Magazine iMissio nº1

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Magazine iMissio 1,Abril 2017 Direção: Bento Oliveira Montagem e Design Gráfico: Francisco Gomes Fotografia: Francisco Gomes Revisão de textos: Susana Ladeiro Propriedade: Portal iMissio 2017©iMissio


Escrevem nesta edição Padre João Aguiar Campos |Rita Sacramento Monteiro | Fernando Geronazzo | Joana Rigato | Nuno Miguel Guedes | Inácio Carvalho Dias | Raquel Dias | Paulo Duarte, sj | Moisés Sbardelotto | José Paulo Santos | Sónia Neves Oliveira | João Galamba de Almeida, snob, burguês & proletário | Bento Oliveira | Paulo Vasconcelos de Carvalho | Fernando Cassola Marques | Claudine Pinheiro | Rui Pedro Vasconcelos



O portal iMissio é um projeto de evangelização iniciado em 2012, que tem tido como objetivo dar voz a uma comunidade convicta de que a internet pode ser um ambiente de evangelização que desafie o modo de pensar a fé. Tem pretendido ser espaço de relação entre a fé, a vida da Igreja e as transformações vividas atualmente pelo Homem.

Editorial Bento Oliveira

“A nossa tarefa é a de acompanhar o Homem no seu caminho, e a rede faz parte integrante, de modo irreversível, deste percurso. Os cristãos refletem na rede porque foram chamados a ajudar a humanidade a compreender o significado profundo da própria rede no projeto de Deus”. [Cf. XLVIII mensagem para o dia mundial das

Porque a “rede é um ambiente no qual vivemos, com um modo de pensar, conhecer, comunicar e viver próprios” [Ciberteologia, Antonio Spadaro], lançamos a Magazine iMissio, publicação informativa, que terá periodicidade bimensal, do portal iMissio, cuja agenda estará subordinada a um tema previamente escolhido. O espectro dos assuntos abrangidos e abordados por um conjunto de colunistas portugueses e brasileiros cobrirá desde o aprofundamento teológico, o voluntariado, o drama dos refugiados, o escutismo, a parentalidade consciente, a educação moral e religiosa católica, passando pela pastoral da comunicação da igreja, até à presença de Cristo no meio empresarial. A Magazine iMissio apresenta-se em versão web gratuita, pensada em formato revista (pdf), para que seja possível descarregar e lê-la em qualquer lugar, ritmo, em qualquer meio, sozinho ou em companhia, e será publicada na forma ortográfica escolhida por cada um dos autores que escrever para ela. Por trás das palavras esperamos proporcionar o tal desafio real de pensar criticamente, num mundo cada vez mais plural, de refletir nas possibilidades atuais do Evangelho e talvez até de encontrar um Deus escondido nas redes... Desde já agradecemos a vossa atenção, leitura e todos os feedback’s que seguramente nos acrescentarão e que ajudarão a melhorar. Boas leituras.

comunicações sociais, Papa Francisco]

Contagie. ¶ 1


Páscoa: coração da esperança Padre João Aguiar Campos A expressão que encima estas linhas é do Papa Francisco, na sua Audiência Geral de 3 de Abril de 2013: «a Morte e a Ressurreição de Jesus são (…) o coração da nossa esperança. Sem esta fé, a esperança nem sequer será esperança». Se, porém, nos deixarmos possuir da sua força, «a Ressurreição (…) abre a nossa vida e a vida do mundo para o futuro eterno de Deus, para a felicidade plena, para a certeza de que o mal, o pecado e a morte podem ser derrotados». Sim: «a fé cristã é luz acesa e alimentada pela Páscoa de Cristo». Importa que sempre falemos da Páscoa iluminados por esta luz. Doutro modo, cairemos no traiçoeiro comportamento de fazermos da celebração da morte e ressurreição do Senhor a simples e porventura cívica comemoração de uma morte ilustre ou a afirmação mais ou menos submissa de um dogma… Mas num e noutro caso, passaremos ao lado da atualização do mistério na nossa vida e na vida das nossas comunidades. Ora, tal seria gravíssimo, por estarmos perante a desvalorização do facto central da história evangélica. Realmente – usando palavras de Bento XVI – na Ressurreição 2


começa o anúncio do Evangelho de Cristo a todos os povos; começa o Reino de Cristo: um reino que não conhece outro poder a não ser o da verdade e do amor.

da humildade, da mansidão, da paciência e, acima de tudo, da caridade. Sim, são estas as marcas – os marcos - dos que, ressuscitados com Cristo, aspiram às “coisas do alto” e tornam palpável o testemunho que a Ressurreição exige para não se perder no passado.

Pela Sua ressurreição, Jesus «atinge a perfeição da Sua humanidade e assume plenamente a função de Messias e Salvador, comunicando aos homens o Espírito Santo, a fim de os santificar e reconduzir ao Pai» -- escrevem, por seu turno, os bispos italianos, no seu catecismo para adultos.

Cito José António Pagola, em “recuperar o projecto de Jesus”: «A Ressurreição necessita de crentes que se responsabilizem pelo testemunho e que, com a sua existência renovada, a introduzam na vida atual». É que – como refere o mesmo autor, «ser cristão não significa “ser adepto de” uma religião ou simplesmente pertencer a uma Igreja. É muito mais. É crer na nova realidade que começou com a ressurreição de Cristo».

Passar ao lado da atualização do mistério impede que se realize o que Paulo dizia aos Efésios (Ef 5, 8-9): «Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Comportai-vos, portanto, como verdadeiras luzes». Oiçamos de novo e atentamente este imperativo: «Comportai-vos!»…

Voltemos ao título destas linhas: “Páscoa – coração da esperança”. Mas façamo-lo agora para pensarmos que a esperança nos foi dada como responsabilidade perante o

A exortação do Apóstolo diz que perante a Ressurreição não basta a fé do coração; é essencial o testemunho da palavra e da vida; importa a transformação da existência numa existência pascal. Explicou-o claramente Bento XVI na audiência geral de 27 de Abril de 2011: «A ressurreição de Cristo é chegada a uma vida já não submetida à caducidade do tempo; uma vida imersa na eternidade de Deus. Na ressurreição de Jesus tem início uma nova condição do ser homem, que ilumina e transforma o nosso caminho de todos os dias e abre um futuro qualitativamente diverso e novo para toda a humanidade». No capítulo terceiro da carta aos Colossenses, Paulo sinaliza este caminho novo. Sinaliza-o com os traços e os marcos da ternura, da bondade, 3

Senhor Jesus, Tu não nos queres levianamente alegres, mas amas a alegria. E a tal ponto que Te apresentaste como fonte da alegria completa. Bebendo dessa fonte, não quero negar as tensões, mas lançar sobre elas um olhar manso. Não quero negar a morte, mas declará-la derrotada pela Tua ressurreição. Não quero a inconsciência de quem decide não ver ou não ouvir, mas a permanente lucidez do bom humor. Quero ser, pela força do Teu Espírito, profeta da esperança!...


mundo; e que, por isso, uma das principais tarefas de um cristão ressuscitado é, precisamente, cuidá-la e propô-la juntamente com a sua irmã gémea: a alegria. A esperança e a alegria são um projeto de Deus. J Recordemos que Jesus identificava claramente a Sua missão e a Sua mensagem como sendo de alegria. De facto, Ele é o verdadeiro noivo que nos convidou para a festa de casamento; Ele veio trazer a paz aos perturbados, o perdão aos culpados, a alegria para os abatidos, a liberdade para os escravizados (Is 61, 1-3). E quem com Ele se identifica tem o mesmo objetivo. Por isso, Paulo, quando quis explicar em poucas palavras a sua missão, disse aos Coríntios (2 Cor 1,24) que era o «servidor» da sua alegria.

A alegria faz parte do ADN crente. Dizemo-lo hoje mais convictamente, pois que ela é, na Igreja, uma virtude em recuperação, dando corpo a uma tarefa iniciada na Constituição “Gaudium et Spes” do Vaticano II. Com tais frutos que o Papa Francisco se animou a propô-la como caminho eclesial, contrariando o consumismo, a tristeza individualista ou o hedonismo (EG, 2). É tocante o modo como a define (EG,6): a alegria é «um feixe de luz que nasce da certeza pessoal (…) de sermos infinitamente amados». Assim definida, percebe-se que não requeira condições extraordinárias e seja feita de pequenas coisas (Eg,7). Como se percebe, também, que quem

realmente a vive não a possa esconder: quem se sente amado não tem cara de funeral (EG, 10), não se fecha em pessimismos estéreis (EG, 84). Pelo contrário: comunica, partilha, frutifica e festeja (EG, 24). Se quisermos, chama amigos e vizinhos para a comunhão do entusiasmo – aceitando as dificuldades como desafios a vencer, envolvendose na busca de soluções e acompanhando todos os mergulhados nas realidades deste tempo de coisas novas (EG,70 ss). Não há dispensados desta missão. Não há circunstâncias que possam servir de escusa. Não há distâncias que possam invocar-se, pois à porta de cada um há olhares a fixar e corações a aquecer; feridas a sarar e sorrisos a multiplicar...

É Páscoa. Acendem-se as luzes e repicam os sinos...

Que música cantam os nossos corações?¶

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O objectivo do Milénio Rita Sacramento Monteiro

A agenda do mundo até 2030 continua a definir como grande prioridade a erradicação da fome da pobreza, num mundo onde ainda há milhões de pessoas que morrem por não terem que comer e que vivem com menos de 2 dólares por dia. Da saúde à educação, passando pelo acesso à água e à energia, o clima, o consumo e a igualdade de género, são 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas para transformar o mundo em que vivemos. É um documento que desafia governos, organizações da sociedade civil, empresas e cidadãos a trabalharem em conjunto. Talvez por isso, lembreime de pesquisar pela palavra Amor. Não encontrei. E fiquei desiludida! Uma agenda de 36 páginas que visa promover a Paz e a Justiça e não se encontra a palavra Amor?

Amor, não teremos nada. Só o Amor aponta um caminho em que trabalhamos lado a lado para responder aos desafios do nosso tempo, em que promovemos a vida e a dignidade humana como valores basilares, em que garantimos que todos têm pão, abrigo e vivem em Paz. É preciso, pois, explicitar este princípio. É preciso que se orientem estes objetivos para a meta: um mundo que opera com Amor e por Amor. É preciso perder a vergonha de falar de Amor nestes documentos e trazê-lo para o centro da ação.

E porquê? Porque estamos a falar de um mundo habitado por pessoas, por nós, e nós somos seres em relação. Estamos cada vez mais evoluídos tecnologicamente mas mais cientes de que estamos ávidos de amor. De que sem ele não somos felizes. De que sem Amor as crianças não crescem e os adultos Ao ler o documento e ao embrutecem. Sem Amor a Paz não pensar nas questões fundamentais é possível. que ele aborda, o princípio Num mundo com mais subjacente só pode ser o do Amor. Porque se tivermos tudo mas faltar de 60 milhões de pessoas 5


deslocadas por guerras e conflitos, em que acampamentos viram residências permanentes, em que mais de 1 milhão de pessoas tentou em 2015 chegar à Europa pelo mar, em que milhares de homens, mulheres e crianças morreram nessa travessia às portas de um dos continentes mais ricos do mundo, ou que esperam uma resposta de um país que os acolha há meses em campos e centros improvisados, urge acolher! E para acolher é preciso amar. Urge abrir portas e dialogar, em vez de nos fecharmos nas nossas vidas. Proponho por isso que se acrescente mais um objetivo a esta agenda mundial: Que todos sejam acolhidos. E vem-me à cabeça a imagem de José e Maria a pedirem abrigo naquela noite determinante, procurando um local para trazer ao mundo o Salvador. E imagino a Humanidade a bater à porta e, como José e Maria, a ouvir que já não há espaço.

quando abrimos a porta, ficamos a conhecer mais do Outro, e a saber mais do mundo em que vivemos. Quando nos arriscamos a amar o que vem de fora, de longe, o que é diferente, descobrimos que, independentemente da Fé que tenhamos, todos buscamos o mesmo: amar e ser amados. E em tempos conturbados, de medo e de ódio, como pode o mundo ter escrito na sua agenda tantas tarefas e esquecerse do mais importante? Hoje é aquela noite determinante. Vão bater-nos à porta na circunstância em que estamos. Gente que procura refúgio nas nossas terras, nas nossas vidas, nos nossos corações. Que vamos nós responder? Que papel vamos ter na construção deste mundo?¶

Já não há espaço? Não podemos querer um mundo assim! Porque se não há espaço para o Outro, como haverá espaço para nós? Em que nos teremos tornado? E se recusamos abrigo ao Outro, como teremos espaço para Aquele que nos salvou, que nos ama e nos sustenta? Esta agenda mundial dura até 2030. Mas a agenda do Amor é eterna, e tem que percorrer os nossos dias, as estações do ano e as gerações. Que a ninguém se feche a porta por falta de espaço. De espaço físico, por egoísmo, de espaço interior, por medo. Porque quando somos acolhidos, somos amados. E porque 6



Família: lugar privilegiado do despertar da fé Fernando Geronazzo Certa vez, ao contemplar o meu filho, de apenas 8 meses de vida, a olhar atentamente para o sacerdote na Santa Missa, comecei a refletir sobre como e quanto acontece o despertar da fé na vida de uma pessoa. Sabe-se que o bebê adquire a consciência da existência do mundo à sua volta, da pessoas que o cercam, à medida em que são estimulados pelos adultos que com ele interagem. Mas também é certo que esta capacidade de desenvolvimento é inata, faz parte da natureza humana.

permaneça acesa, mas cresça e se confirme ao longo da vida. Como ressalta o Papa Francisco na exortação apostólica Amoris laetitia, os pais são instrumentos de Deus para a maturação e o desenvolvimento da fé recebida no Batismo (cf. 287).

Na sociedade atual, vemos que a educação e a formação das crianças estão a ser cada vez mais “terceirizadas” para as escolas. De igual modo, vê-se a transmissão da fé ser confiada a terceiros. Os catequistas, que deveriam ser aqueles que auxiliam os pais no desenvolvimento da fé, e na É possível dizer que, o mesmo inserção dos pequenos na vida acontece em relação à fé. O eclesial ao prepará-los para Catecismo da Igreja Católica nos os sacramentos, acabam, em ensina que a fé é um “dom de muitos casos, a tornarem-se Deus, uma virtude sobrenatural os primeiros responsáveis pela infundida por Ele” (CIC 153). educação da fé dos filhos. Mas também reconhece que a fé é um “ato autenticamente A fé não é apenas um humano” (154), uma adesão livre conjunto de conteúdos e e consciente. enunciados que são transmitidos, mas uma experiência concreta Ao receberem o Batismo, é que impregna a vida toda da na fé de seus pais e padrinhos pessoa e, por isso, é transmitida que as crianças são inseridas sobretudo pelo testemunho, pelo na comunidade cristã. Porém, exemplo. Portanto, é a família, a chama dessa fé recebida “igreja doméstica”, o lugar por precisa ser continuamente excelência dessa experiência. estimulada para que não apenas Também é a partir do exemplo

dos pais que as crianças descobrem que a vivência da fé vai para além do âmbito familiar e é compartilhada em uma família maior, a comunidade eclesial. Me marcou muito o que um dia ouvi do ex-presidente do Pontifício Conselho para a Família Dom Vincenzo Paglia, em uma conferência. Ele dizia que, assim como uma criança, logo que nasce, tenta procurar a mãe e reconhecê-la, pelos gestos, pelo cheiro e pela voz, mesmo que ainda não a entenda, assim todos os nossos filhos devem crescer “experimentando o cheiro das velas”. “Infelizmente, hoje nota-se que é cada vez mais difícil ter as crianças na Igreja, porque não estão habituadas”, acrescentou. E mesmo que essas crianças, em alguma fase de sua vida adulta, estiverem distantes da vida eclesial, ao entrarem em uma igreja e sentirem o cheiro das velas, serão remetidas à experiência fundante vivida com os pais. Naquele momento, saberão que aquela também é a sua casa e perceberão que, mesmo que pequena, a luz da fé ainda brilha em seus corações.¶


QUEM TEM MEDO DE SE SENTIR EM CULPA? Joana Rigato

«Não fujas nem vás para longe para te libertares. Vais antes ao mais fundo do espaço estreito que te é dado. Aí encontrarás Deus e todas as coisas.» (Gustave Thibon)

Há muitas décadas atrás, a fé católica era transmitida de forma muito diferente daquilo que hoje conhecemos. A tónica dada ao sentimento de culpa era fortíssima, os preceitos que cada cristão tinha de cumprir eram muito numerosos, controlava-se de perto cada aspeto da vida pessoal dos fieis e a confissão era um dever recorrente.

voluntariado – o que é que é preciso mais? Jesus fica contente comigo e o mundo também.

Só que o que Jesus nos pede é MUITO MAIS do que isto. A verdadeira mensagem do cristianismo é o apelo mais exigente que há. Ama os teus inimigos, perdoa infinitas vezes, torna-te pequeno para que outros possam crescer, dá tudo o que tens aos mais pobres, ama-os incondicionalmente, Por reação a esta forma de ser Igreja, as coisas revê as tuas atitudes vezes sem conta e reconhece aligeiraram-se muito para os cristãos do fim do todas as tuas faltas sem orgulho, com humildade, séc. XX e início do séc. XXI. Dá-se muito mais não atires pedras, dá a vida pelos que te odeiam, valor à consciência individual de cada um, que é o lava os pés àqueles que te parecem desprezíveis, principal guia para se perceber por onde caminhar. renuncia a toda a violência e opressão, mesmo Valoriza-se mais o essencial, aquilo que realmente dentro de ti. Jesus nos pediu e nos pede a cada dia. Somos Para isto, há que transcender as fronteiras chamados sobretudo ao amor pelos outros, ao amor radical – “Ama, e faz o que quiseres” (Santo humanas e fazer um exame de consciência todos os dias. Não ter medo da palavra “culpa”, Agostinho). entendida como o reconhecimento das nossas O risco deste movimento, porém, tem sido limitações, nem de recorrer com confiança a Deus um certo desleixo em relação ao “exame de para que nos dê capacidades renovadas para consciência”. Os cristãos sentem que a sua tentarmos ser melhores, uma e outra vez. Santo recente liberdade de movimentos lhes pede muito Inácio de Loyola ensinou-nos a arte do exame pouco. O mundo clama: “vai aonde te leva o como ninguém: teu coração”, “segue os teus próprios sonhos”, O primeiro passo é a GRATIDÃO. Rever o “ama-te a ti próprio, que só assim podes amar nosso dia, reconhecer o tanto que temos e nos é os outros”, “não te deixes limitar por ninguém”, dado viver, e dar graças a Deus por isso, como e os cristãos sentem que essa mensagem não é, quem agradece cada presente num aniversário. no fundo, assim tão diferente da versão light de cristianismo que adotaram. Se eu sou honesto, se O segundo passo é a PETIÇÃO. Pedir a não roubo ninguém, se ajudo o meu amigo e faço


Deus que nos ilumine por dentro para sabermos reconhecer o que se passou no nosso coração, quando é que estivemos perto ou longe d’Ele, quando é que ele nos conduziu e nos deixámos conduzir. Este discernimento só possível com a Sua ajuda, e há que pôr-nos nas suas mãos para isso. O terceiro passo é a REVISÃO. Rever o nosso dia e tentar perceber o que se passou por dentro: como é que me senti, o que é me foi pedido, por onde é que Deus me tentou levar e de que forma é que O segui – ou não? Nesta conversa, naquela reunião, nesta festa, naquele choro, neste momento de tensão, naquele desafio que me foi feito… Onde é que Deus esteve, no meio da enorme variedade das minhas experiências interiores de alegria, angústia, stress, inveja, atrações e resistências?

mais compreensiva; no meu trabalho, terei de aperfeiçoar a perseverança, etc. O exame de consciência é uma excelente forma de atravessar a quaresma: com passos diários, com um esforço consciente e diligente para não nos instalarmos na forma fácil de ser “bonzinho” aos olhos do mundo. Se olharmos para a nossa vida com os olhos de Deus, vemos o barro que somos e como há tanto ainda a aperfeiçoar. A ótica não é a da autoflagelação. Esses tempos, felizmente, já foram ultrapassados. Agora, o que nos é pedido é a ótica da exigência. “Vede como eles se amam”, diziam dos primeiros cristãos. Pensam que é fácil? Não é. É a luta diária do cristão, isto de saber amar. Por isso não podemos ter medo do exame de consciência, medo de nos sentirmos em culpa. Amar como Deus ama é o maior desafio da nossa vida, e a todo o momento caímos, falhamos, ficamos aquém do ideal de santidade que Jesus nos deu. Reconhecer essas falhas e pedir perdão por elas, a Deus e aos irmãos a quem não demos tudo, é o primeiro passo para podermos reerguer-nos e voltar a tentar. Todos os dias.¶

O quarto passo é o PERDÃO. Depois de reconhecermos o papel de Deus na nossa vida e todos os seus dons de amor, e depois de termos visto os momentos em que falhámos, em que não soubemos corresponder ao seu apelo a um amor radical, podemos agora pedir perdão com confiança. E o mais bonito é que «(…) o quarto passo liberta, transforma e revigora-nos alegremente quando, ao rezá-lo, nos movemos espiritualmente do nosso pedido para a perceção da resposta de Deus à nossa petição, tal como Jesus a revela. (…) O exame não é a autoavaliação de um coração isolado, mas antes um colóquio, uma conversa, um diálogo entre dois corações» (Timothy Gallagher, A Oração do Exame, pp. 108-109) O quinto e último passo é a RENOVAÇÃO. Olhamos agora para diante, para os novos propósitos que nos damos depois de um processo profundo de avaliação interior. Planeamos de que forma iremos responder ao que Deus nos pede, com ideias concretas: com este amigo, procurarei ser mais paciente; com a minha mãe, terei de ser 10


Todos os dias, mesmo estes dias Nuno Miguel Guedes

Permitam-me as primeiras linhas mais próximas dos que amo: a minha filha mais nova irá ser baptizada durante a vigília Pascal deste ano. Preferiu fazer o seu Caminho passo a passo e chegar ao Baptismo já adolescente.

Confesso que muitas vezes senti o que acima descrevo. Nas perdas pessoais ou na presença de catástrofes directamente dependentes da natureza humana, duvido e levanto os punhos. Por um minuto quase que desejo esconder-me de Deus.

Era sobre isto que tencionava escrever: esta promessa de nova vida, esta imersão em nós próprios para dessas águas sairmos um outro que, sendo o mesmo, nunca mais será igual. Queria falar de festa, da imensa alegria da Ressurreição.

Mas a nossa Fé admite as dúvidas. Admite as hesitações e, tantas vezes, celebra-as. É a Fé feita de certezas a que devemos temer. Aquela que não reconhece a nossa própria imperfeição. É esse um dos mistérios da Cruz Gloriosa: ajudar a superar-nos com tudo o que nos dói, tudo o que nos faz sofrer. Morrer com os Outros por uma promessa maior, tal como fez Jesus. Nem sempre isso é fácil. Minto: nunca é fácil. Apenas é preciso aceitá-lo e continuar a caminhar, mesmo pelos mais pedregosos caminhos, mesmo com as mais tenebrosas companhias, que são todos aqueles iguais a nós.

Mas são os dias que agora me impõem as palavras. Pior: é a morte. É a Cruz que, com a promessa de vida nova, completa a Páscoa. Escrevo um dia depois do atentado terrorista em Londres. Cinco mortes, dezenas de feridos. O medo instalado nos corações, disfarçado como se pode. O medo. Nestas alturas, vacilamos. Mesmo fortes, mesmo resilientes, mesmo convictos assalta-nos a dúvida. Não porque acreditemos que é um Deus cruel que está por detrás de semelhantes atrocidades – mesmo Job, no seu céptico tormento, sabia que era do homem que emanava o Mal - , mas porque as forças nos falham perante o absurdo da barbárie. A grande dor gera perplexidade, impotência. Coloca tudo em causa. No limite, provoca raiva e desejo de vingança. Podemo-nos esquecer que acreditamos num Deus de Amor perante tanto sofrimento. Que o consolo da Fé parece pouco e inoportuno perante o esmagamento da realidade.

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Flannery O’Connor, uma grande escritora norte-americana, tinha esta citação de São Paulo como a sua preferida: «Tornámo-nos, até ao presente, como o lixo do mundo e a escória do universo.» (1 Cor; 4, 12). É uma constatação do pouco que somos e fazemos, válida até agora. Mas ao mesmo tempo um sinal de esperança e perseverança. É preciso que a Páscoa aconteça em nós mais vezes. Todos os dias, mesmo estes dias. Para que finalmente toda a perplexidade se dissipe em algo mais belo e divino: ser o melhor que pudermos ser, mais próximo da Sua imagem e semelhança.¶


A Quaresma e a palavra Inácio Carvalho Dias A crise tremenda, visível no dia a dia, pelo mundo inteiro, confronta os povos com problemas de longo alcance e de difícil compreensão. Consideramos que a falta de bem estar económico e social (a chamada zona de conforto), fundamentalmente agravada pela ausência da componente espiritual (cada vez mais arredada do nosso dia a dia), tem sido a causa de um progressivo declínio da civilização ocidental (a nossa), definindo um novo quadro, para pior, de relações humanas. As palavras enchem a vida dos homens, muitas proferidas descuidadamente, deixando frequentemente justificadas dúvidas sobre a sua precisão e propósitos. A linguagem escrita, ou falada, será sempre uma ferramenta preciosa, se minorar equívocos e for devidamente contextualizada. Sendo (as palavras) meios de representação, nada impede o seu uso em qualquer sentido a que o escriba ou falante se proponha. É uma questão de sensatez, ou, o seu contrário. Somos, infelizmente, confrontados, não poucas vezes, com afirmações de figuras públicas, ou outras da nossa relação, que após recepção negativa do ouvinte/leitor, vêm justificar que as palavras estavam noutro contexto! Nestes casos as confusões permanecem, ficam em banho-maria, circulando por meandros obscuros, emergindo convenientemente, causando sofrimento e prejuízo, exercendo o primado do medo e conduzindo, por vezes, e não poucas, a actos de violência. Pelas incompatibilidades cada vez mais agudas, embora camufladas nos diversos campos da actividade humana, apela-se, neste tempo tão importante da Quaresma, no ciclo da Páscoa, a uma séria reflexão, que nos leva a propor, rever e citar Pascal nos seus Pensamentos: “A verdade está hoje tão obscurecida e a mentira tão firme que, se não se ama seriamente a verdade, não se pode reconhecê-la”. No princípio era o Verbo. Páscoa Feliz ao leitor e aos escribas.¶ 12



Conjugar o Verbo: A alegria de dar Raquel Dias

“E o Verbo fez-se homem e veio habitar entre nós” (Jo 1, 14).

Deus (cf. Jo 9, 3).

Deus vem ao nosso encontro, como Jesus foi ao A palavra criadora de Deus não é uma encontro do cego, para iluminar as nossas trevas, novidade neotestamentária. No relato da criação, para curar as nossas feridas, para nos recriar com “Deus disse: «Faça-se a luz.» E a luz foi feita” (Gn as suas palavras e gestos, insuflando nas nossas 1, 3). A cada ‘faça-se’ o mundo foi sendo criado e narinas o sopro da vida (cf. Gn 2,5), tal como fez contemplando a sua criação “Deus viu que esta com aquele que é o protótipo da humanidade, era boa” (cf. Gn 1, 10). A gratuidade da criação Adão, ou, cuspindo no chão, fazendo lama com a revela que este primeiro dom de Deus foi fruto da saliva para ungir os olhos do cego. (cf. Jo 9, 6). O sua vontade e amor. A novidade em Jesus é que o verdadeiro sinal destes encontros é a gratuidade próprio Verbo encarnou, assumiu a nossa condição com que Deus se dá continuamente e a gratuidade humana e é com Ele que, enquanto cristãos, da nossa resposta, manifestada na nossa vontade aprendemos a conjugar a nossa existência. de acolher esse dom, deixando que ele nos transforme em dom para todos os que connosco No Domingo IV da Quaresma, ouvimos se relacionam. Como seres humanos somos como Jesus curou um cego de nascença. Como chamados à relação com Deus e com os outros e em muitos outros relatos evangélicos, podemos nosso agir deve refletir a ação de Cristo em nós. ver como as palavras e gestos de Jesus são Aquilo que recebemos de graça, devemos dar de indissociáveis. Contrariamente a qualquer ato graça (cf. Mt 10, 8), lembra-nos Jesus. de magia, os seus milagres ou sinais brotam de um encontro pessoal, de uma relação que, na Na sua mensagem quaresmal, o Papa esmagadora maioria das vezes, é iniciada por Francisco lembrou-nos que “cada vida que se cruza Jesus e que interpela, comove e converte o olhar connosco é um dom e merece aceitação, respeito e os corações. Os milagres de Jesus têm sempre e amor”. Durante a sua vida, Jesus mostrou-nos esta dimensão relacional, requerem a fé daqueles como a doçura de uma palavra, a carícia de um que se relacionam com Ele e geram discipulado, toque, a ternura de um olhar e a alegria de um como vemos na atitude do homem, por Ele curado sorriso são capazes de transformar a vida de da sua cegueira: “prostrou-se diante de Jesus uma pessoa. Jesus a todos acolheu: os leprosos, e exclamou: «Eu creio, Senhor»” (Jo 9, 38). Os os cobradores de impostos, os samaritanos, os milagres de Jesus são palavras transformadas pecadores, pessoas a quem a sociedade da época em gestos, sinais do Reino a acontecer. É neste em que viveu tinha privado de dignidade. Nesse sentido que Jesus explica aos seus discípulos que acolhimento, Jesus humanizou cada uma dessas a cegueira daquele homem não é fruto do seu pessoas, curando as feridas cravadas pela falta de pecado ou do pecado de seus pais, mas sim a compreensão e de compaixão de uma sociedade possibilidade de nele se manifestarem as obras de desumanizada que se esquecera de amar. 14


Passados mais de dois mil anos, terá a sociedade mudado assim tanto? Não somos, tantas vezes e em tantos momentos, semelhantes aos fariseus de outrora? Temos sido capazes de ver no outro um dom, como nos exorta o Papa? Temos sido “ilhas de misericórdia num mar de indiferença”, como nos pediu o Papa Francisco há dois anos, ou temos sido gotas desse mar que submerge e inunda de solidão? Fixando novamente o olhar para Aquele que conjuga a nossa existência, perguntemo-nos: «terá havido maior dom do outro do que a vida que Jesus entregou, livremente, por cada um de nós na sua escandalosa cruz?» E nós? O que estamos dispostos a dar?

“Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo” (Jo 9, 5), diz-nos Jesus neste relato joanino, mas, também nós, enquanto cristãos, somos interpelados a sê-lo, no quotidiano das nossas vidas. Neste tempo pascal, sintamo-nos impelidos a dar-nos, sem medo, fingimento ou constrangimento. Não esqueçamos que fomos criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26) e que, como tal, devemos procurar dar-nos aos outros com a mesma gratuidade com que Deus se dá a cada um de nós. Quantas vezes já nos detivemos de ir ao encontro de alguém por receio de sermos rejeitados, maltratados ou simplesmente ignorados? Alguma vez parámos para pensar quantas vezes e quantas pessoas negam, duvidam, recusam e rejeitam Deus, diariamente? Se nem assim Deus deixa de se dar, então porque havemos nós de o fazer? Redescubramos que “há mais alegria em dar do que em receber” (cf. Act 20, 35) e que o seu sabor é mais doce, quando aprendemos a conjugar o Verbo, rico em amor e misericórdia, embrulhado na gratuidade própria de um dom.¶

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A beleza da fé [de Deus por nós] no quotidiano Paulo Duarte, sj

Viver a fé exige poesia. Parece-me que ser homem ou mulher de fé implica entranhar na beleza de pequenos nadas, do quotidiano, em conjunto com a brutalidade dos acontecimentos locais e universais. A bomba que cai em sítios longínquos estilhaça em ecos nas nossas vidas, tanto pela ignorância, como pela dor provocada nos gritos ensurdecidos das crianças… de cá e de lá. E o sol insiste em nascer, tal como a chuva em cair, sobre cada ser humano, sem qualquer excepção. Quem vive em fé deixa-se entranhar por esse sentir da Vida que não se cansa de nos anunciar Paz, a começar em cada coração. É uma aventura tremenda, a de nos pormos diante de Deus, silenciando e escutando o pulsar que nos ajuda a encontrar a cura das feridas da memória e, assim, empurrar à Vida maior. É preciso dar-se tempo, voltando à peregrinação de terra batida, onde os passos são dados à medida da necessidade dessa escuta. Em paragens de se dar conta do aqui e do agora, sem angústias de passado, nem ânsias de futuro. 16


Que posso fazer? Que posso, realmente, fazer? A fé ganha corpo, nesse gesto por quem tantas vezes se desdenha, julga mal, esquece… e cá, no quarto ao lado, na porta da frente, no prédio da rua de trás. E o bem concreto que promovo, aqui perto, nesse amor ao próximo nada abstracto, espalha-se até longe. O coração de carne, pela fé em Deus feito Humanidade, ama pessoas, ajudando-as a ser mais humanas.

como a imposição divina ao nosso caminho, mas não… é a vontade, o desejo, de Deus em entrar na nossa história, seja ela qual for, com mais alegrias ou tristezas, vergonhas ou pecados, sucessos ou fracassos, ao jeito, como escrevi acima, do sol que nasce para todos, tal como a chuva que cai igualmente para todos. Deus entrou na História da humanidade fazendo-se carne. Estes tempos pascais ajudam-nos a perceber como a ressurreição será deixarmo-nos Recordo uma citação, lida em habitar pela sua grandeza, que tempos da realização da tese de nos impele à liberdade. Mas mestrado, que ajuda a perceber nada disto é imposto, é sempre como a fé em Deus encarnado, proposto. que morreu e ressuscitou, (nos ajuda a perceber a) marca da Sabendo que corre o risco sua presença na nossa vida, da negação ou da deturpação nesses gestos que levam a que da sua mensagem e realidade, a fé ganhe corpo. “Ao encarnar, ainda assim, Deus não se cansa o Verbo de Deus assume o peso de nos buscar. E é paciente, da carne, como se falássemos respeitando o tempo e espaço do peso da história, do peso de de cada um. Já se vê que Deus uma verdade sensível. ‘É pelo sai de si, pensando no outro. Daí corpo que nos tornamos história’ que quem acredita num deus (Paul Auster), é pelo corpo que que pede para matar (em actos o Verbo de Deus sai até nós. ou em palavras) em nome dele, Deus é sempre saída de si, pronão conhece, nem vive, o Deus nobis [por nós], exodos [saída], da vida. Por isso, quem possa deixando, se é que se pode dizer, criticar rapidamente a religião ou o seu próprio caminho (ex-odos) quem queira impor determinadas para fazer o nosso.” [Adolphe visões religiosas, é de dizer que Gesché, no ensaio “L’invention o verdadeiro e profundo sentido chrétienne du corps”, na obra religioso nada tem que ver com alargada Le corps chemin de a morte ou com a condenação Dieu.] de quem tem uma crença diferente, mas com o desejo da Pode-se pensar na possível vida do outro, com que o outro interpretação desta passagem faça caminho de liberdade e de 17

vida, para além do que eu possa pensar ou sentir. E isso vive-se, sobretudo, no quotidiano, na riqueza e beleza dos gestos em corpo que somos.¶


Conversão pastoral e comunicacional Moisés Sbardelotto

“A evangelização nem sempre é sinônimo de ‘pegar peixes’. É ir, fazer-se ao largo, dar testemunho... E, depois, o Senhor é quem ‘pega os peixes’. Quando, como e onde, nós não sabemos. E isso é muito importante. Nós somos instrumentos, instrumentos inúteis.”

evolução de uma sociedade que é cada vez mais plural, multiétnica, multirreligiosa e multicultural”. E essa não é a realidade apenas de Milão. Diversas cidades – seja no Brasil, seja em Portugal – estão perpassadas por esses grandes desafios, que colocam em xeque os métodos e linguagens eclesiais.

Essa foi a resposta do Papa Francisco a um sacerdote de Milão, na sua recente visita à metrópole italiana, no fim do mês de março passado. E é também um bom “pontapé inicial” para uma reflexão sobre Pastoral da Comunicação. Porque a comunicação, do ponto de vista pastoral, está intimamente ligada à evangelização. E, por isso, não se trata meramente de “pegar peixes”, seja no sentido de prestar “assessoria de comunicação” para dioceses, paróquias e comunidades; de dominar “técnicas de comunicação” para cantores, músicos e leitores; ou ainda de estipular “estratégias de comunicação” para “pegar mais peixes”.

Por isso, na Evangelii gaudium, o Papa Francisco fala em “pastoral em conversão”. Ele pede uma “conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma ‘simples administração’” (EG 25). Em perspectiva comunicacional, os tempos também demandam essa renovação. Francisco é ainda mais incisivo: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal adequado mais à evangelização do mundo atual do que à autopreservação” da Igreja (EG 27). A pastoral, assim, “em todas as suas instâncias”, é chamada a ser “mais comunicativa e aberta”, e os agentes pastorais são desafiados a estar em “atitude constante de ‘saída’” (EG 27).

Se falamos de “pastoral”, falamos de outra coisa, de algo mais. Isso envolve um quê de mistério: “Quando, como e onde, nós não sabemos”... Nós, comunicadores e comunicadoras cristãos, somos apenas “instrumentos inúteis” em uma ação que é do Senhor.

Comunicar, em perspectiva pastoral e em tempos de Francisco, é uma ação que vai muito além de qualquer ciência, técnica, estratégia, linguagem, prática já conhecidas e dominadas.

É interessante que o sacerdote que fez a pergunta ao papa falava justamente dos “desafios da secularização e a irrelevância da fé dentro da 18


Envolve abertura ao novo, saída para o desconhecido. “A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cômodo critério pastoral: ‘Sempre se fez assim’. Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades” (EG 33). Por isso, nestas páginas, queremos ajudar nesse caminho de reflexão sobre os sentidos e os processos que constituem aquilo que chamamos de “Pastoral da Comunicação” hoje. Façamo-nos ao largo e... boa leitura!¶


Série #microcrónicas José Paulo Santos

"É preciso mudar", dizem por aí. E questionome sobre o que desejam as pessoas mudar exatamente. Quando falam de mudança, referemse ao mundo, em geral, aos outros. O mundo e as pessoas têm de mudar, dizem. Ora, parece-nos que, se falassem delas próprias, diriam: "eu vou mudar". Diante desta afirmação bem pessoal e centrada em si próprio, conseguimos, então, compreender que o mundo poderá mudar, iniciando em nós mesmos.

para a nova etapa da vida, de mudança, com um novo olhar e outra atitude. E uma dessas ferramentas é o desprendimento. A força capaz de se desapegar de pessoas, de bens materiais e de rotinas. A outra é a solidão. Ser capaz de estar sozinho. Esta preciosa ferramenta ajuda-nos a manter a serenidade, a tranquilidade, nos momentos mais difíceis. A responsabilidade da mudança é exclusivamente nossa! Devemos assumir integralmente a nossa caminhada, a nossa escolha!

Porém, o que desejamos realmente mudar? De casa? De emprego? De país? De relação? De rotinas? Hábitos? Ou de criar uma revolução interior?

A aventura da liberdade em direção a si próprio e aos outros, neste processo de construção de um novo mundo, deve ser feito com segurança e imensa empatia por nós e por aqueles que nos rodeiam.

Seja qual for a mudança que desejemos realizar, tal exige coragem, capacidade de enfrentar os medos e de nos afirmarmos na certeza Saber comunicar exatamente as nossas e na convicção de que estaremos a construir um necessidades é uma virtude. Clarificar em nós os mundo melhor para nós e para os outros. nossos sentimentos e necessidades é já o início da Mas estejamos conscientes de que qualquer caminhada. mudança exige preparação física e mental, tal Somos do tamanho do mundo. E o mundo é a como quem deseja empreender uma escalada à montanha mais alta. Raramente uma mudança se nossa dimensão! Mudando o nosso mundo interior, mudaremos o mundo que nos rodeia, como um faz sem dor, sofrimento, fadiga, compromisso ou bater de asas de borboleta...¶ perdas. Esta determinação deve contemplar esse mesmo conhecimento. Prevenir é o melhor remédio. Além disso, devemos munir-nos de ferramentas adequadas: para quem só possui um martelo, tudo poderá assemelhar-se a um prego, parafraseando Maslow. Se sempre agimos da mesma forma ao longo da vida, sem termos acumulado novas experiências e vivências, dificilmente olharemos 20


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Cristo também na empresa Sónia Neves Oliveira O iMissio tem dedicado todo o seu percurso a desafiar o modo de pensar a fé. Abordando perspetivas de reflexão variadas em contextos muitas vezes inesperados, este projeto proporciona momentos invulgares de meditação, aprendizagem e questionamento da fé em cada um de nós. E ainda bem...

fraqueza e debilidade. Discordarmos da opinião do grupo ou termos uma atitude de permanente questionamento da realidade pode ser incómodo e até doloroso. No entanto, descobrirmos aquilo que nos faz sentir autênticos é um desafio formidável! Passa pelo autoconhecimento, por exames de consciência permanentes, por tempos de amadurecimento que as empresas nem sempre podem/querem dar e que nós não estamos habituados a fazer. Diria, ainda assim, que a viagem ao interior de nós mesmos é das mais radicais que podemos fazer na vida.

Na senda daquela que é a aspiração do iMissio, esta rubrica dedicar-se-á ao tema "Cristo na empresa". Em países maioritariamente católicos, porque será que falar dos valores cristãos em ambiente empresarial está tão fora de moda? Será porque os valores cristãos estão desfasados dos interesses empresariais? Será que os cristãos não acreditam que os ensinamentos de Cristo são úteis ao desempenho e resultados da empresa onde trabalham?

Este tema trouxe-me à memória um texto que li há muitos anos e que sempre me impressionou pela forma como aborda a tendência do ser humano em moldar-se ao que os outros entendem por comportamentos "normais" ao ponto de se esquecer daquilo que o distingue e que pode ser fonte de uma realização pessoal única mas também incompreendida. O texto foi escrito na passagem do século XIX para o século XX pelo poeta Khalil Gibran, na sua obra "O Louco" e começa assim:

Sabemos que qualquer cristão é chamado a sê-lo em todo o tempo e lugar, incluindo nos ambientes mais inóspitos, junto daqueles que não o conhecem. Cristãos comprometidos não podem viver a sua fé apenas ao Domingo. Se muitos de nós não o fazemos, é certamente porque essa coerência tem um custo.

'Perguntam-me como fiquei louco? / Foi assim: Há muito tempo, muitíssimo, / muito antes de terem nascido os deuses, / despertei de uma profunda letargia / e reparei que todas as minhas máscaras / tinham sido roubadas. Sim, as sete máscaras / que para mim tinha fabricado e utilizado / nas minhas sete vidas.

Nas empresas não é habitual ouvirmos falar de amor ao próximo. Parece que a gestão se orienta mais por táticas de guerra e lutas entre rivais. Sair desta lógica agressiva pode ser interpretado como

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Corri sem máscara / pelas ruas cheias de gente / gritando: / - Ladrões! Malditos ladrões! Homens e mulheres riram-se de mim, / e muitos fecharam-se em casa, / cheios de medo. Quando cheguei à praça do mercado, / um rapaz que estava de pé́ / no telhado da casa, / gritou apontando-me com o dedo: / - é um louco! Ergui os olhos para o ver, / e foi então que o sol banhou / pela primeira vez / o meu rosto despido. Pela primeira vez / o sol banhou o meu rosto despido / e a minha alma / encheu-se de amor ao sol, / e desde então / nunca mais quis usar máscara. Depois gritei / como se estivesse em transe: / Benditos! Benditos ladrões / que me roubaram as máscaras! Foi assim que me tornei louco. Encontrei muita liberdade / e segurança / na minha loucura; / a liberdade da solidão / e a segurança de nunca ser compreendido / porque aqueles que nos compreendem / fazem de nós escravos.'

podemos ter um momento de verdade fulcral na nossa vida: chegar a ver "o sol", ou seja, aquela missão cheia de significado que dá sentido aos nossos trabalhos e que nos compromete acima de qualquer relação superficial e efémera. E acredito que nesses momentos de verdade podemos refletir "o sol" no seio da equipa onde trabalhamos e que muitos se sentirão tentados a experimentar sensações idênticas. Importa aferir se esse sentido serve a missão da empresa. Há sempre a hipótese da missão da empresa poder melhorar com base na inspiração dos seus colaboradores ou então, existe sempre a hipótese de procurarmos outras empresas onde nos sintamos verdadeiramente úteis.

Nem sempre conseguimos soltar amarras e questionar o que está pré-definido. Como trabalhadores devemos também promover o espaço e o tempo para a curiosidade, a reflexão individual e conjunta e a troca de opiniões. A diversidade entre os elementos da equipa não No meio empresarial, por necessidades de precisa de se cingir a temas de género, religião, afiliação e de segurança elevadas, trazemos faixa etária ou nacionalidade... Todos nós somos muitas máscaras. Algumas delas começam a ser muito diferentes uns dos outros e a cultura do já a nossa pele e, se nunca ocorrer nada no nosso autoconhecimento e da troca de perspetivas é percurso que nos possibilite fazer a experiencia o elemento fundamental para que as equipas de agir autenticamente de acordo com as nossas se mantenham diversas ainda que trabalhando convicções profundas, incluindo a nossa fé, não em conjunto durante longos períodos. Acredito chegamos a sentir a felicidade e a alegria de existirem muitas vantagens em promover a sermos 'nós mesmos'. Muitos líderes, tantas vezes autenticidade de cada colaborador, pois só assim em níveis de maturidade profissional reduzida, se pode potenciar o que de melhor existe em cada podem ser o rapaz do poema que chama loucos um e atribuir funções de acordo com os anseios aos colaboradores que ousam expressar-se de próprios que levam a performances individuais e forma verdadeira. Também nós somos muitas vezes coletivas de excelência. esse rapaz ou os homens e mulheres que se riem E haverá maior anseio para um cristão do que do “louco”. Mas se tivemos a coragem de olhar ser Cristo? Cristo também na empresa!¶ para cima, ignorando por momentos a multidão que nos critica ou o chefe que nos chama loucos,

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O oídio da burguesia João Galamba de Almeida, snob, burguês & proletário

Competem com as ervas daninhas em velocidade de crescimento, multiplicando-se como ratazanas. Aqui e ali, numa(s) certa(s) Lisboa(s), a cada temporada, surgem mais uns distintos exemplares desta enfermidade social.

social.

Quando esta doença progride - estou em crer que se trata de uma doença crónica… -, outras manifestações peculiares vão invadindo esta pobre gente. A cereja encimando o bolo reside no A esmagadora maioria que forma esta tratamento, dentro do próprio casal, por ‘você’, em praga - o oídio da burguesia - provém de meios tom de tédio, sempre com os olhos a revirarem-se: provincianos, periféricos, não raras vezes modestos. ‘Ouça lá, você já p’cedeu qu’a criada não engoma Evidentemente, estas origens são dissimuladas as camisas? E o terço, ‘tá onde? Ond’é que você o pelos próprios visados, esbatendo-se com o passar deixou?!’ do tempo. Adoram criados, que destratam a cada Assimilam os códigos da upper class a um instante. Pagar-lhes a horas é que não pode ser, ritmo espantoso: de uma temporada para a outra, pra não ganharem maus hábitos. Já no tocante aderem ao unibeijo; a voz - num ápice - torna-se aos que consideram - os supostos legítimos nasalada; erradicam os termos interditos, como representantes da upper class -, desfazem-se em vermelho, sanita, mala, piroso, que substituem, vénias, num exercício de submissão e bajulação respectivamente, pelos chic encarnado, retrete, degradante. carteira, pindérico. Viram católicos de rompante, Combatem o tédio com um recurso compulsivo frequentando com fervor e devoção as missas do à novidade. Como odeiam pensar e ler - e a única Rato e Campo Grande, que não são celebrações música que consomem provém dos concertos quaisquer, claro está… estivais, onde se acotovelam ‘pa conviver i mai Quando procriam (ui, se procriam…), não sei kê’ -, varrem tudo o que é lojas ‘do bairro’: aproveitam para instituir outras normas padarias do bairro, croqueterias do bairro, importantes, de entre as quais se destaca o cevicherias do bairro, pastelarias do bairro, leitarias famigerado tratamento, em meio altamente do bairro, iogurtarias do bairro. Lambuzam-se restrito, por ‘você’. Os filhos (os piquenos) são com sushi de fusão e derivados. Gin, só em balão, obrigados a dirigir-se aos pais por ‘o pai’, ‘a mãe’, carregadinho com umas porcarias à superfície, sendo que os progenitores tratam a descendência, afins com especiarias; e como desprezam o em tom blasé, por ‘você’. Dá dó… Aqui chegados, ‘Gordons’, que ‘o povo adora, pff!’. O pináculo abeiramo-nos do paroxismo… Esmeram-se neste da felicidade urbana é sempre alcançado nos ponto, tão essencial a manutenção da ascensão convívios nos mercadinhos… Quem lhes tira o 24


Mercado de Camp’d’Ourique, da RibAira ou algo do género, tira-lhes a menina dos olhos. Férias é com eles! Entre a Comporta e a Praia Verde, no Verão, e a neve, em Fevereiro, é vê-los, numa azáfama, sempre longe da ralé, que nasceu para lhes prestar serventia e pouco mais. A segunda geração dá-lhes certo conforto. Investem a descendência como bibelots: lacinhos e tecidos axadrezados é mato… As pobres crianças mal podem respirar… Optam por nomes altamente selectos, onde pontuam Salvador, Lourenço, T’más, Caetana, Diniz, Maria Luísa, Benedita e por aí fora. Os mais excêntricos não dispensam agregar um segundo nome próprio, no caso dos rapazes, invariavelmente, Maria: João Maria, Francisco Maria, Diogo Maria, Diniz Maria. Por sua vez, esta infeliz descendência aprimora a esmerada educação recebida, alcançando proezas de assinalável nível! Na melhor das hipóteses, frequentam colégios católicos - de preferência, da Obra -, exibindo as fardas com um orgulho deslumbrado. Falam com uma entoação característica, destacando as vogais, enquanto as consoantes se esbatem. As sílabas são todas aspiradas, até à exaustão: ‘thipo, onthem, fhui c’mher faishão trufhado com imhênha salhada vherde, thipo adhorei’ Este fenómeno, ao longo do tempo, vem assumindo proporções e designações muito variadas. Por regra, torna-se mais evidente nos períodos de florescimento económico. A derradeira fornada desta gente viu a luz graças ao Cavaquismo, crescendo e limando arestas. De novos-ricos, passaram a wannabe’s, pretensiosos, tios e tias… Enfim, minam bairros Lisboetas - Princípe Real, S. Bento, Lapa -, de Cascais e por aí fora, fazendo-nos muito mal… Em tempo quaresmal, toleremos esta provação social, em nome de outros valores que vingarão!¶ 25


Parentalidade Consciente Bento oliveira Há coisas que primeiro se estranham, mas rapidamente se entranham até ao inconsciente. Rapidamente também não. Com intenção e observação vão-se entranhando. É o que tem estado a acontecer comigo relativamente à parentalidade consciente.

desafiante, supõe pequenos passos, pequenas alterações nas nossas rotinas, nos nossos hábitos, nas velhas fórmulas de sempre filhos és, pai serás. A mudança está em deixar de fazer coisas aos nossos filhos para fazermos coisas com os nossos filhos. Como muito se ouve, as pessoas valem mais pelo que são do que pelo que têm. É verdade, para mim. Na relação com os nossos filhos amamo-los pelo que são e não pelo que fazem. Chamamos a isso muitas vezes amor incondicional de pais.

Pelo parágrafo anterior, pode-se antever que estas crónicas não serão receitas: isso pouco importa na parentalidade consciente. Estas crónicas terão como objetivo partilhar informação, conhecimento e experiências como pai: pai babado de 4 magníficas meninas! Sem esquecer a magnífica mãe!

Com a parentalidade consciente queremos criar relações fortes que permitam um saudável desenvolvimento das partes envolvidas. Escutar a criança faz com que os pais se escutem. A escuta em família é de extrema importância.¶

O fundamental é observar. Observar como o fazemos quando somos pais pela primeira vez; como o fazemos quando iniciámos um novo emprego; como o fazemos quando vamos visitar uma cidade, aldeia, ou família. Observar, investigar/analisar e agir de forma congruente e empática.

'Não peçam aos vossos filhos para lutarem por vidas extraordinárias. Essa luta pode parecer admirável Mas é o caminho para a tolice. Ensinem-os a procurar o maravilhoso e o extraordinário na vida quotidiana. Mostrem-lhes o prazer de provar tomate, maçãs e pêras. Ensinem-os a chorar quando animais e pessoas morrem. Revelem-lhes o infinito prazer de simplesmente dar as mãos. E permitam que o ordinário ganhe vida nas mãos deles. O extraordinário encontrará o seu próprio caminho.'

Na parentalidade consciente o porquê é a alavanca para observar os comportamentos. Muitas vezes focamo-nos no como, na receita. O porquê possibilita-nos saber realmente a causa. Sabendo que todo o comportamento significa uma necessidade por satisfazer, descobrindo qual é necessidade que a criança está a manifestar, teremos a alteração do comportamento. Por necessidade entenda-se ligação, atenção, carinho, afeto, relação, conexão, etc. As necessidades devem ser sempre satisfeitas, os desejos poderão ou não ser satisfeitos.

William Martin

Ser um pai ou mãe mais conscientes é 26


Notas soltas… Paulo Vasconcelos de Carvalho Falar de educação é quase um lugar comum. Cada um tem a sua opinião e considera-a muito válida, talvez porque todos nos consideramos naturalmente peritos em educação, nem que seja pela nobre missão que recai sobre todos os pais de educar os seus filhos sem que tenha de existir qualquer certificação das suas competências. Infelizmente, cada vez se torna mais claro que essa missão nem sempre é bem exercida e as escolas são um reflexo dessa realidade.

em que os professores não se confortem nem abatam no queixume estéril e sem esperança, mas reconheçam o seu poder de transformação, individual e coletivo.

Desafio a optar por um paradigma de uma educação para o otimismo como forma de redução do stress dos professores, ao criar contextos de relação do próprio consigo mesmo, e com os outros, e climas emocionais escolares, mais positivos, desdramatizados e esperançados. A Não se pretende dissertar sobre as teorias finalidade é promover emoções positivas durante o da educação nem tecer lamentações sobre processo de aprendizagem, que tornem agradável a realidade atual, mas dirigir o olhar para a vivência do momento e, posteriormente, a as oportunidades que advêm destas novas memória do mesmo. O sentido de humor surge circunstâncias. Sabemos que ninguém pode dar como um elemento potenciador de emoções o que não possui e quando se fala em educar isso positivas importantíssimo, que deve ser trabalhado passa ainda a fazer mais sentido. A perspetiva e preparado como elemento a constar da com que o professor encara cada aula, não só ao planificação de uma aula. Ao promover emoções nível do conhecimento meramente científico, mas positivas, sabemos que estas geram uma espiral no que respeita a todo um espaço de relação e positiva que marcará o ritmo e o processo da convívio de mundividências e expetativas diferentes própria aprendizagem. de aluno para aluno pode decidir todo um ano de Outro elemento a ter em conta é entender e trabalho. fazer entender aos alunos que a finalidade da Fruto da formação para professores de EMRC, educação não pode ser meramente utilitarista, em fevereiro passado, realço a importância de uma não se educa para o “bom”, porque nos vai ser útil, perspetiva positiva da educação, abordada por mas educa-se para o “belo”, que permite que se Helena Marujo, onde se estimulam os professores a desfrute do momento do próprio ato de aprender. atender ao melhor da sua experiência e a encarar De forma sucinta, usando as palavras de Rui a realidade de forma valorizadora, fora de uma Grácio, educar é uma espiral que visa promover, aceção e modelo de “resolução de problemas”. depois provocar e, finalmente, emancipar. Helena Colocamos como ponto de partida as palavras Marujo ainda acrescenta felicitar, como culminar de Pawelski (2010): “Fazer florescer o melhor é de todo este processo educativo. significativamente diferente de tratar o que não “Flowing”, fluir, quase não dar conta de o funciona. Criar é diferente de resolver.” Este é tempo passar, é o conceito chave a ser trabalhado o desafio para entrarmos noutro paradigma, 27


no desenvolvimento de todo este processo baseado no otimismo, como forma de combater quer a apatia, quer a ansiedade. Durante este processo educativo que vise uma promoção de emoções positivas e da sensação de “flowing”, é essencial ter presente que a frequência é mais importante que a intensidade, independentemente da área disciplinar. A finalidade desta perspetiva otimista e positiva da educação é a própria razão de ser do ato de educar, ou seja, dar sentido, não apenas dar respostas, aliás, pode simplesmente ser dar sentido, em última análise, à falta de respostas imediatas.¶

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Sempre Alerta! Fernando Cassola Marques

Falar de e sobre escutismo é sempre uma tarefa árdua! Não porque seja algo complexo ou demasiado académico e inacessível ao comum dos mortais, mas é difícil porque estamos a falar sobre algo que nos está impregnado na pele, na alma ou melhor no coração. Digo isto porque, como escuteiro que sou há mais de três décadas, todos os escuteiros e escuteiras que me estão a ler percebem bem esta dificuldade que identifico. Os entendidos na matéria dos sentimentos dizem que o melhor mesmo é falar com o coração!

explorador e de lhes dizer o que é que os escuteiros poderão fazer, nessa terceira parte, ele indica como se faz um escuteiro. É precisamente aí que escreve o seguinte: “A divisa escuta é: SEMPRE PRONTO ou ALERTA, que quer dizer que hás-de estar sempre física e mentalmente pronto para cumprires o teu dever”. Depois explica detalhadamente que tipo de preparação é exigida a um jovem escuteiro. Somente a título de curiosidade é engraçado perceber que o termo original “Be Prepared” inicia com as mesmas letras do nome pelo qual é conhecido aquele rapaz que nasceu em Londres, Pois bem, abraçando o desafio que me foi no dia 22 de Fevereiro de 1857, e que mais tarde colocado de “proporcionar o desafio real de pensar iria fundar o maior movimento juvenil, de educação criticamente, num mundo cada vez mais plural, não-formal, à escala mundial. de refletir nas possibilidades atuais do Evangelho, e talvez até de encontrar um Deus escondido nas Acredito que depois de ler a explicação que redes...”, humildemente inicio a rubrica “Sempre acabei de apresentar, lhe surgiu mais uma questão: Alerta!”. - Mas que livro é esse intitulado “Escutismo A primeira pergunta que se impõe e que para rapazes”? naturalmente se pode colocar é: Pois bem, esse livro, que é nada mais nada - Porque é que o lema dos escuteiros é “Sempre menos a obra basilar do Escutismo, é considerado Alerta”? por muitos como “o livro mais vendido no século XX, a seguir à Bíblia, com milhões de exemplares O termo “Sempre Alerta” surge no terceiro vendidos nas 87 línguas em que se encontra bivaque do livro de Baden-Powell, Escutismo para traduzido, sendo, por isso, um verdadeiro «best Rapazes, adaptado da versão original em Inglês seller»”. O que agora está compilado em livro foi «Be Prepared». Esta ideia está presente então no inicialmente editado, em janeiro de 1908, em seis primeiro capítulo onde o fundador do escutismo fascículos quinzenais com ilustrações do próprio aborda a temática relativa à “Arte do Explorador”. autor. Apesar disso, as cerca de 70 páginas de Depois de ter falado sobre as ocupações do cada fascículo, vinham numeradas até 397, o que 29


fazia antever que seria um único volume. Facto esse que veio a acontecer em maio desse mesmo ano. Então o que tem de especial este livro? Eu diria que este manual, que tem contido nele um autêntico projeto educativo, é tremendo porque esteve e está “ao serviço da Vida”. Este livro de aventura, que é aquilo pelo que toda a juventude anseia, mostra de uma forma prática e sem grandes cuidados literários como é que um jovem pode atingir aquilo que deseja. No entanto, e para finalizar, se me pedissem para resumir, numa frase, toda a riqueza que contém o projeto fundado pelo grande chefe mundial, diria aquela que ele nos deixou na sua última mensagem: “Procurai deixar o mundo um pouco melhor do que aquilo que encontrastes e, quando vos chegar a vez de morrer, podeis morrer felizes sentindo que, ao menos, não desperdiçastes o tempo e fizestes todo o possível por praticar o bem”.¶

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SpotyFaz Amar pelos dois

Numa segunda fase, sugere a análise de cada quadra do poema, dividindo-os, ou não, por grupos. Nota: Estas questões servem de fonte de inspiração. Podes usar apenas algumas ou substituí-las por outras que te pareçam mais adequadas. 1ª Quadra Diz que vivi para te amar Viver por amor pode ser um objectivo de vida? Conheces alguém que viva deste modo? Viver para amar ou viver por amor: este propósito de vida faz-te sentido? Antes de ti, só existi O que quererá o autor dizer com esta frase? Podemos conhecer a mesma felicidade estando sozinhos? 2ª Quadra Peço que regresses, que me voltes a querer É possível pedir a alguém que nos ame?

Claudine Pinheiro

Nesta secção proponho, em cada edição, uma música para usares como recurso pastoral. O nome inspira-se no Spotify, umas das mais importantes plataformas de música em streaming. O “faz” remete para uma possibilidade de explorares os temas que vou sugerindo em contexto de grupo. São apenas propostas que poderás usar, selecionar ou adaptar à tua realidade.

Talvez devagarinho possas voltar a aprender Como é que se ensina e aprende a amar? Podemos ficar indiferentes ao amor que têm por nós? 3ª Quadra Se o teu coração não quiser…. O autor usa o verbo querer… O amor é uma vontade? Sofrer … Será que o amor traz apenas felicidade? És feliz se amares sem seres amado? Devemos privar-nos de amar porque corremos o risco de sofrer?

Para começar, trago o tema “Amar pelos dois”, a música vencedora do Festival da Canção deste ano. Quando apresentares a canção no grupo, é natural que haja comentários a favor e contra este tema. Uns dirão que o tema não se adequa ao Festival, outros farão referência ao facto de ser uma das favoritas nos site de apostas… O teu primeiro desafio será centrálos sobre aquilo de que a música fala. E podes mesmo começar por lançar a pergunta: Mas afinal do que fala esta canção? Distribui a letra, propõe que se escute e, no final, vai lançando as questões: Que sentimentos despertam em ti esta canção? Do que fala? Qual é o estado de espírito de quem a canta/ escreve? Que ideias transmite sobre o amor?

O meu coração pode amar pelos dois É possível viver-se uma relação em que apenas um dos dois ama? Não é justo pedir que nos amem na mesma medida? O que significa amar? O que significa ser-se amado ? (Estas duas últimas questões podem ser comuns às três quadras). Depois de partilhadas as respostas e eventuais inquietações, podes apresentar o amor que aprendemos de Deus como modelo de um amor sem medidas, desinteressado e, sobretudo, incondicional. 31


Sugiro-te os seguintes tópicos para orientares a reflexão:

O amor de Deus é tão grande que nos enviou Jesus Cristo para ser sinal concreto desse amor sem medida (Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. Jo 3, 16)

Deus ama-nos antes de tudo e desde o seio da nossa mãe, ou seja, antes mesmo de existirmos. (1 Jo 4, 19) | Gl 1, 15)

Sabermo-nos amados desperta em nós o desejo de anunciar a Boa Nova do amor de Deus aos irmãos. Quando se sente amada, a pessoa sente-se mais forte e cresce nela a confiança e auto estima.

O amor não é uma teoria. Jesus de Nazaré revela-nos esse amor incondicional de Deus. Percebemos esse amor através dos seus gestos amorosos que traziam a liberdade às pessoas. Na parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), Jesus fala-nos do Deus pai que nos ama mesmo quando preferimos desprezar esse amor. Mesmo assim, o Pai espera pelo filho e no seu regresso oferece-lhe o seu abraço e não uma lição de moral sobre a injustiça das suas atitudes.

Para tornar mais evidentes as consequências desta abertura ao amor de Deus, proponho a seguinte técnica.

Dá um pedaço de papel de cozinha a cada membro do grupo. Um pouco acima do fundo, O conhecimento do amor e da ternura de Deus pede que desenhem, num tamanho médio, um coração, como símbolo do seu próprio coração. é um dom do Espírito Santo. Quando pela sua ação tomamos consciência da ternura de Deus, o Com uma caneta vermelha tipo rollerball (ou nosso coração desperta para a urgência de, por um lado, viver segundo este amor, e por outro, de o marcador), pede que preencham o coração, simbolizando o amor de Deus que nos preenche. testemunharmos. Acima do coração, pede que desenhem 3 ou 4 corações mais pequenos, que pretendem A Primeira carta de S. João diz que Deus é representar as pessoas com quem convivemos. amor. Como fomos criados à imagem de Deus, viver para o amor é a nossa vocação. Coloca num pires (ou no tampo da mesa) um pouco de água (sinal do Espírito Santo). Desafia(Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, os a encostarem o papel à água e a observarem o porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de que acontece. Deus 1 Jo 4,7). Deus não quer que o seu amor viva “fechado”. O amor de Deus é fecundo e dá frutos. E é Sabermo-nos assim amados por Deus tem importante que esse amor chegue a mais corações. consequências na nossa vida. Abrirmo-nos ao amor de Deus significa que pelo Espírito Santo Jesus vive em nós também. (Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. Jo 14, 23)

(Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada...» Jo 14, 23) 32


Termina em clima de oração, com a proclamação da seguinte passagem do Evangelho: (Mt 22, 37-39) Jesus disse-lhe: Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. (cf Dt 6, 4-9) Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Conclusões do encontro: O coração de tudo é amar. “A medida do amor é amar sem medida”, já dizia Stº Agostinho. Deixarmo-nos moldar pelo amor de Deus é sinónimo de felicidade. Amar é um risco, sobretudo nas relações em que nos apaixonamos. Mas, como seres criados à semelhança de Deus, não podemos viver segundo outro mandamento que não seja o amor. Deus ama-nos. Ponto. Sem “mas”, nem “ses”. E descobrirmo-nos como criaturas amadas é o princípio da nossa felicidade. Podemos aprender a amar com(o) Deus através da oração e pela graça do Espírito Santo. Como cristãos vivemos para nos amarmos uns aos outros, como Deus nos amou.¶ Fontes: Se tu soubesses o dom de Deus, Luis Rocha e Melo, Apostolado da Oração (2006) O que são os sentimentos, Oscar Brenifier, DinaLivro (2ª edição 2011) Textos vários do Calmeiro Matias disponíveis no blog Derrotar Montanha

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“A relação com Deus só é possível através do Outro, só no seu rosto o Infinito é revelado. Um ser humano e outro ser humano, eis o cenário para a transcendência” TomአHalík


Jesus Vulnerável

«Amo este Jesus vulnerável que me acolhe como eu sou, com as minhas vulnerabilidades, e desejo que muitas outras pessoas O possam conhecer na sua pobreza e na sua humildade, e aprendam a viver uma relação profunda com Ele».

Rui Pedro Vasconcelos É possível percorrer o mistério da Semana Santa através da chave da vulnerabilidade? A reflexão de Jean Vanier possui um selo de credibilidade graças à sua experiência de vida: de naturalidade canadiana, Vanier fundou 1964 a Arca, uma organização que reúne, em vida comunitária, pessoas com fortes deficiências físicas e psíquicas juntamente com os seus curadores. Hoje a Arca é uma federação de comunidades, presente em 35 países.

o mistério de Jesus vulnerável, que lava os nossos pés, tem por finalidade que nos levantemos, para caminharmos para uma liberdade maior, a transformação dos nossos corações, rumo à sabedoria do amor». E é no coração desta máxima humilhação que emerge uma fecundidade possibilitadora de abrir os túmulos da morte. «Que choque,

Jesus Vulnerável nasceu de um conjunto de meditações propostas pelo autor no contexto de um retiro de Semana Santa. O fio fundamental que percorre estas meditações reside na contemplação do mistério de vulnerabilidade presente na raiz da vida humana. «Nascemos na vulnerabilidade e morremos também na vulnerabilidade. A história de cada um de nós vai da fragilidade à fragilidade». E continua o Autor: «é ao descobrir a nossa que podemos talvez olhar para a vulnerabilidade de Jesus». O próprio mistério de Deus é um mistério de vulnerabilidade na medida em que é um mistério de Amor, isto é, de um dom, de uma graça que se oferece sem se impor, de um perdão que pede uma conversão. A Última Ceia, o Lava-Pés e, em grau extremo, a Cruz, são ícones deste mistério de vulnerabilidade que adquire carne, timbre, rosto e presença em Jesus; estes ícones permitem-nos «penetrar neste mistério da vulnerabilidade de Jesus que a todos nos chama a acolhermos as nossas vulnerabilidades». Assim, refere o Autor, «Todo 35


então, quando Jesus morre! E é na morte de Jesus que a sua maior vulnerabilidade se torna também o lugar da Ressurreição». E também na sua Ressurreição Jesus não deixa de ser o Filho vulnerável, que procura o encontro com os seus discípulos, numa Palavra que se propõe, que pede uma escuta, que oferece uma Paz. «A Ressurreição manifesta-se unicamente por meio de encontros. Não é um acontecimento extraordinário nem um facto grandioso que deita toda a gente por terra. É, antes, um acontecimento humilde que se dá no interior de uma relação, para que as pessoas possam dizer: «Eu encontrei-O e Ele está vivo!».¶

Título: Jesus Vulnerável Autor: Jean Vanier Edição: Apostolado da Oração Páginas: 136

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