Os enganados (Al-makdhu’un), de Tewfik Saleh (Síria | 1972, 107’, DCP)
destaques de maio de 2024
Quais são os custos humanos de uma guerra?
Vá e veja, de Elem Klimov, traz a visão soviética da Segunda Guerra Mundial, em um tom bem diferente do que o cinema americano costuma explorar.
Exibido em cópia restaurada, esse, que é um dos mais impressionantes filmes de guerra já feitos, não deixa espaço para heroísmo. O que resta é o horror.
Na Sessão Mutual Films, dois esforços cinematográficos do início dos anos 1970 em refletir sobre a questão palestina e o conflito com Israel serão apresentados em cópias restauradas: Os enganados, do cineasta egípcio Tewfik Saleh, apresenta três refugiados palestinos que tentam atravessar o deserto do Iraque para o Kuwait em busca de uma vida melhor. Diálogo árabe israelense, do estadunidense Lionel Rogosin, propõe uma conversa franca entre dois amigos e intelectuais: um jornalista e dramaturgo israelense e um célebre poeta palestino.
Reprogramado em maio, Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock, será exibido em DCP 2K na mostra que revisita os filmes que a revista inglesa Sight and Sound já apontou como os maiores de todos os tempos.
Ainda este mês, um conjunto de celebrações das mais diversas manifestações artístico-culturais: adaptado da obra de Clarice Lispector, retorna à sala escura o célebre A hora da estrela, de Suzana Amaral; retratos da atriz Ruth de Souza e dos escritores Luis Fernando Verissimo e Otto Lara Resende se juntam a uma produção documental que apresenta a Festa de São Benedito a partir dos ternos de congo e das figuras de Mãe Orlanda e Mestre Joaquim.
[imagem da capa]
Diálogos com Ruth de Souza, de Juliana Vicente
| 2022, 99’, DCP)
Um corpo que cai (Vertigo), de Alfred Hitchcock (EUA | 1958, 128’, DCP)
filmes em exibição
Filmes em cartaz
A hora da estrela
Suzana Amaral | DCP
Diálogos com Ruth de Souza
Juliana Vicente | DCP
La Chimera (La Chimera)
Alice Rohrwacher | DCP
Nada será como antes
Ana Rieper | DCP
Verissimo | Angelo Defanti | DCP
Sessão Mutual Films
Sessão especial
Diálogo árabe israelense
(Arab Israeli Dialogue)
Lionel Rogosin | DCP
Os enganados (Al-makhdu'un)
Tewfik Saleh | DCP
Festa de São Benedito
O milagre de Santa Luzia: Congada
Sergio Roizenblit | DCP
O milagre de Santa Luzia:
Joaquim José da Cruz
Sergio Roizenblit | DCP
O milagre de Santa Luzia: Mãe Orlanda
Sergio Roizenblit | DCP
Vá e veja (Idi i smotri)
Elem Klimov | DCP
Por dentro dos acervos
Otto: de trás p/diante
Marcos Ribeiro | DCP
Sight and sound: os maiores filmes de todos os tempos
Um corpo que cai (Vertigo)
Alfred Hitchcock | DCP
19:00 O milagre de Santa Luzia: Congada (25') + Mãe Orlanda (25') + Joaquim José da Cruz (26'), sessão apresentada por Ailton Santana (Mestre Bucha) e Maria José de Souza (Tita)
Verissimo (90')
19:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')
16:00 Verissimo (90') 19:00 La Chimera (130')
16:00 Nada será como antes (79') 19:00 Verissimo (90')
19:00 A hora da estrela (96')
16:00 Nada será como antes (79') 19:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')
16:00 Um corpo que cai (128')
19:00 La Chimera (130')
19:00 A hora da estrela (96')
16:00 Vá e veja (136') 19:00 A hora da estrela (96')
Sessão Mutual Films
16:00 Os enganados (107')
18:30 Diálogo árabe israelense (41'), sessão seguida de conversa com Aaron Cutler e Mariana Shellard
19:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')
16:00 Verissimo (90') 19:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')
16:00 Otto: de trás p/ diante (77'), sessão apresentada por Jane Leite 19:00 A hora da estrela (96')
Sessão Mutual Films
Nascimento e origem:
Os enganados + Diálogo árabe israelense
Aaron Cutler e Mariana Shellard— Amos, estou contente em encontrá-lo novamente. Acho que nos encontramos há 15 anos na Palestina. — Sim, no que você chama de Palestina e eu chamo de Israel. — Eu sinto que tenho um conflito interno sobre essa situação. Como podemos ser amigos e, ao mesmo tempo, você ter mais direitos do que eu em meu próprio país, e como você pode aceitar esse fato?
Trecho do diálogo entre Amos Kenan e Rashed Hussein, do filme Diálogo árabe israelense
foi responsável por diversos atos terroristas contra seus soldados.
Amos Kenan nasceu em 1927, em Tel Aviv, no então Mandato Britânico da Palestina, que havia se iniciado em 1917. Seu pai trabalhava na construção civil e fez parte do movimento socialista sionista, Gdud HaAvoda, fundado em 1920 e responsável pela defesa e formação dos primeiros assentamentos judeus no território. Quando jovem, Amos participou do movimento sionista da juventude Hashomer Hatzair (inspirado no escotismo de Robert Baden-Powell), e posteriormente integrou o grupo sionista paramilitar Lehi (Guerreiros Pela Liberdade de Israel), que lutou contra a presença britânica na região e
Nesse período, Kenan possuía uma forte inclinação socialista e, consequentemente, acreditava que o principal problema na região residia no imperialismo europeu, e não em seus conterrâneos árabes. Ainda assim, ele lutou na Primeira Guerra Árabe-Israelense, logo após a fundação do Estado de Israel, em 1948, pois enxergava a existência de um estado judeu como uma necessidade fundamental, e viu as atrocidades do Partido Nazista cometidas no Holocausto como evidência de que nenhum outro país estava pronto para abrigar seu povo. Subsequentemente, ele trabalhou em prol de uma nação mais justa e digna. Como cineasta, dramaturgo, escultor, pintor e romancista, Kenan fez críticas constantes à tendência nacionalista e ao impulso imperialista que viu na sociedade israelense. E, como jornalista, seus atos de denúncia contra seu governo incluíram o primeiro uso na imprensa israelense do termo “ocupação” em referência às aquisições militares de terras com populações majoritariamente árabes e muçulmanas após a Terceira Guerra Árabe-Israelense, ou Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Rashed Hussein nasceu em 1936, na aldeia árabe de Musmus, também durante
a liderança britânica da Palestina. Ele era demasiado jovem para participar diretamente na luta armada de 1948, porém testemunhou o impacto que o evento chamado pelos israelenses de Guerra da Liberação teve sobre seu povo. Os resultados da guerra incluíram o que ficou conhecido como al-Nakba (árabe para “a catástrofe”) –o deslocamento forçado de mais de 700.000 árabes que até então moravam no território palestino, resultando em uma enorme crise de refugiados palestinos, que se repetiria em uma segunda onda, após a vitória israelense em 1967.
A família de Hussein não foi expulsa de sua aldeia, porém o jovem sentiu na pele a condição de ser um cidadão de segunda classe em um país onde subitamente existiam leis e supervisões militares estritas sobre um grupo que morava na região há séculos. Ao crescer, se tornou professor de alunos economicamente desfavorecidos e editor literário em Nazaré, e defendeu uma coexistência pacífica com os israelenses para garantir uma vida justa para os palestinos. Tornou-se um dos poetas árabes de maior importância para sua geração, com poemas que tratavam da herança do conflito árabe-israelense de uma forma extremamente pessoal e luminosa. Foi um dos únicos artistas palestinos a escrever regularmente nas duas línguas do seu país,
e também foi responsável pela tradução de diversas obras de artistas de língua árabe para o hebraico, e vice-versa.
No início da década de 1960, Hussein trabalhou como editor do jornal do partido político marxista-sionista Mapam, mas foi expulso do partido por suas posições políticas, sendo tanto um crítico feroz dos governantes israelenses quanto dos líderes árabes que negligenciavam a questão palestina. Nesse período, ele conheceu e tentou realizar um roteiro de cinema (sem sucesso) com o diretor norte-americano judeu Lionel Rogosin (1924-2000), que havia morado em Israel em 1953 e voltou para lá nos anos 1960 com sua família. O nova-iorquino Rogosin era um progressista, cujo filme anterior, a docuficção De volta à África (Come Back, Africa, 1959), expôs de forma inédita a realidade do apartheid na África do Sul. Ele se mudou para Israel com a intenção de fazer uma pesquisa para o filme híbrido Good Times, Wonderful Times (1965), uma obra antibélica cujas imagens das atrocidades de guerra foram compiladas em 12 países.
Rogosin deixou Israel em 1964, após se envolver com ativistas pela paz de ambos os lados do conflito. Hussein também saiu do país, em 1965, morando como um exilado, primeiro em Paris e depois em Nova York. Lá, trabalhou para o escritório local da
organização paramilitar OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e conviveu com um grupo descontraído de amigos esquerdistas, entre eles Rogosin e Amos Kenan, que visitava a cidade com uma certa frequência. As conversas entre eles, e especialmente uma conversa entre Kenan e Hussein durante um jantar em 1973, gerou o último filme que Rogosin conseguiu realizar.
Diálogo árabe israelense ( Arab Israeli Dialogue , 1974) foi filmado durante dois dias, em setembro de 1973, com Kenan e Hussein sentados no porão do Bleecker Street Cinema, uma sala de cinema de arte que Rogosin fundou em 1960 para poder passar De volta à África em seu país racista. O documentário é uma tentativa de registrar uma conversa entre duas pessoas que acreditavam que a paz entre israelenses e árabes era possível, porém vislumbravam diferentes caminhos e soluções para atingi-la. O filme também oferece um diálogo visual entre a presença palpável dos dois intelectuais –filmados em preto e branco pelo cinegrafista Louis Brigante, colaborador frequente de Rogosin e outros cineastas independentes nova-iorquinos de sua geração –, e a visão idílica da silenciosa e vasta paisagem e heterogeneidade dos habitantes de Israel, filmada a cores por Rogosin durante sua primeira estadia no país.
Um metódico e rigoroso Kenan expressa que é apenas por meio da existência de um estado judaico que judeus podem viver em paz e, assim sendo, defende a solução de dois estados para evitar conflitos e desigualdades impostos às populações por políticos hipócritas e corruptos. Enquanto isso, Hussein fala de forma mais devagar e reflexiva sobre os direitos específicos dos quais ele foi privado por uma governança sionista, para argumentar em favor de um estado único, laico e sem hierarquias, onde
todos possam coexistir. Em um momento, ele diz: “Da minha parte, e acho que da parte do Amos também, nós não estamos lutando para matar, mas para viver. Por isso é uma tragédia.”
O período em que Rogosin, Hussein e Kenan se encontraram pela primeira vez
em Israel coincidiu com a publicação do que se tornou uma das obras fundamentais da literatura árabe moderna. Homens ao sol (Rijal fi achams, 1963) foi o romance de estreia do autor palestino Ghassan Kanafani, que nasceu, assim como Hussein, em 1936. Porém, ao contrário da família de Hussein, a de Kanafani foi forçada pela guerra de 1948 a deixar seu país. Eles se refugiaram primeiro no Líbano, e depois na Síria, onde Ghassan escreveu contos para crianças palestinas poderem entender melhor a sua situação. Seu trabalho literário subsequente – que contou com 18 livros publicados entre ficção e não ficção – tratou da questão palestina de forma muitas vezes alegórica, existencial e autoconsciente, sempre em busca de um mundo onde os palestinos poderiam determinar seus próprios destinos. O autor também deu aula no Kuwait e passou os últimos 12 anos de sua vida no Líbano, onde trabalhou como jornalista e porta-voz da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Kanafani foi assassinado, junto a sua sobrinha adolescente, por um carro-bomba implantado pela Mossad (o serviço secreto israelense) em abril de 1972, poucos meses antes da estreia mundial de Os enganados ( Al-makdhu’un , 1972), a adaptação para o cinema de Homens ao sol. O livro narra a história de três palestinos de gerações
diferentes que se veem forçados a deixar sua terra natal para buscar sustento no Kuwait. Abu Quais, o mais velho, é um simples camponês, que desfrutou de uma vida pacífica e abastada, trabalhando na plantação de oliveiras, até ter sua terra surrupiada pela guerra de 1948 e ser jogado, junto com a família, em um campo de refugiados. Asaad é um jovem ativista político procurado pela polícia, que, desiludido com a luta armada e irado com a imposição de um casamento arranjado, decide deixar seu país. O adolescente Marwan precisa abandonar os estudos para sustentar sua mãe e seus irmãos mais novos, após seu irmão mais velho parar de enviar dinheiro do Kuwait e seu pai se divorciar e se casar com uma mulher mais rica que perdeu uma perna em um bombardeio em 1948, porém possui meios para sustentar o novo marido.
Os três se cruzam na cidade iraquiana de Basra, às margens do rio Chatt-Alarab,1 onde procuram um contrabandista para ajudá-los a atravessar a fronteira entre o Iraque
e o Kuwait. Eles encontram Varapau – um palestino que lutou ao lado de Abu Quais na guerra de 1948 e se tornou um mercenário que dirige um tanque de água para um rico kuwaitiano. O motorista negocia transportar os três homens por um valor inferior ao dos contrabandistas mais estabelecidos, contudo eles precisarão passar alguns minutos escondidos dentro do tanque de água vazio, sob um calor escaldante, para atravessar dois postos alfandegários. No segundo posto, os funcionários alfandegários seguram Varapau, exigindo que ele lhes confirmasse a história contada por seu patrão sobre uma suposta dançarina e amante do contrabandista. O tempo crucial passa, e Varapau deixa o posto com 30 minutos de atraso. Quando, já adiante na estrada, abre a tampa do tanque, se depara com três cadáveres. O romance termina com Varapau indagando para o vento por que seus conterrâneos, que morreram em silêncio, não bateram nos laterais do tanque.
1. As grafias dos nomes seguem as da tradução brasileira de Homens ao sol (trad. Safa Jubran), que foi publicada pela Editora Tabla em novembro de 2023: editoratabla.com.br/catalogo/ homens-ao-sol/.
A história se passa em 1958, no mesmo momento em que houve uma tentativa de unificar o mundo árabe com a criação da República Árabe Unida (dissolvida em 1961), liderada pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, e a revolução iraquiana, que colocou no poder o nacionalista Abd al-Karim.
A situação política na região do Oriente Médio continuava sendo volátil em 1964, quando o cineasta egípcio Tewfik Saleh (1926-2013) leu Homens ao sol e se interessou em adaptá-lo para o cinema. Saleh era um comentarista social de espírito humanista que veio no contrafluxo da grande indústria de cinema egípcio, por trabalhar somente nos projetos que se interessava em realizar, tendo uma paixão especial pelos escritores e pela literatura. Em seus primeiros nove anos como cineasta, Saleh fez apenas seis curtas e dois longas-metragens. Entre eles, seu longa de estreia, Darb al-mahabil (1955), uma colaboração com o grande autor egípcio Naguib Mahfouz, cuja narrativa sobre as diferentes reações dos residentes de um beco quando um morador de rua ganha na loteria trouxe elementos inéditos de realismo para o cinema de ficção do seu país.
Saleh também realizou um curta-metragem documental para a ONU chamado Who Are We? (1960), sobre a condição dos refugiados palestinos. Desejou continuar a trabalhar o assunto que, para o mundo árabe, era bastante delicado, e, portanto, existente em pouquíssimas obras de arte da época. Ele tentou filmar Homens ao sol no Egito, mas a censura do país exigiu diversas alterações no roteiro (escrito em parceria com Kanafani), entre elas mudar a nacionalidade
dos personagens e eliminar a dimensão palestina por completo. Saleh então decidiu abandonar o projeto e o tema até 1969, quando tentou sem sucesso fazer um filme chamado O casamento palestino, no qual, em um campo de refugiados, os pais de uma noiva a preparam para o casamento com um fedayin (revolucionário palestino) que morreu em combate. A intenção de Saleh com o projeto era mostrar que os palestinos, apesar de serem despossuídos da terra, trabalhavam para manter suas tradições e cultura.
A formação de uma resistência palestina tinha se organizado ao longo da década de 1960, especialmente com a Batalha de Karameh, em 1968, na Jordânia, que levou os países árabes a apoiarem os fedayins. Porém, em 1970, o exército da Jordânia expulsou a OLP do país para proteger sua monarquia contra as movimentações de grupos socialistas, resultando em um conflito armado que ficou conhecido como Setembro Negro e deixou mais de três mil palestinos mortos. Saleh percebeu que era um momento oportuno para adaptar Homens ao sol, que finalmente conseguiu financiar e filmar na Síria, onde uma onda de filmes sobre a questão palestina estava sendo realizada pela Organização Nacional de Cinema da Síria (NFO). Três atores sírios foram elencados para
interpretar os refugiados e, no papel do motorista (agora chamado de Aboul Kheizaran), um ator palestino com uma carreira consolida no cinema sírio.
O filme se mantém fiel ao livro, tanto na progressão narrativa quanto no tom, que intercala registros tensos e melancólicos.
Porém, Saleh fez algumas mudanças à história original, pois queria expandir sua crítica aos responsáveis pela tragédia dos palestinos para incluir as lideranças de outros países árabes. Um monólogo interno que Abu Quais faz sobre sua situação – “Nos últimos dez anos, você não fez nada além de esperar...”
– é, no filme, acompanhado por uma série de imagens documentais que intercalam a miséria dos campos de refugiados e negociações entre líderes de países árabes vizinhos, inclusive com a ONU. Asaad, um dissidente não especificado no livro, é, no filme, procurado pelas autoridades por participar de um complô para derrubar a família real. O motorista sofre o mesmo desfiguramento no livro e no filme, por causa da guerra de 1948 – a amputação de seu membro sexual –, porém o personagem agonizado de Kanafani se torna mais amargo na visão de Saleh, com sua dupla perda, da masculinidade e da pátria, culminando na perda do caráter que o levou a viver pelo dinheiro. A mudança mais radical talvez chegue como uma resposta implícita
à pergunta que Varapau faz no final do livro, pois, enquanto o motorista fica detido na fronteira do Kuwait, a câmera mostra o caminhão em frente ao prédio alfandegário, com os sons de batidas na lataria abafados pelos aparelhos de ar-condicionado. É somente o espectador do filme que pode ouvi-los.
Os enganados estreou em 1972 no Festival de Cinema de Cartago, onde ganhou o prêmio principal. Foi a primeira de uma série de condecorações para um filme que circulou o mundo e chegou a ser valorizado por pesquisadores e programadores como uma das mais importantes contribuições ao cinema feita na língua árabe, apesar de não ser lançado no Egito ou no Iraque e passar apenas duas semanas na Síria.
No ano seguinte, e uma semana antes da eclosão da Quarta Guerra Árabe-Israelense (também conhecida como a Guerra de Yom Kippur), Lionel Rogosin filmou Diálogo árabe israelense, uma obra que também não atingiu seu público. Em suas memórias, o cineasta norte-americano comentou que “a televisão pública me devolveu o filme como se fosse uma bomba”.2
Diálogo árabe israelense teve a circulação restrita principalmente a universidades nos Estados Unidos. Rogosin não conseguiu levantar fundos para realizar filmes subsequentes e teve que vender o Bleecker Street Cinema em 1974. Os enganados também acabou sendo uma das últimas obras que Saleh realizou, pois se tornou professor de cinema no Iraque e depois no Egito, conseguindo fazer apenas mais um longa-metragem. Ele comentou sua posição política em relação ao pessimismo do seu penúltimo longa em uma entrevista que deu em 1976 para uma coletânea francesa de ensaios chamada La Palestine et le cinéma: “Quando eu era mais jovem, eu acreditava com um certo romantismo que heróis podiam lutar efetivamente contra o sistema. Hoje, eu me dei conta de que os sistemas no Oriente Médio é que esmagam as pessoas. É por isso que, no meu ponto de vista, os heróis de hoje são aqueles que tem a coragem de resistir, mesmo que nem sempre alcancem resultados concretos.”3
No ano seguinte, em 1977, Rashed Hussein morreu em consequência de um incêndio
em seu apartamento em Nova York. Seu corpo foi enterrado na sua aldeia natal em um funeral atendido por milhares de pessoas, apesar do poeta não ter pisado na Palestina em anos. Em uma entrevista que Rogosin realizou com Amos Kenan em Nova York em 1990 – uma tentativa de continuação do filme que fizeram juntos –, o israelense elogiou o palestino como um grande artista então esquecido.4 A ocasião também marcou a primeira vez que Kenan viu Diálogo árabe israelense, e, na entrevista, ele diz: “Eu escutei e olhei para [Hussein], e tive uma sensação muito estranha de que, se ele estivesse vivo hoje, e conversássemos hoje, diríamos as mesmas coisas um ao outro. Repetiríamos as mesmas coisas, com a mesma entonação. E há algo de horrível nisso, porque significa que nada mudou.”
A Sessão Mutual Films de maio é dedicada à memória de Philip Cintra Shellard (1949-2024), um leitor assíduo e pai amoroso e dedicado, que sempre apoiou os trabalhos da Mutual Films.
2. Citado em inglês na sinopse do filme encontrada no site do festival Il Cinema Ritrovato: festival. ilcinemaritrovato.it/en/film/arab-israeli-dialogue/.
3. O livro foi editado por Guy Hennebelle e Khemais Khayati (que também entrevistaram Saleh) e publicado em 1977.
4. Trechos da entrevista, que ficou inédita durante a vida de Lionel Rogosin, aparecem no documentário de longa-metragem dirigido por seu filho, Michael Rogosin, Imagine Peace (2019), sobre a realização de Diálogo árabe israelense
A hora da estrela
Suzana Amaral | Brasil | 1985, 96’, DCP, cópia restaurada (Vitrine Filmes)
A hora da estrela, icônica obra de Suzana Amaral inspirado no clássico de Clarice Lispector, voltará aos cinemas dia 16 de maio, numa versão digitalizada em 4K. O longa rendeu a Marcélia Cartaxo o Urso de Prata de Melhor Atriz, no Festival de Berlim em 1986, e uma série de prêmios no Festival de Brasília, em 1985: Melhor Filme, Direção, Roteiro, Fotografia, Montagem, Cenografia, Trilha Sonora, Atriz, Ator (José Dumont), além dos prêmios de Melhor Filme do júri popular e da crítica.
O filme conta a história de Macabéa, migrante nordestina que, após a morte da tia, se muda para o Rio de Janeiro. Lá, emprega-se como datilógrafa e se apaixona por Olímpio de Jesus – que a trai com sua colega de trabalho.
Em entrevista à Revista do NESEF, da Universidade Federal do Paraná, publicada em 2018, Suzana Amaral comenta: “A representatividade de A hora da estrela está diretamente ligada à sua materialidade. Tudo começa pela escolha da
obra. Na NYU (New York University), tive um professor de roteiro que nos orientava dizendo que, para adaptar, nunca procure um livro grande, mas um livro fininho, para fazer uma recriação da obra, que é mais do que resumir a narrativa. Procure um livro cujo espírito pode ser analisado por você.”
“Desde adolescente gostava de Clarice Lispector. Seus livros eram misteriosos, eu me identificava com eles. Fui na biblioteca da NYU, que tem uma bela coleção de literatura brasileira, e, com o dedo, achei o mais fininho. A hora da estrela foi um filme que saltou da prateleira para minhas mãos. Ao ler, saquei que Macabéa é a metáfora do Brasil, pois, fora do Brasil, você descobre o Brasil.”
“Eu não adapto obras literárias, eu as transmuto. Eu transformo o livro depois de uma análise profunda, quando vou ao cerne do livro, ao coração do livro, no subtexto. Eu entro no espírito do livro e de seus fatos mais importantes. Eu faço uma recriação. Não tenho respeito nem escrúpulo algum. Sempre deu certo, em todos os meus filmes. Clarice dizia: ‘O que importa não são as palavras, é o que está atrás das palavras’. Junto com meu extrato íntimo, faço uma simbiose entre mim e o autor. Assim nasce a transmutação, ou seja, meu filme.”
[A íntegra da entrevista está disponível em: bit.ly/horadaestrelaims]
Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).
Diálogos com Ruth de Souza
Juliana Vicente | Brasil | 2022, 99’, DCP (Preta Portê Filmes)
Ruth de Souza inaugura a existência de atrizes negras em palcos, televisão e cinema no Brasil. Carrega em si a gênese de parte importante das conquistas para as mulheres negras ao longo de quase um século de vida. A partir de conversas com Juliana Vicente, também uma mulher negra, materiais de arquivos da vida de Ruth em um cruzamento com o universo mitológico, em uma interpretação ficcional e transcendental de sua vida, temos um longa protagonizado por Ruth de Souza.
“Acredito que uma das coisas mais importantes que temos que reconstruir no Brasil é a nossa história, porque construída obviamente ela já foi, mas também apagada”, comenta Juliana Vicente, que também é diretora do documentário Racionais: das ruas de São Paulo pro mundo, em entrevista ao Correio Braziliense. “E sabemos da importância no desenvolvimento de um país onde todos conheçam a própria história, a his-
tória de uma perspectiva mais honesta. A Ruth sabia da importância do registro, ela se registrou por 98 anos. Temos imagens da Ruth criança, adolescente, nos primeiros passos no Teatro Experimental do Negro, em Nova York, recebendo prêmios, atuando em projetos na Globo, em festas exclusivas etc.
E praticamente todas as imagens vieram do acervo pessoal da Ruth. Eram dezenas de pastas.”
Em 2022, Diálogos com Ruth de Souza recebeu o prêmio de Melhor Direção em Documentário no Festival do Rio e foi exibido como filme de encerramento no Festival de Brasília.
[Depoimento da diretora extraído de: bit.ly/ ruthdesouzaims]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
La
Chimera
La Chimera
Alice Rohrwacher | Itália, França, Suíça | 2023, 130’, DCP (Filmes da Mostra)
Todos têm sua própria Quimera, algo que buscam, mas nunca conseguem encontrar. Para uma gangue de ladrões de antigos objetos funerários e maravilhas arqueológicas, a Quimera significa o desejo pelo dinheiro fácil. Para Arthur, a Quimera se parece com a mulher que ele perdeu, Beniamina. Para encontrá-la, ele desafia o invisível e procura por toda parte em busca de um caminho para a vida após a morte. Numa jornada entre florestas e cidades, celebrações e solidão, desenrolam-se os destinos entrelaçados desses personagens, todos à procura da Quimera.
Em 2023, La Chimera foi exibido no Festival de Cannes. No mesmo ano, recebeu o prêmio do público de Melhor Longa-Metragem Estrangeiro de Ficção. O filme tem em seu elenco as atrizes Isabella Rossellini e Carol Duarte (protagonista de A vida invisível e Missão Perséfone, ambos de
Karim Aïnouz, este último produzido no contexto do programa IMS Convida).
Diretora de La Chimera, As maravilhas, Feliz como Lázaro, entre outros, Rohrwacher nasceu na cidade de Fiesole, na Itália, que preserva até os dias de hoje estruturas que datam dos povos etruscos e romanos. Em depoimento disponibilizado no material de imprensa do filme, ela relata: “Onde eu cresci, era comum ouvir histórias de descobertas secretas, escavações clandestinas e aventuras misteriosas. Bastava ficar no bar até tarde da noite ou parar em uma pousada do interior para ouvir falar de fulano de tal, que havia descoberto uma tumba vilanovense com seu trator, ou de outra pessoa que, cavando na necrópole certa noite, havia descoberto um colar de ouro tão longo que poderia dar a volta completa em uma casa. Ou outra pessoa que ficou rica na Suíça com a venda de um vaso etrusco que encontrou em seu jardim.”
“A vida ao meu redor era composta de diferentes partes: uma solar, contemporânea e movimentada, outra noturna, misteriosa e secreta. Havia muitas camadas, e todos nós as experimentávamos: bastava cavar alguns centímetros do solo, e o fragmento de um artefato feito pelas mãos de outra pessoa aparecia entre os seixos. De que época ele estava olhando para mim? Bastava entrar nos celeiros e nas adegas ao redor, para perceber que eles já haviam sido outra coisa: tumbas etruscas, talvez, ou abrigos de eras passadas, ou locais sagrados. A proximidade entre o sagrado e o profano, entre a morte e a vida, que caracterizou os anos em que cresci, sempre me fascinou e deu uma medida à minha maneira de ver. É por isso que finalmente decidi fazer um
filme que conta essa história em camadas, essa relação entre dois mundos, a última parte de um tríptico sobre uma área local cuja atenção está concentrada em uma questão central: o que ela deve fazer com seu passado? Como dizem alguns ladrões de túmulos, em nosso caminho são os mortos que dão a vida.”
[Íntegra do depoimento da cineasta, em inglês: bit.ly/chimeraims. Filme Missão Perséfone, de Karim Aïnouz, para o programa IMS Convida: bit.ly/ convida-ka]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Nada será como antes
Ana Rieper | Brasil | 2023, 79’, DCP (Vitrine Filmes)
O álbum Clube da esquina é considerado por muitos críticos musicais como um dos melhores de todos os tempos. Milton Nascimento, Lô Borges – então com 16 anos – e músicos do porte de Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Beto Guedes, Robertinho Silva, Wagner Tiso criaram uma sonoridade única, que ajudou a transformar a música brasileira e mundial. O documentário de Ana Rieper traz depoimentos de boa parte desse time de artistas e mergulha em sua musicalidade para entender como referências musicais diversas e influências de paisagens, histórias e poesia refletiram em cada um deles e na música que criaram.
“A gente chegou à conclusão desde muito cedo de que esse seria um filme sobre música. Sobre música e sobre músicos”, comenta a diretora Ana Rieper, em entrevista ao programa Arte Clube, da EBC. “Claro que as histórias dos encontros e a trajetória de cada um e como tudo aconteceu e onde que ficava a esquina e como era a vida na famí-
lia Borges, tudo isso está presente nesse nosso filme. Mas o que carrega a narrativa, o que leva o espectador por esse mundo é a música. É entender como eram feitos os arranjos. Quais eram as referências musicais, como eram feitas as composições, de onde vinha essa inspiração, o que eles liam, o que eles ouviam, a trajetória musical de cada um, quem eram os instrumentistas.”
“Não tem como falar sobre o Clube da Esquina sem falar sobre a amizade. A amizade que nasce entre eles. O Lô Borges conheceu o Beto Guedes quando eles tinham 10 anos de idade, e, com 12, eles já estavam fazendo música. Então é uma música de uma turma de amigos. Tanto que é isso: eles se reuniam numa esquina, numa calçada, sentados pra tocar violão.”
“Esse é um filme que fala sobre algo do passado, mas é um filme do tempo presente. A gente acompanha todos os músicos, todos os compositores em encontros que acontecem no momento da filmagem. E esses encontros, no meu entendimento, eles mantêm a energia daquele encontro de jovens. Mantêm esse vínculo de afeto muito forte que existe até hoje entre eles. Tem uma irmandade que é muito bonita, e isso transparece nessa música. e foi bom demais presenciar durante a filmagem.”
[Íntegra do depoimento de Ana Rieper: bit.ly/ clubeesquinaims]
Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).
Sessão Mutual Films
Nascimento e origem: Os enganados + Diálogo árabe israelense
Verissimo
Angelo Defanti | Brasil | 2024, 90’, DCP (Vitrine Filmes)
Um documentário que observa Luis Fernando Verissimo enquanto Luis Fernando Verissimo observa o mundo ao seu redor se ouriçar com a chegada dos seus 80 anos.
O diretor Angelo Defanti já havia se aventurado em adaptar obras de Verissimo nos curtas Feijoada completa (2012) e Maridos, amantes e pisantes (2008) e no longa O clube dos anjos (2020). Em Verissimo, filmado em 2016, Defanti faz uma imersão na vida do autor, a quem descreve como “um senhor de movimentos lentos, introvertido, não muito fã de socialização, com leve pendor ao sedentarismo”.
“Ele é quase um antipersonagem”, comenta o diretor. “O desafio era transformar a inação em algo luminoso. A estratégia foi oscilar entre uma observação muito próxima com uma investigação ampliada ao seu redor. É um filme calmo e tranquilo, como o sujeito que examina, mas nutrido constantemente pela ideia de que uma pessoa é
resultado de seu ambiente tanto quanto influencia nele. [...] Se ele tem a obra irreverente da forma como todos conhecem, e seus modos discrepam tanto dela, é natural buscar entrever a riqueza interior que certamente ocorre em sua mente.
A persona pública e a persona íntima podem incrementar a visão sobre o autor e sua criatividade.”
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Três refugiados palestinos, no ano de 1958, tentam atravessar o deserto do Iraque para o Kuwait em busca de melhores condições de vida. Assim segue a ação principal do filme sírio Os enganados (1972), um clássico do cinema árabe que foi filmado pelo cineasta egípcio Tewfik Saleh (1926-2013) a partir do curto romance Homens ao sol (1963), do emblemático escritor palestino Ghassan Kanafani. A Sessão Mutual Films de maio coloca esta obra ao lado do último filme realizado pelo cineasta norte-americano Lionel Rogosin (1924-2000), também do início da década de 1970. O documentário Diálogo árabe israelense (1974) apresenta uma conversa em Nova York entre dois amigos e ativistas sobre as histórias e os futuros de seus povos. O jornalista e dramaturgo progressista israelense Amos Kenan argumenta a favor da necessidade existencial de um Estado judeu, enquanto o poeta palestino Rashed Hussein indaga sobre a possibilidade de direitos iguais em um Estado único, onde israelenses e palestinos possam conviver em paz. Os dois filmes da sessão foram restaurados em anos recentes pela Cinemateca de Bolonha, e suas cópias restauradas serão apresentadas no Brasil pela primeira vez. As exibições da sessão em Poços de Caldas e São Paulo contarão com debates com os curadores do evento.
A curadoria e produção da Sessão Mutual Films são de Aaron Cutler e Mariana Shellard.
Os enganados
Al-makdhu’un
Tewfik Saleh | Síria | 1972, 107’, DCP, cópia restaurada (Cinemateca de Bolonha - World Cinema Project)
Abu Quais (interpretado por Mohamed KheirHalouani), um camponês palestino de meia-idade que vivia da plantação de azeitonas, perde suas terras após a Primeira Guerra Árabe-Israelense em 1948 e sobrevive com sua família em um acampamento para refugiados. Asaad (Bassam Lutfi), um desiludido ativista político procurado pela polícia, desiste da luta armada em prol do dinheiro. Marwan (Salih Khalqi), com apenas 16 anos, deixa a escola em busca de sustento para sua mãe e seus irmãos mais novos, após o pai ter abandonado a família. O caminho dos três conterrâneos em fuga se cruza na cidade portuária de Basra, no Iraque, na busca de contrabandistas para ajudá-los a fazer a travessia pelo deserto para o rico Kuwait, onde há ofertas de trabalho e a promessa de uma vida melhor. Eles então se deparam com Aboul Kheizaran (Abdul-Rahman
Al Rashi), um ex-soldado palestino que lutou na guerra de 1948 e foi violentamente ferido em um bombardeio, tendo seu membro sexual amputado. Com o corpo e a moral aleijados, Kheizaran tornou-se um mercenário que ganha a vida dirigindo um caminhão de água e eventualmente transportando imigrantes ilegais por um preço inferior ao dos outros contrabandistas. Dentro de um incandescente tanque de água vazio, os três homens precisam se esconder para cruzar dois postos alfandegários, durante um período que seu guia promete ser de apenas alguns minutos, enquanto ele pega os carimbos para a travessia. Mas será que sua promessa será cumprida?
O filme Os enganados baseia-se no livro Homens ao sol (1963), o curto romance de estreia do importante escritor e ativista político palestino Ghassan Kanafani (1936-1972), que vislumbrou sua história como uma alegoria para o sofrimento e a autoexploração constante do seu povo. Ele colaborou no roteiro com o grande cineasta egípcio Tewfik Saleh, que fez do filme seu sexto longa-metragem, e o primeiro realizado fora de seu país natal, em uma produção financiada pela Organização Nacional de Cinema da Síria (NFO). Saleh manteve fidelidade ao livro, inclusive em brilhantes sequências de montagem que expressam o movimento fluido entre o passado e o presente dos personagens conforme eles cruzam o deserto (fotografado de forma espetacular pelo cinegrafista sírio Bahgat Heidar). O cineasta ainda ampliou a crítica de Kanafani à negligência do mundo árabe sobre o destino dos palestinos, um gesto que adiou a produção de Os enganados por quase dez anos e resultou em sua censura na maioria dos países em questão.
Mesmo assim, o filme teve uma carreira bem-sucedida em festivais, passando em Cannes, Cartago, Locarno e Moscou, entre outros. Com uma mistura inquietante de thriller e drama moral – cuja força é alimentada por elementos documentais –, Os enganados foi reconhecido como uma das obras incontornáveis do cinema árabe, além de um dos primeiros filmes de ficção a enfrentar a questão palestina com seriedade. O filme foi restaurado em 2023 pelo World Cinema Project, da Film Foundation, e pela Cinemateca de Bolonha, em colaboração com a NFO e a família de Tewfik Saleh. O financiamento para a restauração foi dado pela Hobson/Lucas Family Foundation, e agradecimentos especiais são devidos a Mohamed Challouf e Nadi Lekol Nas por suas participações no processo de restauro.
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Diálogo árabe israelense
Arab Israeli Dialogue
Lionel Rogosin | EUA. | 1974, 41’, DCP, cópia restaurada (Kino Lorber/Milestone Films)
“Eu penso que vocês, palestinos, e nós, israelenses, temos apenas duas alternativas: a partilha ou guerra eterna. Eu não acredito que haja qualquer esperança em deixar que os judeus abandonem o único estado onde eles têm uma nação independente e vida.”
“Não é problema meu. Eu não criei isso...E não estou pronto para pagar por isso.”
Assim começa uma febril conversa entre o jornalista, teatrólogo e escultor israelense Amos Kenan (1927-2009) e o poeta e ativista político palestino Rashed Hussein (1936-1977), no documentário de média-metragem Diálogo árabe israelense. Ao longo dos 40 minutos seguintes, os amigos de longa data e representantes autodesignados de seus povos buscam maneiras de apaziguar uma condição de coabitação desigual que foi imposta sobre os dois com a fundação do Estado de Israel um quarto de século atrás.
No processo, Kenan se revela como um sionista com admiração profunda pelos palestinos, e Hussein, como um defensor de uma solução comum que valoriza os esforços históricos de países árabes a dar abrigo aos judeus perseguidos. Eles são filmados em preto e branco, e, conforme discutem em inglês e em hebraico sobre como atingir dignidade junto à justa moradia e direitos legais naquele momento, são intercaladas imagens coloridas da vida diária de pessoas em uma terra de beleza extraordinária.
A troca entre Kenan e Hussein foi filmada pelo cinegrafista Louis Brigante ao longo de dois dias no porão do Bleecker Street Cinema, em Nova York, uma importante sala de cinema de arte que foi operada pelo também cineasta norte-americano Lionel Rogosin. O diretor judeu (que anteriormente morou em Israel em dois momentos distintos) realizou Diálogo árabe israelense, seu décimo e último filme, quase duas décadas após seu longa-metragem de estreia, o neorrealista filme híbrido No Bowery (1956). Com Diálogo, Rogosin continuou sua prática de fazer um cinema politicamente engajado baseado nos princípios de empatia, humanismo e pacifismo. O próprio título do filme ecoa a história recente de guerras árabe-israelenses e responde com uma esperança de paz.
Diálogo árabe israelense foi rejeitado pela televisão pública norte-americana, e então passou principalmente no circuito universitário nas décadas seguintes. Hoje, o filme é reconhecido como um dos primeiros esforços cinematográficos a representar os dois lados de uma situação dolorosa e ainda sem resolução. Ele foi restaurado em 2019 pela Cinemateca de Bolonha a partir do
filme reverso original em 16 mm e da trilha sonora magnética, preservados e disponibilizados pela Anthology Film Archives, em Nova York. O trabalho foi realizado no âmbito de um projeto de recuperação e divulgação da obra cinematográfica de Lionel Rogosin, desenvolvido pela Cinemateca e pela entidade sem fins lucrativos Rogosin Heritage, que visam a restaurar todos seus filmes até o final de 2024 em homenagem ao centenário do cineasta.
As sessões no IMS de Diálogo árabe israelense marcam a estreia brasileira do filme. Suas exibições são gratuitas.
Entrada gratuita. Distribuição de senhas 30 minutos antes de exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Especial: Festa de São Benedito
Por ocasião da Festa de São Benedito, o Cinema do IMS apresenta três episódios da série O milagre de Santa Luzia, que se detém na festa poçoscaldense: sua história, os ternos de congo e importantes personalidades, como Mãe Orlanda e Mestre Joaquim.
A série O milagre de Santa Luzia é composta por 52 programas dirigidos pelo cineasta Sergio Roizenblit e dedicados a mapear e retratar parte da vasta cultura popular brasileira. Cada episódio tem como foco um artista popular brasileiro: suas atividades, suas produções, suas referências, mestres, a especificidade de sua linguagem e as relações com os lugares onde vivem.
Entrada gratuita. Distribuição de senhas 30 minutos antes da sessão.
Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
O milagre de Santa Luzia –Congada
Sergio Roizenblit | Brasil | 2016, 25’, Arquivo digital (Miração Filmes)
Há 100 anos, os grupos de congos vêm se apresentando na cidade de Poços de Caldas no mês de maio, durante a Festa de São Benedito. A essência na apresentação dos grupos é a mesma, louvar São Benedito, porém cada grupo louva e manifesta sua fé à sua maneira. O programa conversa com Paulinho, capitão do Terno de Congo de Santa Ifigênia; Mestre Bucha, capitão do Terno de Congo de São Benedito; e Mãe Orlanda, a única mulher capitã, do Terno de Congo de São Jerônimo e Santa Bárbara.
O milagre de Santa Luzia –Joaquim José da Cruz
Sergio Roizenblit | Brasil | 2016, 26’, Arquivo digital (Miração Filmes)
O Mestre Joaquim, um apaixonado pela cultura negra, considerado o último Moçambique de Poços de Caldas. Sr. Joaquim restou de uma tradição antes forte e que se perdeu na cidade pela falta de renovação de integrantes. Participa do Terno da Mãe Orlanda e pertence ao Moçambique Manhoso de Ibiraci, sob o comando de José Inácio de Oliveira.
Sight and sound: os maiores filmes de todos os tempos
O milagre de Santa Luzia – Mãe Orlanda
Sergio Roizenblit | Brasil | 2016, 26’, Arquivo digital (Miração Filmes)
Mãe Orlanda é capitã do Terno de Congo São Gerônimo e Santa Bárbara, uma das poucas, senão a única mulher capitã de Congo. Mãe de santo na umbanda, possui seu próprio terreiro. O terno é composto por alguns familiares e filhos de fé, apresentando forte sincretismo religioso, unindo as diferentes crenças e elementos em devoção a São Benedito.
Em 1952, a equipe da revista britânica dedicada a cinema Sight and Sound, teve a iniciativa de pedir a um grande conjunto de críticos que apontassem quais seriam para eles os melhores filmes de todos os tempos. A cada dez anos, a revista retoma a pesquisa e revê a base de pessoas convidadas.
Mais do que um interesse em qual seria “o melhor” – afinal, isso existe? com quais critérios avaliar? e a que exatamente serve essa pergunta? –, a pesquisa funciona como uma espécie de termômetro da opinião crítica ao redor do mundo e da forma como ela se modula através dos tempos. O primeiro vencedor, na pesquisa de 1952, foi Ladrões de bicicleta, de Vittorio de Sica. Nas quatro edições seguintes, de 1962 a 2002, Cidadão Kane, de Orson Welles ficou no topo, desbancado em 2012 por Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock. Em 2022, pela primeira vez em 70 anos, um filme dirigido por uma mulher alçou essa posição: Jeanne Dielman, de Chantal Akerman.
Em maio, após já ter exibido Jeanne Dielman, o Cinema do IMS Poços apresenta Um corpo que cai em uma bela cópia DCP.
Um corpo que cai
Vertigo
Alfred Hitchcock | EUA | 1958, 128’, DCP (Park Circus)
Na trama, James Stewart é um detetive aposentado que tem medo de altura. Ele aceita o pedido de um amigo para vigiar sua mulher, interpretada por Kim Novak, para saber se ela o está traindo. O detetive, no entanto, desenvolve por ela uma obsessão e revisita traumas passados.
Em uma longa entrevista ao cineasta Peter Bogdanovich, Hitchcock comenta o seu processo de trabalho com atores e atrizes: “Eu não os dirijo. Falo com eles e explico o que a cena representa, qual é o objetivo, por que eles estão fazendo certas coisas – porque eles se ligam ao argumento, e não à cena. A cena se relaciona com a história, e aquele momento faz isto ou aquilo pela história. Como tentei explicar a Kim Novak em Um corpo que cai: ‘Você está mostrando um monte de emoções no rosto. Não quero nada disso. Quero que o seu rosto mostre apenas
aquilo que queremos contar ao público – aquilo em que você está pensando.’ Disse-lhe: ‘Deixe-me explicar. Se você mostrar muitas emoções redundantes no rosto, é como pegar uma folha de papel e escrever em toda ela – encher o papel com coisas escritas. Mas você quer escrever uma frase para que alguém leia. Se há muitas coisas escritas, o público não consegue ler. É muito mais fácil ler se a folha de papel estiver vazia. É assim que o seu rosto deve estar quando precisarmos mostrar uma expressão.’”
[Depoimento extraído do catálogo da mostra Alfred Hitchcock, do CCBB, disponível em: bit.ly/ hitchcockims]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Vá e veja
Idi i smotri
Elem Klimov | União Soviética | 1985, 136’, DCP, cópia restaurada (CPC-Umes Filmes/ Estúdio Mosfilm)
Em 1943, o adolescente Floria, de uma aldeia bielorrussa, encontra um velho fuzil e se junta ao movimento guerrilheiro de resistência contra os nazistas. Ele afunda numa atmosfera de horror e pouco parece entender.
A ocupação da Bielorrússia foi extremamente violenta: das 9.200 localidades destruídas na URSS durante a Segunda Guerra Mundial, 5.295 estavam situadas naquela região. Mais de 600 vilas foram aniquiladas e mais de dois milhões de soviéticos foram mortos durante os anos da invasão alemã. Vá e veja oferece a visão soviética da Segunda Guerra Mundial, diferente em tom do que o cinema americano normalmente explora. O fato de a obra de Klimov ser relativamente desconhecida no ocidente nos diz muito sobre o peso
político do cinema, muito embora o filme e suas ideias tenham deixado marcas em Império do sol (1987) e O resgate do soldado Ryan (1998), ambos de Steven Spielberg.
O filme de Klimov será exibido em cópia restaurada pelo Estúdio Mosfilm em 2017.
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Otto: de trás p/ diante
Marcos Ribeiro, Helena Lara Resende | Brasil | 2022, 77’, DCP
Por ocasião do aniversário do jornalista e escritor Otto Lara Resende, nascido em 1º de maio de 1922, em São João del-Rei (MG), o Cinema do IMS Poços exibe Otto: de trás p/ diante. Um documentário sobre o escritor Otto Lara Resende, baseado em sua carta-resposta ao amigo Paulo Mendes Campos, que lhe perguntara: “Quem é Otto Lara Resende?”. Para contar essa história, o filme recria o escritório na casa de campo que pertenceu ao escritor, e utiliza centenas de fotos, arquivos de vídeo da Band TV, TV Globo e TV Brasil, e imagens de São João del-Rei, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Lisboa. O ator Rodolfo Vaz interpreta Otto, a atriz Júlia Lemmertz lê trechos de sua obra, e sua viúva, Helena Pinheiro de Lara Resende, e sua filha, a jornalista Helena Lara Resende, revelam bilhetes e trechos de cartas inéditos. O jornalista e escritor Humberto Werneck também participa do filme, pontuando e comentando fatos da vida do consagrado escritor.
O Acervo Otto Lara Resende chegou ao Instituto Moreira Salles em 1994 e é formado por milhares de itens, que vão desde sua biblioteca até correspondências, manuscritos e datiloscritos em diferentes versões. Suas crônicas são publicadas periodicamente no Portal da Crônica Brasileira: cronicabrasileira.org.br/. Mais informações sobre seu acervo podem ser encontrados em: bit.ly/ ottolr-ims.
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Instituto Moreira Salles
Cinema
Curador
Kleber Mendonça Filho
Programadora
Marcia Vaz
Programador adjunto
Thiago Gallego
Produtora de programação
Quesia do Carmo
Assistente de programação
Lucas Gonçalves de Souza
Projeção
Fagner Andrades e Gilmar Tavares
Revista de Cinema IMS
Produção de textos e edição
Thiago Gallego e Marcia Vaz
Diagramação
Marcela Souza e Taiane Brito
Revisão
Flávio Cintra do Amaral
Os filmes de maio
O programa do mês tem o apoio da Mutual Filmes, da produtora Miração
Filmes e das distribuidoras CPC Umes Filmes, Mosfilms, Park Circus, Preta
Portê Filmes, Vitrine Filmes, Zeta Filmes e do projeto Sessão Vitrine Petrobras.
Agradecemos a Aaron Cutler, Carmen Accaputo, Cecilia Cenciarelli, Dennis Doros, George Schmalz, Helena Lara Resende, Igor Oliveira, Kay Dickinson, Marcos Ribeiro, Mariana Shellard, Michael Rogosin, Mohannad Ghawanmeh, Rasha Salti, Richard Peña, Sergio Roizenblit, William Plotnick e à pequena Ava.
Sessão Mutual Films
Realização: Cinema do IMS
Curadoria e produção: Aaron Cutler e Mariana Shellard
Apoio:
Venda de ingressos
Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 85 lugares.
Meia-entrada
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública e privada, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).
Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Confira as classificações indicativas no site do IMS.
Vá e veja (Idi i smotri), de Elem Klimov
(União Soviética | 1985, 136’, DCP)
Visitação: terça a sexta, das 13h às 19h. Sábados e domingos, das 9h às 19h. Entrada gratuita.
Sessões de cinema: Sextas, a partir das 19h. Sábados e domingos, a partir das 16h. A bilheteria encerra às 19h.
Rua Teresópolis, 90 CEP 37701-058
Cristiano OsórioPoços de Caldas ims.pc@ims.com.br
ims.com.br /institutomoreirasalles @imoreirasalles @imoreirasalles /imoreirasalles /institutomoreirasalles