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Há 30 anos, A arte negra de Wilson Moreira e Nei Lopes contava para o mundo o que muita gente boa já sabia: do encontro de um ex-agente penitenciário com um ex-advogado nascia uma das parcerias mais sofisticadas da música brasileira. Ao recebê-los para recriar estes 14 sambas que são História, o ims inicia uma série de recitais dedicados a grandes discos, aqueles em que compositores, intérpretes, músicos, arranjadores, produtores e repertório parecem ter nascido uns para os outros. E assim, como quem não quer nada, vão sinalizando épocas, estilos e invenções. Encontros tão raros quanto o de Wilson e Nei, goiabada cascão, em caixa. bia paes leme paulo roberto pires
capa detAlheS dA cApA oRiGiNAl do álBum a arte neGra de WilsOn mOreira e nei lOpes, emi-odeoN, Rio de JANeiRo, 1980 – Foto de JANuáRio GARciA – AceRvo tiNhoRão/imS WilSoN moReiRA e Nei lopeS No eStúdio dA Rádio JB, Rio de JANeiRo, c. 1985 – AceRvo Nei lopeS
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O disco, música a música, por Nei Lopes 1 “Só chora quem ama” Primeira parte de Wilson Moreira, com “versos” de minha autoria. Samba na tradição dos antigos “sambas de primeira”, ou “sambas versados” da família do partido-alto. Foi lançado por Nadinho da Ilha em 1977. Em 2010, ganhou um remake e uma estrofe atualizadora, em gravação de Zeca Pagodinho com minha participação.
2 “Goiabada cascão” No ambiente do Clube do Samba, por volta de 1975, o jornalista Sergio Cabral elogiou Dino Sete Cordas. Disse que o grande violonista era uma raridade, como “goiabada cascão, em caixa”. Vi ali o mote para mais uma letra musicada por Wilson.
3 “Mel e mamão com açúcar” Letra e música de Wilson Moreira sobre um dito comum no ambiente do sistema penitenciário carioca na década de 1970. “Mamão com açúcar” quer dizer tranquilidade, felicidade, paz. Por ironia, claro!
4 “Coisa da antiga” Samba composto em 1976 e gravado por Clara Nunes no ano seguinte. Wilson trouxe a ideia e a primeira
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parte da letra já pronta. Compus os versos restantes e meu parceiro musicou. O interessante é que o titulo sugerido por Moreira era “Tina, barril e bica”.
tornando-se um hit nas rodas do chamado “samba de raiz”.
5 “Coité, cuia”
Lançado por Clara Nunes em 1978, este samba-jongo foi motivado pelas recordações de seu João, velho morador de Olinda, Nilópolis, pai de meu colega Silvano da Silva, que mais tarde se tornaria juiz. Foi seu João, jongueiro em sua terra natal, quem me explicou o que era um candongueiro. E Wilson vestiu a letra com instigante melodia.
Uma das primeiras obras de nossa parceria, este samba-calango foi lançado por Roberto Ribeiro em 1977 e frequentou o repertório do cantor Djavan, que, entretanto, nunca o registrou em disco. Uma de minhas primeiras incursões no universo rural, mais íntimo de Wilson. Ele compôs toda a primeira parte, eu compus a segunda.
12 “Candongueiro”
13 “Gostoso veneno”
Lançado em 1978 por Jair Rodrigues, foi um dos campeões de execução carnavalesca naquele ano e nos seguintes, e é tocado até hoje. É um dos três “venenos” de Wilson Moreira, juntamente com “Não tem veneno” (parceria com Candeia) e “Gostoso veneno”.
Samba de 1979, lançado por Alcione, é talvez o mais conhecido de minha parceria com Wilson Moreira, com mais de uma dezena de registros. Tornou-se internacional, com uma gravação instrumental da orquestra de Paul Mauriat e, depois, ganhou uma versão angolana, com o grupo Semba Tropical.
7 “Senhora liberdade”
14 “Ao povo em forma de arte”
Um dia, no final dos anos 1970, eu, ex-advogado, pedi informações ao agente penitenciário Wilson sobre a existência ou não da tradição do “samba de cadeia”, pungente, arrependido. Ante a confirmação, a melodia foi encomendada e composta, e a letra saiu exatamente como devia. Só que a melodia da segunda parte tornou-se a primeira, e o samba, sucesso de 1979, foi entendido como um dos hinos da Anistia.
Samba-enredo do g.r.a.n.s. Quilombo no carnaval de 1978. Gravado inicialmente por Candeia, é considerado um dos melhores sambas-enredos de todos os tempos.
6 “Gotas de veneno”
8 “Noventa anos de Abolição” Samba-enredo vencedor no G.R.A.N.S. Quilombo (escola de samba alternativa fundada por Candeia), nos preparativos para o carnaval de 1979. Foi gravado por Clara Nunes, mas o disco não saiu.
9 “Silêncio de bamba” No Quilombo, às vésperas do carnaval de 1978, o mestre-sala foi assassinado na porta do clube onde a escola ensaiava. Wilson teve a ideia da homenagem póstuma, concretizada meses depois, quando faleceu Candeia, com uma segunda parte que evoca sua trajetória.
10 “Samba do Irajá” Por volta de 1975, em crise existencial, tendo que aceitar trabalho em um ambiente politicamente desprezível, lembrei de meu pai, homem de rígidos princípios, sepultado no dia em que eu fazia 18 anos. Letra e melodia nasceram juntas, numa lágrima furtiva.
11 “Não foi ela” Pungente samba romântico de 1978. Ganhou sobrevida após a gravação de Zeca Pagodinho, em 1997,
Ficha técnica do lp A arte negra de Wilson Moreira e Nei Lopes Produtor fonográfico emi-Odeon, atual emimusic Direção de produção Renato Corrêa Produção Executiva Genaro Soalheiro Orquestrações e regências Maestro Rogério Rossini Técnicos de Gravação Dacy e Bill Técnico de Mixagem Nivaldo Duarte Corte Osmar Furtado Capa Pedro Henrique Lobianco Foto de capa Januário Garcia Coordenação Gráfica Tadeu Valério Violão 7 cordas Horondino José da Silva (Dino) Violão 6 cordas Rogério Rossini Cavaquinho Carlinhos do Cavaquinho e Alceu Maia Bandolim Afonso Machado Trombone Nelson Martins dos Santos (Maestro Nelsinho) Clarinete Pedro Silveira Neto (Netinho) Flauta Geraldo Acordeon Júlio Cesar Teixeira (Julinho) Bateria Aladim Percussão Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal), Eliseu Félix, Luna, Geraldo Bongô, Caboclinho, Testa, José Belmiro Lima (Zé Trambique), Walter Silva de Vasconcellos Chaves (Cabelinho) e conjunto Nosso Samba Coro Conjunto Nosso Samba (Carlinhos do Cavaquinho, Godinho, Nô, Barbosa e Genaro); As Gatas (Dinorah Lemos, Zenilda Barbosa e Eurídice) Nei Lopes em roda de samba em sua casa com Nelson Cavaquinho, Jair do Cavaquinho e família, Rio de Janeiro, 1975 – Acervo Nei Lopes
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Moacyr Andrade
O refinado encontro de excelências
Foto do material de divulgação do disco O partido muito alto de Wilson Moreira e Nei Lopes, Rio de Janeiro, 1985 – Acervo Nei Lopes
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Além do punhado de grandes sambas feitos com Dona Ivone Lara, nossa música popular deve ao compositor Delcio Carvalho ter apresentado, em momento de felicíssima intuição, Wilson Moreira e Nei Lopes um ao outro. Eram, em meados dos anos 1970, tempos duros para o samba. As escolas já haviam saído do controle dos sambistas, o Zicartola e o show Rosa de Ouro soavam como triunfos remotos e a Noitada de Samba do Teatro Opinião, às segundas-feiras, era um beco, quase um gueto. Procurava-se encurralar o samba, no jargão mercadológico apenas um nicho, não o eixo principal da rotação musical do país. Outra estratégia tentava diluí-lo na massa pop internacional, atenuando-lhe a veemência rítmica com a sensaboria de teclados computadorizados e outros amortecedores. Essa abdicação – acenava-se – significaria o passaporte para a travessia entre a periferia e o mundo central. Os sambistas jamais caíram nesse conto. E, dos terreiros, fundos de quintal, botequins e pagodes outros (fala-se aqui da reunião, da festa onde surgiam variantes e formas inovadoras do samba, não da contrafação do gênero tão estimulada de fora), sempre souberam romper o cerco e evitar as armadilhas. A aproximação entre Wilson Moreira e Nei Lopes foi tão importante para isso, naquela quadra difícil, que no fim da década, em novembro de 1979, uma reportagem do Caderno b do Jornal do Brasil perguntava no título: “Quem não quer gravar um samba dessa dupla?”. E informava que eram de Nei e Wilson os maiores sucessos da hora das cantoras Alcione, Clara Nunes e Zezé Motta. A dupla confiaria a Zezé o samba “Senhora liberdade”, que, naquele instante de ditadura ainda forte e rancorosa aos 15 anos, alcançava, para além dos muitos méritos musicais e poéticos, e da motivação passional ostensiva (trata de um delito de amor), a dimensão de canto libertário muito mais amplo.
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“Senhora liberdade” está no disco A arte negra de Wilson Moreira e Nei Lopes, que comemora 30 anos tão vivo quanto no lançamento. Divide uma faixa com “Gotas de veneno”, da cota explicitamente romântica, completada com a quase homônima “Gostoso veneno” (o grande êxito de Alcione no final dos anos 1970) e com “Não foi ela”, as três oscilando entre o samba de terreiro, o de gafieira e o samba-choro. O partido-alto – aliás, no caso, muito alto, como seria definido no título do segundo disco da dupla, alguns anos depois – ganha as honras da longa faixa de abertura, um jorrar de alegria cristalina, entrecortada de referências às lutas contra a escravidão e sátiras demolidoras de certos avanços e pretensões da vida dita moderna. Há jongo e há calango, a refletir ancestralidades e a permanência, nos morros e subúrbios, de longevos ritmos interioranos. São dois os sambas-enredo, ambos vitoriosos no Quilombo, a escola discrepante fundada por Candeia e alguns mais (Wilson e Nei entre eles). Com a dissidência, pretendia-se fazer vingar o exemplo de uma escola onde as decisões eram tomadas pelos sambistas e se cultivavam as manifestações de arte popular banidas das outras (vovós dançadeiras de jongo, para citar só um esforço, foram trazidas de distantes redutos fluminenses para ensinar a coreografia aos mais jovens). Os dois sambas-enredo saíram de Acari e Coelho Neto, onde o Quilombo teve terreiro, para desfilar na avenida Rio Branco, em 1978 e 1979, e estão sem dúvida entre os melhores daqueles carnavais. Duas faixas são de tributo, norma no mundo do samba. Em “Samba do Irajá”, o homenageado é o pai de Nei Lopes, que carregava como apelido o nome do bairro onde o sambista nasceu. Nei diz a seu velho que “meu samba é a única coisa que eu posso te dar”. Era muito, mas ainda assim Nei se precipitava: sambista sempre, é poeta, cronista, ficcionista, pesquisador, ensaísta, enciclopedista, africanista
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erudito e autor de mais de 20 livros. Em “Silêncio de bamba”, é feita reverência a Candeia, talvez a mais emocionante e comovente de tantas homenagens prestadas musicalmente ao compositor, morto em 1978 aos 43 anos. As letras de Nei Lopes – flagrantes de costumes, crônicas, negritude afirmada, inconformismo, irreverência, malandragem e lirismo – têm grande força poética e mostram primoroso acabamento literário. As melodias de Wilson Moreira, algumas vezes impregnadas da tradição familiar no calango, no caxambu e no jongo, são invariavelmente bonitas e têm, além de evidente refinamento natural, a mais forte marca de autoctonia (é por isso, aliás, que, sem se deixar levar por aquele papo de desfigurar o samba para chegar aos chamados países principais, ele, ironicamente, já fez disco com suas criações castiças especialmente para uma daquelas nações, o Japão). E como os dois juntaram esse acumulado de excelência? Nei Lopes contou um dia: “Das mais variadas formas. Wilson começando e eu completando, Wilson dando a melodia e eu pondo a letra, eu dando a letra pro Wilson colocar a melodia.” Nei Lopes vinha do Salgueiro e Wilson Moreira, da Mocidade Independente. Encontraram-se na sua arte negra para formar uma dupla fundamental do samba, uma parceria já histórica, patrimônio inestimável da música popular brasileira.
Carteira de Wilson Moreira na categoria de fundador do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Samba Quilombos, Rio de Janeiro, 1976 – Acervo Wilson Moreira Carteira de filiação de Wilson Moreira ao Clube do Samba, Rio de Janeiro, 28.08.1979 – Acervo Wilson Moreira O menino Nei Lopes ao lado de seu pai, Luiz Braz Lopes, na residência da família, Irajá, Rio de Janeiro, c. 1947 – Acervo Nei Lopes
Moacyr Andrade é crítico de música popular, autor de Lapa, alegres trópicos (Relume-Dumará)
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19 de outubro 2010 20h A arte negra de Wilson Moreira e Nei Lopes – 30 anos
Nei Lopes Wilson Moreira Ruy Quaresma violão, arranjos e direção musical Samara Líbano cavaquinho, violão 7 cordas e arranjos Júlio Merlino sopros e percussão Nailson Simões Filho percussão
Realização
Instituto Moreira Salles – Coordenação de Música Concepção
Bia Paes Leme Flávio Pinheiro Paulo Roberto Pires Assistente de coordenação
Euler Gouvêa Projeto Gráfico
Luciana Facchini Pesquisa
Ingressos R$ 20,00 inteira R$ 10, 00 meia
Fernando Krieger Marcelo Milanez Revisão
Flávio Cintra do Amaral Agradecimentos
Lugares limitados à lotação da sala Show transmitido em telão externo
Ruy Quaresma Nei Lopes Wilson Moreira Moacyr Andrade Sonia Regina Carvalho brilhante Ângela Nenzy
ESTE NÃO VALE COMO CONVITE
emimusic
Pedro Henrique Lobianco Januário Garcia
A coordenação de Música do ims mantém acervos de partituras, discos, gravações, fotografias e documentos de importantes nomes da música brasileira, como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Elizeth Cardoso e Hekel Tavares, além das coleções dos pesquisadores José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi. O ims envidou todos os esforços para iden tificar e localizar os detentores de direitos das imagens e agradece qualquer informação suplementar a respeito. Instituto Moreira Salles
Rua Marquês de São Vicente 476 Gávea | 22451-040 Rio de Janeiro RJ Tel.: (21) 3284 7400 Fax: (21) 2239 5559 www.ims.com.br Terça a sexta 13h - 20h Sábados, domingos e feriados 11h – 20h
Nei Lopes após receber a Medalha Pedro Ernesto, da Câmara dos vereadores do Rio, confraterniza com o parceiro Wilson Moreira, Renascença Clube, Rio de Janeiro, 2001 – Acervo Nei Lopes
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