumidor, direito do trabalho, direitos humanos, dentre outras. Trata-se, portanto, de uma área cujo objeto originalmente exige uma abordagem interdisciplinar. Nesse sentido, o tema específico da monografia é a análise do Direito da Moda por meio da ótica da propriedade intelectual, visando a responder a seguinte pergunta: quais são os métodos de proteção de propriedade intelectual mais apropriados para cada ativo intangível oriundo3 do ramo da moda, no âmbito do Direito Brasileiro? O objetivo geral do trabalho é analisar a legislação e a doutrina especializada, a fim de verificar como cada categoria da propriedade intelectual pode responder como método de proteção dos bens intangíveis relacionados à moda. Os objetivos específicos compreendem a análise de quatro métodos de proteção abarcado pelos direitos de propriedade intelectual, notadamente patentes de invenção, direitos autorais, desenho industrial e marcas, para
1 Disponível em http://economia.ig.com.br/2017-02-02/mercado-da-moda.html. Acesso em 10/12/2017. 2 Disponível em http://www.abit.org.br/cont/perfil-do-setor. Acesso em 10/12/2017. 3 Conforme explanado por Bruch (2006, p. 16), “a propriedade intelectual se constitui do conjunto de princípios e de regras que regulam a aquisição, o uso, o exercício e a perda de direitos e de interesses sobre ativos intangíveis diferenciadores que são suscetíveis de utilização no comércio”. 10
verificar como cada um deles poderia ser inserido no contexto da indústria da moda; a análise dos benefícios que podem ser trazidos de cada um dos métodos para a proteção dos ativos intangíveis relacionados com moda; a compreensão de quais dificuldades cada um dos métodos apresenta nesta aplicação; e a apresentação das adequações que cada método apresenta para a proteção dos ativos intangíveis relacionados com moda; Como será demonstrado ao longo do presente trabalho, cada método de proteção possui objetos, funções e requisitos diferenciados, os quais por muitas vezes vão de encontro à pretensão de proteção dos produtos oriundos da indústria da moda. De maneira diversa, observar-se-á que, em determinadas ocasiões, os métodos podem se sobrepor, sendo possível a proteção concomitante através de mais de uma categoria para uma mesma criação, embora cada qual apresente funções diferentes. Não bastasse a controvérsia acerca da viabilidade de proteção dos ativos intangíveis relacionados com moda pela propriedade intelectual, considerando seus requisitos formais, há, ainda, uma ampla discussão acerca da real necessidade dessa proteção, levando-se em conta o salutar funcionamento do mercado e as práticas concorrenciais. Assim, há quem defenda que a indústria da moda paradoxalmente prosperou através das cópias, que estimularam a inovação e a competição. Nesse sentido, Raustiala e Springman, no renomado artigo “The Piracy Paradox: Innovation and Intellectual Property in Fashion Design” (traduzido livremente como “O Paradoxo da Pirataria: Inovação e Propriedade Intelectual no Design de Moda”), publicado na revista Virginia Law Review em dezembro de 2006, afirmam que, mesmo estando os principais produtos da indústria fora do âmbito de proteção da propriedade intelectual, o segmento desenvolve uma variedade significativa de roupas e acessórios em uma velocidade surpreendente, motivo pelo qual não haveria necessidade de se conferir proteção adicional a esses artigos. Por outro lado, há quem sustente que a ausência de direitos de propriedade intelectual no ramo incentiva os copiadores e desencoraja investimentos em novas criações. Esses afirmam que as cópias reduzem a rentabilidade dos produtos originais, prejudicando o mercado, bem como impedem que os criadores de designs inovadores sejam devidamente ressarcidos pela comercialização dos produtos que desenvolveram. Em resposta ao artigo publicado por Raustiala 11
e Springman acima referido, Hemphill e Gersen, em sua publicação “The Law, Culture, and Economics of Fashion” (traduzida livremente como “A Lei, Cultura e Economia da Moda”), publicada na revista Stanford Law Review em março de 2009, apontam que os opositores ao regime de proteção erroneamente deixam de diferenciar os fenômenos de “close copying” e “shared trends”, tratando-os como equivalentes. Conforme explica Furri-Perry (2013, p. 17) “a cópia fiel é uma cópia linhaa-linha de um design e parece quase, se não exatamente, idêntica ao design original, enquanto cópia interpretativa é um design original que segue uma tendência atual”4. Assim, a propriedade intelectual, para esses autores, deveria ser utilizada como forme de prevenir o fenômeno do “close copying”. No entanto, cumpre frisar, desde já, que o presente trabalho não pretende analisar aspectos mercadológicos, como concorrência desleal, ou mesmo as consequências econômicas advindas de eventual proteção por propriedade intelectual dos ativos intangíveis relacionados à moda, bem como não procura estabelecer se a proteção é de fato imprescindível ou não. Nesse sentido, o estudo visa somente analisar os métodos de proteção e verificar a adequação de cada um deles aos produtos do ramo, estabelecendo se há ou não a possibilidade de lançar-se mão desses instrumentos no contexto. O método utilizado no desenvolvimento do artigo é o exploratório e a técnica de pesquisa empregada é a revisão bibliográfica e legislativa (constitucional e infraconstitucional), bem como a análise jurisprudencial, que permite a compreensão do problema. Nesse sentido, levando-se em conta a novidade do tema e a consequente escassez de doutrina específica, são analisadas posições acadêmicas obtidas por meio de artigos publicados tanto em revistas especializadas quanto em anais de congressos. Ainda, é dado destaque a decisões judicias nacionais e internacionais relacionadas à matéria, a fim de demonstrar-se como a jurisprudência tem lidado com a questão. Nesse sentido, frisa-se que, em que pese se tenha recorrido à doutrina e à jurisprudência estrangeira a fim de melhor explicar as controvérsias e entendimentos aplicáveis (visto que o Fashion law foi desenvolvido inicialmente nos Estados Unidos e na Europa, sendo trazido para o Brasil apenas recentemente), o presente estudo não pretende fazer uma análise de direito comparado, mas sim trazer um panorama geral da relação entre direito, moda e propriedade intelectual, destacando principalmente a legislação nacional. Importa, ainda, esclarecer que o trabalho não tratará da doutrina do “trade-dress” ou “conjuntoimagem”, o qual envolve diversas facetas da propriedade intelectual aplicadas simultaneamente, resultando em uma concepção integrada que afeta todos os âmbitos de uma empresa. Por fim, destaca-se que a presente pesquisa tem como objetivo fomentar o debate relacionado ao tema, apresentando os bônus e os ônus de cada método
4 “[…] close copy is a line-by-line copy of a design and looks almost if not exactly identical to the original design, while an interpretational copy is an original design itself that follows a current trend.” Tradução nossa. 12
de proteção para os artefatos provenientes da indústria da moda, constatando que não há uma única e correta resposta definitiva para o problema apresentado.
PATENTE O presente item fará uma análise acerca das particularidades do instituto jurídico da patente, a fim de averiguar a viabilidade da utilização desse método de proteção da Propriedade Industrial no contexto da indústria da moda. Ao final, demonstrar-se-á para que nicho da indústria esse método de proteção é mais viável e adequado.
1. Método As invenções5 são protegidas, em termos de Propriedade Industrial, pela categoria denominada de patente, prevista tanto no art. 5, inciso XXIX da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/1988) quanto no art. 8 da Lei nº 9.279/1996. Para que seja caracterizada como invenção6, a solução a ser protegida deve preencher três requisitos básicos: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Barbosa (2002, p. 1-2) define os referidos pressupostos técnicos da seguinte maneira: a. Novidade - que a tecnologia ainda não tenha sido tornada acessível ao público, de forma a que o técnico, dela tendo conhecimento, pudesse reproduzi-la. b. Atividade Inventiva - que a inovação não decorra obviamente do estado da arte, ou seja, que o técnico não pudesse produzila simplesmente com o uso dos conhecimentos já acessíveis. c. Utilidade Industrial - que a tecnologia seja capaz de emprego, modificando diretamente a natureza, numa atividade econômica qualquer. No Brasil, existem dois tipos de patente: as patentes de invenção e as patentes de modelo de utilidade. Patente de invenção é aquela conferida ao produto ou procedimento inteiramente novo, cuja estruturação constitui uma “solução para um problema técnico existente” (LABRUNIE; JABUR; SANTOS, 2007, p. 104). Patente de modelo de utilidade é aquela conferida ao objeto (ou parte desse) cuja aplicação resulta em uma melhoria técnica a um invento anteriormente criado (OMPI; INPI, 2016, Módulo 7, p. 2). Pode-se dizer que o objetivo maior visado pela obtenção de um registro de patente é a exclusividade temporária conferida ao inventor para exploração do invento. Nesse sentido, a patente pode ser vista como uma forma de recompensa
5 “Uma invenção pode ser definida como a solução de um problema técnico não encontrável na natureza” (SILVEIRA, 2014, p.80). 6 Cumpre destacar a diferença entre invenção e descoberta: “enquanto a invenção é uma criação nova, a descoberta é a mera revelação de algo que já se encontrava na natureza.” (LABRUNIE; JABUR; SANTOS, p. 101-102). 13
ao investimento e tempo gastos com o fito de se desenvolver a nova tecnologia. O Estado, por sua vez, utiliza o instituto da patente como forma de estímulo, visto que as novas criações serão utilizadas na indústria nacional, fomentando a economia (LABRUNIE; JABUR; SANTOS, 2007).
1.2. Benefícios conferidos pelo instituto No que diz respeito à esfera particular do inventor, um dos principais benefícios conquistados mediante a obtenção de uma patente é a exclusividade de exploração do invento (produção, uso e comercialização) que lhe é conferida. Esse poder sobre a criação dá ao criador uma vasta gama de possibilidades, as quais incluem a cessão e o licenciamento oneroso do bem protegido, consoante artigos 58 e 61 da LPI. Todavia, cumpre destacar que eventual abusividade na conduta exploratória poderá acarretar no licenciamento compulsório da patente (art. 68), caso haja comprovação, por exemplo, de ausência de uso do bem, ou mesmo abuso de poder econômico.
1.3. Dificuldades de aplicação à indústria da moda A obtenção de um registro de patente de invenção ou modelo de utilidade no contexto do Direito da Moda pode ser considerada como uma exceção à regra. Tal fenômeno pode ser explicado por diversos fatores, sendo o primeiro deles a disposição constante no art. 10, IV, da LPI, referente a não consideração como invenção ou modelo de utilidade as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética. Levando-se em conta que os produtos finais da indústria da moda (roupas, calçados, acessórios em geral) são fundamentalmente criações estéticas, por vezes sendo caracterizadas como artísticas, fica clara a barreira presente no caso: tais criações sequer podem ser consideradas, de acordo com a legislação nacional, invenções ou modelos de utilidade, inviabilizando seu registro através da patente. Além disso, a proteção desses bens mediante patente encontra óbice em um de seus pilares fundamentais: o requisito da novidade, descrito por Barbosa como “a essência da protectibilidade da solução técnica” (2002, p. 2). De outra forma, as próprias características do processo para obtenção de uma carta-patente dificultam a busca por essa forma de proteção no contexto da indústria da moda. Em primeiro lugar, importa frisar que se trata de um setor extremamente dinâmico, cujas mudanças ocorrem em uma velocidade considerável, ao passo que os procedimentos formais para obter-se uma patente, no Brasil
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podem demorar até onze anos7. Mesmo em países nos quais o backlog8 é consideravelmente inferior, como nos Estados Unidos, onde o tempo de espera é de aproximadamente dois anos9, ainda assim o procedimento não é rápido o suficiente para atender às necessidades de um setor que se renova a cada nova estação do ano, quando são lançados os novos produtos em agrupamentos conhecidos como coleções, conforme ressalta Maia (2016). Em segundo lugar, o processo é não só demorado, como também custoso. O valor da anuidade aumenta conforme o passar do tempo, permanecendo a obrigatoriedade de pagamento anual após a concessão da carta-patente. Desta forma é fácil compreender o porquê de a onerosidade estar relacionada a pouca procura por esse método de proteção em um contexto tão efêmero. Novamente, essa não é uma característica exclusiva da realidade brasileira, sendo mencionada tanto por Herzeca e Hogan (2013, p. 194) quanto por Jimenez e Kolsun (2014, p. 61) em relação ao contexto norte americano.
1.4. Adequação Não obstante as dificuldades narradas no subtópico anterior, cabe grifar que o instituto da patente não é de todo estranho à realidade da indústria da moda. Isso porque, em que pese os produtos finais como roupas, acessórios e sapatos estejam distantes dos requisitos e procedimentos inerentes a tal método de proteção, de maneira diversa se mostram as matérias-primas que podem ser utilizadas para sua confecção. A inovação na indústria têxtil ganha cada vez mais espaço no cenário mundial, sendo que esse incentivo pode encontrar sua origem nas mais diversas motivações de mercado: produtos destinados a melhorar a performance de atletas de alto desempenho, produtos sustentáveis, produtos destinados a facilitar a recuperação de uma condição médica, produtos com a finalidade de aprimoramento estéticos, etc. Nesse contexto, a busca por patentes destinadas a proteger tais criações técnicas vem aumentando, visto que a possibilidade de se obter exclusividade na confecção e comercialização de tais produtos – ou fornecer licenças para que terceiros o façam, obtendo-se os devidos royalties – é uma vantagem de mercado, a qual já foi apontada pela própria Organização Mundial da Propriedade Intelectual em sua publicação “Um ponto no tempo: o uso inteligente da Propriedade Intelectual por empresas do setor têxtil” (OMPI, 2005, p. 6). Diversos são os exemplos que podem ser mencionados a fim de elucidar a relevância das patentes para o setor têxtil e, consequentemente, para a indústria 7 Informação disponível em http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2014/04/brasil-ocupapenultima-posicao-em-ranking-de-patentes-validas/. Acesso em 15/10/2017. 8 Termo utilizado para designar a demora no processo de obtenção de uma patente. 9 Informação disponível em http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2016/09/brasil-leva-ate-11anos-para-conseguir-aprovar-patente-de-um-produto-novo.html. Acesso em 15/10/2017. 15
da moda. A empresa dinamarquesa Novozymes possui mais de 4.200 patentes e pedidos de patentes relacionados majoritariamente ao uso de enzimas para tratamento de tecidos (OMPI, 2005, p. 6); a empresa italiana Grindi Srl detém a patente do tecido Suberis, fabricado a partir de cortiça, conhecido por ser leve, macio, lavável, resistente a manchas e à prova de fogo e água (OMPI, 2005, p. 6); a Crocs, Inc. possui a patente relativa ao seu famoso calçado feito de espuma, registro esse que foi considerado válido pela U.S. Court of Appeals for the Federal Circuit, órgão colegiado de segundo grau estadunidense, por se tratar de um design não óbvio (HERZECA; HOGAN, 2013, p. 190); a Nike, Inc., que desenvolveu produtos em parceria com a Apple, “patenteou inserções de sapato e outros dispositivos para rastrear as coordenadas de GPS, frequências cardíacas e outros indicadores corporais dos corredores enquanto o usuário faz exercícios”10 (HERZECA; HOGAN, 2013, p. 192). Todavia, é importante destacar que a obtenção de patentes no contexto brasileiro é, em geral, um desafio, não estando as criações técnicas oriundas da indústria da moda imunes a essa realidade. Um exemplo negativo a ser mencionado envolve a busca por patentes referentes ao desenvolvimento de novos tecidos sustentáveis, os quais a princípio estariam de acordo com os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial inerentes ao instituto. A partir de uma análise dos dados disponíveis no Banco de Patentes do INPI11, realizada com base em diversas combinações de termos afins, como, por exemplo, “tecidos sustentáveis /biodegradáveis /ecológicos”, foram encontradas onze patentes, dentre as quais duas ainda constam como pedidos, não havendo decisão definitiva sobre a concessão, e nove constam como arquivadas, todas com base nos mesmos dois artigos da Lei nº 9.279/96: o art. 33, referente a falta de pedido de exame de patente (que deve ser feito após 36 meses do depósito do pedido), e o art. 86, referente a falta de pagamento de anuidades. Conclui-se, portanto, que, em que pese o instituto da patente seja teoricamente adequado para promover a proteção de parte das criações oriundas da indústria da moda – no caso, criações técnicas relacionadas à indústria têxtil, e não ao produto final comercializado no ramo –, é necessário que se faça um estudo prévio para que se avaliem os ônus e os bônus desse método de proteção, a fim de concluir-se pela necessidade do registro, dadas as dificuldades na sua obtenção, em especial no cenário brasileiro.
10 “Nike, Inc. [...] has patented shoe inserts and other devices to track the GPS coordinates, heart rates and other bodily indicators of runners while the wearer exercises”.Tradução nossa. 11 SALÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFRGS, XXVIII, 2016, Porto Alegre. Tecidos Sustentáveis: Viabilidade de Registros de Patentes no Brasil no Contexto do Fashion Law. Anais... Porto Alegre: UFRGS, 2016. 16
2. DIREITO AUTORAL O segundo item do presente estudo versa sobre a categoria Direito Autoral e sua relação conturbada com a indústria da moda. A partir da análise da legislação específica, da orientação doutrinária e do posicionamento jurisprudencial, buscar-se demonstrar quais características deve necessariamente conter a obra para obter proteção mediante direito de autor, bem como se seria possível identificar tais características nas criações oriundas da indústria da moda.
2.1. O método Carlos Alberto Bittar (2015, p. 27) ao conceituar Direito de Autor, o define como sendo “o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências”. Em suma, são protegidas por direito autoral as obras intelectuais que refletem uma “criação do espírito”, devendo necessariamente ser expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, conforme art. 7 da Lei n. 9.610/1998. Assim, meras ideias não possuem o condão de obter tal proteção, de acordo com o art. 8, I, da Lei n. 9.610/1998. De pronto, importa frisar a diferença crucial entre o direito autoral e a patente: enquanto no segundo caso são protegidas as invenções novas, que possuem atividade inventiva e aplicação industrial, sendo terminantemente excluídas do âmbito de proteção as criações estéticas, no primeiro caso, pelo contrário, a estética se mostra como um elemento fundamental da obra a ser protegida, conforme Bittar (2015). Em relação aos requisitos necessários à proteção através de direito autoral, Barbosa, Souto Maior e Ramos (2010, p. 430 e seguintes) estipulam sete: deve o autor da obra ser uma pessoa humana12, o resultado final da criação deve ser passível de imputação ao autor, a obra deve necessariamente ser uma criação intelectual, a obra deve ser externalizada em algum meio, a criação não pode 12 Embora comecem a surgir controvérsas a este respeito. 17
ser elencada nas proibições legais (art. 8º da Lei 9.610/98 – Lei de Direitos Autorais - LDA), deve haver novidade na criação (no sentido de não ser cópia de uma obra pré-existente) e a obra deve possuir contributo mínimo, que, para os doutrinadores, seria “o mínimo grau criativo necessário para que uma obra seja protegida por direito de autor” (BARBOSA, SOUTO MAIOR e RAMOS, 2010, p. 281). Sobre tal classificação, cumpre frisar que, em que pese os autores citem expressamente o requisito da “novidade” como sendo referente à vedação de cópia de obra pré-existente, o melhor termo a ser empregado no caso seria “originalidade”. Isso porque, conforme abordado já abordado, nova é a obra que jamais foi antes percebida no mundo, sendo totalmente única do início ao fim, enquanto original é a obra que apresenta traços de esforço mínimo de seu criador, distinguindo-a de obras pré-existentes, conforme preceitua Esteves (2013). Em que pese não seja levado em conta o mérito da obra a ser protegida – não se valora a sua qualidade, uma vez que se trata de questão subjetiva (BITTAR, 2015, p. 46) – é imprescindível que a criação seja original, a fim de que possa ser percebida como uma criação artística. Os artigos 7º e 8º da LDA elencam, respectivamente, as obras que podem ser protegidas pelo direito de autor e aquelas que não podem. Em que pese o caráter exemplificativo do art. 7º seja consensual, a possível taxatividade do art. 8º não é pacificada pela doutrina. Nesse sentido, Barbosa (2013, p. 275) aponta que a lei brasileira, deixou de “definir positivamente o seu objeto”, abrindo uma ampla margem de criações que possivelmente poderiam ser resguardadas pelo direito de autor. O entendimento de que o rol do art. 8º poderia ser exemplificativo também é adotado por Crivelli (2012, p. 51-52), que aduz que importa analisar o requisito da originalidade para que se discipline quais obras poderiam ou não ser excluídas da proteção do direito de autor. Portanto, pode-se concluir que a legislação brasileira permite que haja certa margem de interpretação quanto às obras que poderiam ser protegidas pelo instituto, enquanto procura determinar expressamente aquelas que não poderiam, em que pese parte da doutrina afirme que o rol do art. 8º não deveria ser interpretado restritivamente.
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2.2. Benefícios conferidos pelo instituto Em primeiro lugar, para os direitos autorais não há necessidade de um registro formal da obra intelectual a ser protegida (art. 18 da LDA), bastando a mera externalização da criação por qualquer meio, torna o método por muitas vezes gratuito e de fácil acesso. Todavia, caso seja de interesse do autor, o registro formal pode ser realizado, conforme for sua natureza, perante a Biblioteca Nacional, a Escola de Música, a Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Instituto Nacional do Cinema, ou o Conselho Federal Arquitetura e Urbanismo, a fim de se assegurarem os direitos13. Cabe grifar que o direito de autor não reconhece limites territoriais, em especial a partir da entrada em vigor da Convenção de Berna, assinada por 175 países14, a qual impõe o tratamento nacional para todos os signatários. Ressalta-se também que o mérito e a qualidade da obra não são levados em consideração para fins de atribuição de direitos de autor. Esse critério é de suma importância, pois qualquer tentativa de atribuição de juízo de valores para fins de concessão de proteção mediante direito autoral poderia prejudicar de maneira desproporcional o criador. A decisão sobre a qualidade da obra é invariavelmente impregnada de subjetividade, não podendo o legislador se basear em critérios tão abstratos para definir o objeto de proteção do instituto (BITTAR, 2015, p. 46). Esse também pode ser considerado um benefício inerente a essa forma de proteção, pois não precisa o autor se ocupar com as características particulares de sua criação, desde que respeitadas as vedações constantes no art. 8º da Lei 9.610/98. Especificamente no que diz respeito à indústria da moda, em especial em relação à produção em larga escala praticada por diversas empresas do setor, faz-se mister destacar um ponto interessante trazido por Pedrozo (2015, p. 21), que aduz que “o fato de haver a reprodução de obras não as exclui de serem obras artísticas, pois as mais conhecidas e mais protegidas são as que possuem em sua própria espécie a fabricação em série, como os 13 Conforme a Lei 9.610 (BRASIL, 1998, art. 19) e a Lei 5.988 (BRASIL, 1973, art. 17 caput e §1º). Destaca-se que, com a divisão do CONFEA e a separação da Arquitetura (agora representada pelo CAU, segundo a Lei 12.378/2010), há uma discussão sobre qual dos dois órgãos poderia realizar o registro. 14 Disponível em http://www.OMPI.int/export/sites/www/treaties/en/documents/pdf/berne.pdf, acesso em 05/11/2017. 19
livros, discos, filmes, etc.”. Assim, o fato de haver produção em larga escala, por si só, não seria hábil a afastar a possibilidade de incidência de direito de autor sobre as criações da moda. Outro atrativo do direito autoral é o tempo de proteção concedido à obra intelectual. Durante toda a sua vida o autor detém os direitos patrimoniais e morais sobre a sua obra, sendo que, após a sua morte, os seus herdeiros ainda serão detentores dos direitos patrimoniais e parte dos direitos morais (art. 24, §1º da LDA) por mais setenta anos, contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento. Nesse sentido, o próprio caráter dúplice da proteção por direito autoral, abrangendo tanto direitos patrimoniais quanto morais, é uma inegável vantagem em relação às outras formas de proteção da Propriedade Intelectual. Além disso, existência de direitos extrapatrimoniais confere ao criador um poder muito mais amplo sobre a criação e sobre a forma como a criação pode ser tratada. No caso do direito da moda, considerando-se a hipótese de uma réplica de pior qualidade feita por um concorrente, poderia ser debatida não só a questão de eventuais perdas patrimoniais decorrentes da comercialização do produto, como também poderia o criador obter vantagem pecuniária pela mera violação à integridade de sua criação, segundo Skibinski (2017, p. 56). Por fim, é de extrema relevância frisar que, em relação aos produtos oriundos da indústria da moda, objetos do presente estudo, não há qualquer vedação expressa prevista no art. 8º da LDA. Em que pese seja discutível o caráter taxativo do rol elencando no artigo, conforme já mencionado, a mera ausência de menção a tais produtos depõe a favor de sua proteção por direito autoral, 20
desde que respeitados os requisitos de criatividade e originalidade na confecção da obra.
2.3. Dificuldades de aplicação à indústria da moda A principal dificuldade em relação à proteção de artigos de moda por direito autoral é a questão do caráter utilitário de tais bens. A bipartição da Propriedade Intelectual entre Direito Autoral e Propriedade Industrial é fundamentada no critério da utilidade, de maneira a conferir às criações utilitárias proteção através de patentes, desenhos industriais e marcas. Nesse sentido, parte da doutrina defende que as obras passíveis de proteção por direito autoral não podem possuir caráter utilitário, como invariavelmente possuem os bens da indústria da moda – roupas, calçados, bolsas, etc. Esse entendimento é consubstanciado por Cerqueira (2012, p. 207). Da mesma forma se posicionam Rosina (2014, p. 108-109), ao dispor que “uma camisa, por ser um objeto funcional, não pode ser protegida por direito autoral, mas a estampa do tecido utilizado para fazer a camisa sim”. Assim também Maia (2016, p. 09). No entanto, tal posicionamento não é unânime. Jabur e Santos (2014, p. 221) afirmam que “as obras utilitárias também podem ser protegidas pelo direito de autor, pois a lei não veda a finalidade utilitária da obra, somete exige que exista uma finalidade também estética”. Rocha (2003, p. 28) sustenta que os objetos utilitários e de design que provocam “emoção estética” são obras artísticas e, portanto, podem ser protegidas por direito de autor. Bittar (2015, p. 45-46), ao diferenciar obras de finalidade estética de obras utilitárias, faz uma ressalva em relação à “obra de arte aplicada”, a qual ensejaria proteção tanto por direito autoral quanto pelos métodos relativos à propriedade industrial, em especial o desenho industrial. Em relação a tal debate, a Comissão Especial de Propriedade Imaterial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo, se posicionou no seguinte sentido (ALVARENGA; ABRÃO, 2006, p. 92):
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Resumidamente, concluíram que quando se tratar de forma necessária para a obtenção de um resultado técnico, não existe proteção autoral, sendo protegível somente como desenho industrial, observadas as condições de registrabilidade: novidade e originalidade; havendo valor artístico separável da utilidade, a proteção se dá tanto por registro de direito autoral quanto por de desenho industrial (cumulatividade de proteções).
Quanto a tal colocação, cumpre frisar que a expressão “resultado técnico” foi mal empregada, pois, conforme será abordado no tópico subsequente, a proteção conferida pelo desenho industrial se limita ao caráter estético do objeto, não abarcando seu resultado técnico (o que somente poderia ser feito através de patente de invenção). Todavia, tem-se que a ideia geral do posicionamento seria determinar que a criação será passível de proteção por direito autoral somente quando demonstrar valor artístico, ao passo que, se houver somente uma espécie de variação da forma comum que seja original, o item será protegido por desenho industrial. Além da questão da utilidade dos artefatos, a proteção dos bens oriundos da indústria da moda por direito autoral também pode encontrar óbice no requisito legal da originalidade. Abrão (2014, p. 571) sustenta que o direito autoral não seria aplicável à indústria da moda, pois se trata de um setor extremamente dinâmico, que sofre alterações muito rápidas e cujos produtos sempre são baseados em alguma tendência preexistente. Todavia, conforme Bittar (2015, P. 47), a originalidade possui caráter relativo: Ademais, apresenta a originalidade caráter relativo, não se exigindo, pois, novidade absoluta, eis que inexorável é, de um modo ou outro modo, o aproveitamento, até inconsciente, do acervo cultural comum. Basta a existência, pois, de contornos próprios, quanto à expressão e à composição, para que a forma literária, artística ou científica ingresse no circuito protetor do Direito de Autor.
Esse entendimento também é sustentando por Skibinski (2017, p. 56) e pela doutrina estrangeira, conforme exposto por Herzeca e Hogan (2013, p. 263). Portanto, em que pese haja divergência quanto à aplicabilidade do direito autoral aos produtos oriundos da indústria da moda,
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é possível concluir que a corrente majoritária, encabeçada por Ascensão e Bittar, defende que, ao menos em certas circunstâncias, quando houver relação intrínseca entre o caráter artístico e utilitário do produto seja preenchido, ainda que minimamente, o requisito da originalidade, é possível tal proteção, combinada ou não com a proteção através da propriedade industrial.
2.4. Adequação Em que pese não haja impedimento formal de proteção de criações da indústria da moda por direito autoral, conforme demonstrado acima, há que se destacar que o instituto não possui ampla aplicabilidade no setor estudado. Para que se determine a viabilidade de proteção por esse método é necessário fazer um estudo crítico do objeto a ser protegido a fim de se concluir por sua originalidade. Um dos conflitos judiciais mais famosos relacionados ao direito autoral e ao direito da moda foi o travado entre a grife de luxo francesa Hèrmes Internacional e a empresa brasileira Village 284. Em 1984, após uma conversa durante uma viagem de avião entre o chefe executivo da Hèrmes, Jean-Louis Dumas, e a atriz e cantora Jane Birkin, o empresário decidiu criar uma bolsa em sua homenagem, a Birkin bag, cujo design à época era extremamente inovador e singular15. A inconfundível bolsa acabou por se tornar um ícone de moda cobiçado por celebridades e almejado por pessoas de todas as nacionalidades, o que lhe conferiu um status diferenciado no ramo. Ocorre que, em 2010, a grife brasileira Village 284 lançou uma coleção de produtos intitulada “I’m not the original” (“eu não sou a original”, em tradução livre), na qual constava uma bolsa cujo design era exatamente o mesmo que o da Birkin bag, porém confeccionado com tecido de moletom, custando em média R$400,00 (em contraponto ao preço de uma Birkin original, que custa em média R$30.000,00). Assim, a Hèrmes notificou a empresa extrajudicialmente, requerendo a cessação da comercialização do produto, haja vista a violação de seus direitos autorais e a concorrência desleal.
15 Histórico extraído da página oficial da Maison Hèrmes, disponível em: https://www.hermes.com/us/en/story/106191-birkin/. Acesso em 05/11/2017. 23
A Village 284, por sua vez, interpôs ação que tramitou na 24ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, buscando a declaração de inexistência de relação jurídica derivada de suposta relação de direito autoral e de concorrência desleal, alegando já ter a Birkin bag caído em domínio público. A Hèrmes contestou a ação e propôs Reconvenção sustentando que a Village 284 fez uma cópia exata de seu modelo consagrado objetivando o lucro, ao passo que a Village respondeu à Reconvenção questionando a existência de um registro de desenho industrial da bolsa, o qual de qualquer maneira já teria caído em domínio público, bem como refutando a incidência de direito de autor por ser a bolsa fabricada industrialmente e por ter sido criada por Jean-Louis Dumas, e não pela Hèrmes. Em sede de sentença, o juiz João Omar Marçura decidiu que, no caso, era cabível a proteção por direito autoral, já que (i) Jean-Louis Dumas criou a bolsa nos exercícios de suas funções, (ii) a Birkin bag detém valor por sua natureza artística, sendo uma verdadeira obra de arte, de maneira que seu aspecto funcional figura em segundo plano, e (iii) observou-se cópia servil do produto com o fito de confundir a clientela. Assim, foi reconhecida a proteção do produto por direito autoral e determinada a cessação da produção e comercialização da bolsa da Village 284, tendo sido a sentença mantida em segundo grau16. O reconhecimento da viabilidade de proteção de produtos oriundos da indústria da moda por direito autoral também se deu em diversos outros casos, como, por exemplo, João Batista Castilhos da Rocha vs. Arezzo17 e Gilson Pereira Martins (G Blues Indústria e Comércio) vs. C&A18. Em ambos os casos os produtos objeto de disputa tratavam-se de criações artísticas singulares – João Batista desenvolveu artefatos através de técnica de marchetaria, utilizando instrumentos por ele criados, enquanto Gilson Pereira criou bolsas em formatos inusitados, como boca e chinelo – e foi arguido, em sede de contestação, a inaplicabilidade do direito de autor por serem criações utilitárias ou não exclusivas. Ambas as sentenças reconheceram o caráter artístico dos produtos e sua originalidade, de maneira a viabilizar a proteção através de direito autoral
16 Apelação Cível nº 0187707-59.2010.8.26.0100, 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 17 Processo nº 001/1.05.0034980-4, Vara Cível do Foro Regional Partenon da Comarca de Porto Alegre/RS. 18 Processo nº 0072174-63.2004.8.19.0001, 6ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro/RJ. 24
Por outro lado, no caso Puket (IMB Têxtil) vs. C&A, no qual a Requerente alegou violação ao seu direito autoral por confecção de linha de lingerie e meias contendo estampas de “carinhas estilizadas”, as decisões de primeiro e segundo grau foram categóricas ao refutar tal possibilidade, uma vez que inexistente a originalidade, pois, conforme sustentado em sede de contestação, tratava-se de tendência de mercado. Ainda, foi disposto que a confecção de tal forma se tratava de mera ideia, não sendo passível de proteção por direito autoral. Conclui-se da análise dos casos supracitados que, em respeito à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, só foi reconhecida a incidência de direito autoral nos casos em que demonstrada irrefutavelmente a originalidade e criatividade na confecção do produto discutido, gerando uma obra inegavelmente artística, visto que “estilos, métodos ou técnicas não são objeto de proteção intelectual”. Assim, tem-se que, em relação aos produtos da indústria da moda, a busca por tal proteção só é adequada quando tratar-se de criação única, com potencial visivelmente artístico, diferenciada e que não se enquadre em qualquer padrão vigente até o momento de sua confecção.
3. DESENHO INDUSTRIAL O desenho industrial é um dos métodos de proteção de propriedade intelectual mais utilizados na indústria da moda. O presente tópico trata sobre os requisitos necessários à obtenção de um registro de desenho industrial, quais produtos poderão ser protegidos por tal método e como se dá a sua relação com a indústria da moda.
3.1. O método Existem diversos produtos industriais que não se enquadram na categoria “invenções”, porém que são considerados originais devido ao fato de possuírem uma configuração visual distintiva em relação a objetos anteriores (art. 97 da LPI), bem como novos por não estarem compreendidos no estado da técnica (art. 96 da LPI). Tais produtos são protegidos por desenho industrial, definido pela legislação específica da seguinte maneira:
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Art. 95. Considera-se desenho industrial a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial
Segundo Cerqueira (2012, p. 213), a proteção por desenho industrial se destina aos produtos industriais que apresentam “aspecto novo que, além de distingui-los de outros semelhantes, os torne mais agradáveis à vista, já pela sua ornamentação, já pela forma que apresentam”, definindo-os como “produtos de arte aplicada”. O referido autor frisa que o objetivo é “a produção artística de objetos industriais, e não a produção industrial de objetos de arte” (CERQUEIRA, 2012, p. 206), destacando que, enquanto nas criações puramente artísticas o valor estético provém do trabalho e da habilidade do próprio autor, nos produtos industriais o valor artístico muitas vezes advém do próprio material utilizado (CERQUEIRA, 2012, p. 206-207). O instituto tem como objeto de proteção, portanto, a forma única conferida ao objeto de fabricação industrial. É importante desvincular a forma da função técnica, uma vez que, caso a forma seja necessária para se atingir a finalidade do produto, não há que se falar em desenho industrial, mas sim em modelo de utilidade (SILVEIRA, 2007, p. 291). Desta forma, “enquanto os desenhos industriais são sobrepostos a um produto, os modelos industriais19 constituem a sua própria forma” (SILVEIRA, 2007, p. 293). O autor inclui na categoria de utensílios protegidos por desenho industrial “os recipientes, móveis, artefatos de metais, de cerâmica, de joalherias, objetos de moda e qualquer produto industrial” (SILVEIRA, 2007, p. 293- 294). Considerando as definições (e distinções) conferidas nos tópicos anteriores aos requisitos de originalidade e novidade, a princípio pode parecer contraditório que ambos se apresentem, concomitantemente, como necessários à proteção por desenho industrial. Todavia, importa frisar que, no caso, tais conceitos possuem uma interpretação diferenciada. Ocorre que a originalidade, quando analisada sob a ótica do desenho industrial, é verificada a partir da aplicação da forma ao objeto, e não a partir da forma em si, conforme leciona Silveira (2007, p. 286)
19 Cumpre destacar que o Autor utiliza a expressão “modelos industriais” porquanto essa era a nomenclatura utilizada o antigo Código da Propriedade Industrial (Lei nº 5.772/1971), revogado pelo advento da LPI. 26
[...] nas obras de arte a originalidade se refere à forma considerada em si mesma, enquanto para os desenhos industriais a forma em si pode não ser original, desde que o seja a sua aplicação, isto é, a originalidade nesse caso consistiria na associação original de uma determinada forma a um determinado produto industrial
O mesmo entendimento é consubstanciado por Cerqueira (2012, p. 216): Se os elementos utilizados são vulgares, mas a composição do autor possui caráter original, o desenho ou modelo pode ser objeto de direito exclusivo, devendo-se apreciar não a originalidade de seus elementos isolados, mas a originalidade da composição, a combinação de seus elementos, o seu conjunto ou arranjo especial.
Assim, pode-se mencionar como exemplo a confecção de uma linha de bolsas em formato de raio. Em que pese o formato de raio em si não seja original, é inegavelmente original confeccionar uma bolsa nesse formato, restando preenchido tal requisito. Nesse sentido, Barbosa (2009, p. 45) acrescenta que a criação ornamental “deve ter determinado grau de inventividade estética capaz de resultar na efetiva distinguibilidade da nova configuração se comparada a produtos similares”.
A mesma lógica é aplicada ao requisito da novidade: A novidade de um desenho industrial pode consistir na composição do conjunto, mesmo que suas partes sejam conhecidas. Segundo Poillet, tais criações, quando não despertam nenhum sentimento estético, satisfazendo apenas o gosto da moda, somente podem ser protegidas pela lei de desenhos e modelos, caso contrário entram no domínio da propriedade artística. (SILVEIRA, 2007, p. 292) Com efeito, o desenho é uma criação ornamental e acessória a um produto industrial; assim, é ao ato de aposição do desenho ao produto que se elege como relevante para determinar a novidade, ou não. (BARBOSA, 2013, p. 69).
Cerqueira (2012, p. 216) resume a diferença na interpretação dos conceitos ao apontar que a legislação se contenta com o caráter relativo dos requisitos:
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Não se exige do autor, nem isso seria possível, que produza obra absolutamente nova ou original, criando formas inteiramente inéditas, novos estilos ou efeitos até então desconhecidos. Contenta-se a lei com a novidade relativa do desenho ou modelo, negando proteção apenas aos que carecem de qualquer traço original ou que reproduzam outros já conhecidos.
Assim, são protegidos por desenho industrial os objetos ornamentais bidimensionais ou tridimensionais de caráter estético que conferem ao produto um design original e novo, sendo que tais requisitos são observados a partir da aplicação da forma ao produto, podendo tal forma já ser conhecida, desde que disposta de maneira inovadora. Em que pese exista uma ampla gama de produtos que podem ser protegidos por tal instituto, a lei estabelece expressamente aqueles que não podem: (i) qualquer obra de caráter puramente artístico (art. 98 da LPI) – visto que é imprescindível a aplicação industrial –, (ii) qualquer obra contrária à moral e aos bons costumes (art. 100, I, da LPI) e (iii) a forma necessária comum ou vulgar ou, ainda, a forma essencialmente técnica ou funcional (art. 100, II, da LPI). Cumpre ressaltar, ainda, que o registro de desenho industrial não dispõe de exame de mérito – como ocorre no caso da patente –, somente de exame preliminar formal. Assim sendo, é latente a maior celeridade no processo e a diminuta burocracia envolvida, o que facilita a obtenção do registo. Por outro lado, a ausência de um exame preliminar de mérito fragiliza o instituto, pois viabiliza o registro de desenhos que não atendem de maneira satisfatória os requisitos de originalidade e novidade, podendo ser contestados posteriormente. Todavia, cabe grifar que, após a concessão do registro, é possível que o titular ou mesmo terceiros solicitem o exame de mérito (art. 111 da LPI).
3.2. Benefícios conferidos pelo instituto A obtenção do registro de desenho industrial confere aos titulares “privilégio temporário, que lhes assegura o direito de usar, gozar, e dispor de sua obra, bem como o de explorá-la, comercial e industrialmente, de modo exclusivo” (CERQUEIRA, 2012, p. 197). Não bastante, a legislação prevê a possibilidade de um único registro abarcar a proteção de até vinte variações do objeto, desde que se destinem ao mesmo propósito e guardem entre si a mesma característica distintiva preponderante (art. 104 da LPI) 28
Comparando-se o registro de desenho industrial à obtenção de uma carta patente, o processo é consideravelmente mais simples e mais rápido, bem como menos custoso. No mais, a própria OMPI e o INPI reconhecem que “a elaboração de formas novas e originais faz com que os produtos industriais tenham um maior apelo visual em relação aos seus concorrentes, representando um acréscimo ao valor comercial” (OMPI; INPI, 2016, Módulo 6, p. 2). É evidente, portanto, que a possibilidade se registrar o design inovador, vinculando-o ao seu criador, é de extremo interesse da indústria da moda.
3.3. Dificuldades de aplicação à indústria da moda Em primeiro lugar, conforme já referido, a LPI estabelece de maneira expressa que não serão protegidas por desenho industrial as obras de caráter puramente artístico, as formas necessárias ou comuns dos objetos ou, ainda, a forma essencialmente técnica ou funcional. Em relação ao primeiro critério, dificilmente um produto oriundo da indústria da moda deteria caráter puramente artístico, haja vista sua inafastável faceta utilitária, de maneira que é possível afirmar que a viabilidade da proteção, nesse contexto, não encontraria óbice em tal vedação. No entanto, as formas necessárias ou essencialmente funcionais podem se apresentar como um obstáculo, pois os produtos dessa indústria, em sua maioria – senão todos – partem de formas comuns e funcionais Tome-se como exemplo uma calça ou uma camisa. Ambos detêm em suas respectivas formas características comuns ou vulgares que viabilizam sua funcionalidade – como o formato da calça para que caibam as pernas e a estrutura da camisa para que possa ser vestida adequadamente – caso contrário esses itens não 29
atingiriam o seu objetivo final, que seria o de vestir. Assim, somente poderão ser protegidas as formas ornamentais que, anexadas ao molde vulgar do produto, configurem uma criação original e nova. Herzeca e Hogan (2013, p. 184) destacam, ainda, que o caráter dinâmico e extremamente mutável da indústria da moda diminui o interesse na proteção de uma forma ornamental específica e constante. A originalidade e a novidade, por sua vez, também poderão dificultar a obtenção do registro, pois a maioria dos produtos no contexto da moda não possuem características tão distintivas a ponto de preencherem tais requisitos. Não bastassem os empecilhos legais acima mencionados, cumpre destacar que, ainda que o processo para obtenção de um desenho industrial seja consideravelmente mais rápido e menos custoso do que aquele relativo à patente, o procedimento por muitas vezes não se adequa ao ritmo acelerado do processo criativo e comercial da indústria da moda. No mais, a inexistência de um exame preliminar de mérito fragiliza o instituto, pois a ausência de uma análise prévia apurada sobre as características particulares do registro viabilizam impugnações diversas após a sua concessão. Por fim, há que se destacar o fato de que a proteção via desenho industrial está limitada ao território no qual foi obtido o registro – em especial no caso do Brasil, que não é signatário do Acordo de Haia –, o que também dificulta o emprego desse instituto no contexto globalizado da moda.
3.4. Adequação Não obstante seja o desenho industrial considerado pela OMPI (2005, p. 3) como o método de proteção mais relevante para a indústria da moda, importa destacar que o instituto não se adequa a todo e qualquer produto proveniente desse meio, mas sim principalmente a ornamentos específicos empregados em joias, acessórios em geral, sapatos, bolsas, entre outros. Isso porque nesse tipo de produto é consideravelmente mais fácil empregar uma forma distintiva original e nova sem que se perca seu aspecto utilitário e sem que se caia na vedação à proteção de elementos comuns ou essencialmente funcionais. No caso da vestimenta, por outro lado, o emprego desse método de proteção é menos comum, porém não inexistente, conforme destacam Herzeca e Hogan (2013, p. 184). 30
A título exemplificativo, cita-se a empresa de calçados Grendene S.A., que detém aproximadamente dois mil depósitos de pedidos e registros de desenho industrial referentes a calçados e seus ornamentos perante o INPI20. De modo geral, portanto, são os acessórios, sapatos e bolsas os principais objetos visados quando se trata de proteção através de desenho industrial. Ademais, como visto, os autores frisam que a opção pelo desenho industrial é usualmente tomada quando se trata de produtos que provavelmente perdurarão no tempo, independentemente das tendências passageiras da indústria. Essa relação é explicada pelo investimento financeiro e pelo tempo dispendido com a obtenção de registro perante o órgão competente, conforme Maia (2016, p. 12). Cumpre destacar, ainda, que a proteção por desenho industrial muitas vezes poderá ser cumulada com a proteção por direito autoral, conforme abordado no tópico anterior. Uma vez que a proteção por direito de autor independe de registro formal, o desenho industrial muitas vezes é utilizado como forma de se obter prova da titularidade daquela criação, facilitando o reconhecimento judicial de proteção em caso de violação (JABUR; SANTOS, 2014, p. 231). Em que pese tal prática seja usual, importa repisar que as criações passíveis de proteção por direito autoral podem ser registradas por si só em tal categoria perante os órgãos competentes, independendo do registro de desenho industrial para acumular material comprobatório.
4. MARCA O quarto e último tópico do presente trabalho aborda o instituto da marca e sua ampla aplicação à indústria da moda, utilizando da doutrina especializada e da jurisprudência com o fim de estipular quais seriam as melhores formas de aplicar o método nesse contexto.
4.1. O método A marca pode ser definida como “todo sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral para 20 Informação extraída de pesquisa no banco de dados de desenhos industriais do INPI utilizando o CNPJ da empresa no campo de depositante. 31
identificá-los e diferenciá-los de outros idênticos ou semelhantes de origem diversa” (CERQUEIRA, 2012, p. 253). O signo, portanto, não só identifica o produto e o diferencia dos concorrentes, como também estabelece um canal de informação e comunicação com o consumidor (MORO, 2009, p.5), o qual, ao identificar o sinal distintivo da marca, reconhece as características particulares do produto. Assim, a doutrina estabelece que a marca possui cinco funções primordiais (COPETTI, 2010, p. 41 - 47): função distintiva, função de indicação de origem (do produto e do responsável por sua fabricação), função econômica (valorização da marca), função de qualidade e função publicitária. No Brasil, a legislação específica não determina expressamente o que poderia ser objeto de proteção através do instituto, limitandose a definir como registráveis “os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais” (art. 122 da LPI). Todavia, a lei discrimina tudo aquilo que não é registrável como marca (art. 124 da LPI), o que engloba desde cores (salvo se dispostas de modo distintivo) e sinais genéricos até nomes próprios (exceto se autorizados) e a forma necessária, comum ou vulgar do produto que será protegido. Em relação à distintividade como requisito para a obtenção de um registro de marca, cabe destacar que nem sempre o caráter distintivo será observado originariamente no objeto a ser protegido. Existe a possibilidade de a capacidade distintiva ser adquirida através do uso do sinal no mercado, fato que ensejou o surgimento da doutrina conhecida como secondary meaning (Moro, 2009, p. 159). Existem, ainda, alguns princípios que norteiam o direito marcário (COPETTI, 2010, p. 49-54): o princípio da disponibilidade determina que o sinal a ser registrado deve ser livre, no sentido de não pertencer a terceiro ou à toda a comunidade; o princípio da anterioridade garante à primeira pessoa que requerer o registro o direito de exclusividade sobre aquele sinal; o princípio de territorialidade determina que o registro da marca somente é válido no país em que foi conferido; o princípio da especialidade impõe a exclusividade sobre o uso da marca somente dentro do âmbito de atividade do titular (podendo marcas que possuem o mesmo nome atuar em atividade distintas, por exemplo); e, por fim, o princípio 32
da afinidade, o qual incide quando uma marca adquire eficácia fora da classe na qual originalmente foi protegida, porquanto, segundo o INPI, “o risco de confusão ou associação indevida também se manifesta no caso de bens ou serviços de espécies distintas, quando guardam, entre si, características semelhantes ou estreita relação”21 Ademais, os tipos de marcas registráveis são definidos pela legislação de cada país. No Brasil, segundo a classificação adotada pelo INPI, a marca pode ser nominativa – quando formada por palavras, neologismos e combinações de letras e números -, figurativa – quando constituída por desenho, imagem, ideograma, forma fantasiosa ou figurativa de letra ou algarismo –, mista – quando combina imagem e palavra – e tridimensional – a forma de um produto, quando é capaz de distingui-lo de outros produtos semelhantes. Em relação às marcas tridimensionais, importa dispor brevemente sobre as diferenças entre esse instituto e o desenho industrial. Conforme visto no tópico anterior, os requisitos para que se obtenha o registro de desenho industrial são a novidade e a originalidade, enquanto o principal requisito para a obtenção de um registro de marca é a distintividade, não sendo necessário que o sinal seja original ou novo (MORO, 2009, p. 260). Assim, segundo Moro (2009, p. 262) enquanto a marca “exige que a forma tridimensional seja capaz de identificar o produto ou serviço assinalado como um todo”, o desenho industrial “visa a diferenciar a forma aplicada ao objeto de outras já existentes”. Nesse sentido, cabe destacar as considerações feitas por Moro (2009, p. 261) acerca da diferenciação entre os institutos: O exemplo de uma embalagem de perfume pode esclarecer melhor a questão. Ao solicitar a proteção por desenho industrial dessa forma em três dimensões, requer-se a proteção de uma forma de embalagem [...] enquanto, no caso de uma marca, ela pode ser o elemento distintivo do próprio produto, ou seja, do próprio perfume. [...] Como marca, a forma tridimensional pode ser de tal forma arbitrária que em nada se pareça ou tenha que ver com o produto que assinala, o que não ocorre com o desenho industrial, que parte do objeto ao qual será aplicado, seja ele uma cadeira, uma mesa, um cabide, um armário, etc. [...]
21 Disponível em http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/PDF. Acesso em 03/12/2017. 33
Além do mais, a marca obedece ao princípio da especialidade, enquanto, apesar de terem uma vinculação ao objeto a que são aplicados, os desenhos industriais não admitem tal limitação. Entende-se que, para ser marca, não basta a forma em três dimensões ter uma configuração diferenciada. Isso é necessário, mas não será suficiente se não for essa forma capaz de distinguir os produtos ou serviços por ela assinalados
No mais, existem ainda as marcas de alto renome (art. 125 da LPI) e as marcas notoriamente conhecidas (art. 126 da LPI), às quais são asseguradas proteções especiais. As marcas de alto renome constituem uma exceção ao princípio da especialidade, pois seu renome transcende o segmento de mercado original, sendo assegurada a proteção em todas as classes (COPETTI, 2010, p. 72). São exemplos de marcas de alto renome a Coca-Cola, a FaberCastell e a Ferrari, todas reconhecidas como tal pelo INPI22. Por outro lado, as marcas notoriamente conhecidas constituem uma exceção ao princípio da territorialidade, pois demandam a recusa ou a invalidação de registro de sinal que reproduza ou imite marca que inegavelmente é conhecida naquele país, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no local (COPETTI, 2010, p. 75).
4.2. Benefícios conferidos pelo instituto Ao analisar-se o instituto da marca através de seus requisitos e características legais, observa-se que, de todos os métodos abordados no presente trabalho, é o que menos impõe óbices à proteção de produtos oriundos da indústria da moda. Cabe frisar que a marca, por ser um bem imaterial, é suscetível de reprodução ilimitada e simultânea (MORO, 2009, p. 7). Observadas as formalidades procedimentais, pode a marca perdurar por tempo indeterminado, o que se apresenta como uma grande vantagem para o seu titular, pois auxilia no desenvolvimento e no reconhecimento dos produtos por ele comercializados, consolidando a empresa em seu nicho de mercado. Esse fator é extremamente relevante para a indústria da moda, pois, como se sabe, trata-se de segmento no qual o status detém suma importância. É claro, pois, que a amplitude de aplicação do instituto, associada à sua durabilidade, são os principais fatores responsáveis por consagrar a marca como sendo o método de proteção da 22 Disponível em http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/marcas/marcas-de-alto-renome. Acesso em 03/12/2017. 34
propriedade intelectual mais utilizado pelo ramo da moda. Nesse sentido se manifestam Herzeca e Hogan (2013, p. 63): Existem circunstâncias nas quais o direito de autor e as patentes não protegerão a moda. E mesmo onde essas formas alternativas de proteção são aplicáveis, elas só podem proteger o trabalho de um titular por um período limitado. A proteção através de marca registrada, em contraste, pode perdurar para sempre, desde que os consumidores realmente usem a marca para identificar uma fonte específica23.
Importante, também, é a característica da marca de não só englobar todos os produtos individualmente concebidos, como também o próprio estabelecimento comercial em si. A proteção de eventuais produtos individuais somada àquela conferida ao acervo como um todo é uma opção a ser tomada pelo titular, pois não é obrigatória – porém, em alguns casos, pode ser relevante. Maia (2016, p. 14) traz como exemplo de amplitude da aplicação do instituto da marca a grife Burberry, a qual detém tanto registros gerais quanto específicos, inclusive no Brasil: Como exemplo de marca geral e específica pode-se citar a grife Burberry. Ela é titular no Brasil de 09 registros de marcas que podem ser consideradas marcas gerais. Todos eles fazem referência a produtos ou serviços ofertados, tais como: vestuário, perfumaria, cosméticos, relógios e etc. O signo Burberry está presente em todos os produtos e serviços ofertados pela empresa titular. Ainda assim, ela registrou como marca o seu xadrez típico em diversos países (no Brasil, registrado sob o nº 822964147), ou seja, ele é uma de suas marcas específicas.
Não obstante a magnitude do método, destaca-se que o registro de marca é relativamente fácil de se obter, desde que a marca seja distintiva e não sucumba a qualquer das vedações legais (art. 124 da LPI). Ainda, não é um método caro, considerando-se que as principais taxas a serem pagas, sendo que o depósito por meio eletrônico é mais barato do que o realizado por via física. Por fim, cumpre destacar que é possível ao titular do registro de marca licenciar o seu uso (art. 130, II, da LPI), sendo essa outra maneira de lucrar através da marca.
23 “There are instances in which copyright and patent law will not protect fashion. And even where these alternate forms of protection are applicable, they can only protect the work of an owner for alimited period. Trademark protection, in contrast, can go on forever, as long as consumers actually use the mark to identify a specific source.” Tradução nossa. 35
4.3. Dificuldades de aplicação à indústria da moda Levando-se em conta o caráter globalizado da indústria da moda, pode-se mencionar como fator negativo na aplicação do instituto da marca o fato de que seu registro está restrito aos limites territoriais do país que o concedeu, excetuando-se eventual aplicação do disposto no Acordo e no Protocolo de Madrid aos países signatários, o que não é o caso do Brasil. Além dessa limitação, considerando-se as particularidades da indústria da moda, uma das vedações que precisam ser cuidadosamente observadas é aquela referente ao aspecto funcional do sinal que visa a obter proteção. A marca jamais protegerá o aspecto necessário ao uso daquilo que se pretende registrar, conforme Castro (2017, p. 41). [...] um sinal, quando possui um aspecto funcional, não é passível de registro. É a chamada Doutrina da Funcionalidade, na qual uma cor só será passível de registro marcário se a mesma não for essencial para o uso ou propósito do que se identifica, ou se não afetar seu custo ou qualidade. Desta doutrina, ainda cabe falar de seu desdobramento: a chamada Funcionalidade Estética, que expõe que quando um aspecto tem somente a intenção de melhorar o seu design e tornar o produto mais desejável, atraente de forma comercial, esse aspecto não padece de proteção, pois o consumidor é atraído ao design. Como visto anteriormente, para que uma cor seja registrada como marca, é necessário que haja uma reputação, e, portanto, é difícil definir aonde a funcionalidade estética começa e aonde o aspecto puramente reputacional acaba.
Do trecho acima transcrito extrai-se que a Funcionalidade Estética se apresenta como uma forma de diferenciar o objeto de proteção do desenho industrial do objeto de proteção da marca. Em qualquer caso, há que se observar eventual funcionalidade do sinal que se pretende registrar, em especial ao se tratar de marcas tridimensionais associadas a produtos como sapatos, bolsas, dentre outros.
4.4. Adequação Conforme pontua Maia (2016, p. 12), o instituto da marca extrapola os limites legais e econômicos concernentes à propriedade industrial, possuindo a capacidade única de adentrar no imaginário dos consumidores e influenciar suas escolhas e seus estilos de vida, em especial ao tratar-se do ramo da moda. 36
A adequação do uso da marca como forma de proteção do produto em si pode ser exemplificada pelo caso judicial mais famoso do Direito da Moda: Christian Louboutin vs. Yves Saint Laurent. Christian Louboutin é um designer francês de calçados que se tornou famoso por confeccionar sapatos cujas solas são laqueadas em vermelho vivo. O icônico solado vermelho passou a ser item extremamente cobiçado pelos consumidores do ramo, sendo que o registro marcário do solado vermelho foi concedido nos Estados unidos na Classe Internacional nº 25 em 200824. Ocorre que, em 2011, a grife Yves Saint Laurent, outra gigante da alta costura, lançou uma linha de sapatos denominada “Cruise”, na qual todos os exemplares eram monocromáticos, incluindo alguns na cor vermelha. Dessa forma, Louboutin propôs ação judicial nos Estados Unidos25 por contrafação de marca, falsa designação de origem e concorrência desleal. Em resposta, Saint Laurent afirmou que o registro do solado vermelho não era válido por deter caráter funcional e não ser suficientemente distintivo. Em primeira instância, decidiu-se pela invalidade do registro de Louboutin sob o argumento de que uma cor não seria registrável como marca; somente um conjunto de cores dispostas em certo padrão distintivo poderia ser. Assim, Louboutin recorreu e, contando com o apoio da renomada joalheira Tiffany & Co., habilitada como Amicus Curiae – a qual detém o registro de marca monocromática em tom azul26, utilizada na confecção de suas famosas embalagens –, obteve decisão parcialmente favorável no sentido de reconhecimento do secondary meaning adquirido pelos solados vermelhos, o que lhe garantia a validade do registro da marca. Todavia, foi determinado que a marca só seria válida em relação a sapatos cujo conjunto contrastasse com o solado vermelho (apostila essa que foi incluída no registro nº 3361597). Dessa forma, Saint Laurent pôde continuar comercializando sua linha de sapatos monocromáticos. Conforme destaca Castro (2017, p. 48), o “solado vermelho não é aspecto funcional, pois a cor em nada interfere na funcionalidade do sapato”. Poder-se-ia defender, no entanto, a aplicação da já mencionada doutrina da Funcionalidade Estética – ocorre que, no caso, essa seria afastada ante a inegável reputação conferida pelo 24 Red Sole Mark, nº 3361597. 25 Docket nº 11-3303-cv, Christian Louboutin S.A. vs. Yves Saint Laurent Am. Holding, Inc. 26 Registros nº 2184128, 2359351, 2416795 e 2416794. 37
uso da cor. Assim, a autora demonstra que, no caso de Louboutin, o reconhecimento da validade da marca era imprescindível, dada a importância e a distintividade do solado vermelho no contexto. Todavia, a questão continua a gerar debate no ramo jurídico. Recentemente, o Tribunal Europeu de Justiça dispôs que o solado vermelho de Louboutin não é uma entidade separada da forma do próprio sapato, e, em sendo uma forma, não poderia ser registrado como marca de acordo com a legislação da União Europeia27. Existem, ainda, diversos exemplos de adequação do registro marcário ao contexto geral de uma empresa do setor da moda, ou seja, a definição de uma única marca que represente todo o acervo daquela empresa. Dentre eles, citam-se dois dos processos judicias movidos pela grife Louis Vuitton no Brasil. O primeiro deles diz respeito ao embate judicial travado entre a renomada grife e a empresa brasileira Viviton, a qual também possuía registros marcários perante o INPI. A argumentação de contrafação de marca prosperou em relação às marcas nominativas e mistas, em face da semelhança gráfica e fonética que possibilitava a associação entre as marcas, embora o público alvo fosse diferente. Em outros termos, a Viviton utilizou o renome da Louis Vuitton para ascender no mercado, embora não concorresse diretamente com ela, em claro comportamento parasitário. Assim, em observância ao princípio da especialidade, foi determinado que a Viviton cessasse a utilização de sua nomenclatura. Posteriormente, Louis Vuitton ajuizou outra ação com fundamento em seus registros marcários, dessa vez em desfavor de Inca Comercial Exportadora Ltda., por tentativa de importação de produtos falsificados da grife. Da mesma maneira que no caso anterior, a questão em discussão não era a eventual possibilidade de induzir-se o consumidor em erro, pois certamente o público alvo da grife não seria ludibriado pelo produto falsificado (inclusive devido ao preço de mercado). A intenção da ação era impor que a Inca cessasse a comercialização indevida, visto que essa não só feria o direito de exclusividade da titular, como também manchava 27 Processo movido pela Louboutin contra a grife holandesa Van Haren. Informação disponível em: https://mobile.nytimes.com/2018/02/06/ business/christian-louboutin-shoes-red-trademark.html?smid=fb-nytimes&smtyp=cur&referer=https://m.facebook.com/. Acesso em 23/02/2018. 38
a imagem da marca Louis Vuitton no mercado. Ao final, a Louis Vuitton saiu vitoriosa, tendo sido os produtos retidos no Porto de Santos e impedida a sua comercialização Cabe grifar que, em ambos os casos, diversos eram os tipos de produtos contrafeitos, desde bolsas até perfumes. Assim, foi possível lograr êxito na cessação da comercialização de uma variedade de produtos com base em uma marca de aspecto geral. Com base na análise da doutrina e da jurisprudência abordadas, chega-se à conclusão que, caso a intenção seja obter uma marca de uso generalizado para todo o acervo da empresa, o ideal seria que o registro se desse nas modalidades nominativa, figurativa e mista. Dessa forma, o sinal distintivo não seria limitado a uma única forma e, por isso, poderia abarcar diversos produtos diferentes, vinculando-os a uma mesma origem. De maneira diversa, caso a intenção seja proteger uma peça em específico, o registro através da marca tridimensional parece mais adequado, pois associa a uma única forma tridimensional todo o histórico de origem, qualidade e renome de uma empresa. Por fim, destaca-se que a proteção através de marca tridimensional pode ser concomitante a outros métodos de proteção da propriedade intelectual, como, por exemplo, o desenho industrial e o direito de autor. O solado vermelho de Louboutin pode ser entendido como um aspecto ornamental original e novo, passível de proteção através de desenho industrial, assim como pode ser visto como a expressão artística do espírito criativo de seu criador, podendo ser protegido por direito autoral. O solado pode, ainda, representar em sua forma toda uma concepção distintiva relacionada a uma origem comercial única, associando-se à marca tridimensional. No primeiro caso, protege-se a formatação do objeto em particular; no segundo caso, protegese a concepção artística nele inserida; no terceiro caso, protegese o ativo intangível relacionado à origem do produto, remetendo ao consumidor que aquele item faz parte de todo um acervo com características particulares.
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5. CONCLUSÃO O presente artigo apresentou os métodos de proteção da propriedade intelectual e os vinculou as suas possíveis aplicações aos ativos vinculados à indústria da moda. Da análise feita, pôde-se concluir que, apesar das controvérsias, é viável adequar cada um dos institutos a pelo menos uma funcionalidade no contexto da moda. No primeiro tópico foi possível observar que a aplicabilidade do instituto da patente à indústria da moda é limitada à composição e aos processos de fabricação inerentes à sua matéria-prima – no caso, o tecido, peças metálicas, acessórios, dentre outros. Levandose em consideração os requisitos de novidade, aplicabilidade industrial e atividade inventiva, somente esses produtos poderiam formalmente obter uma carta-patente, bem como justificariam o investimento em um processo longo, caro e predominantemente demorado, o qual não se adequa, em geral, ao contexto dinâmico do segmento da moda. O segundo tópico, por sua vez, demonstrou que o direito autoral é aplicável ao ramo da moda se considerarmos a relatividade do requisito da originalidade, bem como a viabilidade de se proteger itens de caráter utilitário que detenham qualidade artística – conhecidos como “obra de arte aplicada” –. Assim, são passíveis de proteção por esse método, por exemplo, as estampas desenhadas pelos estilistas, bem como itens particulares que adquiram faceta artística, criativa e original, e se diferenciem do padrão até então vigente. Não se nega, no ponto, que a averiguação prática de tal característica seja consideravelmente difícil, porém denota-se que não há qualquer vedação legal expressa que impeça a proteção desses itens por direito autoral. No terceiro tópico analisou-se o instituto do desenho industrial, considerado pela própria OMPI como sendo o principal método de proteção de artefatos de moda. Conforme demonstrado, a proteção do aspecto ornamental de caráter estético se adequa perfeitamente às necessidades do ramo, considerando a interpretação diferenciada dos requisitos de originalidade e novidade. Todavia, deve-se observar a vedação legal ao registro de formas necessárias ou comuns dos objetos, o que pode apresentar certa dificuldade em um contexto tão utilitário quanto o da moda. Ainda, destacou-se que, em que pese relativamente mais simples, mais rápido e mais barato do que o processo de registro de patente, o procedimento de registro de 40
desenho industrial ainda se mostra inadequado a uma indústria tão dinâmica quanto à da moda. No mais, é necessário avaliar-se a adequação de registro de forma ornamental específica e constante nesse contexto tão mutável. Cabe destacar que a “obra de arte aplicada”, conforme disposto por Bittar (2015, p. 45-46), enseja dupla proteção, tanto por direito autoral quanto por desenho industrial. Nesse sentido, o desenho industrial muitas vezes é utilizado como uma forma de registro formal do objeto protegido (dispensável quando se trata de direito de autor), a fim de obter-se proteção mais forte e material probatório mais amplo em caso de litígio legal. O quarto tópico, por sua vez, demonstrou a ampla aplicabilidade do instituto da marca à indústria da moda, tanto em relação à empresa em si e todo o seu conteúdo, através das marcas nominativas, figurativas e mistas, quanto em relação aos produtos particulares, através das marcas tridimensionais. Nesse ínterim, destacou-se que a marca tridimensional difere do desenho industrial por identificar o produto ou serviço como um todo, representando o elemento distintivo do próprio produto, enquanto o desenho industrial se limita a diferenciar a forma do objeto de outras preexistentes. Desta forma, conclui-se que, para que se delimite a forma de proteção mais adequada, é necessário avaliar-se o objeto que se pretende proteger e a função que se pretende abarcar. Em se tratando de matéria-prima ou processo de produção inovadores, adequada será a proteção através de patente. Em caso de produto final de caráter artístico, criativo e original, a proteção poderá se dar por direito autoral, considerando-se que o aspecto utilitário não constitui uma vedação à essa proteção. Assim, quando o ativo em questão se tratar de criação que possa ser entendida como uma obra de arte, será passível de proteção por direito autoral. O desenho industrial, por sua vez, será aplicável ao contexto quando a intenção for proteger o aspecto ornamental original e novo do produto, ou seja, a disposição física do ornamento conferido ao item, respeitadas as vedações ao aspecto puramente funcional. Por fim, tanto o produto em si quanto o estabelecimento em geral poderão obter proteção através da marca, sendo esse, 41
claramente, o método de proteção da propriedade intelectual mais amplamente utilizado no contexto da moda. Percebe-se, nesse sentido, que as decisões judiciais mencionadas no presente estudo corroboram com as conclusões ora narradas. Por fim, expõe-se, abaixo, quadro exemplificativo que resume as conclusões alcançadas com o presente estudo. TABELA 1 // QUADRO COMPARATIVO DOS PRINCIPAIS MÉTODOS DE PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL APLICADA AO FASHION LAW.
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MÉTODO
OBJETO DE PROTEÇÃO
BENEFÍCIOS
DIFICULDADES
ADEQUAÇÃO
Patente
Invenções ou modelos de utilidade, ou seja, criações técnicas novas, não óbvias, com aplicabilidade industrial.
• Exclusividade de uso e comercialização; • Período de proteção de até 20 anos para invenções e 15 anos para modelos de utilidade.
• Vedação de proteção às criações estéticas; • Preenchimento do requisito de novidade; • Processo de registro longo, lento e caro; • Proteção nacional.
Indústria têxtil – confecção de novos tipos de tecidos, peças, etc, e processos de fabricação.
Direito Autoral
Obras intelectuais originais e criativas que refletem uma “criação do espírito” e são fixadas em meio tangível.
• Exclusividade de uso e comercialização; • Período de proteção: toda a vida do autor + em geral 70 anos após a sua morte; • Ausência de registro formal (gratuidade); • Proteção internacional (Berna)
• Controvérsia quanto à proteção de produtos com caráter utilitário; • Preenchimento do requisito de originalidade.
• Estampas de tecidos, fotografias; • Produtos únicos, originais e criativos, com potencial inegavelmente artístico, que não se enquadrem em qualquer padrão vigente até o momento de sua confecção.
Desenho Industrial
Forma ornamental bidimensional ou tridimensional que possa ser aplicada a um produto, proporcionando resultado novo e original com fabricação industrial.
• Exclusividade de uso e comercialização; • Possibilidade de um único registro abarcar a proteção de até vinte variações do objeto; • Proteção da forma estética.
• Preenchimento dos requisitos de novidade e originalidade; • Processo de registro frágil e caro para a indústria; • Proteção nacional; • Vedação à proteção de formas necessárias ou essencialmente funcionais.
• Produtos que tendem a permanecer por certo tempo no mercado, independentes de tendências; • Sapatos e acessórios como joias, bolsas, óculos, etc.
Marca
Signos distintivos nominativos, figurativos, mistos ou tridimensionais.
• Aplicável tanto em relação à empresa como um todo quanto em relação a produtos particulares; • Registro relativamente simples; • Reprodução ilimitada e
• Proteção nacional; • Vedação de proteção ao aspecto necessário ao uso daquilo que se pretende registrar.
• Designação da empresa em si e do seu acervo no geral; • Itens particulares tridimensionais que indiquem a origem do produto.
CONTINUA
original com fabricação industrial.
variações do objeto; • Proteção da forma estética.
MÉTODO
OBJETO DE PROTEÇÃO
BENEFÍCIOS
Marca Patente
Signos distintivos Invenções ou nominativos, modelos de figurativos, utilidade, oumistos seja, ou tridimensionais. criações técnicas novas, não óbvias, com aplicabilidade industrial.
Direito Autoral
Obras intelectuais originais e criativas que refletem uma “criação do Fonte: Elaboração própria. espírito” e são fixadas em meio tangível.
REFERÊNCIAS
indústria; • Proteção nacional; • Vedação à proteção de formas necessárias ou essencialmente DIFICULDADES funcionais.
• Sapatos e acessórios como joias, bolsas, óculos, etc.
Aplicável tantode • Exclusividade em relação à uso e empresa como um comercialização; quanto •todo Período de em relação a de produtos proteção até particulares; 20 anos para • Registro e 15 invenções relativamente anos para modelos simples; de utilidade. • Reprodução ilimitada e simultânea; • Duração por •tempo Exclusividade de uso e indeterminado. comercialização; • Período de proteção: toda a vida do autor + em geral 70 anos após a sua morte; • Ausência de registro formal (gratuidade); • Proteção internacional (Berna)
Proteção de • Vedação nacional; às proteção • Vedação de criações estéticas; ao •proteção Preenchimento aspecto do requisito de necessário ao uso novidade; quede se •daquilo Processo pretendelongo, registrar. registro lento e caro; • Proteção nacional.
• Designação Indústria têxtilda – empresa em confecção desi e do seutipos acervo novos deno geral; peças, etc, tecidos, • Itens particulares e processos de tridimensionais fabricação. que indiquem a origem do produto.
• Controvérsia quanto à proteção de produtos com caráter utilitário; • Preenchimento do requisito de originalidade.
• Estampas de tecidos, fotografias; • Produtos únicos, originais e criativos, com potencial inegavelmente artístico, que não se enquadrem em qualquer padrão vigente até o momento de sua confecção.
• Exclusividade de uso e comercialização; • Possibilidade de um único registro abarcar a proteção de até vinte variações do objeto; • Proteção da forma estética.
• Preenchimento dos requisitos de novidade e originalidade; • Processo de registro frágil e caro para a indústria; • Proteção nacional; • Vedação à proteção de formas necessárias ou essencialmente funcionais.
• Produtos que tendem a permanecer por certo tempo no mercado, independentes de tendências; • Sapatos e acessórios como joias, bolsas, óculos, etc.
daquilo que se pretende registrar.
que indiquem a origem do produto.
ADEQUAÇÃO
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Forma ornamental bidimensional ou tridimensional que possa ser aplicada a um produto, proporcionando resultado novo e original com fabricação industrial.
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CONTRATOS E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO ÂMBITO DO DIREITO DA MODA
Por Letícia
Soster Arrosi
Doutoranda em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual pela USP. Mestra em Direito Privado com ênfase em Direito Civil e Empresarial e Especialista em Processo Civil pela UFRGS. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Advogada atuante por mais de dez anos na resolução de litígios, pesquisas e consultas sobre litígios comerciais de Direito Civil, Propriedade Intelectual e Análise Econômica do Direito.
Resumo: O artigo oferece um panorama geral sobre os principais assuntos que permeiam o Direito da Moda no âmbito do Direito Privado, por meio da abordagem dedutivo-dialética e comparativa, apresentando casos brasileiros e internacionais que envolvem os negócios relacionados a fim de exemplificar as questões que envolvem a matéria. Palavras-chave: Direito, Moda, Propriedade, Intelectual, Contratos.
Introdução A relação entre Direito e moda pode parecer recente e distante. Mas não é. Pode-se dizer que esta relação iniciou-se na antiga Mesopotâmia, onde a toga cândida era especialmente branqueada para ser usada por aqueles que almejavam um cargo político em Roma, e por isso eram chamados de “candidatos”. Eles usavam tal toga durante suas campanhas e na eleição. Segundo Mariot, “homens que tivessem sido magistrados curules1 usavam a toga praetexta, de cor púpura”, para diferenciarem-se dos magistrados plebeus2, os quais eram considerados de outra classe no status social romano3.
1 Os aediles curules eram os magistrados que tinham a função de fiscalizar os mercados de Roma. Eram estes magistrados menores que não possuíam imperium, mas simples potestas, em decorrência do que a eles cabia o julgamento dos litígios – e por isso tinham o ius edicendi – ali ocorridos. Em número de dois e com um mandato de um ano, comum a todas as magistraturas, chamavam-se curules porque tinham direito ao uso da cadeira portátil (sella curulis) dos magistrados maiores. VELASCO, Ignácio M. Poveda. Obrigações decorrentes da compra e venda consensual romana. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, v.5, p. 109 – 131, Jun 2011, p. 01 2 “Embora sejam às vezes chamados de “magistrados plebeus”, os tribunos da plebe, assim como o edis plebeus, um cargo criado na mesma época, não eram tecnicamente magistrados, pois eram escolhidos pela Assembleia da plebe apenas e não por todos os cidadãos romanos. Porém, atuavam de forma indistinguível da atuação dos magistrados. Através do poder tribunício (em latim: tribunicia potestas), eles podiam convocar a Assembleia da plebe, que tinha poderes para aprovar leis válidas apenas para os plebeus (“plebiscita”) e, a partir de 493 a.C., de eleger novos tribunos e edis. Desde a instituição do tribunato, qualquer um dos tribunos podia presidir a assembleia e propor uma legislação para ser aprovada. Por volta do século III a.C., os tribunos passaram também a poder convocar reuniões do Senado e apresentar propostas da plebe perante os senadores. CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/ Tribuno_da_ plebe Acesso em 12/02/2018. 3 MARIOT, Gilberto. Fashion Law: A Moda nos Tribunais. (s.c): Estação das Letras e Cores, 2016, p. 20 49
Assim, o status social na Roma Antiga (cerca de 142 a.C.) era facilmente identificável pela vestimenta das pessoas, porque havia a necessidade de o povo poder diferenciar as classes (cavaleiros, comerciantes, donos de terras e a plebe - cuja classe mais baixa, os capite sensi, era paga para formar o exército de Caio Mário na época) e por isso desrespeitar as leis sumptuárias4 da cidade era considerado um delito grave. Depois da criação da República Romana, tais leis foram praticamente extintas nessa sociedade5. Foi a rainha Maria Antonieta, no século XVIII, em seu reinado no palácio de Versalhes em Paris, quem impulsionou o mercado da moda francês, o qual passou a ser visto como “de moda e bom gosto”, através do trabalho real da primeira estilista feminina de alta-costura, Rose Bertin, quem enfrentou o monopólio masculino no mercado da moda porque, segundo Mariot, “até então, somente aos homens era permitido produzir com as próprias mãos uma roupa”. Bertin intuiu que a moda deveria ser “constante e caprichosa”, a fim de estimular o consumo dos aristocratas com infinitas novidades. Foi também no século XVIII, em 1710, que surgiu o Estatuto da Rainha Ana (Statute of Anne), na Inglaterra, o qual foi a base do copyright e a primeira norma legal a reconhecer os direitos de propriedade intelectual6. A indústria da moda é considerada aquilo que se chama de indústria criativa. E, nesse sentido, é uma das principais, já que gera muitos empregos, muito lucro e tem um alcance enorme na vida cotidiana das pessoas. Como destacam os professores americanos Hemphill e Suk, praticamente todo mundo participa, em algum grau, da moda, pois o vestuário – compreendido desde as roupas aos acessórios, bolsas e sapatos – é consumido por todos. Mesmo aquele que não quer estar na moda, de alguma forma estará relacionado com essa indústria7. A magnitude da indústria é elucidada na pesquisa feita pela Euromonitor. Em 2014, o Brasil ocupava o 8º lugar do mercado da moda, compreendendo o total de 55 bilhões de dólares em tamanho de mercado8. Apesar de ser um conceito inerente à vida cotidiana, o que é a moda, objetivamente, falando? Há duas teorias principais. Uma primeira concebe-a enquanto expressão de um status social, em que as elites dela se utilizariam para demarcar a sua posição de superioridade em relação às classes mais pobres. Consequentemente, as classes mais baixas buscariam copiar o estilo da elite. Exemplificando essa posição, costuma-se mencionar os anos iniciais da revista Vogue, surgida nos EUA em 1892, cujo escopo inicial era justamente retratar a vida da alta sociedade de Nova York9.
4 Segundo Gilberto Mariot, as leis sumptuárias regulavam hábitos de consumo desde a Antiguidade. “São leis que são feitas com o propósito de restringir o luxo e a extravagância, particularmente contra gastos absurdos com vestes, comida, móveis, etc.” MARIOT, Gilberto. Op.cit. 2016, p. 25. As leis sumptuárias eram utilizadas em tempos remotos para regular questões de vestuário, hábitos de consumo e produção de moda. Sobre isso cf., sobretudo a introdução, de BEEBE, Barton. Intellectual Property Law and the Sumptuary Code. Harvad Law Review, v. 123. n. 4, 2010. 5 MARIOT, Gilberto Op.cit. 2016, p. 23-24 6 Idem, p. 24-27 7 Cf. HEMPHILL, C. Scott; SUK, Jeannie. The Law, Culture, and Economics of Fashion. Stanford Law Review, v. 61, 2009, p. 1149-50. 8 Cf. <https://exame.abril.com.br/revista-exame/a-moda-que-vale-bilhoes/>. Acesso em: fevereiro de 2018. 9 Cf. HEMPHILL, C. Scott; SUK, Jeannie. Op.cit. 2009, p.1156. 50
Outra vertente compreende a moda enquanto expressão de uma “seleção coletiva”, a teoria do Zeitgeist (o “espírito da época”, em alemão), um processo em que, a partir de escolhas individuais, diversos sujeitos selecionam, dentre diversas opções, um mesmo estilo, que se expressa nas famosas tendências (fashion trends). Aqui não haveria tanto o desejo de copiar o estilo de uma elite, mas o de fazer parte, de se inserir na coletividade, o de acompanhar o “espírito da época”10. A moda é parte da cultura assim como as artes, a dança, a culinária e os comportamentos. Fazem parte da esfera do mundo da moda não somente a vestimenta, mas também a parte industrial, empresarial e todo o mercado de consumo11. Além da cultura, a moda expressa sentimentos e sonhos de gerações, assim como ideais e valores de um grupo. Como disseram Knoll e Echeverría: “la moda manifiesta su aceptación social en un período determinado que los hace percibir como la expresión de valores temporales que generalmente enfatizan circunstancias vinculadas a la cultura, los sentimientos, los sueños o las fantasías colectivas que los inspiran.12” Essas definições são importantes, sobretudo a segunda, para compreender o direito de propriedade intelectual aplicado à indústria da moda, conforme se analisará. Ademais, acerca da indústria da moda, deve ser destacado que ela é diversificada, havendo vários ramos. Compreende a produção de vestuário, de tecidos, de sapatos, de bolsas, de joias, entre outros. E cada ramo específico apresenta demandas e particularidades próprias. Também deve ser destacado que, no setor da moda, há o mercado do luxo e o chamado fast fashion. A principal diferença, em termos de indústria, é que no mercado de luxo são feitos altos investimentos na criação de produtos e design, bem como na promoção e consolidação da marca e reputação das empresas. No segundo, não há esse investimento. Muitas vezes, as empresas do fast fashion simplesmente reproduzem as criações das grandes marcas. Levando em consideração essas particularidades da indústria da moda é que surgiu a chamada fashion law. Um movimento espontâneo, tanto da prática do direito quanto da academia. Trata-se de fenômeno recente. Por exemplo, o primeiro curso oficial de fashion law foi fundado em 2006, pela Profa. Susan Scafidi, na Fordham Law School, em Nova York13. Entretanto, apesar de a relação entre o direito e a moda ser muito mais antiga, como se observou, a particularidade da fashion law reside na formulação de soluções jurídicas próprias ao contexto da indústria da moda atual. A globalização proporcionou a exponencial expansão dessa indústria. De modo que, hoje, trata-se de uma indústria altamente internacionalizada, estabelecendo-
10 Idem, p.1157-9. 11 CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da Moda: “Análise dos Produtos Inspireds”. (s.c.): Lumen Juris, 2016, p. 03 12 ECHEVERRÍA, Pamela; KNOLL, Susy Inés Bello. Derecho y Moda. São Paulo, 2015, p. 10 13 FERNANDES, Ligia Durrer; PEDROZO, Têmis Chenso da Silva Rabelo. Fashion Law: a proteção jurídica da moda. Revista de Direito Empresarial, v. 7, 2015, p. 389 – 405, Jan - Fev 2015, p. 03 51
se redes de conexão entre diversos países. Há, inclusive, autores que propugnam que a moda é, de fato, um problema também de ordem geográfica14. Nesse sentido, na fashion law, estão compreendidos todos os aspectos relevantes a essa indústria. Pode-se entendê-la, assim, como uma consequência natural da importância que a indústria da moda detém atualmente. Segundo Jimenez e Kolsun, trata-se de um direito voltado para os negócios (businessfocused), formado a partir da combinação de disciplinas jurídicas15. Os referidos autores dividem esse emergente ramo jurídico em três vertentes centrais: (I) a Fashion I.P. Law, referente ao direito de propriedade intelectual aplicado à moda; (II) a Fashion Business Law, relativa aos aspectos comerciais e empresariais pertinentes ao setor; (III) a Fashion Public Law, que diz respeito às matérias que estão para além dos interesses dos designers e das empresas da moda como, por exemplo, o direito penal e a liberdade de expressão16. Naturalmente, há muitas incertezas e desafios acerca da fashion law. Contudo, a sua importância, diante do contexto mencionado, é incontestável. Ademais, verifica-se que são ainda bastante incipientes os estudos desta matéria no âmbito do Brasil. Sendo, portanto, imprescindível o estudo da fashion law17. Ademais, deve ser destacado que os estudos sobre a fashion law têm origem essencialmente fora do Brasil– como a própria nomenclatura confirma. O que significa que o material de pesquisa é fundamentalmente estrangeiro – sobretudo, dos EUA e da Europa. Contudo, isso não quer dizer que essas lições não servem ao contexto jurídico brasileiro. Pelo contrário, mostram-se como um importante recurso. Além disso, deve-se considerar a crescente internacionalização das relações comerciais (em especial, no setor da moda, como já mencionado), o que acaba por estimular a adoção de soluções similares entre as diversas jurisdições. 14 Louise Crewe ilustra esse posicionamento a partir da revelação dos diversos aspectos envolvidos na fabricação de um singelo par de calças jeans de uma tradicional marca britânica, a Lee Cooper. Segundo o relado da autora, dá-se praticamente a volta ao mundo no processo de fabricação deste item. Até chegar à loja londrina, o tingimento foi feito na Espanha, os rebites e os botões foram feitos de cobre e zinco extraídos da Austrália e da Namíbia, o item é majoritariamente fabricado na Tunísia e o transporte final foi feito via França. Pode-se, ainda, ir mais além. O algodão de que o produto é feito provém da África, o jeans puro tem origem em Milão, o índigo utilizado para o tingimento é de Frankfurt, o púmice utilizado para lavá-lo vem da Turquia; a linha é feita na Irlanda do Norte, na Turquia e na Hungria. Cf. CREWE, Louise. Ugly beautiful? Counting the cost of the global fashion industry. Geography, v. 93, n. 1, spring 2008, p 25. 15 Cf. JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Fashion Law – Cases and Materials. Durham: Carolina Academic Press, 2016, p. 3. 16 Cf. JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit.2016, p. 4-9. 17 Especialmente, se se considerar que se trata de uma indústria central para a economia brasileira. Inclusive, se observa que a importação das telenovelas brasileiras é uma forma de disseminar a moda brasileira. Menciona-se como exemplo o corte da personagem Malvina, interpretada por Elizabeth Savalla, que ficou muito famoso em Portugal, quando a novela foi por lá exibida. Cf. BONADIO, Maria Claudia; GUIMARÃES, Maria Eduarda Araujo. Telenovelas: Consumption and Dissemination of a Brazilian Fashion. Fashion Theory, v. 20, n. 2, 2016, p. 214. 52
Considerando-se esse cenário, no presente estudo, adota-se a nomenclatura e a classificação propostas por Jimenez e Kolsun. Respeitando-se os limites deste trabalho, foca-se somente na Fashion I.P. Law e na Fashion Business Law. O intuito é buscar identificar alguns aspectos gerais centrais à resolução de conflitos, pertinentes à Fashion I.P. Law e à Fashion Business Law, levando em consideração que, no setor da moda, verifica-se uma série de disputas entre as empresas, gerando deveres de reparação civil. Dessa forma, este estudo gravita em torno da seguinte problemática: em que medida a fashion law auxilia na resolução de conflitos no âmbito da moda? O enfrentamento desse problema de pesquisa ocorre em duas etapas. Em um primeiro momento, insere-se ela no contexto da Fashion I.P. Law, considerando a importância do direito de propriedade intelectual à moda e que é esta uma área de diversos conflitos entre as empresas. Posteriormente, analisa-se o contexto da Fashion Business Law, destacando algumas questões centrais das operações negociais dessa indústria, como os contratos de licenciamento, os quais são regidos pela Lei de propriedade industrial; os contratos de franquia, sobre os quais dispõe a Lei 8.955/94; e os contratos de compra e venda de mercadorias, onde as transações comerciais nacionais são reguladas pelo código civil; e as transações internacionais pela soft law, ou seja, pelas leis e usos internacionais do comércio, como por exemplo a Unidroit e a lex mercatoria e também pela CISG18, da qual o Brasil é signatário desde 2014. A CISG é um importante instrumento legal para as relações de compra e venda internacional no âmbito da fashion law. A fashion business law também aborda questões de direito do consumidor, como, por exemplo, as regulações de publicidade abrangem também questões de direito aduaneiro, porque as empresas deste segmento fazem muitas operações de exportação e importação. Trata ainda de questões sobre direitos humanos e direito do trabalho, como, por exemplo, os problemas de mão de obra escrava ou condições de instalação das fábricas. Assuntos os quais não serão abordados a fim de restringir a matéria à esfera do Direito Privado. Em ambas as partes, há a apresentação de conceitos seguida da análise de casos práticos.
18 http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/sale_goods/1980CISG.html 53
1. FASHION I. P. LAW: A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS DA MODA NO ÂMBITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL O direito de propriedade intelectual é central à indústria da moda. Portanto, muito da fashion law diz respeito a esse campo normativo. Segundo Jimenez e Kulson, a propriedade intelectual está no coração da fashion law19. É, naturalmente, um campo de muitos conflitos entre as empresas. Trata-se, em verdade, de um tema muito instigante. Isso porque atualmente há uma indefinição acerca da aplicação dos direitos de propriedade intelectual a esta indústria. De modo que, em âmbito de fashion law, parte-se da premissa de que o regime jurídico tradicional de propriedade intelectual é por esta indústria desafiado. Assim, a etapa inicial para a resolução dos conflitos neste âmbito é justamente compreender até que ponto os institutos da propriedade intelectual tradicionais tutelam as demandas próprias do setor da moda, isto é, como atender adequadamente às necessidades de proteção dessa indústria nesse contexto? Podese dizer que é esse o principal problema que a Fashion I.P. Law enfrenta hoje. Tendo em vista o ordenamento brasileiro, em que não há legislação de propriedade intelectual específica para a moda, a questão é da maior importância. Respeitando-se os limites do presente estudo, busca-se, a seguir, destacar algumas linhas gerais que auxiliam o operador jurídico na resolução de conflitos de propriedade intelectual no setor da moda. Para tanto, em primeiro lugar, apresentam-se essas reflexões (1.1). Na sequência, destacam-se alguns casos práticos que ilustram a problemática (1.2).
1.1 Algumas facetas da indústria da moda frente ao direito de propriedade intelectual Historicamente, o direito de propriedade intelectual está cindido em dois ramos: (I) a proteção da obra artística e (II) a proteção da obra útil. O primeiro corresponde ao direito de autor (droit d’auteur), na tradição da Civil Law e ao copyright (na tradição
19 Cf. JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 3. 54
da Common Law20). O segundo diz respeito às criações no campo da técnica e corresponde às regras da propriedade industrial. Premissa essencial dessa dicotomia é que a obra artística atua no campo do espírito, no mundo interior da pessoa, enquanto que a obra útil relaciona-se com o mundo material, isto é, na obtenção de um resultado utilitário21. Por ser uma indústria criativa, a moda desde logo impõe um desafio a essa dicotomia. Isto porque a ela são inerentes os dois elementos: tanto o artístico, dado todo o processo de design associado à confecção de um item de moda, quanto o utilitário - por se tratar de itens de vestuário, é patente a utilidade dos itens de moda. A moda está, portanto, na fronteira entre essa dicotomia. Contudo, esta própria reflexão é polêmica, como se demonstrará. Nesse contexto, a partir dos estudos da fashion law, é possível identificar algumas peculiaridades da indústria da moda frente ao direito de propriedade intelectual. Destacam-se, aqui, as seguintes: a incipiente proteção específica (1ª), a complexidade da proteção (2ª) e a sutil fronteira entre a inspiração e a cópia (3ª). 1ª A incipiente proteção específica De início, aquele que se encontra diante de um conflito de propriedade intelectual no âmbito da moda logo nota a ausência de institutos jurídicos específicos a esse campo. Isto significa que não é comum a difusão da proteção por legislação própria ao setor da moda. Igualmente, as demandas da indústria da moda, tradicionalmente, não são pauta do sistema internacional de proteção da propriedade intelectual22. 20 Sobre a histórica divisão entre os regimes de proteção da obra artística na Civil Law e na Common Law, cf. BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, em especial, p. 195-7. Sobre a diferença entre esses dois regimes, a autora destaca que, no sistema de copyright “(...) o que importa é o resultado final, o objeto protegido, a obra, seu aspecto econômico e função social. O processo de criação e os investimentos intelectuais têm menos importância que o resultado final. Por essas razões admitem que uma pessoa jurídica possa ser titular originário de copyright, o que conduz à ruptura dos laços entre o verdadeiro criador e a obra. Nesse sistema do copyright, o direito moral só é reconhecido em certos limites ou é negado”, cf. p 195 da obra citada. 21 Cf. SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito do autor, software, cultivares, nome empresarial, abuso de patentes. São Paulo: Manole, 2014, p. 13. 22 A criação do sistema de proteção de propriedade intelectual deu-se em nível internacional, desde muito cedo. Denis Barbosa refere que se trata de um direito “altissimamente internacionalizado”. De modo que a dinâmica da proteção jurídica do direito de propriedade intelectual é a seguinte: no plano internacional, firmam-se tratados que estabelecem o mínimo de proteção que os Estados signatários devem conferir. O que significa que há um acordo acerca da proteção fundamental, mas não uma uniformização. De forma que há diferenças nos regimes de proteção dos diversos países. Nesse sentido, em geral, os regimes jurídicos de propriedade intelectual podem ser classificados como mais rigorosos ou menos rigorosos. Quanto mais formal, mais rigoroso será o regime. Em sua maior parte, pode-se classificar o regime brasileiro como rigoroso. Os principais Tratados de proteção da propriedade intelectual são: (I) a Convenção da União de Paris (CUP) (1883), que dispõe sobre a proteção do direito de propriedade industrial conferida, dentre outros institutos, por meio de: patentes de invenção, modelos de utilidade, marcas de fábrica ou de comércio e serviços, desenhos ou modelos industriais, repressão a concorrência desleal; (II) a Convenção de Berna (1896), voltado à proteção do direito autoral (obras literárias, artísticas e científicas); (III) o Acordo TRIPS (1994), direcionado à proteção da propriedade industrial, promulgado pela 55
Segundo Miller, apesar de alguns autores defenderem que a Convenção de Berna determina a proteção de designs de moda - uma vez que eles estariam inseridos no conceito de trabalhos artísticos e literários - fato é que a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) jamais se pronunciou diretamente sobre o tema23. Na ausência de normativa própria, naturalmente, a proteção da propriedade intelectual gravita em torno da tentativa de enquadrar as demandas desse setor no quadro dos institutos tradicionais da propriedade intelectual. E aqui é possível perceber que não há consenso acerca de um tema central da indústria: a proteção do design de moda em si, isto é, do aspecto artístico, que seria protegido pelo direito do autor ou pelo copyright. Pode-se afirmar que é esse o principal ponto de fricção entre a moda e o direito de propriedade intelectual tradicional, ao desafiar a clássica dicotomia, antes mencionada, da proteção à obra artística e da proteção à obra utilitária. Evidentemente que esse é um desafio próprio às jurisdições que não reconhecem proteção específica à moda, como o Brasil ou os Estados Unidos. Nesses ordenamentos, a dificuldade reside, essencialmente, no fato de que, ab initio, não há nenhuma presunção em favor do reconhecimento da proteção artística. Há, no mínimo, de se provar, judicialmente, que determinada criação da moda enquadra-se nos conceitos estatuídos nas legislações sobre direito autoral ou sobre copyright. Milita, muitas vezes, em desfavor dessa proteção, o fator utilitário inerente aos produtos desta indústria. Diferentemente é a situação dos regimes que protegem especificamente a moda. Destacam-se, sobretudo, normas vigentes na Europa, dentre as quais a mais interessante diz respeito à legislação francesa. A França apresenta uma verdadeira tradição de proteção às criações da moda, ao reconhecê-las, desde 1793, como arte aplicada, protegidas pela lei do direito autoral24. Também, desde 1909, é possível obter a proteção de um design de moda, por meio de registro no órgão competente25. Além disso, em 1952,
OMC. Esse Tratado modificou o regime internacional de proteção, ao ampliar as hipóteses de patenteamento. Sobre ele cf. BASSO, Maristela. Op.cit. 2000. 23 Cf. MILLER, Matthew S. Piracy in Our Backyard: A Comparative Analysis of the Implications of Fashion Copying the United States or the International Copyright Community. Journal of International Media & Entertainment Law, v. 2, n. 1, 2008, p. 147. 24 Cf. CASTEL, John G. Seasonal Industries and Design Piracy – Recent Trends. Journal of the Patent Office Society, v. 35, 1953, p. 764. Este interessante artigo datado de 1953 demonstra que é esse um problema recorrente para o direito que, atualmente, ampliou-se dado o crescimento da indústria da moda. 25 Cf. Ibidem. 56
foi promulgada uma lei específica para a proteção no contexto das indústrias sazonais26 e o Código de Propriedade Intelectual francês, em seu artigo 112-2, no item 14, expressamente estatui as criações das indústrias sazonais de vestuário e de artigos de moda como “oeuvres de l’esprit” (obras do espírito)27. Outro aspecto interessante do regime francês é o modo como a proteção é conferida. Afirma-se que, em geral, os tribunais trabalham de forma ad hoc, para definir se o requisito da originalidade está presente na obra que se busca proteger, analisando qualquer outro trabalho que possa ter a inspirado28. Ademais, a proteção costuma ser conferida pelo tempo de 18 meses a dois anos29. Ainda no âmbito europeu, é destacável a normatização regional. Trata-se da Council Regulation (EC) no. 6/2002 on Community Designs, que institui um sistema de proteção da propriedade intelectual do design. Protege tanto o design registrado - há um órgão competente, o OHIM (Office for Harmonization in the Internal Market), estabelecido em Alicante/Espanha - quanto o não registrado30. Para a proteção pelo community design, o termo design é concebido como “a aparência do todo ou de parte de um produto que resulta das características de, em particular, linhas, contornos, cores, formas, texturas, e/ou materiais do produto em si ou de sua ornamentação”31. Os requisitos para a proteção são a novidade e o caráter individual32. O tempo de proteção é de três anos para os designs não registrados e de cinco anos para os registrados - este podendo ser renovado pelo detentor do direito por subsequentes períodos de cinco anos até completar o máximo de 25 anos33.
26 Cf. HAGIN, Leslie J. A Comparative Analysis of Copyright Laws Applied to Fashion Works: Renewing the Proposal for Folding Fashion Works into the United States Copyright Regime. Texas International Law Journal, v. 26, 1991, p. 374. 27 Pode-se ter acesso ao teor do Código via: <https://www.legifrance.gouv.fr/ affichCode.do; jsessionid=70D1495D7C5B2D32BA1DA5864227D4E6.tplgfr37s_1?cidTexte=LEGITEXT000006069414&dateTexte=20180210>. Acesso em fev. 2018. 28 Cf. MILLER, Matthew S. Op.cit. 2008, p. 144. 29 Cf. Idem. 30 Cf. MARSHALL, Laura C. Catwalk Copycats: Why Congress Should Adopt a Modified Version of the Design Piracy Prohibition Act. Journal of Intellectual Property Law, v. 14, 2007, p. 318. 31 Art. 3º, (a), da Resolução, trad.livre. No texto original: “(a) “design” means the appearance of the whole or a part of a product resulting from the features of, in particular, the lines, contours, colours, shape, texture and/or materials of the product itself and/or its ornamentation”. Disponível em: <https://euipo.europa.eu/tunnel-web/secure/webdav/guest/document_ library/contentPdfs/ law_and_ practice/ cdr_legal_basis/ 62002_cv_en.pdf>. Acesso em: fev. 2018. 32 Cf. Artigos 5º e 6º da Resolução no link mencionado na nota 31. 33 Cf. Artigos 11 e 12 da Resolução no link mencionado na nota 31. 57
Também é interessante mencionar a proteção conferida no direito indiano. Lá é possível proteger o design no papel – sketches – pela legislação de copyright, e a forma e os aspectos ornamentais aplicados ao produto pela Designs Act of 2000, mediante registro no órgão competente34. Contudo, o registro só é possível se os designs ainda não foram expostos ao público, seja na Índia seja em qualquer outra localidade no mundo35. Como se percebe, não existe um consenso acerca da necessidade de proteção dos designs dos itens de moda. Isso se deve muito ao fato de que há divergências acerca disso. Em interessante estudo, os professores Raustiala e Sprigman buscaram compreender como é possível que uma indústria global como a moda, cujo principal componente é justamente o design, possa ter pouca proteção de propriedade intelectual – em comparação com outras indústrias semelhantes, como a da música e do entretenimento – em relação à cópia de design. Essencialmente, os autores confrontam a visão ortodoxa de que a pirataria é uma ameaça séria e, por vezes, fatal ao incentivo ao trabalho criativo com o contexto da indústria da moda36. Os autores destacam que a indústria da moda opera de acordo com o que chamam de “low-IP equilibrium”37. No sentido de que os três institutos tradicionais de proteção da propriedade intelectual (copyright, marcas e patentes) proveem pouca proteção, mas isso é politicamente estável38. A conclusão dos autores é que esse pouco nível de proteção (“low-IP system”) pode paradoxalmente servir melhor aos interesses da indústria do que um alto nível de proteção (“high-IP system”)39. Como se observa, então, é bastante delicada a proteção do design. Contudo, não é esse o único aspecto do direito de propriedade intelectual aplicado no contexto da moda. De onde se constata que há uma complexidade da proteção. 34 Cf. MACKEY, Alexandra. Made in America: A Comparative Analysis of Copyright Law Protection for Fashion Design in Asia and the United States. American University Business Law Review, v. 1, 2012, p. 384-5. 35 Cf. Ibidem, p. 386. 36 Cf. RAUSTIALA, Kal; SPRIGMAN, Christopher. The Piracy Paradox: Innovation and Intellectual Property in Fashion Design. Virginia Law Review, v. 92, n. 8, 2006, p. 1717. 37 Cf. Ibidem, p. 1699. 38 Cf. Idem. 39 Cf. RAUSTIALA, Kal; SPRIGMAN, Christopher. Op.cit. 2006, p. 1718. Ao falar no “low-IP system”, os autores mantêm em mente o contexto jurídico dos EUA. Contudo, mesmo em regimes mais protetivos, como o Europeu, os autores continuam entendendo que a sua conclusão se aplica igualmente. Isso porque eles defendem que o comportamento dos agentes desta indústria é similar, seja nos EUA ou na Europa. Isto é, a prática de design copying, mesmo na Europa, é comum e há poucos litígios - mesmo havendo a possibilidade de maior proteção. Sobre isso conferir, em especial, a p. 1737 da obra citada. 58
2ª A complexidade da proteção A complexidade da proteção da propriedade intelectual no setor da moda reside no fato de que há diferentes níveis de proteção, cujo interesse por buscá-los varia de acordo com o tipo de indústria do setor, bem como variam os institutos de propriedade intelectual que podem ser utilizados. Isso porque essa é uma indústria variada, formada por diferentes atores. De acordo com Raustiala e Sprigman, as empresas que atuam neste setor podem ser classificadas em uma pirâmide de três níveis. Na base, estariam aquelas que são voltadas para uma produção em massa e mais básica de moda (como a Old Navy ou a WalMart). Característico delas é o pouco processo de design envolvido. No meio da pirâmide, estariam as empresas de “melhor moda”, cujo escopo é a produção de artigos de qualidade intermediária. Nesse sentido, o processo de design é um pouco mais elaborado. Por fim, no topo da pirâmide, estariam as empresas mais sofisticadas, de processos de design muito mais elaborados – sobretudo no contexto da alta moda (por exemplo, Giorgio Armani, Calvin Klein, etc.)40. Isso corresponde aquilo que foi mencionado anteriormente, no sentido de que é característico na indústria da moda a polarização entre a fast fashion e a high fashion. De modo que, majoritariamente, a primeira inspira-se ou até mesmo copia os designs da segunda. Percebe-se, portanto, que os interesses e as necessidades de uma empresa como a Chanel não são os mesmos que os da H&M. Nesse sentido, entra em cena uma outra vertente do direito de propriedade intelectual que é muito importante na indústria da moda – em especial para a alta moda: a proteção da marca. A importância da marca para o sucesso financeiro de uma empresa da moda é elucidada por um estudo publicado na Harvard Business Review. No trabalho feito por Reddy e Terblanche constatou-se que, se uma empresa busca expandir seus negócios para a exploração de outros produtos que não aquele pelo qual ela é conhecida, a marca – e não tanto a qualidade do produto – é fundamental para o sucesso no mercado de luxo. De modo que é imprescindível que a empresa seja capaz de transmitir a sua marca para esses novos 40 Cf. RAUSTIALA, Kal; SPRIGMAN, Christopher, Op.cit. 2006, p. 1694, figura A. 59
produtos também. Isto é fundamental que os consumidores façam essa associação. Como exemplo mal sucedido nesse intuito, as pesquisadoras indicam a grife DVF. Mundialmente famosa pela produção de vestidos, sobretudo o famoso “vestido envelope” (“wrap-dress”), criado pela fundadora Diane von Furstenberg, a empresa não conseguiu expandir seus negócios com sucesso para a exploração de outros produtos. Os consumidores continuaram associando a DVF apenas a vestidos41. Diferentemente do que ocorre com a questão da proteção do design, as marcas de moda são mais facilmente protegidas pelas legislações tradicionais de propriedade intelectual, bem como a sua proteção também está no centro dos interesses dessas empresas42. Contudo, isso não significa que a indústria da moda não posicione desafios também ao regime tradicional de proteção das marcas, nem que a proteção por esse instituto jurídico seja suficiente. O Brasil, a rigor, limita a proteção à marca tradicional (que é a forma tridimensional)43. Assim, marcas não tradicionais, como cores isoladas, aromas e movimentos, estão fora do âmbito normativo da legislação. Exemplos de marcas não tradicionais são o azul da joalheria Tiffany, em que o “azul Tiffany” está registrado nos EUA. A técnica especial da empresa Bottega Venetta, ao trabalhar o couro, o chamado “Intrecciato”, também recebeu a proteção como marca pelo órgão federal americano responsável pelo registro de marcas. Sobre o reconhecimento de aromas enquanto marcas, a questão é mais polêmica. Há poucos registros atualmente. Contudo, já se verificam alguns, como o aroma de goma de mascar dos sapatos Melissa, da empresa Grendene, registrado nos EUA.
Também, a rigor, a utilização do instituto da marca pode não
41 Cf. REDDY, Mergen; TERBLANCHE, Nic.How not to extend your luxury brand. Harvard Business Review, December Issue, 2005. Disponível em: <https://hbr.org/2005/12/how-not-to-extend-your-luxury-brand>. Acesso em: fevereiro de 2018. 42 Cf. RAUSTIALA, Kal; SPRIGMAN, Christopher, Op.cit. 2008, p. 1700. 43 Cf. Art. 122 da Lei nº 9.279/96: São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais. O rol de proibições encontra-se no artigo 124 dessa lei. 60
conferir a proteção suficiente em uma determinada situação. Como no caso de proteger o design pela marca. Isso porque, em geral, a proteção da marca está associada a impedir que se copiem os logos. Mas nem sempre no produto de uma determinada grife consta o logotipo, ou ele está posicionado muito discretamente (muitas vezes, apenas no interior da roupa)44. De modo que o problema da cópia persiste, devendo ser buscadas soluções jurídicas alternativas, caso se deseje proteger algum ativo imaterial da empresa de moda. Sobre os demais institutos da propriedade intelectual, ao lado da marca, outro instituto que tem um potencial interessante de aplicação nesta indústria é o desenho industrial. Contudo, ele também pode ser insuficiente. Segundo Pedrozo, a utilização do desenho industrial pode servir melhor à moda de média ou longa duração, mas não àquela de ciclo muito rápido45. Ademais, ao se pensar no caso da patente, a situação é parecida, isto é, para um determinado ator dessa indústria pode ser interessante; para outros não. Pedrozo refere que, para uma empresa têxtil que se dedica à fabricação de novos tecidos, investindo em alta tecnologia, pode ser crucial a utilização da proteção patentária. Foi o caso da fibra de elastano Lycra, por exemplo46. Respeitando-se os limites do presente estudo, não é possível fazer uma análise pormenorizada dos diversos institutos da propriedade intelectual aplicados à indústria da moda. O objetivo central é, contudo, destacar que o assunto apresenta muitas tonalidades e que, por vezes, os institutos tradicionais não são suficientes para proteger uma determinada demanda da indústria da moda. Compreendidas essas duas peculiaridades, percebe-se que o problema central da indústria em relação ao direito de propriedade intelectual é a questão das cópias - seja do design, em si, seja das marcas de forma que, na moda, há uma sutil fronteira entre a cópia ilícita (contrafação) e a inspiração. 44 Cf. RAUSTIALA, Kal; SPRIGMAN, Christopher, Op.cit. 2006, p. 1702. 45 Cf. PEDROZO, Denise Abdalla Freire. Direito autoral na moda: visão jurisprudencial. Revista da ABPI, nº 136, mai/jun 2015, p. 12. 46 Cf. PEDROZO, Denise Abdalla Freire. Op.cit. 2015, p.10-1. 61
3ª A sutil fronteira entre a inspiração e a cópia (contrafação) Devido às peculiaridades do setor da moda, não é toda a cópia que será considerada ilícita. O design, o processo criativo da moda, é diferente do da literatura, da ciência, da música. Em geral é um processo colaborativo. Na maioria das vezes, os produtos não surgem exclusivamente do trabalho artesanal dos grandes designers47 – por exemplo, Giorgio Armani, Ralph Lauren, Tom Ford –, mas como o resultado de um extenso trabalho realizado a muitas mãos. Apesar disso, o nome do designer detém um papel fundamental na indústria. É daí que surgem as grifes. O nome do designer - ou nas empresas mais antigas, o sobrenome do fundador – está, muitas vezes, diretamente associado à empresa, à marca. Nesse setor, como se observou, a influência da coletividade, das tendências, do “espírito da época” (Zeitgeist), detém uma influência marcante. De modo que é até natural a similaridade entre um produto e outro. Também a inspiração joga um papel importante da indústria da moda. Determinados produtos são alçados ao patamar de icônicos – utiliza-se muito a expressão “it” para designar algum ícone da moda – de modo que, a partir deles, outros designers inspiram-se e criam produtos. Hemphill e Suk destacam que os designers compartilham influências (tratam-se das influências compartilhadas)48. Dessa forma, é uma tarefa complexa determinar quando se está diante de uma cópia, que não deve ser permitida pelo direito. Há inclusive um termo utilizado dentro da indústria da moda para designar a cópia entre as empresas. Tratase do chamado “knocking off”. Determinados fabricantes copiam os produtos do outro, comercializando o que se denomina um “knockoff product”. Segundo Jimenez e Kolsun, há três tipos de knock off: um legal e outros dois ilegais. O primeiro compreende a cópia de produtos considerados básicos, que não estão protegidos pela propriedade intelectual. Como, por exemplo, uma simples camiseta, uma simples calça monocromada. O segundo diz respeito a alguma infração dos direitos de propriedade intelectual, isto é, copiou-se determinado produto que possuía algum componente protegido pela propriedade intelectual, por exemplo, determinado tecido e estampa. Nesse caso, um designer pode achar que está apenas se inspirando na criação do outro, mas, na verdade, está infringindo direitos de propriedade 47 Cf. JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 10-2. 48 Cf. HEMPHILL, C. Scott; SUK, Jeannie. Op.cit. 2009, p.1168-70. 62
intelectual. O terceiro é a contrafação, o caso mais grave49. Contudo, como se verificou, a forma de se averiguar se há ou não uma contrafação é essencialmente casuística, impulsionada, inclusive pela ausência de legislação específica. Analisando o contexto brasileiro, Pedrozo destaca que, conforme o entendimento proferido no Superior Tribunal de Justiça, “estilos, métodos ou técnicas não são objetos de proteção intelectual”50, de modo que “o estilo, isto é, a tendência, não é protegida por direito autoral”51. Dessa forma, e analisando a jurisprudência brasileira, a autora entende que a proteção por direito do autor é conferida nos casos em que se comprova que “o que havia era mais do que uma simples tendência no ramo da moda, era a evidência de traços de criatividade e originalidade nos objetos dos litígios”52. Logo, atualmente, a melhor maneira de se visualizar se é possível ou não buscar a proteção de algum item de moda por meio dos institutos da propriedade intelectual é através da análise de casos práticos. A seguir, alguns são apresentados, ajudando a compreender as reflexões aqui realizadas.
1.2 CASOS Os seguintes casos demonstram as peculiaridades e as dificuldades que as demandas do setor da moda posicionam para o direito de propriedade intelectual. Nesse sentido, apresentam-se dois casos brasileiros e um estadunidense. 1º O caso da 284: Apelação nº 0187707-59.2010.8.26.0100/TJSP A empresa brasileira Village 284 Participações e Comércio de Vestuário Ltda, fundada em 2005, objetivando introduzir o fast fashion no mercado brasileiro (anteriormente à entrada de diversas empresas internacionais de fast fashion no país), lançou uma coleção de bolsas denominada “I am not the original” (“Eu não sou a original”). A proposta da coleção era homenagear bolsas ícones (it bags) da indústria da moda. Para tanto, a empresa reproduziu o design dessas it bags no material moletom. Dentre elas, estava a reprodução dos modelos “Kelly” e “Birkin”, da Hermès. 49 Cf. JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 10. 50 Cf. PEDROZO, Denise Abdalla Freire. Op.cit. 2015, p. 26. 51 Idem. 52 Idem. 63
Obtendo conhecimento do fato, a tradicional grife francesa notificou extrajudicialmente a empresa brasileira para cessar a reprodução de seu modelo em sua coleção, alegando violação ao seu direito autoral. Contudo, a 284 não aceitou e ajuizou uma ação declaratória na Comarca de São Paulo, objetivando a declaração de que a Hermès não possuiria nenhum direito autoral em relação à bolsa “Kelly”, essencialmente, por duas razões: (I) não há direito autoral sobre as bolsas, pois elas seriam protegidas por direito de propriedade industrial e (II) de todo modo, o design da bolsa já teria caído em domínio público. O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou improcedente as alegações da 284. Segundo o Tribunal, nada impede que uma obra tenha tanto caráter estético, quanto funcional. Além disso, as bolsas da Hermès devem ser consideradas como obras de arte, considerando o status que detêm no contexto da moda. Dessa forma, elas “são criações artísticas originais, de cunho estético, incluindo-se no âmbito da proteção jurídica do direito autoral”. A prova pericial comprovou que as bolsas da 284 utilizaram os elementos originais das bolsas Hermès, constituindo infração ao direito autoral. Considerou-se, então, a coleção da 284 como cópia ilícita, gerando aproveitamento econômico impróprio – mesmo design por preço muito inferior. Decidiu-se, portanto, que a atitude da 284 configura ato de imitação servil. A decisão é bastante importante e apresenta elementos interessantes. A partir dela, é possível concluir, sobretudo, que um item de moda materializado e comercializado é passível de receber proteção pelo direito autoral brasileiro. As bolsas em questão foram equiparadas a obras de arte. O interessante é que a fama da bolsa surgiu não tanto em razão do seu design, mas porque ela foi utilizada por celebridades, isto é, por Grace Kelly e por Jeanne Birkin. Inclusive na decisão reconhece-se que a bolsa detém status no mundo da moda. Então, não está muito claro se o caráter artístico é inerente ao produto ou se ele deriva de um status que o produto adquire no contexto relevante. O que, certamente, acarreta consequências diferentes, pois, se a essência reside no status, não será qualquer produto de moda que poderá ser protegido pelo direito autoral brasileiro. Ainda que o Tribunal tenha expressamente reconhecido que “os artigos e acessórios de moda, uma vez originais em sua forma de 64
expressão, são considerados criações artísticas, no mundo industrial e globalizado” (fl. 15 do Acórdão da Apelação em questão). 2º Christian Louboutin v. Yves Saint Laurent America No caso Caso Christian Louboutin v. Yves Saint Laurent America (Unites States Court of Appeals for the Second Circuit, 696 F.3d 206 2012), discutiu-se que uma determinada coloração é passível de proteção jurídica enquanto marca na indústria da moda, especificamente, se essa cor deve ser protegida como marca que designa um estilo particular de sapatos de salto alto femininos. O caso foi ajuizado por Christian Louboutin que alegou que a Maison Yves Saint Laurent estaria infringindo a sua marca ao produzir modelos de sapatos com a sola vermelha. Preliminarmente, a empresa do famoso designer notificou a tradicional maison francesa, alegando a infringência à sua marca e solicitando o encerramento da comercialização desse sapatos. Contudo, essas negociações não foram bem sucedidas. Também deve ser mencionado que a Christian Louboutin registrou a sola vermelha como marca no órgão oficial americano. Em primeiro grau de jurisdição, a ação foi improcedente, pois se decidiu que uma cor não pode ser considerada marca, à luz da legislação federal relevante. Christian Louboutin, desde a sua introdução no mercado da moda em 1992, vem produzindo os seus sapatos com a famosa sola vermelha. Em segundo grau de jurisdição, entendeu-se que a cor única, no caso em questão, adquiriu o chamado significado secundário, no mercado, implicando distinção. Nesses casos, esse traço do produto induz o consumidor à fonte do produto (no caso o designer) e não ao produto em si (funcionalidade, que barraria a proteção da marca). 65
Nesse sentido, o Tribunal entendeu que – e o réu não contestou – Christian Louboutin investiu substanciais esforços de marketing para promover o seu produto, construindo uma boa reputação no mercado, de tal forma que, no círculo social relevante, a sola vermelha passou a ser associada diretamente com seus sapatos. Louboutin criou assim um verdadeiro símbolo. Contudo, o Tribunal entendeu que o traço distintivo da sola vermelha de Louboutin estava baseado no contraste entre a cor e a parte superior da sola do sapato. De modo que, não tendo os sapatos da Maison Yves Saint Laurent reproduzido esse contraste, não houve infringência alguma. Assim, o Tribunal determinou que o registro da marca fosse limitado a esse contraste. Esse caso é muito interessante, em especial porque demonstra a extensão e a adaptação de um instituto tradicional da propriedade intelectual – a marca – para uma situação particular da indústria da moda, servindo, assim, de inspiração para a busca de soluções inovadoras no intuito de proteger os investimentos feitos por uma determinada empresa na consolidação de seu produto no mercado. Ainda que, em princípio, tal proteção seja impossibilitada pela letra fria da legislação pertinente. 3º O caso da designer de joias gaúcha: Apelação Cível nº 70001422948 /TJRS A designer de joias gaúcha Maria Bernadete Conte realizou ampla pesquisa sobre a temática indígena - incluindo o estudo de cestarias, cerâmicas, muiraquitãs, máscaras - a fim de aplicá-la em joias. O resultado desse trabalho culminou na produção e exposição de suas joias na Galeria Tina Presser – o que teve repercussão na mídia. Posteriormente, em outubro de 1988, a designer entrou em contato com a diretora de marketing da H. Stern – um dos principais símbolos do luxo brasileiro – e marcou uma reunião na sede da empresa em São Paulo. O objetivo era mostrar o seu trabalho, a fim de que ele fosse produzido e comercializado por essa joalheria. Nesse sentido, a designer deixou o seu projeto com essa executiva para análise. No dia seguinte, o projeto foi-lhe devolvido e lhe foi informado que a empresa não tinha interesse. Contudo, em 1994, a designer surpreendeu-se com o lançamento pela H. Stern de uma coleção cujo tema era justamente a cultura indígena. Dessa forma, a designer entendeu que a H. Stern plagiou o seu projeto e a notificou extrajudicialmente. Não tendo 66
sido possível uma composição, a designer ajuizou uma ação contra a H. Stern na justiça gaúcha. Em primeiro grau de jurisdição, a ação foi julgada improcedente. Contudo, na Apelação, por dois votos a um, reconheceu-se que a H. Stern realizou um plágio do projeto da designer gaúcha. No voto vencedor – o do revisor, Des. Luiz Ary Vessini de Lima – foi destacada a situação fática particular dos autos, no sentido de que o projeto da designer ficou na posse da H. Stern por 24 horas e que a prova pericial apresentada enfatizou que a joalheria não chegou a realizar por conta própria uma ampla pesquisa sobre a temática, pois uma intensa pesquisa já lhe havia sido apresentada. O voto ainda destacou a diferença entre o plágio e a contrafação, de modo que o plágio incorpora a cópia do próprio espírito da manifestação artística - e não a simples reprodução de um produto – ainda que haja divergência material. Assim, a joalheria foi condenada a ressarcir material e moralmente a designer. Nesse caso, à semelhança do primeiro caso analisado (284), um tribunal brasileiro decidiu um conflito da indústria da moda com base no direito autoral e não no direito de propriedade industrial. A situação fática que o embasa é bastante particular e parece ter sido decisivo o fato de que a designer deixou o seu projeto com a H. Stern para análise. Caso algum representante da empresa tivesse apenas visitado a exposição da designer, sem trocar qualquer contato com ela, tendo apenas visto as obras, vindo a posteriormente ser lançada uma coleção de temática indígena, o resultado teria sido o mesmo? Ou se estaria diante da inspiração tão-somente? Apresentadas algumas reflexões gerais sobre os conflitos da moda no contexto do direito de propriedade intelectual, o próximo passo é compreender a dinâmica da Fashion Business Law.
2. FASHION BUSINESS LAW: AS OPERAÇÕES NEGOCIAIS CENTRAIS À INDÚSTRIA DA MODA Embora questões relacionadas à propriedade intelectual sejam o foco central do estudo da fashion law, há outras matérias as quais os advogados que pretendem trabalhar com essa área devem conhecer. Essa esfera será chamada neste artigo de “fashion business law”. Na primeira parte deste segundo capítulo será apresentado um panorama geral sobre os principais contratos que compõem este segmento do Direito (2.1.) e após serão apresentados exemplos de casos práticos, nacionais e internacionais, envolvendo alguns destes contratos (2.2.). 67
2.1 Panorama geral dos principais contratos que compõem a fashion business law Um dos tipos de contrato mais utilizado no âmbito da fashion law é o contrato de compra e venda de mercadorias, que “é aquele no qual uma das partes se obriga a transferir a outra o domínio de uma coisa mediante o pagamento de um preço53”. Arnoldo Wald afirma que “a compra e venda cria a obrigação de transferir a propriedade de um bem contra o pagamento do preço em dinheiro”. Se o pagamento não for em dinheiro, será uma troca; ou se a transferência não for da propriedade, será uma locação ou um comodato das mercadorias54. Na fashion business law existem basicamente dois tipos de relações de compra e venda comercial: entre as fábricas que vendem as mercadorias para as empresas de moda detentoras das marcas, e entre a empresa de moda e o varejista. Os contratos de compra e venda no âmbito da fashion law podem ser tanto nacionais quanto internacionais. Mas, tendo em vista que muitas fábricas hoje em dia estão localizadas em países como China, Índia e Vietnam, as transações internacionais estão muito presentes55. O contrato de compra e venda internacional é tão importante para o comércio que Véra Fradera, citando expressão da professora Aline Kaczorowska, menciona que ele é o “life blood of internacional commerce”. A compra e venda internacional é um dos contratos mais antigos da história da humanidade e está atrelado a uma das leis mais universais que o Direito possui, alex mercatoria, a qual, 53 MARTINS, Fran. O Contrato de Compra e Venda Internacional. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, v. 5, p. 83 – 102, Jun / 2011, p. 04 54 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, Obrigações e Contratos. 3.ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1972, p.242 55 JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 538 68
ainda conforme lição de Fradera, “é uma criação dos tribunais de comércio medievais, destinada a dirimir extrajudicialmente os conflitos jurídicos relacionados ao exercício do comércio, além das fronteiras de determinado burgo.” Hoje em dia, a nova lex mercatoria deve ser entendida como “um direito criado pelo empresariado, sem a intermediação do poder legislativo dos Estados, as relações comerciais que se estabelecem dentro da unidade econômica dos mercados.56” O contrato de compra e venda é muito dinâmico e, via de regra, não é necessário um instrumento formal específico para as transações. Por exemplo, o Art. 11 da CISG57 prevê que o contrato de compra e venda pode ser comprovado por meio de testemunhas. No Direito brasileiro, o art. 442 do novo código de processo civil também admite a comprovação da relação de compra e venda através de testemunhas, desde que, conforme determina o Art. 444 da mesma lei, exista “começo de prova por escrito”, o que pode ser, por exemplo, um e-mail, uma nota fiscal ou uma ordem de compra. Para auxiliar na administração dos conflitos referentes às despesas e da responsabilidade sobre perdas e danos nos contratos de compra e venda internacional, em 1936 foram criados os Incoterms pela Internacional Chamber of Commerce, os quais por ela são atualizados na medida em que o desenvolvimento logístico e as práticas do comércio internacional exigem. Assim, a fim de adaptar os incoterms às práticas comerciais internacionais mais recentes, foram introduzidas várias alterações às regras de 1936, chegando-se atualmente aos Incoterms 201058. Os Incoterms são ferramentas importantes nos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias porque existe uma grande diversidade cultural nas formas de comércio entre os países. Os conflitos oriundos destas diferenças “elevam o custo de aquisição ou diminuem a margem de lucro das partes.” E, portanto, segundo Cunha: “os Incoterms versam sobre os direitos e obrigações das partes no contrato, especialmente com relação à transferência de propriedade da mercadoria, custos e riscos próprios das operações comerciais internacionais. Porém devem ser empregados apenas nas relações contratuais estabelecidas entre vendedor e comprador, 56 FRADERA, Vera Maria Jacob de (org.); MOSER, A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo: Atlas, 2011, p. 01-08 57 Artigo 11 O contrato de compra e venda não requer instrumento escrito nem está sujeito a qualquer requisito de forma. Poderá ele ser provado por qualquer meio, inclusive por testemunhas. http://www.cisg-brasil.net/downloads/planalto.gov.br-Decreto_n_8327.pdf 58 CUNHA, Antonia Aparecida Salles Mendes da. Os contratos internacionais de compra e venda e os incoterms. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 16, p. 47 – 54, Jul - Dez 2005, p. 01 69
nunca nos contratos firmados com o transportador. A transferência de responsabilidade entre qualquer das partes e o transportador deve figurar em instrumento autônomo59.” Kolsun e Jimenez afirmam que as vendas comerciais no âmbito da fashion law, principalmente quando são internacionais, geralmente são feitas entre pessoas ausentes, isto é, através de documentos, sendo que na transação o documento mais importante é a ordem de compra, ou seja, o pedido. Em muitos casos, o vendedor irá transmitir uma aceitação via confirmação ou uma fatura proforma60. No entanto, Moser, baseando-se no artigo 18 da Convenção de Viena de 1980, o qual foi escrito sob os pilares da autonomia privada e na boa-fé objetiva, afirma que: “na prática negocial, tendo em conta a celeridade das relações a ela subjacentes, é possível trilhar a linha de entendimento de que a oferta não exige aceitação expressa, desde que o comportamento das partes envolvidas no negócio acene para seu consentimento.” Nesse sentido, tanto a legislação internacional quanto a nacional (Art. 111 do Código Civil61), consideram o silêncio como anuência da oferta nas transações de compra e venda, principalmente porque essas transações são usuais nessa prática negocial.62 Clóvis do Couto e Silva, inclusive, considerou os elementos que envolvem as práticas usuais como instrumento de interpretação. Tais usos, “uma vez admitidos em artigo de lei, passam a integrar o negócio jurídico, complementando a declaração de vontade das partes, não sendo alegável erro a respeito da sua existência ou significação”.63 Nas transações internacionais do mundo da moda, segundo Kolsun e Gimenez, é comum que o pedido de compra esteja sujeito a termos legais adicionais em algum documento separado como, por exemplo, manuais de conformidade. Uma disposição legal 59 CUNHA, Antonia Aparecida Salles Mendes da. Op.cit. 2005, p. 02 60 JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 538 61 Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. 62 Moser ainda afirma: “...em que pese o silêncio em si não corresponder a aceite à proposta ofertada, o silêncio vinculativo-formativo, ou seja, aquele silêncio conjugado com as circunstâncias particulares do contrato, reveste-se de força capaz de gerar obrigações no liame contratual.” FRADERA, Vera Maria Jacob de (org.); MOSER. Op.cit. 2011, p. 109 e p. 143 63 SILVA, Clóvis V. do Couto. A obrigação como Processo.Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 37 70
comum nestes documentos é o “chargeback”, o qual se caracteriza por uma espécie de compensação.64 Washington de Barros Monteiro leciona que a compensação ocorre quando duas obrigações são extintas quando ambas as partes na negociação são devedoras uma da outra. Ele também cita o conceito de Teixeira de Freitas, o que mais se aproxima da utilização nos contratos de compra e venda no direito da moda, de que a compensação “é o desconto, que reciprocamente se faz no que duas pessoas devem uma à outra”.65 O chargeback é a forma mais simples de pré-estabelecer uma indenização por descumprimento das condições contratuais. Por exemplo, se um fornecedor de moda enviar ao varejista mercadorias que não estão de acordo com o estipulado, o contrato pode permitir que seja descontado um valor por item inapropriado.66 Aí reside a compensação, porque o fato de o item estar em desacordo com o contrato torna o fornecedor da mercadoria devedor do comprador, quem lhe deve ou devia o preço daquela mercadoria inadequada, ou seja, ambos se tornam devedores reciprocamente. Outra espécie de negociação contratual muito comum na fashion business law são os contratos de licenciamento. Há várias modalidades de contrato de licenciamento, mas os que interessam para o estudo da fashion law são os contratos de licença para uso de marca, de patente e de desenho industrial. Rubens Requião identifica que as marcas, por serem bens imateriais, “são suscetíveis de ocupação e consequentemente objeto de direito de propriedade, podendo ser cedidas ou transferias a qualquer título”.67 O contrato de cessão de uso de marca é diferente do contrato de licenciamento. Newton Silveira, apud Remo Franceschelli, diferencia estes contratos pelo fato de a cessão implicar “o desvencilhamento da marca em relação ao titular, em benefício do cessionário”, ou seja, no licenciamento, o licenciante não abre mão do direito real de propriedade da marca e na cessão sim.68 64 JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 538 65 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 300 66 JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 538 67 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 181 68 SILVEIRA, Newton. O Abuso de Direitos do Licenciante. Revista de Direito Empresarial, v. 14, p. 269 – 295, Mar - Abr 2016, p. 18 71
A licença de uso constitui o direito que o licenciado tem de utilizar a marca, a patente ou o desenho regularmente depositados ou registrados no INPI, por certo prazo, devendo respeitar o disposto nos artigos 139, 140 e 141da Lei 9.279/96 (LPI)69. Neste caso, o licenciante continua sendo o proprietário da marca, dando direito ao licenciado de explorá-la mediante remuneração ou a título gratuito. O contrato de licenciamento é considerado contrato atípico. Stuber e Semionato explicam que “o licenciamento constitui obrigação acessória em relação a uma obrigação principal”, exemplificando da seguinte forma: “Assim, não somente no franchising mas na operação de distribuição de produtos, uma companhia “A”, proprietária das marcas “ABC” e “DEF”, ao contratar um distribuidor deverá dar a licença para uso e exploração dessas marcas de forma a viabilizar a execução do objeto do contrato de distribuição.A obrigação principal seria, então, a distribuição dos produtos elicenciamento da marca do produto a ser distribuído, uma obrigação acessória.70” Pedro Pais de Vasconcelos afirma que os contratos atípicos podem fazer referência a contratos tipificados na lei, a fim de demonstrar a intenção negocial das partes, assim como podem existir contratos mistos, mais típicos ou mais atípicos, os quais utilizam elementos determinados na lei e também cláusulas elaboradas pelas partes.71 No caso do licenciamento, por exemplo, além de estar regulado na lei de propriedade industrial, é possível aproximar suas características ao contrato de comodato (art. 579 a 585 do código civil), por exemplo, se for uma licença gratuita ou de locação de coisas (art. 565 a 578 do código civil), se for oneroso. Também se aplicam os dispositivos referentes aos direitos reais, arts. 1196 a 1224 do código civil, uma vez que, como já referido, a marca é coisa a qual é objeto de direito real e está regulada nos capítulos que versam sobre os direitos das coisas. Quando as partes são renomadas, como, por exemplo, Calvin Klein ou Pierre Cardin, a remuneração pode atingir milhões de dólares ao longo da vida do contrato. Assim, os contratos de licenciamento na fashion law geralmente envolvem um fashion designer, uma
69 http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/transferencia/tipos-de-contratos 70 SEMIONATO, Maria Cecília; STUBER, Walter Douglas. Franchising e Licenciamento. Revista de Direito Constitucional e Internacional. v. 16, p. 292 – 295, Jul - Set 1996, p.01. 71 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos atípicos. 2.ed. São Paulo: Almedina, 2009, p. 380 72
celebridade ou uma companhia de moda como licenciante e a fábrica como licenciada, a qual adquire o direito de usar a marca em itens específicos a serem por ela fabricados e comercializados.72 Como o contrato de licenciamento geralmente é acessório a outro contrato, ou seja, uma obrigação acessória a alguma obrigação principal pode ficar estabelecido, por exemplo, que o licenciante irá participar da aprovação do design dos produtos, da divulgação publicitária, de eventos corporativos, dentre outros. Para a proteção da marca, é comum o licenciante ter forte controle de qualidade, da propaganda, ou da forma de distribuição dos produtos fabricados em seu nome. Por vezes é necessário o licenciante dispor de um time especializado de designers e demais prestadores de serviços para atender a demanda do contrato de forma satisfatória73. Os contratos de licenciamento podem ser confundidos com os contratos de franchising, os quais também estão presentes no âmbito da fashion law. Há vários exemplos de franquias de moda no Brasil: Osklen, Zara, Colcci, Bodyshop, O Boticário, dentre tantas outras. O contrato de franquia está tipificado na Lei 8.955/94 e, segundo Semionato e Stuber: “tem por objetivo autorizar e obrigar o franqueado, mediante uma contraprestação financeira direta ou indireta, a utilizar as marcas de serviços, logotipos, know-how, direitos de propriedade industrial e intelectual, apoiados por uma prestação contínua de assistência comercial ou técnica por parte do franqueador.A franquia tem o efeito positivo de evitar a abertura de filiais e despesas ao franqueador, pois as partes do contrato são empresas financeira e juridicamente independentes74.” Por óbvio, nos conflitos em que a sede de alguma das partes contratantes é no Brasil ou em que houve escolha da aplicabilidade da lei brasileira no contrato, deverá ser aplicada a lei que o tipifica e também a legislação nacional. Para o caso de um contrato internacional de franchising, José Cretella Neto afirma que “os franqueadores poderão buscar a homogeneidade dos contratos que celebrarem por meio da aplicação de regras uniformes”. Se não existirem regras aplicáveis ao caso, os usos e costumes internacionais também podem ser evocados. E, na ausência destes, as partes devem escolher qual a regra aplicável ao contrato.75 72 JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 493-508 73 Ibidem. 74 SEMIONATO, Maria Cecília; STUBER, Walter Douglas. Op.cit. 1996. 75 CRETELLA, Neto José. Do Contrato Internacional de Franchising. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 105 73
Outros dois contratos muito presentes na esfera da fashion law são o de representação comercial, tipificado na Lei 4.886/65, e o contrato de comissão, o qual consta nos arts. 693 a 709 do Código Civil. No art. 693 está a definição do contrato de comissão, o qual é aquele que “tem por objeto a aquisição ou venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome à conta do comitente”. Segundo Humberto Theodoro Júnior: “algumas indústrias do setor de moda estão experimentando o sistema de comissão para otimizar a produção em larga escala, difundir a marca e incrementar as vendas, já que a consignação das mercadorias remove uma barreira intermediária entre a produção e o consumo, residente justamente na capacidade financeira do revendedor, que não quer e/ou não pode assumir os riscos de um estoque grande e variado. O fabricante, deste modo, toma para si o risco do estoque, que põe nas mãos do varejista.76” Tanto o contrato de representação comercial quanto o contrato de comissão possuem como objetivo mercadológico a intermediação na circulação de bens. Ocorre que, na representação comercial, o representante tem a função apenas de ampliar a carteira de clientes de seu representado, quem fará os negócios em seu próprio nome, sem interferência do agente. O representado será o único responsável pelo negócio ultimado com o cliente. Já o comissário, ao contrário, faz o negócio em seu nome e é o único responsável pelo contrato firmado com o terceiro. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “a comissão é o contrato que credencia alguém (o comissário) a adquirir ou vender bens, em nome próprio, mas à conta do comitente (art. 693)”.77 Os contratos que permeiam a indústria da moda também podem envolver pessoas físicas, além de questões secundárias de Direito tributário, aduaneiro, internacional, responsabilidade civil, dentre outras matérias e especificidades acerca do glamoroso mundo da moda, como menciona Cabrera, “atendendo não só empresas, mas também designers, agências de modelos, fotógrafos,
76 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Do Contrato de Comissão no Novo Código Civil, Revista dos Tribunais, v. 814, p. 26 – 43, Ago 2003, p. 02 77 Idem, p. 11 74
editores de moda, distribuidores, dentre outros temas e agentes”78. Assim, serão demonstrados a seguir casos envolvendo alguns dos contratos que foram citados, a fim de ilustrar a prática e o cotidiano dos conflitos que fazem parte da esfera da fashion law.
2.2 CASOS Internacionalmente, no que tange aos contratos de compra e venda de mercadorias e a questão do chargeback, Kolsun e Gimenez relatam o caso da loja Saks Inc., uma loja de varejo de luxo dos Estados Unidos, a qual vende várias marcas de estilistas famosos como Michael Kors, Fendi, Tommy Hilfiger, Chanel, etc. A empresa Onward Kashiyama USA, quem fornecia os produtos da Michael Kors para a Saks Inc., processou a varejista em mais de nove milhões de dólares por causa de chargebacks, ou seja, por causa de estornos indevidos nos valores a serem pagos pelas mercadorias. Christopher Owen, advogado da Kashiyama, explicou que, de 1999 a 2003, a empresa chegou ao ponto de entregar milhões de dólares em mercadorias, e a Saks Inc., ao invés de pagar pelos produtos fornecidos pela Kashiyama, enviava apenas uma conta do quanto ela lhe devia.79 Na pesquisa realizada neste mercado de varejo de moda, os autores mencionam que estes estornos indevidos são prática comum. Por exemplo, um varejista estorna uma grande quantia de um fornecedor para atender ao objetivo de sua margem de lucro daquela temporada e diz que irá compensar comprando certa quantidade de estoque no próximo ano, mas, no ano seguinte, não cumpre o acordo. Por vezes tais acordos, segundo um comerciante entrevistado por Gimenez e Kolsun, são gentlement agreements e não ficam registrados, apesar de também existirem contratos escritos que permitem essa prática: “there is a lot of handshaking done, but then there can also be written agreements”.80 78 CABRERA, Rafael Ferreira; SILVA, Caíque Tomaz Leite da. Fashion Law – O direito de Propriedade Intelectual e a Indústria da Moda. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 7, p. 93 – 106, Jul - Ago 2014, p. 07 79 JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 538-539 80 Ibidem. 75
Nesse sentido, Véra Fradera explica que, tendo em vista a complexidade dos contratos entre estas empresas internacionais: “surgiu a prática, importada de outros ordenamentos, de preparar longas negociações, impondo aos seus participantes a necessidade de recorrer a instrumentos da ordem dos acordos de cavalheiros ou gentlement agreements, cuja estrutura pode apresentar diferentes contornos, a começar pela possibilidade de não serem obrigatórios, daí o charme, por eles exercido, junto aos negociadores profissionais.”Na maioria dos casos, mesmo na falta de sanções legais, há um grande estímulo ao cumprimento do acordado no plano da honra, pelas empresas ou comerciantes, pois o não cumprimento de um GA pode acarretar a perda da reputação da empresa ou do empresário relapso. Ademais, a rápida comunicação das informações sobre a reputação daquela pessoa em razão da velocidade da comunicação traz, como consequência, a sua exclusão do mercado.81” A questão da reputação no mercado da moda é tão importante que, no caso da Saks Inc., consta que a loja fez uma investigação interna e encontrou U$ 21,5 milhões que teriam sido descontados indevidamente dos fornecedores. Então a loja comprometeu-se a devolver ou compensá-los, o que, segundo os autores, abriu um precedente e chamou a atenção do mercado acerca dessa prática.82 Paula Forgioni afirma que, “em mercados os quais a reputação assume relevância, a estratégia colaborativa pode significar ganhos futuros” porque a empresa irá “calcular as perdas econômicas que o dano à sua imagem poderá trazer para outros negócios que realizará”83, chegando à conclusão de que colaborar com seus parceiros de negócios é a forma mais vantajosa de lucrar e se manter no mercado. E por isso a Saks Inc. adotou a estratégia de efetuar a auditoria e indenizar seus fornecedores. Quanto aos contratos de licenciamento, Kolsun e Jimenez relatam que os tipos mais comuns de disputas são sobre controle de qualidade ou de distribuição dos produtos, término ou duração do contrato e também aquelas relacionadas a questões de exclusividade. No caso por eles relatado, a Calvin Klein, licenciante, processou a licenciada Warnaco em 200 milhões de dólares
81 FRADERA, Vera Maria Jacob de. A recepção do conceito de gentlemen agreement pelo direito brasileiro, uma das transformações do direito das obrigações. In: Transformações contemporâneas do direito das obrigações. Rio de Janeiro: Elsevier, Campus jurídico, 2011. cap. 17, p. 579. 82 JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 538-539 83 FORGIONI, Paula A. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 2010. 76
alegando que a empresa estaria lesando a marca por causa de quebras contratuais no que tange à qualidade e distribuição dos produtos, ao utilizar canais de distribuição inapropriados, como, por exemplo, lojas como a Costco, a qual seria de nível inferior ao que a marca costuma atrelar sua imagem. A Calvin Klein também afirmou que a Warnaco estava comercializando peças as quais não teriam sido aprovadas e em desacordo com os padrões de design e qualidade. Além disso, também alegou que a Warnaco descumpriu o contrato quanto à obrigação de contribuir para o desenvolvimento da marca, por não explorar novos mercados, abandonar a comercialização de algumas linhas de produtos, e ignorar ou interferir nos padrões de marketing e qualidade. A Warnaco teria também colocado outras marcas controladas por ela nos pontos de venda exclusivos da Calvin Klein, e a acusou de fazer falsas declarações, por exemplo, dizer que produtos de primeira linha enviados para canais de distribuição inapropriados eram produtos excedentes, ou de coleções passadas. Neste caso, acredita-se que também, em prol da reputação, dias antes do julgamento, as partes acertaram um acordo extrajudicial, não se sabe por qual valor. Uma década depois, a Phillips-Van Heusen, uma grande empresa holding, adquiriu ambas as empresas, o que fez com que os conflitos entre elas se apaziguassem.84 Outro caso muito famoso, o qual não pode deixar de ser citado, é o da Chanel, narrado por Mariot: “Tudo começou em Paris, em 1922”, quando Chanel negociou com um dos irmãos Wertheimer -donos de uma das maiores fabricantes de perfumes da França, os quais também distribuíam a marca Helena Rubinstein - uma sociedade sob o patrocínio do escritório de Theóphile Bader, proprietário das galerias Lafayette, com a seguinte divisão: o percentual de 70% para os irmãos Wertheimer, 20% para Badere apenas 10% para Coco Chanel. Durante a sociedade, com o passar do tempo, a marca Chanel tornou-se uma das maiores marcas de moda do século, e o relacionamento de Chanel com Pierre Wertheimer foi deteriorandose. A estilista chegou à conclusão de que a sociedade realizada não era vantajosa para ela85, e tentou de todas as formas, ao longo de 84 JIMENEZ, Guillermo; KOLSUN, Barbara. Op.cit. 2016, p. 494-508 85 Chanel cedeu a Les Parfums Chanel S.A., os seus direitos sobre todos os perfumes correntemente vendidos com o nome Chanel, a propriedade das fórmulas de produção, os métodos e o design do qual detinha o copyright, assim como o direito exclusivo à dita sociedade de fabricar e vender com o nome de Chanel todos os perfumes, os produtos de beleza, os sabonetes (...). os direitos da sociedade pela venda dos produtos Chanel eram 77
sua vida, renegociá-la. Segundo o autor, vários historiadores afirmam que o contrato não era claro sobre no que incidia o percentual negociado em favor de Chanel, se seriam o capital da sociedade ou os lucros sobre as vendas dos perfumes na França. No entanto, mesmo que o nome fosse fator determinante no impacto no valor de mercado dos produtos de luxo, no caso do perfume Chanel, os irmãos Wertheimer investiram mais de 90% do capital da sociedade e assumiram todos os riscos do empreendimento. Foram mais de 30 anos de batalhas judiciais, tanto é que os Wertheimer contrataram um advogado especialmente para tratar “dos incômodos que mademoiselle lhes dava”. Em 1954, com mais de 70 anos, após reabrir sua maison ainda financiada pelo sócio Pierre, Chanel decidiu vendê-la juntamente com seus direitos a Wertheimer, não se sabe até hoje por qual valor. Hoje os netos de Pierre são os donos da Chanel, empresa cujas receitas atingiram U$ 6,9 bilhões em 2013.86 No que tange ao contrato de franquia, uma vez que este contrato está tipificado na lei brasileira, há muitos casos nos tribunais nacionais. O caso a ser relatado é do Tribunal do Rio Grande do Sul, apelação nº CNJ: 0002537-71.2014.8.21.7000, de relatoria do Des. Dr. Sylvio José da Silva Tavares, da 16ª Câmara Cível. A parte autora do processo era uma loja de artigos esportivos de time de futebol cujos produtos basicamente eram camisetas, canecas, chinelos, etc. A parte ré era o Sport Club Internacional. A autora alegou que o contrato objeto da ação, embora estivesse nomeado como “contrato de licença de uso de marcas e outras avenças”, tratava-se, na verdade, de contrato de franquia, o qual estaria desconforme a lei determina. A autora também afirmou que as condições contratuais impostas pelo réu tornavam o negócio inviável economicamente, sustentando que a promessa de faturamento médio de R$ 30.000,00 mensais não foi concretizada, porque o faturamento bruto da loja não passou de R$ 5.000,00 por mês. Por essa razão requereu a anulação do contrato e indenização por perdas e danos.
limitados exclusivamente a objetos habitualmente incluídos no comércio de perfumes (...) Les Parfums Chanel só podem vender perfumes de primeiríssima qualidade. Dado que M.lle Chanel é proprietária de uma alfaiataria de artigos de luxo, é subentendido que a venda com o nome Chanel de produtos de perfumaria de qualidade inferior poderia lhe causar sérios prejuízos”. MARIOT, Gilberto Op.cit. 2016, p. 33 86 MARIOT, Gilberto Op.cit. 2016, p. 30-41 78
No entanto, tanto o juiz de primeiro grau quanto o tribunal entenderam pela improcedência do pedido. No acórdão da apelação, os desembargadores afastaram a incidência do Código de Defesa do Consumidor e não inverteram o ônus da prova porque tratavase claramente de uma relação comercial e não de hipossuficiência. Segundo, entenderam que a anulação do contrato de licenciamento de uso da marca “Inter Sport” dependia da existência de prova inequívoca dos fatos, o que não aconteceu no processo. Consta na decisão que nenhuma prova foi produzida além de a juntada de documentos que demonstraram que o time do Internacional ofereceu as duas modalidades de negócio à autora: a franquia e o licenciamento da marca, sendo que a autora optou pelo contrato de licenciamento. O fundamento da decisão de improcedência da demanda foi que o instrumento contratual era claro acerca de seu objeto (a licença de uso da marca) e que a parte autora sempre esteve ciente do tipo de contrato firmado. O relator finalizou o voto dizendo que: “a parte autora livremente pactuou e sequer sustentou a ocorrência de vício de consentimento a ensejar mácula contratual. O arrependimento em relação à instalação do estabelecimento comercial em local que não trouxe o retorno esperado faz parte do risco do negócio e não pode ser imputado à parte demandada.87” O contrato de franquia é complexo, sendo que a cláusula arbitral é bastante utilizada nestes contratos, razão pela qual geralmente casos envolvendo questões internacionais e grandes valores são sigilosos. Quanto ao contrato de representação comercial ou de agência, existem muitos casos no poder judiciário, em sua maioria discutindo os encargos por rescisão e a legalidade de cláusulas. De todo modo, o ideal é que as partes sempre tentem resolver seus conflitos entre si, seja através de negociação, ou seja, através de mediação, uma vez que, por vezes, a interpretação por um terceiro (juiz ou árbitro) em negociações de um mercado tão específico além de demorar pode não ser satisfatória para nenhuma das partes.
87 Apelação Cível Nº 70058099748, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio José Costa da Silva Tavares, Julgado em 25/08/2016). 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS A crescente e constante expansão do setor da moda demonstra a relevância desse ramo para a economia do país. Naturalmente, suas demandas passam a importar para o conjunto social, de modo que o direito não deve ficar inerte a esse movimento da vida comercial. Os reflexos dessa indústria interessam a todos: ao consumidor, às empresas, ao governo. Assim, o estudo e a aplicação da fashion law tornam-se mais e mais imprescindíveis no cotidiano da prática jurídica. O fato de a indústria da moda apresentar peculiaridades próprias justifica o desenvolvimento desse ramo jurídico. Com o presente estudo, buscou-se destacar algumas reflexões gerais sobre o tema com o intuito de auxiliar o operador do direito na busca por soluções para os conflitos que se desenvolvem no contexto da indústria da moda. Para tanto, focou-se em dois campos centrais da fashion law: a Fashion I.P. Law e a Fashion Business Law. Apesar de a Fashion Law ser formada a partir da utilização de institutos jurídicos, muitas vezes já consagrados na esfera jurídica, percebeu-se que, no mínimo, eles devem ser adaptados ao contexto próprio da moda. Nesse sentido, quanto à Fashion I.P. Law, ou seja, no que concerne ao direito de propriedade intelectual frente às demandas da indústria da moda, é possível concluir que: A proteção por legislação específica não é uma prática globalizada, até o presente momento, embora existam regimes protetivos – alguns, inclusive, bastante antigos, como é o caso do sistema francês. Contudo, essas legislações servem de inspiração para os países que desejam implementar um regime de proteção específico para a moda. E prevê recursos também para a solução dos casos jurídicos. Nesse particular, interessa, especialmente, as formas como a proteção é conferida e o tempo de duração. Termos de proteção mais curtos são mais adequados a produtos sazonais, enquanto que termos mais longos são mais apropriados a produtos icônicos. O problema central diz respeito à questão do limite entre a inspiração e a cópia. Para combater a contrafação, há diversas possibilidades de proteção, ressaltando-se que, muitas vezes, o regime jurídico de propriedade intelectual tradicional não cobre todas as necessidades do setor. Além disso, o interesse e a necessidade de proteção variam de acordo com o tipo de ator dessa indústria. Para um designer, individualmente considerado, a proteção da obra artística pelo direito autoral pode ser de fundamental importância, bem como a empresa de luxo, como o caso da Hermès ilustrou. 80
A própria pergunta de se é necessário conferir níveis fortes de proteção pela propriedade intelectual ao setor da moda é bastante controversa, não havendo ainda um consenso. No contexto brasileiro, a proteção jurídica que deve ser conferida pelo direito de propriedade intelectual ao setor da moda é ainda incerta, apesar de já estar se formando jurisprudência sobre o assunto. No que diz respeito à Fashion Business Law, conclui-se que os contratos que a compõem possuem uma grande característica em comum: a colaboração. A colaboração entre as partes em todos estes contratos é fator fundamental para o sucesso dos negócios, uma vez que, como visto nos casos exemplificados, a máfé no cumprimento das obrigações, o rompimento prematuro da relação ou a intervenção de um terceiro para a solução de litígios é desgastante e desvantajosa. Também é de se notar que as relações no âmbito da fashion business law são muito dinâmicas, uma vez que é um mercado sazonal, muito versátil e volúvel, baseado em diversos conceitos que dependem dos contextos em que os mercados consumidores estão inseridos. Neste mercado, mesmo tendo sido observado que, por mais que as mulheres tivessem sido ícones de estilo e de trabalho criativo da alta costura, sempre houve certo domínio dos homens nos negócios. De todo modo, foi no mundo da moda que as mulheres começaram a ter mais visibilidade e espaço, sendo que até hoje o papel delas é essencial, porque são as maiores consumidoras de moda. Com o aumento do poder aquisitivo desta parcela da população através da ascensão profissional, o mercado é impulsionado, gerando desenvolvimento econômico. Assim, a colaboração e o respeito aos acordos, à criatividade e à diversidade do mercado é uma das chaves para a melhora da economia e das relações comerciais em geral, principalmente no mercado do mundo da moda.
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SINAIS DISTINTIVOS NÃO TRADICIONAIS: O CASO LOUBOUTIN
Por Beatriz
Vergaça Castro
Bacharela em Direito pela UFRJ, mestranda em Propriedade Intelectual, Inovação e Transferência de Tecnologia pela UFRJ (PROFNIT) e cursa a pós-graduação em Direito da Propriedade Intelectual da PUC-RIO. Atualmente é advogada no Di Blasi, Parente & Associados.
Introdução Recentemente, Christian Louboutin, o estilista francês de sapatos de alta costura, registrou e expandiu ao redor do mundo a característica que torna seu trabalho distinto especialmente em seu meio: o solado vermelho presente em seus sapatos, destinados a um nicho de mercado de alto luxo. Com intenções de proteger sua criação e impedir terceiros de utilizar a cor vermelha em solados de sapatos que não os seus, acabou travando diversas batalhas para garantir o uso e exploração exclusivos de seus solados vermelhos, litigando com a Yves Saint Laurent1, a brasileira Carmen Steffens2 e até mesmo a rede fast-fashion Zara3. Tais atos, em especial o concernente a Yves Saint Laurent, ganharam um destaque na mídia convencional, atraindo a atenção de leigos e especialistas, o que fez com que muito fosse discutido sobre a validade de tal registro, assim como o que ocorreria caso o mesmo fosse declarado inválido. Com isso, as marcas não tradicionais, em especial a marca de posição e a cromática, voltaram a ganhar destaque no meio jurídico especializado em propriedade intelectual ao redor do mundo. Tal relevância, porém, não foi suficiente para arguir o tipo marcário em especifico, assumindo-se tratar de marca cromática. Tamanha exposição, portanto, gerou o momento oportuno para um aprofundamento sobre tal matéria e discussão acerca das formas não
1 João Ibaixe Jr e Valquíria Sabóia. Caso Christian Louboutin contra Yves Saint Laurent: Nascimento do Direito da Moda. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI203478,91041-Caso+Christian+Louboutin+contra+Yves+Saint+LaurentNascimento+do> Acesso em: 10/01/2016. 2 O GLOBO. Christian Louboutin processa marca brasileira de sapatos Carmen Steffens por copiar solas vermelhas. Disponível em: <http:// oglobo.globo.com/sociedade/saude/christian-louboutin-processa-marca-brasileira-de-sapatos-carmen-steffens-por-copiar-solas-vermelhas-2796570> Acesso em: 10/01/2016 3 The Fashion Law. Louboutin v. Zara: Battle of the Soles. Disponível em: < http://www.thefashionlaw.com/archive/louboutin-v-zara-battle-of-the-soles> Acesso em: 10/01/2016 87
convencionais de proteção. É válido lembrar que sequer há um consenso sobre a definição de marcas não convencionais na doutrina e/ou jurisprudência brasileira. Como a jurisprudência brasileira sobre a matéria ainda é bastante incipiente, o presente trabalho recorrerá a casos de jurisprudência estrangeira. Por ter gerado um novo despertar sobre o assunto, escolheu-se o caso da marca do solado vermelho como recorte no estudo. No Brasil, essa mesma marca possui um pedido de registro pendente, na forma tridimensional, uma vez que não existe o tipo de registro para marca de posição no INPI, o que reforça a importância do presente estudo.
MARCAS DE POSIÇÃO E CORES Marca Cromática Em consonância com as definições de marca, uma marca cromática nada mais seria que um sinal composto por uma cor, ou conjunto delas, dispostas ou não de certa forma, de modo a identificar um produto ou serviço, ou sua origem e distinguir dos demais congêneres. Existem várias espécies de marcas cromáticas possíveis. É possível que se tenha uma marca cromática que seja a cor que reveste o produto, embalagem ou predomina no serviço, de maneira isolada; seja uma composição distintiva de cores do produto, embalagem ou serviço; seja uma disposição de cores aplicada no produto, embalagem ou serviço; ou ainda seja a própria cor da marca (representação gráfica figurativa ou mista do sinal). A marca de cor única, também chamada de per se, ou cor em abstrato, ou monocromática (em Portugal, monocolor), é a marca composta única e exclusivamente por uma cor específica, uma tonalidade. Esta pode estar presente no produto, embalagem ou serviço, ou até mesmo na própria marca. É possível também que a marca cromática seja formada uma composição de cores, formando ou não um padrão, ou havendo uma disposição/ordem específica, estando presente no produto, em sua embalagem ou no serviço (porém nada impede que seja parte da representação gráfica figurativa ou mista do sinal).
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Quanto à sua registrabilidade, é importante relembrar o Art. 15 do TRIPs4 que diz que os sinais capazes de constituírem marcas podem ser formados exclusivamente ou não por cores, ficando a critério de cada país condicionar o registro e sua perceptibilidade visual. Também existe uma recomendação5 da INTA que diz que “fica resolvido que é posição da INTA que as cores, seja como uma combinação de cores ou uma única cor, podem servir como marca e, dessa forma, em circunstâncias apropriadas, poderão ser passíveis de reconhecimento marcário, proteção e registro”. No mesmo sentido, A AIPPI6 aprovou uma Resolução (Questão 181) em seu Congresso realizado em Genebra, em junho de 2004, favorável à proteção de cor por si só, mediante prova de um caráter distintivo adquirido em razão de seu uso. Como já foi debatido, todo sinal visualmente representado, que é configurado para o fim específico de distinguir a origem dos produtos e serviços é registrável, desde que seja novo, distintivo e intrinsecamente veraz. Sendo essa a regra, as exceções são aquelas especificamente listadas na lei. Ou seja, a marca cromática encontra vedação expressa parcial na legislação, mas não encontra permissão. Neste contexto pode assumir relevância, impedindo, em princípio, o registro, por exemplo, o fato de uma cor poder ser considerada descritiva7, usual8, genérica9 ou até mesmo funcional10, se a cor cumprir certa função utilitária ou se for utilizada para obter um determinado resultado técnico relativo a um produto. Do anteriormente exposto, pode-se se extrair que o principal requisito para que uma cor se tornasse registrável seria a prova de sua distintividade, tornando-se conditio sine qua non. Resta definir se essa capacidade distintiva existe (ou pode existir) ab initio ou 4 Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, Marrakesh, de 15 de abril de 1994, internalizado através do Decreto n º 1.355, de 30 de dezembro de 1994. 5 INTA Guidelines for Trademark examination (07.05.1997). Tradução livre. 6 A Association Internationale pour la Protection de la Propriété Intellectuelle (AIPPI), é uma organização politicamente neutra, sem fins lucrativos, domiciliada na Suíça, dedicada ao desenvolvimento e melhoria dos regimes jurídicos para protecção da propriedade intelectual. 7 Por exemplo, laranja para vendas ou agricultura de laranja. 8 As cores azul e vermelha para descrever frio e quente, exemplificando. 9 A título de ilustração, Vermelho para produtos ou serviços que lidam com perigo e atenção. 10 Prateado para serviços ou produtos isolantes, ilustrativamente. 89
se, ao invés, é (ou tem de ser) adquirida pelo uso do referido sinal (secondary meaning). Por exemplo, apesar de vedação expressa na legislação, o nome de uma cor pode ser registrado quando for para produto ou serviço que não tenham a ver com a própria cor e/ou adquiram distintividade. Os maiores obstáculos encontrados11 para o registro de cores no mundo são o risco de confusão de tonalidades (também conhecido por shade confusion12), que inclui a dificuldade em determinar e estabelecer o quão diferente um tom de cor tem que ser para que não haja colidência, além do fato de que provavelmente seria necessária uma escala comum e universal com a maior quantidade de tonalidades possível para a definição de seu registro devido à necessidade de representação gráfica - não bastará a apresentação de uma simples amostra de cor, dado que esta pode alterar-se com o tempo, o ideal seria que fosse feita referência à cor através de um código ou classificação internacionalmente conhecidos, visto que estes códigos são considerados precisos e estáveis, e/ ou uma descrição verbal da mesma. Ademais, não deve se esquecer do interesse público de não se restringir indevidamente a disponibilidade das cores para os restantes operadores no mercado (depletion theory). De maneira simplificada, a teoria narra que ao permitir exclusividade marcária sobre as cores, “existindo estas em número limitado, conduziria à limitação e proibição dos restantes agentes económicos as usarem no mercado para distinguir os seus produtos ou serviços”13, de modo que a lista de cores possíveis num certo segmento, conforme seriam concedidas as marcas, ficaria deveras restrita, prejudicando a livre concorrência.
11 Conforme narrado por SNOWDEN, David. United Kingdom. The Registration of Colours and Scents as Trademarks. Intellectual Property Dissertation, University of Kent. April. 2002. 12 A teoria diz que, supondo que uma cor é protegida, a existência de apenas um número limitado de cores perceptíveis à visão humana geraria a constante incerteza sobre se uma determinada tonalidade infringiu outra, ou seja, cores e suas diferentes tonalidades podem levar à confusão. É muito pertinente especialmente para eventuais ações de violação marcária e em casos de colidência. 13 CARVALHO, Maria Miguel. A Possibilidade De Registo Como Marca Da Cor Per Se. UNIO – EU LAW JOURNAL, Mar. 2013, p. 87. 90
Para amenizar o último obstáculo citado, deve-se ser relembrado que um sinal, quando possui um aspecto funcional, não é passível de registro. É a chamada Doutrina da Funcionalidade, na qual uma cor só será passível de registro marcário se a mesma não for essencial para o uso ou propósito do que se identifica, ou se não afetar seu custo ou qualidade. Desta doutrina, ainda cabe falar de seu desdobramento: a chamada Funcionalidade Estética, que expõe que quando um aspecto tem somente a intenção de melhorar o seu design e tornar o produto mais desejável, atraente de forma comercial, esse aspecto não padece de proteção, pois o consumidor é atraído ao design. Como visto anteriormente, para que uma cor possa ser registrada como marca, é necessário que haja uma reputação, e, portanto, é difícil definir aonde a funcionalidade estética começa e aonde o aspecto puramente reputacional acaba. Dessa forma, a exclusividade cromática não seria injusta com os competidores diretos, não os prejudicando. É importante lembrar que será muito difícil que uma empresa se utilize apenas de uma cor (ou conjunto delas) para identificar os seus produtos ou serviços, e que esta proteção tem objetivo complementar. No Brasil, como pode ser visto na Lei de Propriedade Intelectual, o inciso VIII do art. 124 estabelece que não são registráveis como marca “cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo”. O legislador brasileiro afirma, ao se utilizar de uma negativa, a possibilidade de registro de cores dispostas ou combinadas de modo peculiar ou distintivo, ressaltando a importância da distintividade e distinguibilidade no meio marcário, numa interpretação contrario sensu. Apesar de assim entender a doutrina, o INPI ainda é muito resistente para registrar cores sozinhas, embora não o seja para o esquema de cores.
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Existem algumas marcas figurativas mistas registradas no Brasil nas quais se fazem a reivindicação de uma ou mais cores14 (realizando-se a proteção de mais de um sinal através de apenas um registro, porém não somente o nominativo e o figurativo), mas também existem alguns casos de marcas que constituem somente esquema de cores (figurativas). Por exemplo, existe um registro pertencente à Visa International Service Association, e diz respeito ao esquema de cores de seu logo. FIGURA 1 // À ESQUERDA, O REGISTRO; À DIREITA, O LOGO.
Fonte: Base de Marcas do INPI.
Por fim, cabe ressaltar que desde 1985 os Estados Unidos aceitam o registro cromático. Na Europa, o mesmo ocorre desde 1989, na Inglaterra.
Marca de Posição
De acordo com o sua semântica15, posição pode significar: “posição po.si.ção sf (lat positione) 1 Lugar ocupado por uma coisa ou onde está colocada uma pessoa ou coisa. 2 Localização própria em relação a outras coisas: A posição dos rins na região lombar. 3 Localização geográfica: O navio deu a sua posição. 4 Orientação: Posição de um edifício. 5 Disposição. 6 Situação econômica, moral, social etc.: Ocupar uma boa posição. 7 Modo, jeito, maneira, atitude, postura: Posição do corpo. 8 Med Postura ou atitude particular de um paciente para qualquer processo terapêutico: Posição dorsal. 9 Em obstetrícia, a situação da criança na pelve. 10
14 Exemplo: Registros nº. 825711231 e 818608447. 15 Michaelis Online, Dicionário. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/posicao%20_1025814.html>. Acesso em 15/06/2016. 92
Circunstâncias em que alguém se acha: O escândalo deixou-o em má posição. 11 Mil Área ou lugar ocupado por unidades de combate para ataque ou defesa: O batalhão tomou posição no alto da colina. P. defensiva: a que só se destina a defender. P. ecológica, Sociol: a que define a situação de uma unidade ecológica (zona urbana, suburbana, cidade-satélite etc.), relativamente ao centro de dominância. P. equívoca: posição para a qual não se acha explicação razoável. P. falsa: apuros, dificuldades, situação comprometedora. P. social: classe social do indivíduo.” (grifos nossos)
Ou seja, se compreende por posição a maneira que se encontra posta uma pessoa ou coisa, a sua localização ou disposição. O conceito de marca de posição nasceu na Alemanha16. Posteriormente, a OMPI realizou uma pesquisa para saber como os países entendiam esse conceito, e acabou sendo mencionada na Regra 3 (8) do Tratado de Singapura17, mas sem estabelecer uma definição clara, apenas abordando linhas gerais para viabilizar seu registro: “Rule 3: Details Concerning the Application (…) (8) [Position Mark] Where the application contains a statement to the effect that the mark is a position mark, the reproduction of the mark shall consist of a single view of the mark showing its position on the product. The Office may require that matter for which protection is not claimed shall be indicated. The Office may also require a description explaining the position of the mark in relation to the product.”
Pode-se dizer que uma marca de posição se caracteriza por um elemento que sempre aparece no produto em uma determinada mesma posição, com proporções constantes. A combinação de um sinal com uma posição pode constituir um sinal distintivo por conta da impressão que passa, uma vez que a posição, por si só, jamais seria admissível para registro como marca.
16 RIDEAU, Camille. França. Position Mark: A Category Of Signs Eligible For Trade Mark Protection? Different Standards Of Examination, Different Scope Of Protection?. Centre d’Études Internacionales de la Propriété Intellectuelle, Valorisation des Biens Immatériels, Masters 2 , 2009/2010. Strasbourg: Université de Strasbourg, p. 5. 17 Assinado em 2006 para atualizar o Trademark Law Treaty (TLT) de 1994, que foi uma tentativa internacional de harmonizar os procedimentos administrativos de registro marcário. O Brasil não é signatário. 93
É o que expõe Juan David Castro García18 e Sandri19, respectivamente: “La combinación del signo y de la posición puede constituir un carácter distintivo debido a la impresión general que produce, mientras que por sí sola la posición no sería admisible como marca protegida. Si el signo se coloca cada vez en un lugar inesperado20 o poco habitual no tendrá la condición de distintivo.” “For instance, in some luxury and elite sectors, certain objects or sculptures always accompany a product. In the automobile industry, there are well known examples of this practice, which include the flying lady – “The Spirit of Ecsrasy” – which appears above the radiator of the Rolls Royce, the Mercedes three-point star, and the Jaguar’s jaguar. These signs, whose figurative symbols are simply conceived and quickly memorized by the public, are increasingly associated with high fashion goods. They usually appear on three-dimensional products such as buckles, buttons, hooks, clamps, closing devices and the like.”
Ou seja, o pedido de registro de uma marca de posição visa proteger o local em que o signo pretendido aparece ou é fixado em determinado produto com habitualidade. Essa habitualidade de posição pode ajudar um sinal, que por si só não possuía distintividade, a adquirir a mesma, especialmente ao ser posta, por exemplo, em uma posição que não é comum. Para que o registro deste tipo de marca possa ser feito e em consonância com as diretrizes recomendadas pelo Tratado de Singapura, é comum que o depositante anexe ao pedido uma representação gráfica, em vista única, do que se pretende registrar. Quanto às partes que estão fora do escopo do pedido de proteção, mas que são essenciais para demonstração da posição do sinal objeto deste pedido, o requerente deverá representá-las por meio de traços ou linhas pontilhadas. Os escritórios de registro também poderão requerer que seja indicada qual parte do pedido está se reivindicando e uma descrição que especifique e esclareça a posição da marca com relação ao produto ou serviço onde está afixada. 18 García, Juan David Castro. Colombia. Las Marcas No Tradicionales. Revista La Propiedad Inmaterial, n. 16, p. 297-325, novembro, 2012. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, p. 319. 19 SANDRI, Stefano e RIZZO, Sergio. Op. Cit., p. 151-152. 20 É importante esclarecer o que o autor quis dizer com a expressão “inesperado”, e até mesmo sua última frase. Ele se referia à característica de habitualidade e não diz respeito à aquisição de distintividade. Uma posição inesperada ou fora do comum pode ajudar um sinal a adquirir distintividade, mas quando este sinal se encontra cada vez em uma posição diferente (não se sabe onde o sinal estará presente, impossível haver uma previsão), não há como se dizer que é uma marca de posição, por conta da falta de habitualidade. 94
Tais recomendações expostas no parágrafo anterior são de suma importância, uma vez que a marca de posição, em específico, será utilizada em vários objetos homogêneos. Fora isso, os requerimentos para seu registro são os mesmos de qualquer outra marca visualmente perceptível. A única diferença é que o registro não protegerá o sinal parte da marca fora de tal posição. Este detalhe é importante, pois pode influenciar na caducidade de uma marca ou sua violação. Dito isso, pode-se extrair que as marcas de posição, são compostas por dois elementos, além da habitualidade: outro21 sinal e sua posição. A posição, em particular, de um sinal pode ser considerada distintiva quando não é usual (lugar comum) num certo segmento mercadológico ou quando há certa habitualidade. É preciso, da mesma forma, levar em consideração se um consumidor espera tal disposição de sinal naquela posição específica dos produtos daquele ramo, ou até mesmo a sua presença nele. Já o sinal, deve ser dotado das características já exauridas nos outros capítulos e subcapítulos, em especial deve ser distintivo. Também como já foi exposto nesse próprio subcapítulo, não necessariamente o sinal sozinho precisa ter essa distintividade de início, ela pode ser adquirida com o uso (secondary meaning22). Feita essa exposição, cabe discutir se esse sinal distintivo, que é parte da marca de posição, pode ou não possuir a capacidade de ser uma marca por si só. Ou seja, se uma marca de posição pode ser formada por outra espécie marcária, porém sempre numa mesma posição, num contexto de produtos ou serviços. Camille Rideau23 afirma que “It must be pointed out, that neither the whole depicted shape nor the sign alone is the protected trade mark but protected is the sign in a special position on the good”. Mais a frente, repete seu posicionamento de que “the position mark does not consist in a sign which is completely independent from the appearance of the marked good”.
21 Outro porque a marca de posição em si (união de dois sinais) constitui um sinal distintivo. 22 Para maiores explicações, retornar ao capítulo 1 do presente trabalho. 23 RIDEAU, Camille. Op. Cit., p. 6. 95
Contudo, a posição da autora é equivocada, pois se fosse procedida dessa maneira, cores não poderiam fazer parte de marcas de posição, assim como marcas figurativas. Se ocorresse como gostaria Rideau, a Louboutin, por exemplo, estaria vedada de pedir o registro cromático do vermelho presente no solado de seu sapato, assim como a sua presença em outras marcas de posição de produtos da mesma empresa. O mesmo ocorreria com marcas figurativas ou mistas, de empresas de vestuário, por exemplo, que sempre posicionam sua etiqueta num mesmo local não usual, adquirindo sua distintividade, sendo essa etiqueta no formato de sua logomarca – tal entendimento impediria que um dos dois fosse registrável. Portanto, com base no que foi supra exposto, marcas de posição podem ser compostas por sinais que, por si só, seriam distintivos o suficiente para compor outra espécie marcária. Um sinal cromático, por exemplo, pode adquirir a distintividade por conta de seu uso como marca de posição, ocorrendo, portanto, um registro de marca cromática posterior ao registro da marca de posição, até porque o posicionamento da cor gera uma maior aceitação quanto à sua registrabilidade, vez que dá um “propósito” a ela. No Brasil, esse tipo marcário não é expressamente previsto na legislação, ou sequer vedado, sendo possível por não haver qualquer regra ou imposição contrária. Porém, não é reconhecida expressamente pelo INPI. Porém, a ADIDAS AG, é titular de alguns pedidos e registros de marcas que materialmente são de posição, embora classificadas como figurativa, no Brasil. Tal marca concedida24 teve seu pedido publicado em 2004, tendo sido concedido em 2008. Porém, em 2011, foi contestada judicialmente25 pela ESSEX TRADE COM/ IMP/ EXP/ LTDA, sob alegações de possuir caráter genérico. Ainda no mesmo processo, foi pedido, sob as mesmas arguições, o apostilamento das listras em alguns outros registros26. Apesar de ter decorrida a prescrição prevista no art. 174, da LPI, os desembargadores e magistrado, por amor ao debate, fizeram considerações acerca do mérito do pedido, em sua sentença27 e 24 Registro nº. 826054978. 25 Até a presente data, não havia trânsito em julgado, cabendo recursos ao STJ e STF. 26 Registros nº 740148923, 800150350, 800158393, 800158407, 800158423, 821805037, 821805045 e 822262800. 27 JFRJ - Sentença: 0803946-89.2011.4.02.5101, Juíza: MARCIA MARIA NUNES DE BARROS, Data da Sentença: 02/10/2013, 96
acórdão28, expostos a seguir: FIGURA 2 // REGISTRO CONCEDIDO E POSTERIORMENTE CONTESTADO JUDICIALMENTE.
Fonte: Base de Marcas do INPI.
“Assim, tendo sido os registros números 740.148.923, 800.150.350, 800.158.393, 800.158.407, 800.158.423, 821.805.037 e 821.805.045 concedidos entre 1982 e 2004, resta evidentemente prescrita a pretensão de nulidade parcial, ou mesmo de alteração ou modificação, de forma a incluir restrição de apostilamento. Em outras palavras, mesmo permanecendo os registros da parte ré para que os use com exclusividade como marca comercial, nada obsta que listras sejam utilizadas por outras pessoas ou mesmo por seus concorrentes, desde que, neste caso, acrescidas de outros elementos que lhes confiram distintividade, de forma a diferenciá-los das marcas das rés. (...) No caso dos autos, é indene de dúvidas, conforme amplamente demonstrado na petição exordial, que o elemento listras está presente tanto na natureza quanto em diversas manifestações do espírito humano, desde priscas eras. O que se protege com os registros em lide, entretanto, são conjuntos de três listras, formando uma disposição especial (no caso do registro n.º 821.805.037) ou insertos na figura de um calçado tipo tênis (no caso do registro n.º 821.805.045).” “I - Em que pese a falta de previsão legislativa para o apostilamento, é de se reconhecer que sua prática, além amplamente consagrada pelos Tribunais, produz efeitos indiscutivelmente restritivos, só conferíveis aos casos de nulidade parcial do registro (art 165, par. único), devendo se regular pelo decurso de prazo assinalado no art. 174, da LPI, fazendo com que o entendimento do Magistrado, ao pronunciar a prescrição, afigure-se como o melhor direito aplicável a controvérsia. 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Data de Publicação: 08/10/2013, Disponibilização: DJe 07/10/2013. 28 TRF2 – Acórdão: 0803946-89.2011.4.02.5101, Relator: DES. FED. MESSOD AZULAY NETO, Data da Sentença: 30/09/2014, 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Data de Publicação: 23/02/2015, Disponibilização: DJe 20/02/2015. 97
II - Diz o artigo 124, VI, da LPI, que os sinais de caráter genérico, comum e vulgar só não podem ser registrados como marca se tiverem relação com o produto ou serviço a distinguir. III – No caso, nada autoriza a conclusão de que um sinal constituído por três listras abstratamente concebidas, apresentadas lado a lado, com a mesma largura, distância e proporção, tenha relação com vestuário em geral ou com produtos esportivos. III - Cumprindo reconhecer que o uso maciço das três listras nas laterais de calças, blusas e agasalhos, associado ao famoso slogan - ADIDAS A MARCA DAS TRÊS LISTRAS – reforçou soberanamente a identidade da marca – fazendo com que o consumidor começasse a perceber as três listras como verdadeiras assinaturas dos produtos. IV - De sorte que, comungo com o entendimento do Magistrado, visualizando distinguibilidade nas marcas da Apelada, calcadas em um conjunto de três listras, igualmente dispostas em largura, distância e proporção, reconhecendo, ainda, a impossibilidade jurídica do pedido alternativo pelas mesmas razões expostas na sentença. V - Apelação improvida.” FIGURA 3 // TABELA DOS REGISTROS DISCUTIDOS JUDICIALMENTE.
Fonte: Base de Marcas do INPI.
Com isso, os exames de mérito de outros registros29 ficam aguardando o trânsito em julgado dos anteriores para determinar sua validade. 29 Pedidos nº 826054986, 823362604, 826054994 e 823362612. 98
FIGURA 4 // OUTROS PEDIDOS DE REGISTROS SOBRESTADOS, AGUARDANDO TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO.
Fonte: Base de Marcas do INPI.
Todavia, o caso brasileiro mais antigo de marca materialmente de posição (embora formalmente figurativo) é anterior à atual legislação de Marcas. Depois de 29 anos30 de discussão judicial31 a Levi Strauss (também conhecida por Levi’s) conseguiu sua primeira32 marca materialmente de posição (formalmente figurativa). Desde então, já requereu outra33. A decisão34 tomada pelo STJ é interessante, pois chega a mencionar a utilização de linhas pontilhadas, que é característico dessa natureza de pedido: FIGURA 5 // REGISTRO CONCEDIDO POR VIA JUDICIAL.
Fonte: Base de Marcas do INPI.
“Todavia, verifica-se que não pretendeu a apelante o registro como marca, de figura que representa a parte superior de uma calça. 30 Na consulta da Justiça Federal do Rio de Janeiro consta o seguinte movimento processual na data de 17/09/1984: “Registro de Proc. Antigo”; O Acórdão do STJ foi proferido em 2013, e o processo transitou em julgado em 25/03/2013. 31 Processo nº. 0000033-13.1991.4.02.0000 32 No processo judicial consta que seria o Registro 005385/79, porém tal numeração é inconsistente com o atual sistema de base de dados. O registro correto/atual é de nº. 790053853. 33 Registro nº. 007178085, que protege a posição da etiqueta no bolso. 34 STJ - AgRg no REsp: 638033 RJ 2004/0003983-5, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 07/02/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/02/2013 99
A figura da calça, apresentada em linhas pontilhadas, foi oferecida com o pedido unicamente para mostrar em que partes dela seriam colocadas as marcas e sinais distintivos, quais sejam, nos bolsos traseiros, e na parte superior onde localizados os passadores de cinto. Essas marcas, ressalte-se, já estão registradas em nome da apelante, como demonstram os documentos anexados as folhas 160 a 163, estando em vigor esses registros. Nem na Lei 5.772/71, nem na atual que disciplina a matéria (Lei 9.279/96), há proibição do registro em conjunto de marcas já registradas em nome da requerente.” FIGURA 6 // REGISTRO ADQUIRIDO POSTERIORMENTE.
Fonte: Base de Marcas do INPI.
O CASO LOUBOUTIN Graças às conceituações e discussões anteriores, é possível, agora, analisar a natureza jurídica da marca da Louboutin, no estudo de seu caso mais significativo, ocorrido nos Estados Unidos.
Christian Louboutin S.A. V. Yves Saint Laurent Am. Holding, Inc. Antes de adentrar o caso objeto desse estudo, é importante que alguns fatos sejam esclarecidos e atentar que boa parte da narrativa que será exposta, se não toda, é fruto de uma tradução livre dos documentos originais em inglês, que podem estar ou não em consonância com a legislação brasileira e interpretação dos mesmos termos. Nos Estados Unidos, as leis marcárias estão dispostas no Lanham Act35. Nessa lei, está disposto que designers de moda podem 35 Lanham Act, Disponível em: <http://www.bitlaw.com/source/15usc/> Acesso em 01/04/2016. 100
obter uma marca cromática se aquela cor está sendo usada num padrão ou combinação de tonalidades de cores distintivas. Apesar disso, é a jurisprudência americana que definiu as principais normas com relação a cores, especificamente através do caso Qualitex v. Jacobson em 1995, no qual a Suprema Corte americana deliberou que seria possível a existência de uma marca que consista pura e simplesmente de uma cor36. Desde 2008 a Christian Louboutin37 possui o registro marcário38 de um solado vermelho (Utiliza-se a tonalidade Pantone39 18-1663 TPX), na Classe 25. FIGURA 7 // FIGURA CONSTANTE NO REGISTRO “RED SOLE MARK”.
Fonte: Base de Marcas do USPTO.
O designer, após anos trabalhando como freelancer, decide abrir sua própria loja especializada em calçados de luxo e passou a laquear os solados de seus sapatos com a cor vermelha a partir de 199240, o que se tornou um símbolo que remetia à sua marca de calçados. Em sua coleção Cruise41 de 2011, a Yves Saint Laurent, outra casa especializada em alta costura, relançou mais uma versão
36 Em 1995, a Suprema Corte decidiu no caso Qualitex v. Jacobson que o registro de uma marca que consista pura e simplesmente de uma cor (“registration of a trademark that consists, purely and simply, of a color”) é possível. 37 “Christian Louboutin” se refere tanto ao ser humano designer quanto à marca de alta costura. A não ser que esteja indicado de outra forma, esse trabalho utilizará das expressões “Christian Louboutin” e “Louboutin” para se referir à empresa. 38 Red Sole Mark USPTO Registration nº 3361597 39 Pantone é a linguagem padrão para a comunicação nas fases do processo de gerenciamento de cores em várias indústrias. São cores prontas, ou seja, cores exatas que, há mais de quarenta anos, mantêm uma alta regularidade e padrão na produção que formam esse sistema numérico de cores de tintas, por isso é utilizada como escala. 40 Informação retirada do registro do Red Sole Mark. 41 “Cruise” é como se chama a coleção lançada entre o inverno e a primavera, começando a ser vendida em Novembro. 101
de seus sapatos monocromáticos42, entre eles quatro modelos43 inteiramente vermelhos cujo solado, segundo Christian Louboutin, lembraria sua criação por apresentar um tom de vermelho igual ou muito similar ao de sua marca, tendo sido dado um maior destaque para esse aspecto do calçado. O designer, então, entra em contato com a casa de alta costura, pedindo para que os modelos fossem retirados do mercado. Em Abril, após a negativa, o designer ingressou com uma ação judicial44 no Southern District of New York em face da Yves Saint Laurent por violação marcária e pirataria, falsa designação de origem e concorrência desleal e diluição marcária (entre outros pedidos baseados nas leis estatais45), além de ter pedido uma liminar46 para que a venda e marketing dos sapatos inteiramente vermelhos parasse. FIGURA 8 // IMAGENS MERAMENTE ILUSTRATIVAS DOS MODELOS DOS SAPATOS DA YVES SAINT LAURENT. ACIMA, OS MODELOS “TRIBUTE”, “TRIBTOO”, “PALAIS” RESPECTIVAMENTE, E, ABAIXO, O MODELO “WOODSTOCK”.
Fonte: Elaborada pela autora com imagens disponíveis na base da Google.
A Yves Saint Laurent então, em sua contestação, alega que o registro que ela supostamente teria violado (“Red Sole Mark”) deveria ser cancelado, pois o solado não seria distintivo, possuiria características ornamentais e ser funcional, o que impossibilitaria de ser passível de registro marcário, e que a Louboutin teria conseguido seu registro por meio de fraude. Também alegou sofrer danos por interferências em seus negócios e concorrência desleal.
42 Segundo os autos processuais, este tipo de sapato faz parte de suas coleções desde 1970. 43 Os modelos de sapato são: “Tribute”, “Tribtoo”, “Palais” e “Woodstock”. Segundo os autos, uma versão do modelo “Tribute” todo em vermelho já havia aparecido na coleção Cruise da Yves Saint Laurent em 2008. 44 Docket No. 11-3303-cv, Christian Louboutin S.A. vs. Yves Saint Laurent Am. Holding, Inc. 45 Os pedidos com base nas leis estaduais quase não diferem dos feitos com base no Lanham Act: violação de marca, concorrência desleal, diluição marcária e atos e práticas de má-fé. Nos Estados Unidos, as marcas podem ser regulamentadas tanto por leis de âmbito federal como de estadual. 46 Traduzido livremente de “Preliminary injunction”. 102
No que corresponderia ao Juízo de primeira instância, Louboutin tem seus pedidos negados enquanto os da Yves Saint Laurent são atendidos. Por ter dúvidas acerca da possibilidade de existência do registro marcário e se haveria de fato uma confusão entre os consumidores de ambas as marcas acerca da origem dos sapatos, o Juiz de primeira instância, Victor Marrero, recusou o pedido liminar e ainda determinou que se cancelasse o registro do designer junto ao USPTO47, sob o entendimento de que uma cor não poderia ser apropriada como marca no ambiente da indústria da Moda baseado na doutrina da Funcionalidade Estética. Em sua decisão, o juiz comparou o registro da Louboutin ao de outras marcas do mesmo ramo, Burberry48 e Louis Vuitton49, dizendo que as mesmas possuem uma complexidade muito maior que apenas uma descrição vaga de “solado vermelho esmaltado”. Ele também ponderou que, se ao laquear o solado há um aumento no custo da produção, e, portanto, no seu preço, seria razoável dizer que ele possuiria um aspecto funcional e não um indicador da procedência de um sapato, pois essa característica também influenciaria em sua qualidade. Lembrou que a cor, para, por si só, constituir uma marca, deveria possuir secondary meaning, identificar a origem e distinguir o produto dos outros. O juízo então se voltou para o quanto garantir a marca do solado vermelho poderia causar uma significante obstrução para os concorrentes, enfatizando a natureza artística da indústria da moda, e fazendo uma analogia a uma hipotética disputa entre Picasso e Monet acerca de um tom de azul e por fim concluiu que dar o controle de uma cor para um só artista atrapalharia as inovações no campo da moda e traria sim prejuízos para os concorrentes. Louboutin então recorre da decisão e alega que a Yves Saint Laurent reconhece e tem conhecimento de que solados vermelhos são sua marca registrada, e que ainda assim a copia. Afirma também que tal atitude irá trazer confusão a seus consumidores e danos à sua fama, e insiste que por isso a liminar deva ser concedida.
47 Escritório de Marcas e Patentes Americano. 48 “Burberry Check”: Registro americano nº 1241222. Burberry tem o registro desse padrão de xadrez desde 1996. 49 LV Monogram: Registro americano nº. 79062586 e 79049581. 103
Então a Tiffany & Co.50 e a INTA51, preocupados com o precedente aberto de que uma cor, sozinha, não poderia constituir uma marca (contrariando diversas decisões), se habilitam como Amicus Curiae na fase recursal. A Tiffany também é uma empresa do mercado de luxo no ramo das joalherias, famosa por suas caixas e embalagens azuis cuja tonalidade lembra os ovos de um tordo-americano52, possuindo também esse registro cromático53 da tonalidade Pantone 1837. Em sua petição, salienta que a decisão tomada pela primeira instância contraria jurisprudência consolidada do Tribunal e da Suprema Corte, pois afasta a possibilidade de uma cor ser marca sozinha, mesmo quando conseguiu desenvolver um secondary meaning, associando a tal cor a uma marca e mudando essa percepção se feita caso-a-caso para uma regra geral e desnecessária. Também salientou que a funcionalidade só deve ser levada em consideração após resolvidas outras questões, como a possibilidade de confusão. Pede então, que todas essas questões sejam analisadas e que as regras anteriormente consolidadas sejam reafirmadas. Já a INTA, apenas trata dos erros cometidos pela primeira instância quanto à validade da marca da Louboutin, sem entrar no mérito das acusações proferidas pelas partes de violação, ou diluição, ou se a liminar deveria ou não ser concedida. Pronta e novamente Yves Saint Laurent contrarrazoa que sapatos monocromáticos são parte de um conceito consolidado desde 1970 da casa, e que inclusive teria utilizado sapatos com solados vermelhos nos oito anos precedentes à ação. Então segue para ataque às alegações da Louboutin, INTA e Tiffany, dizendo que em momento algum o juízo de primeira instância teria negado que uma cor por si só não poderia constituir marca. Finalmente, diz que a decisão tomada foi correta e que a Louboutin não deve obter sucesso em seus pedidos. Então, o United States Court Of Appeals For The Second Circuit, órgão colegiado de segunda instância, reforma em parte a sentença proferida pelo juízo de primeira instância, ao reconhecer o secondary meaning da marca de Christian Louboutin, 50 “Tiffany (NJ) LLC” and “Tiffany and Company”, também poderão ser referidas como somente “Tiffany”. 51 Previamente já introduzida nesse trabalho. 52 O tordo-americano (Turdus migratorius) é um pássaro migratório presente na América do Norte. 53 Registros Americanos nº 2184128, 2359351, 2416795, 2416794. 104
e consequentemente seu registro, porém com um apostilamento de que tal marca só seria válida contra sapatos cuja parte interior da sola e/ou seu exterior contrastassem com o solado vermelho. Satisfeita com o resultado, a Yves Saint Laurent decide não dar prosseguimento à batalha judicial, assim como a Christian Louboutin, se encerrando, assim o litígio entre ambas, com a Yves Saint Laurent podendo comercializar seus sapatos monocromáticos e a Christian Louboutin ter seu registro de solado vermelho. Em 27 de setembro de 2012, o tribunal emitiu um mandato dirigido ao USPTO para fazer a retificação apropriada no registro da Red Sole Mark. Em 25 de janeiro de 2013, Louboutin apresentou uma petição solicitando a modificação da redação do apostilamento. Em março de 2013 teve seu pedido negado.
Análise do Caso Sobre as decisões, as análises serão somente sobre o que diz respeito à propriedade intelectual. Um dos pontos mais controvertidos do caso em tela foi a possibilidade de uma cor ser objeto de um registro marcário, especialmente no meio da moda, apesar de já haver jurisprudência consolidada da Suprema Corte. Como já previamente relatado, o juiz de primeira instância negou sua possibilidade com base na doutrina da Funcionalidade Estética. Características puramente estéticas de um produto podem ser protegidas como marcas se elas são fonte de identificação e não-funcionais. Características de produtos ou embalagens que não são puramente utilitárias, mas são esteticamente agradáveis e é um ingrediente importante no sucesso comercial de um produto, não são elegíveis para proteção marcária. Quando um recurso estético de um produto tem uma função não-marcária significante, o recurso não pode ser protegido como marca. Isso é porque sufocaria a concorrência legítima. A significante função não-marcária de um produto estético pode ser determinada pela utilização ou finalidade do artigo, ou seu custo ou qualidade.
105
Se for a estética que está impulsionando a decisão de compra, se a própria estética é o que é a principal associação entre a cor, neste caso, e o produto, então isso é funcionalidade estética e não é possível obter proteção sobre ele. Se, no entanto, há algo a mais, se a razão que motiva a compra de um sapato ou o interesse nele é a associação feita mentalmente entre este sapato e a sua fonte, causada pelo vermelho contrastante único, então ele é passível de proteção pela lei de marcas e sujeito aos recursos regulares como qualquer outra marca.
Vermelho é uma cor popular, pessoas compram sapatos vermelhos e não os associam a nenhuma marca, nenhuma origem específica. Mas o caso em tela retrata um solado vermelho. Solados vermelhos não representam um aspecto funcional, afinal a cor de um solado não interfere trazendo benefícios ou alterações práticas para seu uso. Portanto, quando pessoas compram sapatos com solas vermelhas, elas os estão fazendo por conta da reputação e tradição da marca Christian Louboutin.
Ao determinar a funcionalidade da Red Sole Mark, o juízo de primeira instância amplamente analisou o papel da cor na indústria da moda como um todo e não individualmente, de acordo com o fato e sua situação específica apresentada no caso. Conforme dito anteriormente, uma característica é funcional se é essencial para a utilização ou a finalidade do artigo ou se afeta seu custo ou qualidade. Se o juízo tivesse examinado especificamente se uma sola vermelha é essencial para o uso ou propósito de um sapato, em vez de olhar para saber se a cor vermelha é essencial para a indústria da moda, ele teria descoberto que a marca não é funcional. 106
Ademais, o tribunal cometeu deslizes ao utilizar a doutrina funcionalidade para analisar qual era o efeito sobre custo ou qualidade, que gerou a conclusão de que a Red Sole Mark era funcional porque ela tornava o sapato mais caro. Acontece que o objetivo deste ponto da doutrina da funcionalidade é criar uma proteção de modo a evitar que um concorrente obtenha uma vantagem injusta monopolizando um formato de maior custobenefício e eficiência de produzir seus produtos. Ao determinar que a Red Sole Mark é funcional porque aumenta o custo do sapato, o juízo confundiu a disposição que o público possui para pagar mais pela marca Louboutin, cuja origem é indicada pela própria Red Sole Mark, com os custos de produção de Louboutin, como se a adição de um solado laqueado vermelho trouxesse um impacto significante no preço final do produto. No entanto, como um par de Louboutins pode ultrapassar os U$3.000,00 (três mil dólares), é forçoso afirmar que a adição do acabamento laqueado vermelho afete o preço de forma significativa. A primeira instância também cometeu um erro ao caracterizar a marca como uma reivindicação somente da cor vermelha, que é apenas um elemento da marca. A Red Sole Mark consiste da cor vermelha, acabamento laqueado, posicionado na sola dos calçados, sendo sua validade limitada por sua exata forma registrada. Ou seja, de acordo com o que foi previamente exposto ao longo deste trabalho, resta claro que não se trata de uma marca cromática e sim uma marca de posição, já que o elemento “posição” é relevante para a marca. É possível que o revés sofrido pela Christian Louboutin tivesse sido evitado se assim fosse tratada. Se o vermelho fosse a única característica da marca, constituindo assim, marca cromática per se, a discussão deveria ter abordado o fato de que, no registro, não está delimitado qual que é o tom que a empresa possuiria exclusividade numa certa classe. Não há referência alguma à tonalidade no registro constante no USPTO, somente é descoberto qual é a tonalidade que a Louboutin utiliza em todos os seus sapatos em fontes externas a esse registro. Possivelmente o registro tenha se procedido de forma proposital, assim a Louboutin gozaria de uma proteção mais ampla (em tese), pois seu registro abarcaria todos os tipos de vermelho – e isso sim seria um problema, e acredito que foi o que tentou se discutir, só que de maneira torta. Se fosse o caso de uma marca 107
cromática, também deveria se analisar se a tonalidade do vermelho utilizado pela Yves Saint Laurent seria a mesma tonalidade de vermelho utilizada pela Louboutin, ou uma tonalidade próxima (e isso sim levaria a uma discussão interessante, posto que não é um assunto muito discutido na doutrina). Acredito que tal marca seja amplamente divulgada como cromática, apesar de claramente de posição, por tal espécie de representação marcária ter sua origem na Europa, e, portanto, possivelmente não ter um destaque ou relevância no ordenamento jurídico americano, sendo abarcada por outras espécies como uma simples característica. Numa situação hipotética, transpondo o caso em tela para o ordenamento jurídico brasileiro, é interessante se questionar como se sucederia. Conforme já foi analisado neste trabalho, é imprescindível que uma marca, para que possa pleitear um registro, seja suscetível de representação gráfica. A forma mais condizente com a marca em questão seria a proteção por marca de posição (apesar de, por motivos burocráticos, ser registrada como figurativa). Inclusive, cabe ressaltar que, no Brasil, a Christian Louboutin possui o pedido de registro (ou registro pendente) nº 901514225 para a mesma marca, sendo tratada como marca de posição pelo próprio INPI. Apesar de haver a possibilidade fática, seria difícil conseguir um registro cromático, juridicamente ou até mesmo administrativamente falando, pois existe uma aceitação muito maior quando é um esquema de cores, e não uma cor somente, então é compreensível tal tratamento. Ainda assim, caso não fique claro que a proteção da cor vermelha em solados é de apenas uma tonalidade específica, haveria conflitos não só com a Yves Saint Laurent, mas também com a Carmen Steffens, que ocasionalmente pinta de vermelho seus solados (num tom diferente, mais aberto e vibrante), assim como com diversas outras lojas.
Outros Conflitos Marcários da Louboutin 108
A decisão da segunda instância foi uma das decisões mais
importantes na indústria da moda, particularmente desde que a Cour de Cassation, a mais alta corte de apelações da França, decidiu contra Louboutin em favor da Zara, uma varejista de mercado de massa que vende mais barato e durante um tempo vendeu sapatos de solado vermelho. No caso supramencionado, Louboutin inicialmente processou a Zara em 2008 por conta da venda de um sapato peep toe que possuia solado vermelho por €49 (quarenta e nove euros), pois dizia ser semelhante ao seu modelo “Yo Yo”. A Zara, então, alegou que não haveria como ter risco comprovado de confusão entre seu calçado e os vendidos pela Louboutin. O judiciário concordou com a tese da Zara, e a Louboutin interpôs recurso dessa decisão. Em 2012, a Cour de Cassation, que é a última instância de recurso, confirmou a decisão em favor da Zara e determinou que a Louboutin pagasse a Zara €2.500 (dois mil e quinhentos euros) de indenização. Em uma decisão proferida em 2011, o tribunal de apelação disse que os termos de registro da marca da Louboutin eram muito vagos, observando que ele não continha uma referência de cores Pantone para as solas vermelhas. Com tal decisão favorável à Zara, Louboutin se prontificou a então modificar sua marca francesa para citar um tom específico (Pantone 18-1663TP, “Chinese Red”) em vez da cor vermelho em geral. FIGURA 9 // À ESQUERDA, O MODELO VENDIDO NA ZARA, E À DIREITA O DA CHRISTIAN LOUBOUTIN.
Fonte: Czerwone Dywany54.
Também em 2011, quase que concomitantemente com a ação proposta contra a Yves Saint Laurent, a Louboutin notifica 54 Disponível em: <http://czerwonedywany.pl/2012/06/18/christian-louboutin-przegral-z-zara-nie-ma-monopolu-na-czerwone-podeszwy/sporne-buty/> Acesso em maio. 2016. 109
extrajudicialmente55 a marca brasileira Carmen Steffens na França, alguns meses depois dessa abrir uma loja na Rue de Grenelle, em Paris, a poucos metros de distância de uma de suas lojas, apesar de, com base nos preços, ser possível presumir que elas fazem parte de segmentos distintos de mercado (os modelos Carmen Steffens são mais acessíveis). A Carmen Steffens alegou que, além de não se tratar do mesmo tom de vermelho (que acompanharia o tom de um dos logos da marca), os sapatos Carmen Steffens contêm solas de todas as cores, incluindo o vermelho, desde 1996, muito antes do registro do solado da Louboutin, possuindo inclusive catálogos como fonte de prova. Até a presente data, não houve uma judicialização da questão. FIGURA 10 // EXEMPLOS DE SAPATOS DA MARCA CARMEN STEFFENS COM SOLADO COLORIDO.
Fonte: Fashion Law Notes56.
Na Holanda, em 2013, o a Corte do Distrito de Haia confirmou ao designer de sapatos de alta costura Christian Louboutin a proteção da sua marca sola vermelha na marca de maneira incidental, durante um processo de infração movido contra a varejista de sapatos holandesa Van Haren Schoenen. Van Haren oferecia sapatos altos de cor preta com solado vermelho de sua coleção “5th Avenue by 55 Daily Mail. Christian Louboutin sues second footwear designer for ‘copying’ signature red sole. Disponível em: <http://www.dailymail. co.uk/femail/article-1376169/Christian-Louboutin-sues-second-footwear-designer-copying-signature-red-sole.html>. Acesso em: 20/06/2016. 56 Disponível em: <http://www.fashionlawnotes.com/2012/01/battle-continues-louboutin-v-carmen.html> Acesso em maio. 2016. 110
Halle Berry” em suas lojas e através do seu site por €39,90 (trinta e nova euros e noventa centavos). A Louboutin então move ação de violação marcária contra a varejista (seu registro Holandês é datado de 2009), com um pedido de liminar para que os sapatos em questão parem de ser vendidos. Apesar dos pedidos da varejista holandesa de que o registro do solado vermelho devesse ser considerado uma marca cromática – e que, portanto, normas mais severas quanto ao registro se aplicariam -, o juízo entendeu que se trata de uma marca híbrida: a marca seria sim uma marca cromática, mas também uma marca tridimensional. Também menciona na decisão que a marca possui suficiente distintividade. O processo ainda aguarda conclusão, no entanto. FIGURA 11 // À ESQUERDA, O MODELO COMERCIALIZADO PELA CHRISTIAN LOUBOUTIN, E À DIREITA, O DA VAREJISTA HOLANDESA.
Fonte: Fashionista57.
Recentemente, ainda na Europa, em 2016, Louboutin também sofreu um revés ao tentar expandir seu registro britânico do solado para a Suíça58. A Corte Federal Administrativa recusou o recurso, alegando que o vermelho é apenas decorativo. O interessante nessa decisão é que a Suíça é um país que admite tanto a marca cromática quanto a marca de posição. Em sua decisão, a primeira instância administrativa também opinou que a cor vermelha na sola do sapato seria banal e percebido como um elemento decorativo e, portanto, não seria concretamente distintiva, pertencendo ao domínio público e indo na contramão de todas as outras decisões. Dessa decisão, ainda cabe recurso. Como é possível perceber, ainda está longe de estar pacificada a validade da marca da Louboutin, e, portanto, não se parte para a discussão acerca da materialidade de seu registro. Isso também se deve ao fato de que nem todas as marcas não tradicionais são amplamente difundidas e aceitas (quanto à sua existência, não validade). 57 Disponível em: <http://www.fashionista.be/vanharen-vs-louboutin/> Acesso em maio. 2016. 58 International Application nº 1031242. 111
Cabe ressaltar que a Louboutin também possui o registro de suas solas vermelhas em outros lugares, como na União Europeia, China, Rússia, Austrália, Ucrânia, Mónaco e Singapura.
CONCLUSÕES Diante do exposto ao longo deste trabalho, foi possível sintetizar importantes desenlaces. Para se analisar a validade, a viabilidade registral e, em especial, identificar a espécie marcária do solado vermelho da Christian Louboutin de forma mais precisa, discorreu-se sobre os requisitos gerais para que um sinal seja considerado uma marca afinal, se não os fossem preenchidos, não haveria como se discutir sua viabilidade registral baseada em normas vigentes. Ao estudar os requisitos, restou clara a importância da distintividade. Ela confere registrabilidade a um sinal marcário tanto quando esta nasceu com ele, quanto quando um sinal a adquire posteriormente (secondary meaning). Sem ela, não há qualquer tipo marcário. Porém, nem todos os tipos marcários existentes são aceitos ou reconhecidos ao redor do mundo, e em especial no Brasil. Cada um possui suas próprias especificidades que podem ou não entrar em conflito com a legislação vigente em certo território. Foi possível perceber que a aceitabilidade dessas marcas não tradicionais no Brasil é questão complexa e encontra forte resistência por parte do INPI, já que seria necessário realizar alterações legislativas, e demandaria uma regulamentação do órgão para, além de tudo, tornar possível a análise, busca, comparação com anterioridades e arquivamento. Apesar dessa resistência, é possível notar algumas conjunções que embaçam as imposições burocráticas, e possuindo o registro formato convencional, porém como materialidade não convencional, como os citados, ilustrados e pacíficos casos de holograma da Visa (Registro nº 800243056), embalagem tátil da Nestlé (Registro nº 820817155), as mãos se conectando da Nokia (Registro nº 826006248), conjunto de cores apresentada de modo isolado da logo da Visa (Registro nº 006088244). Não obstante, conforme também foi exposto, existem alguns casos de registros conturbados, concedidos por via judicial (Registro nº 790053853 112
da Levi’s) ou por meio dela contestados (Registro nº 740148923, 800150350, 800158393, 800158407, 800158423, 821805037, 821805045, 822262800 e 826054978 da Adidas). É necessário salientar que tal listagem e exposição de registros não é exaustiva, somente traz alguns casos a título de exemplo, de modo a ilustrar a pequena, porém não menos relevante, tentativa de se subverter a presente burocracia impeditiva no país. Foi essencial dissecar o posicionamento brasileiro quanto às marcas não tradicionais, já que há um pedido de registro (Pedido nº 901514225) do mesmo solado vermelho em andamento (até o presente momento) no INPI, o que pode levantar discussões tão acirradas quanto às expostas no presente estudo. Cabe aqui ressaltar que a extenuante diferenciação entre marca de posição e marca cromática permitiu melhor identificar qual tipo marcário seria o mais correto para designar tal sinal, assim como o estudo dos conflitos mais relevantes que o envolveram – com o devido destaque ao caso de notoriedade internacional envolvendo a Yves Saint Laurent. Ora, se onde se encontra o sinal vermelho de forma habitual é o mais relevante, e não a sua tonalidade, está claro que se trata de marca de posição e não cromática. Afinal, uma marca cromática seria se, por exemplo, estivesse descrito no registro uma tonalidade específica de vermelho para a classe de calçados, independente se sua posição, ou um esquema de cores. É comum haver essa confusão em países cuja possibilidade de existência de marca não é amplamente difundida. Portanto, não há imprecisão ao se afirmar que o Solado Vermelho da Louboutin é um sinal válido, ainda que não convencional, dado que é uma marca de posição em sua essência, tornando-se possível registrar aonde não houver vedação a esse tipo de registro, pois é visualmente perceptível e se afasta da vedação do artigo 124 VII por seu uso de cor de forma peculiar. Cabe apenas adequar e observar a legislação de cada território em que se pretender realizar o depósito.
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DECISÕES EM CASOS EMBLEMÁTICOS
Seleção de decisões pelas organizadoras Caroline Godoi e Fabiola Colle
a.
Poko Pano Vs. C&A
Juízo de Direito da Sexta Vara Cível da Comarca de Barueri Estado de São Paulo Processo nº 2236/03 VISTOS. LE GARAGE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA. ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA DE ABSTENÇÃO DE ATO COM PRECEITO COMINATÓRIO c.c REPARAÇÃO DE DANOS contra C&A MODAS LTDA., alegando, em síntese, que a ré violou seus direitos autorais e praticou atos de concorrência desleal porque estampou em seus produtos desenho criado e desenvolvido pela autora e sua equipe de profissionais, objeto de pedido de registro de marca perante o INPI, colocando-os à venda em suas diversas lojas, o que lhe causou enormes danos. Pleiteou a concessão de tutela liminar para que a ré se abstenha de fabricar e comercializar as estampas copiadas, sob pena de pagamento de multa pecuniária de R$ 10.000,000 por dia de descumprimento e, postulando a procedência da ação, pediu a condenação da ré no pagamento dos danos materiais em valor correspondente ao lucro auferido pela ré com a utilização indevida da marca, ou com base no valor que a autora poderia ter recebido a título de “royalties” com licenciamento da marca. Pediu, também, a condenação da ré pelos danos morais causados à autora, em valor equivalente ao dobro daquilo que for apurado a título de reparação pelos danos materiais, ou em valor a ser arbitrado judicialmente. Atribuiu à causa o valor de R$ 10.000,00 e instruiu a inicial com os documentos de fls. 26/75. A antecipação da tutela foi concedida pela decisão de fls. 76, acrescida às fls. 83. A ré foi citada (fls. 85 vº) e apresentou contestação, alegando, em síntese, que o mero pedido de registro da marca não confere à autora a proteção da Lei de Propriedade Industrial, sendo necessário o efetivo registro, e, ainda, diz que a falta de originalidade e criatividade da estampa de boneca e listras afasta a aplicabilidade da proteção conferida pela Lei 9.610/98. Entende que, não sendo a autora detentora dos alegados direitos autoral e de propriedade industrial, inexiste a obrigação de indenizar, já que não praticado ato ilícito. Reclama, ademais, da falta de prova do efetivo prejuízo decorrente da comercialização, pela ré, dos produtos contendo as estampas objeto da ação, bem como da ausência de demonstração dos danos sofridos pela autora em relação a sua imagem, o que, segundo entende, afasta os supostos prejuízos morais (fls. 119/142). Juntou os documentos de fls. 144/152. Em réplica (fls. 155/173), o autor reiterou os termos da inicial, afirmando ser desnecessária a comprovação dos danos e acrescentando que a indenização por danos materiais pode ser fixada com base no artigo 103 da Lei dos Direitos Autorais que fixa em 3.000 (três mil) vezes o valor de cada exemplar reproduzido fraudulentamente. O laudo pericial foi apresentado às fls. 265/285 e o laudo parcialmente divergente às fls. 315/326, anotada a manifestação da ré, às fls. 289/302 e da autora, às fls. 328/330. 121
O perito apresentou seus esclarecimentos (fls. 346/353), tendo ambas as partes apresentado suas manifestações (fls. 356/361 e 363/364). Em audiência, restou infrutífera a tentativa de conciliação (fls. 388), tendo sido colhidos os depoimentos de duas testemunhas da ré (fls. 398/399). As partes apresentaram suas alegações finais às fls. 419/433 e 435/440, reiterando seus posicionamentos anteriores. É o relatório. DECIDO. Procede o pedido da autora. A vigente Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) visa à tutela dos direitos advindos das obras intelectuais, incumbindo-se de conceituá-las como as criações do espírito, de qualquer modo exteriorizadas. Assim, todo ato físico literário, artístico ou científico, resultante da produção intelectual do homem, criado pelo exercício do intelecto, merece a proteção legal. É o que decorre do disposto no artigo 7º, “caput” da referida legislação. O artigo 10 da mesma lei dispõe que “a proteção à obra intelectual abrange o seu título, se original e inconfundível com o de obra do mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor”. Já o artigo 11 define autor como sendo a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Como se vê, os dispositivos legais acima mencionam as expressões criação, original, inconfundível e criadora. Não se estabeleceu controvérsia, neste autos, sobre a autoria, a criação do desenho, isso sem falar que há elementos fáticos que comprovam a anterioridade do uso da boneca em produtos da autora, o que permite considerar que a obra, tal como alegado na inicial, fora idealizada pela empresa Le Garage Indústria e Comércio de Roupas Ltda, através de sua equipe. A testemunha Marissol Alves Rodrigues Fernandez afirmou que os desenhos foram feitos, pela C&A, de julho à agosto de 2003, e colocados no mercado em outubro de 2003 (fls. 398). Todavia, em julho de 2003, a referida figura já estava nas passarelas da moda (fls. 38/40), em evento próprio, o que denota a sua criação anterior, pela autora. No que diz respeito aos outros elementos tratados pela lei, HENRY JESSEN considera “original” a obra que, pela sua forma, não se confunda com outra, preexistente. Como a proteção da lei recai sobre a forma, não lhe afeta a originalidade ser o assunto idêntico ao de outra obra, sempre que o autor exteriorize seu pensamento de forma diversa, pessoal e inconfundível. Original, pois. Dessa forma, ao contrário do suposto pela ré, a boneca, obra criada pela autora para ser o meio de venda de seus produtos, por demandar esforço de imaginação, com criação de cores e formato em relação aos membros, cabelos e padronagem dos vestidos, inegavelmente se caracteriza como obra intelectual, adequando-se ao conceito legal. O mesmo, todavia, não se pode dizer das listras, que não têm o condão de individualizar a obra, pois a padronagem se confunde com outras préexistentes, não gozando dos requisitos de originalidade e criatividade, inerentes ao direito autoral. Não se cogita, na hipótese, de privilegiar a idéia, a tendência de estampar bonecas, uma vez que tal situação não está amparada pelo Direito Autoral (artigo 8º, inciso I, da lei 9.610/98). Com efeito, o conceito de “idéia”, que não goza da proteção legal, não é fornecido pela lei. Mas, segundo AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, idéia é a representação mental de uma coisa concreta ou abstrata, é a elaboração intelectual, a concepção. É aquilo que ainda não está expresso por qualquer meio, ou fixado em qualquer suporte, permanecendo no âmbito do pensamento. 122
Já o “método” é o caminho para se atingir um objetivo. Toda obra intelectual parte de uma idéia e vai se exteriorizar dentro de uma forma determinada. Ora, o que o Direito Autoral protege é a forma, e não a idéia. Ninguém pode ser dono de uma idéia. As idéias são patrimônio da humanidade, e não faria sentido se elas fossem aprisionadas por indivíduos que disseram: ninguém mais pode fotografar o pôrdo-sol. Se o mesmo modelo posar para dois pintores simultaneamente, esses dois quadros estarão amplamente protegidos, não importa que tenham partido da mesma idéia. Encaixam, com precisão, no tópico, as palavras de JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO: “I - Criações do espírito são as idéias. Mas sustenta-se categoricamente que não há propriedade ou exclusividade de idéias. As idéias, uma vez concebidas, são patrimônio comum da humanidade. É inimaginável um sistema em que as idéias de alguém fossem restritas na sua utilização. O problema tem grande importância prática. Certos países, e a antiga União Soviética em primeiro lugar, buscaram por meios indiretos a proteção dos inventores ou autores de descobertas científicas. Esta posição suscitou porém reações tão vastas que nenhum progresso foi, durante longos anos, obtido. Finalmente, chegou-se a um Tratado em 7 de Março de 1978, em Genebra. Mas limita-se a instituir um registro internacional, que marca somente a data da comunicação pública. Não se atribuem nenhuns direitos especiais ao autor da descoberta. Se não se sair deste caminho, não se porá em risco o princípio da liberdade das idéias. Já as aplicações industriais das descobertas científicas podem ser protegidas através das patentes de invenção, de que falaremos a seguir. II - Processos. Também não podem ser tutelados os processos, seja de que gênero forem. Assimilam-se-lhes os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios e as descobertas. A obra não é uma idéia de ação. Um plano de estratégia militar não é a obra que nos interessa. O problema tem sido muito discutido a propósito de esquemas publicitários, de guiões para concursos de televisão, etc. Aqui a idéia comandaria uma determinada execução, que se visaria proibir. Mas esta proteção, ou cabe em qualquer dos quadros da propriedade industrial, ou não se admite. A idéia em si, quer seja ou não reitora de atividade humana de execução, não é objeto de proteção em termos de direito de autor. Muitos casos têm surgido na jurisprudência. Assim, foi rejeitada a acusação de que o programa de televisão “Você decide” seria plágio do programa “O Povo é o Juiz” (Direito Autoral, 2ª edição, Renovar, págs. 28/29). No caso vertente, em que pese o parecer discordante da assistente técnica da ré, ficou evidenciado o requisito da originalidade no que tange à criação da boneca em questão, cujos traços foram imaginados pela autora e que passaram a identificar os seus produtos perante o mercado consumidor. Sob este aspecto, em resposta ao primeiro quesito formulado pela ré, concluiu o Sr. Perito que, “no que se refere às ‘bonecas’ pode-se dizer que possuem elementos individualizadores, vez que os traços do ilustrador que as fizeram as diferenciam de outras ‘bonecas’ desenvolvidas por terceiros”. É o caso, por exemplo, da empresa New Bike Modas que, para ilustrar seus produtos, utilizou-se da tendência de estampar bonecas, individuando-a por traços e cores próprios, tornando-a diferente de tantas outras bonecas existentes no mercado da moda. A idéia veio a ser repetida pela autora que tratou de idealizar uma outra boneca que se distingue das demais, por suas particularidades. A questão foi assim 123
elucidada pelo Sr. perito, em resposta ao segundo quesito da ré: “As bonecas abaixo guardam elementos diferenciadores, a começar pelo próprio traço do desenhista responsável por cada uma delas, além de se verificar a diferença nos cabelos, formato e posição dos membros, caracterização de suas expressões corporais, padronagens dos vestidos, etc., não sendo possível afirmar que a autora reproduziu a boneca da empresa New Bike Modas.” Ainda, em resposta ao quesito terceiro, a perícia concluiu que nas peças confeccionadas pela ré foi utilizado o mesmo desenho desenvolvido pela autora. E, em remate, em resposta ao primeiro quesito, formulado pela autora, o Sr. perito voltou a afirmar que “as peças (calcinhas e pijama) vendidas pela C&A reproduzem parcialmente a boneca desenvolvida pela Autora”. Nada impediria que a ré, seguindo a tendência preponderante no seguimento de moda, estampasse bonecas em seus produtos. O que é defeso é a reprodução de desenho alheio, que não pertence ao acervo cultural, com a finalidade de lucro. Cabia-lhe desenvolver modelo próprio, com traços distintivos. Dessa forma, imperioso concluir que caracterizada a contrafação, tal como prevista na Lei 9.610/98, restando violado o direito autoral. Resta, agora, a análise da questão à luz da Lei 9.279/96, tendo em vista a alegação de concorrência desleal. Importante consignar que, não obstante a ausência do certificado de registro, a autora providenciou, em 02/09/2003, pedido de registro de marca figurativa de produto (fl.s 58/59). É verdade que a legislação especial dispõe que a propriedade da marca adquirese pelo registro validamente expedido (Lei 9.279/96, artigo 129). Porém, a lei assegura ao titular da marca ou ao depositante o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação (artigo 130, inciso III). E, mais adiante, confere ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos na Lei 9.279/96, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio (artigo 209). Portanto, ainda que não se possa cogitar de crime contra a propriedade industrial, pelo uso indevido da marca e da concorrência desleal, à míngua da expedição do registro, tem direito o depositário de ressarcir-se dos prejuízos decorrentes daqueles atos, pelas vias próprias, servindo o pedido de registro como início de prova do suposto direito. Pois bem. A previsão legal de ressarcimento está para atos que prejudicam a reputação ou os negócios alheios ou que criam confusão entre produtos e serviços postos no comércio. No caso dos autos, demonstrou a autora que foi obrigada a defender-se perante determinada revendedora de seus produtos, já que a mesma ficou indignada com o fato de encontrar a mesma boneca, que caracteriza a marca de biquíni Poko Pano, estampada em peças de vestuários comercializadas pela ré (fls. 60). Justifica-se a indignação porque o fato denota banalização do produto. Com efeito, percebe-se, pelas fotos que ilustram os autos, o apelo da mídia em relação às estampas que marcaram a coleção lançada pela Poko Pano, reconhecida como uma das principais grife de moda praia. Noto que, em muitas peças, a estampa é tida como atrativo maior, até mesmo em relação à modelagem (fls.49). A novidade, o diferencial de venda de tais produtos são justamente as estampas de bonecas, sendo certo debitar à autora os custos do trabalho, desde 124
sua criação até o seu lançamento e aceitação no mercado da moda. Sendo assim, o consumidor, que acaba optando por adquirir o produto levando em conta aquele diferencial, por preço, muitas vezes, elevado para os padrões normais, ao se deparar com o mesmo desenho, em peças de vestuário, em loja diversa e voltada para um público menos favorecido, sente-se enganado, frustrado, não sendo raro que suponha ter adquirido, em estabelecimento de grife renomada, produto copiado, por preço exorbitante, o que, por certo, acaba por denegrir a imagem da empresa. No caso dos autos, a consumidora atingida, imaginando que a autora fornecia produtos à C&A – o que retiraria a almejada exclusividade - entrou em contato com a empresa (fls. 60) e se dispôs a seguir as orientações da autora, para efetivo esclarecimento dos fatos, que culminaram, inclusive, na propositura desta ação. Não se pode desconsiderar, de outro lado, a existência de tantos outros consumidores, atacadistas ou varejistas, igualmente perplexos, que também confundiram a boneca de pano, que passou a caracterizar os produtos da Poko Pano, com aquela estampada pela ré, mas acabaram optando por não mais consumir os produtos da autora, excluindo-a dentre os seus fornecedores ou vendedores. Portanto, além de atingido o direito autoral, comprovou a autora o prejuízo à reputação de seus negócios e a confusão entre os produtos, decorrente da reprodução, pela C&A, da estampa desenvolvida antecedentemente pela autora. Enfim, o prejuízo moral da empresa autora consubstancia-se em sua imagem denegrida, em razão da conduta da ré. Resta, portanto, fixar o valor da indenização. Em réplica (fls. 168), o autor concorda que a indenização por danos patrimoniais seja fixada de acordo com a norma do parágrafo único do artigo 103 da Lei nº 9.610/98, ou seja, o valor correspondente a 3.000 (três mil) exemplares, ante a impossibilidade de se verificar a quantidade de exemplares editados e que foram vendidos. Quanto à ofensa ao direito patrimonial, tal indenização há que ser fixada de acordo com os ditames estabelecidos pelo parágrafo único do art. 103 da Lei nº 9.610/98, ou seja, por não se conhecer, a essa altura, o quantitativo da produção das peças, pagará a ré o valor de três mil exemplares de cada um delas. Os preços de cada langerie comercializada pela ré são variáveis, como se verifica das notas fiscais juntadas às fls. 61 e 70 dos autos, de modo que se apresenta mais justo e razoável fixar o valor médio, para efeitos de cálculo da verba indenizatória. Assim, analisando supracitadas notas fiscais, tem-se que o preço oscilava entre as cifras de R$ 16,90 (dezesseis reais e noventa centavos) e R$ 18,90 (dezoito reais e noventa centavos), sendo o preço médio, pois, o da ordem de R$ 17,90 (dezessete reais e noventa centavos). Após tais considerações, possível se faz fixar o valor da indenização por danos materiais em R$ 53.700,00 (noventa mil, quatrocentos e noventa e sete reais e setenta centavos), correspondente a 3000 peças pelo valor médio de R$ 17,90 (dezessete reais e noventa centavos), devendo tal valor ser atualizado monetariamente a partir de outubro de 2003 (mês de emissão das notas fiscais de fls. 61 e 70). Quanto aos danos morais, considerando o grau de reprovabilidade da conduta ilícita, bem como a capacidade econômica da ré, fixo a indenização em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), com correção monetária a partir da presente data, pois nada justifica fixá-la em dobro ao que foi arbitrado para os danos patrimoniais, como pretendido pela autora na inicial (item “d” de fls. 23). 125
Ante ao exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, condenando a ré a abster-se da fabricação, comercialização e uso das estampas de propriedade intelectual da autora, bem como ao pagamento de indenização na forma acima mencionada. Considerando o real conteúdo econômico da demanda, fixo a multa em R$ 10.000,00 (dez mil reais), por dia de violação ao direito da autora, o que se apresenta consentâneo com o princípio da razoabilidade. Em razão da sucumbência, arcará a ré com todas as despesas do processo, inclusive honorários advocatícios, que arbitro em 20 % do valor atualizado da condenação, atendidos os critérios do artigo 20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil. Anoto que o arbitramento de indenização por dano moral ou material em valor inferior ao pedido não constitui sucumbência parcial a justificar compensação dos honorários advocatícios, como prevê o artigo 21 do Código de Processo Civil. Isso porque o pedido é de indenização, sendo o quantum, de rigor, arbitrado pelo magistrado. Neste sentido, já se pronunciou até o Superior Tribunal de Justiça: SUCUMBÊNCIA - Indenização por dano moral - Publicação em jornal - Condenação em valor inferior ao indicado na petição inicial - Sucumbência parcial não caracterizada. O “quantum” pedido a título de indenização por dano moral, neste caso, tem natureza estimativa, assim, a condenação em valor inferior, por si só, não caracteriza a sucumbência recíproca. Recurso especial não conhecido. (STJ REsp. nº 112.561 - RJ - Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito - J. 10.11.97 - DJU 15.06.98). A propósito, pacificando a matéria, o Superior Tribunal de Justiça editou recentemente a súmula 326, publicada no DJ de 07.06.2006, p.240, com a seguinte redação: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”. Finalmente, julgo extinto o feito com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Publique-se. Registre-se. Intimem-se e Comuniquemse. Barueri, 31 de julho de 2007. MARIA ELIZABETH DE OLIVEIRA BORTOLOTO Juíza de Direito
b.
Gilson Martins Vs. C&A
Ação de Indenização. Alegação de comercialização não autorizada de produtos similares aos criados pelo Primeiro Autor, vendidos pela Segunda Demandante. R. Sentença de Procedência Parcial. I - Análise conjunta do Recurso de Apelação da Ré e o Recurso Adesivo da Parte Autora. Diversas matérias jornalísticas apontando o Primeiro Suplicante como famoso designer de bolsas e apresentando fotografias de vários modelos por ele criados, alguns com autoria de criação reclamada na demanda. Desenhos das bolsas “Boca” e “Chinelo de Dedo” que foram ainda objeto de registro de direitos autorais na Escola de Belas Artes. II - Laudo Pericial atestando que as bolsas comercializadas pela Ré caracterizam reproduções das criações do Primeiro Autor. Modelos de bolsa em questão que possuem características e detalhes próprios (novidade e originalidade), cuja criação pode ser atribuída ao Primeiro Suplicante. III Violação dos direitos autorais do Primeiro Demandante, configurando danos de ordem moral e material, com repercussão na Sociedade Autora criada para venda desses produtos. Exegese dos artigos 7º, 28 e 29 da Lei nº 9.610/98. IV 126
- Segunda Demandante que apresenta como objeto social a comercialização de bolsa, cintos e artigos de adornos pessoais, sem exclusividade para venda das criações dos sócios. Ausência de ofensa ao nome, boa fama, reputação da pessoa jurídica, capaz de ensejar a configuração do dano moral. Legitimidade evidenciada. V - Danos materiais decorrentes da comercialização indevida perpetrada pela Demandada que deverão ser devidamente reparados, cobrindo os prejuízos sofridos pela Sociedade Autora. VI - Valor fixado para a reparação do dano moral sofrido pelo Primeiro Suplicante em dissonância com os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Falta de qualquer repercussão social ou econômica mais grave advinda do ato ilícito praticado pela Suplicada. Redução do quantum arbitrado para a indenização do dano moral sofrido pelo Primeiro Suplicante que se impõe, evitando-se, inclusive, o enriquecimento sem causa. VII - Determinação de apuração dos lucros cessantes pelo critério de análise dos benefícios auferidos pelo autor da violação do direito (art. 210, inciso II da Lei nº 9.279/96 – propriedade industrial) que deve ser mantida. Impossibilidade de aplicação do disposto no artigo 103, caput da Lei nº 9.610/98, pela ausência de identificação numérica da contrafação. VIII - Dado Parcial Provimento ao Recurso de Apelação da Ré, apenas para reduzir o quantum da indenização do dano moral sofrido pelo Primeiro Demandante para R$15.000,00 (quinze mil reais). Negado Provimento ao Recurso Adesivo da Parte Autora.
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JURISPRUDÃ&#x160;NCIA RECENTE
Seleção de decisões pelas organizadoras Caroline Godoi e Fabiola Colle. “RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/73. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA E VIOLAÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONTRAFAÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS. PEDIDO AUTORAL FUNDADO NA PRÁTICA DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283 DO STF. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. Tratase de recurso especial interposto por NEW WAY INDUSTRIA E COMERCIO DE CALÇADOS LTDA em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado (e-STJ Fl. 985): PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - Alegação de nulidade da r. sentença por falta de provas - A matéria discutida em Juízo depende de interpretação contratual - Desnecessária a produção de outras provas, além daquelas já existentes nos autos - Presença dos elementos necessários ao julgamento antecipado da lide – Faculdade do Julgador de assim proceder - Preliminar afastada. DESENHO INDUSTRIAL - Sandália feminina “Melissa Corallo”, criada e desenvolvida à autora com exclusividade pelos Irmãos Campana – Ação inibitória (abstenção de prática de ato ilícito) Procedência na origem - Apelação da ré - Falta de registro do desenho industrial no INPI - Irrelevância - Pedido de registro já em curso e deferido no decorrer da ação - O pedido se fundamenta na prática de concorrência desleal, conduta ilícita distinta dos atos de violação da propriedade industrial - Precedentes registros da utilização da técnica de fabricação de calçados com tramado Laudo Pericial que fez distinção dos produtos anteriormente registrados e a característica inovadora do produto da autora, não havendo que se falar em “domínio público” - Possibilidade de gerar confusão no público consumidor, além dos eventuais prejuízos decorrentes do desvio de clientela. DANOS MORAIS - O reconhecimento da contrafação dá ensejo à indenização por perdas e danos, apurada em liquidação de sentença (precedentes do E. STJ) Reconhecimento dos danos morais mantido - Pretensão da limitação da condenação com exclusão do período compreendido entre o depósito do desenho e o ajuizamento da ação - Não acolhimento. RECURSO NÃO PROVIDO. Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ Fls. 1014-1023). No recurso especial, a recorrente aponta, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos seguintes dispositivos: (a) art. 535, II, do CPC, alegando que as omissões apontadas no acórdão recorrido não foram sanadas, em especial o disposto no art. 44, § 1º, da Lei 9.279/96; (b) art. 435 do CPC, sustentando que houve cerceamento de defesa, pois o juízo de 1º grau não permitiu o amplo contraditório a respeito do laudo pericial, deixando de designar audiência de instrução e julgamento a fim de possibilitar ao perito prestar
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esclarecimentos adicionais; (c) arts. 8º, I e VII, da Lei 9.610/98, 97, § único e 104, § único, da Lei 9.279/96, asseverando que (i) a configuração utilizada pela recorrente para a confecção das sandálias tratava-se de “mera tendência de moda, já revelada e empregada em produtos pares anteriores, bem como posteriores, que também alcançaram registro”, (ii) “demonstrou-se em contestação que este tipo de sapatilha, com cabedal formado a partir do trancamento indefinido de linhas, já era industrializado e comercializado, desde 2007, pela empresa italiana G&G Footwear SRL”, (iii) “afastou-se, por intermédio de tais provas, o falso argumento de exclusividade do conceito de trancamento indefinido de linhas, o que, no entanto, não foi devidamente valorado pelo egrégio Tribunal Recorrido, que ao estabelecer a existência de violação, reconheceu nesta característica a semelhança capaz de induzir o consumidor ao engano, não obstante os produtos considerados não sejam idênticos”, (iv) o laudo pericial reconheceu que os produtos não são idênticos em suas formas, mas apenas em seus conceitos, ou seja, possuem diferentes trançamentos de linhas, o que não retira a originalidade das sandálias produzidas pela ré, (v) “o registro de desenho industrial indicado pela Recorrida tem proteção apenas na forma em que se apresenta em seu registro e eventuais variações, nada mais. E, portanto o produto da Recorrente, por não previsto, não pode ser considerado como violador, ou como cópia servil, como indevidamente mencionado no v. acórdão guerreado, porque marcado com sinal marcário distinto, o que afasta a alegação de concorrência desleal”; (d) arts. 927 do CC, 210, I a III, da lei 9.279/96 e 333, I, do CPC, aduzindo que (i) não houve ato ilícito, e (ii) a autora não fez prova constitutiva do suposto dano suportado; (e) art. 44, § 1º, da Lei 9.279/96, defendendo que a condenação por perdas e danos não pode prevalecer, pois (i) a recorrente “não foi notificada premonitoriamente acerca do pedido de registro de desenho industrial da recorrida, antes de sua publicação pelo órgão de registro, o que impossibilita a responsabilização pelo período firmado pelo v. acórdão” e (ii) antes da publicação do pedido de patente, não teria a recorrente meios para saber da existência da propriedade industrial da recorrido. Contrarrazões às e-STJ Fls. 1073-1079. Juízo de admissibilidade do presente recurso realizado com base nas normas do CPC/1973 e com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme disposto no Enunciado Administrativo n. 2/STJ. É o relatório. Passo a decidir. O recurso especial não merece prosperar. No tocante à apontada violação ao art. 535, II, do CPC, não há nulidade por omissão, tampouco negativa de prestação jurisdicional, no acórdão que decide de modo integral e com fundamentação suficiente a controvérsia posta. No caso dos autos, o Tribunal de origem julgou, com fundamentação suficiente, a matéria devolvida à sua apreciação, ao afirmar, no que importa, que (a) “é irrelevante ao deslinde da presente ação eventuais discussões sobre delimitação do termo “a quo” ou da duração da violação da propriedade industrial, hipótese em que a recorrente reclama pela necessária notificação, nos termos do artigo 44, da Lei n° 9.279/96; com efeito, a Lei de Propriedade Industrial confere direito de propor ação ao “prejudicado”, conceito bem mais amplo do que o de “titular do registro ou patente”; (b) o pedido autoral se fundamenta na prática de concorrência desleal, conduta ilícita distinta dos atos de simples violação da propriedade industrial e (c) a extensão do dano será apurada em liquidação por arbitramento. Assim, inexiste negativa de prestação jurisdicional. Com relação à apontada violação ao art. 435 do CPC, a 130
jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que “não ocorre cerceamento de defesa quando o julgador, ao constatar nos autos a existência de provas suficientes para o seu convencimento, indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias” (AgInt no AREsp 1242313/GO, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018). O Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas e probatórias da causa, esclareceu o seguinte: Com o devido respeito, não prospera a alegação da apelante de omissão no que tange à possibilidade de formulação de quesitos de esclarecimento pela parte que o desejar, antes da realização de audiência de instrução e julgamento. Destaque-se que o MM Juiz singular não dispensou arbitrariamente eventuais discussões sobre o Laudo Pericial pretendidas pela recorrente, pois presentes estavam os requisitos para o julgamento antecipado da lide. Vale registrar ainda que o julgador “não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos” (art. 436 do CPC). (...) Cabe ao Julgador, de forma discricionária, analisar os autos e os atos praticados, inclusive, verificando as provas produzidas e, se for o caso, em razão de sua convicção íntima, determinar a produção de outras provas que entender necessárias para a elucidação do caso em concreto ou julgar a lide de forma antecipada. O MM Juiz a quo tinha em mãos todos os elementos para apreciar os argumentos desenvolvidos na presente ação, os documentos acostados aos autos bastaram para a formação do seu convencimento e permitiram o exame adequado das questões discutidas, portanto, desnecessária a produção de outras provas. No mais, a questão trazida à baila não necessita de outras provas a serem produzidas, satisfazendo-se pela produção de prova documental, pois se extrai que o feito diz respeito à matéria de fato e de direito que não necessita de novas dilações à prova pericial já produzida. Como se sabe, o espectro de cognição do recurso especial não é amplo e ilimitado, como nos recursos comuns, mas, ao invés, é restrito aos lindes da matéria jurídica delineada pelas instâncias ordinárias. Assim, elidir as conclusões do acórdão recorrido - de que não seria necessária maior dilação probatória para solução da controvérsia -, acatando o argumento da recorrente - acerca da necessidade ou não de esclarecimentos adicionais do perito -, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial, de acordo com a Súmula 7/STJ. Relativamente à alegação de que não houve violação da propriedade industrial de titularidade da recorrida, concorrência desleal e prática de qualquer ato ilícito, o acórdão recorrido disse o seguinte: Neste particular, com a devida vênia ao entendimento da ré, ora apelante, ante as particularidades verificadas no caso dos autos, agiu com acerto o Nobre Juiz prolator da r. sentença ao reconhecer como irrelevante o fato de existirem precedentes registros da utilização da técnica de fabricação de calçados com tramado, não havendo, assim, que se falar, in casu, em domínio público. Vale a oportunidade para transcrever os seguintes trechos da r. sentença de Primeiro Grau: “...o desenho depositado pela autora no INPI apresenta um conjunto ornamental de linha que aplicado ao produto proporciona um resultado visual novo e original (art. 95 da Lei n” 9.279/96). Ademais o laudo pericial é bastante elucidativo quando discorre que o tramado do cabedal da sandália fabricada é idêntico ao existente nas poltronas dos renomados estilistas contratados para o desenvolvimento de um produto único, “formado por uma gáspea e por um traseiro conectados por uma parede lateral baixa”. O tramado, 131
ademais, é formado “por um filamento sem interrupções, que desenvolve de forma contínua um caminho curvilíneo e aleatório”. Assim, ao contrário do que alega a ré, o trabalho existente no cabedal da sandália da autora não se trata de um tramado usual, sem qualquer aprimoramento artístico, como também não possui iguais características dos desenhos industriais anteriormente patenteados (DI6502486-9 e DI6500208-3). Pelo contrário, é resultado de trabalho intelectual dos estilistas que foram contratados pela autora especificamente para elaborar um desenho industrial capaz de conferir à sandália fabricada pela autora características próprias de originalidade e exclusividade. Nestes termos, é de todo irrelevante a demonstração de que havia precedentes (domínio público) da utilização da técnica de fabricação de calçados com tramado, haja vista que o que caracteriza o ato ilícito é a imitação do tramado desenhado pelos artistas contratados pela autora que, antes, somente era identificado nas poltronas igualmente assinadas pelos irmãos Campana.” (fls. 850). A propósito, no que se refere às alegadas “iguais características”, dos desenhos industriais anteriormente patenteados, conforme constou, de forma expressa, no Laudo Pericial de fls. 747 e seguintes: “As patentes tipo DESENHO INDUSTRIAL DI6502486-9 e DI650020803 citadas à CONTESTAÇÃO como evidência de anterioridade são distintas daquela criada pela AUTORA, pois apresentam uma trama diferente daquela encontrada no cabedal das sapatilhas ora analisadas, ou seja, não se prestam para comprovação de anterioridade” (os destaques não são originais fls. 759). Mais ainda: “... o registro obtido por terceiro, junto ao INPI, do desenho industrial em questão - posterior ao lançamento da Melissa Corallo na São Paulo Feshion Week de junho/2008 - foi impugnado pela autora. com parecer favorável do INPI pelo seu cancelamento” (o destaque não consta no original - fls. 850v°). A exclusividade do desenho desenvolvido pelos renomados artistas Irmãos Campana, contratados pela autora, para criação da sapatilha feminina aqui em discussão, foi constatada, de forma efetiva, no Laudo Pericial, valendo a oportunidade para colacionar os seguintes trechos: “A sapatilha fabricada pela AUTORA do modelo MELISSA CORALLO (CAMPANA) apresenta um cabedal inspirado na premiada poltrona criada pelos Irmãos Campana. Não resta dúvida a relação entre o tramado da poltrona com o tramado do cabedal, formado por uma gáspea e por um traseiro, conectados por uma parede lateral baixa” (fls. 755). Mais ainda: “8 - Portanto é falso o argumento da autora de novidade do “design” empregado e, consequentemente, de sua validade quando da eventual concessão do privilégio? RESPOSTA: Negativo. O design empregado no produto descrito na citada DI de titularidade da AUTORA foi baseado de forma inovadora na premiada poltrona dos Irmãos Campana. A DI foi efetivamente concedida pelo INPI em 15/09/2009” (o destaque não conta no original - fls. 766). Por outro lado, no que se refere à sapatilha fabricada e comercializada pela ré, constatou o Sr. Expert que: “(ii) A sapatilha fabricada e comercializada pela REQUERIDA do modelo LUXUOSA apresenta a mesma trama no cabedal daquela observada na sapatilha da AUTORA do modelo MELISSA CORALLO” (fls. 758). Concluiu o Sr. Perito que: “Para um leigo, não seria possível de imediato distinguir qual das sapatilhas é fabricada por qual empresa, podendo até de forma equivocada pensar tratar-se de modelos de uma mesma coleção de um único fabricante” (fls. 755). O reconhecimento da concorrência desleal foi fundamentado na r. sentença de Primeiro Grau, da seguinte forma: “..., conclui-se, de forma insofismável, que a ré usurpou o desenho industrial característico da MELISSA CORALLO com o 132
único propósito de oferecer ao mercado um produto muito assemelhado ao lançado pela autora, qual seja, a Sandália LUXUOSA que não apresenta visível identificação da fabricante, conduta que configura concorrência desleal’ (fls. 850v°). Em síntese, o Tribunal de origem fixou as seguintes premissas: (a) o desenho depositado pela autora no Instituto Nacional de Propriedade Industrial apresenta um conjunto ornamental de linha que, aplicado ao produto, proporciona um resultado visual novo e original, (b) o trançamento de linhas do cabedal da sandália da recorrida não é usual, pois é resultado de trabalho intelectual dos estilistas que foram contratados pela autora especificamente para elaborar um desenho industrial capaz de conferir à sandália características próprias de originalidade e exclusividade, (c) as patentes citadas na contestação são distintas daquela criada pela recorrida, (d) a exclusividade e a inovação do desenho desenvolvido pelos renomados artistas “Irmãos Campana”, contratados pela recorrida para criação da sapatilha, foram constatadas, de forma efetiva, no laudo pericial e (e) a sapatilha fabricada e comercializada pela recorrente apresenta a mesma trama no cabedal daquela observada na sapatilha da recorrida, razão pela qual conclui-se, de forma insofismável, que a recorrente usurpou o desenho industrial característico da Melissa Corallo com o único propósito de oferecer ao mercado um produto muito assemelhado, sem apresentar visível identificação da fabricante. Nesse cenário, para se alterar as conclusões do aresto impugnado, acatando os argumentos da recorrente - de que não houve contrafação ou concorrência desleal -, seria imprescindível, novamente, o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial a teor da Súmula 7/STJ. No tocante à apontada violação ao art. 44, § 1º, da Lei 9.279/96, sabe-se que “aquele que se utiliza licitamente de desenho industrial para fabricar e comercializar produto detém legitimidade para propor ação indenizatória contra o contrafator, por violação à propriedade industrial ou por concorrência desleal” (REsp 1132669/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 04/03/2013). No caso, o acórdão recorrido consignou que (a) “a falta de registro do desenho industrial junto ao INPI, por si só, não tem o condão de afastar as pretensões deduzidas na inicial, pois o pedido se fundamenta na prática de concorrência desleal, conduta ilícita distinta dos atos de simples violação da propriedade industrial” e (b) a doutrina diferencia a ação de concorrência desleal da ação de contrafação (ou de violação da propriedade industrial), pois esta é calcada na titularidade do registro da propriedade industrial (direito real), enquanto que aquela é fundamentada na existência pura e simples do prejuízo (art. 156 do CC/16), tratando-se de direito pessoal à indenização por perdas e danos (e-STJ Fl. 995). A insurgência recursal, no entanto, não refuta esse fundamento, limitando-se a defender que a condenação por perdas e danos não pode prevalecer, pois, nos termos do art. 44, § 1º, da Lei 9.279/96, a recorrente “não tinha como ter ciência do depósito efetuado pela recorrida, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, uma vez que não avisada antes da publicação e consequente concessão”. Incide, no ponto, o óbice da Súmula 283/STF, segundo o qual “é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”. Além disso, pretender alterar a conclusão do tribunal de origem quanto à extensão do dano material e à adequada reparação demandaria, mais uma vez, a incursão na seara fático-probatória, atividade vedada nesta via especial. Pelos 133
mesmos motivos, o recurso especial interposto pela alínea c do permissivo constitucional não pode ser conhecido. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. Advirto que a apresentação de incidentes protelatórios poderá dar azo à aplicação de multa (arts. 77, II c/c 1.021, § 4º, do CPC/15)”. (STJ. REsp 1708674/SP. Rel Min. Paulo de Tarsi Sandeverino. DJ 24/10/2018). “Trata-se de agravo (art. 544 do CPC/73), interposto por CARTIER INTERNACIONAL BV e CARTIER DO BRASIL LTDA, contra decisão que não admitiu recurso especial (fls. 2154/2155, e-STJ). O apelo extremo, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, desafia acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (fl. 2006, e-STJ): Concorrência desleal. Sentença que, diante da ausência de possibilidade de confusão entre os produtos, julgou improcedente a ação voltada a abstenção de produção e comercialização de determinados modelos de relógio. Recurso contra essa solução, desprovido. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Em suas razões de recurso especial, as recorrentes apontam ofensa aos artigos 129, 130, III, 189, I, 195, III, 207 e 209, da Lei n.º 9.279/96. Sustentam, em síntese, a ocorrência de violação à sua marca tridimensional devidamente registrada no INPI. Afirmam haver no caso reprodução indevida e imitação - os modelos de relógios de pulso fabricados e comercializados pelas Recorridas são semelhantes aos modelos TANK FRANÇAISE e PASHA das Recorrentes (linhas, formas e aspectos figurativos) -, bem como a prática de atos de concorrência desleal e parasitária. Contrarrazões (fls. 2135/2150, e-STJ). Em juízo de admissibilidade, negou-se o processamento do recurso especial, pelos seguintes fundamentos: (i) não houve demonstração das vulnerações legais suscitadas; e (ii) incidência da Súmula 7/STJ. Quanto à interposição do apelo excepcional pela divergência jurisprudencial, também verifica-se a ausência de cotejo analítico. Daí o presente agravo (art. 544 do CPC/73), no qual os agravantes lançam argumentos a fim de combater os retrocitados óbices. Contraminuta às fls. 2181/2197 (e-STJ). É o relatório. Decido. O inconformismo não merece prosperar. 1. De início, destaca-se que o acórdão recorrido foi publicado antes da entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015, pelo que o recurso em análise está sujeito aos requisitos de admissibilidade do Código de Processo Civil de 1973, conforme o Enunciado Administrativo 2/2016 desta Corte. 2. Na espécie, o Tribunal local, ao negar provimento ao apelo da ora insurgente, confirmou a sentença, consignando que, no caso dos autos, além de os produtos, relógios de pulso, da autora-apelante, ora agravante, não apresentarem originalidade, inexiste possibilidade de gerar confusão dos produtos perante os consumidores. Por isso, considerou a Corte local correta a improcedência do pedido para que as rés, ora agravadas, fossem impedidas de fabricar e comercializar seus relógios. É, aliás, o que se extrai do seguinte excerto (fls. 2007/2013, e-STJ): A questão versa sobre concorrência desleal a partir da produção e comercialização de relógios, pelas empresas apelantes e apeladas. No caso, observa-se que os produtos em questão - relógios de pulso -, não têm o fator originalidade. Aliás, como ensina Newton Silveira: “A originalidade deve ser entendida em sentido subjetivo, em relação à esfera pessoal do autor. Já objetivamente nova é a criação ainda desconhecida como situação de fato. Assim, em sentido subjetivo, a novidade representa um novo conhecimento para o próprio sujeito, enquanto, em sentido objetivo, representa um novo conhecimento para toda a coletividade. Objetivamente novo 134
é aquilo que ainda não existia; subjetivamente novo é aquilo que era ignorado pelo autor no momento do ato criativo.” (Propriedade Intelectual, Ed. Manole). Nesse sentido, havendo dúvida quanto a essa novidade - pulso – em favor da apelante porque para Santos Dumont, diz-se no “La Coupolle” ou, uma invenção de Patek, é induvidoso que os modelos de relógio Tank Française e Pasha, idealizados pela Cartier, não são providos de qualquer específica originalidade, com relação ao formato, capaz de impedir a produção e comercialização por outras empresas, relógios com formatos bastante tradicionais, e, encontrados em vários estabelecimentos comerciais de inúmeros países há muitos anos, o que é de experiência comum. E, apesar, da Cartier entender que seus modelos de relógio são idênticos aos fabricados pelas empresas apeladas e daí ocasionar desvio de clientela, é evidente que os produtos idealizados, produzidos e comercializados por ela, são bem caracterizados por sua famosa marca “Cartier”, tradicionalmente conhecida por suas jóias, isqueiros, acessórios e relógios de extrema qualidade e luxo. Aliás, como bem anotou a apelante, ela deve ter séria preocupação com aqueles produtos denominados “piratas”, que são cópias de péssima qualidade de seus produtos, e, pior, ostentam sua conceituada marca que obteve prestígio através de seus artigos de luxo, desenvolvidos com grande critério, e, especialmente, feitos com materiais nobres. Por outro lado, pela análise das fotografias juntadas aos autos (fis. 07/09), observa-se que os relógios das apeladas têm suas marcas nitidamente estampadas, fato que afasta qualquer confusão do consumidor dos produtos Cartier, que somente são encontrados em joalherias de alto luxo. Nesse rumo, e o que é relevante no caso em análise, as marcas das empresas estão bem visíveis em seus respectivos produtos, o que é suficiente para distinguir um produto do outro, e, demonstrar ao consumidor aquilo que ele está adquirindo. Aliás, é a marca que merece proteção :”Ao mesmo tempo em que o empresário organiza os meios de que dispõe para o exercício da empresa, conjugando-os a fim de otimizar os resultados, destinação essa que dá unidade ao estabelecimento e que decorre de uma atividade criadora, aplica ao próprio estabelecimento e aos produtos de sua atividade sinais (nomes e/ou simbolos) que possam ser reconhecidos pela clientela e pelos consumidores “. (Propriedade Intelectual, Newton Silveira, ed. Manole). Ademais, ainda que adotado esse mesmo estilo nos relógios, não há total identidade no conjunto de imagem dos produtos em questão, isso, levando-se em consideração a configuração, sinais, logotipos, disposição, estilização, tamanho das letras e números e gráficos que são as características principais formadoras do conjunto. Aliás, por se tratar de relógios de marcas conceituadas, com certeza houve esforço de cada empresa para destacar a sua. Outrossim, os elementos característicos das peças das empresas apelantes e apeladas, isoladamente, não podem ser considerados originais; até porque, quando as marcas são induvidosamente identificadas pelo consumidor não há risco de confusão do consumidor. Com efeito, se considerada toda a publicidade que se faz sobre essas marcas, e esses produtos, além da qualidade que é o maior fator esperado pelo consumidor, com certeza não há motivo para temer concorrência por eventual semelhança de imagem dos relógios, especialmente porque sua escolha se faz porque são direcionados a público específico, principalmente, aqueles da empresa apelante - consumidor de luxo- que, com certeza, não será atraído por produto parecido de outra marca. Sobre isso a contestação informou, e, sem oposição da apelante, a oscilação de preços entre os modelos. Os desta, por 135
volta de U$ 3.000 a U$ 4.000; aqueles das apeladas, entre U$ 100 a U$ 500, o que também remete a impossibilidade do prejuízo material por desvio de clientela, tal como bem observado na r.sentença. A propósito, as características principais dos relógios em questão são encontradas em diversos outros produtos desse gênero fabricados por empresas em diversos países, conforme fotografias juntadas às fls. 447/599. E, nesse contexto, apesar de alguma “identidade de concepção criativa anterior” em favor da apelante (conforme perícia, fls. 1230/1232), e “similaridade” dos modelos das apeladas, prepondera a diferença encontrada na marca de cada um deles, e isso não sofre qualquer ataque. (...) No que se refere a possibilidade pelo prejuízo denominado “aproveitamento parasitário” da inspiração e criatividade dos contratados pela apelante, aliás, o que ocorre em muitos outros seguimentos (moda, programas de tv, Internet, bares, restaurantes, etc.), prepondera que a ação não foi proposta com esse objetivo (art. 264 CPC). (...) Assim, conclui-se que os modelos produzidos e comercializados pelas apeladas não são cópias de qualquer criação exclusiva das apelantes; além do que todos os relógios ora analisados ostentam suas próprias marcas. Daí então, inexistente a alegada confusão dos consumidores, desvio de clientela ou concorrência desleal, conforme bem analisado na r.sentença, que não merece reforma. Com efeito, “Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade e sem suficiente forma distintiva atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro e podem conviver com outras semelhantes” (AgInt no AREsp 1062073/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 20/03/2018). Neste ponto, portanto, o acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, atraindo a incidência da Súmula 83 do STJ. Além disso, para acolhimento do apelo extremo, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula n. 7 deste Superior Tribunal de Justiça, sendo manifesto o descabimento do recurso especial. Ilustrativamente: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESENHO INDUSTRIAL. ANÁLISE DA ORIGINALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Rever as conclusões do acórdão recorrido demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1286545/ RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/04/2014, DJe 14/04/2014). AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESENHO INDUSTRIAL. ORIGINALIDADE. PROVA PERICIAL PRODUZIDA. REEXAME DE PROVA. 1. Inviável a análise do recurso especial quando dependente de reexame de matéria fática da lide (Súmula 7 do STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 562.652/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 10/08/2015). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) AÇÃO COMINATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - UTILIZAÇÃO DE MARCA REGISTRADA SEM EXCLUSIVIDADE ALEGAÇÃO DE CONFUSÃO PELO CONSUMIDOR AFASTADA PELA CORTE LOCAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA AUTORA. 1. Admissível o agravo, apesar de não infirmar a totalidade da decisão agravada, pois a jurisprudência do STJ é assente no sentido 136
de que a impugnação de capítulos autônomos da decisão recorrida apenas induz à preclusão das matérias não impugnadas. 2. Havendo o Tribunal local atestado, com lastro nos fatos e provas carreados aos autos, que o logotipo utilizado pela agravante não guarda qualquer semelhança com o utilizado pela agravada, inexistindo possibilidade de gerar confusão dos produtos perante os consumidores, modificar tal premissa demandaria o revolvimento de matéria fática, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 986.539/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 30/05/2018). PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 2. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu pela inexistência de confusão de marcas a ensejar concorrência desleal. Alterar esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos autos, o que é vedado em recurso especial. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1353472/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017). Importante consignar, ainda, que esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que a incidência da Súmula 7/ STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem. A propósito: AgInt no REsp 1601210/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 10/11/2016). Nesse mesmo sentido: (...) 7. Nesse contexto, em consonância com a judiciosa opinião estampada no parecer ministerial, incide a Súmula 07/STJ, o que também impede o exame da divergência jurisprudencial na medida em as peculiaridades do caso concreto, decisivas à solução conferida pela Corte de origem, não possuem identidade com os paradigmas trazidos à colação. 8. Recurso especial não conhecido .” (REsp 1.186.481/AC, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 18.05.2010). 3. Do exposto, com amparo no artigo 932 do NCPC c/c a Súmula 568/STJ, nego provimento ao recurso”. (STJ. Ag. REsp. 98644/SP. Rel. Min. Marco Buzzi. DJ 27/06/2018). “PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. VOGUE. REPRODUÇÃO DA LOGOMARCA. CONJUNTO-IMAGEM. CONCORRÊNCIA PARASITÁRIA. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. Conquanto o réu tenha trazido aos autos exemplos de outras empresas que se utilizam da marca “Vogue” no lançamento de produtos, não há diluição da marca, que tem reconhecida notoriedade no mercado de moda. O réu, além de ter reproduzido a marca, também reproduziu o trade dress da autora. Tanto é assim que, na resposta ao recurso, confirmou que promoveu alteração de sua logomarca, de modo a afastar qualquer semelhança com a marca da autora. Esta notoriedade da marca “Vogue” foi buscada pelo réu ao lançar seu estabelecimento no mercado com logotipo semelhante ao da autora. Entretanto, este uso indevido cria o risco de diluição do signo, o que não pode ser admitido em favor da proteção do valor maior da livre concorrência e tudo o que ela representa. Ademais, não é o fato de ter o réu já alterado sua logomarca que afasta o ilícito antes cometido e pelo qual deve ele responder. Tutela inibitória e 137
reparação por danos morais concedida. Recurso parcialmente provido.” (TJSP; Apelação 1006447-27.2013.8.26.0100; Relator (a): Carlos Alberto Garbi; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 42ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/12/2017; Data de Registro: 12/12/2017) “Direito marcário. Ação cominatória, cumulada com pedidos de índole indenizatória, ajuizada por titular de marcas nominativas e mistas (“Surf Trip”) contra empresa varejista que comercializou camisetas com referidos dizeres em suas estampas, mas acompanhados de marca distinta (“Cast You”). Sentença de improcedência. Apelação da autora. Defesa da ré no sentido de que a expressão “Surf Trip” é de uso comum e corriqueiro dentre os praticantes do esporte. Improcedência da alegação. Caracterização da marca da autora como fraca, na sentença recorrida, que tampouco convence. Inexistência de outras empresas no mesmo mercado de produtos esportivos para surfistas que utilizem conjuntamente, como uma expressão, os elementos nominativos (“Surf” + “Trip” = “Surf Trip”) que formam a marca da autora. Marca que não se pode dizer frágil, para a qual a autora obteve um primeiro registro ainda em 1990, sendo explorada por longuíssimo decurso de tempo e contando com ampla presença e reconhecimento entre os consumidores do mercado em que atua. Titularidade de diversos registros deferidos pelo INPI, garantindo a proteção irrestrita dos elementos figurativos e nominativos de seus signos que, igualmente, atesta sua distintividade. Atuação das partes em idêntico segmento mercadológico e com comercialização de produtos para o mesmo público-alvo que, em conjunto com o irrisório destaque dado à marca da ré em suas camisetas (“Cast You”) atestam a violação. Danos materiais e morais que, diante da comprovação da violação da propriedade industrial, encontram-se “in re ipsa”. Jurisprudência das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial deste Tribunal e do STJ. Reforma da sentença recorrida, julgada procedente a ação. Apelação provida.” (TJSP; Apelação 1006386-22.2016.8.26.0405; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Osasco - 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/08/2018; Data de Registro: 23/08/2018) “Propriedade industrial. Ação cominatória cumulada com pedidos de índole condenatória. Sentença de parcial procedência em relação a um dos autores e de improcedência no caso dos demais. Contrafação de produtos que utilizam marcas e sinais distintivos dos autores. Procedência do pedido de indenização por danos materiais e de abstenção de venda, oferta ou comercialização de produtos da marca “Quicksilver”, diante da contrafação identificada em medidas de vistoria e de busca e apreensão. Insuficiência de provas de efetiva violação quanto à propriedade industrial dos demais autores. Apelação destes, buscando a procedência total dos pedidos aduzidos na inicial. Capítulo sentencial de improcedência que não merece reforma. Provas juntadas aos autos e resultado da vistoria e da busca e apreensão que não comprovaram violação da ré. Ausência de dano indenizável. Julgamento de parcial procedência que deve ser reformado. “Quantum” resultante da violação do direito marcário que deve ser apurado nos termos do art. 210, I a III da Lei de Propriedade Industrial, em fase de liquidação de sentença. Dano moral que se encontra “in re ipsa” em razão do uso parasitário dos sinais distintivos do autor. Sentença parcialmente reformada. Apelação parcialmente provida.” 138
(TJSP; Apelação 1001539-39.2015.8.26.0428; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Paulínia - 1ª Vara; Data do Julgamento: 08/02/2017; Data de Registro: 10/02/2017) “DIREITOS AUTORAIS. Bolsas Hermès. Ação declaratória. Reconvenção. Pedido para que a autora se abstenha de produzir, importar, exportar, comercializar produtos que violem direitos autorais da Hermès sobre as bolsas Birkin ou qualquer outro produto de titularidade da Hermès. Preliminares de cerceamento de defesa. Sentença extra petita. Ausência de nomeação à autoria e ilegitimidade passiva. Preliminares afastadas. DIREITOS AUTORAIS. Bolsas Hermès. Ação declaratória e Reconvenção. Reconvenção procedente – Bolsas Hermès constituem obras de arte protegidas pela lei de direitos autorais. Obras que não entraram em domínio público. Proteção garantida pela lei 9.610/98. A proteção dos direitos de autor independe de registro. Autora/reconvinda que produziu bolsas muito semelhantes às bolsas fabricadas pelas rés/reconvintes. Imitação servil. Concorrência desleal configurada. Aproveitamento parasitário evidenciado. Compatibilidade da infração concorrencial com violação de direito autoral reconhecida. Dever de a autora/reconvinda se abster de produzir, comercializar, importar, manter em depósito produtos que violem os direitos autorais da Hermès sobre a bolsa Birkin ou qualquer outro produto de titularidade das rés/reconvintes. Indenização por danos materiais e morais. Condenação mantida. Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação 0187707-59.2010.8.26.0100; Relator (a): Costa Netto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/08/2016; Data de Registro: 17/08/2016) “DIREITO AUTORAL COMINATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS Parcial procedência corretamente decretada Preliminar de Ilegitimidade corretamente acolhidas em face das corrés COMERCIAL KIPLING LTDA e ACESSÓRIOS DE MODA KIPLING LTDA Autora que é profissional no mercado nacional e internacional na criação de produtos de moda feminina (designer) - Proteção de sua criação (Sandália “Salvador-Grudy”), registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) Demandada (GRENDENE) que começou a fabricar o produto que incorpora idêntico ao da autora, mas com outro nome Autora que busca condenação da requeridas em obrigação de não fazer - abstenção da fabricação e comercialização de calçados por alegada infração a registro de Desenho Industrial, bem assim indenização por danos materiais e morais Prova pericial realizada Conclusão pela contrafação efetuada Modelos fabricados que comparados guardam as mesmas características de modelo da autora Evidente a prática de concorrência desleal, gerando confusão no mercado - Indenização por danos patrimoniais - Cabimento Comprovada a prática de contrafação e disso auferindo a ré lucros (em valor a ser apurado em regular liquidação) Danos morais Caracterizados - Arbitramento na importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) que se mostra razoável e em consonância com a regra do artigo 944 do Código Civil - Sentença mantida Recursos improvidos.” (TJSP; Apelação 0341809-82.2009.8.26.0000; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 4ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro Regional XI Pinheiros - 3.VARA CIVEL; Data do Julgamento: 08/04/2015; Data de Registro: 13/04/2015) 139
“Propriedade industrial. Ação de abstenção de ato cumulada com indenização por perdas e danos precedida de medida cautelar de busca e apreensão por violação de desenho industrial. Desenho industrial. Alegação de atos de contrafação e de concorrência desleal consistentes na reprodução/imitação de produtos com características similares a dos produtos de titularidade da autora. Propriedade do desenho industrial conferida pelo efetivo registro junto ao INPI. Inteligência dos artigos 94 e 109 da Lei nº 9.279/96. Laudo pericial que se afasta do objeto da perícia determinado pelo magistrado. Aplicação do disposto no artigo 436 do Código de Processo Civil. Violação ao direito de propriedade. Incontrovérsia. Ausência de prova da anterioridade da utilização e comercialização dos produtos, anteriormente à data da concessão dos registros ou que os produtos objeto dos desenhos industriais já se encontravam em domínio público. Ônus do qual as requeridas não se desincumbiram, nos termos dos artigos 110 da Lei nº 9.279/96 e artigo 333, II do Código de Processo Civil. Concorrência desleal. Configuração. Dever de indenizar caracterizado. Danos patrimoniais. Apuração em regular liquidação de sentença. Possibilidade. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça. Danos morais. Valor. Arbitramento. Observância do princípio da razoabilidade e da finalidade desestimuladora de condutas como as da espécie, sem causar o enriquecimento ilícito do lesado. Ação procedente. Apelação provida.” (TJSP; Apelação 0019450-34.2007.8.26.0114; Relator (a): José Reynaldo; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Campinas - 10ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 07/07/2014; Data de Registro: 10/07/2014)
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