Cinema do IMS Poços, outubro de 2024

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Até que a música pare, de Cristiane

(Brasil, Itália | 2023, 97’, DCP)

destaques outubro de 2024

As lutas de resistência das comunidades afro-caribenhas contra a violência jurídica e policial na Inglaterra no início dos anos 1970 são o foco de Mangrove, primeiro filme da série Small Axe, de Steve McQueen, exibida em cinema pela primeira vez no Brasil no IMS. McQueen filma a história real dos Mangrove Nine, grupo de ativistas negros injustamente presos em um processo que mobilizou os noticiários britânicos.

A Sessão Mutual Films promove o encontro de curtas de duas cineastas que produziram majoritariamente entre as décadas de 1950 e 1970: a estadunidense Storm De Hirsch, com uma produção experimental entre a poesia, o ritual e a psicodelia, e a italiana Cecilia Mangini, com um extenso trabalho de documentação da vida na região sul da Itália, que passa pela influência do norte do país e pelo avanço do fascismo. A primeira exibição será seguida por uma conversa entre os curadores da sessão e a cineasta Beatriz Castro.

Preso em um elevador, Diogo se vê envolto em uma trama de chantagens e redes sociais. O longa Um palmo, de Wagner Sampaio, será apresentado no IMS Poços seguido por uma conversa com a atriz Luiza Tiso.

Ainda este mês: Demi Moore vive uma atriz que, velha demais para a indústria cinematográfica, recorre a uma milagrosa promessa de rejuvenescimento; Pedro Almodóvar filma o conflituoso romance de dois cowboys que se reencontram depois de 25 anos distantes; o vencedor do Oscar Ryūsuke Hamaguchi filma os impactos de um empreendimento turístico numa pacata vila japonesa; ambientado numa comunidade de descendentes de italianos no Sul do Brasil, Cristiane Oliveira faz um filme de estrada em que um relacionamento é posto à prova em tempos de polarização e crises éticas.

[imagem da capa]

Small Axe: Mangrove, de Steve McQueen (Reino Unido, EUA | 2020, 127’, DCP)

Um palmo, de Wagner Sampaio (Brasil | 2023, 78’, DCP)
Estranha forma de vida (Extraña forma de vida), de Pedro Almodóvar (Espanha | 2023, 82’, DCP)
Borboleta do terceiro olho (Third Eye Butterfly), de Storm De Hirsch (EUA | 1968, 9’, DCP)

Em cartaz

A substância (The Substance)

Coralie Fargeat | DCP

Antonio Candido, anotações finais

Eduardo Escorel | DCP

Assexybilidade

Daniel Gonçalves | DCP

Até que a música pare

Cristiane Oliveira | DCP

O mal não existe (Aku wa sonzai shinai)

Ryūsuke Hamaguchi | DCP

O dia que te conheci

André Novais Oliveira | DCP

Saudade fez morada aqui dentro

Haroldo Borges | DCP

Stop Making Sense (Stop Making Sense)

Jonathan Demme | DCP, restauração em 4K

Histórias ocupadas:

Steve McQueen

Small Axe: Mangrove

Steve McQueen | DCP

Sessões especiais

Um palmo

Wagner Sampaio | DCP

Estranha forma de vida (Extraña forma de vida)

Pedro Almodóvar | DCP

Sessão Mutual Films

A paixão do grão (La passione del grano)

Cecilia Mangini e Lino Del Fra (como

Antonio Michetti) | DCP

Maria e os dias (Maria e i giorni)

Cecilia Mangini | DCP

O canto da margem (La canta

delle marane)

Cecilia Mangini | DCP

A rainha do peiote (Peyote Queen)

Storm De Hirsch | DCP

Tommaso (Tommaso)

Cecilia Mangini | DCP

Ser mulher (Essere donne)

Cecilia Mangini | DCP

Silenciosamente carregando o totem de um pássaro

(Silently, Bearing Totem of a Bird)

Storm De Hirsch | DCP

Expresso de setembro

(September Express)

Storm De Hirsch | DCP

Trap Dance (Trap Dance)

Storm De Hirsch | DCP

Borboleta do terceiro olho

(Third Eye Butterfly)

Storm De Hirsch | DCP

O Homem Tatuado (The Tattooed Man)

Storm De Hirsch | DCP

Stendalì (ainda soam)

(Stendalì: suonano ancora)

Cecilia Mangini | DCP

19:00 Até que a música pare (97')

19:00 A substância (140')

16:00 Até que a música pare (97')

19:00 O dia que te conheci (71')

19:00 Um palmo (79'), seguido de debate com a atriz Luíza Tiso, mediação de Marcelo Leme

19:00 Assexybilidade (86')

16:00 Small Axe: Mangrove (127')

19:00 Stop Making Sense (88')

Neste dia o IMS Poços estará fechado

19:00 O dia que te conheci (71')

19:00 A substância (140')

16:00 Estranha forma de vida (82')

19:00 O mal não existe (106')

16:00 Antonio Candido, anotações finais (87')

18:30 A substância (140')

19:00 Sessão Mutual Films: Apresentando Cecilia Mangini (71'), seguida de debate com Beatriz Castro, Mariana Shellard e Aaron Cutler

19:00 O mal não existe (106')

16:00 Sessão Mutual Films: Apresentando Storm De Hirsch (83')

19:00 Até que a música pare (97')

16:00 A substância (140')

18:45 Até que a música pare (97')

16:00 O mal não existe (106')

18:30 Antonio Candido, anotações finais (87')

19:00 O mal não existe (106')

Histórias ocupadas:

Caminhos de e até

Mariana Queen Nwabasili

“If you are the big tree/ We are the small axe/ Sharpened to cut you down/ Ready to cut you down” [Se vocês são a grande árvore/ Nós somos o pequeno machado/ Afiado para cortá-la/ Preparado para cortá-la]. O refrão de “Small Axe”, música de 1970 inspirada em um provérbio africano, e reconhecida por sua gravação no álbum Burnin’ (1973), do grupo jamaicano Bob Marley and The Wailers, é exemplar do cunho anticolonialista de diferentes letras eternizadas na voz do vocalista ícone do reggae, e pode ser interpretado como um incentivo à resiliência estratégica, afiada e literalmente violenta –fala-se em machado, em corte – por parte dos povos colonizados para derrubar seus opressores construídos como superiores.

Ao escolher a canção e seu originário provérbio para coroar nominalmente a série Small Axe, exibida em novembro de 2020 na rede pública de televisão britânica BBC One e na Amazon Prime para espectadores dos Estados Unidos, o diretor Steve McQueen vincula a cena reggae, diegeticamente mobilizada em diferentes episódios e em boa parte da trilha sonora, à força e à importância cultural e discursiva que esse gênero musical nascido na Jamaica teve na realidade histórica afrodiaspórica.

A série tece um panorama sobre a vida de imigrantes negros caribenhos moradores

de Londres entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1980, destacando suas estratégias individuais e coletivas, culturais e estritamente políticas, em prol de uma existência de fato livre numa cidade então regida pela violência policial de cunho racista. “A razão pela qual queria que passasse na TV era para que minha mãe pudesse assistir”, disse, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o diretor britânico, que é filho de imigrantes caribenhos – sua mãe nasceu em Trinidad e Tobago; seu pai, em Granada.

Cenas de violência policial contra imigrantes se repetem no primeiro dos cinco episódios da produção (Mangrove; Lovers Rock ; Red, White & Blue ; Alex Wheatle e Education). Em Mangrove, acompanhamos a resistência de Frank Crichlow (Shaun Parkes), comerciante oriundo de Trinidad e Tobago que lutou para manter aberto seu restaurante, The Mangrove Nine (como ficou conhecido após resistências e prisões históricas), apesar das incessantes batidas policiais que o estabelecimento, localizado no bairro londrino de Notting Hill, recebia na década de 1970. A ofensiva racista levou proprietário, trabalhadores e frequentadores, também imigrantes, a realizarem protestos que culminaram na prisão de nove manifestantes e em um memorável julgamento.

No referido episódio, em contraste com as imagens de violência explícita contra o dono e os clientes do Mangrove, estão cenas em que a direção de arte valoriza não só a beleza física das personagens negras como também, sobretudo, a beleza de suas relações culturais, manifestadas no acento linguístico, quase criolizando o inglês britânico, na culinária, nas brincadeiras afetuosas em meio ao trabalho e nos momentos coletivos de canto e dança.

A proeminência da fisicalidade das personagens na tela tem qualidade alternada: os mesmos corpos que dançam em grupo, dentro do Mangrove ou na rua, com destacado vazio de outras corporeidades –uma possível evidenciação do contraste com uma cultura cotidiana mais contida dos londrinos brancos –, são corpos que resistem efusivamente à violência policial. A alternância da qualidade gestual das personagens negras nas distintas situações remete ao paradoxo que constitui as manifestações culturais afrodiaspóricas nas Américas: o fato de suas potentes criações terem se dado a partir de encontros de matrizes culturais resultantes também de movimentações/diásporas forçadas – tráfico negreiro, fugas –, como parte do colonialismo do século XVI. Um histórico que possibilita a existência de manifestações culturais

singulares e afirmativas de vivências negras heterogêneas e específicas, inclusive em contextos de imigração, e, simultaneamente, a criminalização dessas práticas.

Afinal, como escreve Stuart Hall – ele mesmo um imigrante jamaicano radicado na Inglaterra e fundador dos chamados

Estudos Culturais britânicos – no artigo “Da diáspora, ou a lógica da tradução cultural” (2016): “O hibridismo ou a transculturação das margens sempre tiveram e continuam tendo lugar e continuam a ser delimitados por relações de poder radicalmente assimétricas. A transculturação e a criolização não são uma ‘dádiva’ vazia da periferia para o centro. São produto da lógica disjuntiva que a colonização, a escravidão e a modernidade introduziram no mundo. Essas coisas permanecem, até mesmo no mundo pós-colonial. [...] A lógica da différance, da tradução cultural, tem que ser lida sempre no contexto da colonização, da escravidão e da racialização.”

A criminalização do Mangrove e das pessoas a ele vinculadas é tamanha que, a certa altura, o episódio compra para si a necessidade de dar amplo espaço ao julgamento do caso, introduzindo-nos a um verdadeiro, e menos dinâmico, “filme de tribunal”. O diferencial propositalmente destacado na retratação do evento histórico é que parte dos criminalizados decide

se valer de um dispositivo que possibilita que eles representem a si mesmos juridicamente durante o julgamento, ou seja, prescindem da mediação de defensores brancos frente ao juiz e ao júri. Qualquer semelhança com os debates e as tendências cinematográficas que compõem o panorama ao qual associamos as realizações de McQueen sobre histórias e vivências negras não parece ser mera coincidência.

Autorrepresentação, um percurso

Quando, em 2014, 12 anos de escravidão se tornou o primeiro longa-metragem dirigido por um afrodescendente a receber o Oscar de Melhor Filme em quase 90 anos de existência da premiação, um momento de recrudescimento de grandes produções realizadas por cineastas negros oriundos do norte global, e aparentemente sedentos por contar de maneira grandiloquente a história passada, presente e futura de seu povo, parecia se dar em Hollywood e, consequentemente, em boa parte do ocidente.

A concessão do principal prêmio do Oscar ao terceiro longa-metragem do diretor e artista visual britânico Steve McQueen ocorreu no mesmo ano em que Selma: uma luta pela igualdade fez Ava DuVernay ser a primeira cineasta mulher negra a ter uma obra também indicada à categoria de Melhor

Filme na premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Nos anos seguintes, após o surgimento da campanha Oscars So White [Oscar muito branco], em 2015, vimos serem indicadas à premiação – e por vezes vencedoras em diferentes categorias – e/ou chegarem a muitas

salas de cinemas ao redor do mundo grandes produções dirigidas por pessoas negras britânicas ou estadunidenses. Dentre essas obras, destacaram-se, no arco de uma década, para citar algumas: Moonlight: sob a luz do luar (Barry Jenkins, 2016); O nascimento de uma nação (Nate Parker, 2016); Se a rua Beale

falasse (Barry Jenkins, 2016); Infiltrado na Klan (Spike Lee, 2018); Queen & Slim – Os perseguidos (Melina Matsoukas, 2019); Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018); Judas e o Messias Negro (Shaka King, 2021); Pantera Negra: Wakanda para sempre (Ryan Coogler, 2022); e A mulher rei (Gina Prince-Bythewood, 2022).

Small Axe: Mangrove, de Steve McQueen

No âmbito dos streamings , surgiram, desde a mesma época do lançamento e premiação de 12 anos de escravidão, séries icônicas voltadas de forma evidente à abordagem do racismo e das estratégias para combatê-lo ou driblá-lo em meio a experiências de vida de pessoas negras. Por vezes focando em especificidades das vivências de mulheres negras, séries como Atlanta (2016); Insecure (2016); Cara gente branca (2017); Olhos que condenam (2019) e I May Destroy You (2020) arrebataram espectadores ao redor do mundo e tiveram grande repercussão midiática.

O breve panorama torna mais mensurável a percepção do referido recrudescimento de filmes e demais produções audiovisuais do norte global dirigidos por realizadores negros e voltadas a grandes circuitos exibidores na última década.

Nos Estados Unidos, o fenômeno pode ser lido como parte de um arco histórico mais amplo, que, junto às específicas composição racial da população e dinâmica de lutas e afirmações negras no território via nacionalismo cultural e reivindicação de igualdade de direitos civis na década de 1960, engloba uma certa tradição de séries cômicas de TV sobre famílias afro-americanas e, no cinema de baixo e médio orçamento, as contrastantes – entre si e com

relação ao que hoje é produzido por negros no território – experiências cinematográficas do Blaxploitation e da L. A. Rebellion, entre as décadas de 1960 e 1970.

Já no Reino Unido, mais precisamente na Inglaterra – ou mesmo, de forma mais ampliada, na Europa –, lugar de origem de Steve McQueen, a evidenciação histórica das afirmações negras por meio do cinema e demais formas de produção audiovisuais parecem ter ocorrido de maneira mais pontual e ainda mais contemporânea.

Nesse sentido, é importante considerar especificidades do contexto de produção de cineastas negros na Europa, como a incontornável origem colonial das relações e segregações raciais no continente, há décadas influenciadas pela dinâmica de imigrações de latino-americanos e africanos para os países que foram metrópoles e acumularam riquezas e políticas de bem-estar social sob essa condição.

Um cenário que culmina em crises migratórias flagrantes da chamada colonialidade, ou seja, de um contemporâneo padrão de poder entre nações, culturas e raças (no sentido sociológico do termo) que transcende o período de dominação colonial histórica, mas que se dá a partir dele.

Não à toa a atenção e a preocupação com esse histórico foram centrais para as

abordagens temáticas e estéticas de dois importantes coletivos negros de cinema no Reino Unido inspirados pelos estudos pós-coloniais e por teóricos sintomaticamente migrantes, como o indiano Homi Bhabha e o já mencionado Stuart Hall. São eles: o Black Audio Film Collective, operante entre 1982 e 1998, e criado por um grupo composto por cineastas afrodescendentes, como John Akomfrah; e o Sankofa Film and Video Collective, criado em 1983 por um grupo que tinha entre seus nomes fundadores o do cineasta e professor universitário de artes Isaac Julien.

Atenção às violências históricas

Nascido em 1969 na mesma Londres em que surgiram e atuaram tais coletivos, Steve McQueen estudou cinema, por um curto período, na New York University e artes visuais no Chelsea College of Art and Design e na atual University of London. Como artista visual, já teve fotografias e vídeos expostos em locais como Biennale de Veneza; Tate Modern Museum; MoMA (Museum of Modern Art); e Whitney Museum of American Art.

Tendo se tornado ainda mais reconhecido como cineasta após a direção do premiado 12 anos de escravidão, McQueen iniciou a carreira no cinema com o curta-metragem

Bear (1993), no qual dois homens negros nus se enfrentam. Sua produção é composta por videoartes, videoclipes, episódios de séries, longas-metragens e diversos curtas-metragens, sendo sua filmografia marcada por um interesse nas relações e nos dramas humanos mediados por opressões, violências e eventos históricos transformadores radicais do cotidiano.

Seu primeiro longa-metragem, Fome ( Hunger , 2008), foi eleito como o melhor filme da mostra Caméra d’Or, no Festival de Cannes de 2008. Protagonizado pelo ator branco Michael Fassbender, nascido na Alemanha e criado na Irlanda, parceiro do diretor em diferentes produções, o filme reconstitui o episódio real da greve de fome promovida por um membro do IRA (Exército Republicano Irlandês, de resistência aos britânicos) em uma prisão da Irlanda do Norte no ano de 1981. Já o ousado Shame (2011), também protagonizado por Fassbender, mostra o cotidiano de um jovem publicitário viciado em sexo.

12 anos de escravidão conta a história real de Solomon Northup, homem negro livre e pai de família que, em 1841, foi vendido como escravo. E em As viúvas ( Widows , 2018), estrelado por Viola Davis, acompanhamos a jornada de uma professora que, após a morte do marido ladrão, reúne-se a

outras viúvas de criminosos para executar um roubo que os falecidos deveriam ter feito.

O último filme lançado por McQueen é seu único documentário. Baseado no livro

Atlas van een bezette stad: Amsterdam 1940-1945) [Atlas de uma cidade ocupada: Amsterdã 1940-1945], de autoria de sua companheira de vida, a jornalista holandesa Bianca Stigter, Occupied City (2023) se debruça sobre espaços da contemporânea Amsterdã que guardam memórias das violências nazistas cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. “Não é algo que é uma espécie de conto de fadas, aconteceu no passado. Isso poderia acontecer novamente com bastante facilidade. Os paralelos estão aí para todo mundo ver”, disse McQueen em entrevistas, evidenciando seu interesse como cineasta pelas consequências do passado histórico nas relações sociais do presente.

Em 2024, o diretor estreia em festivais seu novo longa-metragem de ficção, Blitz, mais um drama de reconstituição histórica, dessa vez sobre personagens que sofrem perdas pessoais no contexto londrino, também durante a Segunda Guerra Mundial.

Em diferentes desses filmes, McQueen não se furta em expor cenas de agressões e violências explícitas contra grupos minorizados social e politicamente na História,

como os imigrantes negros caribenhos dos episódios de Small Axe.

Em contraste com tendências de imagens positivadas dos cinemas negros brasileiros contemporâneos, remetendo ao afropessimismo de acadêmicas negras estadunidenses, como Saidiya Hartman e Tina Campt, e no bojo do que investigou o médico e teórico martinicano Frantz Fanon a respeito da violência como estratégia anticolonialista, as cenas de violência contra personagens negros que são assumidas pela direção no citado primeiro episódio da série, e também em filmes como 12 anos de escravidão e As viúvas, parecem ser feitas para não nos deixar esquecer do peso das violências históricas e atuais contra afrodescendentes.

Tudo isso dentro de registros realistas de um cinema mais comercial, explorando conscientemente imagens agressivas e de agressão que têm cirúrgicas lapidação estética e dilatação temporal. São cenas que parecem querer inflar, tanto nas personagens quanto no público que as acompanha, uma indignação que alimenta formas de enfrentamentos, resistências e a inventividade (artística e cultural, inclusive) para sustentá-las – estamos falando de machadadas sorrateiras “ Sharpened to cut you down/ Ready to cut you down”.

Histórias ocupadas: Steve McQueen

Small Axe: cravado na consciência1

Ashley Clark

tradução: Heitor Augusto

1. Nota dos editores: Texto originalmente publicado no livreto que acompanha o blu-ray de Small Axe, um lançamento The Criterion Collection. Mais informações sobre o blu-ray podem ser encontradas em: criterion.com/boxsets/6517-small-axe. O texto original está disponível em: bit.ly/smallaxe-ac.

Formado por um conjunto de cinco filmes conectados por tema e estética, Small Axe [Machadinha] constrói um retrato nuançado e revelador de uma comunidade que não tem recebido o merecido apreço e atenção. Trata-se da população londrina originária das ilhas caribenhas, retratada no período entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1980. A série de filmes é inaugurada por Mangrove [Mangue], filme marcado pela riqueza de detalhes e por uma atmosfera emocionante. A obra dramatiza um capítulo crucial da história do Reino Unido: o período de preparação, bem como os desdobramentos, de um sensacional julgamento realizado em 1971, no qual um grupo de nove ativistas negros de origem caribenha defendeu-se da acusação de incitação a levantes durante um protesto em denúncia aos abusos policiais racistas. Tal comportamento da força de segurança tinha como alvo os frequentadores do The Mangrove, restaurante caribenho que se tornou um local de encontros para intelectuais e artistas em Notting Hill, um distrito de West London, àquele momento um significativo foco da cultura negra no Reino Unido.

A suíte fílmica de Steve McQueen retrata o período dos 55 dias de julgamento na Old Bailey – forma pela qual a Corte Criminal Central de Londres é popularmente conhecida.

Os Nove de Mangrove foram absolvidos, decisão que resultou, pela primeira vez na história, no reconhecimento jurídico da “evidência de ódio racial” dentro da Polícia Metropolitana de Londres. Na sequência climática de Mangrove, o militante Darcus Howe –cuja cadência ritmada e imperiosa é encantadoramente reproduzida pelo magnético Malachi Kirby – declara, com fervor, a um arrebatado tribunal: o caso “está cravado na consciência da comunidade negra de tal maneira que a história do Reino Unido não poderá ser escrita sem ele”. Todavia, a despeito da força explosiva das palavras de Darcus, proferidas num discurso eletrizante adaptado por McQueen e pelo corroteirista Alastair Siddons a partir das transcrições do julgamento, a realidade nas décadas seguintes não confirmou as expectativas das palavras do militante. Tal como muitos dos atores e da equipe técnica de Small Axe , eu também cresci como um herdeiro da história contada por Mangrove. Meus avós se mudaram da Jamaica para Londres na década de 1950, como parte da geração Windrush, que herdou esse nome do navio que aportou na cidade britânica de Tilbury em 1948. A bordo estavam tripulantes vindos de Jamaica, Trinidad e Tobago e outras ilhas pertencentes à Comunidade de Nações, cuja migração foi incentivada para preencher

postos de trabalho frente à falta de mão de obra no pós-Segunda Guerra Mundial. Meu pai nasceu em Londres e exerceu seu ofício de músico de reggae em lugares como o Mau Mau Bar, na Portobello Road, localizado a três minutos a pé da antiga sede do Mangrove, fechada em 1992 após anos de gentrificação e constante abuso policial. A despeito do trabalho feito por artistas, pesquisadores, escritores e militantes britânicos negros para manter viva a memória de resistência, a história dos Nove de Mangrove manteve-se inexistente nos livros didáticos a mim destinados na escola. Representações das resistências organizadas pelas comunidades negras britânicas estiveram ausentes dos jornais de circulação nacional, da televisão e das telas de cinema. Filmes que desnudaram a brutalidade policial e o racismo institucional antinegro – tais como The Mangrove Nine [Os nove de Mangrove, 1973] e Babylon [Babilônia, 1980], ambos de Franco Rosso; Pressure [Pressão, 1976], de Horace Ové; Blacks Britannica [A Britânica dos pretos, 1978], de David Koff; e The People’s Account [Os relatos do povo, 1985], produzida pelo Ceddo Film and Video Workshop – foram banidos, reprimidos ou desidratados por uma pálida distribuição.

Após anos de pesquisa e desenvolvimento a partir do comissionamento feito pela BBC,

Small Axe chegou ao público em 2020, tornando-se a mais visibilizada empreitada para levar essa história às telas. Além de Mangrove, a antologia de filmes inclui Lovers Rock [No embalo do amor], um retrato impressionista de uma festa de blues realizada em West London por volta de 1980; Red, White and Blue [Vermelho, branco e azul] e Alex Wheatle, ambos um estudo de personagem de jovens negros britânicos e suas diferentes experiências com a lei; e Education [Educação], uma mirada cortante à luta de uma comunidade contra a estigmatização de crianças negras pelo sistema nacional de educação.

A história investigada por McQueen ganhou ainda mais visibilidade em decorrência do alvoroço ao redor da série de filmes. Small Axe marcou o retorno triunfal à pátria-mãe de um diretor britânico que conquistou Hollywood – em 2013, com o filme 12 anos de escravidão, ele se tornou a primeira pessoa negra a dirigir um filme agraciado com o Oscar de Melhor Filme. McQueen também teria se tornado o primeiro diretor na história do Festival de Cannes com dois filmes competindo pela Palma de Ouro – Mangrove e Lovers Rock – se a edição de 2020 do evento não tivesse sido cancelada pela pandemia da covid-19. A despeito do cancelamento, a escala magnânima da circulação internacional de Small Axe – com estreias na televisão em

horário nobre, exibições de gala nas noites de abertura dos festivais BFI London e New York Film Festival, e um acordo de distribuição em território norte-americano com a Amazon Prime – trouxe a sensação de abalo sísmico. Tal cenário representaria, finalmente, a inscrição na história da qual Darcus, o personagem militante de Mangrove, falava.

O título Small Axe deriva de um provérbio africano popularizado na Jamaica pela canção homônima, interpretada por Bob Marley & The Wailers. A letra sinaliza a dinâmica de Davi e Golias entre uma comunidade marginalizada e um país estruturado para hostilizá-la: “If you are the big tree/ We are the small axe”, ou “Se você é uma árvore gigante/ Nós somos a machadinha”. Ao longo da antologia fílmica de McQueen, testemunhamos aspectos de “árvore gigante” da sociedade britânica: policiais violentamente racistas, agentes brutos trabalhando na corte e professores paternalistas. As formas que McQueen utiliza para retratar o impacto da “machadinha” são ainda mais fascinantes. Afinal, ela não é um instrumento sem corte, mas sim uma arma complexa, forjada em sacrifícios dos indivíduos, relacionamentos que se desgastam, abordagens divergentes, quebra-cabeças filosóficos, coragem e na ansiedade implicada à postura de resistência contra um sistema opressor.

Em Mangrove , o protagonista é Frank Crichlow, o dono do restaurante, interpretado por Shaun Parkes, experiente ator de televisão e teatro. Frank é o esteio da comunidade, contudo sua personalidade contrasta com os militantes Darcus e Altheia Jones (Letitia Wright), ambos agitadores natos. A sua jornada rumo à ação direta é paulatina. Após assistir à derrocada de seu antigo comércio

– o El Rio Café, para o qual um adjetivo como “salubre” não se aplica –, Frank está determinado a respeitar a lei. No início, mostra-se relutante a permitir que Altheia organize reuniões dos Panteras Negras no restaurante Mangrove. Frank apenas aquiesce quando, numa cena sutilmente cômica, Altheia se compromete a tocar o tambor de aço1 na próxima festa de rua. Está nítido o porquê de Frank ser cioso de seu restaurante. Em um dos diálogos mais emocionantes de Mangrove , Tetley (Doreen Ingleton), uma senhora jamaicana, faz uma visita após uma voraz batida policial. Ela insiste em doar a Frank suas economias, que vinha juntando

para voltar para o Caribe um dia. “O Mangrove é parte da história da gente, deixa eu falar, pô”, exclama Tetley. “Foi ele que me fez entender que aqui é meu lugar agora.”

apenas depois de se aborrecer. No momento em que ele dá esse primeiro passo, inicia-se a marcha que parte do Mangrove e, então, a chama da história é acesa.

1. Nota da tradução: no original, “steel pan”. Trata-se de um instrumento de percussão particularmente comum em Trinidad e Tobago, originalmente produzido a partir de restos de peças metálicas, incluindo partes de carros.

No final do primeiro ato de Mangrove, um exasperado Darcus confronta Frank, conclamando-o a assumir o status tanto do restaurante como dele próprio como caldeirões da transformação. “O que vejo na minha frente é um homem, correto? Um homem possuidor de grande paciência e humildade que, sem perceber, tornou-se um líder de seu povo”, diz Darcus, pouco antes de invocar os ensinamentos de C.L.R. James, teórico marxista nascido em Trinidad e Tobago – James, frequentador do Mangrove na vida real, foi interpretado por Derek Griffiths, um patrimônio dos programas televisivos infantis. A composição da cena – intensa e crua, filmada num plano fixo médio, com os dois atores ocupando lados opostos da imagem – me faz lembrar do plano-sequência de 17 minutos em Fome (2008), longa de estreia de McQueen. Nele, o padre Dominic Moran (Liam Cunningham) tenta dissuadir Bobby Sands (Michael Fassbender), membro do Exército Republicano Irlandês que utiliza a greve de fome como tática, de iniciar seu doloroso protesto. Contudo, diferentemente de Bobby, que o fervor militante havia levado a um ponto do qual não poderia e nem iria retroceder, Frank parte para a ação

No universo de Small Axe, Frank Crichlow tem como análogo Agnes Smith (Sharlene Whyte), personagem de Education. Agnes é mãe de Kingsley (Kenyah Sandy), um garoto de 12 anos que sonha em se tornar astronauta. Tachado por seus professores como um aluno tapado e problemático, o garoto é despachado, sem cerimônia alguma, para um instituto reservado aos “educacionalmente inferiores” – uma jaula disfuncional disfarçada de escola e administrada por pseudoprofessores incorrigivelmente desinteressados. Ainda que os personagens de Education sejam ficcionais, nos anos 1970, período que coincide com o intervalo retratado no filme, a London Councils2 transferiu uma quantidade desproporcional de crianças negras do sistema tradicional de educação para 2. NT: A London Councils é uma entidade administrativa que engloba as 33 subdivisões administrativas que formam o que chamamos de Londres – a City of London Corporation, que administra parte da região central da cidade, e os 32 boroughs, semelhantes às subprefeituras, mas com certa autonomia administrativa.

o diretor paternalista da escola de Kingsley. Esse evento – uma criança exposta ao perigo por uma imigrante caribenha mais velha que age movida pela implícita confiança na autoridade de uma suposta pátria-mãe – me traz a memória de uma anedota da juventude de meu pai. Ao voltar da casa de um amigo em South London, um policial o deteve numa estação de metrô sob a acusação de furto. Meu pai identificou no local uma senhora caribenha, e seus olhos se encontraram –ele deu a entender que precisava de ajuda.

A mulher olhou para o policial, depois para o meu pai, então novamente para o policial, e disse: “Prende ele!”. Numa irônica reviravolta, meu pai foi liberado após apresentar um panfleto das Testemunhas de Jeová, o qual lhe havia sido entregue à força pelo amigo de sua irmã. Um sorriso mordaz faz morada no rosto de meu pai toda vez que conta essa história – e eu sempre me perguntei como ele absorveu a dor de uma traição como aquela.

escolas como essas. Education é o mais autobiográfico filme da antologia. O próprio diretor – nativo de West London, mas filho de pais que migraram de Granada e Trinidad e Tobago – teve experiências parecidas com as de Kingsley, já que foi desmerecido pelo sistema de ensino – a única diferença é que,

ao contrário da ficção, McQueen se imaginava no mundo da arte.

A reação inicial de Agnes – mãe devota e trabalhadora, forçada a acumular dois empregos para conseguir pagar as contas –é direcionar sua raiva ao filho, falhando, assim, em questionar, de maneira satisfatória,

Agnes recebe a vista de Lydia (Josette Simon), uma ativista pela educação que a encoraja a se unir ao grupo comunitário, entregando-lhe um panfleto e também uma cópia de How the West Indian Child Is Made

Educationally Sub-Normal in the British School System [Como crianças de origem caribenha se tornam educacionalmente subnormais no

Small Axe: Education, de Steve McQueen

sistema educacional britânico], obra pioneira do granadino Bernard Coard lançada em 1971. Uma porção significativa da tensão dramática em Education reside na decisão de Agnes em devolver ou ler esses materiais, superar a vergonha introjetada em seu âmago e se envolver nas reuniões do grupo. Felizmente, tal como Frank Crichlow, a mãe de Kingsley encontra as forças para participar.

A decisão tomada por Agnes leva a uma sequência de cenas que está entre as mais terrivelmente dolorosas já dirigidas por McQueen. São elas: o retrato de uma reunião comunitária na qual um mais velho (Trevor Laird) parece se abjugar de um peso carregado ao longo de toda uma vida ao revelar que é analfabeto, mas está presente no encontro para apoiar a nova geração; um momento catártico quando, em lágrimas, Agnes finalmente confronta a realidade de que seu filho não sabe ler; e uma sequência silenciosa e devastadora, na qual Stephanie (Tamara Lawrance), a irmã mais velha de Kingsley, lê, em voz alta, trechos do livro de Bernard Coard para seu pai, Esmond (Daniel Francis), um trabalhador braçal analfabeto. À medida que Stephanie dá voz às impiedosas avaliações do autor acerca dos efeitos de uma educação insuficiente, a sensação é de que ela está descrevendo para o próprio pai – e na sua cara – os desafios enfrentados em sua vida.

McQueen elegeu Education como filme de encerramento da antologia Small Axe por acreditar se tratar do mais esperançoso da série – no final de Education, Kingsley está feliz e prospera ao lado de seus colegas de classe nerds e negros, todos engajados numa aula organizada na casa de uma professora voluntária do bairro. Na melodia que é Education, as notas de adorno não aparecem de mão beijada. O filme se encerra com uma representação visual do espaço, como um duplo da cabeça de Kingsley à medida que submerge na cultura africana. Contudo, minutos antes do encerramento, McQueen e Alastair Siddons – corroteirista também de Mangrove e Alex Wheatle – inseriram uma sombria piada cósmica. Em uma das reuniões, a ativista Lydia menciona que a recém-indicada secretária de Estado para a Educação, uma tal de Margaret Thatcher, poderia potencialmente ser simpatizante à causa.

O espectro de Thatcher e sua draconiana e conservadora administração, iniciada em 1979, assombra o período coberto por Red, White and Blue e Alex Wheatle. Terceiro e quarto filmes, respectivamente, da antologia Small Axe, ambos formam um fascinante díptico que investiga as histórias de dois homens negros cujas vidas fora da ficção, apesar de díspares, compartilham o impacto

irreparável de interações negativas com a polícia. No início, Alex Wheatle (Sheyi Cole) admira a polícia, mas o personagem termina por sentir na pele o ódio branco inflamado que estampa a cara do abusador. Na vida real, Alex cresceu órfão e, por meio das amizades e da música do bairro de Brixton, em South London, encontrou a felicidade. Em abril de 1981, foi preso após os Levantes de Brixton, uma explosão de descontentamento da população com o policiamento racista. Os conflitos aconteceram na esteira de um incidente traumático na mesma região, no início daquele ano: o incêndio de New Cross, em 18 de janeiro, uma conflagração ainda inexplicada ocorrida numa festa caseira que levou 13 pessoas negras à morte. Em Alex Wheatle, o protagonista e amigos discutem o incêndio e as vítimas, numa sequência que culmina com a imagem de Alex solitário, sentado na cama, na iminência de cair aos prantos. O peso avassalador da tragédia torna-se um catalisador para o seu despertar político. Num corte, o diretor introduz uma fotomontagem em preto e branco, com imagens capturadas após o incêndio, que resultou no Dia de Ação das Pessoas Negras, protesto organizado pelo Comitê de Ação do Massacre de New Cross, grupo que incluía Darcus Howe. As imagens são acompanhadas da leitura do poema “New

Axe: Alex Wheatle, de Steve McQueen

Crass Massahkah”,3 do jamaicano Linton Kwesi Johnson. Tanto Linton quanto Alex são

3. NT: Uma forma estilizada de grafar “New Cross Massacre”, ou Massacre de New Cross, que prioriza a representação da fonética jamaicana.

entrevistados em Uprising [Levante], sensível documentário em três partes que aborda com detalhes o incêndio de New Cross e os Levantes de Brixton – a direção é de McQueen e James Rogan. O documentário foi exibido na BBC em 2021 e funciona como um complemento essencial para Small Axe.

Em Red, White and Blue, o protagonista é Leroy Logan, um pesquisador em ciências que migra para a polícia – John Boyega entrega uma performance carismática e determinada. Leroy verdadeiramente acredita ser possível transformar o sistema desde dentro, e tal perspectiva leva a uma incompreensão furiosa de seu pai, Kenneth (Steve Toussaint) – seu espancamento pela polícia, impiedosamente registrado cenas antes, transforma-se no principal motivo para que Leroy mude de carreira. Leroy –que na vida real permaneceu como policial por 30 anos – atuou como consultor em Red, White and Blue. McQueen o filma com nítida empatia. Todavia, o restante da antologia, bem como Uprising, constrói uma argumentação convincente contra a intragável e racista força policial britânica, e tal gesto acresce à dolorosa solidão do gesto quixotesco de Leroy.

Lovers Rock distancia-se do conjunto da antologia, pois sua narrativa não foca explicitamente um personagem ou um grupo em conflito com um sistema hostil. Ainda assim, o retrato de uma festa de blues enquanto alimento espiritual para uma geração de jovens britânicos descendentes de pais caribenhos não deixa de ser político. A festa representou um refúgio às carrancas dos brancos racistas,

Small

ocasionalmente presentes nas bordas dos planos filmados fora de espaços domésticos. Se, vista em diálogo com a história do Mangrove, seus tons políticos ficam à tona, na medida em que uma simples aglomeração celebratória de pessoas negras representava uma provocação aos olhos da polícia. Lovers Rock é um filme estranho e cativante, pouco ortodoxo em sua estrutura, uma obra única tanto nos anais do cinema britânico quanto na filmografia de McQueen. Um jogo entre se dilatar e se retrair, com momentos de ação registrados em detalhes – close-ups de mãos no preparo da comida e na construção dos sound systems que tocam reggae – e nesgas de diálogos entre jovens – que potencialmente se amarão –, para pontuar longas sequências de música e dança.

Mas a festa não é uma utopia. Alguns dos eventos que ocorrem durante a noite refletem a propensão dos filmes de McQueen para o engajamento com o lado obscuro e compulsivo da natureza humana. Há a presença de um predador sexual –Bammy (Daniel Francis-Swaby) –, que tenta estuprar Cynthia (Ellis George), para quem a festa é a ocasião para celebrar seu aniversário de 17 anos. Há também um personagem – Clifton (Kedar Williams-Stirling) –que, na parte final do filme, chega contrariado à festa, esbravejando contra um desentendimento familiar. Ambos terminam entregues – quiçá purificados – pela dança sob o som de “Kunta Kinta”, um dub monstruoso, suingado e vibrante da banda regueira jamaicana The Revolutionaries. A mise en scène de McQueen traz à cena tintas análogas

a um batismo suburbano ensopado –pés marcando a batida no chão, cabeças erguidas em êxtase, jovens sussurrando, corpos que pulam compulsivamente sobre o carpete. Ao fim dessa longa noite, Martha (Amarah-Jae St. Aubyn), uma aparente protagonista, que, no início do filme, se esgueirou

Small Axe: Red, White and Blue, de Steve McQueen

pela janela de seu quarto, como num conto de fadas, volta sorrateiramente para casa. Tão logo se aconchega debaixo do edredom e cerra os olhos, a jovem escuta uma voz no extracampo gritar: “Hora da igreja! Hora da igreja!” Martha sorri, pois acabou de voltar de um lugar que, para sua geração, representa um verdadeiro templo – um lugar secreto e sagrado para arrebatamento sônico, paixão e dor, desilusão e romance.

Tal como os temas presentes nos filmes da antologia Small Axe , as abordagens estéticas, a despeito da diversidade, trazem coesão. Com direção de fotografia do jovem antiguano Shabier Kirchner, a antologia tem um estilo visual respeitável e deliberadamente utilitário, priorizando legibilidade do conteúdo, do espaço e da ação – adornos ficam em segundo plano. McQueen, todavia, adota diferentes bitolas e formatos de filme. Para Mangrove , cuja fotografia é rica e arrebatadora, foi utilizado um filme em 35 mm de duas perfurações –também conhecido como Techniscope –que, durante o processamento, foi super-revelado ou sub-revelado com o intuito de criar uma imagem mais calorosa e artesanal que o digital. Para Red, White and Blue , Shabier e McQueen optaram pelo filme de três perfurações, dadas suas características de um granulado menos

carregado – o resultado foi uma imagem mais limpa e direta. Diferentemente do cenário vibrante e nitidamente reconhecível de Brixton em Alex Wheatle (filmado com a Sony VENICE, câmera digital de grande formato), a Londres de Red, White and Blue é fria, uma personagem lavada –uma escolha adequada para um filme de tensão nauseante, no qual os planos continuamente isolam o personagem, mergulhado em conflito. Já para Lovers Rock , Shabier e McQueen escolheram o formato digital – a câmera ARRI ALEXA –, de forma a realizar takes longos e fluidos – fotografia e direção também iluminaram o cenário a partir de cima, permitindo aos atores o movimento livre e autêntico pelo espaço.

Mais impactante da antologia, Education foi filmado em Super 16 mm, num estilo íntimo, levemente em movimento, similar a Play for Today , os dramas televisivos da BBC dos anos 1970, que incluem aqueles dirigidos por Alan Clarke, o herói de McQueen no cinema. A opção por esse regime visual para contar a história de uma resistência negra britânica na BBC em 2020 representa uma das estratégias sutis e elaboradas para garantir a inscrição da obra na história. A aparência e sensação imagética trazida pelo filme é instantaneamente reconhecida por toda uma geração de britânicos

negros que nunca pôde se ver representada naquele formato fílmico-televisivo, nem em histórias filmadas veementemente centradas em suas vidas e experiências. Ao longo da antologia, McQueen oferece uma imaginação formal que reflete seu dinamismo e versatilidade como realizador – antes de dirigir Fome , ele havia estabelecido uma carreira como artista visual, chegando a ganhar o Turner Prize. Numa sequência primorosa e efervescente de Mangrove, Frank Crichlow tenta acalmar Rhodan Gordon (Nathaniel Martello-White), furioso pela má qualidade do advogado de defesa no julgamento em que ambos são réus. A tela abruptamente fica preta, e então escutamos os vocais introdutórios –num timbre ríspido e em alto volume – da canção “Skinhead Moonstomp”, da banda de ska Symarip. Assim que o bongo anfetamínico preenche a banda sonora, há um corte para um plano zenital de uma mesa na corte, sobre a qual se desenrola, ao som agitado da percussão, uma colagem em stop-motion de documentos, evidências jurídicas e pôsteres. A canção continua – o baixo em looping se apresenta –, e vemos um plano geral do tribunal à medida que McQueen posiciona imagem em cima de imagem, som em cima do som. As chaves do estenógrafo se tornam

mesclar naturalmente o pessoal, o político e o psíquico-geográfico.

parcerias do fragmento rítmico da banda Symarip, enquanto McQueen transiciona para uma montagem fotográfica que documenta a construção da rodovia Westway, projeto que alterou a cara da comunidade de West London, na qual McQueen cresceu, retirando a moradia e a qualidade

de vida da população local. As fotografias ganham cores, conotando a passagem do tempo. À medida que a canção se distancia, McQueen nos leva novamente ao tribunal. Extraordinária, essa sequência funciona como uma válvula de pressão narrativa e demonstra a habilidade do diretor em

Small Axe carrega múltiplas instâncias de uma das assinaturas de McQueen: a duração desconfortável dos planos. Esse método de confronto tem a habilidade de conduzir os espectadores a um transe, pois os força a mirar. O exemplo mais perturbador de tal estratégia na obra de McQueen é uma cena em 12 anos de escravidão na qual a câmera sustenta, por um período que parece uma eternidade, a mirada para o corpo espancado de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), que tenta desesperadamente fazer contato com o chão usando os dedões dos pés. Small Axe não tem algo tão cru como essa cena. Contudo, há um plano assombrador nos primeiros minutos de Alex Wheatle . Após uma briga com um colega de classe racista, Alex é imobilizado por dois trabalhadores da escola – ambos preconceituosos –, enfiado numa camisa de força e arremessado ao chão do ginásio da escola, caindo de cara na superfície encerada. O eixo de luz desloca-se da esquerda para a parte central e inferior do plano, como se sua alma estivesse deixando seu corpo. A câmera se movimenta até chegar próximo a seu rosto – os olhos de Alex estão arregalados, mas sem vida – e,

Small Axe: Lovers Rock, de Steve McQueen

então, estaciona. Após 18 segundos sem movimento algum, algo estranho acontece: a câmera inicia um movimento vagaroso de recuo, como que representando uma pessoa que deseja ajudar, mas não sabe como, e consegue apenas se distanciar, silenciosamente derrotada.

McQueen não utiliza a duração apenas para transmitir sofrimento. Em Lovers Rock, ele acessa uma dimensão de transcendência numa cena extensa, na qual os frequentadores da festa cantam ao som de “Silly Games”, de Janet Kay, um hit do reggae romântico. Entre as pessoas na pista de dança, está o compositor da música, Dennis Bovell, uma lenda britânica do reggae, cujo baixo profundo atravessa o som da multidão.

Quando o DJ interrompe a música, o público continua cantando, e cantando, e cantando.

Nasce um hino à capela – lá fora, a hostilidade do mundo parece distante. Nesse momento, bem como no restante de Small Axe, o virtuosismo técnico de McQueen dá as mãos à sensibilidade frente à comunidade que está retratando.

A estreia de Small Axe na TV aconteceu em meados de novembro de 2020, e os cinco filmes da antologia foram exibidos em cinco noites de domingo seguidas no canal BBC One. Esse veículo de prestígio da emissora nacional britânica foi

crucial para McQueen, pois permitiu que a maior quantidade possível de pessoas no Reino Unido pudesse assistir a seu trabalho. Na manhã seguinte à exibição de cada filme, eu entrava no Facebook para ler, com satisfação, o feed do meu pai e de seus amigos. As pessoas postavam suas próprias resenhas, se engajavam em debates acalorados sobre detalhes minuciosos, relembravam devaneios musicais do passado e compartilhavam fotos de trajes retrô envergados por pessoas nas salas de suas casas, emulando a pista de dança, que se assemelhavam aos meticulosamente e poeticamente recriados para Lovers Rock pela diretora de arte Helen Scotta. A despeito de seu valor educativo e de entretenimento, Small Axe quebrou o cadeado do baú da memória coletiva, abriu a torneira e despertou a chama.

A antologia emergiu num momento também em que a Grã-Bretanha – ou ao menos uma porção da sociedade britânica com consciência moral – foi profundamente abalada pelo escândalo Windrush, durante o qual se revelou que centenas de cidadãos oriundos da Comunidade de Nações tinham sido presos, sem acesso aos direitos garantidos por lei e, em muitos casos, deportados. Esse contexto é resultado de uma política de 2012, estabelecida pelo governo

dos Conservadores, que sistematicamente criou e reforçou um “ambiente hostil” para imigrantes. Trata-se de um período tórrido e perturbador, situado após o primeiro lockdown da pandemia do covid-19, durante o qual jovens negros de Londres – que representam mais de um quarto de toda a população negra da cidade na faixa de 15 a 24 anos – foram parados e abordados pela polícia mais de 20 mil vezes. Mais de 80% das abordagens aconteceram entre março e maio de 2020, mas não levaram a nenhuma investigação. Esse também foi o período de reverberação da estúpida mortalidade policial que vitima pessoas negras nos Estados Unidos – incluindo Breonna Taylor, em Louisville, e George Floyd, em Minneapolis –, bem como os subsequentes levantes antirracistas ao redor do mundo.

Um uivo de legitimação à resistência comunitária e um vívido indiciamento da apatia institucional, Small Axe tanto esteve à altura do momento como também foi o próprio momento. Na sua estridência ofegante, apaixonada e comprometida com o reparo dos fatos, a antologia transformou-se num trabalho memorável e numa erupção de criatividade de um dos mais importantes artistas britânicos do cinema. A história agora não poderá ser escrita sem esses filmes.

Crise da presença, mitologia para a alma: filmes de Cecilia Mangini e Storm De Hirsch

Cutler e Mariana Shellard

A Sessão Mutual Films de outubro de 2024 em Poços de Caldas é dedicada à memória da curadora norte-americana de cinema Adrienne Mancia, nascida em 1927 e morta em 2022.1

“Um documentário se concentra em um evento”, Cecilia Mangini falou em uma entrevista de 2006 ao descrever a sua prática. “É confiado a personagens que são testemunhas de si mesmos, no contexto em que o documentarista escolheu contar a história, como uma ideia, uma descoberta, uma forma de protesto, por amor, interesse ou necessidade. Ele precisa daquela pessoa – aquela mulher, aquele menino –em sua natureza emblemática. Que relação você tem com todos eles? É difícil dizer: há amor à primeira vista, intimidade, tensão. Há também, claro, uma exploração, mas não apenas por parte do diretor: e há sempre a certeza compartilhada de que, terminada a filmagem, o relacionamento terminará. Fica a consciência de ambas as partes de que se trata de uma relação atípica, com prazo de validade incorporado.” 2 Mangini nasceu em 1927 em Mola di Bari, no sudeste italiano. Ela mudou-se ainda jovem para Florença, onde residiu

até concluir seus estudos em ciência política na Universidade de Florença, e depois foi para Roma. A filha de pai socialista e mãe nobre se apaixonou pela fotografia e se aventurava pelas ruas fotografando trabalhadores, camponeses e jovens desocupados. Logo migrou para o cinema, levando tanto a militância política como o interesse por rituais tradicionais rurais e religiosos e pela marginalidade urbana.

1. O obituário do The New York Times de Mancia pode ser conferido através do link www.nytimes. com/2022/12/17/movies/adrienne-mancia-dead. html.

2. A entrevista, originalmente conduzida por Gianluca Sciannameo e publicada no livro Nelle indie di quaggiù: Ernesto De Martino e il cinema etnografico, pode ser encontrada em italiano e em inglês através do link www.another-screen.com/cecilia-mangini, junto a outros materiais sobre Mangini.

Com seu filme de estreia, o curta-metragem documental Desconhecidos para a cidade ( Ignoti alla città , 1958), Mangini se tornou a primeira mulher a dirigir um documentário na Itália. Esse compassivo estudo de jovens homens em um bairro pobre de Roma contou com narração escrita por Pier Paolo Pasolini (19221975), que, na época, era um controverso poeta e escritor, não tendo ainda se aventurado como diretor de cinema. A parceria entre Mangini e Pasolini rendeu outros dois curtas dirigidos por ela que funcionaram como filmes-retratos de grupos sociais: Stendalì (ainda soam) ( Stendalì: suonano ancora , 1960), sobre um ritual de mulheres em luto por um ente querido na região sulista de Salento, e O canto da margem ( La canta delle marane , 1961), um olhar nostálgico sobre garotos

matando o tempo às margens do rio Tibre, em Roma. Nesses e em seus filmes realizados na década seguinte (antes de uma eventual migração forçada para a televisão e para a função de roteirista em longas-metragens), Mangini trabalhava com fervor e originalidade em um formato predefinido chamado Fórmula 10 – um gênero de documentário com cerca de 10 minutos de duração que geralmente passava antes de longas-metragens em exibições comerciais na Itália.

Mangini também trabalhou nos filmes dirigidos pelo seu marido e colaborador constante, o documentarista Lino Del Fra (1929-1997), que conheceu em Roma, na década de 1950, quando atuava como programadora para a Federação Internacional de Cineclubes (Federazione Italiana dei Circoli del Cinema). Os dois se alinharam ao enxergar o cinema como um gesto político de enorme poder em sua capacidade de unir pessoas em torno de valores comuns. Essa crença ficou evidente no único documentário longa-metragem que eles codirigiram (junto a Lino Miccichè), All’armi siam fascisti! (1962), um trabalho com imagens de arquivo que oferece uma lição de história sobre o legado perigoso do fascismo na Itália. Mas os curtas do casal também

eram fortemente políticos ao valorizarem tradições e estilos de vida que desapareciam com o “milagre econômico” que a Itália vivia nos anos após a Segunda Guerra Mundial.

A paixão do grão ( La passione del grano , 1960, realizado por Mangini e Del Fra sob o pseudônimo Antonio Michetti), por exemplo, é um estudo de ritos entre camponeses na região de Lucânia, que assume dimensões etnográficas de natureza performática quando os homens encenam seus ritos para a câmera. O roteiro do filme foi escrito pelo etnógrafo e historiador Ernesto De Martino (19081965), uma outra importante referência de Mangini. As pesquisas multidisciplinares de De Martino sobre rituais rurais milenares no sul da Itália e a incorporação da percepção do camponês (então tida como primitiva pelo meio acadêmico) ao sistema complexo da percepção ontológica humana – que ocasionalmente levaram ao estudo de campo psiquiatras, psicólogos, musicólogos, sociólogos, antropólogos e fotógrafos – foram revolucionárias para a época. De Martino, segundo a pesquisadora e professora brasileira contemporânea Maria Cristina Pompa, “faria da etnografia das ‘plebes rurais’ a componente central do trabalho antropológico nacional, como

fruto do engajamento do pesquisador nas questões sociais”.3

O primeiro contato de Mangini com De Martino foi no lançamento de seu livro Morte e pianto rituale nel mondo antico [Morte e choro ritual no mundo antigo, 1958], cujo estudo de rituais antigos de luto tornou-se a base para a realização de Stendalì. Tanto o escrito de De Martino quanto o cinema de Mangini reconheceram a invocação do ritual como uma solução ao problema que De Martino chamou de “crise da presença”, no qual um ser humano perde a sensação de pertencimento ao mundo. As ideias de De Martino continuaram reverberando mesmo nos documentários urbanos subsequentes de Mangini, como O canto da margem e Tommaso (1965), sendo este um retrato de um adolescente em uma cidade sulista que sonha em trabalhar na fábrica petroquímica local.

No mesmo ano de Tommaso , Mangini realizou Ser mulher (Essere donne, 1965), que expõe o contraste entre uma imagem

3. O artigo de Pompa, “Ernesto De Martino e o percurso italiano da antropologia”, foi publicado em 2022 em Horizontes Antropológicos e pode ser encontrado através do link www.scielo.br/j/ ha/a/hcSNMtfQwn3P5JJzNSfd37m/?lang=pt.

consumista da mulher, vendida nas revistas de moda da época, e o dia a dia de jovens operárias e trabalhadoras do campo, algumas das quais são entrevistadas.

Mangini considerou Ser mulher seu filme de maior apreço, pois a diretora se viu no lugar daquelas mulheres, que expressavam abertamente suas insatisfações com um sistema que as oprimia desde a infância.

Décadas depois, ela comentou: “A descoberta foi a da mulher que é ‘trabalhada’ pela fábrica, do trabalho pesado, das famílias e a relação delas com uma situação sem esperança, no momento inicial de seus (e meus) questionamentos sobre a necessidade de mudança”.4 Ser mulher foi comissionado por uma produtora ligada ao Partido

Comunista Italiano e posteriormente censurado pela então atuante Democracia Cristã –um gesto que acabou dando maior visibilidade ao filme, tanto no exterior (onde ganhou um prêmio no Festival de Leipzig), quanto na Itália, onde virou um hit em cineclubes e circuitos alternativos.

No início da década de 1960, a artista e escritora norte-americana Storm De Hirsch também estava em Roma para realizar seu primeiro filme, o longa-metragem de ficção Goodbye in the Mirror (concluído em 1964, após sua volta aos Estados Unidos). De Hirsch (que nasceu em 1912, em Nova Jersey, sob o nome Lillian Malkin) passava uma temporada na Itália para cobrir festivais de cinema para publicações norte-americanas, e fez de seu filme um estudo semi-improvisado de três estrangeiras que enfrentam diversos desafios ao morar na capital italiana. Ainda que centrado em protagonistas femininas, de forma inusitada para filmes da época, a diretora negava-se a acreditar na noção de uma autoria explicitamente feminina. Quatro anos após a estreia de Goodbye in the Mirror, ela disse: “Eu sinto que, quando se trata de arte, tem uma questão de alma, de mundo interior, isso é um universal; e sinto que a alma não é nem masculina, nem feminina”.5

De Hirsch falou isso em uma conversa com a cineasta norte-americana Shirley Clarke (1919-1997) que, assim como ela, se alinhou a um grupo de cineastas experimentais e independentes baseados em Nova York que surgiu entre as décadas de 1950 e 1960 e ficou conhecido como o Novo Cinema Americano. Entre os que De Hirsch professou mais admirar estavam seu marido e colaborador frequente, Louis Brigante (1925-1975), e outros artistas cujos filmes performáticos procuraram quebrar tabus sociais, como Ken Jacobs (1933-), Gregory Markopoulos (1928-1992), Jack Smith (1932-1989) e o criador do grupo, o poeta e cineasta de descendência lituana Jonas Mekas (1922-2019).

4. Mangini deu este depoimento em 2019 para o catálogo do festival Il Cinema Ritrovato, em Bolonha, na ocasião da exibição da versão recém-restaurada de Ser mulher: festival.ilcinemaritrovato.

it/en/catalogo-del-festival-2019 (pp. 109-110).

5. A conversa entre De Hirsch e Clarke sobre seus trabalhos e a importância ou não do gênero de um artista foi publicada originalmente na revista Film Culture e pode ser conferida em inglês através do link cinefiles.bampfa.berkeley.edu/catalog/9681.

Quando começou a fazer cinema, De Hirsch já era uma poeta estabelecida, tendo publicado poemas cujos versos de teor surrealista, com imagens góticas e violentas, retratavam o mundo como uma extensão da psique humana. Muitos dos filmes que ela fez após Goodbye in the Mirror mantinham coerência com seus poemas pelas diversas maneiras em que investigavam as qualidades do ritual, do misticismo, da magia, da sexualidade e da vida interior projetada para fora. Esses filmes, quase todos curtas-metragens, foram realizados entre 1962 e 1975 (ano

em que Brigante faleceu e ela abriu mão de seu estúdio), com recursos próprios e De Hirsch como a operadora das câmeras super-8 e 16 mm.

A cineasta estudava mulheres místicas cujos trabalhos existiram entre o espiritualismo e o charlatanismo, como a russa Helena “Madame” Blavatsky e as norte-americanas Ida Craddock e as Irmãs Fox.

A influência delas sobre De Hirsch pode ser percebida em filmes que criam experiências físicas e concretas da imagem através de abstrações psicodélicas sensoriais. Uma trilogia de filmes chamada A cor do rito, a cor do pensamento (The Color of Ritual, The Color of Thought, 1964-1967) apresenta o mundo mágico e o poder do cinema para potencializá-lo, ao casar intervenções de pintura à mão e arranhões na película com trilhas sonoras que evocam estados de transe e êxtase. A experiência com dupla projeção em Borboleta do terceiro olho (Third Eye Butterfly, 1968) convida o espectador a criar uma nova percepção a partir das intersecções de imagens preexistentes. A busca de De Hirsch pela natureza profunda e primitiva da psique também resultou em narrativas oníricas como Geometria da cabala (Geometrics of the Kabbalah, 1975) e o média-metragem O Homem Tatuado (The Tattooed Man, 1969), que recontam

em termos alegóricos a tomada da consciência do ser humano.

Em uma conversa com Mekas sobre Goodbye in the Mirror , De Hirsch citou como um de seus cineastas preferidos o italiano Vittorio De Seta (1923-2011), realizador de uma bela série de documentários curtos chamada O mundo perdido ( Il mondo perduto , 1954-1959), sobre o desaparecimento das tradições milenares do sul da Itália. 6 O fascínio de De Hirsch pelo misticismo e pela relação próxima entre o ser humano e a natureza, características do mundo antigo, e que traçam uma linha tênue entre performance e realidade, moldaram e fortaleceram sua obra cinematográfica. Junto aos seus estrondosos filmes sonoros, há diversos filmes silenciosos que oferecem breves experiências intensamente poéticas, muitas vezes baseadas em uma exploração em primeira pessoa de paisagens naturais. Tanto a série de seis “cine-canções” (“cine-songs”) que

ela realizou na década de 1960 quanto nos filme-diários e na série de 14 “cine-sonetos” (“ cine-sonnets ”) da década de 1970 geram uma consideração implícita sobre a mortalidade humana ao observar a passagem do tempo.

6. O texto de Mekas, “An Interview with Storm De Hirsch”, foi publicado na The Village Voice em julho de 1964, logo antes das sessões de Goodbye in the Mirror no Festival de Locarno, e pode ser encontrado no livro de Mekas Movie Journal: The Rise of a New American Cinema, 1959-1971

Cecilia Mangini acompanhou um crescente interesse em sua obra na última década de sua vida e participou em diversas retrospectivas e homenagens antes de falecer em 2021. Em contraste, quando De Hirsch morreu em 2000, ela estava afastada da vida pública e com seu nome ignorado pela maioria dos estudos sobre a vanguarda norte-americana. O trabalho dela ficou mais conhecido em anos recentes com o lançamento de alguns de seus filmes em DVD (em 2020) e a publicação impressa de sua poesia completa (em 2018), ambos nomeados a partir de um de seus poemas: Mitologia para a alma (Mythology for the Soul). Um leitor pode encontrar nos textos, originalmente publicados entre 1955 e 1966, referências diretas aos filmes –por exemplo, o nome de uma das “cine-canções”, Silenciosamente carregando o totem de um pássaro (Silently, Bearing Totem of a Bird, 1962), aparece como um verso no poema “Harangue the Night”. Lá estão também desde os primeiros trabalhos, visões e evocações de uma busca sem fim.

Loa a mulher (Storm De Hirsch, 1955)7

Loa a mulher anda na linha passo às pressas reza e reta  pietá mar afora.

Empalada na proa pau pra toda obra boi de piranha dia e noite, noite e dia até a horda espessa da onda expressa espremer o estupor na praia esfomeada dos moluscos taciturnos lábios de fenda no turno das marés

caros carunchos crisálidas e loa a mulher  piruetando em Polaris. Tramoias do mar a lua careca e uns fios fugidios e a luz laceada a roncar rancorosa e vibrar a língua da víbora que acena sedenta por cópula em pele no pelo soco no osso a seco.

Pista e pústula verde incrusta loa a mulher fugidia da história ela apela à vitória.

7. A tradução do inglês para o português deste poema foi feita pelo poeta e tradutor brasileiro Victor Scatolin Serra. O texto original de “Bells the Woman” pode ser encontrado no livro Mythology for the Soul: The Collected Poems of Storm De Hirsch, editado por Stephen Broomer: filmmakerscoop.ecwid.com/ Mythology-for-the-Soul-The-Collected-Poems-of-Storm-de-Hirsch-p103155226.

A substância

The Substance Coralie Fargeat | EUA, Reino Unido | 2024, 140’, DCP (Imagem Filmes)

Após ser demitida da TV por ser considerada “velha demais” para ser atriz, Elisabeth Sparkle, interpretada por Demi Moore, recorre a um sinistro programa de aprimoramento corporal.

A substância milagrosa promete rejuvenescê-la, mas resulta em uma transformação ainda mais radical. Ela agora precisa dividir seu corpo com Sue, sua versão jovem e melhorada, interpretada por Margaret Qualley. Aos poucos, a atriz começa a perder o controle da própria vida.

Em entrevista à jornalista Farah Nayeri para o The New York Times, por ocasião da estreia do filme no Festival de Cannes de 2024, Fargeat diz que todos os seus filmes são sobre vingança.

“Vingança sobre o corpo da mulher e a forma como ele é percebido”. Especificamente sobre A substância, a cineasta comenta: “É uma abordagem feminista do filme de terror corporal e bem diferente de Vingança [Revenge, seu filme anterior, lançado em 2017], embora também haja muitas semelhanças. É um filme de gênero. Os filmes de gênero são uma excelente maneira de falar sobre questões sociais.”

“O que eu gosto de fazer em meus filmes é criar outros universos: criar meu próprio mundo, com minhas próprias regras e códigos, e levar tudo ao extremo de uma forma muito visceral, de uma forma que seja muito fiel a quem eu sou.”

“Quando se trata de violência no cinema, o que me interessa não é a pornografia de tortura ou mostrar a dor apenas por mostrar. Há sempre uma espécie de distância e afastamento do realismo da violência. Meus filmes são ambientados em cenários muito coloridos e visuais, que parecem quase ambientes pop. A violência é tão extrema que há momentos de humor nela. A natureza excessiva da violência nos afasta de uma sensação de realismo total. [...] A violência metafórica de A substância reflete a violência dessa desigualdade cotidiana, que as mulheres continuam a enfrentar.”

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/substanciacf]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Antonio Candido, anotações finais

Eduardo Escorel | Brasil | 2024, 87’, DCP (Bretz Filmes)

“Na madrugada de 12 de maio, oito meses antes dessa tarde de chuva em São Paulo, eu morri”, diz calmamente nos primeiros minutos de filme a voz do ator Matheus Nachtergaele, que faz a interpretação dos textos de Antonio Candido, morto em 2017, aos 98 anos. “Ao morrer, deixei meus cadernos de anotações no armário do corredor interno do apartamento onde morava há 21 anos. Comecei o primeiro

caderno aos 15 anos, quando cursava o quarto ano ginasial, seguindo a recomendação de minha mãe, Clarice, uma mulher luminosa e grande leitora. Foi ela quem me aconselhou a registrar minhas impressões de leitura quando viu que eu estava resumindo, por escrito, um texto de divulgação sobre filósofos gregos. Nas décadas seguintes, destruí muitos desses cadernos em rompantes negativistas.”

Antonio Candido deixou 74 cadernos inéditos. Baseado nos dois últimos, o filme se debruça sobre textos escritos entre 2015 e 2017. Os sinais de fragilidade física, notícias de jornal, a derrubada de Dilma Roussef da presidência da República, preferências literárias, musicais e cinematográficas, evocações dos antepassados, menções à infância no sudoeste de Minas e lembranças de Gilda de Mello e Souza são temas recorrentes.

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Assexybilidade

Daniel Gonçalves | Brasil | 2023, 86’, DCP (Olhar Filmes)

Histórias sobre a sexualidade de pessoas com deficiência. Um filme que fala sobre flerte, beijo na boca, namoro, masturbação, capacitismo e –óbvio – sexo. O diretor Daniel Gonçalves ouve das pessoas com deficiência aquilo que socialmente não é esperado que elas digam e façam, rompendo com o estereótipo de que seriam seres assexuados, angelicais, especiais ou, mesmo, desprovidos de desejos. “Nós fodemos e fodemos bem”, dizem por aí.

“O que é essa coisa do ser normal? É uma construção sociocultural”, diz o diretor Daniel Gonçalves em entrevista ao programa Conversa com Bial. “Na época das cavernas, as pessoas com deficiência eram mortas. O tempo passou, e passamos a ser vistos como demônios. Na época da Reforma Protestante, o Lutero dizia que pessoas que hoje seriam consideradas autistas, ele dizia, essas pessoas não tinham alma. Passou mais um tempo fomos alçados à categoria de anjos. Acho que muito em função de um ideal cristão mesmo. Um anjinho que eu posso ajudar. Uma coisa de caridade. ‘Ai, eu dou alguma coisa pra ele, mas desde que ele fique naquele lugar. Ele não precisa vir pra junto de mim.’ Aí, mais recentemente, eu diria que de 20, 10 anos pra cá, pessoas como eu, que têm algum tipo de voz, de ímpeto, começamos a falar pra poder tentar mudar isso. E essa história do anjinho, isso até o Dudé, que é um dos personagens do filme, fala na entrevista: se você tem um filho com deficiência e você acha que ele é um anjinho, esse filho uma hora vai começar a ter desejo com toda pessoa –tenha ela uma deficiência ou não. E aí como você vai lidar quando aquele seu anjinho de candura começar a ter desejo? Ou o caminho inverso, como alguém pode ter algum desejo sexual em relação ao meu anjinho. Então o Assexybilidade vem muito pra dar uma escancarada nisso. Dizer que não é anjo coisa nenhuma, é pessoa.”

[Depoimento extraído de: bit.ly/assexybilidadedg]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Até que a música pare

Cristiane Oliveira | Brasil, Itália | 2023, 97’, DCP (Pandora Filmes)

Depois que o último filho sai de casa, Chiara, matriarca de uma família descendente de italianos, decide acompanhar o marido em suas viagens como vendedor pelos botecos da Serra Gaúcha. Uma tartaruga e baralhos de carta colocarão à prova mais de 50 anos de vida a dois.

Diretora dos longas A mulher do pai (2017) e A primeira morte de Joana (2019), Cristiane Oliveira comentou por ocasião da exibição no Festival do Rio de 2023 o quanto o filme aborda a ética nas relações e as rupturas em relações profundas provocadas por diferenças ideológicas e polarização política. “Este filme dialoga muito com essa dor, com essa escalada de discursos de ódio

que fez com que muitas famílias tivessem fissuras, como um vidro que trinca e não se cola mais”, avalia. “É uma dor que permeou todo o nosso processo. Qual o limite da nossa tolerância? É uma pergunta difícil de responder. Quais são as palavras que fazem a gente desistir de quem amamos?”

Ambientado no interior da Serra Gaúcha, o filme é falado em italiam. Uma mescla do português com idiomas do norte da Itália, o italiam foi preservado pela comunidade local, formada de descendentes de imigrantes de italianos que se instalaram na região no século XIX. O elenco foi recrutado entre o grupo de teatro Miseri Coloni, de Caxias do Sul, que há quatro décadas promove o idioma em seus espetáculos. “Não dei o roteiro para eles de cara”, conta Oliveira. “A gente foi conversando sobre as situações primeiro, ao longo de seis meses de trabalho. Dessas conversas, eles, muito generosamente, aceitaram que algumas histórias próprias deles viessem para o filme.”

[Depoimentos extraídos de matéria de João Vitor Figueira para o Festival do Rio: bit.ly/ atequeamusicapareco]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

O mal não existe

Aku wa sonzai shinai Ryūsuke Hamaguchi | Japão | 2023, 106’, DCP (Imovision)

Takumi e sua filha Hana moram na vila de Mizubiki, perto de Tóquio. Um dia, os habitantes da aldeia tomam conhecimento de um plano para construir um espaço de glamping, uma versão de luxo do acampamento, perto da casa de Takumi, oferecendo aos moradores da cidade uma fuga confortável para a natureza.

Do mesmo diretor de Drive My Car, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2021, O mal não existe retoma a parceria com a compositora Eiko Ishibashi. Dessa colaboração, saíram duas obras audiovisuais irmanadas: os longas O mal não existe e Gift. Este último é um filme silencioso, feito especialmente para ser reproduzido com acompanhamento musical ao vivo de Ishibashi. Nas palavras do jornalista Clinton Krute para o portal The Film Comment, os filmes “conversam entre si, enfatizando diferentes estados de espírito e ideias, mas fundamentados na mesma história”.

“No final de 2021", conta Hamaguchi, "Eiko Ishibashi me perguntou se eu poderia criar peças visuais para sua apresentação ao vivo. Isso foi depois de termos trabalhado juntos em Drive My Car. Achei que trabalhar com ela se tornaria algo interessante, então aceitei. Naquele momento, eu não sabia o que ela realmente queria, então trocamos e-mails, escrevemos um para o outro, compartilhamos ideias, até que, aos poucos, percebi que queria filmá-la fazendo música. Fomos até a casa dela e vimos a paisagem ao redor de onde ela trabalha e mora, em uma casa em meio à natureza, e eu a observei fazer música lá. Ela ficava girando os botões, fazendo música muito alta contra essa paisagem natural muito tranquila. Observando-a, comecei a perceber o que eu queria fotografar – imaginei que o ambiente em que ela trabalha deve ter influência em sua produção musical.”

“Nossa relação de trabalho se inverteu em certa medida. Por exemplo, em Drive My Car, fizemos o filme primeiro, e depois conversamos sobre que tipo de música se encaixaria com o que tínhamos feito. Já neste filme, não é que já houvesse uma música pronta, mas eu estava criando algo que se encaixaria à sua música. Para isso, eu precisava pensar sobre que tipo de música ela faz e me preparar para o tipo de música que ela faz. Nesse sentido, sua música tem essa leveza e sutileza, e de fato se desenvolve gradualmente. Além disso, há algo em sua música que não necessariamente se resolve de um jeito fácil. E eu gostaria de garantir que a história e as imagens pudessem fazer o mesmo.”

[Citações extraídas do portal The Film Comment, em inglês: bit.ly/omalnãoexisterh e do canal do Lincoln Center, em japonês com legendas em inglês: bit.ly/omalnãoexisterh2]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

O dia que te conheci

André Novais Oliveira | Brasil | 2023, 71’, DCP (Malute Filmes)

Zeca todo dia tenta levantar cedinho para pegar o ônibus e chegar, uma hora e meia depois, na escola da cidade vizinha, onde trabalha como bibliotecário. Acordar cedo anda cada vez mais difícil, há algo que o impede de manter esse cotidiano. Um dia, Zeca conhece Luisa. O dia que te conheci é o terceiro longa de André Novais Oliveira, diretor de Temporada (2018), Ela volta na quinta (2014) e uma série de curtas-metragens que circularam o mundo, como Fantasmas (2010) e Quintal (2015). “Desde Fantasmas, meu primeiro curta, de 2010, tento fazer os diálogos

naturalistas e fazer com que as atuações soem o mais legítimas possível”, comenta em depoimento disponibilizado no material de imprensa do filme. “Esse foi um trabalho muito prazeroso e divertido, e aberto a improvisos. Em cada longa, trago uma nova dosagem de abertura ao inesperado.”

“Sempre tive muita vontade de tentar o humor nos filmes, e tanto a Grace [Passô] quanto o Renato [Novaes] são bons de comédia também. Eles têm um timing de humor, e equilibrar com o drama foi intuitivo. É muito gostoso ver piadas, ou coisas que nem eram para serem engraçadas, mas acabam com o público. Fico muito feliz.”

Filmado ao longo de dez dias entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022, o filme de Oliveira dialoga com referências que vão desde os cineastas Abbas Kiarostami e Apichatpong Weerasethakul, o compositor norte-americano

William Grant Still e a cena do rap contemporâneo brasileiro: “O rap é muito importante no filme. Eu queria muito evidenciar que o Zeca gosta de rap, e mostrar isso nos mínimos detalhes, como na direção de arte. Tem tudo a ver com a cena do rap em BH, que tem crescido bastante. Não à toa, Djonga, Matéria Prima e o Fabrício FBC estão na trilha, além do FBC fazer uma participação como ator, que me deixou muito feliz.”

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Stop Making Sense

Jonathan Demme | EUA | 1984, 88’, DCP (O2 Play), cópia restaurada em 4K

A banda Talking Heads apresenta suas músicas mais memoráveis em uma apresentação ao vivo filmada ao longo de três noites no Pantages Theater de Hollywood, em dezembro de 1983. Dirigido por Jonathan Demme (que faria mais tarde O silêncio dos inocentes e Filadélfia) a convite de David Byrne, o filme é um marco na história dos filmes de concerto musical e retorna ao cinema em nova restauração em 4K em comemoração de seu aniversário de 40 anos de lançamento. Stop Making Sense é estrelado pelos principais membros da banda, David Byrne, Tina Weymouth, Chris Frantz e Jerry Harrison, além de Bernie Worrell, Alex Weir, Steve Scales, Lynn Mabry e Edna Holt.

“No início de 1983, Gary Goetzman e eu fomos ver minha banda favorita, os Talking Heads, no Hollywood Bowl, em Los Angeles. O show foi como ver um filme que estava esperando para ser filmado. Procuramos David Byrne e lhe apresentamos a ideia de nos unirmos para fazer o filme”, comentou Demme em entrevista junto a David Byrne para a Time Magazine, por ocasião dos 30 anos da obra. “David realmente viu esse filme em sua própria cabeça muito antes de nós chegarmos e convencê-lo.”

Sobre o trabalho de Demme, Byrne comenta que o cineasta “viu coisas no show que eu não sabia que existiam ou que não sabia o quanto eram importantes. [...] Ele observou a interação das pessoas no palco, que funcionava como se todos tivessem a mesma importância em cena, se víssemos como um roteiro de cinema. Ele também percebeu que, para trazer o espectador para essa percepção, o filme não teria entrevistas ou imagens do público até quase o final.”

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/stopims]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Histórias ocupadas:

Steve McQueen

O Cinema do IMS apresenta a programação

Histórias ocupadas: Steve McQueen, com foco na obra recente do diretor britânico. A programação inclui a estreia brasileira de Occupied City (2023), novo trabalho de McQueen, que investiga as reminiscências da ocupação nazista na cidade de Amsterdã.

A mostra inclui também os cinco filmes da antológica série Small Axe, exibidos entre outubro e dezembro no IMS Paulista e IMS Poços, em sessões únicas. Eleita em 2020 como a melhor produção do ano pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles, Small Axe reúne cinco histórias distintas inspiradas em personagens da comunidade afro-caribenha em Londres, entre 1960 e 1980. Os filmes abordam as tensões raciais presentes na cidade e as lutas por direitos em diferentes esferas, dos tribunais às pistas de dança. Após estrear no Festival de Cannes em 2020, Small Axe foi lançado pela Amazon e, no Brasil, ficou disponível apenas em serviços de streaming. Essa é a primeira vez que a antologia é exibida em uma sala de cinema nacional.

Para acompanhar a exibição dos filmes, o Cinema do IMS publicará uma série de textos com contribuições de Ashley Clark, diretor curatorial da The Criterion Collection, da pesquisadora Mariana Queen Nwabasili, de Steve McQueen e do sociólogo Paul Gilroy, que atuou como consultor na realização de Small Axe.

A programação tem apoio de The Criterion Collection.

Small Axe: Mangrove

Mangrove conta a história verídica de Frank Crichlow, cujo restaurante Mangrove, de origem indiana ocidental, um animado centro comunitário em Notting Hill, Londres, atraía moradores, ativistas, intelectuais e artistas. Em uma época de flagrante discriminação racial, Crichlow se vê, assim como seu negócio, alvo de incansáveis batidas policiais. Em uma tentativa de acabar com a discriminação e a ruína de sua base comunitária, Frank e seus amigos saem às ruas em um protesto pacífico em 1970, mas são recebidos com agressão policial.

Como resultado, nove homens e mulheres, incluindo Frank, a líder do movimento Pantera Negra britânico Altheia Jones-LeCointe e o ativista Darcus Howe, são presos injustamente e acusados de incitar tumultos e agressões. Segue-se, então, um julgamento altamente noticiado à época.

“Para mim, esses filmes deveriam ter sido feitos há 35 anos, 25 anos, mas não foram, e acho que, na minha cabeça louca, eu queria fazer o máximo de filmes que pudesse para corrigir isso”, conta McQueen a David Olusoga para a Sight and Sound.

“Naquela época, ninguém daria dinheiro a mim –ou a qualquer outra pessoa – para fazer um filme sobre os Mangrove Nine. Você não era bem-vindo. Cinquenta anos depois, todos estão celebrando essas pessoas em particular.”

“Quero dizer, eu não sabia sobre o Mangrove Nine até talvez dez anos atrás. Um dos melhores amigos do meu pai era Rhodan Gordon [um dos Mangrove Nine]. Rhodan costumava ir à nossa casa o tempo todo, e meu pai costumava ir ao Mangrove. Mas acho que o que aconteceu foi muito TEPT [transtorno de estresse pós-traumático] após o julgamento. Rhodan Gordon, no dia seguinte ao julgamento, teve a perna e o braço quebrados e foi preso por posse de arma perigosa e agressão. Ele pegou 36 meses de prisão. Essas pessoas foram perseguidas pela polícia. E seus filhos tiveram que lidar com isso, e ainda estão lidando com isso.”

“Portanto, o fato de eu não ter ideia de quem era essa pessoa, até recentemente, não é uma surpresa real, porque era um drama. Agora podemos celebrá-los, pois nenhum dos nove homens do Mangrove Nine está vivo.”

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/ mangrovesm]

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Steve McQueen | Reino Unido, EUA | 2020, 127’, DCP (Turbine Studios)

Um palmo

Wagner Sampaio | Brasil | 2023, 78’, DCP (Tomate Filmes)

Diogo, interpretado por Willian Mello, está saindo de casa escondido na madrugada de uma terçafeira quando é surpreendido por um apagão no bairro. A falta de luz na região o deixa preso no elevador. Sem encontrar solução além da espera, Diogo se distrai nas redes sociais. Mas algo inesperado acontece quando ele percebe ser o único espectador dos stories de Jéssica, interpretada por Luiza Tiso, que logo passa a abordá-lo diretamente e demonstrar saber mais de sua vida do que ele poderia imaginar. Jéssica ameaça e chantageia Diogo, enquanto ele está sem saída no elevador parado.

Todo realizado em um elevador montado em estúdio, a produção mescla captação tradicional com imagens gravadas por celular. “O roteiro nasceu de uma ideia de alívio cômico, de tratar questões tensas sobre isolamento e privacidade com humor, mas, como as histórias têm vida própria, ele ganhou um ar mais tenso no desenvolvimento. No fim, temos uma história tragicômica que fala muito do espírito do nosso tempo”, conta Sampaio em depoimento ao Portal do Belém.

[Depoimento extraído de: bit.ly/umpalmows]

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Estranha forma de vida

Extraña forma de vida

Pedro Almodóvar | Espanha | 2023, 82’, DCP (O2 Play)

Na primeira cena do novo média-metragem de Almodóvar, Caetano Veloso entoa o fado homônimo de Amália Rodrigues. “Que estranha forma de vida/ Tem este meu coração”. No filme, dois ex-pistoleiros de aluguel no Velho Oeste, interpretados por Ethan Hawke e Pedro Pascal se reencontram depois de trabalharem juntos há mais de 25 anos. Entre crimes e uma forte tensão sexual, logo fica claro que o motivo do reencontro não é estritamente amigável ou coincidente. Como em seu recente longa-metragem Dor e glória, Almodóvar retrata o reencontro de dois homens maduros que viveram uma

paixão de juventude. Em entrevista à Radiotelevisión Española, ele comenta: “Achei mais atraente, porque já havia feito isso [o encontro amoroso entre homens] de outras idades. E não há muitos filmes que falem sobre o desejo entre homens maduros. Praticamente nus, neste caso, porque eles estão levantando da cama, mas acima de tudo estão desnudos da palavra do que acabou de acontecer entre eles. Foi isso que me atraiu: dois velhos cowboys em um gênero tão masculino e dando voz a uma situação que nunca vi nesse gênero. Exceto em Johnny Guitar (Nicholas Ray, 1954), que é uma exceção, é um gênero masculino. Acho que há um grande espaço a ser investigado que tem a ver justamente com o desejo desses homens.”

O filme estreou na edição deste ano do Festival de Cannes e tem figurino da Saint Laurent Productions, nova divisão cinematográfica da casa Yves Saint Laurent.

Após o filme, será exibida uma entrevista de cerca de 50 minutos com Almodóvar, produzida exclusivamente para a exibição nos cinemas.

[Íntegra da entrevista, em espanhol: bit.ly/ extrañaIMS]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Crise da presença, mitologia para a alma: filmes de Cecilia Mangini e Storm De Hirsch

A Sessão Mutual Films apresenta obras de duas maestrinas do cinema independente que realizaram a maior parte de seus filmes entre as décadas de 1950 e 1970.A norte-americana Storm De Hirsch (1912-2000) começou sua vida artística como pintora e poeta e, aos 50 anos, migrou para o cinema. Seus curtas-metragens experimentais, alinhados ao Novo Cinema Americano, foram realizados em super-8 e em 16 mm e oscilam entre a poesia visual silenciosa e a psicodelia ritualística. A documentarista italiana Cecilia Mangini (1927-2021), influenciada pelo neorrealismo, buscou denunciar o comportamento vampiresco do Norte de seu país sobre o Sul (região onde nasceu), o desaparecimento de rituais rurais milenares e a presença fantasmagórica do fascismo na sociedade italiana. Ela realizou grande parte de seus filmes com duração em torno de 10 minutos, seguindo o modelo italiano de documentário Fórmula 10, e trouxe para esse gênero qualidades artísticas excepcionais que levaram décadas para ganhar seu devido reconhecimento. Os filmes de De Hirsch e Mangini passarão no IMS Poços em novas cópias digitais de alta resolução, e a primeira exibição será seguida por um debate com os curadores e Beatriz Castro.

Apresentando Cecilia Mangini

Começamos com um ritual milenar italiano em celebração à colheita do trigo. Em A paixão do grão (cujo roteiro foi escrito pelo etnógrafo Ernesto De Martino), o medo frente à escassez do inverno leva os camponeses a criar um rito de caça ao bode para disfarçar a ceifa do trigo. A encenação baseia-se em uma tradição que já na época havia desaparecido, e sua teatralização assume um caráter surrealista. Depois chegamos ao fardo da persistência da vida, da velhice. Em Maria e os dias, acompanhamos Maria di Capriati (madrinha de Mangini), uma camponesa anciã italiana que, entre crianças, animais, homens e mulheres, vive uma vida simples e doméstica sem descanso. Carrega consigo as lembranças de uma existência que aos poucos se apaga, como suas velhas fotografias. Adentrando a seara da nostalgia, O canto da margem observa o ritual de lazer de garotos da periferia de Roma. Às margens do rio Tibre, garotos sendo garotos, se engalfinham, se esbofeteiam, nadam, gargalham, comem peixinhos catados ali. A narração de Pier Paolo Pasolini (na última de suas três colaborações com Mangini) traz um outro tempo, o da vida adulta e da lembrança de um passado de pertencimento a essa gangue, da qual hoje, sendo um homem feito, tornou-se inimigo. Da encenação, passamos para a animação e experimentação sonora e visual da cineasta Storm De

Hirsch. No brilhante e colorido A rainha do peiote (parte de uma série de filmes da artista chamada A cor do rito, a cor do pensamento), os tambores de uma música tribal africana são acompanhados por imagens caleidoscópicas de luzes e seios que evocam outros rituais de fertilidade e renovação – os do cinema e da cultura pop. Após esse interlúdio, mergulhamos na vida urbana e nos sonhos de trabalho e consumo de um adolescente desocupado. Tommaso segue os passos e pensamentos de um jovem em sua lambreta, dirigindo freneticamente pelas ruas da pequena cidade sulista italiana de Brindisi, onde a recém-construída petrolífera Monteshell já se tornou o desejo inalcançável de trabalho de muitos moradores locais. O programa encerra com um estudo documental sobre o contraste entre a realidade de jovens mulheres italianas de classe operária (entrevistadas por Mangini) e a imagem de feminilidade e consumo vendida pelas revistas especializadas. Dois universos inconciliáveis, o do trabalho industrial e o da publicidade, se chocam ao serem colocados lado a lado no filme Ser mulher. O programa conta com os seguintes filmes:

A paixão do grão

La passione del grano

Cecilia Mangini e Lino Del Fra (como Antonio Michetti) | Itália | 1960, 11’, DCP (Cinemateca de Bolonha)

Maria

e os dias

Maria e i giorni

Cecilia Mangini | Itália | 1960, 11’, DCP

(Videa S.p.A. e Cinemateca de Bolonha)

O canto da margem

La canta delle marane

Cecilia Mangini | Itália | 1961, 11’, DCP (Cinemateca de Bolonha)

A rainha do peiote

Peyote Queen

Storm De Hirsch | EUA | 1965, 9’, DCP (The Film-Makers’ Cooperative)

Tommaso

Tommaso

Cecilia Mangini | Itália | 1965, 11’, DCP (Cinemateca de Bolonha)

Ser mulher

Essere donne

Cecilia Mangini | Itália | 1965, 30’, DCP (Cinemateca de Bolonha e AAMOD – Fondazione

Archivio Audiovisivo del Movimento Operaio e Democratico)

Apresentando Storm De Hirsch

O filme poético Silenciosamente carregando o totem de um pássaro foi parte de uma série de trabalhos em super-8 que Storm De Hirsch chamou de “cine-canções”. Ele acompanha, sob diversos ângulos, o fluxo das águas de um rio em uma paisagem bucólica no estado de Nova York, da manhã até o entardecer. Mergulhamos então no Expresso de setembro (que De Hirsch chamou de um “cine-soneto”) e na paisagem frenética e silenciosa da vista de um trem que segue de Roma para Veneza. São belas imagens, oscilando entre a figura e a abstração, de campos, reflexos de pessoas e borrões que prolongam uma sensação de nostalgia pungente. Com tom melancólico e destrutivo, passamos então para o breve Trap Dance, um trocadilho com a palavra “sapateado” em inglês (tap dance), que utiliza imagens de arquivo e intervenções na película para expressar a estupidez da guerra e o enfraquecimento do ser humano em um mundo dominado pela tecnologia. Segue então o filme-performance Borboleta do terceiro olho – uma experiência psicodélica, visual e sonora, com projeção em tela dupla, quádrupla e até óctupla. Após esse transe de luzes, cores, ritmos e ruídos, vem uma imersão em um ritual

de morte milenar na região italiana de Salento. No filme de Cecilia Mangini Stendalì (ainda soam) (cuja narração foi escrita por Pier Paolo Pasolini), mulheres cantam em um dialeto antigo e dançam aos prantos a perda de um filho querido, dentro do recinto claustrofóbico e delirante onde reside o morto. Por fim, voltamos ao cinema de De Hirsch com um filme inspirado em um de seus poemas, cujos versos dizem: “E me agarro aguerrido ao relógio/ que dirige com seus braços minha vida”. Os personagens de O Homem Tatuado são divididos em “fazedores do sonho”, “sonhadores do sonho” e “assassinos do sonho”. Uma história construída a partir de sons e imagens enigmáticas e sinistras, nas quais as figuras de Homem e Mulher são confrontadas em sua masculinidade e feminilidade, tendo como resultado a perda da inocência.

O programa conta com os seguintes filmes:

Silenciosamente carregando o totem de um pássaro

Silently, Bearing Totem of a Bird

Storm De Hirsch | EUA | 1962, 7’, DCP

(The Film-Makers’ Cooperative)

Expresso de setembro

September Express

Storm De Hirsch | EUA | 1973, 6’, DCP

(The Film-Makers’ Cooperative)

Trap Dance

Storm De Hirsch | EUA | 1968, 2’, DCP (The Film-Makers’ Cooperative)

Borboleta do terceiro olho

Third Eye Butterfly

Storm De Hirsch | EUA | 1968, 9’, DCP (The Film-Makers’ Cooperative)

Stendalì (ainda soam)

Stendalì: suonano ancora Cecilia Mangini | Itália | 1960, 11’, DCP (Cinemateca de Bolonha)

O Homem Tatuado

The Tattooed Man

Storm De Hirsch | EUA | 1969, 36’, DCP (The Film-Makers’ Cooperative)

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Fagner Andrades e Gilmar Tavares

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

Os filmes de outubro

O programa do mês tem o apoio da Produtora Tomate Filmes, da Turbine Studios, das distribuidoras Bretz Filmes, Imagem Filmes, Imovision, Malute Filmes, O2 Play, Olhar Filmes, Pandora Filmes

Agradecemos a Aaron Cutler, Abbey Lustgarte, Ashley Clark, Beatriz Castro, Charlotte Andrews, Chloe Huybens, Elizabeth Pauker, Heitor Augusto, Daniella Shreir/Another Gaze, Ж (KK), Liciane

Mamede, Liz Helfgot, Luiza Tiso, Mariana Queen Nwabasili, Mariana Shellard, Michael Gibbons, Michela Zegna/Cinemateca de Bolonha (Acervo de Cecilia Mangini e Lino Del Fra), Robert Schneider + Sheldon Henderson/The Film-Makers’ Cooperative, Stephen Broomer/Sightline Editions, Wagner Sampaio, Ximena Amescua Cuenca e à pequena Ava.

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 85 lugares.

Meia-entrada

Histórias ocupadas: Steve McQueen apoio

Sessão Mutual Films

Realização: Cinema do IMS

Curadoria e produção: Aaron Cutler e Mariana Shellard

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública e privada, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

A substância (The Substance), de Coralie Fargeat (EUA, Reino Unido | 2024, 140’, DCP)

Ser mulher (Essere donne), de Cecilia Mangini (Itália | 1965, 30’, DCP)

Visitação: terça a sexta, das 13h às 19h. Sábados e domingos, das 9h às 19h. Entrada gratuita.

Sessões de cinema: Quintas e sextas, a partir das 19h. Sábados e domingos, a partir das 16h.

Rua Teresópolis, 90 CEP 37701-058

Cristiano OsórioPoços de Caldas ims.pc@ims.com.br

ims.com.br

/institutomoreirasalles @imoreirasalles @imoreirasalles /imoreirasalles /institutomoreirasalles

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