cinema out.2018
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14:00 Café com canela (100’)
14:00 Café com canela (100’)
14:00 Benzinho (97’)
16:00 Camocim (76’)
16:00 Camocim (76’)
16:00 Café com canela (100’)
17:30 No intenso agora (127’)
17:30 No intenso agora (127’)
18:00 Camocim (76’)
20:00 Finyé - O vento (105’)
20:00 Cineastas do nosso tempo:
19:30 Dia da Vitória (94’)
Souleymane Cissé + Curtas (75’)
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14:00 Benzinho (97’)
14:00 Benzinho (97’)
14:00 Djon África (96’)
16:00 Camocim (76’)
16:00 Café com canela (100’)
16:00 Camocim (76’)
17:30 Bloqueio (53’)
18:00 Camocim (76’)
18:00 Djon África (96’)
19h
19:30 Minha felicidade (127’)
20:00 Macunaíma (108’)
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14:00 Djon África (96’)
14:00 Djon África (96’)
14:00 Djon África (96’)
16:00 Camocim (76’)
16:00 Djon África (96’)
16:00 O animal cordial (99’)
18:00 Djon África (96’)
19:00 Guerra conjugal (90’)
19:00 Sessão Cinética:
Masterclass com Sergei Loznitsa: Dramaturgia no documentário e nos filmes de ficção (180’)
20:00 O homem do Pau Brasil (112’)
Exibição seguida de debate com Cristina
Cavalo Dinheiro (104’)
Aché, Heloisa Buarque de Hollanda e Ítala
Seguida de debate com os críticos
Nandi
da revista Cinética
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14:00 Djon África (96’)
14:00 Djon África (96’)
14:00 Camocim (76’)
16:00 O animal cordial (99’)
16:00 O animal cordial (99’)
16:00 Djon África (96’)
18:00 Djon África (96’)
18:00 Djon África (96’)
18:00 O animal cordial (99’)
20:00 Os inconfidentes (100’)
20:00 O padre e a moça (90’)
20:00 Cavalo Dinheiro (104’)
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31 Não haverá sessões de cinema
Não haverá sessões de cinema
nesse dia
nesse dia
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14:00 Benzinho (97’)
11:30 Café com canela (100’)
Não haverá sessões de cinema
16:00 Café com canela (100’)
14:00 Benzinho (97’)
nesse dia
18:00 Camocim (76’)
16:00 Cinejornal (83’)
20:00 A estação de trem + Fábrica (55’)
18:00 Artel + O Antigo cemitério judeu (50’) 19:30 Na neblina (127’)
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11:30 Ex-pajé (82’)
11:30 Café com canela (100’)
11:30 Ex-pajé (82’)
14:00 Djon África (96’)
14:00 Djon África (96’)
14:00 Djon África (96’)
16:00 Sessão Infantil: A família Dionti (96’)
16:00 Donbass (110’)
16:00 Uma criatura gentil (143’)
18:00 Curtas 1 - Joaquim Pedro (60’)
18:00 Garrincha, alegria do povo (58’)
18:30 Curtas 2 - Joaquim Pedro (72’)
19:30 Maidan: Protestos na Ucrânia (130’)
19:30 O padre e a moça (90’)
20:00 Os inconfidentes (100’)
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14:00 Djon África (96’)
11:30 Café com canela (100’)
11:30 Ex-pajé (82’)
16:00 O animal cordial (99’)
14:00 Sessão Infantil: A família Dionti (96’)
14:00 Djon África (96’)
18:00 Djon África (96’)
16:00 Macunaíma (108’)
16:30 Curtas 2 - Joaquim Pedro (72’)
20:00 Curtas 1 - Joaquim Pedro (60’)
Exibição seguida de aula com Carlos
18:00 O homem do Pau Brasil (112’)
Augusto Calil
20:00 Garrincha, alegria do povo (58’)
20:00 Guerra conjugal (90’)
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14:00 Camocim (76’)
11:30 Café com canela (100’)
Não haverá sessões de cinema
16:00 Djon África (96’)
14:00 Camocim (76’)
nesse dia
18:00 O animal cordial (99’)
16:00 Djon África (96’)
20:00 Djon África (96’)
18:00 O animal cordial (99’) 20:00 Djon África (96’)
Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em facebook.com/cinemaims e ims.com.br.
capa Guerra conjugal, de Joaquim Pedro de Andrade (Brasil | 1975, 90’, 35 mm) Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa (Portugal | 2014, 103’, cópia digital)
destaques de outubro 2018
Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade (Brasil | 1969, 108’, 35 mm – Cópia restaurada)
Dia da vitória (Den’ Pobedy (Victory Day)), de Sergei Loznitsa (Alemanha | 2018, 94’, DCP)
Quais são os limites entre documentário e ficção? Com hábil maestria, Sergei Loznitsa subverte esta pergunta tão gasta ao embaralhar as fronteiras destes gêneros. A partir do dia 4 de outubro, o cinema do IMS Rio apresentará esta obra densa, que se debruça sobre a história da URSS e da Rússia nos dias atuais. Em companhia de Maria Choustova, produtora de seus filmes, ele ministrará uma masterclass no dia 9 de outubro sobre dramaturgia e seus métodos de trabalho. Com sarcasmo e arguta observação do modus operandi brasileiro, a obra Joaquim Pedro de Andrade poderá ser reencontrada e discutida a partir do dia 11 de outubro em retrospectiva integral, com cópias restauradas em 35mm pelo projeto comandado por seus herdeiros na década passada. A programação inclui um debate em torno das personagens femininas 1
na filmografia do diretor, com a pesquisadora e crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda e as atrizes Ítala Nandi e Cristina Aché; uma aula em torno de Macunaíma com Carlos Augusto Calil, professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA/USP. A sessão Cinética desse mês apresentará Cavalo Dinheiro, último longa de Pedro Costa. O protagonista é novamente Ventura, o pedreiro cabo-verdiano de Juventude em Marcha. Como diz Costa, “O título Cavalo Dinheiro foi sugerido ou proposto pelo Ventura, quase sem querer (...) Foi dito baixinho. Vem da mocidade dele em Chão do Monte, em Cabo Verde. É uma sensação de movimento, de felicidade. E os nossos filmes deviam recuperar essa palavra maldita: dinheiro. É um título que não tem preço.”
A família Dionti, de Alan Minas (Brasil, Inglaterra | 2015, 96’, DCP)
Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa (Portugal | 2014, 103’, cópia digital)
Vestígios e ruptura: o cinema de Sergei Loznitsa por Kleber Mendonça Filho
Neste ano de 2018, o diretor Sergei Loznitsa destacou-se pelo incomum lançamento de três filmes de longa-metragem num período de oito meses, com estreias mundiais nos festivais de Berlim, Cannes e Veneza. Atualmente, creio que apenas o sul-coreano Hong Sang-Soo tem mostrado estâmina comparável e consistência autoral nesse tipo de escala. Os três filmes de Loznitsa este ano – Dia da vitória, Donbass e O processo (The Trial) – revelam uma voracidade pelo registro no seu trabalho, que tem como foco geográfico a Rússia atual e o peso histórico da União Soviética. Também utilizam as ferramentas modernas do cinema como ponto de vista humano e de documentação para filmar fantasmas de uma identidade social congelada num tempo histórico recente. Sua obra – composta por curtas, médias e longas-metragens, realizados em filme e em digital ao longo dos últimos 20 anos – revela também uma mistura particular de observação e de dramatização, dos dois lados da fronteira documentário/ficção. Loznitsa não propõe a discussão doc/ fic, ele apenas embaralha essas divisões com desenvoltura no seu modo de filmar. 2
Os episódios registrados por Loznitsa são evidentes nos seus documentários, mas também mostram-se presentes nas suas encenações reconhecidas como ficção, ou, se preferir, filmes que seguem uma lógica narrativa clássica e que dão a seus personagens o crédito de “atores”. A minha porta de entrada para a obra de Loznitsa aconteceu há cerca de dez anos com Bloqueio, um documentário montado a partir de filmes arquivados na Cinemateca de São Petersburgo (Leningrado), onde ele trabalhou. As imagens, todas realizadas como registro histórico de época durante o cerco a Leningrado pelos nazistas (1941-1945), documentaram os quatro anos que sufocaram a cidade, num clima crescente de fome e terror. Loznitsa sonorizou esse material de arquivo (originalmente mudo) com efeitos impressionistas, uma tapeçaria sonora que lembra uma canção de ninar ruidosa sobre uma normalidade urbana que vai sendo violentada de maneira prosaica. É curioso que exista em Bloqueio o filme de guerra, não tanto de confrontos, mas de resultados do terror. Ao final desse filme
poderoso, a comemoração pela liberação da cidade, os fogos de artifício e um senso de vitória e rostos sorridentes. O filme, no entanto, vai além, mostrando-nos que o pós-conflito não é feliz, e que a herança histórica é composta por horrores. Observando os primeiros filmes de Loznitsa, eles sugeriam uma documentação. Elementos humanos, arquitetônicos, próximos à abstração de tempo e espaço (A fábrica, A estação de trem). Na década passada, seus filmes passam a sugerir uma mudança de registro, na qual ele vira um observador que discorda das versões oficiais. Há algo próximo do trabalho de um historiador e provas processuais baseadas, em grande parte, na atenção que ele dá aos rostos de pessoas nos seus filmes. São os rostos na feira popular de Minha felicidade (2010), nas multidões de Maidan (2014) e em O evento (2015). Neste último, uma imagem incrível, contrabandeada sem alarde para o filme: um jovem Vladimir Putin saindo de um prédio em São Petersburgo como agente da KGB, no ano de 1991, no apagar das luzes da URSS.
As pessoas de uma nação contam a história, se não verbalmente, como provas de vida e de ação, violência e submissão, e a brutalidade torna-se um elemento incontornável nos filmes de narrativa dramatizada com atores por Loznitsa. Do corpo jogado numa betoneira como imagem de abertura em Minha felicidade ao plano final de Uma criatura gentil, a imagem da Rússia de Vladimir Putin não é terna, vista por um cineasta que canaliza uma raiva inegável para registrar e dramatizar pesadelos observados. No seu momento atual, Sergei volta-se para a encenação como arma política. Os registros históricos feitos por ele nos últimos dez anos, ao que me parece, abrem espaço para uma urgência difícil de ignorar. “Enquanto trabalham no financiamento do próximo filme, eu faço um novo documentário”, disse Sergei no último Festival de Cannes. Ucraniano de criação, mas natural da Bielorrússia, Loznitsa mora em Berlim. Ele tem 54 anos. Seus filmes são ambientados na Rússia, mas são filmados na Ucrânia e na Letônia, que dublam perfeitamente a Rússia e a URSS. Ele tem o 3
toque pessoal de borrar não apenas os elementos de paisagem, mas também o tempo de suas ações. Seus três filmes de 2018 configuram uma observação e tanto para o estado de coisas atual, um certo clima que tomou o mundo com a descrença pela verdade, e a incapacidade crescente de a sociedade reagir à verdade. Em Dia da vitória, uma multidão de nostálgicos da URSS reúne-se no parque de Treptower, em Berlim, para viver imagens, signos e ideias do regime comunista. Donbass (em registro ficção) trabalha com dramatizações políticas para a TV e internet (com atores) estimuladas pelo poder. O cenário é o conflito violento no leste da Ucrânia, sob a sombra da intervenção russa, ganhando contornos de surrealismo numa guerra que é real. Incrivelmente, em seu último filme, O processo, Loznitsa volta aos arquivos para observar um julgamento no ano de 1930 – sob o regime de Stálin –, fartamente documentado em 35 mm, no qual os réus ensaiaram suas participações numa simulação de justiça “para um bem maior” e com a conivência da França. São
filmes sobre o passado e o presente, e que deixam fortes dúvidas sobre a vida social e política no futuro. Trazer um recorte especial da obra de Sergei Loznitsa para o Brasil, e tê-lo conosco para masterclasses e diálogos com o público no IMS Paulista e no IMS Rio, nos parece relevante pelo cronista e crítico que ele tem sido de uma região onde muita história foi condensada em tão pouco tempo. Em região especialmente rica em versões distintas da sua história, durante e após a União Soviética. Loznitsa é um observador da história social. A mostra acontece de 4 a 14 de outubro
Joaquim Pedro de Andrade e o cinema de nossa gente por Meire Oliveira
Só sei fazer cinema no Brasil. Só sei falar de Brasil. Só me interessa o Brasil. (Joaquim Pedro de Andrade1)
Pensar o Brasil e sua gente em meio a uma história plena de contradições sempre foi o cerne do cinema de Joaquim Pedro de Andrade. Nunca de maneira panegírica ou reducionista, mas com uma argúcia ferina e incisiva. Tratando de futebol ou de carnaval, duas grandes paixões nacionais, o cineasta foi direto ao ponto: o Brasil muitas vezes não conhece, ou se esquece de tentar compreender, o que é de fato o Brasil. E é nisso que reside a atemporalidade de seus filmes. Filho dos mineiros Graciema e Rodrigo Melo Franco de Andrade, talvez venha daí a explicação de seu interesse pela preservação da memória nacional, já que Minas Gerais pode ser considerada um dos 1. Entrevista de Joaquim Pedro a Sylvia Bahiense no programa Luzes, Câmera, disponível nos extras da caixa de DVDs Joaquim Pedro de Andrade – Obra completa, lançada em 2007. 4
berços da memória do país, seguindo os pensadores que o cineasta estudou, filmou e com os quais conviveu. É preciso ressaltar que Joaquim Pedro cresceu em meio à intelectualidade brasileira dos anos 1930, que foi responsável por mapear a identidade nacional e desmitificar o brasileiro, retratando-o macunaimicamente como um herói às avessas. Seu pai foi o primeiro diretor do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o atual Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A instituição, que começou a funcionar em 1937, idealizada por Mário de Andrade, atendia à preocupação dos modernistas de preservar os monumentos e as obras brasileiras. Curiosamente, o início da carreira de Joaquim Pedro aconteceu quando cursava a graduação de física, a partir de 1950, na Faculdade Nacional de Filosofia. Foi lá que ele desenvolveu sua curiosidade e sua aptidão para o cinema, participando de cineclubes e pequenas experimentações, sob a influência de Plínio Süssekind Rocha, seu professor de mecânica. Em 1953, passou a frequentar o Centro de
Estudos Cinematográficos (CEC), um cineclube criado por Saulo Pereira de Mello e Mário Haroldo Martins. Junto a futuros grandes nomes do cinema novo – Leon Hirszman, Paulo César Saraceni, Miguel Borges e Marcos Farias –, mergulhou definitivamente na linguagem audiovisual, por meio de estudos, de projeções de filmes e da criação de um jornal amador na faculdade. Depois que se formou em física, anunciou ao pai que iria se dedicar ao cinema. Rodrigo Melo Franco não se opôs, mas encaminhou o filho a um estágio no Sphan, em um grupo que participaria da restauração de Os passos da Paixão, de Aleijadinho, em Congonhas do Campo, o monumental ícone do barroco brasileiro. É muito provável que tenha sido por esse trabalho que Joaquim Pedro foi convidado pelos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira para ser assistente de direção no filme Rebelião em Vila Rica (1957), sua primeira incursão profissional. Dois anos depois, realizou seu primeiro trabalho como diretor. Os documentários O mestre de Apipucos e O poeta do Castelo foram encomendados pelo Instituto Nacional do Livro como um filme único,
mas foi posteriormente separado em dois curtas-metragens. O primeiro é sobre o sociólogo Gilberto Freyre, amigo da família do diretor, que o recebeu afetuosamente em seu sítio; o segundo, sobre o poeta Manuel Bandeira, seu padrinho. A partir daí, Joaquim Pedro concluiria diversos trabalhos, entre curtas e longas, documentários e obras de ficção, além de roteiros que não chegaram a ser filmados. O cineasta transitou por múltiplas experimentações, passando pelo cinema direto e pelo cinema verdade, mesclando a literatura ao cinema novo; retomando a herança burlesca da chanchada, flertando com as novidades de seu tempo, com a televisão e com o rádio, com a Jovem Guarda ou a Tropicália e suas reverberações, utilizando tudo como exercício de cinema e compreensão de mundo, como bom antropófago que era. Em 1962, Joaquim Pedro estudou com os irmãos Maysles e conseguiu a doação, junto à Fundação Rockfeller, de um gravador Nagra III e de uma câmera Arriflex 35 mm para o Iphan. Seu pai, então, encaminhou à Unesco um projeto para um curso de cinema documentário, ministrado pelo documentarista sueco Arne 5
Sucksdorff, que se tornaria um divisor de águas na formação dos cinemanovistas. No mesmo ano, Joaquim Pedro integrou o projeto de Cinco vezes favela, idealizado pelo Centro Popular de Cultura (CPC) no 25º aniversário da UNE, reunindo cinco curtas-metragens. O único que já estava finalizado era Couro de gato (1960), dirigido por Joaquim Pedro. A temática era adequada aos objetivos do CPC: o drama de um garoto que captura gatos e os vende para a confecção de tamborins no carnaval, como forma de sobreviver em meio a um “Rio de Janeiro bossa nova”, para poucos. Em 1963, finalizou Cinema novo (Improvisiert und zielbewusst), que acompanha a trajetória do novo cinema brasileiro e de seus colegas realizadores, e Garrincha, alegria do povo, sobre o ídolo do Botafogo e a paixão despertada pelo futebol. Filma no Maracanã e, com o gravador Nagra, registra a euforia dos torcedores no estádio. Contudo, essas captações de som foram inseridas depois às imagens dos jogos, uma adaptação necessária para driblar os imprevistos do cinema direto na época.
Seu primeiro longa-metragem, O padre e a moça, foi lançado em 1965. Aproximou a linguagem do cinema à da poesia, a partir do poema quase homônimo de Carlos Drummond de Andrade, que trata da lenda de uma certa gruta do Padre e dos diversos causos mineiros. Com esse filme, o cineasta parecia afirmar, acima de tudo, que nunca faria uma simples adaptação literária; ao contrário, sempre buscaria uma alternativa questionadora de temas, estéticas e linguagens. Uma marca de seu cinema seria a postura crítica em relação às fontes inspiradoras, como fez em uma encomenda da Olivetti, em 1967, para filmar Brasília, a recém-inaugurada capital do país, em que criou uma crítica sobre a desigualdade deflagrada justamente naquela que se pretendia a cidade símbolo do desenvolvimento de um Brasil moderno. O ano de 1969 seria crucial na obra e na vida pessoal do diretor carioca, devido ao falecimento de seu pai, às consequências do AI-5 e ao seu grande sucesso de bilheteria, e um dos maiores filmes do cinema nacional, Macunaíma. Nessa adaptação da rapsódia marioandradeana de 1928, compôs um filme que leva “biscoito fino
para as massas”, voltando-se ao estilo provocativo de Oswald de Andrade. Com aquele “herói da nossa gente”, Joaquim Pedro não apenas brinca, mas tripudia com as diversas possibilidades de arte, questionando inclusive a Tropicália, o consumo desenfreado de bens – por meio do retrato de um povo desiludido que não consegue mais conceber, naqueles anos de forte repressão militar, seu herói virar constelação: “Tá gostoso, coração, tá?”. Naquele Brasil tão Costa e Silva, sucedido por Médici, o projeto de herói termina na ilusão da traiçoeira Uiara, que o arrasta para seu lago e o devora, na história do “brasileiro comido pelo Brasil”, como o próprio Joaquim Pedro resumiu seu filme-catarse. Tudo isso ao som de “Desfile dos heróis do Brasil” (Heitor Villa-Lobos), coroando o epitáfio irônico que enterraria também a ideia de antropofagia festiva, problematizada pelo modernismo brasileiro, em que o povo, já sem nenhum caráter definido, é só espelho de um país arcaico e moderno, muitas vezes nem bossa nem palhoça, mas as duas a um só tempo. Em 1970, realizou sob encomenda o vídeo institucional Linguagem da 6
persuasão, em que questiona os estratagemas da propaganda, retomando uma leitura mordaz do consumismo naqueles anos de chumbo, envoltos pelo véu do milagre econômico. E foi justamente na comemoração dos 150 anos da Independência do Brasil que filmou Os inconfidentes para a RAI (Radiotelevisione italiana). A intenção, como o próprio título já anuncia, não é falar do evento de 1789, mas analisar os indivíduos que participaram da conspiração. Consegue tratar desses homens e de seus impasses por meio de uma narrativa que estabelece profunda relação com os horrores das torturas na ditadura militar, simbolizados pelo enforcamento e esquartejamento de mais um herói, o alferes Tiradentes. Mesmo quando parecia estar lidando apenas com textos de autos de devassa, de poetas árcades e da modernista Cecília Meireles, fazia coro-denúncia com a poetisa: “Toda vez que um justo grita, Um carrasco o vem calar. Quem não presta, fica vivo, Quem é bom, mandam matar”. Em Guerra conjugal (1975), seguiu nas veredas da literatura, ao trazer a lume a
obra do recluso Vampiro de Curitiba, o escritor Dalton Trevisan. O mergulho na obra do autor que desnuda outro tipo de martírio, o das relações humanas e familiares, sobretudo nos espaços domésticos que emparedam indivíduos detentores das mais diversas taras e obsessões, culminou a seguir no curta-metragem Vereda tropical (1977), inspirado no conto homônimo de Pedro Maia Soares. Logo depois, sempre em busca dos heróis nacionais (malogrados) e do berço familiar mineiro, oferta-nos O Aleijadinho (1978), cujo surgimento na Vila Rica setecentista é pleno de incontáveis lendas, mistérios e sofrimentos, como já havia proposto o primeiro biógrafo do artesão, José Ferreira Bretas, ninguém menos que o tetravô do cineasta. Esses laços mineiros resultam em um verdadeiro nó em seu último longa, O homem do pau-brasil (1981). Naquela bricolagem cinematográfica, eclode toda uma profusão carnavalesca-antropófaga-freudiana, capaz de revelar a figura de Oswald de Andrade bipartida em um homem e uma mulher, interpretados simultaneamente pelos atores Flávio Galvão e Ítala Nandi. Uma
estratégia ousada, que levou às telas todo o clima contestatório dos idos de 1967, quando o Teatro Oficina encenou O rei da vela, para horror dos conservadores. Após a abertura política, Joaquim Pedro realizou o documentário O tempo e a glória (1987) para a TVE, sobre o maior memorialista das letras nacionais, o médico e escritor Pedro Nava. Sintomática e flagrante volta ao passado, em um filme sobre outro mineiro, este contemporâneo de seu pai. Joaquim Pedro de Andrade faleceu em 10 de setembro de 1988, ainda em atividade, e sem terminar seu grande projeto, Casa-grande, senzala & cia., em que voltaria a Gilberto Freyre, seu primeiro biografado, para tentar, mais uma vez, compreender o que é o Brasil. Uma pergunta retomada incessantemente ao longo de sua obra. Assistir, portanto, aos filmes de Joaquim Pedro é um ato político, especialmente se voltarmos à etimologia mais genuína da expressão e à máxima de Macunaíma: “Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são”.
A mostra acontece de 11 a 24 de outubro 7
A restauração da obra de Joaquim Pedro de Andrade por Maria de Andrade
Em 1998, há 20 anos, o desejo de realizar uma homenagem aos dez anos de morte de Joaquim Pedro de Andrade com uma retrospectiva integral revelou a precariedade do estado de conservação dos seus filmes e a urgência da restauração de sua obra. Naquela época, não havia cópias de muitos títulos nem havia a possibilidade de gerar novas cópias devido às más condições das matrizes. Naquele ano, dois títulos passaram pela primeira vez por um processo de restauro fotoquímico, que não era, no entanto, suficiente para recuperar o material de danos maiores, como rasgos, riscos profundos e manchas provocadas por fungos, sinais da decomposição física de alguns rolos de matrizes. Apesar de a película, bem-acondicionada, poder durar mais de 100 anos, é também um material perecível, que, quando armazenado em local úmido e quente, torna-se ambiente ideal para a proliferação de micro-organismos capazes de levar os filmes à “morte”. Por terem chegado ao grau irrecuperável de deterioração, laudos técnicos indicam que alguns rolos de O padre e a moça e todos 8
os de Garrincha, alegria do povo foram descartados; já os negativos de Couro de gato e Brasília, contradições de uma cidade nova eram dados como “desaparecidos”, enquanto diversos outros filmes apresentavam problemas como manchas, rasgos e riscos, porém em estágios menos graves, variáveis caso a caso. Em 2003, cinco anos após as dificuldades de 1998, Alice, Antonio e Maria, filhos de Joaquim Pedro, se reuniram em torno do problema e elaboraram um plano de ação, que foi chamado de Projeto de Restauração da Obra Completa de Joaquim Pedro de Andrade, e que previa a restauração digital em alta definição de todos os títulos. O projeto tinha como principais parceiros a Cinemateca Brasileira de São Paulo e a Teleimage, estúdio que faria todo o processamento digital. O período político-econômico era favorável para projetos culturais, com Lula na presidência, Gilberto Gil no Ministério da Cultura e a Petrobras atuante como principal patrocinadora de cultura no Brasil. No campo político, afirmava-se o interesse no patrimônio cultural nacional, especialmente na área de cinema. A Petrobras
buscava ações de grande envergadura para comemorar seus 50 anos de existência. Foi assim que o nome de Joaquim Pedro de Andrade, um cineasta que tem sua obra completamente dedicada aos assuntos do Brasil, se encaixou como projeto especial e recebeu o patrocínio integral da empresa, inaugurando uma linha de investimentos que viria a apoiar também a restauração da obra de Glauber Rocha e de Leon Hirszman, além de muitas outras ações de peso na área do patrimônio audiovisual, infelizmente descontinuadas desde o início da crise atual. A proposta inicial do projeto previa o restauro dos 14 títulos em um ano de intensa atividade, mas, ao final desse ano de trabalho, concluía-se somente o primeiro título do conjunto, Macunaíma, e tinha-se a dimensão do grau de dificuldade e dos desafios técnicos pela frente. Ao final, o projeto levou quatro vezes mais tempo e demandou o dobro dos recursos. Por ser a primeira vez que se empregava aquela tecnologia de restauro em alta definição no Brasil, diversas complicações custaram a ser solucionadas, em um processo que muitas vezes se resumia a
tentativa e erro. Os recursos “milagrosos” do digital induziam a um processamento excessivo da imagem e do som, implicando a criação de artefatos digitais estranhos à natureza da película. Cercados pelos diretores de fotografa dos filmes e de supervisores técnicos gabaritados, muitas vezes os reparos de trechos mais danificados eram árduas conquistas. Entre filmes de enorme sucesso de público e outros que eram praticamente inéditos, o Projeto de Restauração da Obra Completa de Joaquim Pedro de Andrade recuperou curtas e longas-metragens, documentários e ficções, a ampla organização do acervo do diretor e gerou muito mais do que másteres digitais e um box de DVDs, 14 internegativos e 70 cópias em 35 mm, que hoje podem ser apresentadas no Brasil e que já rodaram os 9
maiores festivais de cinema do mundo. O resgate da cinematografia de Joaquim Pedro é um exemplo da valorização da cultura e do cinema autoral no Brasil, algo que vinha se sedimentando até recentemente, tanto em termos de produção quanto em preservação audiovisual. O Projeto de Restauração da Obra Completa de Joaquim Pedro de Andrade pode ser visto como um microcosmo revelador da própria história da política de preservação audiovisual no Brasil. O quadro de graves problemas anterior ao início do projeto mostra claramente que não havia uma política de preservação no país, que perdia, dia após dia, seus negativos originais em processos inexoráveis de degradação física. A iniciativa e o sucesso de projetos como este foram fundamentais para abrir caminho, unindo
profissionais, encontrando respaldo e alegria na recepção da crítica e do público, e finalmente impulsionando atores do governo e das instituições da área para definirem um plano macro de investimento e política de preservação. Cinema é uma arte da reprodutibilidade, e sua atividade necessita que sejam mantidas as condições ideais para sua reprodução. A política de preservação deveria, portanto, estar prevista como parte inerente da produção audiovisual, e é neste sentido que caminham os estudos mais propositivos na área. Oxalá a política cinematográfica brasileira, que hoje inverna, floresça novamente. Maria de Andrade é editora literária e curadora do Projeto de Restauração da Obra Completa de Joaquim Pedro de Andrade.
A sombra dos abutres Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa (Portugal, 2014) por Filipe Furtado
Poucos filmes foram mais influentes nos últimos 15 anos quanto No quarto de Vanda (2000), de Pedro Costa. Ao lado de A liberdade (La libertad, 2001), de Lisandro Alonso, são filmes que serviram como ponto de partida para boa parte do cinema híbrido com preferência pela autoficção, que passou a dominar cada vez mais certo universo de festivais (inclusive aqui no Brasil). O que por vezes se perde nos imitadores de Costa, porém, é que seu cinema busca nas figuras que encontrou no bairro de Fontainhas tipos fortes sobre os quais esculpir seus filmes. A palavra-chave na autoficção de Costa será sempre ficção. No caso de Cavalo Dinheiro, trata-se de, partindo dos fantasmas que assombram Ventura, construir todo um mundo e todo um drama que possa ser devidamente exorcizado. Fontainhas já não existe mais, demolida em nome do desenvolvimento. Mas ela resiste no imaginário do cinema de Pedro Costa. Se podemos dizer que há alguma mudança entre Juventude em marcha (2006) e Cavalo Dinheiro, é justamente que o trabalho mais novo é o primeiro no qual o bairro já existe somente como 10
mito, um espaço de cinema que Costa resgata tanto quanto John Ford faz com o forte da cavalaria americana ou sua Irlanda natal. Não há no cinema contemporâneo esforço maior de dignificar um espaço como o empreendido por Costa com sua Fontainhas e a sua crença de que aquelas pessoas existam como figuras de cinema. Cavalo Dinheiro é um filme que existe num tempo turvo, nem presente, nem passado, absolutamente físico na forma com que cada gesto é registrado, mas sempre fantasmagórico. É como uma personagem descreve um filme sobre a danação de Ventura, seus fantasmas pessoais e como estes se confundem com os fantasmas de Portugal. A despeito da fama de Costa de ser um cineasta exigente e rigoroso, trata-se de um filme de dramaturgia mais próxima da de um Eastwood do que dos exercícios de desdramatização que frequentemente dominam filmes híbridos como este. Ventura, em cer to momento, se descreve como se tivesse 19 anos, mas é o mesmo Ventura que conhecemos desde Juventude em marcha e dos vários curtas
subsequentes de Costa, que expandiram seu mundo de Fontainhas. O filme passeia entre o limbo do presente e os horrores do passado, um pouco aos moldes de O homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962). O que importa é a maneira como Costa capta os gestos de Ventura e suas interações com seus vários fantasmas (há momentos no filme em que se desconfia de que todos os que cortam o quadro de Costa estão há muito mortos), a forma como suas sombras constroem um mundo e um drama. Cavalo Dinheiro é assombrado pela memória de uma briga na qual Ventura esteve envolvido – não uma briga qualquer, mas uma que data de 11 de março de 1975, data da tentativa de contragolpe dentro da Revolução dos Cravos. A revolução de 25 de Abril é o mote que domina todo o passeio memorialístico empreendido por Costa, e o filme joga luz sobre como ela se mostra para um trabalhador imigrante recém-chegado a Portugal, como Ventura. O título do filme se refere a um cavalo chamado Dinheiro que Ventura deixou em Cabo Verde ao partir
para Portugal. Quando pergunta sobre o destino do animal, recebe como resposta que ele foi destruído pelos abutres. Se o diretor se propõe a reconstruir o passado português como mito, encontra aqui uma porta de entrada muito particular para este episódio-chave: não haverá no cinema de 2014 uma imagem mais marcante 11
e assustadora do que a dos soldados cortando a mata, envoltos em sombras. São como zumbis do capital prontos para caçar Ventura. Mais do que qualquer um dos filmes anteriores de Costa, Cavalo Dinheiro é um filme sobre as diferentes raízes fincadas pelo imigrante: o passado de Ventura em
Cabo Verde e Portugal e as formas como eles se intersectam. Nesse sentido, é vital que, após Vanda e Ventura, Pedro Costa encontre mais uma grande personagem em Fontainhas: Vitalina Varela. Os planos se fixam naquele rosto forte, com olhos que observam tudo, da mulher que chega ali para buscar o corpo do
marido morto. Outro passado envolto em sombras. Vitalina domina a maior parte das sequências em que aparece, coloca Ventura em segundo plano e acrescenta mais uma experiência de Cabo Verde em Portugal. Enquanto os planos focados em Ventura parecem olhar sempre para trás, os focados em Vitalina existem concretos no presente. No seu grande momento, ela lê a certidão de óbito do marido e, na sua dicção firme, é como se cada elemento descrito surgisse concreto na tela. Se a Ventura cabe a dor do passado, a Vitalina cabe a de seguir em frente. O filme abre com uma série de imagens de trabalhadores americanos, produzidas pelo fotógrafo dinamarquês Jacob Riis, que ajudam a colocar toda a ação posterior num contexto mais amplo, ao mesmo tempo específico, da experiência de Ventura e da sua geração de imigrantes de Cabo Verde em Portugal e de uma história mais ampla de trabalhadores imigrantes. Riis não é um jornalista/ fotógrafo qualquer, mas uma figura intimamente ligada aos movimentos sociais americanos do final do século XIX, e não deixa de ser interessante ter em mente 12
que Costa conta que originalmente encomendou a trilha sonora do filme ao músico americano Gil Scott-Heron (que faleceu antes da colaboração ser concluída). Entre Riis e Heron, Cavalo Dinheiro deseja recontextualizar os tormentos de Ventura por meio de duas figuras da arte engajada norte-americana. Tudo culmina na incrível sequência do elevador, que Costa já apresentara no seu curta Sweet Exorcism, para o filme em episódios Centro Histórico (2012), vista aqui numa montagem um pouco diferente, mais direta. É o encontro de Ventura e um soldado da revolução, sua discussão sobre o papel de cada um no processo histórico e o exorcismo prometido pelo título. Não à toa, Costa se sentiu à vontade em apresentar a cena como um preview do filme, já que ela é um bloco independente – algo ressaltado pelo caráter abstrato e simbólico do elevador, um espaço muito diferente das demais locações de Costa – e, ao mesmo tempo, é toda ressignificada, ao vir acompanhada da peregrinação de danação empreendida por Ventura. Tudo em Cavalo Dinheiro jamais escapa
às sombras, ao contraste duro da luz de Leonardo Simões. Sua Fontainhas agora é somente mito, somente cinema. O mito segundo Pedro Costa é a história revisitada pela arte, é a capacidade do cinema de encontrar – nessas diversas sombras que envolvem Ventura e em todo um processo histórico de exploração ao qual Portugal não consegue se libertar, e todo um mal-estar do desenvolvimento que destrói tudo que lhe corta o caminho do bairro ao cavalo chamado Dinheiro – uma luz, um gesto, um possível exorcismo.
Souleymane Cissé Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)
Fontes de inspiração
Sources d’inspiration Souleymane Cissé | Mali | 1968, 7’, Arquivo digital Um retrato do artista maliano Mamadou Somé Coulibaly, que se inspira na história do povo africano para pintar. Os curtas de Souleymane Cissé serão exibidos na mesma sessão do documentário Cineastas do nosso tempo: Souleymane Cissé, de Rithy Panh.
Cantores tradicionais das ilhas Seychelles
Chanteurs traditionnels des îles Seychelles Souleymane Cissé | Mali | 1978, 15’, Arquivo digital Rennes, 1978. Durante o 5º Festival de Artes Tradicionais, contadores de histórias e músicos das ilhas Seychelles expressam sua preocupação diante do desinteresse dos jovens pela música tradicional. Os curtas de Souleymane Cissé serão exibidos na mesma sessão do documentário Cineastas do nosso tempo: Souleymane Cissé, de Rithy Panh.
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Finyé – O vento
Finyé Souleymane Cissé | Mali | 1982, 105’, 35 mm Dois adolescentes malianos, Bah e Batrou, oriundos de classes sociais diferentes, se encontram na escola. Bah é descendente de um grande chefe tradicional. O pai de Batrou, governador militar, representa o novo poder. Ambos pertencem a uma geração que recusa a ordem estabelecida e põe em questão a sociedade. Como descrito na edição suíça deste filme em DVD pelo selo Trigon-film, “o título não é apenas um achado poético, ele constitui o verdadeiro programa estético do filme: é pelas suas mudanças de velocidade que o vento expressa a sua presença e pela intensidade dos movimentos que faz à natureza: é pelo ritmo dos corpos, os ritmos da ação, os impulsos produzidos nos rostos e nas vozes que Souleymane Cissé nos faz ver uma importante página da África contemporânea”.
Cineastas do nosso tempo: Souleymane Cissé
Cinéastes de notre temps: Souleymane Cissé Rithy Panh | França | 1990, 53’, Arquivo digital Segundo a descrição da professora e montadora Dominique Villain para o site Film Documentaire, “o filme começa com a voz em off de Souleymane Cissé, cineasta malinês, uma voz que diz ‘eu’ em uma língua muito bonita, poética e convincente. Durante quase uma hora, um homem fala por um continente. As questões que ele levanta são políticas, metafísicas e estéticas.” Documentário raro, foi realizado por Rithy Panh (A imagem que falta; S:21 – a máquina de morte do Khmer Vermelho) e faz parte da série Cineastas de nosso tempo (Cinéastes de notre temps), idealizada por André S. Labarthe e Janine Bazin.
Vestígios e ruptura: o cinema de Sergei Loznitsa
A estação de trem
Bloqueio
Masterclass com Sergei Loznitsa e a produtora Maria Choustova A dramaturgia no documentário e nos filmes de ficção
Trens em alta velocidade cortam o silêncio da pequena estação. O apito da locomotiva e o estrondo das rodas desaparecem na noite, mas não conseguem acordar as pessoas que ali dormem. O que elas esperam? O que pode acordá-las?
Realizado a partir de imagens de arquivo sobre o cerco nazista a Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial. Os filmes, originalmente silenciosos, ganham uma faixa sonora meticulosamente construída, retratando o cotidiano da cidade devastada, onde alguns ainda resistem.
Sergei Loznitsa compartilha sua experiência como roteirista de filmes de ficção: a escolha de um tema, a construção de uma narrativa, o desenvolvimento dos personagens, a criação de tensões e o ápice dramático. Aborda também a estrutura do roteiro. Propõe ainda uma discussão sobre seu trabalho documental e de que forma ele recorre, neste gênero, às regras da dramaturgia.
Fábrica
de X a X/10 Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)
A aula é gratuita e sujeita a lotação da sala. Distribuição de senhas 30 minutos antes, com limite de 1 senha por pessoa. 9/10, terça, 19h
Polustanok (The Train Stop) Sergei Loznitsa | Rússia | 2000, 25’, DCP
Fabrika (Factory) Sergei Loznitsa | Rússia | 2004, 30’, DCP Masculino e feminino. Duro e macio. Contínuo e interrupto. O todo e o fragmento. Tudo o que acontece em um dia na fábrica. “O som na fábrica é naturalmente forte. Fábrica depende desse elemento que lhe dá corpo. É um pouco como o barulho do mar, que deve cobrir tudo. Eu tive a chance de trabalhar com um grande engenheiro de som que trouxe suas próprias ideias. Nos estúdios russos de produção de documentários, o som funciona de maneira clássica. Ele não é pensado em sua especificidade. Poucas pessoas o consideravam um elemento importante da dramaturgia, mas, para mim, é muito importante. Eu preciso dele para preencher o filme e, às vezes, para direcioná-lo. Pois o som toca no imaginário do espectador. Ele expande o espaço do filme, especialmente quando se mostra uma cena em que nada acontece. Nesse caso, o som é usado para transmitir um evento que o espectador começa a imaginar.” (Sergei Loznitsa em entrevista a Eric Vidal.) [Leia a entrevista completa em francês: bit.ly/ SomLoznitsa]
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Blokada (Blockade) Sergei Loznitsa | Rússia | 2005, 52’, DCP
Artel
Artel Sergei Loznitsa | Rússia | 2006, 30’, DCP Um dia na vida de uma pequena cooperativa de pesca no mar Branco, na Rússia. Nesse ambiente de clima severo, quatro jovens tentam arrancar subsistência das profundezas congeladas da natureza. Em 2006, Artel fez parte da Seleção Oficial do Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (IDFA); no ano seguinte, recebeu o prêmio de Melhor Documentário – na categoria “filmes com menos de 30 minutos” – no Festival de Karlovy Vary.
Minha felicidade
Na neblina
O caminhoneiro Georgy apanha uma carga e segue para seu destino. Forçado a pegar um atalho, se perde, mas gradualmente, e contra a sua vontade, é atraído pelo dia a dia de uma pequena aldeia. Sobre a gênese de Minha felicidade, Loznitsa conta, no material de divulgação do filme: “Aconteceu há dez anos. Naquela época, eu morava em Moscou e trabalhava em um estúdio de documentários. Costumávamos viajar de carro e fazíamos paradas frequentes para tirar fotos de pessoas andando sozinhas pelas estradas, uma visão muito comum na Rússia. Uma vez fizemos uma parada para fotografar um homem com o rosto envelhecido. Ele olhou dentro do nosso carro e pediu comida. Demos a ele o que tínhamos. Ele cuidadosamente colocou a comida em sua bolsa e perguntou: ‘Você não tem geleia de maçã?’ ‘Não. Por quê?‘, respondi. ‘Eles sempre nos davam geleia de maçã na prisão.’ Desde então, levo um pacote de geleia de maçã no meu carro. Mas nunca vimos aquele homem novamente, e ninguém mais fez o mesmo pedido. Então eu tive a ideia de fazer um filme sobre geleia de maçã.”
Fronteira ocidental da União Soviética, 1942. A região está sob ocupação alemã, os guerrilheiros locais mantêm uma forte campanha de resistência. Um trem descarrilha próximo à vila onde Sushenya, um trabalhador ferroviário, vive com sua família. Inocente, ele é preso pelos nazistas junto com o grupo de sabotadores, mas o oficial alemão toma a decisão de não enforcá-lo. Boatos sobre a traição de Sushenya se espalham rapidamente, e ele é capturado pela resistência. Loznitsa conta que leu Na neblina, de Vasili Bykov, em 2001 e escreveu o roteiro quase imediatamente após terminar o livro: “A diferença entre um texto literário e um filme está na linguagem. Tudo o que pode ser descrito em palavras não pode ser representado visualmente, e vice-versa. Qualquer adaptação para a tela está efetivamente ‘traduzindo’ para uma linguagem diferente. Para ser preciso e poderoso, tem que funcionar de acordo com as regras de sua própria ‘gramática visual’. Os diálogos de Bykov são muito bons, e a forma como a história pregressa dos três personagens principais é desenvolvida é muito mais sofisticada do que eu fui capaz de elaborar no filme. No roteiro, eu apenas esbocei o contorno dessa história prévia em episódios lacônicos. O ritmo do filme é que dita as regras. É a duração das cenas e o ritmo que constroem a narrativa dramática do filme.” Na neblina teve sua estreia mundial em 2012, no Festival de Cannes, onde recebeu o Prêmio do Júri da Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci).
Schaste moe (My Joy) Sergei Loznitsa | Alemanha, Ucrânia, Holanda | 2010, 127’, DCP
Cinejornal
Predstavlenie (Revue) Sergei Loznitsa | Alemanha, Rússia, Ucrânia | 2008, 83’, 35 mm Ao trabalhar novamente com imagens de arquivo, como em Bloqueio, Loznitsa realiza este filme a partir de cinejornais produzidos na União Soviética nos anos 1950 e 1960, refletindo sobre o cotidiano e o modo de vida soviético. Em 2008, Cinejornal recebeu o prêmio de Melhor Documentário no Festival Internacional de Cinema de Cracóvia, na Polônia, e no Open Documentary Film Festival, na Rússia, e o Prêmio pela preservação da memória audiovisual do Festival Internacional de Cinema de Jerusalém.
Tumane (In the Fog) Sergei Loznitsa | Alemanha, Rússia, Letônia, Holanda, Bielorrússia | 2012, 127’, DCP
[Íntegra do depoimento de Loznitsa, em inglês, disponível em: bit.ly/sl-fog]
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Maidan: protestos na Ucrânia
Maidan Sergei Loznitsa | Ucrânia, Holanda | 2014, 130’, DCP Maidan narra um levante civil em Kiev contra o regime do presidente Yanukovych a partir do final de 2013. O filme acompanha o progresso da revolução: de passeatas pacíficas com meio milhão de pessoas na praça Maidan até as sangrentas batalhas nas ruas entre manifestantes e polícia. “Fui para Kiev no meio de dezembro. Eu sabia que era urgente. Eu sabia que devia estar lá e que devia filmar. Suspendi todos os meus outros projetos e compromissos e fui para Maidan”, comentou Loznitsa em março de 2014, poucos meses antes de concluir o documentário, em depoimento disponível no material de imprensa do filme. “A atmosfera eufórica dos primeiros dias em Maidan era de tanto conforto e empoderamento que era como estar no útero materno. Nunca antes eu havia sentido ou experimentado tanta solidariedade, camaradagem e esse autêntico espírito de liberdade. [...] Em meados de janeiro, o clima mudou. Não era mais um carnaval. Era uma batalha. Sangue foi derramado. Já não 16
era mais um protesto pacífico contra um presidente corrupto. Era uma luta contra um regime maligno. Era uma revolução... Maidan é o primeiro filme na minha longa carreira como documentarista em que eu realmente tinha de seguir os eventos da ‘vida real’ enquanto eles aconteciam. Essa foi uma experiência nova e tensa para mim. Normalmente, quando começo um documentário, organizo na cabeça toda a estrutura do filme. Sei exatamente como vai começar, como a narrativa vai se desenvolver e como vai terminar. Em Maidan, a experiência foi completamente distinta. Eu recebia mais material bruto ao longo de janeiro e fevereiro, e conforme a tensão aumentava e o sangue era derramado, eu estava editando o filme, sem saber que fim esperar. Dividi o filme em algumas partes: o prólogo, a celebração, a batalha e o post-scriptum. Meu objetivo é levar o espectador a Maidan e fazer com que experiencie os 90 dias de revolução conforme se desenrolam. [...] Maidan é um enigma que ainda estou por resolver.” O filme estrearia em maio de 2014 no Festival de Cannes. No mesmo ano, dentre outros prêmios, foi escolhido como Melhor Documentário de Longa-Metragem no Festival dei Popoli, na Itália.
O antigo cemitério Judeu
The Old Jewish Cemetery Sergei Loznitsa | Letônia, Holanda | 2014, 20’, DCP Turistas americanos e pessoas bêbadas perambulam em uma tarde sonolenta, crianças brincam na grama e um bonde desliza devagar entre todos. Sergei Loznitsa filma o espaço que outrora foi o primeiro cemitério judeu em Riga, na Letônia. Inaugurado em 1725, o local continuou realizando enterros até o fim dos anos 1930. Após a ocupação alemã na cidade, em 1941, ali foram enterrados em massa mais de 1 mil judeus mortos nas ruas e nas casas do Gueto de Riga. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, muitas das lápides foram removidas e usadas como material de construção. Na década de 1960, o local foi demolido e rebatizado como “O Parque das Brigadas Comunistas” e, em 1992, “O Antigo Cemitério Judeu”. O filme é dedicado à memória dos judeus de Riga.
Uma criatura gentil
Krotkaya (A Gentle Creature) Sergei Loznitsa | França, Alemanha, Holanda, Lituânia | 2017, 143’, DCP Nos arredores de uma aldeia no interior da Rússia, uma mulher vive sozinha. Um dia, ela recebe um pacote, enviado ao marido preso, marcado com “retorno ao remetente”. Em choque e confusa, ela decide seguir rumo à prisão numa remota região do país em busca de uma explicação. Sobre o título, Sergei Loznitsa afirma: “Este filme é uma metáfora para um país onde as pessoas violam umas às outras o tempo todo. O país está repleto de todas as formas de violência. De um lado, há hipocrisia, mentiras gigantescas e padrões desiguais, uma perfeita Omertà…; de outro, coisas horrendas continuam acontecendo todos os dias. Para mim, é um enigma dolorosamente insolúvel. Em vez de levar a vida de uma forma calma e amigável, em todas as fases de nossas vidas somos forçados a tomar caminhos difíceis e às vezes desonestos. Esse é um paradoxo horrível, o pior deles. Um paradoxo que conheço desde os cinco anos e que ainda hoje não entendo.” [Íntegra do depoimento de Loznitsa, em inglês, no material de imprensa do filme, disponível em: bit.ly/ sl-gentle]
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Dia da vitória
Den’ Pobedy (Victory Day) Sergei Loznitsa | Alemanha | 2018, 94’, DCP Todo ano, no dia 9 de maio (conhecido também como o Dia da Vitória Soviética), pessoas se reúnem no Treptower Park em Berlim. Eles se vestem com suas melhores roupas, ou mesmo com uniformes militares soviéticos. Carregam bandeiras, banners e cartazes. Deixam flores no monumento ao soldado soviético, cantam, dançam e bebem. Celebram a vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista. O filme é um registro direto desse dia no parque, 72 anos após a vitória. A estreia mundial do documentário aconteceu em 2018 no Festival de Berlim.
Donbass
Donbass Sergei Loznitsa | Alemanha, Ucrânia, França, Holanda, Romênia | 2018, 110’, DCP Donbass é uma região no leste da Ucrânia ocupada por diversas gangues criminosas e tomada por uma guerra híbrida. A disputa envolve um conflito armado entre o exército ucraniano, auxiliado por voluntários, e gangues separatistas, auxiliadas pelas tropas russas. Em paralelo, ocorrem assassinatos e roubos em larga escala e uma gradual degradação da população civil. Em Donbass, a guerra é chamada de “paz”, propaganda é tratada como “verdade” e o ódio é manifestado como “amor”. Em entrevista à revista Film Comment, Loznitsa analisa Donbass em relação a seus filmes anteriores, Uma criatura gentil e Dia da vitória: “Todos esses filmes lidam com o tema da decadência e desintegração, o processo que vem ocorrendo no território do antigo Império Russo desde a Revolução de 1917. E todos esses filmes contêm traços, ecos, vislumbres, reflexos da guerra. Neste filme mais recente, não é mais uma pista. Substituímos as pistas para a nomeação
Filmes em cartaz direta. Porque isso é algo que realmente aconteceu, e pode ser que meus filmes apresentem algum tipo de imagem espelhada do que está acontecendo. O elemento novo, que faz este filme diferente dos meus anteriores, é que não há nenhum protagonista. [Os personagens] Apenas desaparecem por completo. Faz muito tempo que eu queria experimentar essa estrutura. Fui inspirado pelos experimentos de Eisenstein, e eu usei a mesma técnica de Buñuel em O fantasma da liberdade. É uma reunião de episódios e, em cada um, há um personagem que nos leva para o próximo. A minha intenção era que cada episódio do filme mostrasse um lado, uma manifestação, um aspecto desse processo onipresente de desintegração e decadência. Quase todo episódio tem uma referência documental, em que há pessoas que filmam esses tipos de situações – eventos que aconteceram de verdade – com seus celulares e puseram os vídeos na internet. Talvez esse seja o filme mais malicioso que eu fiz até agora. Mais cruel. Vamos chamá-lo de ‘um filme raivoso’. Talvez isso se deva à minha postura frente a essa guerra.” Donbass estreou este ano no Festival de Cannes, onde recebeu o prêmio de Melhor Direção na mostra Un certain regard. [Íntegra da entrevista, em inglês, em: bit.ly/sl-donbass]
O animal cordial
Benzinho
Um restaurante de classe média alta em São Paulo é invadido, no fim do expediente, por dois ladrões armados. O dono do estabelecimento, o cozinheiro, uma garçonete e três clientes são rendidos. Inácio, o dono, tentará defender o restaurante e os clientes dos assaltantes. Em seu primeiro longa-metragem, Gabriela Amaral Almeida trabalhou o slasher, subgênero do terror que lida com grafismo, morte e sangue. Nas palavras da diretora, em entrevista ao Canal Brasil: “A alegoria desse sangue é o que mais me interessa. Esse sangue, esses cortes, são necessários num momento em que eu sinto o país guerreando ideologicamente e, até, em vias de fato. A nossa classe média já não está tão comedida, os monstros estão saindo à tona. Eu acho que O animal cordial usa isso como palco, se serve desse banquete brutal.” Pelo filme, Murilo Benício recebeu o prêmio de Melhor Ator no Festival do Rio, em 2017. No FantasPoa 2018, o filme foi premiado nas categorias Melhor Direção e Melhor Atriz, para Luciana Paes.
Irene (Karine Teles) tem quatro filhos com Klaus (Otávio Müller). Ela está terminando os estudos enquanto se desdobra para complementar a renda da casa e ajudar a irmã Sônia (Adriana Esteves). A poucos dias de sua formatura, ela recebe a notícia de que seu primogênito foi convidado para jogar handebol na Alemanha. O filme estreou internacionalmente no Festival de Sundance, quando Gustavo Pizzi e Karine Teles, corroteiristas do filme, contaram sobre o processo de criação em conjunto: “Nós trabalhamos o filme da mesma forma que criamos nossos filhos. Dividimos da mesma maneira, não dizemos ‘eu escrevi essa cena’ ou ‘ele escreveu essa fala’ […]. O primeiro rascunho do roteiro foi escrito enquanto ainda éramos casados, mas leva muito tempo para fazer um filme e encontrar os meios para financiá-lo; durante todo esse processo de separação, ainda estávamos trabalhando no roteiro. Após esse primeiro período de constrangimento entre nós, conseguimos nos tornar amigos novamente e voltar a trabalhar juntos. Nós realmente gostamos de trabalhar juntos. Colaboramos de forma muito criativa e artística, então decidimos que não iríamos acabar com isso.”
Gabriela Amaral Almeida | Brasil | 2018, 99’, DCP
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)
Gustavo Pizzi | Brasil, Uruguai | 2018, 97’, DCP
[Entrevista completa em inglês disponível no site ReMezcla: bit.ly/benzinho] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)
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Café com canela
Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2017, 100’, DCP No Recôncavo Baiano, em São Félix, Margarida é uma professora aposentada que vive sozinha e evita sair de casa desde a morte de seu filho. Sua ex-aluna Violeta mora do outro lado do rio, em Cachoeira. O reencontro entre as duas desperta um processo de transformação, marcado por visitas, faxinas e cafés com canela. A diretora Glenda Nicácio conta ao site da Mostra de São Paulo: “Filmamos em Cachoeira, a cidade aonde chegavam as mercadorias nos tempos coloniais. Entre essas mercadorias, estavam os corpos negros. Então todo o contexto é muito forte. A história que contamos é uma história universal, é um retrato do cotidiano de duas mulheres diferentes que se encontram em determinado momento da vida. Essa história poderia se passar em qualquer lugar, mas, quando escolhemos filmar essa história em Cachoeira, ela ganhou outras dimensões, que vão além da narrativa e se entrecruzam com questões contemporâneas do fazer cinema. Uma espectadora, em Minas Gerais, me disse que, ao assistir a Café com canela, viu a família dela na tela: ‘Eu vi minha família, minha mãe, meu pai; eu vi até o meu cachorro. Aquela é minha laje.’ Algumas pessoas quase nunca se viram na tela, e estão podendo se reconhecer nos personagens e na história de Café com canela.” [Entrevista completa: bit.ly/CafeComCanela] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia) 19
Camocim
Quentin Delaroche | Brasil | 2017, 76’, DCP A cada quatro anos, as eleições municipais chacoalham o cotidiano de Camocim de São Félix, pequena cidade do interior do Pernambuco. A população se divide ferrenhamente entre as duas coligações eleitorais, a azul e a vermelha. Nesse contexto, Mayara, 23 anos, tenta fazer uma campanha ética para eleger seu candidato e amigo César. Em entrevista à rádio CBN, o diretor francês Quentin Delaroche explica como surgiu a ideia do filme: “Eu estava fazendo uma pesquisa para outro filme, no interior de Pernambuco, e conversei com várias pessoas de classes e gêneros diferentes, em diversas cidades. E o que me surpreendeu foi que todas elas falavam de política desde o começo da conversa. Vi que eles viviam em uma situação perversa de dependência de políticos. A política existia muito em uma lógica de troca de votos e de favores. Então resolvi fazer um filme sobre a campanha.” [Ouça a entrevista completa: bit.ly/camocim1] Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia)
Djon África
Djon África João Miller Guerra e Filipa Reis | Brasil, Portugal e Cabo Verde | 2018, 96’, DCP Miguel Moreira, também conhecido como Tibars e Djon África, vive em Portugal com sua avó. Orfão de mãe, o jovem decide ir a Cabo Verde em busca do pai, que nunca conheceu. “A condição de estrangeiro é de certa forma universal. E quer Portugal, quer o Brasil ou Cabo Verde são países de emigrantes. É possível pelo mundo todo encontrar muitos emigrantes tentando viver melhor. As segundas e terceiras gerações de emigrantes vivem situações semelhantes. A busca pela origem é universal e até transcende a condição do emigrante. E este é um dos temas tratados no filme”, conta o diretor João Miller Guerra. Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia)
Sessão Infantil Ex-pajé
No intenso agora
A família Dionti
Os Paiter Suruí, habitantes da terra indígena Sete de Setembro, em Rondônia, viveram mais de metade do século XX isolados. Perpera, o protagonista de Ex-pajé, tinha 20 anos quando seu povo fez o primeiro contato com os brancos, em 1969. Até aquele momento, ele era pajé de seu povo. Mas, com os brancos, chegou o pastor evangélico que condenava o xamanismo, e Perpera viu-se obrigado a abandonar sua prática ancestral. O ex-pajé sabe que os espíritos da floresta estão bravos, já que ele não reza mais nem toca as flautas sagradas. Com medo, dorme sempre com a luz acesa. “Antes se consultava o pajé, hoje só tomam aspirina”, diz, contrariado. “O filme retrata a experiência indígena brasileira nos tempos atuais de dentro para fora. Se mantém longe dos clichês românticos. Ele mergulha na vida cotidiana de uma tribo de cerca de mil indígenas que ainda falam a língua Paiter Suruí, e até 1969 viviam isolados na floresta. [...] O conceito foi trabalhar no limite entre documentário e ficção. Os atores interpretam eles mesmos e retratam suas histórias verídicas. Torna-se difícil identificar a linha tênue onde a ficção começa e o documentário termina, e vice-versa”, conta o diretor Luiz Bolognesi. O longa recebeu Menção Especial do júri para documentário original no Festival de Berlim de 2018, onde teve sua primeira exibição.
Feito a partir da descoberta de filmes caseiros rodados na China em 1966, durante a fase inicial da Revolução Cultural, No intenso agora investiga a natureza de registros audiovisuais gravados em momentos de grande intensidade. Às cenas da China, somam-se imagens dos eventos de 1968 na França, na Tchecoslováquia e, em menor quantidade, no Brasil. As imagens, todas elas de arquivo, revelam o estado de espírito das pessoas filmadas e também a relação entre registro e circunstância política. O ponto de partida do filme foram imagens captadas pela mãe do diretor, encontradas por ele na época da finalização de Santiago (2007). “Eu precisava de imagens da casa onde minha família morou, na Gávea, e pedi a alguém para procurar”, conta João Moreira Salles em entrevista ao jornal O Globo. “Encontramos as imagens, mas eu não sabia direito o que eram, qual o sentimento dela durante a viagem. Aí encontrei uma reportagem que ela escreveu sobre a viagem, em forma de diário, para a revista O Cruzeiro. Fiquei muito impressionado com a comoção dela diante de tudo o que viu lá. Minha mãe e a Revolução Cultural são opostos absolutos, seria fácil imaginar uma reação dogmática. Mas não, ela ficou deslumbrada com aquilo. E eu fiquei tocado com esse deslumbramento dela e com a intensidade com que ela o descreveu, porque minha mãe foi perdendo isso com o tempo.”
Nas muitas histórias por trás da história, a mãe apaixona-se, evapora e desaparece; Josué sonha com a volta da mulher a cada chuva, enquanto cria sozinho os dois filhos: Serino, que é seco e chora grãos de areia, e Kelton, que se derrete com a chegada de Sofia, uma garota de circo. Para o diretor Alan Minas, a narrativa de A família Dionti é repleta de transformações. “O filme brinca o tempo todo com as mudanças. O médico, por exemplo, que a princípio era verdadeiro, se revela falso. E os pacientes se transformam em algo fora do real. Tudo oscila entre os extremos da realidade e da fantasia. É um organismo vivo. As transformações ocorreram tanto dentro quanto fora da tela. A gente começa um trabalho desde o roteiro e a cada momento o filme vai ganhando vida, a cada dia, com a entrada da equipe, do elenco. É como se eu fosse me surpreendendo a todo momento. É um processo, que mesmo concluído, ainda me abre novas percepções.”
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)
[Leia a entrevista completa de João Moreira Salles para O Globo: goo.gl/PhCNxe]
Luiz Bolognesi | Brasil | 2018, 82’, DCP
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João Moreira Salles | Brasil | 2017, 127’, DCP
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)
Alan Minas | Brasil, Inglaterra | 2015, 96’, DCP
Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)
Sessão Cinética Cavalo Dinheiro
Pedro Costa | Portugal | 2014, 103’, cópia digital Quando Ventura se perde na floresta, os moradores das Fontainhas começam uma busca por ele. “O título Cavalo Dinheiro foi sugerido ou proposto pelo Ventura, quase sem querer”, conta Pedro Costa em entrevista ao Jornal dos Encontros Cinematográficos. “Foi dito baixinho. Vem da mocidade dele em Chão do Monte, em Cabo Verde. Vem das idas à fonte para buscar água, das corridas a galope atrás das cabras, vem do verão em que conheceu a sua Zulmira. É uma sensação de movimento, de felicidade. E os nossos filmes deviam recuperar essa palavra maldita: dinheiro. É um título que não tem preço.” Em conversa com Michael Guarnieri publicada na revista BOMB e, posteriormente, na edição portuguesa do DVD de Cavalo Dinheiro, o diretor comenta: “Há pouco, perguntou-me se os meus filmes têm impacto na sociedade: infelizmente não posso dar nada às pessoas que filmo. Mas espero devolver aos meus amigos uma boa imagem deles próprios: escuto as suas histórias, tento trabalhar com as suas memórias e construir um filme. Em troca, eles dão-me imensas coisas de que preciso, acima de tudo a sua amizade. No cinema, hoje em dia, existe pouco dessa troca generosa e desinteressada.” Pelo filme, Pedro Costa recebeu o prêmio de Melhor direção na edição de 2014 do Festival de Locarno. Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)
Retrospectiva Joaquim Pedro de Andrade Na quarta-feira, 17 de outubro, a sessão das 19h de Guerra conjugal será seguida por um debate em torno das personagens femininas nos filmes de Joaquim Pedro de Andrade, com a participação de Heloísa Buarque de Hollanda e as atrizes Ítala Nandi (O homem do pau-brasil e Guerra conjugal) e Cristina Aché (O homem do pau-brasil, Guerra conjugal e Vereda Tropical) . Professora, pesquisadora e crítica literária, Heloísa Buarque é autora de Macunaíma, da literatura ao cinema, dentre diversos outros títulos. No domingo, 21 de outubro, às 16h, haverá uma exibição de Macunaíma seguida por uma aula com Carlos Augusto Calil acerca do filme. Desde 1987, Calil é professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA/USP, onde ministra as disciplinas História do Audiovisual Brasileiro e Legislação e Mercado Audiovisual. É também organizador da última edição de O imponderável Bento contra o crioulo voador, publicado pela Editora Todavia em 2018. O imponderável Bento contra o crioulo voador conta a história de um homem santo que levita, literalmente, sobre a sordidez política e moral de Brasília, em plena ditadura militar. Nesta obra que é um roteiro que nunca chegou a ser filmado, Joaquim Pedro de Andrade faz uma sátira afiada que permanece atual.
Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia) 21
Garrincha, alegria do povo
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1963, 58’, 35 mm – Cópia restaurada Em 1960, Joaquim Pedro deixou o Brasil para uma temporada de estudos na Europa e nos EUA. Realizou em Nova York um estágio na produtora dos irmãos Albert e David Maysles, figuras centrais do cinema direto, um estilo de documentário que buscava registrar personagens e contextos sem interferir ou encenar situações. O gênero guarda algumas semelhanças com o cinéma vérité (em português: cinema verdade), preconizado na mesma época por Jean Rouch, na França, que também considerava a própria interação entre equipe de filmagem e personagens como parte da construção de um filme. Em 1962, quando Joaquim Pedro voltou ao Brasil, foi convidado a dirigir um documentário sobre o jogador Mané Garrincha. Integrante da seleção brasileira de futebol, Mané foi campeão mundial nas copas de 1958 e 1962, mas ganhou particular destaque nesta última, quando Pelé se machucou logo no primeiro jogo, e Garrincha foi protagonista em campo. A proposta era fazer um filme nos moldes do cinema direto, mas a ausência de equipamentos adequados modificou o
projeto inicial, e o documentário foi realizado principalmente a partir de imagens de arquivo. No livro Revisão crítica do cinema brasileiro, Glauber Rocha relaciona o filme ao cinema novo: ”Analisar Garrincha oferece os dados finais para concluir um capítulo sobre as origens do cinema novo no Brasil; dispensa ao mesmo tempo, diante do próprio filme, perguntas e respostas precipitadas sobre o que é este cinema novo. Garrincha é o novo cinema nacional, assim como Vidas secas e Sol sobre a lama. Poderia caracterizá-lo como um cinema de autor realizado numa expressão técnico-estética, em que ideia e mise-en-scène significam um corpo ativo de realismo crítico. [...] Garrincha é um tipo de cinema verdade, e não cinema verdade como um tipo de cinema. Exigindo um rigor terminológico, eu proponho o cinema de autor como cinema verdade: para situá-lo como síntese do cinema novo.” [O texto de Glauber, e outros textos sobre o filme, podem ser encontrados em: bit.ly/jpa-garr]
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O padre e a moça
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1965, 90’, 35 mm – Cópia restaurada Em seu livro Versiprosa, Carlos Drummond de Andrade escreve, sob o título “Em preto e branco”: “O padre e a moça no cinema./ Emoção mais funda quem há de/ sentir ante este filme-poema?/ Salve, Joaquim Pedro de Andrade!” Livremente inspirado no poema “O padre, a moça”, de Drummond, o primeiro longa-metragem de ficção de Joaquim Pedro de Andrade se passa em uma pequena cidade em Minas Gerais, na qual Mariana (Helena Ignez) se apaixona por um padre (Paulo José) recém-chegado em missão sacerdotal. No entanto, Honorato, homem mais rico da cidade, tenta proibir a relação e se casar com a moça. Nas palavras do diretor, “O padre e a moça é um filme de crise. Fui ficando cada vez mais sensível, ou atraído, por uma espécie de verdade nuclear na linguagem do cinema, nos assuntos tratados. Não queria perfumaria, nem falsas verdades, nem efeitos fáceis, nem nada disso. Fui chutando isso tudo pra corner. Então fiz O padre e a moça, um filme sobre
a inibição, um filme amarrado, de negação; um filme todo criado por negação. Os planos são todos estáticos; o padre é um personagem quase mudo. O fato mesmo de eu ter escolhido um padre vem do manto de inibição que cobria aquele padre, que o impedia de transar com a vida de uma mulher mais aberta. E tudo isso integra o filme, está na base. É um filme em que não aparecem crianças, todo mundo é meio feio, muito torto. É um filme sobre o negativo.” Em 1966, o filme recebeu os prêmios de Melhor Direção, no Festival de Teresópolis, Melhor Fotografia, no Festival de Brasília, e o Prêmio de Qualidade do Instituto Nacional do Cinema. No mesmo ano, a estreia do filme foi marcada por um extenso embate com a censura, após reação de “autoridades eclesiásticas e de membros da tradicional família mineira”, como aponta pesquisa de Leonor Souza Pinto. [Os textos podem ser encontrados na edição em DVD do filme, lançada pela Bretz Filmes]
Macunaíma
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1969, 108’, 35 mm – Cópia restaurada Macunaíma, uma adaptação da rapsódia de Mário de Andrade, é a história de um anti-herói, ou “um herói sem nenhum caráter”, nascido no fundo da mata virgem. Preto vira branco, troca a mata pela cidade, onde vive acompanhado de seus irmãos. Segue um caminho zombeteiro, conhecendo e amando a guerrilheira Ci e enfrentando o vilão milionário, Venceslau Pietro Pietra, para reconquistar o amuleto que herdara de Ci, o muiraquitã. “Escrevi duas adaptações, que me consumiram quatro meses, mais ou menos de fevereiro a junho de 1968. Na primeira, eu tentava racionalizar, de certa forma domar o livro. Mas as coisas colidiam. Iam em várias direções, e não se completavam. Já na segunda, quando entendi que Macunaíma era a história de um brasileiro que foi comido pelo Brasil, as coisas ficaram mais coerentes, e os problemas começaram a ser resolvidos uns atrás dos outros. [...] Procurei fazer um filme sem estilo predeterminado. Seu estilo seria não ter estilo. Uma antiarte, 23
no sentido tradicional da arte. [...] Não existem nele concessões ao bom gosto. Já me disseram que ele é porco. Acho que é mesmo, assim como a graça popular é frequentemente porca, inocentemente porca como as porcarias ditas pelas crianças.” (Joaquim Pedro de Andrade, material de divulgação para o lançamento comercial do filme, 1969) Naquele ano, a censura exigiu classificação indicativa de 18 anos e impôs 15 cortes ao filme, a maior parte referente a nus, a palavrões e ao texto “Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são”. Joaquim Pedro conseguiu negociar e reduzir o número de cortes. 10 anos após seu lançamento, Macunaíma foi relançado nos cinemas sem cortes e recomendado para maiores de 16 anos. No cartaz, a frase “Aaai que preguiça!!!” foi substituída por “Agora sem cortes!!!”. No Festival de Brasília de 1969, o longa recebeu os prêmios de: Melhor Ator (Grande Otelo), Melhor Coadjuvante (Jardel Filho), Melhor Argumento (Joaquim Pedro), Melhor Roteiro (Joaquim Pedro), Melhor Diálogo (Joaquim Pedro), Melhor Cenografia (Anísio Medeiros) e Melhor Figurino (Anísio Medeiros). Em 2004, sua cópia restaurada e sem cortes foi exibida no Festival de Cannes, na mostra Cannes Classics. [Textos disponíveis em: bit.ly/jpa-mcn]
Os inconfidentes
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1972, 100’, 35 mm – Cópia restaurada Segundo Joaquim Pedro de Andrade, “toda a história da conspiração está vista a partir da cadeia. O que corresponde, aliás, ao ponto de vista de todos os documentos que existem sobre a Inconfidência.” Como referências, ele recorreu aos autos da devassa, peças judiciais do processo movido pela Coroa Portuguesa contra os inconfidentes, a O romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, e poemas dos Inconfidentes Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto e Cláudio Manuel da Costa. “O trabalho do autor de um filme sobre a Inconfidência parte como um inquérito sobre um inquérito, só que sem torpeza, para chegar ao que nos interessa: um estudo do comportamento de presos políticos, especialmente intelectuais de formação burguesa”, comenta o diretor. “Procurei abandonar a definição convencional dos personagens históricos, para procurar a verdade de sua humanidade contraditória, e explicitar constantes modernas da história.” [Os textos podem ser encontrados na edição em DVD do filme, lançada pela Bretz Filmes]
Guerra conjugal
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1975, 90’, 35 mm – Cópia restaurada Nas palavras do diretor Joaquim Pedro de Andrade, Guerra conjugal “ilustra crônicas de psicopatologia amorosa na civilização do terno e gravata, ainda vigente na mitológica e ubíqua cidade de Curitiba, onde medram flores de plástico e elefantes vermelhos de louça podem surgir a qualquer momento”. O filme é inspirado em contos de Dalton Trevisan, retirados não apenas do livro Guerra conjugal, mas também de Novelas nada exemplares, Desastres do amor, O vampiro de Curitiba, Cemitério de elefantes e O rei da terra. Por ocasião do lançamento do filme, em 1975, Trevisan escreveu uma nota no jornal O Globo: “O belíssimo filme de Joaquim Pedro me deslumbrou os olhos, alegrou o coração e edificou a alma. Melhor que o livro é essa fabulosa obra-prima dirigida com garra, humor e consciência crítica. Uma experiência inesquecível o filme Guerra conjugal. Foi para mim e será para todos os que assistirem.” O longa foi exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes de 1975 e, no Festival de Brasília do mesmo ano, recebeu os prêmios de Melhor Diretor, Melhor Atriz e Melhor Montagem. [Os textos completos podem ser encontrados em: bit.ly/jpa-gc]
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O homem do pau-brasil
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1981, 112’, 35 mm – Cópia restaurada Em uma entrevista com Joaquim Pedro de Andrade para a edição de 5 de maio de 1982 do Jornal do Brasil, o crítico José Carlos Avellar apresenta aquele que seria o último longa-metragem do diretor: “Montagem descontínua de cenas livremente imaginadas a partir da vida e dos livros de Oswald e de seus companheiros do Modernismo, da antropofagia e da poesia pau-brasil, este filme que Joaquim dedica a Glauber Rocha começou a nascer em 1969, ainda durante a filmagem de Macunaíma, quando a personalidade ‘desvairadamente polêmica’ do escritor começou a interessá-lo como um contraponto de Mário”. “Dois atores, um homem e uma mulher, Flávio Galvão e Ítala Nandi, para representar Oswald – ‘não a figura dele, mas o que emanava dele’, como acentua o diretor –, os dois todo o tempo em cena, como se o protagonista tivesse duas imagens paralelas. Dois atores lado a lado para um personagem só. E um conjunto de cenas soltas. A rigor, não existe no
filme uma história, algo que possa ser contado, mas sim um conjunto de ações soltas em torno da vida intelectual entre nós depois do Modernismo. Cenas soltas e desequilibradas, que se encontram só no idêntico tom de irreverência e descontinuidade.” Ao fim da matéria, Joaquim Pedro comenta: “Eu me interesso de um tempo para cá por coisas que aparentemente não dão um filme. É uma provocação que a gente se faz para cair num terreno cheio de obstáculos, mas divertido e criativo. Foi um pouco assim que fiz o Oswald. Não estou mais interessado no cinema como instrumento, mas sim no cinema como objetivo. E, como Oswald, mais aberto, desarmado e solto na maneira de compor a conversa.” Exibido no Festival de Brasília de 1981, O homem do pau-brasil recebeu os prêmios de Melhor Filme, Melhor Cenografia e Melhor Atriz Coadjuvante, para Dina Sfat. [Texto completo em: bit.ly/jpa-jca]
Curtas 1 – Joaquim Pedro O mestre de Apipucos
O poeta do Castelo
Com roteiro estruturado sobre textos de Gilberto Freyre, o filme documenta o cotidiano do sociólogo em sua casa em Apipucos. O mestre de Apipucos e O poeta do Castelo, estreia de Joaquim Pedro de Andrade na direção, foram concebidos como um mesmo curta-metragem. A pesquisadora Luciana Corrêa de Araújo argumenta que o filme se construiria não apenas na oposição entre as personalidades filmadas, mas na diferença de linguagem entre elas. “A primeira parte, dedicada a Gilberto Freyre aproxima-se da linguagem do cinema mudo, deixando bem marcada a ligação entre os planos a partir de analogias, gestos, olhares que costuram as diversas atividades na rotina do sociólogo. Já os planos com Manuel Bandeira se articulam, sobretudo, pela continuidade das ações. São duas estratégias, ambas vinculadas à decupagem clássica, acionadas de maneira a servir os propósitos do cineasta na abordagem dos dois escritores. A continuidade, nos planos de Freyre, reforça a caricatura, a postura autoritária do senhor de engenho em meio a suas propriedades; nos planos de Bandeira, acentua o despojamento e a harmonia do poeta com seu mundo.” Joaquim Pedro relatou: “Parecia que o Gilberto era um ricaço e o Manuel não tinha um tostão. Isso aborreceu o mestre Gilberto, que escreveu um artigo chamado ‘Esnobe da riqueza?’, reclamando. A partir daí, separei os filmes para evitar esse tipo de resultado.”
“Há seis anos atrás, cercado de refletores, cabos, trilhos e uma equipe de filmagem que se mexia nervosamente em seu pequeno apartamento, Manuel Bandeira descobriu que era um bom ator”, escreveu Joaquim Pedro de Andrade para o Suplemento Literário do Diário de Notícias, em 17 de abril de 1966. O diretor filma o padrinho e amigo Manuel Bandeira em seu cotidiano. Lidos pelo poeta, seus versos acompanham e ressignificam os gestos banais de sua rotina no pequeno apartamento em que vivia, no centro do Rio. No mesmo texto, o diretor diz ainda: “Se eu pudesse hoje fazer outro filme sobre Manuel Bandeira, não lhe pediria, como fiz antes, para que representasse o seu personagem diante da câmera como se ela não existisse. A técnica do cinema direto, desenvolvida recentemente, pôs bem a descoberto o artificialismo desse processo usado nos documentários posados tradicionais. Mesmo assim e ainda agora, acho que os dados da composição do filme, talvez por serem tão aparentes e declarados, funcionam como a proposição de um jogo, como na obra de ficção, e armam um processo eficiente para apreender e transmitir uma impressão verdadeira, ou pelo menos sincera, sobre o poeta filmado.”
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1959, 8’, 35 mm – Cópia restaurada
[Íntegra do texto de Luciana Corrêa de Araújo para a revista Contracampo em: bit.ly/jpa-lca] 25
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1959, 10’, 35 mm – Cópia restaurada
[O texto completo de Joaquim Pedro, e outros textos sobre o filme, podem ser encontrados em: bit.ly/jpa_mb]
Couro de gato
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1960, 12’, 35 mm – Cópia restaurada Quando o carnaval se aproxima, os tamborins não tem preço. Na impossibilidade de outro material, o instrumento é feito com couro de gato. O curta se tornou um episódio do filme Cinco vezes favela em 1962; antes disso, recebeu o Prêmio de Melhor Filme no Festival de Sestri Levante, na Itália, e, em 1995, fez parte da seleção Um século de cinema, do Festival de Curtas-Metragens de Clermont-Ferrand, na França, onde foram exibidos 100 filmes curtos que fizeram a história do cinema.
Curtas 2 – Joaquim Pedro Cinema novo
Improvisiert und zielbewusst Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1967, 30’, 35 mm – Cópia restaurada Para Joaquim Pedro de Andrade, “este filme é mais uma prova do crescente interesse que os filmes do novo cinema brasileiro vêm despertando no exterior, sobretudo na Europa. Foi produzido e narrado por K.M. Eckstein para o Canal 2 da televisão alemã, funcionando como abertura e introdução para uma série de projeções de filmes de longa-metragem brasileiros, que atingiram grande número de espectadores europeus. Eckstein, que, em geral, além de produzir, também dirige seus filmes, preferiu neste caso entregar a um de nós a realização de Improvisiert und zielbewusst – literalmente Improvisação com objetivo determinado –, fazendo assim do próprio filme-reportagem uma informação a mais sobre o cinema novo brasileiro.” A versão brasileira do documentário, exibida nesta retrospectiva, teve patrocínio da Cinemateca do MAM, narração de Paulo José e texto de Maurício Gomes Leite. Com uma câmera Éclair 16 mm e um gravador Nagra, Joaquim Pedro acompanhou o processo de realização de seus colegas cineastas entre a filmagem de Terra em transe, de Glauber Rocha, a montagem de A opinião pública, de Arnaldo Jabor, o roteiro de Garota de Ipanema, de Leon Hirszman, a dublagem de Todas as mulheres do mundo, de Domingos de Oliveira, e o lançamento de A grande cidade, de Cacá Diegues. [O texto completo de Joaquim Pedro de Andrade pode ser encontrado em: bit.ly/jpa-cn]
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Brasília, contradições de uma cidade nova
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1967, 23’, 35 mm – Cópia restaurada O filme reúne imagens de Brasília seis anos após sua inauguração e entrevistas com habitantes de diferentes extratos sociais. Uma pergunta estrutura o documentário: uma cidade planejada, criada em nome do desenvolvimento e da democratização, poderia reproduzir as desigualdades e a opressão existentes em outras regiões do país? “A Olivetti convidou Joaquim Pedro para realizar um filme sobre Brasília e pediu que eu colaborasse com ele no roteiro, porque tinha morado na Novacap em 1965, quando era professor da UnB”, escreve Jean-Claude Bernardet, corroteirista e assistente de direção. “Falaram do interesse do diretor da Olivetti em produzir um filme de curta-metragem sobre a nova capital, disseram que tínhamos total liberdade, mas que deveríamos submeter-lhes o roteiro, que seria também enviado à Itália. Acrescentaram que não tínhamos que mostrar máquinas de escrever nem apresentar a loja da Olivetti em Brasília.” Segundo Bernardet, o filme foi rejeitado, após uma mudança na direção da Olivetti. Sem ser anunciado, o filme foi exibido no Festival de Brasília, em 1967, e Joaquim Pedro recebeu uma menção honrosa. No dia seguinte, diz Bernardet, “Joaquim foi informado de que seria preferível não apresentar o filme à censura, pois não obteria o certificado e poderia haver consequências mais graves”. A cópia foi depositada na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro. [Íntegra do texto de Jean-Claude Bernardet em: bit. ly/jpa-jcb]
A linguagem da persuasão
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1970, 9’, 35 mm – Cópia restaurada Quando José Carlos Avellar foi convidado pelo Senac para escrever o roteiro deste filme, ele era colega de Joaquim Pedro, ambos davam aula na Cinemateca do MAM. “Do que escrevi, lembro só da preocupação de contar o filme como se ele já existisse e de algumas imagens que sugeri (um painel diante de uma favela com o slogan “isto faz um bem!”, por exemplo). Entreguei o texto à produtora, e dias depois Joaquim me disse que havia sido convidado para dirigir A linguagem da persuasão. Combinamos que depois, durante a montagem, eu escreveria o texto de narração, seguindo as indicações do roteiro. Na moviola, depois de ver o filme quase pronto, conversamos sobre uma primeira versão do texto de narração, que Joaquim encontrou mais parecido com o tom de uma crítica de cinema que de uma narração. A moviola usada para a montagem foi a da Cinemateca, por isso as lembranças se misturam, o curso, a cinemateca, o cinema, o filme. Na verdade, durante o curso na Cinemateca falávamos de cinema todo o tempo, e não tenho na memória conversas específicas sobre este trabalho, que escrevi sem imaginar que seria filmado por Joaquim e que ele dirigiu servindo-se do roteiro somente como uma indicação para um filme curtinho sobre a linguagem da persuasão.” [O depoimento completo de José Carlos Avellar pode ser lido em: bit.ly/jpa-lp]
Vereda tropical
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1977, 18’, 35 mm – Cópia restaurada “Amo melancias. Gosto de possuí-las ao fim da tarde, quando vem chegando a penumbra, de pé, sobre a mesa da cozinha, no sofá, onde é mais aconchegante, ou deitado no tapete da sala, onde podemos rolar de um lado para o outro.” Assim começa o conto “Vereda tropical”, de Pedro Maia Soares. O curta-metragem de Joaquim Pedro de Andrade é parte do longa Contos eróticos, uma produção de César Mêmolo Jr., baseado em histórias premiadas no Primeiro Concurso de Contos Eróticos, lançado pela Editora Três e patrocinado pela revista Status, em 1976. Outros contos que se tornaram episódios no longa são: “Arroz e feijão”, “As três virgens” e “Arremate”, dirigidos, respectivamente, por Roberto Santos, Roberto Palmari e Eduardo Escorel. O curta de Joaquim Pedro, porém, foi proibido quase inteiramente pela censura e exibido às plateias brasileiras somente nos anos de 1980, quando já havia sido projetado na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes e, em Nova York, no Festival New Directors/New Films. Sobre o curta, Joaquim Pedro escreveu: “Crônica de uma tara gentil, encontro lírico nas veredas escapistas de Paquetá, imagética verbalização e exposição vergonhosamente impudica das fantasias eróticas, Vereda tropical contém a denúncia da vocação genital dos legumes, a inteligência das mocinhas em flor, o gosto da vida e a suma poética de Carlos Galhardo. Educativo e libertário.” [Os textos podem ser encontrados em: bit.ly/jpa-vt]
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O Aleijadinho
Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1978, 22’, 35 mm – Cópia restaurada Documentário sobre a vida e a obra do escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Nascido em 1738 na antiga Vila Rica, hoje Ouro Preto (MG), cedo se tornou conhecido pelas concepções técnicas que introduziu em seu ofício de escultor. Além das obras realizadas em Ouro Preto, trabalhou também em Tiradentes, Congonhas do Campo, Sabará, Mariana e outras cidades vizinhas. O roteiro é assinado por Lúcio Costa e a narração é de Ferreira Gullar.
Curadoria de cinema
Os filmes de outubro
Meia-entrada
Kleber Mendonça Filho
O programa de outubro tem o apoio da Atoms & Void, da Cinémathèque royale de Belgique, da Pluto Films, da OPTEC Filmes, da Revista Cinética, das distribuidoras Arthouse Distribuição, California Filmes Gullane, Park Circus, Deckert Distribution, Arco Audiovisual, Vitrine Filmes e do Espaço Itaú de Cinema.
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública municipal, estudantes, menores de 21 anos, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos, portadores de hiv e aposentados por invalidez.
Produção de cinema e DVD Barbara Alves Rangel Assistência de produção Thiago Gallego e Ligia Gabarra Projeção Adriano Brito e Edmar Santos
Apoio Souleymane Cissé
Cliente Itaú: desconto para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Venda de ingressos
Retrospectiva Joaquim Pedro de Andrade
Ingressos à venda na bilheteria, para sessões do mesmo dia. Vendas antecipadas no site ingresso.com. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala (113 lugares). Devolução de ingressos Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos ou por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.
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Sessões para escolas e agendamento de cabines pelo telefone (21) 3284 7400 ou pelo e-mail imsrj@ims.com.br Programa sujeito a alterações. Acompanhe nossa programação em cinema.ims.com.br e facebook.com/cinema ims As seguintes linhas de ônibus passam em frente ao IMS Rio: Troncal 5 - Alto Gávea - Central (via Praia de Botafogo ) 112 - Alto Gávea - Rodoviária (via Túnel Rebouças) 538 – Rocinha - Botafogo 539 – Rocinha - Leme Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea
Djon África (Djon África), de João Miller Guerra e Filipa Reis (Brasil, Portugal e Cabo Verde | 2018, 96’, DCP)
Terça a domingo, sessões de cinema até as 20h. Visitação Terça a domingo, inclusive feriados (exceto segunda), das 11h às 20h Entrada gratuita.
Rua Marquês de São Vicente 476 CEP 22451-040 Gávea – Rio de Janeiro 21 3284 7400 imsrj@ims.com.br
ims.com.br /institutomoreirasalles @imoreirasalles @imoreirasalles /imoreirasalles /institutomoreirasalles
Donbass (Donbass), de Sergei Loznitsa (Alemanha, Ucrânia, França, Holanda, Romênia | 2018, 110’, DCP