Cinema do IMS Paulista, dezembro de 2024

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Boi de prata, de Augusto Ribeiro Jr.
(Brasil | 1980, 88’, DCP)

destaques de dezembro

Uma seleção especial de filmes restaurados em 4K do diretor José Mojica Marins chega ao cinema do IMS Paulista e IMS Poços, encerrando a programação de mostras de 2024. Além da clássica trilogia de Zé do Caixão, a mostra também inclui obras com o personagem Finis Hominis, interpretado pelo próprio Mojica, apresentado como um “anti-Zé do Caixão”. O programa especial México Macabro: 19581961 destaca filmes de terror produzidos no México no mesmo período em que Mojica criava suas obras mais marcantes.

Nos dois episódios finais de Small Axe (2020), Steve McQueen explora a superação de um sistema educacional britânico opressor para crianças negras, seguido por um emocionante reencontro com a comunidade preta de Brixton. Novamente repleto de contornos musicais, esse momento oferece um caminho de cura aos personagens inspirados na vida real.

A proposta de reexaminar as memórias, o passado e a história do cinema nacional, com ênfase na contribuição negra que sustenta e define o cinema brasileiro, é central na sessão INDETERMINAÇÕES deste mês. O destaque vai para os atores Luiza Maranhão e Antonio Pitanga, com exibições dos filmes Colagem, de Davi Neves (1968), e Boi de prata, de Augusto Ribeiro Jr. (1980).

Terceiro milênio (1980), um dos grandes filmes de Jorge Bodanzky, em cópia restaurada em 4K, terá sua última exibição no Cinema do IMS, encerrando a mostra retrospectiva As câmeras de Bodanzky, que, desde abril, promoveu uma revisão completa da obra do cineasta.

Também em cartaz, o mais recente trabalho do diretor mauritano Abderrahmane Sissako, além de produções de brasileiros como Sérgio de Carvalho, Juru e Vitã, André Novais Oliveira, entre outros.

O Instituto Moreira Salles integra o Paulista Cultural, uma iniciativa que promove o intercâmbio entre as sete instituições culturais localizadas na Avenida Paulista. A proposta busca fortalecer a conexão entre elas, oferecendo ao público uma programação diversificada e acessível. No dia 08/12, todas as sessões de cinema do IMS serão gratuitas.

[imagem da capa]

Esta noite encarnarei no teu cadáver, de José Mojica Marins (Brasil | 1967, 108’, DCP, restauração 4K)

Mauritânia | 2024, 110’, DCP)

Black tea – O aroma do amor (Black Tea), de Abderrahmane Sissako (China, França, Luxemburgo, Taiwan,
Empate, de Sérgio de Carvalho (Brasil | 2020, 90’, DCP)
O barão do terror (El Barón del Terror), de Chano Urueta (México | 1961, 77’, DCP)

Filmes em cartaz

Sessão INDETERMINAÇÕES

José Mojica Marins

Restaurado

Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star – O filme

Fernando Moraes | DCP

Black tea – O aroma do amor

Abderrahmane Sissako | DCP

Empate

Sérgio de Carvalho | DCP

Malu

Pedro Freire | DCP

O dia que te conheci

André Novais Oliveira | DCP

Salão de baile – This is Ballroom

Juru e Vitã | DCP

Colagem

David Neves | DCP

Boi de prata

Augusto Ribeiro Jr. | DCP

Histórias ocupadas: Steve McQueen

Small Axe: Alex Wheatle

Steve McQueen | DCP

Small Axe: Education

Steve McQueen | DCP

À meia-noite levarei sua alma

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

Esta noite encarnarei no teu cadáver

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

O estranho mundo de Zé do Caixão

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

O despertar da besta (ex-Ritual dos sádicos)

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

Finis Hominis – O fim do homem

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

Quando os deuses adormecem

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

A estranha hospedaria dos prazeres

Marcelo Motta (direção não creditada:

José Mojica Marins) | DCP, restauração 4K

Inferno carnal

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

Delírios de um anormal

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

Encarnação do demônio

José Mojica Marins | DCP, restauração 4K

México Macabro: 1958-1961

Mistérios de além-túmulo

(Misterios de Ultratumba)

Fernando Méndez | DCP, restauração 2K

O espelho da bruxa

(El Espejo de la Bruja)

Chano Urueta | DCP, restauração 2K

A maldição da Chorona

(La Maldición de la Llorona)

Rafael Baledón | DCP, restauração 2K

O barão do terror

(El Barón del Terror)

Chano Urueta | DCP, restauração 2K

As câmeras de Bodanzky

Terceiro milênio

Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | DCP, restauração 4K

14:00 O dia que te conheci (71')

15:45 Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star - O filme (94')

17:50 Malu (103')

20:00 Black tea - O aroma do amor (110')

4

15:30 Malu (103')

17:35 Antes que me esqueçam, meu nome

é Edy Star - O filme (94')

20:00 Black tea - O aroma do amor (110')

10

14:30 O dia que te conheci (71')

16:00 Empate (90')

18:00 Black tea - O aroma do amor (110')

20:10 Quando os deuses adormecem (90')

11

14:00 Black tea - O aroma do amor (110')

16:10 Salão de baile - This is Ballroom (94')

18:00 Empate (90')

20:00 A maldição da Chorona (80')

17

14:00 Black tea - O aroma do amor (110')

16:10 Empate (90')

18:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

20:00 O espelho da bruxa (75') 24

Neste dia o IMS Paulista estará fechado

18

14:30 Black tea - O aroma do amor (110')

16:40 O estranho mundo de Zé do Caixão (76')

19:00 Palestra O restauro dos filmes de José Mojica Marins, com Paulo Sacramento

5

14:00 Empate (90')

15:50 Salão de baile - This is Ballroom (94')

19:00 À meia-noite levarei sua alma (81'), seguida de debate com Carlos Primati e Laura Cánepa e mediação de Paulo Sacramento

Neste dia o IMS Paulista estará fechado

12

14:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

16:00 A estranha hospedaria dos prazeres (79')

19:00 Sessão INDETERMINAÇÕES

Colagem + Boi de prata (98'), seguida de debate com Mariana Queen Nwabasili, Lorenna Rocha e Gabriel Araújo

19

14:00 Empate (90')

15:50 Black tea - O aroma do amor (110')

18:00 Delírios de um anormal (86')

20:00 O despertar da besta (ex-Ritual dos sádicos) (92')

26

14:00 Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star - O filme (94')

16:00 Malu (103')

18:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

19:50 Black tea - O aroma do amor (110')

14:00 Black tea - O aroma do amor (110')

16:10 Empate (90')

18:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

20:00 Esta noite encarnarei no teu cadáver (108')

22:10 Mistérios de além-túmulo (82')

7

14:00 Empate (90')

16:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

18:00 Terceiro milênio (90')

20:00 O espelho da bruxa (75')

22:00 O estranho mundo de Zé do Caixão (76')

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18:00 Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star - O filme (94')

20:00 Black tea - O aroma do amor (110')

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14:00 Black tea - O aroma do amor (110')

16:10 Salão de baile - This is Ballroom (94')

18:00 À meia-noite levarei sua alma (81')

19:45 Esta noite encarnarei no teu cadáver (108')

22:00 Encarnação do demônio (80')

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14:00 Empate (90')

16:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

18:00 Small Axe: Alex Wheatle (66')

20:00 O barão do terror (80')

22:00 Inferno carnal (85')

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14:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

15:50 Black tea - O aroma do amor (110')

18:00 Inferno carnal (85')

20:00 O barão do terror (80')

22:00 Finis Hominis - O fim do homem (88')

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14:30 Salão de baile - This is Ballroom (94')

16:30 O dia que te conheci (71')

18:00 Empate (90')

19:50 Black tea - O aroma do amor (110')

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14:00 Empate (90')

16:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

17:50 Black tea - O aroma do amor (110')

20:00 Mistérios de além-túmulo (82')

22:00 Quando os deuses adormecem (90')

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14:00 Empate (90')

16:00 Malu (103')

18:00 Small Axe: Education (63')

20:00 O dia que te conheci (71') 6

14:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

16:00 Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star - O filme (94')

18:00 O despertar da besta (ex-Ritual dos sádicos) (92')

20:00 Finis Hominis - O fim do homem (88')

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14:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

15:50 Black tea - O aroma do amor (110')

18:00 Delírios de um anormal (86')

20:00 A maldição da Chorona (80')

22:00 Malu (103')

19:20 Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star - O filme (94')

21:30 Black tea - O aroma do amor (110')

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14:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

15:50 Black tea - O aroma do amor (110')

18:00 A estranha hospedaria dos prazeres (79')

20:00 Encarnação do demônio (80') 29

14:00 Salão de baile - This is Ballroom (94')

16:00 Malu (103')

18:00 Sessão INDETERMINAÇÕES Colagem + Boi de prata (98')

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.

Finis Hominis - O fim do homem, de José Mojica Marins

José Mojica Marins

Restaurado

Cut-ups do São Paulo Shimbun

O texto ao lado é uma colagem feita por Paulo Sacramento de trechos de sete artigos escritos pelo cineasta e crítico Jairo Ferreira no jornal São Paulo Shimbun entre os anos de 1967 e 1972: “Os blefes de Mojica” (1967), “Mojica, cineasta antropofágico” (1968), “Antropofagia” (1969), “O lixão vai vomitar” (1970), “Fim do pesadelo” (1971), “A invasão dos sapos” (1972) e “Mojica, cafajeste mágico” (1972).

Seus escritos acerca da obra de José Mojica Marins e do personagem Zé do Caixão foram cortados e rearranjados segundo o método de cut-up (ou, mais especificamente, fold in), como utilizado pelo autor beat William Burroughs. O próprio Jairo Ferreira utilizou esse método em seu romance (ainda inédito) Sushi da Súcia.

Essa não dá pra aguentar. Tudo se admite, menos a morte do Zé do Caixão. O Antonio das Mortes sim podia morrer, ia ter pouca gente no enterro dele. Matou cangaceiro paca, mas fez muita demagogia, tem que #%$*#$. O Zé não, não pode morrer. Se o pesadelo acordado deixa de existir, a casa cai no vácuo. O negócio é descobrir quem é que anda tentando matar o Zé do Caixão. E acabar com o assassino antes que morra o personagem.

Vamos ver: com nada menos que dez cortes, a censura federal liberou O estranho mundo de Zé do Caixão. A fita de José Mojica Marins está mutilada. Fazemos questão de assinalar em negrito os cortes efetuados. No primeiro episódio, Bonecas, foi cortada a cena em que aparece um homem acariciando os seios de uma mulher (isto não é novidade para nenhum leitor, milhões de filmes já mostraram pior). Outra em que Mojica inseriu flagrantes de uma orgia (cf. O segundo rosto). Na segunda história, Tara, os soldados meteram a bota, digo, a tesoura, na cena do casamento em que a noiva é esfaqueada por uma mulher vingativa e rola pela escadaria da igreja. Os militares cortaram (e a parte cortada fica com quem?) também a cena em que um tarado beija o cadáver da mulher ( Belle de jour mostra pior: o homem se masturba com

um cadáver, e não teve corte). No último episódio, Ideologia, os ilustres mutilaram a cena da tortura de um homem, outra em que ele beija o corpo de uma dona, a de um prisioneiro que atira ácido na cara de uma mulher, outra em que Oãxiac Odéz sangra o prisioneiro, e outra onde ele devora os restos mortais de um casal solenemente servido à mesa. Foram só esses, Mojica?

As imposições do governo atual estão já inculcadas na mentalidade popular: a massa não tem reações, permanece entorpecida. Os filmes de Mojica são uma agressão, embora não tenham o menor sentido revolucionário. É uma revolta fictícia, trágica e irracional, obtendo um resultado subliminar, pois se não há transformação social surge a transformação existencial…

O diretor assegura que seu próximo filme –Encarnação do demônio – será muito mais forte. E espera que a censura use o bom senso. Nós preferimos acreditar que a fita será queimada juntamente com Mojica, pois parece que estamos involuindo para a Idade Média, voltando a ser macacos. E os próprios filmes de Mojica antecipam essa volta à Inquisição. Vejam todos que – sendo apolítico – este cineasta filma um estado de coisas bárbaro e selvagem como nos dias

de hoje só o renascente IV Reich poderia imaginar. Acontece que a fita será fragmentada, e isso prejudica uma visão total, que mesmo imaginando não será muito lisonjeira a Marins.

Centenas de pessoas gostaram dos filmes, mas não conseguem explicar nada. Perderam a lucidez (que nunca tiveram), perderam a capacidade de agressividade e, no fundo, subconscientemente, pensaram que Zé do Caixão é um líder como Jânio Quadros… Mas um e outro discordam: deve-se instruir a plateia a não aceitar o seu cinema nacional predileto; a opinião de alguns críticos representa as conveniências dos mesmos. Trata-se de saber manobrar: elogiar a calamidade pode ser tática: combater as fitas de Mojica pode ser frustração. A guerra ainda não começou e os adversários escolhem suas armas: Mojica é uma dessas armas de dois gumes. Começa a ser uma situação, um fato sociológico.

Em Ritual dos sádicos1 (inédito), o próprio Mojica fala de seu personagem, encerrando

1. Em 1986, após 17 anos de censura, o filme originalmente intitulado Ritual dos sádicos (anteriormente Bacanal dos sádicos) foi renomeado como O despertar da besta, título com que tem circulado desde então.

o ciclo num metacinema extraordinário. Um filme magistral. Aqui estamos diante de um filme novo, novíssimo, pois é um filme extremamente brasileiro. A ambientação: os programas de TV em que Zé aparecia, as revistas de terror que aos poucos desapareceram das bancas, a música carnavalesca “Castelo dos horrores”. Filme de uma dignidade incrível.

Mojica Marins est á 50 anos à frente do Buñuel e surge como primitivo-surrealista porque filma a realidade brasileira pelo avesso, pelo subjetivo. O terror artificial de certo cinema estrangeiro vira realidade. O parnasianismo da Rapaziada do Brás, melodia de som lírico em caixinha de música, vira cinema dantesco nas mãos de Mojica.

O estranho mundo de Zé do Caixão, de José Mojica Marins

Era preciso muita coragem para filmar tudo isso: Mojica assumiu essa estrutura, como pioneiro, semivanguarda no cinema de linguagem chanchadística que foi e ainda é o cinema brasileiro. Criticá-lo por usar música de Edgar Varèse, ele que não tem grana para contratar Duprat ou Os Mutantes? Por ser picareta? Não: se existe o Chacrinha, então tudo é permitido… É proibido proibir, diz Caetano.

Em São Paulo está surgindo um movimento cinematográfico: a substituição pura e simples da certeza pela incerteza, do estável pelo instável, uma total recusa ao fixo e ao correto. O mau comportamento, enfim. Uma fase desorientada, porém criticíssima. Um cinema espúrio por excelência, paupérrimo por condição. Mas suficiente para alvoroçar uma cidade. Parabéns a Mojica e ao subdesenvolvimento!

Todas as noites acordo com o ruído das unhas do Zé contra o caixão. Acorrentaram o esquife do homem. Está sobrevivendo da força do seu próprio sangue. Raça nova. E quem o pichou de nazista é quem o era. Imbecis nunca entendem o que vem dois ou três anos antes de sua época mesquinha. Relâmpagos! Relâmpagos! O Zé está gemendo: será que conseguiu arrebentar as correntes? As unhas

do Zé estavam sangrando entre o caixão e a tampa. E ele prometia vingança, prometia assar a cabeça de seus algozes e servir num banquete com uma batata na boca e uma cenoura em cada olho.

A antropofagia no cinema brasileiro nasceu com À meia-noite levarei sua alma , Esta noite encarnarei no teu cadáver, O estranho mundo de Zé do Caixão (último episódio) e agora o extraordinário Bacanal dos sádicos, que está em fase de conclusão. Mas em Marins tudo é inconsciente.

Mojica é um sádico? Um hedonista? Um doido? Um primitivo? Um comunista? Um intuitivo? Um masoquista? Um desrecalcado? Ou será um lunático disfarçado em terráqueo?

Jos é Mojica Marins é o cineasta mais bárbaro, criativo e deflagrador do cinema nacional. Mojica, o visionário da Mooca, o criador do Zé do Caixão, sem dúvida o melhor personagem de toda a história do cinema nacional, não sabe se abandona o cinema pelo circo ou se enlouquece indo ao cartório de protesto todo dia.

quando tem… Daí que realmente é o cineasta dos excessos, da riqueza cafajeste, da riqueza selvagem. Nada mais linear, mas nada mais quente, nada mais provocante: é a antropofagia num nível de escrotidão jamais visto na tela. Tá na cara que Mojica é o diretor mais corajoso do cinema brasileiro: é a coragem de se olhar no espelho e reconhecer um grandíssimo (&&&)…

Repudiar Mojica é fácil, o difícil é degluti-lo. Devorem o Mojica! Os que com seriedade conseguirem fazê-lo sentirão o fantástico sabor do homem brasileiro gangrenado, tipo classe-média-para-baixo – vítima antecipada da pseudo-revolução industrial que estamos vivendo.

Vá ter talento em outra parte, seo Zé. Você tem demais o que os outros tem de menos,

Talvez Mojica seja mesmo importante: a decisão cabe ao cinema nacional, ao processo revolucionário… Mojica não tem a menor pretensão de englobar-se naquela história-que-marcha-pra-frente, contentando-se com o sucesso imediato e o nome em letras maiúsculas nesta enciclopédia de besteiras que é o cinema de massa entre nós. Ele mobiliza a plateia, abre alas, faz figura. Isto é o que falta a muita gente de qualidade. Enquanto o Brasil está dormindo, que venham mil Mojicas!

José Mojica Marins

O mundo era apenas parcialmente conectado em meados da década de 1990, quando os gringos de repente descobriram Zé do Caixão. O infame e blasfemo personagem criado (e encarnado) 30 anos antes por José Mojica Marins fascinou e escandalizou aficionados por horror nos Estados Unidos, e matérias anunciando a “novidade” se espalhavam em várias publicações dedicadas ao gênero: Psychotronic Video, Cult Movies, Fangoria etc. Foi quando, por volta de 1995-1996, a distribuidora Something Weird Video, de Seattle, acrescentou em seu enorme catálogo de esquisitices 12 títulos de Mojica: “Coffin Joe Invades America!”, alardeava o anúncio das fitas. Vendidas ao preço individual pouco camarada de US$ 20, ofereciam uma imersão no cinema mojicano, incluindo raridades como Pesadelo macabro, Perversão e Quando os deuses adormecem, junto a toda a saga de Zé do Caixão.

Se, por um lado, a SWV preenchia uma lacuna significativa e ajudava a recontar a história do cinema de horror mundial a um público ávido por surpresas, por outro, oferecia um produto com pouco, quase nenhum, cuidado com a qualidade. A notícia chegava ao Brasil, e a euforia justificava os esforços dos fãs em posse de um cartão de crédito internacional para investir na importação dos títulos mais raros. O custo

era indigesto: em valores atuais, cada fita sairia por pouco mais de US$ 40, ou R$ 230 na cotação de fins de 2024. Por uma reles fita VHS. Ainda assim, a euforia de ampliar a coleção de filmes raros superava a ruindade das gravações, como no caso da péssima cópia de Quando os deuses adormecem (When the Gods Fall Asleep), lançada toda em preto e branco, truncada e com 17 minutos a menos. Às vezes, nem sequer dá para entender o que está acontecendo – mas era a única cópia lançada em home video dessa pérola quase perdida.

A relevância desse contexto é colocar em discussão a urgência de que uma obra cinematográfica seja assistida em seu formato mais fiel possível ao original; pelo menos quando nos julgamos no direito de avaliar os méritos – e deméritos – de seus criadores. Por muito tempo, tempo demais, a obra de Mojica foi menosprezada, desdenhada e desqualificada por argumentos pífios e equivocados sobre seus valores de produção supostamente miseráveis, eventuais tropeços técnicos ou inventividade confundida com inabilidade. Mesmo quando suas principais obras foram lançadas em DVD e celebradas pela importância de recolocar em foco o cinema de Mojica, e não sua figura pública extravagante e muitas vezes folclórica, ainda havia problemas:

matrizes não restauradas, sem a devida correção de cor e até mesmo em proporção de tela errada.

Quase 30 anos depois, o mesmo Quando os deuses adormecem, tão maltratado em sua edição em VHS ianque, finalmente pode ser visto pelo cinéfilo brasileiro, mais de meio século após sua estreia nos cinemas nacionais. Integral, nítido, em cores vibrantes escandalosamente vivas. E nem se trata de um restauro completo: os negativos originais estragaram, e o filme foi digitalizado em

resolução 4K a partir de sua cópia de preservação arquivada na Cinemateca Brasileira; ou seja, o único registro em película ainda existente do filme. Mas o espetáculo enche os olhos.

Não só os olhos: visto em sua versão integral pela primeira vez pelo grande público, expande o conhecimento do que é o cinema de Mojica, contendo uma chocante, catártica e penosamente longa cena atribuída à quimbanda (com sacrifício de galinhas pretas), indo inclusive muito além das malvadezas

de Zé do Caixão. Não deixa de ser irônico que, com esse filme e seu predecessor Finis hominis, nos idos de 1971-1972, com seu estudo cínico sobre fanatismo, hipocrisia, alienação e loucura, Mojica tentava se afastar do terror explícito de Zé do Caixão, que lhe causava dores de cabeça devido à perseguição ferrenha da censura. Era Mojica sendo Mojica…

Mesmo em seus lançamentos originais, poucos filmes do cineasta foram exibidos na íntegra. Desde a ameaça de interdição a

Quando os deuses adormecem, de José Mojica Marins

O estranho mundo de Zé do Caixão, só liberado depois de ter 20 minutos extirpados, ou os inúmeros picotes que deixam Finis hominis quase incompreensível, chegando à já mencionada cena de ritual em Quando os deuses adormecem, e culminando no veto radical a Ritual dos sádicos, as obras de Mojica raras vezes eram poupadas das tesouras nervosas dos censores. Com isso, ele talvez tenha sido o diretor brasileiro mais perseguido pela censura do fim dos anos 1960 até meados da década seguinte. Tamanha vigilância (implicância?) fez com que Mojica só encontrasse seu público em território estrangeiro, particularmente na Europa, para onde viajou com frequência durante todos os anos 1970. Homenageado em festivais de cinema fantástico, foi recebido como um mestre do terror e teve sua carreira abordada em uma matéria especial da revista espanhola Terror Fantastic, editada por Pedro Yoldi, em fevereiro de 1972, e foi destacado na capa da publicação em novembro de 1973, quando O estranho mundo de Zé do Caixão participou do Festival de Sitges. Na França, ocupou as páginas de duas edições da revista L’Écran Fantastique , em 1973, editada por Alain Schlockoff, com um texto de Luis Gasca esmiuçando seu cinema singular, exaltado na Convention du Cinéma Fantastique em

Paris. No Brasil, sem publicações especializadas no gênero, era tratado com desdém e desprezo por grande parte da crítica –isso quando se davam ao trabalho de ir ver seus filmes.

As dez cópias meticulosamente recuperadas e restauradas de longas-metragens realizados por José Mojica Marins representam a parcela imprescindível de sua obra – que consiste ainda de títulos valiosos que aguardam com urgência o mesmo cuidado de preservação. Podemos dizer, de todo modo, que um terço do cinema mojicano enfim está em seu melhor formato possível, e que principalmente as novas gerações poderão conhecer a potência de seu cinema em todo o esplendor audiovisual que qualquer obra fílmica merece ser vista.

O próprio cinema brasileiro “renasceu” das trevas do abandono administrativo e do pesadelo da pandemia por meio de Zé do Caixão: 2020 ficou marcado como o primeiro ano sem Mojica – falecido em 19 de fevereiro daquele ano – e foi quando o planeta praticamente se trancou dentro de casa. A paralisação quase completa das atividades de cultura e entretenimento pareciam um luto prolongado, com cancelamento de festivais e mostras de cinema. Mas o retorno faria justiça ao mestre: a reabertura da Cinemateca Brasileira, depois de dois anos abandonada e

em litígio, aconteceu em uma sexta-feira 13, em maio de 2022, com a mostra O cinema sem medo de Mojica. A seguir, em junho do mesmo ano, o Instituto Moreira Salles, em São Paulo, festejou o cineasta, ao reabrir suas portas com uma sessão comentada de O despertar da besta. O mundo teve de parar para que o cinema brasileiro mais uma vez reavaliasse seus valores.

Indiscutivelmente um de nossos principais cineastas, celebrado em todas as listas de diretores essenciais organizadas neste século por críticos e pesquisadores, José Mojica Marins é reconhecido unanimemente como o inventor do cinema de horror brasileiro e mestre absoluto do gênero no país. Sua permanência como uma figura de controvérsia, provocação e debates acalorados atesta a pujança de sua arte, que se revigora com o passar do tempo sem perder o potencial de assombro e maravilhamento. A exemplo do próprio cinema brasileiro, sua trajetória é a do eterno retorno, da (re)descoberta e da (re)avaliação. É um novo ciclo, pela primeira vez sem Mojica convivendo entre nós, restando somente seu acervo criativo. E, como diz o sádico e perverso Zé do Caixão em À meia-noite levarei sua alma, logo depois de dar fim a uma de suas inúmeras vítimas: “Foi um belo espetáculo”. Na verdade, ainda está sendo!

1958-1961

Pesadelos latinos

O gesto da programação do Cinema do IMS de trazer quatro filmes mexicanos contemporâneos à filmografia restaurada de José Mojica Marins pode representar uma união de filmes próximos. Na verdade, esses filmes de horror aqui reunidos gritam juntos, em português e em espanhol.

No plano geral, a união do Mojica com os mexicanos apresenta realizadores trabalhando numa mesma época (a década de 1960) fora de Hollywood e produzindo pesadelos filmados na América Latina. Em comum, eles encontraram, à época, a popularidade nos cinemas e quase sempre o desprezo da crítica e da academia.

Fora de seus países, os mexicanos encontraram alguma exploração comercial ao serem dublados para o inglês e programados em TVs dos Estados Unidos. Os filmes de Zé do Caixão passaram por algo semelhante no home video dos anos 1990, quando a distribuidora Something Weird distribuiu Mojica no mercado de VHS dos Estados Unidos e Canadá. Todos estão hoje sendo reavaliados em restaurações com tecnologia do século 21, via blu-rays de alta definição e exibições em cinema.

Os quatro títulos são repletos de imagens que ficam com o espectador. É a assombração do cinema, das coisas que, uma vez vistas, já não são mais desvistas. A Chorona e seus cachorros, a criatura lisérgica do barão do terror – que nenhuma criança pequena sofra o acidente de vê-los. Foi fácil montar uma boa vinheta para essa nossa programação composta por flashes desses filmes. São Cinema.

Os filmes podem ser vistos também como uma boa porta de entrada para a produção mexicana de horror e ficção científica, gêneros que encontrariam décadas mais tarde um desdobramento na obra marcante de Guillermo Del Toro, que começou no México e migrou com sucesso para Hollywood.

Sobre José Mojica Marins, acredito que a marca deixada por ele continua sendo única no cinema brasileiro e mundial, um autor que foi capaz de traduzir pesadelos com originalidade e soluções da mais fértil imaginação, trabalhando à margem de um cinema brasileiro pós-Vera Cruz, pré-Embrafilme, e um contemporâneo distante do Cinema Novo.

Sumidos há décadas, quatro produções da Cinematográfica ABSA/Alameda Films são aqui projetadas em cópias restauradas digitalmente em 2K: Misterios de Ultratumba (1958), de Fernando Méndez, El Espejo de la Bruja (1960), de Chano Urueta, El Barón del Terror (1961), também de Chano Urueta, e La Maldición de la Llorona (1961), de Rafael Baledón.

Notoriamente, o Cinema Novo não teve o grande público de Mojica, mas gozou de enorme prestígio no Brasil e no exterior. Creio que no Brasil, Mojica permanece um incrível e maravilhoso mistério.

Os quatro filmes mexicanos são frutos de projetos comerciais realizados com afinco, três deles produzidos pelo poderoso produtor Abel Salazar, que começou como um astro de grande popularidade no México da década de 1940. Um grande nome da época de oro.

Esses títulos me lembraram ao longe a versão filmada em espanhol de Drácula (1931), da Universal, dirigida por George Melford, que utilizou à noite e de madrugada os mesmos cenários da versão “oficial” em inglês (dirigida por Todd Browning). O produto foi lançado em Cuba, México e Espanha, mas sem o êxito comercial da versão original em inglês, estrelando Bela Lugosi. O projeto da Universal era o da conquista de mercados de “língua estrangeira”, enquanto os mexicanos desejavam filmar seus próprios filmes de gênero.

Dois filmes têm a direção de Chano Urueta, autor que deixa transparecer duas coisas: uma carpintaria industrial que sugere proximidade com o cinema hegemônico vizinho de Hollywood; e um corte claramente mexicano, como em El Barón del Terror, onde o

Vice-Reino da Nova Espanha tem participação empolgante na trama histórica.

De fato, a proximidade de Hollywood sugere uma distância notável entre os mexicanos aqui reunidos e o sentimento que define a nossa relação com o cinema de Mojica, talhado a partir de uma matéria prima totalmente incomum. As convencionais figuras aristocráticas do “barão”, do “conde”, da “madame”, do “cientista louco” poderiam até sugerir proximidade dramática

com o agente do caos “Zé do Caixão”, mas estão distantes do coveiro sanguinário e brasileiro, obcecado com a continuidade do seu sangue querendo procriar.

O que une os filmes é a técnica fora do padrão hollywoodiano, os fios que fazem monstros e cometas voar, os efeitos de maquiagem pesada, os cenários e a certeza de que estamos diante de propostas alternativas para um cinema de gênero normalmente dominado por uma outra indústria.

A maldição da Chorona (La Maldición de la Llorona), de Rafael Baledón

As

câmeras

de Bodanzky Decifra-me, homem do terceiro milênio, ou te

devoro

Lúcia Monteiro

Agosto de 1980. Jorge Bodanzky já havia concluído longas-metragens como Iracema, uma transa amazônica (1974), Gitirana (1975) e Jari (1979) quando retorna a Manaus para uma nova realização com financiamento da ZDF, emissora pública de televisão da Alemanha, em companhia do alemão Wolf Gauer e do inglês radicado no Brasil David Pennington. Com Pennington no som, munido de um gravador Nagra, e Bodanzky na câmera Éclair, 1 a pequena equipe seguiria o senador Evandro Carreira em uma expedição fluvial da capital amazonense até Benjamin Constant e Cavalo Cocho, na fronteira com o Peru. Se Iracema incorporava à ficção elementos do cinema documentário para retratar a realidade da população amazônica em meio à construção da nova rodovia, Terceiro Milênio é inequivocamente um documentário. Ainda assim, o protagonista, que tinha dado prova de carisma e eloquência durante as filmagens de Jari, apresenta o colorido de um personagem de ficção algo cômico, algo sobrenatural.

1. ARAUJO, Mauro Luciano S. “Cinema ativista de Jorge Bodanzky – o imaginário profundo de Terceiro milênio”, em: Manuscrítica. Revista de crítica genética , 2011. Disponível em: http://revistas.fflch.usp.br/manuscritica/article/ view/1115/1014.

Evandro Carreira (1927-2015), eleito senador pelo MDB do Amazonas em 1974, procurara Bodanzky em São Paulo, pois sabia que o cineasta havia registrado imagens da floresta em chamas em Iracema. Contou que presidia a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito da Amazônia e da conversa surgiu o projeto que se tornaria Jari. Em nosso primeiro contato com o personagem, no início de Terceiro milênio, um princípio de entrevista é interrompido quando o telefone de seu diretório em Manaus toca. Do outro lado da linha, o interlocutor incita o parlamentar a identificá-lo pela voz. Carreira rapidamente transforma o embaraço em uma saudação efusiva ao deputado, chamando-o de “meu amigo, meu irmão”. O partido estético do filme fica assim evidenciado de saída: os realizadores estão menos interessados em entrevistar Evandro Carreira do que em apresentar as facetas de sua personalidade complexa através das situações que surgem no percurso pela região do Alto Solimões. Antes de levantar âncora, o senador pede que seu nome, pintado em vermelho na embarcação, seja reforçado. Quer que as pernas do “E” pareçam mais grossas. Quando o motor esquenta e o momento de zarpar é adiado, Carreira aproveita para falar sobre o tempo amazônico: quem está acostumado com hora marcada e rapidez

vai se estressar, isso não funciona ali. O comentário sobre a temporalidade amazônica pode parecer lugar-comum ou então soar como um recado para a equipe, provavelmente acostumada à propalada “pontualidade alemã”. Mas, àquela altura, Bodanzky e Gauer possuíam uma considerável quilometragem de Amazônia. Além disso, no arco que o filme descreve, percebemos que o combate que Carreira trava é com as instituições do poder federal do Brasil. Como a Fundação Nacional do Índio, a Funai, criada para proteger os indígenas, mas acusada de corrupção e de tentar maquiar as más condições de vida das populações amazônicas. Ao final da expedição, o senador incensa as potências proteicas daquela civilização aquática, chamada de “hidromedusa”, e diz: “É um mundo diferente, que Brasília não entende e ninguém entende”. Encerra-se o percurso fluvial e, numa espécie de epílogo, o filme mostra que, por mais que estejamos diante de um brilhante orador, há mais em seu discurso do que retórica afiada. Na Capital Federal, vemos o parlamentar de gravata, primeiro em seu apartamento, postado diante de uma tela de grandes dimensões que retrata uma paisagem amazônica. Será que a melancolia da cena vem da pintura? Nela, uma casa solitária e inabitada aparece em meio à vegetação

sem movimento, emoldurada por galhos e folhas escuras, que pendem para o chão. Pela primeira vez ouvimos da boca do político palavras como "angústia" e "nostalgia".

Instantes depois, quando discursa na Casa Legislativa, o retrato se completa: o senador pega o microfone para falar dos perigos enfrentados pela Amazônia nessa “sociedade antropófaga e capitalista”, e os demais políticos fazem troça.

No retrato complexo e ambíguo que Terceiro milênio faz, Evandro Carreira apresenta contornos de um personagem incompreendido. Esse é, aliás, o sentido do título do filme, retirado de uma fala do senador, já ao final da viagem. Apenas no século 21 seu argumento terá condições plenas de entendimento, insinua ele, num discurso que tomo a liberdade de reproduzir aqui. Na proa da embarcação, sob a luz do fim de tarde, de sunga estampada e torso nu, Carreira diz, voltado para a câmera:

A Amazônia é isso. É água, é umidade, é calor, é selva, é árvore, é fotossíntese. E eu me sinto como parte dela. É uma nova esfinge indagando o homem do futuro. Pedindo uma decifração dessa realidade hidrofitográfica que é a Amazônia. Ou tu me inventarias, ou tu me investigas, ou tu me decifras, homem do terceiro milênio,

ou eu te devorarei com a devastação, com o deserto e com o inferno que será a futura Amazônia... [grifo meu].

Sem qualquer sinal de linguagem que indique a mudança, Carreira passa a falar em nome da Amazônia em primeira pessoa, no que soa como uma funesta profecia, e que talvez apenas nosso tempo tenha a condição efetiva de ouvir. De fato, o argumento do senador, que mencionava a necessidade não de tentar domar a natureza da floresta, mas de adaptar-se a ela, respeitando-a, destoava à época. Nos estertores da ditadura civil-militar, vigorava o desenvolvimentismo e o ideal de progresso que dependia do controle das forças naturais. Nesse sentido, Carreira parece mais próximo deste nosso terceiro milênio, em que se tornaram populares livros de autores indígenas, como Ailton Krenak e David Kopenawa, e de defensores da agência das plantas, como Stefano Mancuso e Emanuele Coccia.

O discurso do senador, ainda no barco, continua: “[...] que só poderá ser preservada se um dia a Amazônia tiver um governador capacitado para tanto, que a entenda, que a compreenda”. Está falando de si, qual um mensageiro do futuro. Nesse ponto, porém, o discurso começa a virar: “[...] que a penetre, que a desvirgine, que a deflore com ideias

autênticas, não estuprando-a, deflorando-a com amor, com harmonia”. É então que ele mesmo se interrompe. Já em terra firme, ele vira a cabeça para o lado e diz: “Olha

esse olho lindo da cabocla da nossa terra”. Vemos, então, uma mulher morena, sorrindo.

Dentre as muitas com quem Carreira interage ao longo do filme, me intriga a loira, de

biquíni, que faz parte da tripulação do barco. Aparece algumas vezes na borda da imagem e jamais se dirige à câmera, não é identificada, não sabemos o que faz ali. Crianças

Terceiro milênio, de Jorge Bodanzky

ribeirinhas e indígenas também têm suas imagens gravadas ao longo do percurso. Na cena em questão, numa das sequências finais, a “cabocla de nossa terra” encara a câmera e balbucia algo e suponho que, sorrindo, agradeça. Não chega, no entanto, a ser efetivamente ouvida.

A pesquisadora Marina Bredan, em um de seus textos sobre Terceiro milênio, 2 escreve que “embora Carreira seja às vezes visionário, seu discurso não está isento de cair em clichês coloniais sobre a Amazônia, como quando compara a floresta a uma donzela”. Impossível não lembrar que o nome da floresta é forjado na expedição em que torsos imberbes são vistos, provavelmente de indígenas, e confundidos com mulheres guerreiras da mitologia grega, como Pentesileia, representantes de uma cultura matriarcal que assombrava por lutar como homens. Em De volta ao terceiro milênio (2006), Bodanzky retorna ao Alto Solimões e exibe as filmagens de Carreira para a população local. Para Marina Bredan, quando, na plateia, uma mulher reconhece no discurso de Carreira uma apologia ao estupro, “o arcaísmo dos termos” seria capaz de revelar

“a longa história de violência enraizada na história do colonialismo, das missões religiosas e do heteropatriarcalismo”.

2. BREDAN, Marina. “Terceiro milênio: o recado amazônico de Jorge Bodanzky”. Revista Rosa, v. 2, n. 2, novembro de 2020. Disponível em https:// revistarosa.com/2/terceiro-milenio.

Ao longo de Terceiro milênio, uma mulher é de fato filmada e ouvida. Trata-se de uma antropóloga que fala sobre a disposição dos Ticuna em aprender português, ligada ao desejo de embranquecerem-se, de deixarem de ser considerados “índios”. É um plano curto, relativamente escuro, e a antropóloga está no fundo do quadro. Como seu nome não é mencionado nos créditos do filme, fiz uma captura da tela para tentar identificá-la e tentei buscas infrutíferas no Google. Mais sucesso teve minha amiga Oiara Bonilla, professora de antropologia da Universidade Federal Fluminense, que mobilizou colegas e alunas para identificá-la, a meu pedido. Será Eliane Cantarino O’Dwyer? Ou Priscila Faulhaber? As hipóteses se multiplicavam e nós nos dávamos conta que, na década de 1980, havia diversas mulheres pesquisando e atuando na região. O nome mais provável é o de Jussara Gruber que, naquela época, estava entre as fundadoras de um Centro de Documentação e Pesquisa do Alto Solimões. Por décadas, suas pesquisas buscavam ajudar o povo Ticuna a estabelecer uma identidade mais forte, defender sua cultura e proteger suas terras contra latifundiários e madeireiros.

Terceiro milênio é um filme cheio de tempos fortes, habilmente conduzido pelas falas e gestos do senador. Num desses momentos, ele está em uma comunidade Ticuna e o assunto é alfabetização. Quando os indígenas reclamam por escolas, Carreira incita os indígenas a aprenderem uns com os outros e começa a testá-los. “Quem aqui sabe ler?”. Aos que conseguem provar que já adquiriram a habilidade, o político oferece exemplares de seu livro, Recado amazônico. 3 Sua plataforma política baseava-se em seis pontos principais, que sintetizam sua ambivalência entre um respeito absoluto à selva e o desenvolvimentismo baseado na abertura de estradas e no crescimento da Zona Franca. Leitor de Ramayana de Chevalier (1909-1972), Carreira enfatizava a pequenez dos humanos diante da imensidão do planeta e do universo, maiores e muito mais antigos do que nossa espécie. Que a humanidade de nosso tempo esteja mais propensa a preparar a própria devoração é uma triste leitura a contrapelo das profecias do senador milenarista. Talvez possamos considerar, por outro lado, que estejamos hoje mais aptos a ouvir alguns de seus argumentos e a lutar pela proteção das vidas humanas e não humanas da hidromedusa.

3. CARREIRA, Evandro. Recado amazônico. Brasília: Senado Federal, 1976.

Colagem, de David Neves

Luiza Maranhão,

INDETERMINAÇÕES

Dedicar uma

sessão a quem dizia não gostar de cinema

Lorenna Rocha e Gabriel Araújo

Teu nome se repetiu por diversas vezes em diferentes jornais nas décadas de 1960 e 1970. Barravento, Assalto ao trem pagador, Ganga Zumba. A deusa negra do cinema brasileiro. A cantora, que preparava um show com Wilson Simonal e um LP. A modelo, que alçava voos em passarelas italianas. A mulher que não encontrava maquiagem de sua cor em terras estrangeiras.

Ely Azevedo te chamou de “baiana gaúcha”. Alex Viany, por sua vez, de “Sophie Loren em negativo”. Nos palcos de teatro, destacaram sua voz rouca ao substituir Nara Leão em Liberdade, Liberdade , do Grupo Opinião. Você esteve em Recife, na praia de Boa Viagem, por ocasião da peça, e mencionou que acreditava que o Cinema Novo consolidaria o cinema brasileiro ao redor do mundo.

Entre alguns anúncios de publicidade, A canção do negro amor, dirigida por Zózimo Bulbul, também chamou atenção. As linhas deixaram escapar sua posição política crítica à ditadura civil-militar que atravessava. Será que você tem uma cópia do texto que Nelson Rodrigues escreveu sobre ti, no Roteiro do Rio, em 1963?

Uma colunista lamentou quando não te escolheram para ir a uma das edições do

Festival de Arte Negra de Dakar. É verdade que Augusto Rodrigues escreveu a canção “Mundo triste” após ver você cantando enquanto pintava um retrato teu? No cantinho da página do jornal, afirmavam que Luiza Maranhão iria defender a tal música no II Festival da Canção Popular, em 1967. Zezé Motta, em outra matéria, disse te ter como inspiração.

Seu talento e trabalho como atriz, sempre em destaque, não aparecia entre as linhas sem qualquer elogio ainda maior a suas feições, seu corpo negro, sua sensualidade. Fotografias tuas nas páginas dos folhetins encarnam justamente a contradição dessas histórias da sua biografia que são imaginadas através de manchetes, entrevistas e críticas de cinema desse recorte temporal: a mistura entre admiração, exotismo, fascínio, respeito, desejo, racismo e orgulho.

A ambiguidade ao retomar esses momentos da tua vida de multiartista parece ser própria daqueles e daquelas que construíram a história do cinema brasileiro com/apesar/através de sua negridade. Controverso também é dedicar uma sessão de filmes a quem, desde o início, dizia não gostar de cinema. Mas, como revisitar as proposições estéticas e os seus modos de atuação, senão olhando novamente para as obras que você colaborou?

O desejo de mergulhar na vida e obra de Luiza Maranhão nos levou até Colagem (David Neves, 1968) e Boi de prata (Augusto Ribeiro Jr., 1980). Títulos mais desconhecidos de sua filmografia, eles nos possibilitam investigar acerca de dois períodos fundamentais da carreira da atriz negra: seu envolvimento triunfante com o Cinema Novo e sua volta ao cinema após ter vivido alguns anos fora do Brasil.

O inconformismo, então, se figura através do contato entre os dois filmes. De um lado, no seio cinemanovista, apresenta-se não apenas um ideal cinematográfico, mas uma projeção revolucionária sobre um país. Luiza Maranhão e Antonio Pitanga, aqui, são as vozes, os rostos, aqueles que, emblemática e contraditoriamente, corporificam os anseios dos cineastas brancos de classe média.

Do outro, na quentura do Seridó, a luta anticolonial ganha bravura e brilho com um boi cintilante. Luiza, de deusa do Cinema Novo, transforma-se em sonho, onça, dona de casa, curandeira e feiticeira. O interior do Rio Grande do Norte reencena as tensões de poder que recortam o Brasil antes mesmo dele ter sido nomeado assim.

Para a sessão, convidamos a pesquisadora e curadora Mariana Queen Nwabasili para conversar a partir da poética de Luiza Maranhão. Contamos também com

uma versão inédita digitalizada em 4K de Colagem , produzida especialmente por ocasião dessa homenagem, uma realização do Cinema do Instituto Moreira Salles e da plataforma INDETERMINAÇÕES, com apoio da Mnemosine Serviços Audiovisuais. A digitalização ocorreu no Laboratório Mapa Filmes do Brasil/Link Digital, localizado na cidade do Rio de Janeiro. A coordenação técnica é assinada pela preservadora audiovisual Débora Butruce.

Na revista de cinema do IMS, a atriz Amandyra ressalta a magia, o mistério e o encantamento de Maranhão, sua multiplicidade, e vê-se diante de uma referência atoral que a motiva cinemirar , olhar para o invisível através do cinema. Já o pesquisador, diretor

e curador de cinema Ewerton Belico entrecruza o curta e o longa-metragem em suas jornadas históricas, onde a performance de Luiza Maranhão aparece como força motriz de sopros do tempo, reverberando encontros que produziram cinemas possíveis.

As assimetrias e conflitos dessas histórias aparecem, mesmo à revelia, na superfície dessas imagens. Interessa, portanto, dar atenção e acompanhar as expressões, os olhares, os movimentos de Luiza Maranhão. E, mais ainda, perceber como sua contribuição artística e estética nos ajuda a reelaborar as memórias, o passado e a história do cinema nacional, dando destaque a negridade que pavimenta e realiza aquilo que entendemos como cinema brasileiro.

Colagem, de David Neves

INDETERMINAÇÕES

Cinemirar ou onde o encantamento

parece

coincidência

Amandyra

Uma palavra-imagem me aconteceu após assistir Colagem (David Neves, 1968) e Boi de prata (Augusto Ribeiro Júnior, 1980). Na vontade de definir o ato ou efeito de mirar o invisível através do cinema. Ver além dos olhos. Estar relacionado à visão em sua qualidade mítica e mística. Cinema possível. Negro. Potiguar. Cinemirar é a experiência de habitar muitos mundos ao mesmo tempo, tudo isso diante de um filme.

Das muitas magias, funções e poéticas do cinema, ele é também responsável por agir no sonho. Criar e pescar memórias que adormecem nas gavetas da consciência. Recriar a história na perspectiva dos humanos e outros seres, enviesar. E esse reconhecimento do cinema como ferramenta decolonial nos encoraja a proteger e celebrar os espectros de nossa cultura, nos blindando, enquanto povo, dos ataques e invasões estrangeiras, como vemos em Boi de prata. Augusto Ribeiro Jr., em sua cinemiração, nos contempla com o retrato de um Brasil pindorâmico que, mesmo cobiçado, se resguarda na brincadeira do boi cintilante, onde fé e festa se encontram na mesma importância. E em um filme tão imerso no reconhecimento de divindades, não poderia faltar a realeza, deusa negra do cinema brasileiro, Luiza Maranhão.

Luiza arrebata na primeira aparição em Boi de prata. Se os olhos são os espelhos

da alma, nos primeiros dez segundos de sua imagem não o vemos direcionados para o horizonte, mas para a terra. Sua presença encandeia uma força reconhecida, difícil de nomear, por se tratar do poderoso mistério invisível que só a atriz, neste momento, está vendo e criando. Os olhos voltados ao chão, indecifráveis, junto à condução do jumento, instauram para o espectador a liderança paciente de sua personagem, que abre caminhos, e sua aura de importância no mundo concreto e metafísico passa a ser, então, inquestionável dentro da narrativa.

No filme, Luiza interpreta Maria dos Remédios, uma curandeira, ora Cigana Salomé, ora Indígena Jurema. Sabe reconhecer a função das folhas, ler o tempo do céu, as previsões dos encantados, os segredos e as ciências da jurema sagrada.

Ela é o próprio sonho do sertão. A força quântica dessa história cromática e exuberante. Estar envolvida em ações concretas no set — como pilar, tirar casca de árvore, separar cascas — a tirou de uma possível condução psicológica na construção da personagem, encaminhando Luiza a uma interpretação que aconteceu antes dentro de si mesma. Isso a permitiu dar asas a um trabalho que se desenha flexível, disposto à brincadeira de uma atriz amadurecida, que possui na trama muitas máscaras para vestir. Essas

características acentuam a propriedade no repertório gestual de Maria dos Remédios, que — com destaque à atenção no manuseio de objetos — marca bem a apresentação do cenário sertanejo em sua relação com os elementos de ancestralidade, desde o mais cotidiano, como mastigar a jurema em meio a caatinga e provar o sabor do tejo, até o mais sagrado, como preparar um benzimento.

Algumas atrizes e atores são como xamãs. Em Boi de prata, Luiza está no auge dessa referência em sua carreira. Só quem tem a escuta afiada para os acontecimentos orgânicos da atuação, do cinema, da vida, consegue tantos momentos onde o encantamento parece coincidência. Vemos evidentemente Luiza contracenar com sua ancestralidade, curvando seu corpo ao chão nos benzimentos de Tião (Lenício Queiroga), em reverência à encruzilhada Seridó.

Divide a cena com o sol em equidade de brilho, em uma dança alucinante entre Luiza, Maria dos Remédios, o pé de jurema e Kûaracy num plano aberto alucinante. A atriz apodera-se de sua personagem quando nos conduz com seus gestos manuais poderosos para junto à palavra em sua narração profética, que “dança na cabeça como uma música”, cita Maria em um trecho do longa-metragem. É a griote deste enredo de Augusto Ribeiro Jr., responsável por

ajuremar nossas retinas e outros sentidos. Pela falta de matérias e entrevistas sobre sua carreira, não sabemos a margem de liberdade criativa aplicada em set ou seus sentimentos em relação à própria performance, mas segundo matéria da revista InTerValo, de1963, Luiza não gostava de cinema.

Particularmente me encanta Luiza Maranhão nessa natureza madura da mulher-atriz, com o tempo atravessado em seu trabalho.

A personagem Maria dos Remédios parece descansar a postura impecável que vemos desde Cota em Barravento (Glauber Rocha, 1962), onde a coluna esguia impõe a mocidade de sua presença. Ou a energia afrontosa bem marcada, como nas silhuetas de Maria em A grande feira (Roberto Pires, 1961). Maria dos Remédios foge dos estereótipos alegóricos e dos fardos de uma representação arquetípica do imaginário da mulher negra brasileira em que não cabe a atriz ou a diversidade das mulheres negras e suas subjetividades. Dessa maneira, em Boi de prata, a perspectiva do título “deusa negra” direcionado a Luiza Maranhão ganha camadas mais auráticas e talvez menos fetichistas.

Colagem

Na voz de Hugo Carvana em Colagem (David Neves, 1968) ouvimos a frase: “para filmar no Brasil é necessário lutar”. E o que

é necessário para uma atriz negra atuar no cinema brasileiro?

“Expulsar o medo e o velho”, ele diz. Nós, atrizes, não somos manequins a fim de reproduzir os desejos do diretor de forma passiva. Somos cocriadoras, afinal compartilhamos nossa voz, nosso corpo, impressões e vida com a personagem. Já que o cinema é “uma imagem fixada de uma vez por todas”, o ator, a atriz que estampa a história na tela deve ter alguma influência nas decisões de sua própria imagem. “Cinema, sentimento coletivo”.

“O importante é fazer cinema para o seu tempo. Fazer o que interessa aqui e agora”, David Neves quereria “somar o cinema com a realidade seja ela qual for”. Parafraseando Leda Maria Martins (2022), não importa apenas desvelar os malefícios da imagem, é necessário desmontá-la, interromper seu fluxo, incidir sobre ela, propor outras possibilidades de sua produção e registro.

Portanto, ao falar de Luiza Maranhão não estamos falando de uma “Sophia Loren negra”, como vemos muitas vezes a atriz referenciada. Essa comparação equivoca a singularidade criativa da artista, que, com a maestria de uma presença altiva, deu vida à personagens que tangenciam uma criação incapturável através de atuações como a de Colagem. Como não lembrar do perfil de

Cota olhando profundamente os olhos de Firmino (Antonio Pitanga) em Barravento? E novamente a paixão do olhar representados em Dandara e Ganga Zumba em Ganga Zumba (Cacá Diegues, 1963).

Luiza é parte fundamental na história do Cinema Novo, e é a esta memória que Colagem se debruça. O filme registra a presença da atriz “no amor de Pitanga”, que é também o nosso amor enquanto espectadores. Através da técnica de colagem, a trama propõe um desapego das interpretações muito intelectuais do sentido e, em uma costura quase surrealista, convoca elogios à Luiza Maranhão assim como reflexões sobre fazer cinema no Brasil, suas novas “caras” e narrativas.

As cenas que se seguem, como flashes de lembrança e esquecimento, mostram a versatilidade da atriz imbuída no mistério de ser, a cada trecho dos filmes ali unidos, várias de si mesma. Em Colagem, sinto que a razão das imagens é outra e se direciona à sensação fantasiosa de conhecer bem Luiza, torcendo para reencontrá-la na próxima tela, que será o mesmo que ver a mim mesma. “Um sentimento coletivo, cinema”. Luiza, reverenciada por David Neves, se reserva a silêncios indecifráveis, como o deleite que ecoa no imaginário sobre as figuras lendárias, e nos bons clássicos do qual fez parte.

Em Colagem, ser narrada em terceira pessoa não a submete à passividade de sua imagem, mas a consagra na história como referência no trabalho de atuar como ato revolucionário, de uma cinematografia necessária no país. Um dos meus primeiros acordos para a construção de uma personagem é defendê-la. Penso em seguir seus desejos, perceber seus sonhos. Se dança, como dança? Como ama? No que crê? Se dói, onde? Acolher e refletir as contradições, porque estamos interpretando e apresentando a saga da vida humana, ainda que em um recorte específico. Aprendo ofícios, desenvolvo musculaturas invisíveis de afetações, afeto. Tento escutar o som das emoções, os tons de cada sentimento e, assim, equalizar numa colagem orgânica a personagem e sua trajetória. Observo, me envolvo.

Me vejo reproduzindo, ou melhor, tentando decifrar gestos de Luiza, especialmente em Greice (Leonardo Mouramateus, 2024), em uma cena em que a personagem está no quarto escutando um áudio da mãe sobre sonho enquanto prepara uma máscara de gesso e, em determinada altura, tira a máscara. Por baixo, vemos a expressão de um choro que nasce confuso, lágrimas que não sabemos se são de timidez ou um recurso das escolhas de representação.

Como uma criança que tenta imitar a diva, volto às suas máscaras de Zulmira, o olhar médio-baixo, o jeito que chora e como sustenta as expressões sem perder a graça em Assalto ao trem pagador (Roberto Farias, 1962). O jeito que corre numa afetação de desespero pueril, com o peito querendo se descolar do corpo em Barravento. No feitiço de Maria dos Remédios, na afronta de Maria. Ser atriz é um trabalho imenso. Portanto, pensemos em Luiza Maranhão por ela mesma, na santíssima trindade atriz, persona e personagem. Produtora, locutora, cantora e o que dela for. Na curva expressiva de seus olhos, no rosto sério e inesquecível de sua atuação, nas contradições do ofício.

INDETERMINAÇÕES Território ermo

plantado na esquina do mundo

Ewerton Belico

Inútil buscar os rastros da noite nos livros de história. Nossos rumos dormem antigos sob a poeira da discórdia.

Paulo Colina1

1. COLINA, Paulo. “Rosa dos ventos”, em A noite não pede licença. São Paulo: Roswitha Kempf, 1984

Colagem (1968), de David Neves, filme-ensaio que orbita em torno de Luiza Maranhão e Antonio Pitanga, parte de um dispositivo cuja decodificação seria, a princípio, consideravelmente simples: a justaposição de blocos de Barravento (1962), de Glauber Rocha, e Ganga Zumba (1963), de Cacá Diegues com o que poderíamos caracterizar como uma espécie de ensaio-ficção protagonizado por Antonio Pitanga, no qual a dramatização de cenas que remetem à experiência cotidiana servem de veículo para a verbalização de uma série de asserções em torno de uma prática cinematográfica nova em sua relação com a realidade brasileira. Deste modo, Pitanga seria um correlato cênico do discurso ensaístico – de autoria do cineasta e crítico de cinema

Maurício Gomes Leite – que se sobrepõe em off aos segmentos remontados de Barravento e Ganga Zumba. Colagem toma parte, portanto, dos esforços internos ao Cinema Novo de construir um novo discurso em torno do cinema brasileiro, em paralelo a um novo cinema, e que implicaria tentativas, em longa duração, de documentação e reflexão internas do próprio grupo cinemanovista, como Cinema Novo (1967), de Joaquim Pedro de Andrade, ou ainda o livro Revolução do Cinema Novo (1980), de Glauber Rocha.

No entanto, há inflexões importantes nesta espécie de discurso crítico em ato com o qual o Cinema Novo se volta sobre si mesmo: penso no paralelismo entre Colagem e o artigo “O cinema de assunto e autor negros no Brasil (1964)”.2 O ensaio de Neves, dentre os vários esforços cinemanovistas de construção de um discurso crítico que situa sua própria novidade histórica, sublinha de modo singular o caráter central do “cinema de assunto negro” do qual Barravento e Ganga Zumba seriam representantes:

Pode-se ver que, culturalmente, a manifestação de um cinema negro quanto ao assunto foi até hoje episódica e só tem sido abordada como via de consequência. Digo foi porque, no panorama cinematográfico brasileiro, emergiram cinco filmes que serão, no método indutivo que proponho abordar aqui, as bases de uma modesta fenomenologia do cinema negro no Brasil. Os filmes são:

2. NEVES, David. “Cinema de assunto e autor negros no Brasil”, em SIQUEIRA, Ana et al., 20 Festival Internacional de Curta de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018, pp. 183-186. Ressalto ainda que a condição anfíbia de diretor-crítico de David Neves se manifesta em outros trabalhos, notadamente Mauro, Humberto (1975).

Barravento, Ganga Zumba, Aruanda, Esse mundo é meu e Integração Racial. 3

Há neste caso uma relação simultânea de tensão e complementaridade entre o ensaio de Neves e o off de Colagem, no qual se escuta (em narração de outro ator-emblema do Cinema Novo, Hugo Carvana): “Barravento: Antônio Pitanga cria um novo rosto, o homem brasileiro, que encontra a mulher, Luiza Maranhão”.4 Neste trecho notável, cortes secos articulam a transição entre a chegada de Firmino-Pitanga ao vilarejo do Buraquinho, a aparição de Pitanga personagem documental-fictício na fila de uma bilheteria de cinema e o encontro entre CotaLuiza e Firmino-Pitanga. Nele, a transição entre o P&B e o colorido serve de marcador para a transição entre dois dos personagens interpretados por Pitanga: Firmino, em Barravento; e Pitanga, personagem de uma dramaturgia afeita ao documentário que assume de modo vicário, em Colagem, o papel de diretor em cena e porta-voz ideológico de um cinema identificado à realidade brasileira.

O efeito último da articulação entre esses três blocos – guiada pela sobreposição entre o off ensaístico e a continuidade da banda sonora, na qual o toque de capoeira do corte original de Barravento é substituído por um ponto de Exu Tiriri, no pioneiro registro folclorista do grupo Filhos de Nagô, sob a direção de Pai de Santo Felipe Neri da Conceição, realizada em 78 rpm em 1931 – provoca a identificação de Luiza e Pitanga com seus personagens (Cota e Firmino, respectivamente), doravante faces cinematográficas prototípicas do homem e da mulher brasileiros.5 Resulta também na efetuação dessa mesma operação pela via do transe, no qual o sentimento coletivo expresso pelos atores – condição de possibilidade da própria operação cinematográfica, estrutura projetiva que o off vai localizar no registro fundante dos Lumière – é ainda presa do “misticismo trágico e fatalista” (como nomeado nos créditos de abertura

de Barravento), objeto de um “cinema lúcido que denuncia o mito”.

Boi de prata, de Augusto Ribeiro Jr., recoloca e prolonga as discussões do “novo cinema popular”6 para além dos já conhecidos casos de Amuleto de Ogum (1974), Tenda dos milagres (1977) e Estrada da vida (1980), todos de Nelson Pereira dos Santos. Para além do anedotário biográfico (Augusto Ribeiro Jr. havia integrado a equipe de Amuleto de Ogum; Iberê Cavalcanti, um dos produtores do Boi de prata, havia sido produtor de Nelson e ele próprio realizador de filmes que gozam de familiaridade com o “novo cinema popular", tal como A força de Xangô, de 1977), Boi de prata trafega por entre questões que vêm ao proscênio do debate cinematográfico brasileiro a partir do Amuleto de Ogum e da entrevista-manifesto de Nelson Pereira para Marcelo Beraba.7 São elas: o deslizamento entre duas tipificações do popular, enquanto

3. NEVES, David. “Cinema de assunto e autor negros no Brasil”, em SIQUEIRA, Ana et al., 20 Festival Internacional de Curta de Belo Horizonte Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018, p. 183.

4. Colagem. Minuto: 2:00.

5. Neves parece encontrar em Glauber algo que Ismail Xavier localiza em Rogério Sganzerla: “(...) uma filosofia do corte em movimento, um jogo tenso entre câmera e ator que fizesse ressaltar instantes especiais, momentos felizes de documentação do olhar e da fisionomia”, em XAVIER, Ismail, “O grande artista e sua condição: a espiral barroca de Rogério Sganzerla”, Ocupação Rogério Sganzerla. São Paulo: Itaú Cultural, 2010. Seção Radiografia.

6. Ver SANTOS, Nelson Pereira. “A hora da virada”. Entrevista concedida a Marcelo Beraba. O Globo, Rio de Janeiro, 29 jan. 1975 e SALEM, Helena. Nelson Pereira dos Santos: o sonho possível do cinema brasileiro. São Paulo: Nova Fronteira, 1995.

7. Reunida com o ensaio “O amuleto mudou tudo”, de Jean-Claude Bernardet, no libreto Manifesto por um cinema popular, e distribuído à imprensa junto ao release de Amuleto de Ogum.

mediação cinematográfica de um conjunto de poéticas que é expresso nas formas culturais populares – e que não raro assumem a feição da incorporação de uma mise-en-scène oriunda de práticas coletivas afrodiaspóricas – e como mecanismo de comunicabilidade junto ao grande público; a ambiguidade com relação às expressões da indústria cultural, como forma e conteúdo, seja na tematização direta de seus produtos e veículos, seja na vizinhança com os protocolos do cinema de gênero e sua reconstrução efetuada pela nova Hollywood; e a desconfiança diante da onipresença dos signos de dominação imperialista, tanto econômica quanto cultural, que não raro reedita o ideal pecebista de um pacto com a burguesia industrial brasileira como resistência possível à permanência de nossa situação colonial.8

Boi de prata orbita à sua maneira em meio a essa constelação de questões. Retoma de modo singular o cinema de temática sertaneja, em uma espécie de expressão tardia que guarda familiaridade com diversos 8. Sobre o “novo cinema popular”, continuam incontornáveis AVELLAR, J.C., O cinema dilacerado. Rio de Janeiro: Alhambra, 1985 e BERNARDET, J.- C. e GALVÃO, Cinema, repercussões em câmara de eco ideológica – as idéias de nacional e popular no pensamento cinematográfico brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1989.

revisionismos do western, desde o western-spaghetti até às retomadas do gênero no contexto do cinema popular brasileiroque, não raro, tomam como plot o anedotário brutal em torno da disputa de terras no mundo rural brasileiro (penso especialmente em Chumbo quente, 1977, de Clery Cunha, protagonizado pela dupla sertaneja Léo Canhoto e Robertinho).9 Ou ainda a paródia à contracultura e suas metamorfoses, retratada como signo colonial e expressão de classe, anátema de circulação ampla no cinema popular brasileiro (penso especialmente em Nos embalos de Ipanema, 1978, de Antônio Calmon).

Neste contexto simultaneamente violento e feérico, a presença de Luiza Maranhão, há muito afastada das telas, parece figurar como um emblema das contradições sem síntese que permeiam Boi de prata: figuração de um saber ancestral que é tanto signo de uma hibridação cultural fundante da pletora de povos em fricção nesta comunidade sertaneja imaginada, quanto marca

9. Sobre o western no Brasil, ver PEREIRA, Rodrigo da Silva. Western Feijoada – O faroeste no cinema brasileiro. Bauru: UNESP, 2002. Essas observações são também fruto de conversas com Samuel Marotta, curador da mostra A Porteira do Mundo: a música caipira no cinema brasileiro, ocorrida na Cinemateca Brasileira entre 31 de maio e 02 junho de 2024.

dos fios rompidos, das memórias rasuradas de uma diáspora cujos efeitos se replicam sem cessar.10

Colagem, Boi de prata: trazer de volta ao proscênio a trajetória de Luiza Maranhão implica em sublinhar o papel de inúmeros atores e atrizes negros nas profundas modificações que atravessaram o cinema brasileiro a partir da década de 1950. Para além do debate em torno dos protagonismos, permanece viva a pergunta em torno da implicação da descoberta de novos corpos na emergência de uma nova concepção de mise-en-scène, fundada no bailado tenso entre o “jogo do corpo e inteligências”11 e a câmera na mão.

10. Ver Gonzalez, Lélia. “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, Por um feminismo afro latino-americano / organização de Flávia Rios e Márcia Lima. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

11. ROSA, Allan. Pedagoginga – autonomia e mocambagem. São Paulo: Pólen, 2019, p. 54.

Histórias ocupadas:

Retomar e percorrer a história, ocupar e transmutar o presente

Mariana Queen Nwabasili

Um caráter inevitavelmente retrospectivo ganha força neste terceiro e último texto sobre os episódios da série Small Axe exibidos como parte da programação

Histórias Ocupadas: Steve McQueen . Lançada pela rede pública de televisão britânica BBC One, a produção dirigida pelo premiado diretor e artista visual de ascendência caribenha foi considerada a melhor realização de 2020 pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles, e tem como penúltimo e quarto capítulo o longa-metragem Alex Wheatle. O filme reitera a reconstituição histórica realista – com autoral abertura para planos longos – como principal escolha de McQueen para retratar, de forma atrativa e didática para a televisão, as vivências e resistências dos afro-caribenhos na segregacionista e racista cidade de Londres das décadas de 1960, 1970 e 1980. Além disso, torna mais evidentes linhas temáticas também presentes em capítulos anteriores e que, nestes parágrafos de fechamento, ganham melhor análise. São elas: a alienação como realidade e contradição entre membros da comunidade afro-caribenha do período; o reconhecimento e destaque do pensamento negro socialista presente nas Américas como influência absorvida pelos afro-caribenhos na Inglaterra; a evidenciação

da arte negra engajada como posicionamento político potente no enfrentamento ao racismo naquele território e, consequentemente, como fator de ameaça a ser criminalizado pela polícia londrina retratada como onipresente e hostil (contra afrodescendentes) na série. E, por fim, a necessidade de rememoração das violências cometidas na História como forma de superá-las.

Alex Wheatle (Sheyi Cole), jovem protagonista-título do episódio, é preso porque provoca a polícia ao apostar no impacto estético-político do reggae e das letras que historicamente fizeram o gênero musical ser de resistência, assim eternizado por nomes como Bob Marley. A produção musical do cantor e compositor jamaicano inclusive inspira diretamente o título de Small Axe, retirado de uma música de 1970 reconhecida por sua gravação no álbum Burnin’ (1973) do grupo jamaicano Bob Marley and The Wailers.

Tal impacto estético-político tem seu ápice na forma ousada como são filmadas e montadas as cenas do segundo episódio da série (Lovers Rock), no qual acompanhamos o preparo e o desenvolvimento de uma blues party. As festas caseiras que a comunidade jamaicana de Londres promovia na década de 1980 a partir da influência do sound system são retomadas em Alex Wheatle.

Remetendo à história que inspira o surgimento do estilo musical lovers rock (espécie de versão romântica do reggae), no filme, Alex decide promover festas acessíveis de sound system em que pudesse cantar músicas autorais derivadas do reggae. “Meu som vai ser chamado de crucial rocker ”, anuncia o protagonista, em cenas anteriores à sua performance em uma blues party. Na festa, ele canta um desabafo após a realização de manifestações políticas feitas por afrodescentes no bairro em que vive: “Não podemos mais aguentar esse sofrimento / Então nós nos revoltamos no Brixton”.

Personagem real, o romancista britânico Alex Wheatle viveu a juventude no bairro Brixton e participou das manifestações que levaram 20 mil pessoas às ruas da região em 1981 – evento conhecido como Dia de Ação dos Povos Negros –, após 13 jovens negros, com idades entre 14 e 22 anos, morrerem em um incêndio com características de ataque racial – o chamado Massacre de New Cross – e pouco noticiado. No longa-metragem, acompanhamos o protagonista contando a vivência desse período ao seu colega de cela Simeon (Robbie Gee), adepto do movimento rastafári. O contato entre os dois é regado por um aspecto inusitado: Simeon tem desinteria e necessita, a todo momento, usar a privada

que fica exposta na lateral do quarto consequentemente infestado pelo mau odor. A situação escatológica parece se vincular ao tratamento violento e degradante recebido por esses homens na prisão: eles estão literalmente na merda. Algo espelhado também na cena em que, durante sua juventude em Brixton, Alex se esconde em uma lata de lixo para não ser capturado por policiais em meio aos protestos nas ruas do bairro, e, ao sair dali, fica perceptivelmente fedendo. A analogia é evidente: o racismo faz o povo negro ser tratado como lixo, ser relegado a esse lugar.

A mudança forçada de Alex para o Brixton na juventude deflagra uma verdadeira jornada de transformação do personagem. Ele percorre um caminho ao longo do episódio que o faz partir de um lugar de ingenuidade quanto à sua relação com a segregação e ao pertencimento racial na cidade, rumo a uma conscientização política que implica o resgate e reconhecimento de suas raízes africanas e afro-caribenhas. Algo parecido com o chacoalhão de realidade e necessidade de conscientização e posicionamento político-racial pelo qual também passam os protagonistas do primeiro e do terceiro episódios da série (Frank, de Mangrove, e Leroy, de Red, White & Blue, respectivamente).

Uma cena materializa a trajetória de mudança de Alex. Após fumar maconha com seu “treinador-amigo” Dennis (Jonathan Jules), o protagonista adentra uma loja repleta de vinis de reggae e de clientes negros apreciadores do gênero musical. Como que contaminado pelo popularmente conhecido efeito do fumo inalado na sequência anterior, um plano panorâmico sobre a loja se dá em câmera lenta ao ritmo do gênero jamaicano que, em meio ao plano, é mixado na banda sonora sob diferentes profundidades de volume. São manipulações de imagem, som e montagem que transcendem o que poderia ser um realismo comercial e televisivo limitado, garantindo inventividade a um produto audiovisual criado para uma disseminação massiva e didática em termos historiográficos.

Nova fase de transformação

De todos os episódios da série, Alex Wheatle é o único que se abre diretamente a uma linguagem mais documental. A certa altura, um narrador profere um texto em inglês com evidente sotaque caribenho – no filme, não falar um cristalino inglês britânico é motivo de orgulho para os afro-caribenhos e seus descendentes, um dos aprendizados de Alex. O texto remete à rima e ao ritmo poéticos das letras de reggae e é escutado

em off enquanto vemos arquivos fotográficos das manifestações reais que aconteceram em Brixton. Arquivos que, dado o caráter realista das cenas de violência contra negros em diferentes episódios de Small Axe, parecem ter inspirado a reconstituição histórica da série e ser atualizados por ela.

Quando termina de contar sua história ao seu companheiro de cela, Alex é introduzido a uma nova e final fase de transformação. É quando Simon apresenta ao

protagonista uma perspectiva que evidencia a pluralidade de pensamentos da comunidade afro-caribenha na Inglaterra dos anos 1980. “Já se fala o suficiente em ‘ismos’ e racismo [...]. Mas a principal coisa que você deve se preocupar neste país é o sistema de classe e o classismo”, defende o rasta.

“E é por isso que continuo falando sobre educação [...]. Educação, Alex! Educação é a chave”, completa, enquanto recomenda ao futuramente reconhecido escritor o famoso

livro Os jacobinos negros (1938), de Cyril Lionel Robert James, vulgo C. L. R. James, historiador, ensaísta e socialista negro de Trinidade e Tobago. A obra é grande referência para vertentes do pensamento negro no Ocidente que avaliam a função social da escravidão e das formas de opressão dos negros para a manutenção do atraso econômico de países colonizados, tendo como exemplo o caso do Haiti.

A perspectiva faz lembrar a influência

Small Axe: Alex Wheatle, de Steve McQueen

anticapitalista na criação do BPM (British Black Panther Movement, movimento Pantera Negra Britânica), uma vez que a iniciativa foi inspirada no partido socialista Black Panther dos Estados Unidos. Apresentado no episódio Mangrove, o BPM tinha sede em Brixton entre o final de década de 1960 e o início da década de 1970. Teve seu auge justamente na deflagração do movimento The Mangrove Nine (Os nove do Mangrove), que consistiu em protestos em resposta às ofensivas racistas da polícia londrina ao restaurante Mangrove, pertencente ao afro-caribenho Frank Crichlow, natural de Trinidade e Tobago. O proprietário, os trabalhadores e os frequentadores do estabelecimento, também imigrantes, realizaram protestos que culminaram na prisão de nove manifestantes e em um memorável julgamento.

O último capítulo da série inicia onde Alex Wheatle termina. Se, no penúltimo dos cinco filmes, a educação e a leitura são apontadas como salvação ao influenciarem definitivamente a carreira de pensadores negros como o reconhecido romancista e dramaturgo britânico Alex Wheatle, em Education, capítulo que fecha a série, o racismo promove uma corrosão inclusive no sistema disciplinar educacional – para além daquelas feitas no ou intrínsecas ao sistema disciplinar de “segurança” do Estado, o militarismo policial.

O filme conta a história ficcional de Kingsley (Kenyah Sandy), um garoto negro que tem dificuldades de leitura e é encantado pelo espaço sideral. O jovem é direcionado, pela direção da escola regular onde estuda, a uma instituição de ensino “especial”, que é, na verdade, uma “escola para os educacionalmente subnormais”, ou seja, uma instituição voltada a crianças supostamente necessitadas de “escolas anormais” devido a dificuldades de aprendizado. Ao longo da trama, Agnes (Sharlene Whyte), a mãe do protagonista, descobre que seu filho foi vítima de uma manobra racista que enviesava avaliações de aprendizado de estudantes negros para direciona-los a escolas piores e, consequentemente, relegá-los a uma limitação de desenvolvimento intelectual.

O episódio apresenta como solução o acesso de Kingsley a uma escola de negros e para negros ancorada em uma pedagogia baseada na afrocentricidade – filosofia publicizada na década de 1980 em livros do teórico negro estadunidense Molefi Kete Asante – ou seja, na percepção das culturas africanas e dos afrodescendentes como centro de conhecimento da humanidade. Sendo assim, o capítulo pode ser entendido como um metadiscurso do caráter didático que a própria série carrega ao reconstruir histórias negras pouco disseminadas na

Inglaterra como instrumento para a comunidade negra britânica contemporânea –mas não só ela – repensar, reposicionar e transformar o presente das relações raciais no país.

Tanto em Education como na proposta política de toda a série é evidente que o caminho para o encontro da educação libertária e emancipadora para os negros não é suave. As cenas de violência protagonizadas por policiais brancos contra negros ao longo dos episódios desafiam o olhar dos espectadores identificados com as corporeidades oprimidas na tela. São tipos de cena que ganham ainda maior peso quando colocam, em Education, crianças afrodescendentes como vítimas, agora de educadores brancos racistas intolerantes às suas diversidades de aprendizagem e de personalidade – enquanto os mesmos educadores são totalmente compreensivos com a diversidade comportamental e cognitiva de crianças brancas.

A “educação de Small Axe” assume, então, que, frente ao histórico, sistêmico e estrutural racismo, o caminho de luta e conscientização para a vivência negra livre e plena não é fácil, mas é possível. É preciso percorre-lo. Uma jornada. Uma saga. Uma série. Uma história a ser constantemente resgatada, recontada, transmutada.

Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star – O filme

Fernando Moraes | Brasil | 2024, 94’, DCP (Lança Filmes)

Edy Star, o pioneiro do Glam no Brasil, tem uma trajetória marcada por glamour e polêmica. Ícone da contracultura underground brasileira, o documentário revela sua personalidade libertária e inovadora. Com histórias inéditas da música brasileira por meio de depoimentos de artistas e músicos como Caetano Veloso, Zeca Baleiro e DJ Zé Pedro.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Black tea – O aroma do amor

Black Tea

Abderrahmane Sissako | China, França, Luxemburgo, Taiwan, Mauritânia | 2024, 110’, DCP (Imovision)

Aya, uma jovem africana, deixa o noivo no altar e a Costa do Marfim para trás a fim de começar uma nova vida na China. Vivendo numa zona marcada pela diáspora africana, ela começa a trabalhar em uma loja de exportação de chá onde conhece Cai, um chinês de 45 anos. Apesar dos preconceitos sociais, Aya e Cai se apaixonam, mas será que eles conseguirão sobreviver à turbulência dos seus passados e aos preconceitos dos outros?

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Empate

Sérgio de Carvalho | Brasil | 2020, 90’, DCP (Descoloniza Filmes)

Empate é um documentário que amplia a voz dos protagonistas do movimento seringueiro das décadas de 1970 e 1980, no estado do Acre, refletindo como esse momento histórico ecoa ainda hoje na Amazônia e no resto do mundo.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Malu

Pedro Freire | Brasil | 2024, 103’, DCP (Filmes do Estação)

Malu é uma mulher com um passado glorioso na atuação, mas cuja carreira chegou ao ostracismo. Em um casarão em construção, afastado dos centros urbanos, vive com sua mãe conservadora e seu amigo Tibira. Eventualmente recebe visitas da filha. A complexa relação entre as três mulheres oscila entre momentos de carinho e ternura e rompantes de ressentimento e agressividade. No terraço de sua casa, Malu quer construir um teatro. Livremente inspirado na vida da atriz paulista Malu Rocha, mãe do diretor Pedro Freire, Malu faz um agudo e nuançado retrato de relações familiares e de uma atriz afastada da profissão. Além de ter trabalhado em filmes de Ruy Guerra, Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, o diretor Pedro Freire já havia dirigido curtas-metragens, teatro e novela. Para seu primeiro longa-metragem, conta ao Jornal do Brasil: “Eu queria que meu primeiro longa fosse um filme inevitável para mim (...). Então ali por 2017, aos 36 anos, eu decidi que tinha che-

gado a hora de tomar uma decisão: que primeiro longa seria esse? Então me conectei com as coisas mais importantes para mim, busquei o que seria tão profundo que só eu poderia fazer, e me encontrei com a pessoa mais importante e transformadora da minha vida, minha mãe, Malu Rocha. Digo com nome e sobrenome porque ela foi além de uma mãe, ela era mãe e ao mesmo tempo tinha uma persona, ‘a atriz Malu Rocha’, que ela levava para dentro de casa o tempo todo. E aquela personagem dentro da minha casa não era simples, porque ao mesmo tempo era difícil a distância – imagina que a sua mãe está sempre atuando – e também era fascinante, porque era uma personagem maravilhosa, inteligentíssima, humana, corajosa, culta. Enfim decidi que tinha que contar a história dela e entendi que a parte de sua história que mais me marcou foi o momento em que ela ficou mais isolada do mundo, dos amigos, morando com a mãe numa casa semiconstruída numa favela do Rio de Janeiro, sempre dizendo que queria voltar para São Paulo”.

O longa conta com as interpretações de Yara de Novaes, Carol Duarte, Juliana Carneiro da Cunha e Átila Bee. Depois de passar pelo Festival de Sundance, em janeiro deste ano, Malu fez sua estreia brasileira no Festival do Rio, no qual recebeu os prêmios de Melhor Longa de Ficção –junto a Baby, de Marcelo Caetano –, Roteiro, Atriz (para Novaes) e Atriz Coadjuvante (dividido entre Carneiro e Duarte).

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

O dia que te conheci

André Novais Oliveira | Brasil | 2023, 71’, DCP (Malute Filmes)

Zeca todo dia tenta levantar cedinho para pegar o ônibus e chegar, uma hora e meia depois, na escola da cidade vizinha, onde trabalha como bibliotecário. Acordar cedo anda cada vez mais difícil, há algo que o impede de manter esse cotidiano. Um dia, Zeca conhece Luisa. O dia que te conheci é o terceiro longa de André Novais Oliveira, diretor de Temporada (2018), Ela volta na quinta (2014) e uma série de curtas-metragens que circularam o mundo, como Fantasmas (2010) e Quintal (2015). “Desde Fantasmas, meu primeiro curta, de 2010, tento fazer os diálogos naturalistas e fazer com que as atuações soem as mais legítimas possível”, comenta em depoimento disponibilizado no material de imprensa do filme. “Esse foi um trabalho muito prazeroso e divertido, e aberto a improvisos. Em cada longa, trago uma nova dosagem de abertura ao inesperado.”

“Sempre tive muita vontade de tentar o humor nos filmes, e tanto a Grace [Passô] quanto o Renato [Novaes] são bons de comédia também. Eles têm um timing de humor, e equilibrar com o drama foi intuitivo. É muito gostoso ver piadas, ou coisas que nem eram para ser engraçadas, mas acabam com o público. Fico muito feliz.”

Filmado ao longo de dez dias entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022, o filme de Oliveira dialoga com referências que vão desde os cineastas Abbas Kiarostami e Apichatpong Weerasethakul, o compositor norte-americano William Grant Still e a cena do rap contemporâneo brasileiro: “O rap é muito importante no filme. Eu queria muito evidenciar que o Zeca gosta de rap, e mostrar isso nos mínimos detalhes, como na direção de arte. Tem tudo a ver com a cena do rap em BH, que tem crescido bastante. Não à toa, Djonga, Matéria Prima e o Fabrício FBC estão na trilha, além do FBC fazer uma participação como ator, o que me deixou muito feliz”.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Salão de baile – This is Ballroom

Juru e Vitã | Brasil | 2024, 94’, DCP (Retrato Filmes)

Nas margens da Baía de Guanabara, uma comunidade de jovens LGBTQIAPN+ resgata e vivencia a cultura ballroom. Rio is burning!

Salão de baile é o primeiro longa-metragem documental brasileiro a explorar profundamente o universo da cena ballroom no Rio de Janeiro, oferecendo uma imersão na cultura do voguing e dos balls, lugares que servem como espaços de resistência, celebração e autoexpressão para esses jovens da periferia do Rio de Janeiro. O filme acompanha a produção de um ball, mergulhando na vida de seus participantes e revelando tanto os momentos de glória quanto os desafios enfrentados por essa comunidade vibrante e marginalizada.

Com uma trajetória de sucesso em festivais internacionais – incluindo exibições no CPH, em Copenhagen, e no Sheffield DocFest, no Reino Unido – o filme já foi exibido em cinco países. No Brasil, ele encerrou a 13ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Além de ter sido premiado no Festival do Rio como Melhor Montagem e ter recebido menção honrosa no prêmio Felix de Melhor Documentário.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

O desejo de mergulhar na vida e obra de Luiza Maranhão nos levou até Colagem (David Neves, 1968) e Boi de prata (Augusto Ribeiro Jr., 1980). Títulos mais desconhecidos de sua filmografia, eles nos possibilitam investigar acerca de dois períodos fundamentais da carreira da atriz negra: seu envolvimento triunfante com o Cinema Novo e sua volta ao cinema após ter vivido alguns anos fora do Brasil. As assimetrias e conflitos dessas histórias aparecem, mesmo à revelia, na superfície dessas imagens. Interessa, portanto, dar atenção e acompanhar as expressões, os olhares, os movimentos de Luiza Maranhão. E, mais ainda, perceber como sua contribuição artística, poética e estética nos ajuda a reelaborar as memórias, o passado e a história do cinema nacional, dando destaque à negridade que pavimenta e realiza aquilo que entendemos como cinema brasileiro. A sessão conta com ensaios produzidos por Ewerton Belico e Amandyra. Após a exibição, haverá debate com Mariana Queen Nwabasili mediado pelos programadores da INDETERMINAÇÕES.

Ingressos:

Dia 12/12, sessão seguida de debate com Mariana Queen Nwabasili, Lorenna Rocha e Gabriel Araújo: Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Dia 29/12, sessão sem debate: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Colagem

David Neves | Brasil | 1968, 10’, DCP, digitalização 4K (IMS/INDETERMINAÇÕES)

Filme-ensaio que promove o encontro entre Antonio Pitanga e Luiza Maranhão, atores que corporificam a expressão de uma ideia, um movimento, uma luta: o Cinema Novo. Apresentação inédita da digitalização em 4K realizada pelo cinema do Instituto Moreira Salles e INDETERMINAÇÕES, com apoio da Mnemosine Serviços Audiovisuais, a partir de materiais preservados pela Cinemateca Brasileira e pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAv).

Boi de prata

Augusto Ribeiro Jr. | Brasil | 1980, 88’, DCP (Acervo pessoal)

Um conflito fundiário se desenrola em Caicó, no interior do Rio Grande do Norte. Elói Dantas (Álvaro Guimarães), rico herdeiro de um fazendeiro da cidade, acaba de voltar da Europa, e quer, junto a grupos estrangeiros, explorar ouro e xelita na região. Antônio Vaqueiro (José Marinho), que já não tem nada, é dono das terras ricas nos minerais. Em meio ao inevitável embate, a curandeira Maria dos Remédios (Luiza Maranhão) recorre à tradição para preservar o direito. Do sertão, um boi de prata observa.

Histórias ocupadas:

O Cinema do IMS apresenta a programação

Histórias Ocupadas: Steve McQueen, com foco na obra recente do diretor britânico. A programação inclui a estreia brasileira de Occupied City (2023), novo trabalho de McQueen, que investiga as reminiscências da ocupação nazista na cidade de Amsterdã.

A mostra inclui também os cinco filmes da antológica série Small Axe, exibidos entre outubro e dezembro no IMS Paulista e IMS Poços, em sessões únicas. Eleita em 2020 como a melhor produção do ano pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles, Small Axe reúne cinco histórias distintas inspiradas em personagens da comunidade afro-caribenha em Londres, entre 1960 e 1980. Os filmes abordam as tensões raciais presentes na cidade e as lutas por direitos em diferentes esferas, dos tribunais às pistas de dança. Após estrear no Festival de Cannes em 2020, Small Axe foi lançado pela Amazon e, no Brasil, ficou disponível apenas em serviços de streaming. Essa é a primeira vez que a antologia é exibida em uma sala de cinema nacional.

Para acompanhar a exibição dos filmes, o Cinema do IMS publicará uma série de textos com contribuições de Ashley Clark, diretor curatorial da The Criterion Collection, da pesquisadora Mariana Queen Nwabasili, de Steve McQueen e do sociólogo Paul Gilroy, que atuou como consultor na realização de Small Axe.

A programação tem apoio de The Criterion Collection.

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Small Axe: Alex Wheatle

Steve McQueen | Reino Unido, EUA | 2020, 66’, DCP (Turbine Studios)

A história verídica do premiado escritor Alex Wheatle. Tendo passado a sua infância num lar de acolhimento institucional majoritariamente branco, sem acolhimento afetivo nem família, ele encontra finalmente um sentido de comunidade pela primeira vez em Brixton, onde desenvolve uma paixão pela música e por ser DJ. Quando Alex é preso durante a revolta de Brixton de 1981, ele precisa confrontar o seu passado, que o leva a um caminho para a cura.

Small Axe: Education

Steve McQueen | Reino Unido, EUA | 2020, 63’, DCP (Turbine Studios)

Quando Kingsley, de 12 anos, é transferido para uma escola com necessidades especiais, um grupo de mulheres das Índias Ocidentais descobre uma política de segregação não oficial que impede muitas crianças negras de receberem a educação que merecem.

Baseado na trajetória escolar do próprio McQueen, Education se debruça sobre um sistema educacional que excluía os estudantes negros em uma estrutura próxima à de castas. Ao entrevistar o diretor para a Sight and Sound, David Olusoga diz: “Lembro-me de estar consciente de que aquele era um caminho para o desastre – eu não estava sendo educado; estava sendo ‘armazenado’. E só mais tarde percebi que isso era um fenômeno comum. Há muitas pessoas para quem Education será um soco no estômago”.

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/mangrovesm]

José Mojica Marins Restaurado

A mostra José Mojica Marins Restaurado estreia em São Paulo e em Poços de Caldas com dez filmes restaurados em 4K do mestre do terror brasileiro. A restauração inédita, feita a partir dos negativos originais, celebra a carreira de Mojica, ícone do cinema fantástico brasileiro.

O cineasta marcou o Brasil em 1964 com À meia-noite levarei sua alma, apresentando o icônico Zé do Caixão, o coveiro em busca da mulher perfeita para perpetuar sua linhagem. A saga de Zé continuou em Esta noite encarnarei em teu cadáver (1967) e Encarnação do demônio (2008), fechando a trilogia após 44 anos.

Zé do Caixão não foi apenas um personagem de filme, ele se transformou em um ícone pop, com presença na TV, em quadrinhos e até em discos. Embora tenha explorado diversos gêneros, Mojica deixou seu legado eterno no terror.

Ingressos:

Dia 5/12, sessão de abertura da mostra seguida de debate com Carlos Primati, Laura Cánepa e Paulo Sacramento: Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Dia 8/12, Paulista Cultural: Entrada gratuita Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Demais sessões: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

À meia-noite levarei sua alma

José Mojica Marins | Brasil | 1964, 81’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

O agente funerário Zé do Caixão, na expectativa de gerar um filho perfeito, não hesita em assassinar mulheres e homens que atrapalhem a concretização de seu desejo. Primeiro filme da trilogia/saga do personagem Zé do Caixão, apontado pela Abraccine na primeira posição em seu livro Cinema fantástico brasileiro –100 Filmes Essenciais.

Esta noite encarnarei no teu cadáver

José Mojica Marins | Brasil | 1967, 108’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Zé do Caixão tenta encontrar, por meio de testes de sadismo, a donzela que gestará seu filho perfeito. Segundo filme da trilogia de Zé do Caixão, com a célebre sequência do inferno de gelo filmado em cores (o restante do filme foi realizado em preto e branco).

O estranho mundo de Zé do Caixão

José Mojica Marins | Brasil | 1968, 76’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Três histórias curtas de terror. Assaltantes invadem a casa de um senhor de idade e descobrem um terrível segredo por trás da confecção de suas bonecas. Um vendedor de balões apaixona-se de forma obsessiva por uma mulher desconhecida. Através de canibalismo e sadomasoquismo, o professor Oãxiac Odéz tenta provar suas teorias macabras acerca do comportamento humano.

O

despertar

da besta (ex-Ritual dos sádicos)

José Mojica Marins | Brasil | 1969, 92’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Um psiquiatra injeta LSD em quatro voluntários para estudar os efeitos da substância em pessoas sob a influência da imagem do perverso personagem Zé do Caixão. Filme proibido em sua íntegra pela censura, liberado apenas em 1986, com novo nome.

Finis Hominis – O fim do homem

José Mojica Marins | Brasil | 1971, 88’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Um homem completamente nu emerge do mar e caminha tranquilamente pelas ruas da cidade, causando espanto geral e sendo reconhecido pela população como um messias moderno, capaz de operar milagres.

Quando os deuses adormecem

José Mojica Marins | Brasil | 1972, 90’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Continuação da saga do misterioso personagem Finis Hominis, estranha figura que conscientiza os homens do caminho correto para a humanidade. Raríssimo filme de Mojica, resgatado pelo projeto de restauro de sua obra graças à existência de uma única cópia no acervo da Cinemateca Brasileira.

A estranha hospedaria dos prazeres

Marcelo Motta (direção não creditada: José Mojica Marins) | Brasil | 1975, 79’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Durante uma noite de tempestade, várias pessoas se abrigam numa estranha hospedaria de beira de estrada, revelando seus problemas afetivos e sexuais. Marcelo Motta, mentor do projeto, abandonou as filmagens fazendo com que Mojica assumisse o filme e o finalizasse, sem ser creditado.

Inferno carnal

José Mojica Marins | Brasil | 1976, 85’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Raquel atira em seu marido Jorge um vidro de ácido e foge com seu amante. Porém Jorge não morre e passa a seguir de longe os passos da cruel esposa, articulando sua vingança.

Delírios de um anormal

José Mojica Marins | Brasil | 1978, 86’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Obcecado pela figura de Zé do Caixão, um psiquiatra passa a ter delírios nos quais sua esposa é raptada pela malévola criatura. José Mojica Marins, o criador do personagem, procura auxiliá-lo e por meio de hipnotismo provoca uma luta ferrenha entre as forças do bem e do mal.

Encarnação do demônio

José Mojica Marins | Brasil | 2008, 80’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)

Após 40 anos preso, Zé do Caixão é finalmente libertado e persegue convicto a meta que o levou à prisão: encontrar a mulher ideal para gerar seu filho perfeito. Último filme da trilogia/saga do Zé do Caixão, iniciada 44 anos antes com o filme À meianoite levarei sua alma

Palestra

O restauro dos filmes de José Mojica Marins

com Paulo Sacramento

Paulo Sacramento, coordenador técnico e artístico do restauro dos filmes de José Mojica Marins, faz uma apresentação sobre as possibilidades técnicas atualmente disponíveis para o restauro de filmes antigos, bem como apresenta um painel sobre as dificuldades e resultados alcançados neste projeto específico. Ao longo do encontro serão exibidos exemplos concretos das condições em que encontrou os materiais, cotejando-os com a versão definitiva resultante desse trabalho. O restauro dos filmes apresentados na mostra foi realizado de modo contínuo ao longo de dois anos (2022 e 2023) no laboratório CineColor, em São Paulo, sendo lançado mundialmente (EUA e Europa) no formato de blu-ray no início de 2024.

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

A mostra no Cinema do IMS reúne quatro clássicos do horror mexicano dos anos 1960 restaurados, alinhados à filmografia de José Mojica Marins. Mistérios de além-túmulo, O espelho da bruxa, O barão do terror, A maldição da Chorona trazem de volta pesadelos cinematográficos com uma abordagem alternativa ao cinema de gênero dominado por Hollywood. Essa programação especial revela o impacto cultural e histórico dessas obras, que, mesmo fora do circuito hegemônico, marcaram época com suas histórias sombrias, efeitos marcantes e características genuinamente latino-americanas.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Mistérios de além-túmulo

Misterios de Ultratumba Fernando Méndez | México | 1958, 82’, DCP, restauração 2K (Alameda Films)

Século 19: O Dr. Aldama está morto e o seu colega Mazali, vivendo na casa de repouso de Las Mercedes, recorda-se de uma promessa que fizeram um ao outro: aquele que morresse primeiro revelaria ao outro todos os mistérios do além-túmulo.

O espelho da bruxa

El Espejo de la Bruja Chano Urueta | México | 1960, 75’, DCP, restauração 2K (Alameda Films)

Sara, uma governanta adepta das artes das trevas, mostra à sua afilhada, Elena, seu destino macabro com a ajuda de um espelho: Elena será assassinada pelo marido mulherengo, Eduardo. Depois de não conseguir mudar o destino de Elena, Sara se vinga apresentando o ocultismo à nova esposa de Eduardo.

As

câmeras de Bodanzky

A maldição da Chorona

La Maldición de la Llorona Rafael Baledón | México | 1961, 80’, DCP, restauração 2K (Alameda Films)

Amélia e seu marido Jaime, com quem acabou de casar, chegam a um bairro onde ocorreram crimes misteriosos. A convite de Selma, eles hospedam-se em sua casa sombria, “a casa do mal”. Depois de ser recebida por Juan, o criado deformado, Amélia vê num espelho o reflexo da mulher que chora.

O barão do terror

El Barón del Terror Chano Urueta | México | 1961, 77’, DCP, restauração 2K (Alameda Films)

México, 1661. Vitelius, barão do terror, acusado de sedução e bruxaria, ri enquanto é torturado pela Inquisição. Após a passagem de um cometa, Vitelius promete regressar na próxima passagem do cometa, em 300 anos, para se vingar dos descendentes dos inquisidores.

Aos 81 anos, cerca de 60 deles dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky ocupa um lugar importante na produção de imagens do e sobre o Brasil. Em 2024, o IMS Paulista dedica especial atenção à obra de Bodanzky como cineasta, fotógrafo e repórter na mostra de filmes As câmeras de Bodanzky, em cartaz, e na exposição, já encerrada, Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985

Ao longo da vida, Bodanzky assinou a fotografia de trabalhos de importantes diretores, produziu uma série de imagens sobre a Amazônia e a América Latina, diversas delas em parceria com a televisão alemã, além de filmes paradigmáticos no cinema brasileiro, como Iracema, uma transa amazônica (1975) e Terceiro milênio (1980). Trabalhou em diversos formatos, dos analógicos 8 mm, 16 mm e 35 mm aos digitais, em câmera profissional e celular, e segue legando trabalhos, como o recente longa-metragem Amazônia, a nova Minamata? (2022).

O Cinema do IMS exibe essa obra junto a curtas-metragens comissionados especialmente para esta ocasião a partir do arquivo de filmes super-8 de Bodanzky, depositados no IMS. Os filmes serão exibidos em cópias analógicas e digitais, em materiais de acervo e novas digitalizações, coordenadas por Débora Butruce. A mostra conta ainda com a estreia mundial das restaurações de Iracema e Terceiro milênio, realizadas a partir de um projeto com direção artística de Jorge Bodanzky e coordenação de Alice de Andrade.

Terceiro milênio

Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil, Alemanha | 1981, 90’, DCP, restauração 4K (Jorge Bodanzky e Alice de Andrade)

Estreia mundial da restauração 4K de Terceiro milênio, de Jorge Bodanzky e Wolf Gauer.

Um senador, Evandro Carreira, eleito pela oposição, é o fio condutor, o narrador e o protagonista desta viagem. Partindo de Manaus, seu percurso cobre uma vasta região eleitoral ao longo do rio Solimões, na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.

Jorge Bodanzky já havia colaborado com Evandro Carreira na realização de Jari. Após uma série de outros projetos pessoais que não foram para a frente ou foram assumidos por outros cineastas, Bodanzky retomaria o trabalho com Carreira naquele que se tornaria um de seus mais icônicos trabalhos.

“Em 1980, Evandro Carreira lançou sua candidatura ao governo do Amazonas e anunciou que faria

uma viagem eleitoral pelo rio Solimões em companhia de José Lutzenberger. Wolf e eu vimos logo que ali havia um filme esperando por nós. [...] Eram mundos opostos e complementares: o empírico, alucinado e visionário do político; e o cartesiano do cientista”, conta Bodanzky em entrevista à biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a coleção Aplauso. “Com base na expectativa desse diálogo singular, conseguimos vender o projeto ao canal alemão ZDF. Deram-nos a verba mais baixa, de risco total, para o programa Kamera-Film, rubrica do experimentalismo.”

“Os discursos apontavam sempre para a ideia de uma Amazônia voltada para quem nela vive: estímulo à criação de caça e ao extrativismo adequado àquele ecossistema; oposição ao pasto extensivo e à industrialização desenfreada; defesa do uso inteligente dos mananciais de água, que são a essência da região. Não havia como não concordar com ele na afirmação de que a Amazônia é um universo próprio, cujos problemas não podem ser resolvidos com soluções bonitinhas no papel, porém distanciadas da realidade e do homem locais. Mas Evandro fazia as coisas no estilo típico do político folclórico do Norte do Brasil. Diante de madeireiros, em aparente contraste com seus princípios, incitava-os a se unirem para jamais serem vencidos.”

“A viagem com Evandro nos dava a oportunidade de colher impressões sobre a vida das populações ribeirinhas e as relações dos indígenas com a educação oficial, o trabalho, os religiosos etc. Mais uma vez, usávamos um expediente ‘ficcional’ para alcançar um nível

documental mais profundo. Mesmo no trato com Evandro, tínhamos plena consciência de estar construindo um personagem. Pedíamos que ele fizesse para a câmera alguns pronunciamentos mais objetivos sobre ideias que apareciam dispersas nas suas falas. É o caso da comparação da floresta a uma virgem, que não deve ser estuprada, mas deflorada com carinho. Ou a preleção diante das vitórias-régias.”

“Acho que Iracema e Terceiro milênio são os filmes em que mais me realizei. É onde o resultado da tela espelha mais completamente o que eu havia imaginado. São experiências complexas do ponto de vista cinematográfico e geram alguma coisa forte entre personagem e espectador: dúvida, simpatia, raiva, seja o que for.”

“Terceiro milênio inaugurou as projeções de cinema no Pequeno Auditório do Masp em 1º de agosto de 1981, e ali ficou em cartaz durante pelo menos oito semanas. No Rio, foi lançado pela Sala Cândido Mendes, sempre em cópias 16 mm, e entrou para o catálogo da Dinafilme. [...] A exibição no ZDF, em agosto de 1981, seguida de várias reprises, valeu-lhe o Prêmio Adolf Grimme em 1983, repetindo a façanha de Iracema. Também em 1983, o documentário foi exibido no Festival de Cannes – onde ganhou o Prêmio Jeune Cinéma – e no festival Cinéma du Réel, em Paris, onde ficou com um dos prêmios principais. Em 1992, foi selecionado para a mostra Documentaire sur grand écran, em Paris.”

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Ana Clara da Costa e Adriano Brito

Serviço de legendagem

eletrônica

Pilha Tradução

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral e Juliana Travassos

Os filmes de dezembro

A programação do mês tem apoio de Turbine Studios, Olhos de Cão, Alameda Films, das distribuidoras Descoloniza Filmes, Filmes do Estação, Imovision, Lança Filmes, Malute Filmes e Retrato Filmes.

Agradecemos a Abbey Lustgarten, Amandyra, Ashley Clark, Augusto Ribeiro Jr., Carlos Primati, Chloe Huybens, Charlotte Andrews, Crounel Marins, Daniel Birman

Ripstein, Ewerton Belico, Felipe Martín Lozano, Gabriel Araújo, Heitor Augusto, Juliana Travassos, Laura Cánepa, Liz Helfgott, Lorenna Rocha, Lúcia Monteiro, Mariana Queen Nwabasili, Michael Gibbons, Paulo Sacramento e Ximena Amescua Cuenca.

As câmeras de Bodanzky Curadoria, realização e produção: Cinema do IMS; Apoio: Arquivo Nacional, Cinemateca Brasileira, Cinemateca do MAM, CTAv, Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF); Coordenação de digitalização: Débora Butruce; Digitalização e tratamento de imagem e som: Link Digital e Mapa Filmes; Pesquisa: Ângelo Manjabosco, Mariana Baumgaertner, Júnia Matsuura; Agradecimentos: Jorge Bodanzky, Adriana Veríssimo, Alice de Andrade, Ana Beatriz Vasconcellos, Barbara Alves Rangel, Bruna Callegari, Denise Miller, Edna de Cássia, Elisa Ximenes, Ewerton Belico, Guilherme Albani, Hernani Heffner, Joana Nogueira Lima, José Quental, Link Digital, Luiz Pretti, Meike Schlarb, Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), Nuno Godolphim, Patrícia Lira, Rafael Medeiros, Ricardo Pretti.; Agradecimentos Equipe IMS: Bianca Mandarino, Cauê Guimarães, Horrana de Kássia Santoz, Joana Reiss, Maria Clara Villas, Marina Marchesan, Nadja Santos, Thyago Nogueira.

José Mojica Marins Restaurado

Realização: Cinema do IMS

Curadoria e Produção: Olhos de Cão

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 145 lugares.

Meia-entrada

Histórias ocupadas: Steve McQueen

apoio

México Macabro: 1958-1961

Realização, curadoria e produção: Cinema do IMS

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Sessão INDETERMINAÇÕES

Realização: Cinema do IMS

Curadoria e produção: INDETERMINAÇÕES

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

(Reino Unido, EUA | 2020, 63’, DCP)

Small Axe: Education, de Steve McQueen

Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h.

Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa

Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h. Fechado às segundas. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

A entrada no IMS Paulista é gratuita.

Avenida Paulista 2424 CEP 01310-300

Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120

imspaulista@ims.com.br ims.com.br

/institutomoreirasalles

@imoreirasalles

@imoreirasalles

/imoreirasalles

/institutomoreirasalles

Salão de baile –This is Ballroom, de Juru e Vitã
(Brasil | 2024, 94’, DCP)

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