Dente-de-leão (Bóbita), de Márta Mészáros
(Hungria | 1964, 20’, DCP, cópia restaurada)
Dente-de-leão (Bóbita), de Márta Mészáros
(Hungria | 1964, 20’, DCP, cópia restaurada)
Foi do encontro com o cineasta Jonathan Demme que David Byrne e os Talking Heads produziram uma das mais memoráveis experiências de filme-espetáculo. Nos 40 anos de seu lançamento, o show Stop Making Sense retorna aos cinemas em cópia 4K restaurada.
Durante as férias escolares de julho, de terça a sexta, diferentes criaturas mágicas se reúnem no Cinema do IMS Poços: um cachorrinho solitário que encontra num robô seu melhor amigo; agentes secretos de reinos fantásticos que precisam superar sua rivalidade; uma pequena traça e seu ácaro de estimação que descobrem o valor dos livros; e um elefante que, do dia pra noite, fica famoso na internet. MaXXXine, o aguardado terceiro ato da série de terror desenvolvida por Ti West em torno de duas personagens vividas pela atriz Mia Goth, chega ao IMS junto aos dois filmes anteriores X – A marca da morte e Pearl. Também em exibição, A flor do buriti é o segundo longa-metragem de Renée Nader Messora e João Salaviza em colaboração com o povo indígena Krahô, e foi premiado na mostra Um Certo Olhar, em Cannes; e Greice, o mais recente longa-metragem de Leonardo Mouramateus, desdobra as aventuras de uma jovem brasileira entre Lisboa e Fortaleza. A Sessão Mutual Films se debruça sobre os trabalhos de Judit Elek e Márta Mészáros, duas grandes cineastas húngaras que foram celebradas em anos recentes com retrospectivas ao redor do mundo. Seus filmes serão apresentados em cópias recém-restauradas.
[imagem da capa]
Stop Making Sense (Stop Making Sense), de Jonathan Demme (EUA | 1984, 88’, DCP)
Filmes em cartaz
A estação
Cristina Maure | DCP
A flor do buriti
João Salaviza e Renée Nader Messora
DCP
Greice
Leonardo Mouramateus | DCP
Love Lies Bleeding – O amor sangra
(Love Lies Bleeding) | Rose Glass | DCP
MaXXXine | Ti West | DCP
Orlando, minha biografia política
(Orlando, ma biographie politique)
Paul B. Preciado | DCP
Teca e Tuti – Uma noite na biblioteca
Eduardo Perdido, Tiago Mal e Diego M.
Doimo | DCP
Pearl | Ti West | DCP
X – A marca da morte (X) | Ti West | DCP
Stop Making Sense
Jonathan Demme | DCP, cópia restaurada em 4K
Encontro (Találkozás)
Judit Elek | DCP, cópia restaurada
A garota (Eltávozott nap)
Márta Mészáros | DCP, cópia restaurada
Dente-de-leão (Bóbita)
Márta Mészáros | DCP, cópia restaurada
A dama de Constantinopla
(Sziget a szárazföldön)
Judit Elek | DCP, cópia restaurada
Meu amigo robô (Robot Dreams)
Pablo Berger | DCP
Perlimps
Alê Abreu | DCP
Tromba Trem: o filme
Zé Brandão | DCP
Teca e Tuti - Uma noite na biblioteca (74')
15:00 Tromba Trem: o filme (94')
19:00 A flor do buriti (125')
16:00 Orlando, minha biografia política (98')
19:00 A flor do buriti (125')
16:00 A flor do buriti (125')
18:30 Orlando, minha biografia política (98')
15:00 Meu amigo robô (102')
19:00 Orlando, minha biografia política (98')
16:00 A estação (103'), seguida de debate
19:00 A flor do buriti (125')
16:00 A estação (103')
18:30 Love Lies Bleeding – O amor sangra (104')
15:00 Perlimps (76')
19:00 Stop Making Sense (88')
15:00 X – A marca da morte (105')
17:15 Pearl (102')
19:30 MaXXXine (101')
16:00 Greice (110')
18:30 MaXXXine (101')
15:00 Teca e Tuti – Uma noite na biblioteca (74')
19:00 Greice (110')
16:00 Encontro + A garota (102'), seguido de debate com os curadores Aaron Cutler e Mariana Shellard
19:00 Dente-de-leão + A dama de Constantinopla (97')
16:00 Greice (110')
18:30 MaXXXine (101')
Dodô Azevedo
O diretor estadunidense Jonathan Demme cravou “A luta continua”, slogan do partido marxista de Moçambique, que em 1964 lutou em uma revolução contra os colonizadores portugueses, no final dos créditos da maioria de seus filmes.
O diretor estadunidense Spike Lee cravou no final dos créditos da maioria de seus filmes “ Ya Digg? Sho Nuff. By any means necessary.” (traduzido de gírias dos pretos do Brooklyn: “Entendeu? Te mostrei o bastante. Por todos os meios necessários.” Este último o célebre slogan do ativista negro Malcom X.)
O músico, escritor e performer estadunidense David Byrne formou, em 1975, uma banda de rock chamada Talking Heads. Cerebral, a banda, chegara um ano antes a chamar-se The Autists [Os Autistas]. O nome foi tirado de um guia de TV que chamava de “cabeças falantes” todos os programas intelectuais, sem ação.
Demme filmaria O silêncio dos inocentes, consagrado como o único filme da história a ganhar os cinco principais Oscars (Filme, Direção, Roteiro, Ator e Atriz), e faria o mundo passar a viver dentro dele, no universo dos true crimes espetacularizados, para sempre. Lee realizaria Faça a coisa certa e faria o mundo viver dentro do filme; passamos todos a morar no quarteirão onde se passa a
história, para sempre. Byrne, com sua banda, sua carreira solo, seus livros sobre a importância de trocar o carro por bicicletas como meio de transporte, nos fez morarmos dentro de sua cabeça falante.
O primeiro encontro entre os três deu-se entre Demme e Byrne. Em 1984, os Talking Heads eram a mais bem-sucedida representação musical do movimento artístico mais interessante do país: a No Wave. Movimento multimídia que reunia, em uma Nova Iorque degradada por crime, drogas e ratos, o tipo de pessoas que vê em uma cidade degradada, logo com os aluguéis baratos, uma oportunidade para sobreviver: cafetões, prostitutas, ladrões, pintores, poetas, cineastas e músicos. De todas as cores e matizes, eles se misturavam e mineravam ouro dos escombros da cidade.
Byrne enxergava a beleza dessa Nova Iorque preta, judaica, latina, asiática, punk, hip hop, grafitti, com trânsito, propaganda em outdoors, consumismo, teatro kabuki, e resolveu roteirizar tudo isso em um musical. Dar um tempo na formação careta de banda de rock , e incluir músicos extras, das diversas etnias da cidade, para contar uma história que começasse no punk faça você mesmo e evoluísse para o funk que nascia na cidade e se preparava, mais uma vez, para mudar o mundo. Concebeu um
concerto que começasse com o palco vazio, luzes brancas acesas, uma pessoa no palco carregando um sistema de som portátil de mão, desses que sacodem o quarteirão, e terminasse com um palco lotado, multicolorido, multifunkeado e tão multissentido que o único nome possível para o show era “Parando de fazer sentido”. Nasceu Stop Making Sense.
Com sete câmeras coordenadas por Jordan Cronenweth, fotógrafo de Blade Runner (outdoors, publicidade pós-punk, o terno gigante de Byrne inspirado no teatro japonês, a dança solitária com o abajur replicante, o jeito replicante de dançar), Stop Making Sense foi filmado em quatro noites com equipamento analógico, e quando chegou aos cinemas mudou o jogo da
história dos filmes de shows , porque fez o que ninguém havia feito antes: tentar, e conseguir, fazer do espectador do filme o espectador do show, combinando, pela primeira vez, dois estilos de filmar música ao vivo. Essa ideia, de Demme, artista sem par em equilibrar estilos distintos (ver outra obra-prima dele, Totalmente selvagem, de 1986) é a que fez de Stop Making Sense um
show portátil que te oferece uma cadeira nos melhores assentos, um show que cabe em uma fita de VHS, ou em um DVD, ou em um Blu-Ray, e, agora, restaurado e remasterizado em toda sua glória e sentido, no cinema, hoje, em 2024. Quem iria prever um fim tão utópico para o filme de Demme?
Stop Making Sense foi automaticamente eleito o melhor show da história, tanto para os poucos que puderam assistir ao vivo quanto para os milhões que assistiram ao trabalho de Demme. O reinado absoluto do show de 1984 terminou quando David Byrne, em carreira solo, concebeu, em 2018, o projeto American Utopia, como um álbum, um show e um filme. Uma resposta à sombra de Donald Trump, a revolução que Byrne pensou para o conceito do show foi, como tudo o que é revolucionário, uma ideia simples que ninguém havia tido antes. Retirar do palco todos os amplificadores, caixas de som, cenário e cabos. Deixando cada músico para, descalços, performarem livremente, fazendo que, dessa forma, movimento fosse música. Como se, em uma apresentação do Lago dos cisnes , todos os bailarinos, além de dançar, tocassem o instrumento, ou seja, fossem também a orquestra. Ou o contrário, se a orquestra inteira se levantasse e, com o palco vazio, dançasse. Qual é a diferença entre música e movimento?
Nenhuma, demonstra o show. Por isso, foi imediatamente eleito pelo site Pitchfork o novo melhor show de todos os tempos. Foi quando o segundo encontro aconteceu. Byrne chamou Spike Lee para dirigir um filme do show. Em Faça a coisa certa, o objeto central é exatamente o sistema de som portátil arrasa-quarteirão que Byrne usou na abertura de Stop Making Sense Em conversa recente, pessoal e informal com Spike, a caminho de uma palestra que demos juntos em 2022 no Rio de Janeiro, o cineasta me confidenciou que foi chamado porque Byrne viu o proibido documentário Brazil , que Lee filmou aqui, em segredo, durante o impeachment de Dilma Rousseff, uma obra tão genial quanto necessária, que pude também assistir e só lamentar o imbróglio que impede o filme de um dia ser lançado. Para além do lamento, Lee disse que, a princípio, desconfiou do convite de Byrne, mas quando viu, na primeira música do show , Byrne sozinho em um palco nu com um cérebro na mão, soube que ele aceitaria o pedido.
Com quase 20 câmeras coordenadas por uma das crias da No Wave, a fotógrafa Ellen Kuras, de Sobre café e cigarros, de Jim Jarmusch, Lee, ao contrário de Demme, que fez nos sentirmos espectadores de Stop Making Sense, inverteu:
o filme American Utopia é o espectador. E nós, nossas crenças, nossa sensibilidade, o show. American Utopia nos espia, nos convidando o tempo inteiro a entrar naquele mundo estonteantemente novo de um palco sem fios, um mundo sem amarras, em performances audiovisuais no filme que nos lembram dos heróis mortos na luta que não para de continuar. Marielle Franco surge, presente. E nós, ali, livres para sermos assistidos, escaneados, revigorados, refeitos. Não estamos acostumados a isso. Uma das mercês do cinema, inclusive, é, com frequência, nos amarrar na cadeira e fazer um tour guiado por uma narrativa. Isso posto, o filme American Utopia, de Spike Lee, é um passo à frente na história do cinema. Essa utopia realizada que é lutar para que o cinema avance enquanto dispositivo e linguagem, ampliando seu propósito e sentido. Se todo show deveria, a partir de agora, abolir cabos elétricos, todo filme deveria ser, a partir de agora, como Spike o concebeu, repetindo, colocando não o espectador dentro do filme, mas o filme dentro do espectador. Ya Digg? Sho nuff. By any means necessary. A luta continua.
Curadoria e produção:
Aaron Cutler e Mariana Shellard
Não havia muitas diretoras naquela época. Uma mulher querendo se tornar uma cineasta profissionalmente era considerada uma piada, motivo de ridículo. Todos os homens estavam rindo de mim. Parecia então que éramos apenas eu e Agnès [Varda]. Costumávamos rir disso juntas. Onde quer que fôssemos, as pessoas nos perguntavam: “Como é que as mulheres fazem filmes?”.
Márta
Mészáros1
Como não havia dinheiro, e não havia propriamente nenhuma diretora de cinema – porque Márta Mészáros se formou em Moscou e depois começou a trabalhar na Romênia –, [Félix] Máriássy, como chefe da turma, me disse: “Vamos te dar um diploma de dramaturgia’”. Eu falei para ele não, pode ficar para você, vim aqui e fui admitida nessa turma porque quero ser diretora de cinema e serei uma, e vou filmar antes dos garotos, porque vou fazer noticiários e documentários, e não me importa se me formarei ou não.
1. Citado em inglês no videoensaio The World of Márta Mészáros, de Catherine Portuges, que foi comissionado pela Criterion Collection em 2021.
2. Citado em húngaro em uma entrevista de 2011 com o site FILMTETT: filmtett.ro/cikk/ beszelgetes-elek-judit-filmrendezovel.
Judit Elek entrou na Academia de Teatro e Cinema, em Budapeste, em setembro de 1956. A artista húngara e judia, que nasceu em 1937 com o nome de Judit Ehrenreich, sobreviveu ao Holocausto junto aos seus parentes quando jovem e tinha 18 anos quando começou a faculdade. Ela fez parte de uma turma de futuros cineastas renomados, como István Szabó e Pál Gábor, sendo uma das duas únicas mulheres no grupo. Seus estudos foram interrompidos um mês após o início, em consequência da eclosão da Revolução
Húngara, um movimento estudantil contra o governo socialista da República Popular da Hungria. Após 12 dias que resultaram na morte de milhares e na fuga de meio milhão de pessoas, o governo da União Soviética tomou o controle da Hungria e fechou temporariamente as universidades do país. Elek testemunhou tudo isso com uma mistura de confusão e resolução, e se comprometeu a continuar o curso (que concluiu em 1961) e registrar sua sociedade transtornada. Anos depois, ela disse: “Nada me interessava mais do que mostrar
a realidade ao meu redor. Eu queria aprender como fazer isso.”3
Na época da Revolução, Márta Mészáros estava concluindo seus estudos em Moscou, no Instituto Gerasimov, onde foi a primeira mulher húngara a se graduar na prestigiosa escola de cinema, após ser rejeitada na universidade de seu país natal. Mészáros, que nasceu em 1931, falava 3. Citado em inglês no livro Judit Elek: The Lady from Budapest, publicado em 2023 pelo Festival Internacional de Cinema de Roterdã.
russo fluentemente em consequência da infância que passou na União Soviética –primeiro com seus pais, que foram artistas apoiados pelo comunismo, e depois com uma mãe adotiva, após seu pai, um importante escultor, ter sido preso e assassinado por afirmar valores pré-Stalinistas e sua mãe ter morrido durante trabalho de parto. Ela estudou no instituto com grandes cineastas do Modernismo Soviético, como Lev Kuleshov e Oleksandr Dovzhenko, e depois realizou curtos documentários na Romênia e na Hungria. Seu primeiro filme ao voltar para seu país tratou da vida diária de pessoas economicamente desfavorecidas, inclusive com a história de uma jovem camponesa que precisava cortar os cabelos, seu bem mais precioso. “Os censores odiaram meu filme porque tratava da vida sob o comunismo, mostrando como realmente era”, Mészáros falou em 2002 sobre a experiência. “Mas era a verdade – eu registrei as vidas comuns dessas pessoas e seus problemas.”4
As duas diretoras (ambas ainda vivas) acreditavam na capacidade do cinema de dar voz a pessoas não representadas nos discursos oficiais de sua sociedade. Elas também desejavam se tornar cineastas em um país e momento histórico em que a direção feminina mal existia. Desde jovens, ambas adoravam ir ao cinema, muitas vezes matando aula para mergulhar em histórias de romance e aventura. E, segundo pesquisa do estudioso Gábor Gergely, os anos de 1930 e 1940 contavam com apenas três longas húngaros dirigidos por mulheres. Em contraponto, Elek e Mészáros embarcaram na realização de filmografias sólidas e extensas, muitas vezes voltadas para histórias contemporâneas, com expressões de realismo psicológico que eram inéditas no cinema de seu país. Isso se estendeu especialmente ao tratamento de personagens femininas, para os quais as cineastas usaram detalhes de suas próprias vidas e de pessoas que conheceram.
O curta-metragem híbrido Dente-de-leão ( Bóbita , 1964) foi um de seus primeiros trabalhos autorais na Hungria, após dirigir uma série de filmes comissionados sobre artistas eslavos e magiares. Ele acompanha um dia na vida de um solitário garoto (Zoltán Zeitler) em Budapeste, que passeia entre as casas dos pais divorciados em busca de aconchego, porém encontra um pai desdenhoso e autoritário e uma mãe desinteressada.
4. Citado em inglês na entrevista “Ordinary Lives in Extraordinary Times – Márta Mészáros Interviewed”, que foi publicado no site Senses of Cinema: www. sensesofcinema.com/2002/feature-articles/ meszaros/.
A experiência de orfandade vivida por Mészáros moldou muitos de seus filmes, inclusive um de seus primeiros documentários, o curta romeno Deixe todas as crianças sorrirem (Să zâmbească toți copiii, 1957), um comovente retrato das crianças de um orfanato público em Bucareste.
Dente-de-leão delineou muitos dos interesses que surgiram ao longo da obra subsequente de Mészáros, inclusive em seu primeiro longa de ficção, A garota (Eltávozott nap, 1968) – sobre a vida de uma jovem rejeitada pela mãe –, e em seu longa mais conhecido, Adoção (Örökbefogadás, 1975) – um retrato da relação delicada entre uma mulher de meia-idade que deseja a maternidade e uma jovem problemática. Um tom de melancolia acompanha os personagens dos filmes, com atenção especial para a maneira com que tentam se expressar dentro de duras realidades socioeconômicas. Seus caminhos são construídos, e muitas vezes deixados em aberto, com um gesto de não julgamento e uma qualidade de observação discreta. Há um uso recorrente de close-ups que trabalha para
lembrar o espectador das forças humanas que guiam cada história.
Os documentários iniciais de Mészáros e seus longas de ficção compartilhavam o interesse nos indivíduos retratados. A cineasta valorizava o trabalho com atores, declarando que não escrevia roteiros sem ter em mente os atores que interpretariam os personagens. A consequência disso foi a formação de diversas parcerias importantes, estabelecendo uma relação de extrema confiança com seus atores e ajudando a criar um prolífico e rápido modo de produção.
A atriz Zsuzsa Czinkóczi, por exemplo, trabalhou com Mészáros pela primeira vez aos 10 anos de idade, como a filha de um casal explosivo no melodrama Duas mulheres ( Ők ketten , 1977), e depois interpretou o alter ego de Mészáros em uma trilogia que dramatiza as experiências da diretora desde a infância até a Revolução Húngara e o início de sua carreira (coletivamente conhecido como “a trilogia de diários”).
A figura patriarcal nesses filmes foi interpretada pelo ator polonês Jan Nowicki, companheiro de Mészáros por mais de 30 anos e galã em diversas obras suas. Nowicki protagonizou muitos filmes de Mészáros ao lado de Lili Monori, como o impactante Nove meses (Kilenc hónap, 1976), onde a atriz
pujante interpreta uma mãe solitária que tenta reconstruir sua vida ao lado de um homem que não aceita a criança de outro relacionamento, mesmo em vista da nova gravidez da parceira. A história, que expõe a hipocrisia de uma sociedade atrasada e machista, foi concebida para a atriz, que estava grávida durante as filmagens e dá à luz diante da câmera.
Embora Mészáros não gostasse do termo “cineasta feminista”, a luta feminina por autonomia foi um dos seus principais temas. Porém, as relações que se formam entre as mulheres que protagonizam seus filmes muitas vezes criam fricções que levam cada uma ao isolamento. A garota é estrelado pela cantora pop húngara Kati Kovács (com quem a diretora voltaria a trabalhar mais duas vezes), que interpreta Erzsébet, ou Erzsi, uma jovem de 24 anos que foi criada em um orfanato para meninas. Ao começar sua vida adulta, trabalhando em uma fábrica de tecidos, ela finalmente resolve procurar por sua mãe biológica, que descobre graças à resposta a um anúncio que colocou no jornal. A mãe mora em uma aldeia chamada Várkút, a cerca de 180 quilômetros de Budapeste, e, ao encontrá-la vestida de preto (Teri Horváth), Erzsi também se depara com uma família rústica que desconhece a gravidez
indesejada da matriarca. A sra. Zsámboki, que inicialmente queria ver sua filha, agora prefere se distanciar dela, insistindo que Erzsi se identifique como sua sobrinha, inclusive para esconder a verdade do seu marido desleal (Ádám Szirtes). Erzsi deixa a casa da mãe durante a noite, abandonando a esperança de uma reconciliação, por um lado, e a possível ameaça de agressão sexual, por outro.
Mészáros revela uma sociedade brutalmente antiquada, onde as matronas resignam-se ao trabalho doméstico e à autoclausura, enquanto os homens sonham com a vida erotizada da cidade grande apresentada pela televisão. No ônibus de volta para Budapeste, Erzsi encontra o mesmo jovem que cruzou seu caminho na ida (Jácint Juhász) e passa a noite com ele, como uma forma de suprir a necessidade de acolhimento. O breve relacionamento, que dura mais um encontro, se desfaz com a expressão da possessão masculina, já que a liberdade de Erzsi não é negociável. Um homem mais velho cruza seu caminho, um charlatão (Gábor Agárdi) que responde ao anúncio de jornal e aplica um pequeno golpe na garota, que se deixa levar pelo simples desejo de sonhar, ao preço de um almoço e algumas taças de conhaque.
A personagem de poucas palavras se comunica principalmente pelo olhar perfurante de Kovács, cuja carreira de cantora estourou alguns anos antes, inclusive com a transmissão televisada de um programa musical que lhe rendeu o prêmio principal, com a canção “Nem leszek a játékszered” (“Eu não serei seu brinquedo”).5
A garota estreou em salas húngaras com êxito em maio de 1968, no mesmo momento da Primavera de Praga e das manifestações estudantis em Paris. Além de ser o longa de estreia de Mészáros, o filme foi o primeiro longa-metragem dirigido por uma mulher na Hungria pós-guerra. Esse marco se deu em parte à iniciativa do governo húngaro de reorientar os fundos para produção de filmes, priorizando a nova geração em detrimento dos cineastas mais velhos que tiveram participação na Revolução Húngara. Mais duas diretoras húngaras realizaram seus longas de estreia neste momento. Uma foi Lívia Gyarmathy (que também teve uma carreira longeva), com a sátira absurdista Você conhece “Sunday-Monday”? (Ismeri a szandi mandit?, 1969). A outra foi
Judit Elek, com A dama de Constantinopla (Sziget a szárazföldon, 1969).
Após a Revolução, Elek trabalhou como assistente de direção e dramaturgia na Hungria. No começo da década de 1960, passou uma temporada na França, onde estudou os métodos de cinema direto praticados nas ruas de Paris por cineastas como Edgar Morin e Jean Rouch (em Crônica de um verão – Chronique d’um été , 1961) e Chris Marker e Pierre Lhomme (em O encantador mês de maio – Le joli mai, 1963). Ela se deparou com técnicas de gravação de som direto e trabalho de improvisação com atores não profissionais que eram conhecidas e até admiradas pelos documentaristas húngaros, porém consideradas radicais demais para serem praticadas em seu país.
da qual ela foi uma das membras fundadoras. “Nós determinamos que o estúdio seria sempre aberto para as próximas gerações de cineastas que saíssem da faculdade, e também para aqueles que não haviam estudado, mas estavam fazendo filmes”, ela falou décadas depois.6
Além da equipe do estúdio, o trabalho de Elek em Encontro contou com dois importantes colaboradores. O escritor e amigo da cineasta Iván Mándy – autor de contos e romances surrealistas e com humor mordaz – interpretou o protagonista masculino, um homem de meia-idade que mora com os pais idosos, contracenando com uma enfermeira que vive para seu trabalho.
5. O registro da transmissão televisiva original pode ser encontrado aqui: www.youtube.com/ watch?v=s0KPJ5InW2Q.
Isso mudou com o primeiro filme solo de Elek, o curta-metragem híbrido Encontro ( Találkozás , 1963), um estudo aparentemente simples de um encontro real em Budapeste entre duas pessoas solitárias que se conheceram através de um classificado de jornal. Elek realizou o filme, assim como seus dois subsequentes, através do Estúdio Béla Balázs (nomeado em homenagem a um importante crítico e teórico húngaro de cinema), uma organização voltada para a produção de documentários experimentais,
E o cinegrafista István Zöldi (que também trabalhou com Mészáros em Dente-de-leão) fotografou o filme com um olhar sempre atencioso, tanto para o casal principal quanto para a multidão ao seu redor, em uma praça ou em um cinema lotado onde eles tentam comprar ingressos de segunda mão.
Foi com Zöldi que Elek desenvolveu uma inusitada concepção fotográfica, na qual a câmera passeia pelos espaços como se fosse um espectador íntimo da cena, 6. Citado em inglês no livro Judit Elek: The Lady from Budapest
revelando os personagens imersos em seus ambientes. Ele também fotografou o filme seguinte de Elek, o curto documentário Habitantes de castelos na Hungria (Kastélyok lakói, 1966), sobre os residentes de castelos que foram convertidos para servirem outras funções. No filme, a câmera observa de perto cada objeto em movimentos circundantes, para revelar a excentricidade desses lugares que deixaram sua pompa no passado e se abriram para abrigar uma grande variedade de moradores, de um casal de velhinhos a bichos e plantas, a um asilo e uma escola.
Elek aprofundou seu método com o cinegrafista Elemér Ragályi no média-metragem documental Como vive o homem? (Meddig él az ember? I-II , 1968). O filme em duas partes mostra primeiro a vida diária de um velho trabalhador de fábrica que está se preparando para a aposentadoria e, depois, um adolescente sendo treinado para substituí-lo. Pela primeira vez, Elek adotou a câmera na mão para se posicionar no meio da ação, mais perto dos protagonistas. O olhar sólido revela através da intimidade uma certa fragilidade humana.
A dama de Constantinopla surgiu a partir do desejo de Elek de trabalhar com a celebrada atriz Manyi Kiss, então com quase 60 anos, que ganhou fama por sua
capacidade de interpretar uma grande variedade de papéis com naturalidade.
A cineasta também vivia naquele período o luto pela morte de seu pai, que faleceu em 1966. E ela se interessou ainda pelas particularidades do sistema de moradia em Budapeste, no qual pessoas trocavam de apartamento como uma forma de se integrar à sociedade. “Eu comecei a ler esses anúncios e aos poucos me interessei pelo ambiente, pelas pessoas e seus problemas”, Elek contou na televisão francesa em 1971. “Eu me dei conta de que elas não estavam procurando por moradia, mas sim por amigos.”7
A diretora alistou Iván Mándy para criar para Kiss o papel de uma velha mulher abastada, solitária e obcecada pelas lembranças de seu pai, um homem do mar que ela diz tê-la levado para conhecer o mundo. Ninguém escuta as suas histórias, contadas com um sorriso agridoce, mas, ao conversar com vizinhos e estranhos, ela gradualmente resolve trocar sua residência
em Peste por um espaço menor em Buda. Muitas das pessoas com quem encontra são interpretadas por não atores. A dama sem nome se sai como uma inocente em um mundo de cínicos. “‘A velhinha’ é um fenômeno maravilhoso”, Elek falou recentemente, “e, ao não nomeá-la, ela permanece um fenômeno.”8
7. Citado em inglês na página do filme no Festival de Cannes, onde passou na mostra Cannes Classics em 2023: www.festival-cannes.com/en/2023/ the-lady-from-constantinople-back-in-cannes-55-years-later/.
A dama de Constantinopla recebeu uma ovação em pé de mais de 20 minutos quando estreou em Cannes, em 1969, e, depois, foi vaiado no Festival de San Sebastián. Os filmes de Elek muitas vezes foram alvo de reações divididas ou até hostis, tanto por serem tecnicamente à frente do seu tempo quanto por criticarem uma sociedade incapaz de reconhecer as vidas interiores de seus cidadãos. Encontro foi temporariamente banido e odiado por quase todos os colegas de Elek, que o consideraram patético. O filme que ela planejava fazer após A dama de Constantinopla , um drama histórico que funcionaria como uma alegoria para as táticas punitivas usadas pelas autoridades stalinistas na Hungria, foi censurado quando a equipe já estava no período de ensaios. 8. De um e-mail para os autores deste texto em junho de 2024.
(
A cineasta acabou sendo proibida de fazer filmes de ficção por quase uma década, durante a qual ela se voltou para a produção de documentários. Entre eles, dois longas documentais interligados, Na terra de Deus em 1972-73 ( Istenmezején 1972-73-ban, 1974) e Uma história comum ( Egyszerü történet , 1975), que acompanham as vidas paralelas de duas garotas de uma aldeia no interior da Hungria onde a maioria das mulheres se resigna ao trabalho doméstico e, desde crianças, são orientadas a casar e desencorajadas a trabalhar. A repercussão dessas obras foi tão grande que levou a diretora a propor uma terceira parte, abordando o impacto da presença da equipe de filmagem na comunidade, porém as críticas negativas foram tão difamatórias que destruíram a relação de confiança que ela havia construído durante anos.
Vários dos filmes subsequentes de Elek, documentários e ficções, tratam de assuntos históricos de forma rigorosa, muitas vezes em resposta ao antissemitismo crescente na Hungria. Por exemplo, o drama Lembranças de um rio (Tutajosok, 1989) aborda o julgamento de 1882 de membros de uma comunidade judaica no interior do país que foram injustamente acusados de assassinato e ocultação de
corpo de uma menina cristã. Na época do lançamento, Elek recebeu críticas severas que diziam que ela tinha feito um “teatro folclórico” e que havia floreado a história.
Ela relançou o filme em 2014, após ouvir o discurso de um membro da extrema direita no parlamento húngaro acusando de conspiração judaica os eventos do século XIX.
A partir dos anos 1980, a obra de Mészáros adotou uma dimensão histórica que procurou escavar as verdades enterradas pelos governantes que tomaram controle da Hungria após a Revolução de 1956. Ao dramatizar sua própria história dentro desse contexto, ela fez algo similar a Elek, que adaptou um romance autobiográfico sobre sua juventude de classe média nos anos stalinistas após sobreviver aos guetos de Budapeste (Despertar – Ébredés, 1995) e realizou um filme sobre o assassinato de sua meia-irmã em um campo de concentração nazista (Refazer – Visszatérés, 2011/2019). Para as diretoras, as histórias mais inegáveis carregam sempre o pessoal.
Elek e Mészáros abriram o caminho para novas gerações de diretoras húngaras. Ainda assim, por anos, a maioria de seus filmes ficou obscura. Foi através dos esforços de grandes projetos recentes de restauração liderados pelo Arquivo Nacional de Cinema da Hungria (Magyar Nemzeti Filmarchívum) e um forte
estímulo federal do país para a preservação do cinema que isso começou a mudar.
Doze longas e três curtas de Mészáros foram restaurados digitalmente e circularam com enorme sucesso em festivais, plataformas de streaming e home video a partir de 2019. Esses filmes representam menos de um terço da filmografia da diretora e contam com obras importantes para sua carreira que estavam em bom estado de preservação. Depois, dez filmes de Elek foram restaurados e passaram no Festival Internacional de Cinema de Roterdã em 2023, na ocasião de uma retrospectiva abrangente. A retrospectiva foi acompanhada por um livro em inglês, cuja tradução para o húngaro, a ser lançada em breve, será o maior volume publicado sobre sua obra em seu país natal.
A Sessão Mutual Films de julho é dedicada à memória da jornalista e tradutora brasileira de descendência húngara Edith Elek (1945-2023). E, também, às memórias do ator polonês Jan Nowicki (1939-2022), da cineasta húngara Lívia Gyarmathy (1932-2022) e do cinegrafista húngaro Elemér Ragályi (1939-2023).
Cristina Maure | Brasil, Uruguai | 2023, 103’, DCP (Vaca Amarela Filmes)
Sofia, uma mulher misteriosa, chega à Vila Clemência na esperança de pegar um trem, pois o comboio no qual estava quebrou. Como o trem não aparece, Sofia é obrigada a se hospedar na pensão que a Companhia Ferroviária Nacional oferece aos passageiros que, por acaso, chegam até ali. Junto com seus companheiros de hospedagem, pessoas solitárias reunidas pelo acaso, Sofia aguarda a chegada de um trem que talvez nunca apareça.
A estação foi selecionado para a mostra Foco Minas do Festival de Tiradentes deste ano. Sobre o filme, escreveram os curadores: “A história tem algo de literário e nos remete à produção literária e teatral europeia do período da Segunda Guerra – algo entre o teatro do absurdo e o surrealismo – e soa, como a protagonista Sofia, estranha no seu tempo. É um filme com camadas anacrônicas: tudo nos evoca uma época passada, nas falas, nos trajes, na trama de viagem de trem e na dramaturgia de época. Cada sujeito, desejo e paisagem é uma projeção fantasmática. Temos o preto e branco, o acento teatral na espacialidade e na marcação dos atores e atrizes nos interiores, as paisagens como um afresco em que o p&b e o vazio assumem uma atmosfera quase digressiva e os personagens parecem estar sempre entre a vigília e o sonho.”
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
João Salaviza e Renée Nader Messora | Brasil, Portugal | 2023, 125’, DCP (Embaúba Filmes)
Em 1940, duas crianças do povo indígena Krahô encontram na escuridão da floresta um boi perigosamente perto da sua aldeia. Era o prenúncio de um brutal massacre, perpetrado pelos fazendeiros da região. Em 1969, os filhos dos sobreviventes são coagidos a integrar uma unidade militar, durante a ditadura brasileira. Hoje, diante de velhas e novas ameaças, os Krahô continuam a caminhar sobre a sua terra sangrada, reinventando a cada dia infinitas formas de resistência.
Companheiros de vida e trabalho, a cineasta paulista Renée Nader Messora e o cineasta português João Salaviza vivem próximos do povo Krahô – como os chamam os brancos – e atuam profissional, política e artisticamente junto a eles. Dessa colaboração, já havia saído o filme Chuva é cantoria na aldeia dos mortos, que foi vencedor do Prêmio do Júri da mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, em 2018. Em 2023, A flor do buriti recebeu o prêmio de Melhor Equipe, na mesma mostra. Elaborado a partir de um processo coletivo junto aos Krahô, o filme conta com a participação de Sonia Guajajara, atual ministra dos Povos Indígenas, e tem como corroteiristas os indígenas Ilda Patpro Krahô, Francisco Hyjnõ Krahô e Henrique Ihjãc Krahô.
“O que eu e João temos é um tempo de convivência na comunidade que a gente filma, que nos permite ter uma leitura da realidade que está na nossa frente. É uma leitura engajada junto de uma escuta sensível, isso fez e faz com que a gente consiga errar menos”, comenta a diretora em entrevista à Veja São Paulo. “Só existem imagens no meu material bruto que eles [os Krahô] se sintam à vontade, que eles se reconhecem, confiem e acreditem. Nós [Renée e João] fizemos uma espécie de tradução e tentamos chegar a um lugar onde faça sentido para os não indígenas que irão assistir ao filme.”
Ao portal esquerda.net, Salaviza comenta: “No momento de filmar não temos referências. As poucas referências que temos são as do cinema indígena – há um grande filme que foi exibido aqui, na mostra de cinemas indígenas do Porto –, um filme feito por um coletivo de cineastas Maxakali, que é um outro povo que está em Minas Gerais. Há imensas dimensões que estão nesse filme e que nós, vendo esse filme, mais tarde percebemos que , por outros caminhos, também andávamos aqui atrás desse rasto, acho que é uma dimensão historiográfica que tem A flor do buriti, pensar uma historiografia feita nos termos Krahô.”
“Nós fomos parados na rua por um descendente de um dos que participou no massacre em 1940. Ele estava indignado e agressivo. E ficámos com medo. Ele dizia: ‘Vocês não têm fontes para falar sobre isso! Não há dados, não há bibliografia! O processo desapareceu. Quem são vocês para falar sobre isso?’ Houve algumas fontes, de um antropólogo dos anos 1970, que encontrou documentos que falavam, na altura, de 30 mortos. Mas nós falámos com parentes mais velhos do Hyjnõ e da Cru, a bisavó que sobreviveu ao massacre, e falam em 70-80 mortos. A questão é, então, como é que um filme traz a possibilidade de historiografar
o passado dos Krahô. Porque a tradição Krahô obedece à memória oral, e, como essas coisas foram passadas para os avós e netos, como o Hyjnõ diz no filme, ‘foi preciso muito sangue para nós termos esta terra'."
[Depoimentos extraídos de: bit.ly/florburiti-ims e bit.ly/florburiti-ims2]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Leonardo Mouramateus | Brasil, Portugal | 2024, 110’, DCP (Vitrine Filmes)
Greice, uma jovem brasileira de 22 anos, estuda belas-artes em Lisboa. Nos primeiros dias do verão, Greice envolve-se com o misterioso Afonso. O casal é responsabilizado por um estranho acidente que ocorre na festa de recepção dos calouros. Greice precisa, então, voltar a Fortaleza, mas se esconde num hotel para evitar que sua mãe descubra os apuros em que se envolveu. Com a ajuda de alguns amigos, Greice procura um lugar no mundo. Por ocasião da exibição de Greice no IndieLisboa, em 2024, o programador e crítico Ricardo Vieira Lisboa escreveu: “A certa altura, ainda o filme vai no início, uma personagem explica que ‘a Greice é amiga das circunstâncias, transforma o que é mentira em verdade e escreve de trás para a frente’. Refere-se, claro, à protagonista que dá nome ao novo filme de Leonardo Mouramateus, mas a personagem
confunde-se com o filme, e também Greice inverte as noções de verdade e se constrói às arrecuas. Como é costume no cinema do realizador, a trama é uma complexa teia de indícios, onde facto e ficção, sujeito e olhar, objeto e representação se fundem e confundem. Só que em Greice esse jogo ganha requintes quase barrocos, onde tudo é sinal, onde a (auto)biografia se esconde num labirinto de espelhos e onde cada coisa reflete a coisa do lado (numa potência de infinito – que, no limite, consegue transformar a própria natureza bífida da produção luso-brasileira do filme num comentário metafílmico sobre a condição do realizador). Onde começa e acaba o (auto)retrato? Nem Greice nem Leonardo têm a resposta, porque a eles o que lhes interessa é o jogo da representação.”
Terceiro longa-metragem de Mouramateus, a obra é protagonizada pela atriz Amandyra, paulista radicada no Ceará, e traz no elenco ainda nomes como o cantor Dipas, as atrizes Faela Maya, criadora da webnovela Pobreza Brasil, e Isabel Zuáa. O filme teve sua estreia internacional no Festival de Roterdã deste ano e, após uma carreira internacional, chegou ao Brasil no festival Olhar de Cinema.
[Citação extraída de: bit.ly/greiceims]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Love Lies Bleeding – O amor sangra
Love Lies Bleeding
Rose Glass | EUA | 2024, 104’, DCP (Synapse)
Uma história de amor e crimes acontece entre Lou, uma tímida gerente de academia, e Jackie, uma ambiciosa fisiculturista que está de passagem pela cidade em direção a Las Vegas. Um ato de fúria impensado as colocará em uma rota de sangue e vingança.
O mais novo lançamento da A24 tem como protagonistas Kristen Stewart e Katy O’Brian e é dirigido pela britânica Rose Glass (Saint Maud, 2019). “A ideia inicial era: não seria legal fazer um filme sobre uma mulher fisiculturista? Achei que soava como um território emocionante e psicologicamente rico ter alguém nesse mundo e com esse tipo de ambição”, comentou Glass em entrevista ao portal The Hollywood Reporter. Ela conta também que, durante algum tempo, não estava definido se o filme se passaria nos EUA ou na Escócia: “Quando se tem tantos músculos e armas, acaba que o filme, os personagens
e a história têm algo um pouco mais relevante a dizer em um cenário americano. [..] Fui a Los Angeles quando Saint Maud estava participando de festivais, e foi a primeira vez que estive nos Estados Unidos. Se você não é de lá, tem essa estranha sensação mitológica. Tudo parece familiar, mesmo que você nunca tenha visto antes. Até mesmo em Sundance, antes de entrar em um cinema, há placas dizendo: ‘Não são permitidas armas de fogo’. Quem vem da Europa pensa: ‘Que merda é essa?’. Quando você está passando pela segurança no aeroporto, eles dizem: ‘Proibida a entrada de armas de fogo’. Sem brincadeira! Portanto, a linha de base ou o limite para o choque já é maior de partida.”
Ao portal Roger Ebert, Glass fala de algumas de suas referências cinematográficas: “Sou uma grande fã de John Waters. Seus filmes foram uma influência. Além disso, li há algum tempo Diário de um ladrão, de Jean Genet. Acho que há uma conexão entre Waters e Genet, e suas atitudes em relação à transgressão e à beleza do crime. Em um determinado momento, eu queria muito que Lou, a personagem de Kristen no filme, tivesse um pôster do Problemas femininos, de John Waters, na parede de seu apartamento, mas não conseguimos liberá-lo ou algo assim. De certa forma, o filme tem aquele sentimento de orgulho da [personagem de Waters] Dawn Davenport e de encontrar a libertação por meio da transgressão.”
[Depoimentos extraídos, do inglês, de bit.ly/ loveliesims e bit.ly/llb-ims]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Ti West | EUA | 2024, 101’, DCP (Universal Pictures)
Por ocasião do lançamento da terceira parte da trilogia de terror do diretor Ti West e da atriz Mia Goth, o cinema do IMS apresenta os três filmes juntos.
Nesta aguardada sequência de X – A marca da morte (2022) e Pearl (2022), Mia Goth reprisa seu papel como Maxine, a única sobrevivente de uma filmagem pornô que deu muito errado há alguns anos. Na Los Angeles de 1985, ela decidiu seguir sua jornada rumo à fama. Mas, enquanto isso, um misterioso assassino, conhecido como Night Stalker, persegue as estrelas de Hollywood, deixando um rastro de sangue que ameaça trazer à tona o passado sinistro de Maxine.
“MaXXXine – e não vou falar muito sobre isso, porque a graça desses filmes é mantê-los em segredo – é tão diferente de X quanto Pearl é de X”, comenta o diretor em entrevista à revista Men’s Health, fazendo questão de não revelar
muito sobre sua sequência. “E é isso que foi divertido de fazer. Há uma maneira de fazer diferentes tipos de filmes que ainda estão relacionados a esse mundo, porque o mundo, se você preferir, é como o cinema deles. Sim, os temas da atuação, do show business, do envelhecimento e todos esses tipos de coisas estão presentes nos três filmes. Mas o aspecto da produção cinematográfica também, como se você sentisse o estilo da produção cinematográfica que estou trazendo para o filme, mas também sentisse que esse estilo está afetando os personagens do filme. E isso também acontece em MaXXXine – só que de uma maneira muito diferente.”
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/tiwestims]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Orlando, minha biografia política
Orlando, ma biographie politique
Paul B. Preciado | França | 2023, 98’, DCP (Filmes do Estação)
Em 1928, Virginia Woolf escreveu Orlando, o primeiro romance em que o personagem principal muda de sexo no meio da história. Um século depois, o escritor, filósofo e ativista trans Paul B. Preciado decide enviar uma carta cinematográfica à autora: seu Orlando saiu da ficção e vive como ela jamais poderia ter imaginado. Preciado organiza um teste de elenco e reúne 26 pessoas trans e não binárias, de 8 a 70 anos de idade, que encarnam o protagonista.
Em entrevista ao portal ArtReview, Paul Preciado conta como foi convidado pelo canal de televisão Arte a produzir um documentário para uma iniciativa dedicada a aproximar o público de filmes queer. A ideia original era de que fosse um
documentário bastante tradicional em torno do filósofo, o que o aterrorizou um pouco: “Em um determinado momento, eu estava desesperado. Eles realmente queriam fazer esse filme, e eu tinha a impressão de que eles o fariam, com ou sem mim. E, na verdade, a ideia de Orlando surgiu como uma piada. Eu disse a eles: ‘Não permitirei que façam isso, a menos que seja uma adaptação de Orlando, de Virginia Woolf’. Para mim, era uma forma de dizer: ‘Fim de papo’. Nunca pensei que eles gostariam da ideia.”
“Mas tive um colapso quase epistêmico em que pensei: ‘Como vou fazer isso?’. Comecei a pensar na minha aversão a tantos filmes. A maneira como critico a ideia de representação, o fato de algo ser imediatamente capturado pela câmera. Pensei: “Como vou fazer isso sem dar imediatamente uma imagem fixa de quem é Orlando, como criar uma imagem do que é ser trans? Então, comecei a pesquisar autores de que gosto que fizeram ou deixaram de fazer adaptações. [...] Cheguei à conclusão de que eu tinha dois panteões de filmes. De um lado, filmes queer, em sua maioria underground e provenientes da arte. Um desses filmes é Dandy Dust, de Hans Scheirl. [...] E, por outro lado, eu me vi obsessivamente revendo documentários ensaísticos. Como os de Jean-Luc Godard, é claro. Todas as perguntas que eu me fazia – ‘Como representar sem reduzir ou transformar a imagem em uma identidade’, perguntas sobre biografia ou a relação entre ficção e realidade – eram perguntas que ele se fazia.”
“De certa forma, a política de criação de imagens está muito presente em meu trabalho. É quase como uma ontologia negativa, uma imagem que nunca está presente. A força ou o poder da imagem é justamente ser apagada, porque é exatamente daí que viemos historicamente, certo? De atos de apagamento, atos de inscrição violenta em uma imagem que não nos representa. Talvez seja por isso que demorei um pouco para decidir o que fazer com esse filme.”
“[...] Então, voltei ao livro e me perguntei: ‘Qual é a forma desse livro?’. Orlando é provavelmente o livro menos experimental de Woolf – talvez por isso tenha sido um dos mais populares durante sua vida – e segue a estrutura de um romance comum, certo? Mesmo que, é claro, haja muitas transgressões. Ainda assim, alguém pode lê-lo e dizer: ‘Esta é a história de um homem nobre e suas aventuras’. Então, pensei que algo semelhante teria de acontecer no filme: a estrutura seguiria as aventuras de Orlando. Eu sabia que o filme não teria uma forma completamente experimental.”
“Na verdade, Woolf tem um ensaio incrível intitulado ‘The Cinema’, que ela escreveu na mesma época que Orlando, quando o cinema estava se tornando popular. Woolf foi assistir a um filme sobre o mar, em preto e branco. É claro que ela é obcecada pelo mar e pela água. Ela fica maravilhada com a sensação de estar completamente imersa na água sem estar molhada. Portanto, acho que [em Orlando] ela
está praticando esse tipo de técnica de salto, essa escrita subjetiva que nunca é fixa, mas que se move de sujeito para sujeito e de objeto para objeto. E acho que ela percebe que o cinema pode fazer isso de uma maneira interessante.”
O Orlando de Preciado foi vencedor do Teddy Award e do Prêmio Especial do Júri da mostra Encounters no Festival de Berlim 2023.
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/orlandoims]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Eduardo Perdido, Tiago Mal e Diego M. Doimo | Brasil | 2023, 74’, DCP (Vitrine Filmes)
A pequena traça Teca vive com sua família e seu fiel ácaro de estimação Tuti numa caixa de costura. O que eles mais gostam é de comer papel, mas, quando Teca aprende a ler, percebe que os livros não podem ser comidos, afinal eles guardam as histórias que ela adora. Decididos a resolver um grande mistério, Teca e Tuti partem para a biblioteca, em busca da história mais importante de suas vidas.
Os diretores idealizaram Teca e Tuti quando eram estudantes do último ano do curso de imagem e som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mas a animação, feita em stop motion, demoraria 20 anos para ser produzida, dos quais 12 foram investidos na animação quadro a quadro.
“A gente tem que valorizar a cultura. A gente aproveitou essa personagem, que a gente pega exatamente o momento em que ela aprende a ler e traz para as crianças para tentar espelhar isso no comportamento delas”, declarou Tiago Mal ao G1. “É muito importante conseguir levar isso para as crianças, levar essa mensagem e mostrar para todo mundo um trabalho de tantos anos que a gente teve dentro de um estúdio”.
Desde 2023, o filme já foi exibido em países como Rússia, Estados Unidos, País de Gales, Índia, onde foi premiado como Melhor Filme de Animação no 17º Ayodhia Film Festival, e Cuba, onde levou o Prêmio Especial do Júri de Animação no 44º Festival del Nuevo Cine Latinoamericano. [Depoimento extraído de: bit.ly/tecaetuti-ims]
Ingressos:
Terças, quartas e sextas: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Quintas: Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Durante as férias escolares de julho, o Cinema do IMS Poços apresenta uma seleção especial de obras para o público infantil. As sessões acontecem de terça a sexta, sempre às 15h. Às quintas-feiras, a entrada é gratuita.
Ingressos:
Terças, quartas e sextas: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Quintas: Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Pablo Berger | Espanha, França | 2023, 102', DCP (Imovision)
Dog mora na Manhattan dos anos 1980 e está cansado de ficar sozinho. Um dia, ele decide comprar um robô para ser seu companheiro. A amizade deles floresce, até que se tornam inseparáveis. Em uma noite de verão, Dog com muita tristeza, é obrigado a abandonar Robô na praia. Será que eles vão se encontrar novamente? Baseado no quadrinho homônimo de Sara Varon, o filme não tem diálogos e investe na musicalidade: “O fato é que Meu amigo robô é um musical. É um filme sem diálogos, e a música pode ser a voz do personagem. Portanto, a música é muito importante. É claro que o tema
principal do filme é ‘September’, do Earth, Wind & Fire, que é a música do Robô e de Dog. Até mesmo o tema do filme está na letra”, comenta o diretor em entrevista a Rendy Jones para o portal Roger Ebert, já que a música se refere ao começo do outono no Hemisfério Norte, algo que é importante na história do filme. “E, é claro, todas as músicas diferentes que apareceram foram punk, rob, hip hop, batuques de balde, músicos de rua, música latina, e isso é Nova York. Nova York é uma selva de música e sons, mas, se tivéssemos que fazer uma trilha sonora original, teria que ser jazz. [...] Eu queria ser um músico, não um cineasta. Portanto, Meu amigo robô é uma homenagem à própria música.”
Em 2023, Meu amigo robô foi exibido no Festival de Cannes, venceu o prêmio de Melhor Filme da seção Contrechamp do Festival de Cinema de Animação de Annecy e, em 2024, concorreu ao Oscar de Melhor Animação.
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/ amigorobo-ims]
Alê Abreu | Brasil | 2022, 80', DCP (Vitrine Filmes)
Claé e Bruô são agentes secretos de reinos rivais. Eles precisam superar suas diferenças e unir forças para buscar os Perlimps, criaturas misteriosas capazes de encontrar um caminho para a paz em tempos de guerra.
Indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2016 por O menino e o mundo, o diretor Alê Abreu estreou Perlimps na edição de 2022 do Festival de Animação de Annecy. “No meu processo de trabalho”, comenta o diretor em entrevista ao portal Tela Viva, “vou colecionando fragmentos, coisas que me chamam a atenção, me brilham aos olhos e ao coração e vou guardando. Sempre foi assim. Quando estava terminando O menino e o mundo, já tinha anotações do que seria meu próximo projeto. [...] Tinha uma cena na cabeça, um momento que considero o começo de tudo e que representa o que o filme mais tarde virou. É um menino saindo da floresta, todo maquiado,
e caindo numa poça d'água. Sai dela e vemos na água o espelho desse menino, que revela que ele estava em outro lugar, como se fosse outra dimensão. Ele sai inundado para um lugar mais mundano, pé no chão. Isso é o que talvez simbolize o que temos. Foi o plano que mais me disse a respeito do que eu queria fazer.”
"Tudo veio daqueles papéis de ideias e referências que eu tinha no início. São como peças lançadas num tabuleiro, que instigam a gente a criar e como conectá-las entre si. Esse foi o desafio. A questão da polarização, por exemplo, já estava no inconsciente da gente. Ela aparece no filme meio escondida, com a força da metáfora. Eu mesmo entendi isso só depois. É quase que um caminho às avessas: ouço o inconsciente e, mais tarde, busco explicação. Nesse 'buscar explicação', entendi a força dessas personagens.”
[Depoimentos de Alê Abreu extraídos de: bit.ly/ aaperlimps]
Gajah é um elefante sem memória que viaja no Tromba Trem acompanhado dos amigos Duda, uma inocente tamanduá vegetariana, e um grupo de cupins. Do dia para a noite, o elefante se torna uma celebridade da internet e se afasta dos velhos companheiros de viagem. Mas o estrelato dura pouco, pois ele acaba se tornando o principal suspeito de uma série de desaparecimentos misteriosos.
Presa na fazenda isolada de sua família, Pearl precisa cuidar de seu pai doente, sob a vigilância amarga e autoritária de sua mãe devota.
Desejando uma vida glamorosa como a que viu nos filmes, Pearl vê suas ambições, tentações e repressões se chocarem nessa impressionante história de origem da icônica vilã de X – A marca da morte.
Em Pearl, o diretor Ti West e a atriz e produtora executiva Mia Goth apresentam um desdobramento da personagem apresentada em X Os dois trabalharam juntos no roteiro antes mesmo de começar a filmar X e, três semanas após o término da rodagem, na mesma locação, já filmavam Pearl.
Somos apresentados aos anos de juventude de Pearl, tão sangrentos quanto aqueles apresentados no filme anterior. Mas se X rende homenagem aos slashers, o estilo e Technicolor de Pearl se inspiram na tradição dos musicais e melodramas hollywoodianos dos anos 1950.
“Foi uma coisa interessante de se trabalhar, no mínimo, como uma história de fundo para o personagem. Para fazer de X um filme melhor”, comenta Ti West em entrevista ao portal The Playlist. “Mas, quando começamos a fazer isso, para mim, uma grande preocupação foi que as pessoas realmente se identificassem com a ambição. Sabendo que iríamos fazer um filme sobre alguém que, no final das contas, faz coisas assassinas, fazer com que o público se identificasse com Pearl foi um projeto um pouco difícil. Você precisa ter certeza de que não está sendo indiferente ao público, que ele não está vendo apenas uma psicopata com quem não se importa. [...] E, para isso, muito do que está acontecendo na cabeça de Pearl é universal. Quase todo mundo tem coisas em sua vida que gostaria que fossem diferentes, e coisas que gostaria de ter.”
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/pearlims]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
X – A marca da morte
Ti West | EUA | 2022, 105’, DCP (PlayArte)
Em 1979, um grupo de jovens cineastas se propõe a fazer um filme adulto na zona rural do Texas, mas quando seus anfitriões, um casal de idosos reclusos, os pegam em flagrante, o elenco precisará lutar pelas suas vidas.
“Os filmes de terror e os filmes pornográficos eram filmes feitos fora do sistema, que não precisavam passar pela máquina de Hollywood, mas que encontraram valor comercial”, comenta o diretor Ti West em entrevista ao portal Rue Morgue. “Especialmente em meados e no final dos anos 1970, quando o vídeo doméstico estava realmente começando a decolar, havia uma oportunidade para as pessoas fazerem filmes sem experiência e sem acesso a todas as coisas que Hollywood tinha. Eu, que vinha de filmes de terror independentes e de baixo orçamento, não
era muito diferente de pessoas fora do sistema que fazem fi lmes para adultos. Ambos eram vistos como esses tipos de entretenimento subversivo e de baixo calão que podiam encontrar seu próprio valor, então achei que fazia sentido juntar os dois.”
Sobre a referência ao clássico de Tobe Hooper, West comenta: “Para mim, O massacre da serra elétrica está no topo dos grandes fi lmes de terror de todos os tempos, e X obviamente se passa no Texas, e eles estão em uma van e tudo o mais, mas achei interessante subverter isso. Suas expectativas em relação ao fi lme, por causa de O massacre, podem ser uma coisa, mas o que eu entrego é outra”.
Primeiro lançamento da trilogia de terror de Ti West, X apresenta Mia Goth em duas personagens que lidam de formas distintas com o mundo do espetáculo. Os dois fi lmes seguintes desdobram as histórias de cada uma dessas personagens.
[Integra da entrevista, em inglês: bit.ly/x-ims]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Jonathan Demme | EUA | 1984, 88', DCP (A24), cópia restaurada em 4K
Em comemoração aos 40 anos do fi lme Stop Making Sense, dirigido por Jonathan Demme, um marco na história dos fi lmes de apresentação musical ao vivo, o Cinema do IMS exibe o longa em nova restauração 4K, produzida pelo grupo A24. A banda Talking Heads apresenta suas músicas mais memoráveis em uma apresentação ao vivo fi lmada ao longo de três noites no Pantages Theater de Hollywood, em dezembro de 1983. Dirigido por Jonathan Demme (que faria mais tarde O silêncio dos inocentes e Filadélfia) a convite de David Byrne, o fi lme é um marco na história dos fi lmes de concerto musical e retorna ao cinema em nova restauração em 4K em comemoração de seu aniversário de 40 anos de lançamento. Stop Making Sense é estrelado pelos principais
membros da banda, David Byrne, Tina Weymouth, Chris Frantz e Jerry Harrison, além de Bernie Worrell, Alex Weir, Steve Scales, Lynn Mabry e Edna Holt.
“No início de 1983, Gary Goetzman e eu fomos ver minha banda favorita, os Talking Heads, no Hollywood Bowl, em Los Angeles. O show foi como ver um fi lme que estava esperando para ser fi lmado. Procuramos David Byrne e lhe apresentamos a ideia de nos unirmos para fazer o fi lme”, comentou Demme em entrevista junto a David Byrne para a Time Magazine, por ocasião dos 30 anos da obra. "David realmente viu esse fi lme em sua própria cabeça muito antes de nós chegarmos e convencê-lo.”
Sobre o trabalho de Demme, Byrne comenta que o cineasta “viu coisas no show que eu não sabia que existiam ou que não sabia o quanto eram importantes. [...] Ele observou a interação das pessoas no palco, que funcionava como se todos tivessem a mesma importância em cena, se víssemos como um roteiro de cinema. Ele também percebeu que, para trazer o espectador para essa percepção, o fi lme não teria entrevistas ou imagens do público até quase o fi nal.”
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/stopims]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Elek/Mészáros: Cronistas húngaras
A Sessão Mutual Films de julho coloca em diálogo quatro filmes recém-restaurados de duas grandes cineastas do cinema húngaro que foram celebradas em anos recentes com retrospectivas ao redor do mundo: Judit Elek (nascida em 1937) e Márta Mészáros (nascida em 1931). O curta-metragem documental Dente-de-leão (1964), de Mészáros, observa o dia a dia solitário de um jovem garoto de Budapeste que vive entre as casas de seus pais divorciados, expondo a condição de isolamento e da ausência familiar frequentemente retratada nas renomadas obras subsequentes da diretora. Assim ocorre com A garota (1968) – primeiro longa-metragem de Mészáros e um dos primeiros longas dirigidos por uma mulher na Hungria –, que acompanha a jovem mulher Erzsi (interpretada pela cantora pop Kati Kovács) após sair de um orfanato e decidir ir em busca da mãe, que continua a rejeitá-la. Já na curta docuficção Encontro (1963) – primeiro filme solo de Elek –, uma enfermeira e um contador se encontram em Budapeste através de um anúncio de jornal e conversam sobre seus relacionamentos passados e desejos presentes enquanto passeiam pelas ruas da metrópole. A solidão palpável dos personagens em meio à multidão retorna no primeiro longa-metragem de Elek, o tragicômico A dama de Constantinopla (1969),
no qual uma mulher velha e sozinha (a estrela do cinema húngaro Manyi Kiss) decide mudar de seu espaçoso apartamento em um prédio cheio de moradores que ignoram suas histórias e seu desejo de companhia. Acompanhamos de forma compassiva suas visitas a diversos imóveis abarrotados de gente, enquanto ela é assediada por aqueles que buscam desesperadamente por um local maior para viver. A sessão conta com o apoio do Consulado-Geral da Hungria em São Paulo e da FILMICCA.
A Sessão Mutual Films tem curadoria e produção de Aaron Cutler e Mariana Shellard.
Encontro
Találkozás
Judit Elek | Hungria | 1963, 22’, DCP, cópia restaurada (Arquivo Nacional de Cinema da Hungria – Magyar Nemzeti Filmarchívum)
A garota
Eltávozott nap
Márta Mészáros | Hungria | 1968, 80’, DCP, cópia restaurada (Arquivo Nacional de Cinema da Hungria – Magyar Nemzeti Filmarchívum)
Em seu primeiro filme, Judit Elek propôs a seu amigo e colaborador, o escritor solitário Iván Mándy, publicar um anúncio de jornal com uma proposta de um encontro amoroso. Encontro inicia em um amplo quarto de hospital em Budapeste, onde acompanhamos uma enfermeira sem nome cuidando de cada um dos enfermos, homens jovens e velhos. Vemos ela em sua casa, arrumando-se para sair e, então, em uma praça onde crianças brincam e velhos jogam xadrez. Em um banco da praça, a enfermeira, que respondeu ao anúncio de jornal, encontra seu pretendente (Mándy), e os dois seguem juntos caminhando e conversando. A câmera se movimenta de tal forma que podemos observar todo o entorno do casal de meia-idade, cujas falas são registradas com som direto, de forma revolucionária para o cinema húngaro da época. Ele a convida para assistir a um filme de faroeste, porém tenta em vão comprar ingressos de outros espectadores para a sessão lotada. Já no final da tarde, eles se sentam em uma mesa de bar e conversam sobre suas vidas, antigos amores e desejos futuros. Ele a acompanha até as proximidades do hospital, e ela segue para o turno noturno.
Márta Mészáros fez seu longa-metragem de estreia após uma década de trabalho em curtos documentários. Em A garota (cujo título original se traduz como “O dia se foi”), a cineasta aborda um assunto recorrente ao longo de sua carreira, ao retratar a vida de uma jovem melancólica e solitária. Erzsébet “Erzsi” Szőnyi (interpretada por
Kati Kovács), uma mulher de 24 anos que cresceu em um orfanato e trabalha em uma fábrica de tecidos em Budapeste, decide procurar sua mãe biológica, a quem nunca conheceu. Através de um anúncio no jornal, ela chega na aldeia conservadora onde a mulher (Teri Horváth) mora com sua família. A partir daí, surgem tensões entre Erszi e a matriarca encapuzada, que se arrepende de ter se comunicado com a filha, assim como o patriarca, que enxerga “a sobrinha de Budapeste” com suspeita e desejo. Ela sai da aldeia à procura de outras relações e histórias familiares e de um caminho para construir sua vida adulta.
A garota foi o primeiro longa-metragem dirigido por uma mulher na Hungria desde a década de 1940. O filme, feito em um estilo imediato e dinâmico, com muito trabalho de locação, foi um sucesso de bilheteria, devido, em parte, à presença no papel principal da estrela pop Kati Kovács (com quem Mészáros também realizou o filme Laços, no ano seguinte), em uma das suas primeiras atuações no cinema. Apesar da postura rígida e robótica, Kovács possui um olhar penetrante. Em uma entrevista realizada no final de 1968 para a revista húngara Filmvilag, Mészáros comentou sobre a protagonista do filme: “Fiquei impressionada com a qualidade intelectual particular dessa jovem, a sua dureza e o seu comportamento íntimo quase masculino... Na verdade, fiquei estimulada pelo fato dela ser uma personalidade que nunca depende de ninguém, no sentido em que ela é independente, adulta e –acima de tudo – honesta consigo mesma”.
A garota foi restaurado em 2K pelo Arquivo Nacional de Cinema da Hungria a partir do negativo original de imagem em 35 mm e da gravação magnética do som original. Encontro foi restaurado em 4K a partir de uma cópia em 35 mm localizada na mesma instituição e dentro do projeto chamado pelo arquivo de Programa de Restauração a Longo Prazo do Patrimônio Cinematográfico Húngaro, que também inclui diversos outros filmes das duas diretoras.
[Citação em inglês retirada do site do Festival de Cinema de Turim: bit.ly/agarota-ims]
Ingressos:
Entrada gratuita.
Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Dente-de-leão
Bóbita
Márta Mészáros | Hungria | 1964, 20’, DCP, cópia restaurada (Arquivo Nacional de Cinema da Hungria – Magyar Nemzeti Filmarchívum)
Sziget a szárazföldön
Judit Elek | Hungria | 1969, 77’, DCP, cópia restaurada (Arquivo Nacional de Cinema da Hungria – Magyar Nemzeti Filmarchívum)
O curta-metragem documental Dente-de-leão foi um dos primeiros filmes autorais feitos por Márta Mészáros na sua Hungria nativa, após se formar na União Soviética e dirigir documentários na Romênia e em seu país. No filme compassivo e cheio de close-ups, observamos um garoto (Zoltán Zeitler) matar o tempo entre as casas dos pais divorciados. Ele brinca na rua com outras crianças e segue para o apartamento de seu pai, em um condomínio de prédios recém-construído pelo governo comunista para resolver o problema de moradia de Budapeste nos anos 1950. Lá, ele encontra a jovem madrasta, que prepara o almoço até a chegada do pai. Mais interessado na nova parceira, o pai trata o menino com desdém e ressentimento. Em resposta, o garoto larga o almoço pela metade e volta para a rua. Acompanhamos seu percurso despreocupado até a casa da mãe, em um bairro pobre e antigo que parece ainda sofrer os infortúnios da Segunda Guerra Mundial. Lá, ele também não tem espaço e divide com a mãe um imóvel de um único cômodo, onde não pode ficar enquanto ela se arruma para sair. Deixado sozinho à noite, o garoto toca um pouco seu violão e obedientemente se arruma para dormir.
Judit Elek também fez seu longa-metragem de estreia (cujo título original se traduz como “uma ilha no continente”) sobre o problema da moradia em sua cidade natal de Budapeste. A dama de Constantinopla acompanha uma velha solitária (interpretada por Manyi Kiss, uma grande estrela do cinema húngaro, em um de seus últimos papéis). A viúva sem filhos passa
seus dias relembrando sua juventude e forte vínculo com o pai – um comandante de navio que a levou para conhecer o mundo. Enquanto a mulher abastada vive em seu passado glorioso, habitando um apartamento espaçoso e cheio de suvenires de lugares distantes, seus vizinhos mais pobres e amargurados são esfolados pelo trabalho doméstico e pela aglomeração. Ela procura compartilhar suas histórias com todos ao seu redor, porém o desespero resultante da escassez da vida presente não permite sonhos ou lembranças daqueles que a rodeiam. A morte de um vizinho idoso e a crescente pressão dos outros ajudam a dama a decidir trocar de apartamento, algo então comum em uma sociedade que pregava a necessidade de sacrificar os bens individuais pelo bem coletivo.
O magnífico lar da protagonista foi desenhado pelo cenógrafo Tamás Banovich (também responsável pelo desenho de produção de
A garota). E, ao acompanhá-la em busca de um novo imóvel, o filme sai do mundo da ficção para perceber a realidade direta da moradia em Budapeste. Para captar essa realidade, Elek e seu cinegrafista, Elemér Ragályi, usaram como referência o cinema direto francês e a própria experiência dos dois com documentários. Eles colocaram a atriz principal em confronto com pessoas nas ruas e, ao misturar a presença corporal dos passantes com o texto escrito pelo roteirista Iván Mándy, criaram um efeito estético que a cineasta chamou de uma “levitação ligeiramente surrealista”.
Dente-de-leão foi restaurado em 4K pelo Arquivo Nacional de Cinema da Hungria junto a dois outros curtas documentais de Mészáros e diversos longas de ficção. A dama de Constantinopla foi restaurado em 4K pela mesma instituição a partir do negativo original e uma cópia em 35 mm. A restauração de A dama já passou em diversos festivais, inclusive no Festival de Cannes (na mostra Cannes Classics), onde a estreia mundial do filme em 1969 foi recebida com longos aplausos em pé.
[Texto citado disponível na íntegra em: bit.ly/damaconstantinopla-ims]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5(meia).
Instituto Moreira Salles
Cinema
Curador
Kleber Mendonça Filho
Programadora
Marcia Vaz
Programador adjunto
Thiago Gallego
Produtora de programação
Quesia do Carmo
Assistente de programação
Lucas Gonçalves de Souza
Projeção
Fagner Andrades e Gilmar Tavares
Revista de Cinema IMS
Produção de textos e edição
Thiago Gallego e Marcia Vaz
Diagramação
Marcela Souza e Taiane Brito
Revisão
Flávio Cintra do Amaral
Os filmes de julho O programa do mês tem o apoio da produtora A24, das distribuidoras Embaúba Filmes, Filmes do Estação, Imovision, Park Circus, PlayArte, Synapse, Universal Pictures, Vaca Amarela Filmes, Vitrine Filmes e do projeto Sessão Vitrine Petrobras.
Agradecemos a Aaron Cutler, Ágnes Iski + Clara Giruzzi + Janka Bárkóczi + Tamara Nagy/Magyar Nemzeti Filmarchívum, Anne Wabeke/ International Film Festival Rotterdam, Carmen Galera, Catherine Portuges, Gustavo Pivotto, Jack Bell, Judit Elek, Lucinda Douglas-Menzies, Márcia Schmidt, Mariana Shellard, Matt Smith, Olaf Möller, Sandra Escribano Orpez e à pequena Ava.
Sessão Mutual Films
Realização: Cinema do IMS
Curadoria e produção: Aaron Cutler e Mariana Shellard
Apoio:
Venda de ingressos
Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.
Capacidade da sala: 85 lugares.
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública e privada, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com defi ciência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).
de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Confi ra as classifi caç ões indicativ as no site do IMS.
Visitação:
terça a sexta, das 13h às 19h. Sábados e domingos, das 9h às 19h. Entrada gratuita.
Sessões de cinema: Sextas, a partir das 19h. Sábados e domingos, a partir das 16h. A bilheteria encerra às 19h.
Rua Teresópolis, 90 CEP 37701-058
Cristiano OsórioPoços de Caldas ims.pc@ims.com.br
ims.com.br /institutomoreirasalles @imoreirasalles @imoreirasalles /imoreirasalles /institutomoreirasalles Teca e Tuti – Uma noite na biblioteca, de Eduardo Perdido, Tiago Mal e Diego M. Doimo (Brasil | 2023, 74’, DCP)