cinema 2.2018
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20:00 A morte cansada Sessão com trilha sonora ao vivo realizada pelo pianista Hakim Bentchouala-Golobitch
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1395 Days without Red Os iniciados Visages, villages 120 batimentos por minuto No intenso agora
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12:30 1395 Days without Red 14:00 Os iniciados 16:00 Visages, villages 18:00 120 batimentos por minuto 21:00 Rigoletto
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14:00 A forma da água 16:30 120 batimentos por minuto 19:30 A forma da água
14:00 A forma da água 16:30 120 batimentos por minuto 19:30 A forma da água
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12:30 1395 Days without Red 14:00 Paulistas 15:30 Paulistas 19:00 A vingança dos 47 Ronin – Parte I 21:30 A vingança dos 47 Ronin – Parte II
12:30 1395 Days without Red 14:00 Paulistas 15:30 Paulistas 17:15 Crisântemos tardios 20:15 A canção da terra natal 21:30 Senhorita Oyu
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1395 Days without Red Os iniciados Visages, villages 120 batimentos por minuto No intenso agora
1395 Days without Red A forma da água A forma da água Utamaro e suas cinco mulheres Mulheres da noite
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1395 Days without Red A forma da água A forma da água As irmãs de Gion Elegia de Osaka Oyuki, a virgem
1395 Days without Red A forma da água 120 batimentos por minuto A forma da água O monstro da lagoa Negra
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1395 Days without Red A forma da água 120 batimentos por minuto A forma da água Visages, villages
16 1395 Days without Red A forma da água A forma da água Sessão Cinética: A garota negra
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12:30 1395 Days without Red 14:00 No intenso agora 16:45 Paulistas 18:30 A música de Gion 20:30 A canção da terra natal 21:45 As irmãs de Gion
12:30 1395 Days without Red 14:00 No intenso agora 16:45 Paulistas 18:30 Elegia de Osaka 20:00 Oyuki, a virgem 21:45 Contos da lua vaga
12:30 1395 Days without Red 14:00 No intenso agora 16:45 Paulistas 18:30 Oharu, a vida de uma cortesã 21:30 O intendente Sansho
12:30 1395 Days without Red 14:00 No intenso agora 16:45 Paulistas 19:00 A nova saga do clã Taira 21:30 A princesa Yang Kwei Fei
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1395 Days without Red No intenso agora Rua da vergonha Palestra sobre Kenji Mizoguchi Chika Kinoshita e João Luiz Vieira
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Os iniciados Visages, villages O canto do mar Visages, villages
11 1395 Days without Red Sessão infantil: Histórias preciosas 120 batimentos por minuto A forma da água O monstro da lagoa Negra
17 1395 Days without Red A forma da água A forma da água A forma da água No intenso agora
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1395 Days without Red Os iniciados Visages, villages 120 batimentos por minuto O monstro da lagoa Negra
14:00 A forma da água 16:30 120 batimentos por minuto 19:30 A forma da água
18 1395 Days without Red Sessão infantil: Histórias preciosas A forma da água A forma da água A garota negra
14:00 A forma da água 16:30 A forma da água 19:00 O monstro da lagoa Negra
25 1395 Days without Red A música de Gion Oharu, a vida de uma cortesã Contos da lua vaga O intendente Sansho
14:00 A nova saga do clã Taira 18:00 Os amantes crucificados 20:00 A princesa Yang Kwei Fei
4 1395 Days without Red Senhorita Oyu Rua da vergonha Mulheres da noite Os amantes crucificados Utamaro e suas cinco mulheres
14:00 A vingança dos 47 Ronin – Parte I 16:30 A vingança dos 47 Ronin – Parte II 19:00 Crisântemos tardios
destaques de fevereiro 2018
A garota negra (La noire de…), de Ousmane Sembène (Senegal | 1966, 65’, DCP)
Contos da lua vaga (Ugetsu monogatari ), de Kenji Mizoguchi (Japão | 1953, 97’, 35 mm)
A forma da água (The Shape of Water), de Guillermo del Toro (EUA | 2017, 123’, DCP)
Entre os destaques da programação deste mês, o cinema do IMS Paulista apresenta, em parceria com a Fundação Japão, um ciclo dedicado ao realizador japonês Kenji Mizoguchi (18981956) com cópias em 35 mm, 16 mm e DCP. O filme A morte cansada, de Fritz Lang, é exibido com trilha ao vivo do pianista Hakim Bentchouala-Golobitch, um evento realizado em parceria com o Embaixada da França e o Institut Français.
Em paralelo à estreia de A forma da água, de Guillermo del Toro, o cinema projeta em 3D o longa O monstro da lagoa Negra, de Jack Arnold. A sessão infantil revela lendas tradicionais dos diferentes povos, nos curtas de animação Histórias preciosas. Há ainda a Sessão Cinética, com o filme A garota negra, de Ousmane Sembène, cuja exibição do dia 15 será seguida de debate com os críticos da revista.
Maima muito esperado – Um conto da cidade de Narian-Mar (Maima), de Inga Korzhneva (Rússia | 2008 | 13’ | 35 mm | dublado em português)
A forma da água (The Shape of Water), de Guillermo del Toro (EUA | 2017, 123’, DCP)
Uma continuação platônica por Kleber Mendonça Filho
Há 25 anos que Guillermo del Toro filma almas e criaturas, geralmente em contraste com monstros humanos de aparência “normal”. Há uma delicadeza no seu registro fantastique, um pouco como um museu de cera cuidado por um proprietário bondoso, atraído pelo que um senso comum chamaria de feiura (Hellboy e O labirinto do fauno, exemplos memoráveis). Seu filme mais recente, A forma da água (The Shape of Water, 2017), sintetiza esse jeito de ver recorrente no cinema moderno e no olhar de Del Toro: a referência amada a filmes do passado, aqui especialmente O monstro da lagoa Negra (Creature From the Black Lagoon, 1954), de Jack Arnold, rodado em 3D na primeira e curta mania do formato, há mais de 60 anos. O monstro da lagoa Negra e também A forma da água trazem um certo estado de mundo e dos Estados Unidos nos anos 1950, com detalhes que não parecem ter envelhecido: a ameaça nuclear da Guerra Fria, o medo do “outro”, do “estrangeiro”. No filme de Arnold, a ambientação clássica de uma misteriosa lagoa Negra na exótica e distante Amazônia brasileira, aqui visitada por americanos mais desenvolvidos
tecnologicamente. O filme é memorável pelo excelente artesanato de Cinema B, que só parece ganhar com a passagem do tempo, e dá continuidade a uma tradição de monstros e criaturas do estúdio Universal (Drácula, Frankenstein, a Múmia, o Lobisomem). Teremos a oportunidade de projetar O monstro da lagoa Negra na sua imagem nativa 3D nas nossas duas salas do IMS, em cópia DCP especialmente trazida do exterior. De fato, o filme também é notável pelo uso do 3D num momento histórico que via o Cinema (ou a ida à sala de cinema) ameaçado pela chegada da televisão. Junto com o Cinerama e o CinemaScope, o 3D foi vendido nos anos 1950 como uma atração específica da tela grande, uma tentativa de defesa contra a TV. A onda do 3D nos anos 1950 acabou rapidamente, voltando vez ou outra em alguns filmes de décadas seguintes. Na onda atual do 3D digital, já se vai quase uma década desde que Avatar (2009) ajudou a popularizar o formato no cinema contemporâneo pós-filme 35 mm. Atualmente, e já com sinais de exaustão, o 3D é usado para, sejamos sinceros, cobrar ingressos mais caros.
A maior parte dos grandes lançamentos ganha o efeito 3D em pós-produção, e não ao filmar (é mais fácil, mais barato). Revendo recentemente O monstro da lagoa Negra (de fato rodado em 3D), percebe-se que Jack Arnold e equipe testavam os limites de uma nova imagem de cinema nos anos 1950 com uma elegância bem evidente, algo também percebido no sensacional Museu de cera (House of Wax, 1953), de André De Toth. O ritmo menos acelerado do que vemos hoje, cada imagem de fato pensada para o formato e o aspecto muito curioso (nesse filme em especial), como se estivéssemos num aquário preto e branco durante uma boa parte da projeção. Com bolhinhas e tudo. Um aquário (militar) é também uma imagem que fica na continuação platônica do filme de Arnold, A forma da água, em que a criatura masculina dotada de guelras apaixona-se por uma faxineira muda interpretada por Sally Hawkins. É sempre curioso ver um cineasta autor não americano olhar para os EUA, em especial um mexicano filmando em Hollywood nesses tempos. Del Toro cobre o filme de guloseimas visuais verdes (Guillermo, verde??) e quitutes românticos de uma cinefilia
sempre muito agradável (a heroína mora em cima de um cinema maravilhoso que exibe épicos italianos). O design retrô digital talvez sugira pelo menos uma referência visual de época a Mad Men, circa 1960, com a participação de um Cadillac numa concessionária. E Del Toro, em cima dessa energia retrô, faz mais. Desenvolve uma relação curiosa de atração física entre dois seres, em que a heroína é sexualmente saudável e ativa, uma raridade absoluta na produção comercial atual made in Hollywood, em que sexo humano é apenas um ponto de partida, um plot device, para todo tipo de trauma, doença, humilhação e violência. Na verdade, trauma, doença, humilhação e violência estão no vilão da agência do governo, um Michael Shannon poderoso que parece traduzir o nojo de Del Toro por autoridades de direita com claro corte fascista... Curiosamente, A forma da água tem sido tratado pelo mercado como “filme de arte”, vejam só! E segue o Cinema, “autoral” ou “comercial”, sendo, ele mesmo, fruto e reflexo do mundo. E que beleza poder sentir a força desses dois filmes, unidos pelo “fantástico”, numa sala de cinema.
Notas introdutórias sobre Kenji Mizoguchi por Barbara Alves Rangel
“Quando acabo um filme, como posso dizer… parece-me sempre uma merda, independentemente do trabalho que deu, e tenho medo de olhar para ele. Quando um filme meu está em exibição numa sala normal, sinto-me sempre pouco à vontade se passar em frente a esse cinema, e nunca me arrisco a voltar a vê-lo.”1 Olhar em retrospecto para os filmes de Kenji Mizoguchi é olhar para um legado que sobrevive fragmentado – entre 1923 e 1956 (ano de sua morte), Mizoguchi realizou 86 filmes, dos quais apenas 30 foram preservados. Entre eles, estão Elegia de Osaka, Crisântemos tardios, Oharu, a vida de uma cortesã e Rua da vergonha. Grande parte de sua produção silenciosa se perdeu. Nos meses de fevereiro e março de 2018, 18 filmes do diretor poderão ser vistos e revistos no cinema do IMS, em cópias em 35 mm, 16 mm e DCP, neste ciclo apresentado em parceria com a Fundação Japão. O azedume da epígrafe sugere uma pessoa inquieta. Ao conhecermos as obras de Mizoguchi, supomos se tratar
também de alguém exigente, caráter reiterado em relatos de seus colaboradores mais próximos, como Yoshikata Yoda (roteirista de seus filmes a partir dos anos 1930) e Kazuo Miyagawa (fotógrafo de muitos de seus filmes nos anos 1950). Mizoguchi se tornou conhecido pelo esmero técnico na realização de planos-sequência, parte de uma sofisticada mise-en-scène na qual confluem a interpretação dos atores e a exploração minuciosa dos espaços cênicos. No entanto, há no conjunto uma certa “flutuação”. Ao contrário de seu contemporâneo Yasujiro Ozu, que trabalhou unicamente para o estúdio Shochiku ao longo da vida, explorando todas as facetas das relações familiares, Mizoguchi rodou por diversas produtoras, como os estúdios Nikkatsu, Daiei e até mesmo The Shaw Brothers, conhecido por seus filmes de kung fu em Hong Kong. Suas obras exploram aspectos e épocas distintas da história do Japão a partir de variadas fontes: o teatro de marionetes bunraku do século XVII, em Amantes crucificados, encomendas institucionais (A canção da
terra natal, feito para o governo japonês), e adaptações de trabalhos literários de autores como Saikaku Ihara (Oharu, adaptação do romance Koshoku ichidai onna) e Guy de Maupassant (Oyuki, a virgem, inspirado em “Bola de sebo”). “Sou caprichoso e inconstante, e não consigo aprofundar uma coisa só, insisto em querer mostrá-la de diferentes pontos de vista. Nesse sentido, Ozu é maravilhoso. Em suma, eu sou um curioso, gosto de coisas sempre novas... é meu feitio.” Mais do que uma coleção de curiosidades, esse capricho gerou uma obra densa, cuja análise em conjunto permite encontrar alguns pontos em comum. Entre seus temas mais constantes, estão as relações de poder e os conflitos de classe social, vistos pelo prisma da relação entre homens e mulheres. A origem dessa temática remonta à década de 1930 e tem associações nebulosas com a vida privada de Mizoguchi, que supostamente mantinha relações amorosas turbulentas com mulheres, incluindo a atriz Kinuyo Tanaka, que trabalhou
com ele em 15 filmes. Se a interpretação de um conjunto de obras sob o prisma biográfico é por vezes redutora e fetichista (nesse caso, levando inclusive a leituras misóginas), é verdade que, às personagens femininas, na obra de Mizoguchi, parece reservado um sofrimento particular, potencializado por estruturas sociais asfixiantes. Muitas vezes, como faz Otoku em Crisântemos tardios, a única saída possível é o autossacrifício, que obedece a noções estritas de dever e bem comum. A inevitabilidade dos destinos mais cruéis é apresentada da maneira mais bela, como a entrada lenta de Anju nas águas em O intendente Sansho. Não há pressa para a morte, assim como não há pressa nem mesmo nos momentos mais conflituosos desse cinema. A câmera de Mizoguchi explora personagens e espaços de maneira cadenciada, ainda que nem sempre tudo nos seja dado a ver. Em muitos momentos, acompanhamos seus movimentos até chegarmos a personagens que nos dão as costas. Em tantos outros, vemos a ação de longe, um quadro dentro do quadro, uma porta entreaberta
Mulheres da noite (Yoru no onnatachi ), de Kenji Mizoguchi (Japão | 1948 | 71’ | 35 mm)
A garota negra, de Ousmane Sembène: a máscara da máscara Luiz Soares Júnior
que não permite ver o todo. A visibilidade é sempre reduzida, como nas brumas de Contos da lua vaga. O rosto de suas atrizes no entanto sobressai: Mizoguchi trabalhou com importantes atrizes japonesas, como Machiko Kyo e Kyoko Kagawa, além de Kinuyo Tanaka. Se as interpretações de Kyo e Kagawa em filmes como Rua da vergonha e O intendente Sansho são expressivas, o método de Tanaka é mais oblíquo. Seu modo de andar é suave, seus gestos são por vezes inquietos, há pouco contato visual e uma ambiguidade em seu rosto – características identificadas e discutidas pela professora da Universidade de Quioto, Chika Kinoshita, em seu ensaio “Coreografia do desejo: analisando a atuação de Kinuyo Tanaka nos filmes de Mizoguchi”.2 Segundo a professora, essa forma de atuação teria influenciado diretamente o modo de filmar de Mizoguchi. O resultado é o que Jean Douchet chama de coreografia do desejo, descrita por Kinoshita como um conceito que “não é senão a objetivação tanto do sujeito quanto do objeto
do desejo. Dizer isto não é desprezar os atores. A bravura de Tanaka reside na própria objetificação de si mesma como vetor.” Assim como nas tramas das personagens femininas de Mizoguchi, a fragilidade de Kinuyo Tanaka pode revelar uma resiliência autoconsciente. Se o conjunto que se apresenta neste ciclo aponta para uma reflexão inevitável sobre o feminino na obra de Mizoguchi, há também o realizador iniciante que ainda tateava seus principais temas. Inédito no Brasil, A canção da terra natal foi produzido em 1925 por encomenda do Ministério da Educação japonês para estimular a produção de arroz. Resgatada pelo National Film Center de Tóquio, a cópia em 35 mm restaurada valoriza a estética original do filme, inclusive nas cores obtidas por meio de um processo de tingimento da película. Muitos escreveram sobre o cineasta – Noel Burch, Serge Daney, Tadao Sato, David Bordwell, Donald Kirihara –, mas há poucas mulheres entre esses autores. Como parte do ciclo, Chika Kinoshita participará de uma discussão sobre
a obra de Mizoguchi com o professor João Luiz Vieira (Universidade Federal Fluminense) no dia 6 de março, no auditório do IMS Paulista. Se novos engajamentos críticos não se esgotam, no ano em que se celebram os 120 anos do nascimento de Mizoguchi, eles podem acrescentar outras camadas necessárias ao que já é bastante espesso.
1. Entrevista de Kenji Mizoguchi concedida à Fuyuhiko Kitagawa, Matsuo Kishi, Kotaro Yamamoto, Tatsihiko Shigeno, Junichiro Tomoda e Shinbi Iida, originalmente publicada na revista Kinema Jumpo, n. 597, em 1 de janeiro de 1937, e republicada no catálogo dedicado a Kenji Mizoguchi, editado pela Cinemateca Portuguesa em 2000. 2. Publicado pela revista Screening the Past, o texto “Choreography of Desire: Analysing Kinuyo Tanaka’s Acting in Mizoguchi’s Films” pode ser encontrado no link (em inglês) bit.ly/ kinoshitatanaka.
O cinema, arte radicalmente situada – espaço, tempo, como a figuração do homem e da terra a desbravar, com suas endemias características –, foi cruelmente propício à práxis de uma ciência que soube sincretizar seus dons de observação meticulosa e mensuração heurística em um instrumento privilegiado de mapeamento holístico do real: da entomologia. Da entomologia vivissecante-jansenista de Luis Buñuel à trilogia “autopsista-institucional foucaultiana” de Stan Brakhage, como da ruse libertina de Erich von Stroheim à ruse “tchekoviana do degelo” de Alexei German em Meu amigo Ivan Lapshin, estivemos todos lá, sob a implacável lupa da câmera-caneta (Alexandre Astruc), que, ao cabo, se revelou um bisturi, como igualmente uma cânula e uma espátula providenciais para remover do ego humano, agora com a devida justiça representado como elemento “parcial e coextensivo ao mundo”, qualquer tipo de autocomplacência vaidosa e, enfim, revelá-lo a si mesmo (experimentemos um aprofundamento verticalmente psicanalítico
da superfície-tela do cinema, atentando à dupla acepção da palavra projeção, invocada tantas vezes por Serge Daney). Mas a que si mesmo estamos nos referindo quando revemos uma pequena obra-prima como A garota negra (La noire de…)? Devo dizer que se chamo de “pequena” é não apenas pela metragem média do filme, mas para enfatizar que não haverá tubo de ensaio mais adequado a um experimento entomológico do que a metragem de uma hora e a restrição “avaliação-estatística” de um grupo humano capturado no cenário equilátero da cozinha, da sala, do quarto e, num flashback esqualidamente evocativo, dos arredores endomingados de Dacar; sim, das condições de temperatura e pressão…, cujos efeitos serão sempre melhor apreendidos pelo fórceps do concentracionismo, revelador de essências: um experimento-experiência, a partir do qual Sembène vai se esforçar por criar as condições-coordenadas – os médiuns dramático e “cenarístico”, respectivamente do flashback, da voz off, do espaço camerístico dessa arena
semicircular onde esbarram entre si as crianças, a patroa, o patrão e esta… – para que possamos dar à “negra de...” do título uma espessura existencial, uma situação primordial anterior à social, à geográfica, ambas inferiorizadas de antemão pelo contexto narrativo de A garota negra. Seu nome: é Diouana; mas bastará um nome para conhecer/desvelar/projetar-se em uma personagem? –, interroga-se Sembène. Lembremo-nos que Diouana é o nome dado (antes: interpelado pelo comando histérico da francesa) pelos patrões à moça, que permanece calada por todo o filme, reservando-se apenas à sua presença vocal o fora de campo da narrativa em off (volto a isso, é claro); a interrogação de Sembène, como em todo grande cinema, arte infraestruturalmente materialista, aborda-nos com este enfático ilustrativo das grandes demonstrações de geômetras e dos corpus alegoristas do século XVI: acompanha-nos ao longo do filme uma máscara multiplamente situada pela instrumentação retórica do close expedito (um close, mas também contracampo do primeiro
olhar da criada para a casa dos patrões), close “atardando-se” intrigado, plano-sequência atabalhoado-acidental da criança que segue o patrão, plano médio mais quod erat... indutivo da patroa recebendo a máscara de presente, traveling ludicamente giratório da disputa da máscara pelas duas mulheres, plano-sequência num crescendo de terror infiltrado da criança mascarada seguindo o patrão (sim, ainda uma vez: se repararem no olhar ansiosamente insistente que o homem volta para trás, verão que o atabalhoado-acidental do plano-sequência talvez ocultasse uma indizível ameaça, e…); sim, uma máscara. Desculpem-me lembrar mais uma vez, mas dos gregos pré-socráticos a Les nègres, de Jean Genet, a máscara foi menos um objeto carnavalesco para mimetizar-se entre os demais que um meio retórico (precisamente: uma mediação, cujo escafandro protetor permitiu-nos abordar profundezas sem nos queimar) para capturar a essência de uma identidade; mas esta nunca se entrincheira em via única, como ensinou-nos
paradigmaticamente a persona, máscara de projeção do teatro grego; sim, da projeção. Aliás, necessária projeção, pois o mistério da identidade nunca foi tão enevoado a ponto de nos ocultar, que é o efeito de uma dupla e complementar relação com a alteridade: sem a máscara para projetar o erro de Édipo no meio da arquibancada, que dignidade poderíamos esperar do coro, lugar formal de seu julgamento? É a projeção para o outro – no caso, a plateia – que decisivamente nos converte em “si-mesmos”; ora, mas em A garota negra inexiste diegeticamente (dentro do filme como entidade narrativa) a voz, reveladora de persona, e a presença vocal de Diouana só nos chega refratada, alterada/alterizada pela distância da narrativa; o que concluímos então deste Eu que só se assume como narrativa, que de Benveniste a René Girard é o lugar de um esponsal impossível (mas perfeitamente experimentável/experienciável na linguagem) entre o Eu e a morte? Sim, uma máscara vazia… O cinema clássico foi uma arte da plenitude do campo, pois trabalhou com
manifestações, epifanias, hierofanias; todo o trabalho: mediações a perder de vista: ensaios com atores, urdimento de cenário e reescritura do roteiro. No entanto, deveria ocultar-se sob a evidência luminosa do plano, e, sobretudo, desaparecer completamente da cabeça da recepção, destinada unicamente a fruir fascinada dos efeitos desse vertiginoso processo; foi com os modernos – pensemos num marco: os filmes de Jean Renoir e de Roberto Rossellini nos 1940, mas também Orson Welles e Edgar Ulmer na América – que os artistas começaram mais abertamente a mobilizar o fora de campo, estrutura transcendental que nos permitia compreender o que se dava no campo sem nele aparecer propriamente. Cognição, memória, imaginário: foi vária a oferta de situação (novamente), pois com os modernos descobriu-se a linguagem, e, portanto, a mortalidade; pensem no exemplo mais do que conhecido da câmera que se aproxima em demasia do personagem para indicar um iminente perigo em torno. O texto off, desconectado ou não do que nos aparece
em campo, foi um privilegiado meio de ativação do fora de campo, e este aqui, como em toda obra predominante de linguagem (e portanto moderna, porque os clássicos se incumbiram da presença), legitima-se como avatar inegável da Morte: ao longo do filme, o único espaço possível para Diouana habitar é a narrativa em off, e sabemos a que abismos nos destina um texto sobreposto à imagem com que não coincide; o seu corpo morto ao final é apenas a ratificação diegética daquela condenação estrutural de que a máscara inabitável é o significante mortuário. O plano final do desvelamento da máscara pelo garoto é de um didatismo a que apenas artistas poderosamente dialéticos (Büchner, Kleist, Brecht) ousaram aceder, pois nos revela um continente possível, que nenhuma persona conseguira habitar.
filmes Filmes em cartaz 120 batimentos por minuto
120 battements par minute Robin Campillo | França | 2017, 144’, DCP
França, início dos anos 1990. O grupo ativista Act Up intensifica seus esforços para que a sociedade reconheça a importância das campanhas de prevenção e de tratamento da Aids. Recém-chegado ao grupo, Nathan fica impressionado com a dedicação de Sean. Os dois iniciam um relacionamento sorodiscordante, mas o estado de saúde de Sean é delicado. “Se há uma coisa que nós não imaginávamos durante esses anos de luta é que um dia seria feito um filme e que ele seria aclamado dessa forma em Cannes. Quando eu recebi o roteiro, há um ano, Philippe Mangeot e Robin Campillo me perguntaram o que eu pensava, eu os congratulei pela precisão factual sobre a nossa experiência e implorei para eles preservarem o humor nos diálogos; essa autodepreciação cômica foi o que nos fez atravessar os momentos mais difíceis, como os mais duros conflitos internos. Por ser fundador, eu fui o único que assistiu às reuniões do Act Up em Nova York, e fui fortemente influenciado pelo espírito queer que servia como um vínculo fraterno a toda aquela raiva.” – conta Didier Lestrade na revista Slate. No Festival de Cannes de 2017, o longa recebeu o Grande Prêmio do Júri e o prêmio da Crítica Fipresci, e foi o filme escolhido pela França para representar o país no Oscar deste ano. [Artigo em francês de Didier Lestrade na revista Slate: goo.gl/SEm55i]
Os iniciados
A forma da água
O pai de Kwanda está preocupado com o filho: “Ele é sensível demais”. Por isso, pede ajuda a Xolani, um operário de Queenstown, na África do Sul, que organiza o Ukwaluka: um rito de passagem no qual adolescentes são circuncidados e vivem acampados em uma montanha durante a recuperação. Eles devem passar por provações enquanto aprendem os códigos masculinos da cultura Xhosi. Kwanda, ao contrário dos demais iniciados, questiona todos os aspectos dessa tradição. “Os iniciados nasceu do desejo de enfrentar os estereótipos sobre a masculinidade do homem negro perpetuados dentro e fora do cinema africano”, conta o diretor John Trengove, no site do filme (www.inxeba.com). “Como homem branco, representar a realidade do negro marginalizado, uma realidade que não é minha, é algo complicado. Até problemático. Era importante que a história espelhasse esse problema. O personagem de Kwanda é um estrangeiro no mundo tradicional, que de alguma forma expressa as minhas próprias ideias sobre direitos humanos e liberdades individuais. Ele é também o problema. Suas preconcepções representam um perigo àqueles que têm muito mais a perder do que ele.” Em 2017, o longa fez parte da seleção oficial do Festival de Berlim, na mostra Panorama, e de Sundance, na mostra competitiva World Cinema Dramatic. É o representante sul-africano no Oscar em 2018.
Junto a A forma da água, o Cinema do IMS exibe, em cópia DCP 3D, O monstro da lagoa Negra (The Creature from the Black Lagoon, 1954), de Jack Arnold. O filme é uma das inspirações para o longa de Guillermo del Toro. No filme, Elisa é zeladora em um laboratório secreto do governo estadunidense, nos anos 1960, auge da Guerra Fria. Lá, ela descobre uma estranha criatura, espécie de homem anfíbio, que está sendo mantida em cativeiro. Afeiçoada ao bicho, Elisa vai elaborar um plano de resgate com a ajuda de seu melhor amigo e de sua colega de turno. “Eu quis criar uma história bonita e elegante sobre esperança e salvação como antídoto para o cinismo dos dias de hoje”, conta Del Toro, diretor de Hellboy (2004) e O labirinto do fauno (El laberinto del fauno, 2006). “Eu queria que essa história tomasse a forma de um conto de fadas, em que um ser humano humilde descobre uma coisa muito maior e mais transcendental do que tudo mais em sua vida. Achei que seria uma excelente ideia sobrepor esse amor a algo que fosse tão banal e cruel quanto o ódio entre nações.” “Interessou-me o fato de 1962 ser uma época em que todo mundo se concentrava no futuro, enquanto a criatura é uma forma antiga do passado distante.” A forma da água é o filme com mais indicações ao Oscar 2018, incluindo as categorias Melhor Filme, Diretor e Atriz. No Globo de Ouro deste ano, recebeu os prêmios de Melhor Diretor e Melhor Trilha Sonora, composta por Alexandre Desplat.
Inxeba John Trengove | África do Sul, Alemanha, Holanda, França | 2017, 88’, DCP
The Shape of Water Guillermo del Toro | EUA | 2017, 123’, DCP
No intenso agora
João Moreira Salles | Brasil | 2017, 127’, DCP
Feito a partir da descoberta de filmes caseiros rodados na China em 1966, durante a fase inicial da Revolução Cultural, No intenso agora investiga a natureza de registros audiovisuais gravados em momentos de grande intensidade. Às cenas da China, somam-se imagens dos eventos de 1968 na França, na Tchecoslováquia e, em menor quantidade, no Brasil. As imagens, todas elas de arquivo, revelam o estado de espírito das pessoas filmadas e também a relação entre registro e circunstância política. O ponto de partida do filme foram imagens captadas pela mãe do diretor, encontradas por ele na época da finalização de Santiago (2007). “Eu precisava de imagens da casa onde minha família morou, na Gávea, e pedi a alguém para procurar”, conta João Moreira Salles em entrevista ao jornal O Globo. “Encontramos as imagens, mas eu não sabia direito o que eram, qual o sentimento dela durante a viagem. Aí encontrei uma reportagem que ela escreveu sobre a viagem, em forma de diário, para a revista O Cruzeiro. Fiquei muito impressionado com a comoção dela diante de tudo o que viu lá. Minha mãe e a Revolução Cultural são opostos absolutos, seria fácil imaginar uma reação dogmática. Mas não, ela ficou deslumbrada com aquilo. E eu fiquei tocado com esse deslumbramento dela e com a intensidade com que ela o descreveu, porque minha mãe foi perdendo isso com o tempo.” [Leia a entrevista completa de João Moreira Salles para O Globo: goo.gl/PhCNxe]
filmes Sessões especiais
Sessão com acompanhamento musical
Visages, villages
Visages, villages Agnès Varda, JR | França | 2016, 90’, DCP
Paulistas
Daniel Nolasco | Brasil | 2017, 76’, DCP
Paulistas e Soledade são duas regiões rurais localizadas no sudoeste de Goiás. No começo da década de 1990, a expansão da monocultura agrícola e a exploração dos recursos hídricos intensificou o êxodo da região. Desde 2014, não existem mais jovens morando na região.
A cineasta Agnès Varda e o fotógrafo e muralista JR têm em comum o fascínio pelas imagens e pela forma como elas são criadas, exibidas e compartilhadas. Quando JR, um fã de longa data, foi à casa de Agnès, na rue Daguerre, os dois decidiram trabalhar juntos em um documentário. Nas palavras da diretora, a proposta partia do interesse em juntar o trabalho do parceiro, “colar grandes fotos de pessoas em muros, empoderando elas por meio do tamanho, e o meu hábito de escutá-las e destacar o que elas dizem”. “E queríamos pegar a estrada juntos”, completa JR, “nem a Agnès nem eu nunca havíamos codirigido um filme antes.” O longa documenta a viagem dos dois artistas pelo interior da França e a amizade que construíram ao longo do caminho. “Às vezes, um de nós conhecia alguém numa aldeia ou tinha uma coisa específica em mente”, conta Varda. “Então íamos ver. Como sempre, em documentários – e eu fiz muitos –, você tem uma ideia, mas logo o acaso entra em jogo – quem você encontra e quem você conhece – e, de repente, as coisas se concentram numa determinada pessoa ou lugar. Na verdade, nós abraçamos o acaso, ele é nosso assistente!”. Indicado ao Oscar de Melhor Documentário.
1395 Days without Red
Bósnia-Herzegovina, Reino Unido | 2011, 44’, DCP
Um filme de Anri Sala em colaboração com Liria Bégéja, a partir de um projeto de Šejla Kamerić e Anri Sala em parceria com Ari Benjamin Meyers © Anri Sala, Šejla Kamerić, Artangel, SCCA/2011. O filme mostra a Orquestra Filarmônica de Sarajevo praticando o primeiro movimento da Sinfonia patética, a sexta e última composta por Tchaikovsky, em 1893. Ao mesmo tempo, uma musicista atravessa a cidade sitiada a caminho do ensaio. O filme faz referência aos 1395 dias do cerco de Sarajevo, entre 5 de abril de 1992 e 29 de fevereiro de 1996, durante a guerra da Bósnia-Herzegovina, quando vestir roupas vermelhas e brilhantes era extremamente perigoso por atrair a atenção dos franco-atiradores. 1395 Days without Red faz parte da exposição Anri Sala: o momento presente, em cartaz no IMS Paulista até o dia 25 de março.
O monstro da lagoa Negra
A morte cansada
Durante uma expedição científica no rio Amazonas, um grupo de pesquisadores liderados pelo dr. David Reed captura uma estranha criatura que pode ser o elo perdido entre os anfíbios e os humanos. O bicho, no entanto, desenvolve uma obsessão por Kay, namorada do dr. Reed. O monstro da lagoa Negra foi filmado em 3D e teve duas sequências: A revanche do monstro (Revenge of the Creature, 1955) e The Creature Walks Amongs Us (1956) [em tradução livre, A criatura caminha entre nós]. Mais de 60 anos depois, Guillermo del Toro retoma o mito da criatura como uma das inspirações para seu mais recente longa-metragem, A forma da água (The Shape of Water, 2017).
Em parceria com a Embaixada da França e o Institut Français no Brasil, o IMS Paulista apresenta a cópia restaurada de A morte cansada, com acompanhamento musical do pianista francês Hakim Bentchouala-Golobitch. O roteiro de Fritz Lang e sua esposa, Thea von Harbou, conta a saga de uma jovem que tenta impedir o falecimento de seu noivo. Para tanto, ela deve negociar com a morte, um homem misterioso, que lhe apresenta três velas. Cada uma revela uma história que a moça deve percorrer em distintos momentos históricos: Bagdá no século IX, Veneza no século XVII e a China Imperial.
Creature from the Black Lagoon Jack Arnold | EUA | 1954, 79’, DCP – exibição em 3D
Der müde Tod Fritz Lang | Alemanha | 1921, 100’, DCP
Sessão infantil - Histórias preciosas
Sessão Cinética
A partir de lendas tradicionais dos diferentes povos do mundo, desde 2003 o estúdio de animação russo Pilot Film produziu uma série de curta-metragens, utilizando técnicas como a massa de modelar e o desenho animado. Antes de cada obra, há uma breve introdução que apresenta a região de origem das lendas que inspiraram cada um dos filmes. Os filmes são recomendados para crianças de todas as idades.
O canto do mar (reprise)
Alberto Cavalcanti | Brasil | 1953, 124’, 35 mm
O ovo mágico Um conto da Mordóvia
Kuy gorozh Sergey Olifirenko | Rússia | 2008, 13’, 35 mm | Dublado em português
O velho já não tinha mais o que comer, então foi procurar aquele ovo mágico que o faria rico.
A menina e a raposa Um conto dos montes Urais
Zhiharka Oleg Uzhinov | Rússia | 2005, 13’, 35 mm | Dublado em português
Zhiharka, uma garotinha que adora brincar, ficou sozinha em casa, e uma raposa achou que seria fácil raptá-la.
Rico de repente Um conto coreano
Chepogi Leon Estrin | Rússia | 2007, 13’, 35 mm | Dublado em português
Os peixes de Kim têm desaparecido misteriosamente. Ao investigar o ladrão, ele descobre um gato mágico que pode torná-lo rico de repente.
A pequena órfã Um conto da cidade de Kursk
Kroshechka-Khavroshechka Inga Korzhneva | Rússia | 2007, 13’, 35 mm | Dublado em português
Quando a morte levou os pais de Kroshechka-Khavroshechka, ela era apenas uma garotinha, e sua única companheira, uma vaca.
Maima muito esperado Um conto da cidade de Narian-Mar Maima Inga Korzhneva | Rússia | 2008, 13’, 35 mm | Dublado em português
Essa é a história de Maima, o garoto que conseguiu trazer o seu povo de volta.
No litoral nordestino, que acolhe migrantes do sertão à espera de viagem para o sul, a miséria leva uma família à desestruturação financeira e psicológica. Em ensaio sobre o filme, que foi exibido na Sessão Cinética de janeiro, no IMS, o crítico Marcelo Miranda discorre: “Entre o acadêmico e o espontâneo, o neorrealismo e o controle de estúdio, a representação de uma suposta fatia da realidade e o artificialismo dos meios cinematográficos mais tradicionais, O canto do mar mostra-se, hoje, como exemplar típico de um cinema brasileiro em franco movimento de alteração de status quo, no caminho a uma revolução que se anunciava logo à frente, mas que não conseguiria avançar contra os combatentes adversários se não passasse pelo campo minado.” Por O canto do mar, Alberto Cavalcanti ganhou o prêmio de melhor direção no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, em 1954, na República Tcheca, e concorreu ao Grande Prêmio do Festival de Cannes, em 1954. [Leia o texto completo de Marcelo Miranda, no site da Revista Cinética: goo.gl/MYV5m3]
A garota negra
La noire de… Ousmane Sembène | Senegal | 1966, 65’, DCP
Diouana é uma jovem senegalesa que chega à Riviera Francesa para trabalhar como babá. No entanto, o casal que a contratou faz ela executar todo tipo de função doméstica sem receber salário. Confinada no pequeno apartamento de frente para o mar, ela reflete sobre a discrepância entre sua vida na França e seus sonhos antigos de viver na Europa. O filme faz parte da Sessão Cinética do mês de fevereiro, e sua primeira exibição no Cinema do IMS será seguida de debate com os críticos da revista. Esta cópia, proveniente da Fondazione Cineteca di Bologna, foi restaurada em 2015 pelo World Cinema Project, que faz parte da The Film Foundation, em colaboração com o Espólio de Ousmane Sembène, com o INA (Institut National de l’Audiovisuel), o laboratório Éclair e o Centre National de Cinématographie. O trabalho de restauração foi realizado na Cineteca di Bologna, pelo laboratório L’Immagine Ritrovata.
Ciclo Kenji Mizoguchi A canção da terra natal
Oyuki, a virgem
Elegia de Osaka
Crisântemos tardios
“O argumento foi estabelecido pelo Ministério da Educação com a intenção de aumentar a produção de arroz” ‒ conta o diretor ao falar sobre seus filmes à revista japonesa Kinema Junpô, em janeiro de 1954. Encomendado pelo governo japonês, o filme apresenta dois garotos que cresceram no campo: um deles não pode terminar os estudos primários, e o outro acaba de voltar da cidade. “A canção da terra natal constrói-se sobre uma oposição cidade/campo, denunciando os problemas que se abateriam sobre toda a sociedade japonesa caso não fosse estancado o movimento migratório em massa do campo para a cidade ‒ e, diga-se a este respeito, o filme tinha um objetivo propagandístico concreto [...]. Estes objetivos explicam a simplicidade da estrutura de oposições montada por Mizoguchi”, discorre Luís Miguel Oliveira no livro As folhas da Cinemateca ‒ Kenji Mizoguchi. Único filme silencioso apresentado neste ciclo, e exibido pela primeira vez no Brasil, A canção da terra natal foi recentemente restaurado pelo Na tional Film Center (NFC), em Tóquio, que recuperou as cores originalmente realizadas com técnicas de tingimento da película. O trabalho foi possível graças a uma cópia em nitrato da época de seu lançamento doada ao NFC. Apesar de muito deteriorada, as cores ainda estavam preservadas em pequenos trechos, o que permitiu a recuperação completa de sua estética original.
No sul do Japão, durante a revolta de Satsuma, em 1877, Okin e Oyuki, duas jovens gueixas, fogem à aproximação dos rebeldes e conseguem carona em uma carruagem, na qual viajam também uma família aristocrática, além de um comerciante e sua esposa. Um dos primeiros filmes sonoros de Mizoguchi, Oyuki, a virgem é inspirado no conto “Bola de sebo” (“Boule de suif”), de Guy de Maupassant. Protagonizado por Isuzu Yamada (que trabalhou com Kurosawa em Trono manchado de sangue e Yojimbo), Mizoguchi já começa a explorar no filme técnicas que marcariam sua mise-en-scène, como o plano-sequência e o aproveitamento dramático da profundidade de campo. A cópia em 35 mm que será exibida é da coleção do National Film Center, do Museu Nacional de Arte Moderna, em Tóquio.
Ayako, jovem telefonista em uma companhia farmacêutica, tenta resistir ao assédio do patrão. No entanto, aceita tornar-se sua amante para pagar uma dívida do pai e evitar que ele vá para a prisão. Nas palavras da crítica Barbara Sharres, “em Elegia de Osaka, a composição visual de Mizoguchi evoca, e sutilmente mina, um contexto no qual os homens detém o controle e as mulheres servem e aguardam. Esse reino dos homens é uma ilusão potente, construída como um belo brinquedo feito de portas deslizantes, papéis de parede e divisórias finas, cujos ambientes interiores parecem labirínticos e atemporais, graças ao uso que o diretor faz da profundidade de campo e dos planos abertos. As mulheres se curvam, se ajoelham e voltam atrás. Mas a ilusão opera em mão dupla e, mesmo quando Mizoguchi posiciona suas figuras masculinas de autoridade em primeiro plano é, muitas vezes, para envolver seus traços na sombra ou então comprometer seu poder.” Inspirado no romance Mieko, de Saburo Okada, publicado em episódios no jornal Shinchô, o roteiro de Elegia de Osaka é a primeira colaboração entre Mizoguchi e Yoshikata Yoda, que foi um dos seus roteiristas mais frequentes. Conta Mizoguchi à revista japonesa Kinema Junpô: “Procurava uma nova direção e qualquer coisa inovadora em relação aos filmes sobre a época Meiji que estava habituado a fazer. Penso ter percebido bem a personagem feminina.” [Íntegra da crítica de Elegia de Osaka por Barbara Sharres, em inglês, no portal do selo The Criterion Collection: bit.ly/m-osaka]
Tóquio, meados da Era Meiji (1868-1912). Kikunosuke Onoe é filho adotivo e sucessor de um mestre do teatro kabuki, mas acredita não estar à altura do pai. A única pessoa a lhe dar uma opinião negativa sobre seu talento é Otoku, uma criada da família. Diante de uma crítica sincera, Kikunosuke apaixona-se por Otoku e a toma como conselheira, mas a relação entre os dois será um constrangimento para a família de Kikunosuke. Crisântemos tardios é o primeiro filme dirigido por Mizoguchi na produtora japonesa Shochiku. Segundo Maria João Madeira, no livro As folhas da Cinemateca ‒ Kenji Mizoguchi, o diretor “é radical em Zangiku Monogatari. É o mínimo que se pode dizer de um filme que é também de celebração do plano-sequência.” Em seguida, a autora cita o comentário de Mizoguchi sobre a prática: “Comecei a utilizar a técnica do plano-sequência em 1936, consistindo ela em nunca alterar o enquadramento durante toda a sequência enquanto a câmera permanece a uma certa distância [...]. Adaptando esse método, não tive a mínima intenção de representar o estado estático de uma psicologia qualquer. Pelo contrário, cheguei a ele espontaneamente, dando prosseguimento à procura de uma expressão mais precisa e mais específica dos momentos de grande intensidade psicológica [...]. Fui naturalmente levado a seguir uma técnica desse tipo pelo simples desejo de evitar o método clássico da descrição psicológica a partir do abuso dos planos próximos.”
Furusato no uta Kenji Mizoguchi | Japão, 1925, 50’, 35 mm
Maria no O-yuki Kenji Mizoguchi | Japão | 1935, 76’, 35 mm
Naniwa ereji Kenji Mizoguchi | Japão | 1936, 69’, 16 mm
Zangiku Monogatari Kenji Mizoguchi | Japão | 1939, 142’, DCP
As irmãs de Gion
Gion no shimai Kenji Mizoguchi | Japão | 1936, 68’, 35 mm
Umekichi, uma gueixa do bairro de Gion (tradicional reduto de restaurantes e casas noturnas de Quioto), sente-se na obrigação de ajudar seu amante quando ele vai à falência e abandona a esposa. Omocha, sua irmã mais nova, é contrária à ideia e defende que as duas encontrem amantes melhores. Segunda colaboração entre Mizoguchi e o roteirista Yoshikata Yoda, As irmãs de Gion é baseado no romance Yama, de Aleksandr Kuprin. “Depois de Elegia de Osaka, eu e Yoda pudemos descontrair um pouco e, relativamente falando, as coisas começaram a correr melhor. O que veio depois de Osaka? Quioto. E quando se pensa em Quioto, pensa-se logo em Gion. Também não demoramos muito tempo a fazer esse filme” ‒ conta Mizoguchi à revista Kinema Junpô.
A vingança dos 47 ronins [partes 1 e 2]
Genroku Chushingura Kenji Mizoguchi | Japão | 1941-1942, 109’ e 109’, 35 mm
No Japão do início do século XVIII, o senhor Asano contraria o código dos samurais ao desembainhar a espada contra o senhor Kira no interior do castelo do Shogun e é condenado a cometer o seppuku ‒ popularmente conhecido como harakiri, um ritual de suicídio praticado por samurais. O castelo de Asano é confiscado, e seu séquito, disperso como ronins ‒ os samurais sem mestre ‒, decide vingá-lo. O roteiro, de Kenichiro Hara e Yoshikata Yoda, foi escrito a partir do romance de Seika Mayama, baseado em uma história real muito popular no Japão. O filme foi dividido em duas partes, lançadas em dezembro de 1941 e fevereiro de 1942, período decisivo da participação do Japão na Segunda Guerra Mundial. Para o crítico Richard Brody, da revista The New Yorker, “A vingança dos 47 ronins é um dos grandes filmes políticos de todos os tempos. [...] É um extraordinário ato de equilíbrio de que Mizoguchi lança mão. Para satisfazer às normas de um esforço de guerra de então, ele exalta os clássicos guerreiros japoneses como homens abnegados de princípio inconteste e, no entanto, enfatiza sua fidelidade à própria consciência e espírito de resistência. É um mundo masculino. Mizoguchi, porém, constrói a história num crescendo de nobreza e derramamento de sangue por meio da intervenção de uma mulher.” [Íntegra do comentário de Richard Brody, em inglês, em: bit.ly/m-ronins]
Utamaro e suas cinco mulheres Utamaro o meguru gonin no onna Kenji Mizoguchi | Japão | 1946, 92’, 35mm
Utamaro é um célebre pintor que busca por cortesãs do bairro de Yoshiwara, região de bares e bordéis em Tóquio, para compor seus retratos. Em seu primeiro filme realizado no Japão ocupado pelas forças aliadas, após o fim da Segunda Guerra Mundial, Mizoguchi contorna as rígidas normas da censura americana, que restringiam a realização de obras históricas ambientadas antes da abertura do Japão ao Ocidente. Segundo a crítica e pesquisadora de cinema japonês Freda Freiberg, o diretor “precisou garantir que o filme não teria duelos de espada e que seu herói era um homem do povo, um democrata à frente de seu tempo”. O longa é uma adaptação do romance homônimo de Kanji Kunieda, inspirado na vida do pintor japonês Utamaro (1753-1806), famoso por seus retratos de cortesãs – bijin-ga. Segundo Freiberg, “o roteirista regular de Mizoguchi, Yoshikata Yoda, que trabalhou com ele (ou para ele) por 20 anos, afirmou em suas memórias que, nesse roteiro, estava ‘quase inconscientemente’ pintando um retrato de Mizoguchi por meio de Utamaro. A equação Utamaro = Mizoguchi foi irresistível para a maior parte dos críticos, uma vez que os dois tinham muito em comum. Ambos trabalharam com meios de comunicação operados por homens de negócios e tiveram atritos sob sistemas opressivos de censura; ambos frequentaram as ‘zonas de divertimento’ e buscaram a companhia de gueixas; e ambos ficaram famosos por seus retratos de mulheres.” [Íntegra do texto de Freda Freiberg para a revista Senses of Cinema, em inglês, em: bit.ly/M-Utamaro]
Senhorita Oyu
Oyu-sama Kenji Mizoguchi | Japão, 1951, 96’, 35 mm
Mulheres da noite
Yoru no onnatachi Kenji Mizoguchi | Japão | 1948, 71’, 35 mm
No Japão pós-guerra, Fusako, uma jovem viúva de Osaka que perdeu o marido em combate, não tem recursos para tomar conta do filho, que padece de tuberculose. Quando ele morre, ela parte para Tóquio. Lá, Fusako e sua irmã mais nova se verão envolvidas com um contrabandista de ópio. Baseado no romance Joseimatsuri, de Eijiro Hisaita, Mulheres da noite é comumente descrito como um filme de influência neorrealista. Rodado grande parte em locação, na Osaka devastada pela guerra, o longa aborda os efeitos do conflito na vida de suas personagens e no contexto da prostituição.
Oyu-Sama é uma jovem viúva. A sua irmã mais nova, Shizu, é apresentada a Shinnosuke como pretendente, mas o noivo apaixona-se por Oyu. De acordo com a tradição, Oyu está proibida de casar-se novamente, porque tem que criar o filho como o herdeiro da família do marido. O longa se passa na era Meiji (1867-1912) e é baseado na novela Ashikari (1932), de Junichiro Tanizaki. Em seu livro Lembranças de Kenji Mizoguchi, o roteirista Yoshikata Yoda comenta as dificuldades dessa adaptação: “Na literatura, a história é contada a partir da perspectiva de um homem que o autor diz ter conhecido [...]. A construção da história é feita a partir de três movimentos, três retornos ao passado. Era necessário conservar no filme esse caráter onírico da memória. Então, eu insisti sobre esse aspecto narrativo, pois o regresso no tempo
reforçava o mistério. Mas os flashbacks sobrepostos foram injustamente recusados pelo sr. Kawaguchi, o diretor do Estúdio Daiei em Quioto. Arriscava um fracasso comercial. Mas lamento muito.” Ele também ressente a escolha de Kinuyo Tanaka para o papel de Oyu: “A sra. Tanaka não era como Oyu. Não que ela não fosse tão bonita quanto Oyu. Mas a astúcia da sra. Tanaka é composta por essa inteligência sensível atrelada à vida cotidiana. Não podíamos matar essa qualidade.” Em seu texto Coreografia do desejo: analisando a atuação de Kinuyo Tanaka nos filmes de Mizoguchi, a pesquisadora Chika Kinoshita comenta essa contradição entre atriz e personagem descrita por Yoda: “A fissura que o olhar opaco de Tanaka abre, na personagem Oyu, não é propriamente desenvolvida e nem reparada pelas demais partes do filme. É uma ameaça constante de levar o filme à contradição. Mas eu acredito que isso torna a personagem intrigante, e não defectiva.”
Oharu, a vida de uma cortesã
Contos da lua vaga
O intendente Sansho
Oharu, interpretada por Kinuyo Tanaka, é uma prostituta de meia idade. Após mais uma noite sem clientes, ela caminha com suas colegas. Uma delas pergunta sobre seu passado na corte imperial, ela se nega a falar sobre o assunto. Mas, em um templo budista, uma das imagens no altar lhe transporta para sua juventude. Então, se lembra de Katsunosuke (Toshiro Mifune), sua primeira paixão. Nas palavras de Chika Kinoshita, “a sequência de sedução de A vida de Oharu é encenada com extrema elegância, pelos atores e pela câmera de Yoshimi Hirano. A coreografia de desejo não é uma expressão crua de luxúria, mas um fluxo refinado de ações e gestos. O que não deve ser ignorado, no entanto, é que todo gesto gracioso registra não apenas o amor do casal, mas também a posição social de cada um. Enquanto Katsunosuke expressa repetidamente sua crença no amor romântico livre do sistema feudal de classes, seu amor romântico nunca é realizado na tela. Por que Oharu desmaia? Discordo do diagnóstico de Robert Cohen de um desmaio por histeria. Eu argumentaria que Mizoguchi não conseguia imaginar a euforia do amor romântico fora do campo das relações de poder. Alain Bergala resume bem a mecânica dessa sequência: ‘Por meio de variações sutis entre o exterior e o interior, a barreira inquebrável de classe que os divide é virada por um abraço tão subversivo que a jovem pode sobreviver apenas com o desmaio’.” Baseado no romance de Saikaku Ihara, Kochoku ichidai onna, escrito no século XVII.
No Japão do século XVI, uma vez declarada a guerra civil, dois camponeses enxergam a possibilidade de mudar de vida. O ceramista Genjuro procura fortuna. Seu cunhado, Tobei, sonha se tornar um samurai, mas não possui armadura. Mesmo quando avisados do perigo da guerra, eles partem para a cidade e deixam a esposa e o filho de Genjuro na aldeia. Quando Wakasa, uma jovem nobre, se encanta por suas cerâmicas, a vida de Genjuro toma um novo rumo. “É o único dos filmes subsistentes do autor em que o sobrenatural expressamente intervém [...]. O milagre maior de Mizoguchi, neste filme prodigioso, é a fusão dos acontecimentos reais com os acontecimentos surreais, sem usar nenhum dos processos convencionais para passar de uma dimensão à outra”, observa João Bénard da Costa no artigo “Mizoguchi: a quinta essência”. A história de Genjuro, no roteiro de Yoshikata Yoda e Matsutaro Kawaguchi, é baseado em três contos de Akinari Ueda, publicados em 1776. Já o conto francês “Décoré!”, de Guy Maupassant, publicado em 1883, serviu de inspiração para a trajetória do personagem Tobei.
No final do período Heian (entre os séculos XI e XII), um governador é mandado para o exílio por desobediência e por defender camponeses pobres. Sua mulher, Tamaki, e os dois filhos, Zushio e Anju, vão ao seu encontro, mas são enganados durante a viagem por traficantes de escravos. Tamaki é levada para a ilha de Sado, onde é forçada a prostituir-se. Anju e Zushio são vendidos como escravos ao intendente Sansho. Dez anos mais tarde, a memória da mãe retorna na forma de uma triste canção que se popularizou em Sado. “A telepatia instantânea transmitida pela música, unindo mãe e filhos através das águas, resgata Zushio e sua irmã do desânimo e reaviva seus corações para a batalha. Seu desdobramento nos leva de volta às grandes tradições do melodrama silencioso, ao cinema de juventude de Mizoguchi, no qual o acompanhamento musical fazia explícita a emoção contida na imagem”, escreve Mark Le Fanu, autor do livro Mizoguchi and Japan editado pelo British Film Institute. Segundo o autor, “é impossível pensar em O intendente Sansho sem a trilha musical: a pontuação de flauta e harpa do colaborador de longa data Fumio Hayasaka é uma das mais delicadas na obra de Mizoguchi.” O intendente Sansho é baseado em um romance de Ogai Mori que, por sua vez, foi inspirado em uma antiga lenda japonesa. [Íntegra do ensaio de Mark Le Fanu para o selo The Criterion Collection, em inglês: bit.ly/m-sansho]
Saikaku ichidai onna Kenji Mizoguchi | Japão, 1952, 148’, 35 mm
Ugetsu monogatari Kenji Mizoguchi | Japão | 1953, 97’, 35 mm
Sansho dayu Kenji Mizoguchi | Japão | 1954, 122’, DCP
A música de Gion
Gion bayashi Kenji Mizoguchi | Japão, 1953, 84’, 35 mm
Eiko perdeu a mãe, que era gueixa, e decide seguir a mesma profissão sob a tutela de Miyoko. A professora lhe ensina que as gueixas são, tanto como a cerimónia do chá ou o teatro Nô, uma tradição japonesa, “um patrimônio cultural vivo”. Esta perspectiva de Miyoko entra em conflito com a da pupila. Como observa João Bénard da Costa, “o próprio princípio que levou ao nome e à profissão (princípio do prazer, princípio da mulher como origem e fonte de prazer para o homem) sofreu com a ocidentalização várias inflexões, que, sobretudo depois da guerra, permitiram uma zona em que as fronteiras se restringiram e a gueixa pôde ser levada a prostituir-se, sobretudo com determinado tipo de clientes, como os clientes deste filme. É um jogo com ocultas regras, claras ou escuras, mas é um jogo que muitas gueixas têm que jogar. lsso o sabe Miyoko, mas isso não o sabe a inexperiente Eiko, para quem ser gueixa é, sobretudo, uma forma superior de divertimento, com muitas festas e as belíssimas toiletes e os belíssimos penteados.”
Ópera na Tela
Os amantes crucificados
Chikamatsu Monogatari Kenji Mizoguchi | Japão | 1954, 100’, 35 mm
Quioto, final do século XVII. Ishun, um senhor abastado, acredita que sua esposa, a jovem Osan, está tendo um relacionamento com Mohei, um de seus empregados. Para escapar à punição de execução por adultério, Osan e Mohei fogem juntos. O roteiro foi inspirado em uma peça de bunraku, uma forma de teatro de bonecos japoneses intitulada Koi Hakke Hashiragoyomi. Nas palavras do cineasta português Paulo Rocha (Os verdes anos), Os amantes crucificados “é uma adaptação do Chikamatsu, um gênio, que recriava a forma do teatro de marionetes, na época uma forma popularíssima de Osaka. Havia muitos suicídios, e o público gostava muito dessas coisas de faca e alguidar. Por exemplo, uma gueixa apaixonava-se e depois matava-se: dois ou três dias depois, publicavam uma balada ou um poema, vendiam pelas ruas, e
passada uma semana aquilo estava no teatro. O público ia para lá chorar. Depois havia o coro que contava a história de uma maneira mais lírica, os bonecos mimavam a cena, tornavam todas as cenas muito realistas, e a primazia era do narrador, que cantava e chorava. Ora bem, o Mizoguchi, em Os amantes crucificados, pega, portanto, uma história já elaboradíssima e expõe aquilo que se passa num ambiente de burguesia semicapitalista da época ‒ o dono do negócio é um homem que tem o privilégio de ser o único tipógrafo no Japão a poder imprimir os calendários. Estabelecer o calendário era uma função de poder, com um valor quase religioso, e o governo tinha que autorizar, portanto dava imenso dinheiro. [...] Os argumentistas marxistas aproveitam para fazer uma descrição minuciosíssima sobre as estruturas do poder económico. Levam em conta os novos estudos históricos, todas as pistas da historiografia oficial marxista, e, portanto, este é provavelmente um dos argumentos mais solidamente escritos de toda a história do cinema de qualquer país. É um prodígio de carpintaria teatral, de síntese histórica etc. É um prodígio de luz, de construção de décors, mas vai muito mais longe, naquelas cenas no lago com o barco aparece um pouco o ‘amour fou’, o lado voluntarista para além da existência normal. O marxista comum não teria coragem de ir tão longe! Em que medida isso é uma espécie de reacção espontânea, poética, pessoal, política do Mizoguchi? O que é certo é que ele consegue colocar a câmara no set, pegar num assunto violentíssimo e torná-lo mais aceitável para a sociedade japonesa.” [Íntegra do depoimento de Paulo Rocha para Luís Miguel Oliveira: bit.ly/prmizoguchi]
A princesa Yang Kwei Fei
Yokihi Kenji Mizoguchi | Japão, Hong Kong, 1955, 98’, 35 mm
Primeiro filme colorido de Mizoguchi, e o único ambientado fora do Japão, A princesa Yang Kwei Fei é baseado em uma história chinesa do século VIII, quando o imperador Hsuan Tsung adotou uma de suas concubinas como esposa. O estúdio japonês Daiei esperava que a coprodução internacional pudesse trazer um maior público ao filme, e os produtores de Hong Kong, os Shaw Brothers, acreditavam no potencial que o nome de Mizoguchi traria à produção. Em suas memórias, o roteirista Yoshikata Yoda conta que Mizoguchi aceitou o convite com alegria: “Mizoguchi era um grande amante da arte chinesa e um profundo conhecedor da estética e dos costumes da era Tang. Eu, pelo contrário, ignorava tudo. Foi Mizoguchi quem tudo me ensinou.” Ele relata como o diretor pesquisou durante meses as obras dessa era para encontrar as cores do filme, mas diz também que o realizador considerava a cor no cinema um elemento artificial. Foi uma imposição do estúdio, que desenvolvera há pouco uma tecnologia própria, a Daiei Colour.
A nova saga do clã Taira
Rua da vergonha
No final da era Heian (794 a 1185), o Japão estava dividido entre dois clãs rivais: Taira e Minamoto. Tadanori Taira e seu filho Kiyomori chegam a Quioto depois de uma campanha contra piratas no mar ocidental. A vitória, no entanto, não é festejada pelos membros da corte, que temem o crescente poderio dos samurais. Por conta da exibição do filme no Festival de Cinema de Nova York, em 1964, Eugene Archer escreve para o The New York Times: “As composições líricas em cores pastel ilustram este conto sobre a ascensão dos samurais. Enquanto a câmera vaga pelas multidões em um mercado medieval, um fluxo de contrastes subitamente dramáticos seduz o olhar. Os monges cruéis, os guerreiros violentos, os fracos e assustados aristocratas são vivamente diferenciados pelas cores de seus trajes e comportamento primitivo.” Este é o segundo e último filme colorido de Mizoguchi. [Íntegra do texto de Eugene Archer, em inglês: bit.ly/m-taira]
Em uma rua de bordéis em Tóquio, a “Terra dos Sonhos” abriga cinco prostitutas: Hanae é casada com um homem tuberculoso que não pode trabalhar; Yumeko sonha deixar o trabalho e ser sustentada pelo filho; Yorie planeja se casar com um cliente; Yasumi é zelosa com suas economias; e Mickey, de calças justas e rabo de cavalo, é a mais ocidentalizada do grupo. O título original do filme, Akasen chitai, significa em japonês “a zona da linha vermelha”, em referência à prostituição existente na região de Tóquio onde se passa o filme. Rua da vergonha foi realizado em um momento em que a lei da prostituição era discutida no parlamento japonês. Baseado no romance de Yoshiko Shibaki, Susaki no onna, este é o último filme de Mizoguchi, que faleceu em 1956 aos 58 anos. A lei antiprostituição foi aprovada no mesmo ano. A cópia em 35 mm que será exibida faz parte da coleção do National Film Center, do Museu Nacional de Arte Moderna, em Tóquio.
Shin Heike Monogatari Kenji Mizoguchi | Japão | 1955, 108’, 16 mm
Akasen chitai Kenji Mizoguchi | Japão | 1956, 87’, 35 mm
Rigoletto
Rigoletto Uma ópera de Giuseppi Verdi, dirigida por Monique Wagemakers e regida por Riccardo Frizza | Espanha | 2017, 153’, DCP
Rigoletto é um bobo na corte do duque Mântua. Seu trabalho é tirar sarro de todos os nobres e, por isso, é odiado. Ele não se importa com a má fama, mas a maldição rogada pelo conde Monterone pode colocar em risco a vida do bobo e de sua família. Encenada no Teatro do Liceu, em Barcelona, é uma ópera em três atos de Giuseppi Verdi baseada na peça de Victor Hugo O rei se diverte.
Curadoria de cinema
Kleber Mendonça Filho
Os filmes de fevereiro
Cineteatro
O programa de fevereiro tem o apoio da Shochiku Co., Ltd., da Janus Films, do National Film Center – The National Museum of Modern Art, em Tóquio, da produtora Pilot Film, da distribuidora Park Circus, da Fondazione Cineteca di Bologna, da Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro, do Festival Ópera na Tela, da revista Cinética, do Festival Internacional de Cinema Infantil e das distribuidoras Imovision, Bonfilm, Fênix Filmes, VideoFilmes, Vitrine Filmes, Zeta Filmes e do Espaço Itaú de Cinema.
Ingressos 1395 Days Without Red: exibição gratuita.
Produção de cinema e DVD Barbara Alves Rangel
Assistência de produção
Thiago Gallego e Ligia Gabarra
Ciclo Kenji Mizoguchi parceria
Projeção
parceria
Ana Clara Costa e Miciano Manoel da Silva
Agradecimentos
Minori Miyake, Cecília Mieko Suzuki (Fundação Japão em São Paulo), Paul EI-Medioni (Shochiku), Brian Belovarac (Janus Films), Hidenori Okada, Akira Tochigi e Masaki Daibo (National Film Center – Tóquio), Hitomi Matsuyama, Louis Logodin (Institut Français – Brasil), Chloé Bernabé di Rollo, Raphaël Ceriez, Thomas Sparfel (Serviço Audiovisual da Embaixada da França no Brasil)
A morte cansada com acompanhamento ao vivo do pianista Hakim Bentchouala-Golobitch
apoio
Colaboradores Dirce Miyamura - Dô Cultural (tradução e revisão de listas de diálogos), Débora Butruce – Mnemosine Serviços audiovisuais (revisão de cópias), João Luiz Vieira – Universidade Federal Fluminense (consultoria de programação), Luisa Marques (edição da vinheta) e 4 Estações (legendagem eletrônica).
Sessão cinética A garota negra apoio
Ciclo Kenji Mizoguchi: R$ 4,00 (inteira) e R$ 2,00 (meia).
O canto do mar, A garota negra, Sessão infantil – Histórias preciosas: R$ 8,00 (inteira) e R$ 4,00 (meia).
A morte cansada, com acompanhamento musical: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia). Paulistas: R$ 12,00 (inteira) e R$ 6,00 (meia). O monstro da lagoa Negra – exibição em 3D: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia).
Demais sessões: terça, quarta e quinta: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26,00 (inteira) e R$ 13,00 (meia). Meia-entrada com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência e maiores de 60 anos.
Cliente Itaú desconto para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 145 lugares.
Os ingressos do cinema são vendidos na bilheteria do centro cultural para sessões do mesmo dia e no site ingresso.com. Devolução de ingressos Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso. com será feita pelo site. Os ingressos para A morte cansada, com trilha ao vivo, serão vendidos em: eventbrite.com.br. Programa sujeito a alterações. Confira a programação completa do Instituto Moreira Salles em nossas redes sociais e no nosso site ims.com.br.
Capa Rua da vergonha (Akasen chitai ), de Kenji Mizoguchi (Japão | 1956 | 87’ | 35 mm)
Rico de repente – Um conto coreano (Chepogi), de Leon Estrin (Rússia | 2007 |13’ | 35 mm | dublado em português)
Terça a sábado, sessões de cinema até as 22h; domingos e feriados, até as 20h.
Visitas mediadas quintas‑feiras, das 12h30 às 13h30. Visitas em grupo com agendamento prévio, de terça a sexta, às 10h e 14h; quintas, às 19h. Biblioteca, de terça a sexta, das 10h às 20h; sábados e feriados, das 10h às 18h. Entrada gratuita.
O monstro da lagoa Negra (Creature from the Black Lagoon), de Jack Arnold (EUA | 1954 | 79’ | DCP – exibição em 3D)
InstitutoMoreiraSalles
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