1
2
Escrevem
Pe. João Aguiar Campos Sónia Neves Oliveira Paulo Duarte, sj Por Fernando Geronazzo Daniela Rodrigues Moisés Sbardelotto Fernando Cassola Marques Inácio Carvalho Dias Rui Vasconcelos | Fundamentos* Isabel Figueiredo Canotilho Claudine Pinheiro
Sem desculpas Pe. João Aguiar Campos
C
onfesso que nunca fui um grande leitor de vidas de santos. Tudo porque as primeiras que li, ainda adolescente, me afastaram, pela sua quase intocável perfeição. Admito que não me tenham chegado as melhores biografias através dos melhores biógrafos… Mas a verdade é que aquelas personalidades de cera ou diáfanas ora me afastavam ora me deprimiam, pois me via pessoalmente mergulhado em dificuldades tais que – pensava eu – me estavam irremediavelmente impedidos a porta do céu e o colo de Deus!... Tardei a descobrir santos normais. E o pior é que, por isso, tardei a descobrir a normalidade da santidade; e, a fortiori, tardei a descobrir que também eu, os meus amigos, familiares e conhecidos cabíamos nesse caminho e a ele éramos batismalmente chamados. Quando o descobri, saiu-me de cima uma carga de frustração, que troquei pelo suave jugo de tentar fazer o bem bem feito. Sem viver em pânico, a fugir daqui ou dali; ou para ali e aqui. Sem precisar de um cartão de casta – assim a modos de uma filiação partidária, como chave para um emprego de dar nas vistas… Um simpático professor que, nas cadeiras do seminário, nos explicou o capítulo V da Lumen Gentium, dizia com alguma graça: «Os Padres Conciliares acabaram com o monopólio da santidade. Nacionalizaram-na». Depois acrescentava: «Meus rapazes, acabaram-se as nossas desculpas!» Vocação, sem desculpas!... Eis a afirmação que muitas e muitas vezes matraqueou aos nossos ouvidos o velho professor. Sublinhando, sempre, a iniciativa de um Deus que chama -- e a todos chama – a participar na sua vida divina. Mas, se é verdade que todos somos chamados, importa considerar que as respostas não são copiadas: cada um dá a sua!... Esta originalidade – esta exigente originalidade – tem de fascinar-nos! De facto, se podemos imitar o entusiasmo dos santos que encontramos no nosso caminho, não temos de nos despir das nossas formas e circunstâncias. É, aliás, nelas e por elas que respondemos ao dom. É nelas e por elas que vivemos a condição de discípulo!
Felizmente, hoje todos podemos dizernos contemporâneos de santos conhecidos e reconhecidos; santos que a Igreja proclamou, mas que nós tivemos a oportunidade de ver e ouvir. Muitos mais, porém, são os anónimos de cada dia que repousam das suas fadigas vulgares no colo de Deus -- e nos repetem: «não inventeis desculpas!» Em Novembro de 2002, no final de um retiro sobre a santidade, rezei-lhes assim:
Santa Cozinheira, ensina-me o qb de todas as coisas; Santo Estucador, ensina-me a dar beleza aos acabamentos; Santa Lavadeira, ensina-me a corrigir sem desfigurar na lixívia da crítica; Santo Inquilino, ensina-me a tratar de tudo com cuidados de dono; Santo Hospedeiro, ensina-me a acolher com fidalguia de amigo; Santo Mendigo, ensina-me a aceitar a pressa de quem não para; Santo Bispo, ensina-me a fidelidade de quem aprendeu; Santo Agricultor, ensina-me o calendário das decisões a tempo e horas; Santo Motorista, ensina-me a humildade de ser ultrapassado; Santo Gerente, ensina-me a distinguir entre números e pessoas; Santo Carteiro, ensina-me a transportar alegrias e dores; Santo Ancião, ensina-me a guardar apenas o que vale para sempre; Santa Solteirona, ensina-me a tirar o bem da arca do tempo; Santa Menina, ensina-me a compreender que tudo passa; Santos e Santas de Deus, ensinai-me a escutar o Amor!...• 1
Cristo na Empresa: Contemplar! Sónia Neves Oliveira
S
er Cristo na Empresa passa por responder, também no ambiente empresarial, aos três pilares fundamentais a que qualquer batizado se compromete: ser, à imagem de Jesus, (1) Sacerdote, (2) Profeta e (3) Rei.
nossa capacidade de estar ao serviço, não querendo que sejam os nossos projetos a vingar, mas sim o projeto de Deus para o Bem Comum. Para mim, há um elemento fundamental que nos ajuda a ter força e capacidade de agir nestes três
“Há tanto para contemplar numa empresa que se organiza em torno de uma Missão que considera importante e útil a alguém!”
Há muito que associo a função sacerdotal dos leigos à capacidade de consagrarmos a Deus os momentos que vivemos, dando-lhes o toque da Transcendência e do Amor e simultaneamente ter capacidade de perdoar gestos em relação aos quais exista sincero arrependimento e firme propósito de não reincidência. À função profética associo a capacidade de dar testemunho corajoso e resposta vitoriosa a todos os que nos perguntam acerca da esperança que nos anima. Já em relação à função real, associo-a imenso à
domínios. Esse elemento é a Contemplação. Há tanto para contemplar numa empresa que se organiza em torno de uma Missão que considera importante e útil a alguém! Pessoas dedicadíssimas a projetos, sorrisos sinceros no atendimento a clientes, interajuda entre colegas, comemorações de pequenas vitórias conseguidas em equipa, compreensão dos erros cometidos e vontade de melhoria constante, sei lá…. Seria capaz de dizer que tudo pode ser contemplado, na perspetiva do Amor de Deus, transformando-se assim em verdadeira oração empresarial.• 2
Quem quer ser santo? Paulo Duarte, sj
Q
uando falo de santidade numa aula, grupo ou homilia, de vez em quando, pergunto, tal como faço agora aos leitores: quem daqui quer ser santo, que levante o braço? Não sei qual a sua resposta, mas, em geral, muito poucas pessoas respondem afirmativamente. Depois de desbravar o porquê, apercebo-me que, por detrás dessas primeiras respostas, está uma imagem de santidade relacionada com pureza, com ser alguém imaculado, ou seja, sem qualquer pecado, sendo sempre “bonzinho” ou “beato”. A santidade ainda está muito relacionada com o etéreo, o límpido e o transparente. Mas, neste etéreo, onde fica a vida e o quotidiano? Afinal, o extraordinário presente na santidade tem que ver com o comum da vida. Na Primeira Carta de Pedro, aparece-nos a exortação à santidade: “Sede santos, porque Eu sou santo.” Por aqui percebemos que a invocação à santidade advém da cumplicidade, imitação, participação, pertença a Deus. A inspiração da nossa vida tem como fundamento a acção do próprio Deus. S. Mateus fala-nos no Sermão da Montanha de sermos perfeitos como o Pai é perfeito. S. Lucas particulariza a tónica na misericórdia. Então, a santidade já não é algo de simplesmente límpido e transparente, mas
uma acção a ser vivida de olhar atento para os outros. Em primeiro, o Outro que é Deus, depois, o Outro presente em cada rosto, em especial quem sofre a segregação e a injustiça. Todos os santos viveram um caminho de conversão, resultado de uma busca pessoal do Senhor de todas as coisas. Quando a Igreja canoniza alguém, diz que
Quero ser santo e quero fazer milagres, dos que aliviam penas e dores, ao jeito de Deus que ama e faz sorrir pelo seu humor, que serena o coração e acolhe, com a ternura do amanhecer. Quero ser santo e dizer, a si, que vive esta leitura: “Obrigado por, na sua santidade, no seu modo de ser quem é, me ajudar a ser santo”. reconhece naquela pessoa o caminho de encontro com Deus, na qual passou por uma conversão de adesão ao profundo Amor divino que transpareceu nas suas palavras e gestos, mais ou menos conhecidos, na sua vida. Podemos dizer que respondeu à pergunta do Doutor da Lei, em S. Lucas: “Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?” Quem vive a santidade 3
caminha na liberdade em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Escrito desta forma, parece simples: basta amar. Então, a santidade tem o amor no seu íntimo. Mais do que uma pureza ou candura, trabalha o crescimento do amor a Deus, por si e pelos outros. O amor é muito concreto. Quem ama quer a felicidade do outro, faz de tudo para que quem o rodeia possa sentir a plenitude da vida e do amor, em gestos de respeito e de acolhimento, saindo de esquemas ritualistas e fundamentalistas no entendimento do relacionamento divino. Das características de que mais gosto de Deus é o facto de desestabilizar os esquemas humanos que impedem a verdadeira relação com Ele, nesse caminho de profundo amor e santidade. Ser santo não é ter tudo arrumado, sem inquietação, num modo de ver a realidade que possa roçar o tradicionalismo. Não incomodando, fica-se com a certeza de se ter feito bem: cumpre-se e pronto… ou ponto. Mas, Deus não se fica nessas arrumações. É certo que na Criação ordena do caos ao cosmos. No entanto, é uma ordenação de desmistificar, que anula o endeusamento dos astros, das estrelas, dos tempos, levando ao amor a Deus sobre todas as coisas. O modo de ver deus ou deuses que impedem ou bloqueiem a vida cai por terra. Sim, os ídolos caem por terra e começa-se a descobrir parte do verdadeiro rosto de Deus que revela a santidade: a misericórdia e o amor, para além de cada falha ou aprumo. Quem diria que a partir da desobediência se encontra misericórdia, como nos recorda S. Paulo? Não, não é uma apologia à desobediência tonta e infantil. É o permitir que Deus revolva esquemas muito bem traçados e os encha de sentido: misericórdia, por si e pelos outros. Não nos podemos cansar de repetir e, mais que repetir, viver: misericórdia. Na minha experiência como jesuíta, do que mais me
tem ajudado, apesar de em muitas ocasiões não achar piada nenhuma, tem sido este “deixar-me desarrumar por Deus”. Confirma-me, por um lado, a pequenez que Santo Inácio tanto repetia: “ser pecador amado”. Por outro, a grandeza: “de ti podem sair coisas grandes se deixares que Deus te guie”. Nesta palavra, sentimento ou atitude de misericórdia que tenho experimentado, apercebo-me que é por aqui que somos chamados a viver a vocação e a santidade. E o cumprir desaparece para dar espaço à relação que muda e converte corações, levando a que os outros possam ser profundamente livres e felizes. Caros leitores, não sei que resposta dariam depois da leitura deste texto à pergunta inicial. Da minha parte, eu quero ser santo. Não pela auréola, altar ou ar cândido, mas pela certeza da conversão, de, apesar dos medos ou dúvidas ou pecados, deixar-me transformar em direcção do amor e da justiça. Quero ser santo e quero fazer milagres, dos que aliviam penas e dores, ao jeito de Deus que ama e faz sorrir pelo seu humor, que serena o coração e acolhe, com a ternura do amanhecer. Quero ser santo e dizer, a si, que vive esta leitura: “Obrigado por, na sua santidade, no seu modo de ser quem é, me ajudar a ser santo”.•
4
A pedagogia presente nos acontecimentos marianos Paulo Vasconcelos
N
a continuação do número anterior, proponho terminar uma breve reflexão sobre uma verdadeira pedagogia de projeto que seja coerente e eficaz, apresentando, nas palavras de José Matias Alves, alguns princípios elementares que possam garantir a sua fiabilidade e benefícios no processo de ensinar e aprender. A informação e a capacidade de comunicar são o garante para que qualquer projeto possa ser concretizado. O princípio da adequação epistemológica alerta para a necessidade de adequação dos conceitos à sua capacidade cognitiva, ao qual se associa o princípio da codificação ótima, ou seja, a capacidade de o professor encontrar os signos, os códigos que potenciem as aprendizagens dos alunos. A sala de aula é um microcosmo social. O princípio da sociabilidade alerta para a importância de criar momentos de sociabilidade onde se possam desenvolver os valores da cooperação, da solidariedade, da justiça, do respeito mútuo. Ao nível dos saberes, já foi o tempo das especializações demasiado precoces na carreira académica, atualmente vai crescendo a necessidade do diálogo interdisciplinar, da aliança de saberes para melhor compreender o mundo e a vida. O princípio da interdisciplinaridade temática é uma resposta de prática educativa de proximidade enquanto não é possível um novo currículo. A diversidade de que é feita uma turma alerta-nos para o princípio da diversificação metodológica que possa ir ao encontro da necessidade de aprender, da individualização, da criatividade, da motivação intrínseca. A tomada de consciência das dimensões humanas – intelectual, afetiva, ética, estética,
A diversidade de que é feita uma turma alerta-nos para o princípio da diversificação metodológica que possa ir ao encontro da necessidade de aprender, da individualização, da criatividade, da motivação intrínseca.
prática - aconselha a que a didática de cada disciplina organize momentos que promovam o respetivo desenvolvimento, como afirma o princípio da interfuncionalidade psíquica. Na realidade, no ato pedagógico, o que não esteve no processo não estará nos resultados, ou seja, pelo princípio da homogeneidade preditiva, que se encontra intimamente relacionado com o princípio da reciprocidade dinâmica teórica-prática, não é possível educar eficazmente para o exercício do pensamento crítico e independência pessoal se a prática educativa se fundar na razão da força, na imposição da verdade única. Não é possível esperar uma vivência cooperativa se a ordem escolar se fundar na competição excludente. Não é possível esperar a interiorização do valor do trabalho, do mérito pessoal, do respeito mútuo se as realidades quotidianas valorizam o inverso. E por último, o princípio da criatividade que valoriza a divergência cognitiva, promove a criação de momentos de emergência de opiniões pessoais fundamentadas e deve levar o professor a devolver perguntas formuladas pelos alunos, a estimular a criação de cenários e soluções alternativas e a induzir a ver outros lados da realidade.• *a partir de Miguel Fernández Pérez, Las tareas de la professión de enseñar 5
6
Mistério revelado aos pequeninos Por Fernando Geronazzo
A
o celebrarmos as festas dos santos do mês de junho surge a questão: a religiosidade popular pode ser um caminho de santidade? Muitas vezes, essas festividades são consideradas por alguns apenas como uma manifestação cultural que não expressa a
As festas dos santos populares são uma rica oportunidade de evangelização e portanto, um caminho de santidade. Ela atrai os corações puros e abertos a uma fé simples, sem complicações, encarnada no cotidiano da vida.
profundidade da fé católica e que pode até impedir sua autêntica vivência. Mas essa, certamente, é uma visão preconceituosa da riqueza evangelizadora dessas tradições.
momento, os devotos não conheçam em profundidade o legado teológico desses santos, receberam das gerações passadas o testemunho de que foram homens de Deus e deram suas vidas ao Senhor.
Tanto que o Beato Paulo VI, na exortação apostólica Evangelli nuntiandi (1975), dedica uma parte do texto para falar da piedade popular. “Encaradas durante muito tempo como menos puras, algumas vezes desdenhadas, essas expressões assim constituem hoje em dia, mais ou menos por toda a parte, o objeto de uma redescoberta”, afirma.
Por isso, também o Papa Francisco chamou a atenção para a religiosidade popular na exortação apostólica Evangelii gaudium (2013), ao afirmar que “As expressões da piedade popular têm muito que nos ensinar e, para quem as sabe ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na hora de pensar a nova evangelização”.
O Documento destaca, ainda, que essa forma de piedade traduz em si “uma certa sede de Deus”, que somente os mais simples podem experimentar. Isso nos faz recordar imediatamente das palavras de Jesus: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, pois revelaste os mistérios do teu reino aos pequeninos, escondendo-os aos doutores” (Mt 11, 25). O povo se identifica com as figuras de Santo Antônio, São João e São Pedro, não somente pelas graças e milagres alcançados por suas intercessões, mas por verem neles pessoas simples, humanas, cujas limitações eram conhecidas e que, mesmo assim, fizeram a vontade de Deus. Ainda que num primeiro
O Santo Padre também vai dizer que essa piedade é verdadeira expressão da atividade missionária espontânea do povo de Deus. “Trata-se de uma realidade em permanente desenvolvimento, cujo protagonista é o Espírito Santo”, acrescenta. Sim! As festas dos santos populares são uma rica oportunidade de evangelização e portanto, um caminho de santidade. Ela (não será “Elas” - festas dos santos; se for “Ela” rfere-se a “ rica oportunidade de evangelização”?) atrai os corações puros e abertos a uma fé simples, sem complicações, encarnada no cotidiano da vida. Tal piedade expressa uma alegria contagiante que atrai, inclusive, aqueles que pouco conhecem da vida desses santos e da fé católica, mas se sentem instigados a conhecer a causa dessa alegria. Santo Antônio, São João e São Pedro, rogai por nós!•
7
Ao Serviço da Santidade Daniela Rodrigues
1
. Junho, porque é mês de celebrarmos os santos populares António, João e Pedro, é uma oportunidade para pensarmos na santidade, uma questão bastante interpelativa e nem sempre bem situada: uns acentuam demasiado os méritos humanos, tornando a santidade uma quase-recompensa divina; outros silenciam esses méritos a quase insignificantes, tornando a santidade um aleatório irromper divino – uns e outros parecem padecer da falta de equilíbrio que a relação Deus-Homem pressupõe. Mas não é esta a questão que quero abordar. Interessa-me, aqui, a popularidade da santidade. Creio que todos reconheceremos que a popularidade dos santos de Junho não se deve, certamente, apenas à intercessão que, tradicionalmente, lhes é atribuída. Todavia, também não poderá ser a mera dimensão festiva e de folia que caracterizam estes dias. Se fosse só isto, outras evocações e outros dias já teriam sido escolhidos. A popularidade dos santos, na minha opinião, tem uma raiz e um sentido bem mais profundo e mais fascinante. Ela deve-se ao facto de neles reconhecermos uma humanidade conseguida, plena. É esta possibilidade que eles atestam. E é isto que se torna, para todos nós, motivo de festa. Mas, ao festejá-los, não podemos deixar de nos sentirmos interpelados. Não somos, também nós, humanidade que quer atingir a sua maturidade e plenitude? Por isso, importa contemplá-los e aprender com eles o caminho. E uma das realidades com que nos deparamos, nestes santos populares, é a sua capacidade de servir, de servir a humanidade com Deus, por Deus.
A boa comida e o bom vinho requerem preparação, dedicação, atenção ao outro que se convida. Com eles aprendi que festejar os santos populares implica servir e ter o coração feliz por fazê-lo. É uma lição preciosa: servir para comemorar e celebrar aqueles que serviram. 3. Sempre que penso em “servir”, lembro-me de uma passagem do filme “A Vida é bela”, de Roberto Benigni, em que o tio de Guido lhe diz: “Olha para os girassóis. Estão voltados para o céu ,mas se o vires demasiados vergados, significa que estão mortos. Tu estás ao serviço mas não és escravo de ninguém. Servir é a arte suprema. Deus é o primeiro servidor.” Servir é, pois, um ato de humildade que imita Deus; é exercitar divinamente a nossa humanidade, libertandonos do que nos escraviza para nos darmos ao outro. Servir é assumir o outro para realizarmos plenamente a nossa humanidade, como o girassol se realiza seguindo o sol. Só servindo seremos humanidade conseguida, como os santos. 4. Esta popularidade dos santos, assente no serviço que realizaram, e que nós exercitamos quando assumimos o outro com quem convivemos, leva-me, também, a pensar naquilo que sou enquanto professora, nas fragilidades e limites que me acompanham, de uma disciplina tão singular como a de Educação Moral e Religiosa Católica. Apresentar e educar para o factor religioso da humanidade é um serviço interpelador no mundo atual. Mais ainda quando o bom resultado deste serviço consiste em homens e mulheres que servem. Mas se a popularidade dos santos se deve, acima de tudo, ao facto de serem humanidade plena, e isto significa que serviram, então não devemos ter medo de continuar a servir, educando para servir. É esta especificidade da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica que nos fascina e que deve fascinar os nossos alunos. Eles têm o direito de se sentirem atraídos por esta disciplina, como nós nos sentimos pelos santos que, na sua popularidade, a todos interpelam.
2. Assim sendo, o serviço é uma coordenada fundamental para uma humanidade cheia. Neste sentido, é muito interessante notarmos que o serviço está presente na própria forma como festejamos os santos populares. Eles são bem mais do que pretexto para convívio entre família e amigos. Permitam-me esta partilha. Recordo com saudade, e com alegria, a fogueira que o meu padrinho fazia, no meio do pátio, para assar os pimentos e as sardinhas que eram comidas nestes dias, acompanhadas pelo pão que ele tão bem amassava e Orson Welles escrevia: se todo o santo tem passado, cozia. Havia um enorme cuidado com o contexto e a todo o pecador tem um futuro... mesa da confraternização. Um cuidado que desenvolvi Acrescento: que seja o da santidade, caminhando no com o meu pai e que se traduz na arte de bem servir. serviço...• 8
A Evangelii gaudium e os desafios para a ação evangelizadora da Igreja Moisés Sbardelotto
N
a Evangelii gaudium, Francisco fala da ação missionária como “paradigma de toda a obra da Igreja” (n. 15). Nesse contexto, o documento convida a Igreja a “avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão” (n. 25). Por isso, a exortação “possui um significado programático e tem consequências importantes” (n. 25) para a Igreja de Francisco, também em termos comunicacionais. Muito além dos temas abordados, cujas reflexões e implementações ainda estão sendo vividas por parte da Igreja, chamam a atenção a linguagem e a forma utilizadas pelo pontífice para falar sobre o anúncio da “alegria do Evangelho”. “Se pretendemos colocar tudo em chave missionária”, afirma Francisco, “isso se aplica também à maneira de comunicar a mensagem” (n. 34). E isso começando pelo texto da própria exortação. Na Evangelii gaudium, essa maneira de comunicar envolve, primeiramente, um processo dialogal. Para escrever o documento, “consultei várias pessoas” (n. 16), afirma Francisco. Ao longo do texto, são várias as citações de documentos de outras Conferências Episcopais: dos bispos da América Latina (n. 15), da África (n. 62), da Ásia (n. 62), dos Estados Unidos (nn. 64, 220), da França (nn. 66, 174), da Oceania (nn. 27, 118), do Brasil (n. 191), das Filipinas (n. 215), do Congo (n. 230), da Índia (n. 250). Dizendo e fazendo ao mesmo tempo, Francisco avança em uma “salutar ‘descentralização’” da Igreja e do papado, pois “não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo” (n. 16). O papa também afirma que o desafio do anúncio da fé hoje é comunicá-la em uma “nova linguagem parabólica”. Para isso, é preciso ter “a coragem de encontrar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne para a transmissão da Palavra, as diversas formas de beleza que se manifestam em diferentes âmbitos culturais” (n. 167). E aqui também Francisco é pródigo no dizer e no fazer por meio de novas parábolas e figuras de linguagem que ajudam a aprofundar a reflexão.
Apenas alguns exemplos: “Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa” (n. 6). “Um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral” (n. 10). “Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor” (n. 44). “A Eucaristia (...) não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (n. 47). “Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos” (n. 47). “A psicologia do túmulo (...) pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu” (n. 83). “Deus nos livre de uma Igreja mundana sob vestes espirituais ou pastorais!” (n. 97). No fundo, fazendo e dizendo, Francisco sonha “com uma opção missionária capaz de transformar tudo”, incluindo a comunicação da Igreja, “para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal adequado para a evangelização do mundo atual mais do que à autopreservação” (n. 27). Uma comunicação “em saída”, em suma. Para isso, é preciso “acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto” (n. 288), como fez Maria, “Mãe da Igreja evangelizadora”, que soube até “transformar um curral de animais na casa de Jesus” (n. 286). A comunicação cristã é chamada a ter essa mesma capacidade transformadora: transfigurar o mundo por meio de palavras, sons e imagens, para revelar, aí, em meio às alegrias e às esperanças, às tristezas e às angústias da humanidade, a presença do reino de Deus. Mas essa força não surge dos nossos esforços pessoais ou de “planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados” (n. 96), alerta Francisco. Essa força vem do Espírito Santo: só ele pode “renovar, sacudir, impelir a Igreja em uma decidida saída para fora de si mesma a fim de evangelizar todos os povos” (n. 261), em permanente tensão entre encontro, diálogo e anúncio (continua...).• 9
SEMPRE ALERTA: Santos, modelos de vida a seguir! Fernando Cassola Marques
N
o CNE, o tema da santidade é uma área bastante querida e particularmente bem trabalhada com os escuteiros. Desde o mais pequeno Lobito (criança entre os 6 e os 10 ano) até ao já crescido caminheiro/companheiro (jovem entre os 18 e os 22 anos) que as propostas pedagógicas são variadas. Como já referi em edições passadas, o método escutista tem como grande “segredo” o uso do exemplo como melhor forma de educar. BP (Baden Powell) disse-nos que “A melhor forma de ensinar é através do exemplo”. É então que, imbuídos deste espírito, o Escutismo Católico Português propõe a todos e todas que ingressam nas suas fileiras olharem de perto para aqueles homens e mulheres que se destacaram e foram elevados aos altares. Especificamente, é na componente da mística que esta abordagem é realizada, sem, no entanto, ser uma área estanque. Isto é, a abordagem é feita de uma forma integral e integrante no decurso das atividades. A mística que é apresentada no programa educativo (PE) do CNE “assenta num esquema de quatro etapas (correspondentes às quatro secções), com vista a uma formação humana e cristã integral, sólida e madura. (…) Estas etapas desenrolam-se na lógica de um caminho a percorrer, constituindo um itinerário de crescimento individual e comunitário proposto a cada escuteiro” (…) No percurso sugerido, procurase que o Escuteiro compreenda que a sua vida tem duas dimensões, uma sobrenatural e uma natural, e que ambas se relacionam intimamente: Cristo, Senhor da Vida, não se reduz à vivência espiritual e mística do Homem; Ele está presente na vida do diaa-dia e ao longo de toda a existência humana. É, por
isso, presença constante na vida de um Escuteiro”. É nesse sentido que o PE recorre aos patronos – Santos ou Beatos da Igreja que no percurso da sua “vida encarnaram na plenitude os valores que se pretendem transmitir através da mística e do imaginário de uma determinada secção, sendo por isso escolhido como protetor e exemplo de vivência para os jovens dessa mesma secção”. Santa Maria, Mãe dos Escutas, é o modelo por excelência (cf artigo do mês de Maio). Depois, seguem-se São Jorge, que é o patrono mundial do Escutismo, e São Nuno de Santa Maria, que é o padroeiro do Corpo Nacional de Escutas. Em cada secção existe também um patrono que se encontra perfeitamente enquadrado com as faixas etárias a que se destina: I secção – São Francisco de Assis II secção – São Tiago Maior III secção – São Pedro IV secção – São Paulo Adicionalmente, recorre-se ainda a modelos de vida, que são figuras da Igreja Católica que, “à semelhança do patrono, também encarnam os valores e ideais da mística e do imaginário da secção e que exprimem a diversidade de caminhos e carismas possíveis para os viver – e a grandes figuras históricas – personalidades que na sua vida realizaram grandes feitos, associados ao imaginário da secção, que marcaram a história da humanidade”. É portanto mais do que natural que o escutismo apresente os Santos como caminho para todos os escuteiros e lhes indique que é por esses modelos que devem orientar as suas vidas.• 10
Santos ou Pecadores Inácio Carvalho Dias
A
o pensar no tema proposto (nada fácil…), “viajo” nas memórias (que ainda me restam), até ao tempo dos meus avós (lá pelos anos 50, 60) recordando que na sua aldeia da Estremadura, os mais novos, ao saudarem os mais velhos, pediam a “benção”, sendo-lhes respondido “Deus te faça um santinho”. Este cumprimento era então comum e tradicional em muitas zonas do nosso país. Quem assim respondia, não estaria certamente a pensar na doutrina da Igreja e nos seus ensinamentos tão básicos como profundos. Na verdade, aquela forma de saudação será baseada, na sua origem, em dogmas da Igreja que, numa análise talvez demasiado leviana, nada terão de agradável, quando e se aplicados na vida actual, nomeando as nossas paixões, o fazer penitência, a privação dos bens do mundo, ter presente a humildade, amar os inimigos e outras tribulações, comportamentos fortemente condicionados pela existência de “bons” e “maus”. Se difícil é alcançar a beatitude (dom de muito poucos), manter a serenidade, acreditar, superar a brutalidade e terror a que demasiadas vezes assistimos… não o será menos tentar melhorar de forma real e efectiva a natureza humana criando (com paciência…) os laços suficientes para se caminhar por uma vida de valores. E tudo começa na família e continua por gerações. Invoquemos as nossas memórias, que conterão ensinamentos para o lado bom da nossa sobrevivência, na certeza de que esse filão nos ajudará a proceder melhor perante os outros. Santos, Pecadores… ou nem tanto? Fiquemos com Santo Agostinho: “os maus vivem para terem tempo de se emendar”.• 11
O Cântico Espiritual de João da Cruz Rui Vasconcelos | Fundamentos*
Ai, quem virá curar-me? Vem entregar-Te já, pois a Ti espero; não queirais enviar-me mais nenhum mensageiro, porque dizer não sabem o que eu quero.
quarenta estrofes, dedicando-se em seguida a comentá-las, estrofe por estrofe e linha por linha. De Deus não vem a experiência do medo, do domínio ou da confiança traída: mas vem, sim, a experiência da ausência. Tal é, para João da Cruz, vivida de maneira mais intensa quanto mais se escreve uma história de espera e confiança filiais: não esqueçamos que o ode o amor exprimir a nossa relação com século XVI é também o século da inquisição, do início Deus? Pode a nossa história traduzir-se num das guerras religiosas no continente europeu, das longo cântico espiritual, num diálogo entre violentas conquistas que, nos continentes americano, dois amantes, numa busca incessante do rosto africano e asiático, esmagam a identidade dos povos d’Aquele em quem habitamos? em nome também da religião. Pode o amor ser mais O Cântico Espiritual é um texto de rara beleza que forte do que tudo, até do que a morte? nos chega do século dezasseis espanhol, chamado de A leitura do Cântico acompanhou-me durante o século de ouro – num mesmo século encontramos tempo da Quaresma. Ajudou-me a compreender (ou figuras como Teresa de Ávila, Inácio de Loiola e João a ir compreendendo), como a experiência crente da Cruz. Não foi apenas a experiência cristã que se é, no final, uma experiência de cura e conversão de transformou por completo com as vidas e escritos um coração ferido. A nossa linguagem religiosa é destas três personagens: foi toda uma nova linguagem abundante no que toca a referir o amor: nele falamos que se criou, um novo modo de pronunciar, com os na catequese, nas pregações, no ensino religioso, lábios e com o desejo, a busca de Deus. nos livros. Mas o passo decisivo acontece como uma E esses textos aí estão, à espera da nossa leitura, experiência de encontro, de perdão e de paz. E, no como pérolas de rara beleza e fecundidade. que toca à experiência crente, algo fica sempre por dizer. O Cântico Espiritual inspira-se noutro Cântico, redigido séculos antes: o Cântico dos Cânticos «Há um não sei quê. É uma coisa que se sente ficar ou Cântico Maior. Nele se retrata um diálogo de por dizer, mas que não se esqueceu de dizer; é um alto noivado, o enamoramento entre dois amantes que rasto de Deus que se revela à alma e fica por rastrear; se entregam no jogo sedutor de se revelar e de se é um profundíssimo saber de Deus que não se sabe esconder. O amor alimenta-se assim não só da dizer. Por isso lhe chama um não sei quê, porque, se presença, como também (e, talvez, até mais), da aquilo que entendo me chaga e fere de amor, isto ausência do outro: ausência cuja memória se renova. que não acabo de entender e sinto profundamente, O Cântico Espiritual retrata assim um diálogo de mata-me» (VII,9). amor entre a Esposa e o Esposo; no seguimento de uma larga e rica tradição que remonta aos primeiros Esta expressão, um não sei quê, fica no ouvido de séculos da experiência cristã e que percorre toda a quem recita o poema. Um não sei quê. É também o Idade Média, João da Cruz apresenta a Esposa como que podemos experimentar numa história de amizade a alma do crente, e o Esposo como o Verbo. ou de aliança: a pessoa a quem amamos surge-nos, dia após dia, como um mistério crescente, que pede «Tendo as criaturas dado à alma sinais do seu o nosso respeito e a nossa admiração. Noutra palavra, Amado, mostrando-lhe o rasto da sua formosura e pede a nossa contemplação. A experiência cristã surge majestade, cresceu nela o amor e, por conseguinte, a assim, de um modo maravilhosamente belo, como a dor da ausência. Quanto mais a alma conhece a Deus experiência de uma crescente contemplação.• tanto mais lhe cresce o desejo e a dor de O ver» (VI,2). * Fundamentos é uma rúbrica dedicada aos textos maiores da tradição espiritual cristã. João da Cruz compõe um poema composto por
P
12
Vidas Santas que se gastam na normalidade das nossas vidas… Isabel Figueiredo Canotilho
E
stava muito frio e amanhecia. O desafio era caminhar pela serra a preparar um dia de peregrinação para um grupo de casais. Quando o carro desapareceu, percebi preocupada, que não tinha outra hipótese senão conseguir… Olhei para o lado e vi um daqueles nichos que se encontram à beira das estradas, com uma imagem de Nossa Senhora ou de um Santo e com ramos de flores apanhadas pelos caminhos. Neste, estava uma imagem de Santo António. Foi instintivo. “Santo António ajuda-me a conseguir!” disse baixinho, consciente de que nunca tinha feito nenhum pedido a nenhum Santo… e lá avancei, na subida íngreme do começo do caminho. Já íamos a meio, quando um amigo se referiu à serra que íamos vencendo, a pouco e pouco, como sendo a Serra de Santo António. Guardei a surpresa da coincidência, entre a vergonha de não saber onde estava e o pudor de confessar o meu pedido… mas quando chegámos, quase me ria ao perceber que não me doía nada, nem pernas, nem pés… Decidi naquele momento, que no regresso a Lisboa, tinha de ir à Igreja de Santo António, tinha de conhecer a sua vida, de saber mais do que os textos que tinha estudado, num passado já esquecido. Começou assim uma descoberta de presença, que me foi surpreendendo… como se me visse obrigada a concluir que afinal a devoção do povo de Deus, reconhece a santidade com uma convicção, que a minha fé ignorava com demasiada certeza… Lembrome da minha hesitação em comprar uma pequena imagem de Santo António. Foi o primeiro de vários, que neste mês de Junho, vou espalhando pela casa…
até lhe faço um pequeno altar, com velas e manjericos e sorrio sozinha, ao ver os sorrisos do Santo, que não se cansa de ter o Menino ao colo! Meses mais tarde, quis participar na sua procissão, por entre as ruas estreitas de uma Lisboa tão antiga, que estende lençóis entre casas, que come e dança à soleira de portas baixas e abertas. Não consigo esquecer os pés descalços de alguns, que assim ofereciam tudo o que tinham, ao Santo da sua devoção. A santidade pode parecer distante, escondida em vidas desconhecidas. Mas eu esbarrei com ela, naquela manhã fria de inverno; descobri-a porque a devoção popular, constrói nichos de pedra na solidão de serras e descalça os pés em tardes de calor, por entre ruas apinhadas. Não a procurei em livros de autor, nem em obras de arte, nem em estudos inacessíveis ao comum dos fiéis. E aprendi a respeitar esta santidade, que numa aparência de normalidade, atravessa séculos de história. Aprendi a rezar esta santidade, que entrou na minha própria vida, através de outras vidas. E aprendi que é sempre o Amor que a determina. Um Amor assumido, declarado, destemido. Um Amor com rosto, com história, com nome. Um Amor a Jesus, maior do que a própria vida. A santidade pode parecer um céu impossível de alcançar. Mas quando alargamos o horizonte do nosso olhar encontramos tantos rostos, tantas histórias, tantos nomes… António, Vicente, João, Isabel, Teresa, Joana, Pedro, Francisco, Jacinta… Vidas Santas que se gastam na normalidade das nossas vidas e tornam evidente o Amor de Deus entre nós.• 13
14
Fé na luta Gabriel, o Pensador Claudine Pinheiro
E
que tal abordar o tema da santidade a partir da vida, valores e atitudes que podem (devem?) nortear a vida de todo o cristão? É neste sentido que te sugiro a canção “Fé na luta”, de Gabriel, o pensador. Podes iniciar o encontro de duas formas: Propor a escuta do tema com a letra na mão; Distribuindo a letra, sem dizer que se trata de uma canção. Se optares pelo segundo cenário, pede aos elementos do grupo que, após lerem o poema, tentem imaginar o seu autor. (Que idade tem? É homem ou mulher? Que profissão terá? Em que situação terá escrito este poema? Onde mora?). Este “exercício” ajuda a que o grupo faça uma leitura mais séria da letra, sem se aperceber disso. No final da partilha, revela que se trata de uma canção e propõe a sua escuta. Depois, conta as motivações que estiveram na sua composição. (No caso de teres optado pelo primeiro cenário, avança diretamente para esta parte) Segundo a descrição disponível no canal do youtube do cantor brasileiro, esta canção nasceu de uma conversa entre o “Gabriel, o Pensador” e atletas do UFC (Ultimate Fighting Championship) sobre o paralelo entre o desporto e a luta de cada um na vida (obstáculos, conquistas, sonho, garra, respeito). Foi este o ponto de partida para uma música que procura ser uma homenagem a todos os que se superam no diaa-dia, sem perderem a força nem a garra. Após esta explicação, promove nova discussão sobre a letra da canção, sobretudo com o intuito de tentar perceber se se identificam com a mensagem geral do 15
texto, se há alguma frase de que gostem mais e se a comparação entre vida e desporto (em particular, os de luta) faz sentido. Depois da partilha, apresenta os Santos como atletas de Cristo. Como pessoas que, no seu tempo, e na sua vida concreta, também não perderam o foco em Jesus e na sua mensagem. Encontramos na vida dos Santos testemunhas e exemplos de perseverança na fé, tendo muitos deles enfrentado inúmeras dificuldades e até mesmo o martírio. Eles já percorreram a estrada que nós somos chamados a percorrer; eles foram discípulos exemplares de Cristo, foram bons cristãos e viveram de modo exemplar as virtudes, que também nós somos chamados a viver. Assim a santidade é a meta que os cristãos se propõem a alcançar. Sugere que peguem na letra da canção, voltando a lê-la sob esta “lente” da Santidade. Que novas leituras poderão ter as frases: “Vim te dizer que tem vitória no final” “Pra te mostrar que o bem é mais forte que o mal, que o sim é mais forte que o não” “Guarda o que é bom no seu peito E o que for ruim ou suspeito, esqueça” “Leva o amor onde for / Espaireça amor da maneira mais pura Fala a verdade porque ela é chave que abre qualquer fechadura” “Dividindo o seu sorriso como se divide um pão Esse estranho me ensinou que todo estranho é um irmão Hoje eu sei que dividindo eu faço a multiplicação” Termina o encontro escutando e cantando a canção ou com um momento de escuta da Palavra (Lc 6, 17.20-26 – Texto das BemAventuranças) As Bem-Aventuranças são um código de felicidade que os Santos, tal como Jesus, vivenciaram. No mundo de hoje, ser um bom cristão, ser santo, pode parecer algo acima das nossas forças. Pode parecer-nos que é um campeonato que não está ao nosso alcance. Mas Jesus não fica a olhar, deixando que enfrentemos sozinhos este desafio. Ele está sempre connosco. Deus chama pessoas comuns para servirem o Evangelho e àquelas que aceitam dizer-lhe sim, Jesus torna-as capazes de alcançar vitórias.•
Parentalidade Consciente: a comunicação Bento Oliveira
O
s primeiros meses da vida de um filho são marcados por gestos, por interpretações, por intuição. Há estímulos e respostas. Como pai, essa foi uma fase fantástica na minha relação com as minhas filhas. Lembro-me de dar comigo a pensar: quando falares vai ser ainda melhor. A falar é que a gente se entende. Como professor, sinto que a comunicação é a base de todo o processo ensino aprendizagem. As relações são fruto da forma como comunicamos. Criamos vínculos. Atrevo-me a escrever, porque o sinto, que um grande número de pais tem como intenção criar uma excelente relação com os seus filhos. Que um número significativo de professores querem ter uma excelente relação com os seus alunos. Não estou a dizer que se confundam os papéis, que se anulem, bem pelo contrário, quanto mais bem definidos eles estiverem, melhor será a relação. Como escrevia no número anterior, os adultos têm mais responsabilidade, têm mais experiência de vida, orientam e protegem. Sei que uma intenção é isso mesmo: uma intenção. Também sei que a principal virtude das intenções é que podemos voltar a elas sempre que nos sentirmos inseguros. Está tudo bem! Estas são as minhas intenções, alinho-me, e dou o meu melhor. Comunicar é criar relação, é criar conexão, é criar ligação com os nossos filhos, com os nossos alunos. O principal erro da minha comunicação acontece quando não estou disposto para escutar o que a criança sente, pensa, diz, quando não estou disposto a que expresse as suas emoções. Sendo ainda mais concreto, mais específico, o uso da minha ironia é-me prejudicial à comunicação, se usada por tudo e por nada, o que acontece com frequência. É uma defesa, no meu caso, parva, sem sentido, bloqueadora de relação. Estudos afirmam que, quando comunicamos, importa ter presentes três vectores da comunicação, com a seguinte distribuição percentual: a verbal (7%), a paraverbal (38%), que diz respeito à entoação e ritmo das palavras, e não verbal (55%), que se prende com a fisiologia. Ter a consciência de que, quando comunicamos, quem recebe a nossa mensagem está sobretudo atento aos sinais não verbais, permite-nos optar por uma postura, fisiologia, que promova os
resultados que pretendemos obter. Exemplifico. Várias vezes ouvi que as crianças são as nossas mestras. Ria-me, para dentro. Observandome, tenho dado comigo a refletir neste pensamento. Estava na cozinha a preparar o jantar e a Inês perguntou-me: “Pai, tenho que responder ao convite da festa do Tomás! Posso ir ou não?” Ao que eu respondi: “Inês, a mãe chega amanhã. Logo que a mãe chegue a casa, falamos sobre isso e tomamos uma decisão.” Ela deve ter visto qualquer coisa na minha cara que fez com que me respondesse: “É sempre a mesma coisa. Sei que não queres que eu vá, por isso empurras para a mãe!” “Não é nada disso, Inês…” Nem me deixou acabar a frase e disse: “Vê-se na tua cara! Estás a dizer uma coisa que não é o que sentes!” Foi-se embora da cozinha. Fiquei danado, comigo, claro! Estava mesmo a empurrar a decisão para a mãe e a miúda apanhou-me. Ou seja, estava a fazer uma comunicação completamente incongruente entre o que dizia e o que sentia. Quero ter uma comunicação congruente, isto é, uma comunicação alinhada, autêntica e consciente. Uma comunicação que aceita, sente e respeita o que a criança está a sentir. E quando não conseguir? Está tudo bem! Respira! Sabes qual é a tua intenção, alinha-te, e as coisas fluirão. Termino com uma partilha fruto da observação. De tempos a tempos levo as quatro filhas para as respetivas escolas de manhã. Temos aproveitado esse momento para, no carro, fazermos a nossa oração da manhã: oração de agradecimento pelo dia, pela família, pelos amigos, por nós. “Pai, hoje posso ser eu a fazer a oração?”, perguntava-me, na terçafeira, a Sofia! Sou eu que, na maior parte dos dias, vou buscá-las às escolas. Deixei de fazer a pergunta típica: ”Correu bem, a escola?” para substituí-la por outras: “Com quem brincaste? Houve alguma novidade hoje? O que que aprendeste de novo? … ”. Isto é, tenho-me interessado verdadeiramente pelo dia das miúdas e por isso comunico de forma diferente. Sou surpreendido várias vezes pela Clara: “Então, pai, como foi o teu dia hoje? Tiveste os alunos todos? Como está aquele aluno? Tiveste algum aluno difícil? etc”. Melhorando a comunicação, melhorei a relação, aumentei a minha conexão com as miúdas.• 16
Santidade & Narcisismo João Galamba de Almeida, psicólogo com formação psicanalítica (Sociedade Portuguesa de Psicanálise)
P
ensar sobre a santidade despertou em mim resistências infinitas, que fui combatendo, adiando sucessivamente a minha reflexão sobre o tema...
Na impossibilidade de um humano aspirar a ser Deus, é-lhe conferida, pela conduta virtuosa / renúncia ao que é mundano, a oportunidade de fazer uma aproximação à divindade: a devoção e consagração absoluta a Deus, que norteia a vida Se bem entendo, a questão da santidade prende- dos que se santificam (ou a tal aspirar!) implicam, se com a religiosidade e fé, implicando a renúncia à necessariamente, um distanciamento da natureza maldade, impureza e ao que é profano. Neste sentido, humana terrena, impura, imperfeita. será santo aquele que for dotado de virtudes, onde figuram inocência, piedade, pureza, entre outros Uma vez alcançada a meta da santidade, ao atributos que terão norteado a vida de inúmeras (doravante) santo, resta-lhe a glória, admiração figuras religiosas destacadas. e perpétua gratificação. No limite, ser-se santo é alcançar uma dimensão omnipotente, de quase Ora, sendo certo que a natureza humana se apoia, imortalidade, posto que os terrenos se encarregarão também, no erro, desvio e pecado, creio que, do de perpetuar a memória daquele cujo singular ponto de vista psicológico, a noção de santidade desempenho e brilho o mantém eternamente vivo e terá sido criada como um ideal, cuja materialização presente. se encontra ao alcance de uma escassa minoria. Serão santos os que, pela renúncia ao que é terreno, Creio que, contrariamente ao herói (pagão), cuja se aproximam dos Céus. Assim, dentro desta lógica grandeza da sua condição a história se encarrega de dicotómica – terra vs céu, pecado vs virtude -, a consagrar e perpetuar - condição essa decorrente, condição de santo será uma aproximação substancial de igual modo, de um feito inusitado e destacado à figura de Deus, virtuoso absoluto, ideal sumo da -, o santo goza de um estatuto hierarquicamente grandiosidade pureza e bondade transcendentes. mais elevado, conferido pela aproximação ao divino / transcendente. Em meu entender, para além dos fundamentos religiosos, a noção de santidade resulta de A minha resistência, terminada que está a minha uma construção narcísica, que fixa como ideal, reflexão psicanalítica sobre a santidade, esclarecejustamente, a ideia de pureza e bondade essenciais, se... pela inveja... pela minha inveja... dado que nunca que se consubstanciam na figura dos santos. poderei aspirar a ser santo!• 17
Santa Cozinheira, ensina-me o qb de todas as coisas; Santo Estucador, ensina-me a dar beleza aos acabamentos; Santa Lavadeira, ensina-me a corrigir sem desfigurar na lixívia da crítica; Santo Inquilino, ensina-me a tratar de tudo com cuidados de dono; Santo Hospedeiro, ensina-me a acolher com fidalguia de amigo; Santo Mendigo, ensina-me a aceitar a pressa de quem não para; Santo Bispo, ensina-me a fidelidade de quem aprendeu; Santo Agricultor, ensina-me o calendário das decisões a tempo e horas; Santo Motorista, ensina-me a humildade de ser ultrapassado; Santo Gerente, ensina-me a distinguir entre números e pessoas; Santo Carteiro, ensina-me a transportar alegrias e dores; Santo Ancião, ensina-me a guardar apenas o que vale para sempre; Santa Solteirona, ensina-me a tirar o bem da arca do tempo; Santa Menina, ensina-me a compreender que tudo passa; Santos e Santas de Deus, ensinai-me a escutar o Amor!... Pe. João Aguiar Campos
18
19