IMS Rio: os filmes de março/2019

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cinema mar.2019


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IMS Rio fechado

IMS Rio fechado

14:00 Tito e os pássaros (73’) 16:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 18:00 Um elefante sentado quieto (230’)

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14:00 Tito e os pássaros (73’) 16:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 18:00 Um elefante sentado quieto (230’)

14:00 Tito e os pássaros (73’) 16:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 18:00 Um elefante sentado quieto (230’)

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Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) Sobre rodas (75’) As filhas do fogo (116’) Azyllo muito louco (86’)

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Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) Sobre rodas (75’) As filhas do fogo (116’) As filhas do fogo (116’)

27 Diários de classe (72’) Sobre rodas (75’) As filhas do fogo (116’) Como era gostoso o meu francês (83’)

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Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) Sobre rodas (75’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) As filhas do fogo (116’)

Diários de classe (72’) Sobre rodas (75’) As filhas do fogo (116’) Diários de classe (72’)

28 Diários de classe (72’) Sobre rodas (75’) A marca do assassino (91’) 66 (90’)

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Sobre rodas (75’) António um dois três (95’) Diários de classe (72’) António um dois três (95’)

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em facebook.com/cinemaims e ims.com.br.


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14:00 Tito e os pássaros (73’) 16:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 18:00 Estação do diabo (234’)

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14:00 Tito e os pássaros (73’) 16:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 18:00 Um elefante sentado quieto (230’)

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Sobre rodas (75’) Sobre rodas (75’) As filhas do fogo (116’) L.A. Rebellion: Bem-vindo de volta, irmão Charles (92’), seguido por fala de Luís Fernando Moura

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Sobre rodas (75’) António um dois três (95’) Diários de classe (72’) António um dois três (95’)

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Filme paisagem (72’) Tito e os pássaros (73’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) Um elefante sentado quieto (230’)

10 Filme paisagem (72’) Tito e os pássaros (73’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) Um elefante sentado quieto (230’)

11:30 14:00 16:00 18:00

Filme paisagem (72’) Tito e os pássaros (73’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) Um elefante sentado quieto (230’)

17 Imagens do mundo e inscrição da guerra (75’) Filme paisagem (72’) Intervalo (40’) L.A. Rebellion: Curtas 1 (71’) L.A. Rebellion: Uma imagem diferente (52’), seguido por fala de Janaína Oliveira L.A. Rebellion: Curtas 2 (58’)

23 Diários de classe (72’) Sobre rodas (75’) As filhas do fogo (116’) Diários de classe (72’)

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Filme paisagem (72’) Tito e os pássaros (73’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) Um elefante sentado quieto (230’)

11:30 Tito e os pássaros (73’) 14:00 Sobre rodas (75’) 16:00 L.A. Rebellion: Curtas 3 (71’), seguidos por fala de Mario Vieira da Silva 18:30 L.A. Rebellion: Abençoe seus pequeninos corações (80’), seguido por fala de Bernardo Oliveira

24 Imagens do mundo e inscrição da guerra (75’) Filme paisagem (72’) Intervalo (40’) Sobre rodas (75’) 66 (90’) A marca do assassino (91’), seguido de debate com Aaron Cutler, Mariana Shellard e Ruy Gardnier

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Imagens do mundo e inscrição da guerra (75’) Filme paisagem (72’) Intervalo (40’) Como era gostoso o meu francês (83’), apresentada por Ana Maria Magalhães 18:00 Azyllo muito louco (86’), apresentada por Ana Maria Magalhães 20:00 António um dois três (95’)

Tito e os pássaros (73’) Diários de classe (72’) Sobre rodas (75’) As filhas do fogo (116’) Diários de classe (72’)

Tito e os pássaros (73’) Sobre rodas (75’) António um dois três (95’) Como eliminar seu chefe (110’) António um dois três (95’)


Como era gostoso o meu francês, de Nelson Pereira dos Santos (Brasil | 1971, 83’) capa Ciclos (Cycles), de Zeinabu irene Davis (EUA | 1989, 17’, digital)


destaques de março 2019

Um elefante sentado quieto (Da xiang xi di er zuo), de Hu Bo (China | 2018, 230’, DCP)

A bolsa (The Pocketbook), de Billy Woodberry (EUA | 1980, 13’, DCP)

Reprogramada para os dias 15 a 17 de março, a mostra L.A. Rebellion apresenta filmes inéditos no Brasil, realizados por cineastas afrodescendentes nos anos 1970 e 1980 na UCLA, acompanhados por um ciclo de debates que põe em foco esta produção pungente, atual e pregnante. O documentário Diários de classe se propõe a acompanhar três mulheres negras, estudantes de centros de alfabetização para adultos, em Salvador. Também baseado no entrecruzamento de trajetórias, Um elefante sentado quieto aborda 1

a vida de quatro personagens em uma cidade industrial chinesa, economicamente deprimida, o que resulta em cotidianos dos mais perversos. Em registro completamente oposto, serão apresentados também dois filmes de Nelson Pereira dos Santos, filmados em Paraty durante o período mais violento da ditadura militar. Em diálogo com esse contexto, a resposta é imaginativa, alegorias de Brasil que vão da experiência antropofágica tupinambá, em Como era gostoso o meu francês, ao manicômio lisérgico do século XIX, em Azyllo muito louco.

Azyllo muito louco, de Nelson Pereira dos Santos (Brasil | 1970, 83’, 35 mm para DCP)

Diários de classe, de Igor Souza e Maria Carolina da Silva (Brasil | 2017, 72’, DCP)


Pérolas negras – L.A. Rebellion por Luís Fernando Moura e Victor Guimarães

Na alegre missão de introduzir as obras da chamada L.A. Rebellion no Brasil, e na consciência de que poucos destes filmes foram vistos – por poucas pessoas –, e muitos não foram vistos por virtualmente ninguém (ao menos em salas de cinema), optamos por apresentar no precioso espaço do IMS o que poderíamos já chamar, numa derivação, de pérolas da L.A. Rebellion. Não estão aqui – ao menos de maneira direta – filmes proeminentes desse repertório, como O matador de ovelhas (Killer of Sheep, Charles Burnett, 1977) e Filhas do pó (Daughters of the Dust, Julie Dash, 1991), já exibidos em cinema no Brasil algumas vezes, caso particular do primeiro, ou recentemente listados em plataformas de streaming, caso do segundo – obras mais acessíveis e de fortuna crítica mais ampla. Com este conjunto de 14 títulos – curtas, médias e longas –, redirecionamos, assim, o foco a alguns outros trabalhos que, seguramente reveladores – incríveis –, correriam o risco de ser escamoteados pelo vício das curadorias, que se espelham entre si e naturalmente vinculam certos títulos – e não outros – ao ciclo básico 2

de cânones (mesmo quando estão em processo de constituição), reproduzindo a consolidação de consensos ou hegemonias, ainda que em pesquisas de objeto essencialmente dissensual e contra-hegemônico, como é o caso. Sob a rubrica L.A. Rebellion (ou Rebelião em Los Angeles), com que a crítica mundial recente vem se referindo ao conjunto das obras de realizadoras e realizadores afro-americanos que frequentaram a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) entre a virada para os anos 1970 e o pontapé da década de 1990, indica-se de partida que, em pleno seio da indústria estadunidense de cultura de massa, esses filmes compartilhavam o desejo de romper com as convenções de um regime sensível e performar a fundação de outros. Contra o que, exatamente, se rebelavam? Em primeiro lugar, contra o quase século de imagens que os precedia, esse espelho embaçado de Hollywood em que, na maioria esmagadora do tempo, negros e negras não podiam se reconhecer. Era preciso inaugurar um outro ambiente cinematográfico, próximo às sensibilidades e aos desejos que

surgiam das comunidades afro-americanas. Tratava-se também de combater um sistema de produção majoritário em que, mesmo em um cinema hegemonicamente negro – vide os filmes da Blaxploitation –, era preciso fazer concessões. De certa maneira, a L.A. Rebellion se voltava prioritariamente para a audiência afro-americana – até o público, se branco, parece por vezes ter sido eleito para falso interlocutor na sala de exibição –, e desse modo se pode notar aqui certa retomada da linhagem dos race films de Oscar Micheaux e Spencer Williams. Com uma diferença, para começar: em sua grande maioria, os filmes daqueles estudantes são de arrojo intransigente e vinham indicar arranjos autônomos de produção de cinema, pensamento fílmico e visão da história social. Juntando-nos a esta revisão conjunta, ficamos animados em poder exibir, por exemplo, o singular Mulher africana, EUA (African Woman, USA, Omah Diegu – nascida Ijeoma Iloputaife –, 1980), que, segundo os parceiros do arquivo da UCLA – que capitaneou a restauração desse acervo, majoritariamente realizado


em ambiente escolar, e nos proveu várias das cópias aqui exibidas –, para nossa surpresa, nunca teria sido solicitado para qualquer programação em tempos recentes. Isso em se tratando de uma diretora comumente referenciada – em uma ainda reduzida bibliografia,1 quase toda em língua inglesa –, e com filme presente na trilogia de DVDs que a universidade restaurou e compilou em 2011, disponibilizado com mais um montante de belos curtas para acervos de pesquisa. Naquele ano, muitos desses filmes, das mais diversas extensões, foram pela primeira vez reunidos sob catalogação sistemática da UCLA e voltavam (ainda timidamente) a circular. O repertório de obras redescobertas e restauradas seria apresentado sob a designação L.A. Rebellion, que havia sido cunhada por Clyde Taylor, historiador e curador afro-americano que organizara uma primeira retrospectiva no Whitney Museum em janeiro de 1986. Primeiro Mulher africana, EUA (African Woman, USA), de Omah Diegu [Ijeoma Iloputaife] (EUA | 1980, 20’, digital)

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1. A principal publicação é, certamente, o livro editado pela Universidade da Califórnia em 2015: L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema, não traduzido para o português.


nos EUA, em 2015 em Londres e em 2017 em Paris, mesmo ano em que teve um primeiro recorte apresentado no Brasil, durante o festival Janela Internacional de Cinema do Recife. É verdade, temos entre nós o incrível Bush Mama (Haile Gerima, 1979), que poderia (ao lado dos longas de Burnett e Dash) ser considerado integrante conclusivo de uma possível tríade paradigmática em longa-metragem da L.A. Rebellion, e a difícil acessibilidade a boas cópias de exibição doméstica ou pública desse filme decerto nos deixou, de antemão, inclinados a programá-lo. Para além disso, o primeiro longa de Gerima nos parece indispensável num recorte realizado em 2019: a inquieta reação que causou durante o Janela Internacional de Cinema do Recife, onde esta mesma cópia em 16 mm foi exibida, veio reforçar entre nós a sensação de que Bush Mama tem especial vocação para sintetizar as linhas políticas que fazem desse conjunto de filmes incontornável a algumas das questões que nos movem hoje em sociedade e em cinefilia, inclusive na produção contemporânea no Brasil, se estivermos predispostos a colocar 4

a experiência do presente em perspectiva e a alimentar de genealogias nossos horizontes. Além de filmes raros, vimo-nos assim inclinados a privilegiar também raras cópias de exibição para obras preciosas sem versões mais facilmente portáteis, como as digitais, disponíveis: exibiremos em 16 mm os dois filmes de Gerima programados e os dois títulos que trouxemos da realizadora Alile Sharon Larkin, de trabalho ímpar, mas ainda desconhecido em mostras de cinema no Brasil. Apostamos, ainda, em títulos com restaurações recentes em DCP, inclusive sem sequer terem recebido edição doméstica, como é o caso do estonteante Dando um rolê (Passing Through, Larry Clark, 1977), um outro filme-evento na mostra apresentada no Recife, e que, se não for descoberto pelo público brasileiro nesta oportunidade, por enquanto não terá cópia encontrada em qualquer outra plataforma. Em particular, esse arranjo de enfoques foi naturalmente (ainda que de maneira atenta) encontrando um conjunto expressivo de filmes dirigidos por mulheres – são muitíssimas na lista de créditos da

L.A. Rebellion, sobretudo na produção de curta-metragens, mas apenas Julie Dash parece vir figurando na relação mais corrente de uma meia dúzia de essenciais. Terminamos por selecionar, no conjunto de 14, seis filmes realizados por diretoras de cinema: além de Diegu, Dash e Larkin, Zeinabu irene Davis. Se notarmos que filmes de diretores homens, como Bush Mama, Filha da resistência (Child of Resistance, Haile Gerima, 1972), A bolsa (The Pocketbook, Billy Woodberry, 1980) e Abençoe seus pequeninos corações (Bless Their Little Hearts, Billy Woodberry, 1983), apresentam interesses mais ou menos expressos em desenvolver ricas figuras femininas, é possível já vislumbrar uma primeira trilha de pesquisa suplementar no interior da programação, à maneira de um compêndio de estudos de ponto de vista de mulheres afro-americanas, cujas características dificilmente se replicariam com tal distinção em outras cinematografias conhecidas. De modo similar, o conjunto deixa entrever um testemunho das vivências de uma escola de cinema e da colaboração artística em seu interior, e se


Charles Burnett, nome mais visado do extenso grupo e laureado com um Oscar honorário em 2018, aparece na seleção como realizador de dois curtas, chama a atenção que esteja presente com outras funções na maior parte desses filmes. Burnett cofotografou os dois filmes de Julie Dash e os dois de Billy Woodberry, roteirizando um deles, foi operador de câmera em Bem-vindo de volta, irmão Charles (Welcome Home, Brother Charles, Jamaa Fanaka, 1975), Bush Mama, Dando um rolê, Uma imagem diferente (A Different Image, Alile Sharon Larkin, 1982) e Seus filhos voltam pra você (Your Children Come Back to You, Alile Sharon Larkin, 1979), montador deste e de Ilusões (Illusions, Julie Dash, 1982): de certa forma, é como se uma fatia expressiva da mostra dissesse respeito ao papel excepcional do “professor”, como era chamado por colegas de classe. Os créditos dos filmes, que partilham ainda outros nomes, revelam como essa produção era oriunda de um fazer em comunidade, no sentido mais simples e poderoso da palavra, realizada quase sempre com orçamento mínimo e equipes formadas pelos colegas da 5

universidade. É natural, portanto, que se desenvolvessem pontos estilísticos e discursivos de convergência e coesão, mas também variações e – claro – dispersões e oposições internas. O singular e o plural Se compartilham vontades de cinema, desejos de comunicação e autonomias de produção, esses filmes são também amplamente variados. Revelam, em filigrana, a emergência de vozes autorais singulares, irredutíveis a qualquer tentativa de totalização. A destreza narrativa e a encenação elegante das ficções de época de Julie Dash; a crueza lírica das crônicas de Charles Burnett; a variedade estilística dos ensaios políticos de Haile Gerima; a musicalidade épica e a experimentação revolucionária de Larry Clark; as investigações visuais da subjetividade das mulheres negras nos filmes de Alile Sharon Larkin; as reinvenções lúdicas da ancestralidade africana no trabalho de Zeinabu irene Davis. Diante dessa pluralidade, é natural que protagonistas como Charles Burnett e Haile Gerima rejeitem a ideia de movimento, e mesmo o uso

da expressão “rebelião”. É verdade que a nomeação pode sugerir o desenho de um movimento politicamente coordenado e esteticamente coeso – imagem que, certamente, não faz jus às singularidades dos filmes. Por outro lado, diante das imagens do repertório agrupado pela UCLA, é igualmente impossível não reconhecer traços comuns. O texto de Clyde Taylor publicado no boletim do Whitney Museum era premonitório: “Na virada do próximo século, historiadores do cinema reconhecerão que um ponto de virada decisivo no desenvolvimento do cinema negro teve lugar na UCLA no começo dos anos 1970. Então, definições persuasivas do cinema negro se articularão em torno de imagens codificadas não por Hollywood, mas a partir do autoentendimento da população afro-americana.” Um traço marcante da produção dessa geração é justamente sua autonomia obstinada perante os códigos do cinema que se fazia bem ali, tão perto e tão longe, a menos de dez milhas de distância, mas em outro planeta. Ainda que essa produção tenha sido escamoteada durante décadas, permanecendo longe


do mainstream e dos olhos dos espectadores, seu impacto no cinema realizado por pessoas negras nos EUA nos últimos anos é absolutamente fundamental. No campo do cinema experimental, realizadores como Cauleen Smith, Ephraim Asili ou Christopher Harris não cansam de citar os nomes de Haile Gerima, Larry Clark ou Zeinabu irene Davis como referências fundamentais. E, mesmo no centro da visibilidade midiática norte-americana, não restam dúvidas: hoje, um conjunto significativo de cineastas negros bem-sucedidos em Hollywood – nomes como Ava DuVernay, Dee Rees, Barry Jenkins, Jordan Peele e Ryan Coogler – têm reivindicado filmes da geração de cineastas da L.A. Rebellion como influências decisivas. Em várias ocasiões, DuVernay tem repetindo nos últimos anos sua imensa admiração por Julie Dash, chamada por ela de “ícone para as mulheres cineastas”. Jenkins incluiu O matador de ovelhas em uma mostra de filmes influentes para seu longa-metragem vencedor do Oscar, Moonlight (2016), realizada no Lincoln Center em Nova York. Em uma análise da influência da L.A. Rebellion nos filmes 6

afro-americanos de hoje, a crítica Soraya Nadia McDonald resume: “Não existiria Moonlight sem Charles Burnett”. Mas, se hoje há alguns caminhos abertos para realizadoras e realizadores negros nos grandes estúdios, é preciso constatar que as gerações da L.A. Rebellion não tiveram as mesmas oportunidades. “Uma declaração de independência”. Assim o mesmo Clyde Taylor definiria a significação da L.A. Rebellion em um texto na Black Film Review, ainda em 1986. A proximidade física não poderia ser mais enganadora: não houve cineasta proveniente do grupo que construísse carreira minimamente sólida em Hollywood. Depois do sucesso de O matador de ovelhas em festivais europeus, Charles Burnett recorreu à televisão alemã para financiar O casamento do meu irmão (My Brother’s Wedding, 1983). Julie Dash foi rejeitada por estúdios hollywoodianos antes de conseguir o financiamento para Filhas do pó. Haile Gerima voltou à sua Etiópia natal para filmar. E, mesmo em um caso como o de Jamaa Fanaka, que realizou alguns longas-metragens próximos à produção Blaxploitation, sua posição foi

sempre marginal. Não por acaso, Alysson Nadia Field, uma das curadoras responsáveis pela restauração destes filmes, afirma que “os momentos mais lamentavelmente negligenciados na história do cinema americano foram a L.A. Rebellion e o trabalho dos cineastas associados a ela”. Mas, se a negatividade frente ao cinema industrial salta aos olhos, há uma série de traços que, em sua positividade, perpassam os filmes do conjunto. Se não há um mínimo denominador comum, estilístico ou temático, há elementos que atravessam uma e outra obra, saltam de um filme a outro e se transmutam em novas formas. A busca pela construção de uma identidade negra autônoma, presente em todos os filmes, adquire configurações muito distintas: da busca pelas raízes via ficção de época, em Diário de uma freira africana (Diary of an African Nun, Julie Dash, 1977), até a investigação da subjetividade de uma criança negra, em Seus filhos voltam pra você; dos discursos políticos voltados diretamente para o espectador negro, em Filha da resistência, até a apoteose musical do jazz afro-americano, em Dando um rolê; da convocação da


ancestralidade africana na banda sonora e nos figurinos, em Ciclos (Cycles, Zeinabu irene Davis, 1989), até a formação de uma consciência política pan-africanista, em Uma imagem diferente. A crônica do cotidiano no gueto, que inaugura um mundo sensível em Um bocado de amigos (Several Friends, Charles Burnett, 1969), pontua as cenas domésticas de Seus filhos voltam pra você, e se desdobra na imaginação melodramática dos filmes de Billy Woodberry. Os conflitos raciais, sutilmente sugeridos em O cavalo (The Horse, Charles Burnett, 1973), tornam-se matéria de análise nas conversas do casal de amigos de Uma imagem diferente e explodem na ação revolucionária do final de Dando um rolê. Embora adquiram nuances singulares em cada cineasta, alguns procedimentos também atravessam as diferentes escritas autorais: a entonação que varia habilmente entre o coloquial e o literário nas narrações em voz over de Ciclos, Filha da resistência e Diário de uma freira africana; a ficção ensaística que se fragmenta entre a verossimilhança e a súbita aparição da alegoria em Bush Mama e Uma imagem diferente; 7

a indeterminação entre o cotidiano e a vertigem onírica, como em Ciclos, Filha da resistência e Bush Mama; a montagem disjuntiva e a banda sonora heteróclita dos filmes de Larry Clark, Haile Gerima e Zeinabu irene Davis; as encenações igualmente elegantes – embora díspares – de Charles Burnett e Julie Dash; o jazz que soa alto em praticamente todos os filmes. Isso sem mencionar a força das performances de atores e atrizes que circularam entre vários filmes, como Angela Burnett (Seus filhos voltam pra você, Abençoe seus pequeninos corações), Johnny Weathers (Dando um rolê, Bush Mama) e, em especial, Barbara O. Jones, cuja plasticidade constitui o cerne de tantos filmes: as poses incisivas de Filha da resistência, os olhares contraditórios de Diário de uma freira africana, o léxico acidentado e inesquecível de Bush Mama. Pan-Áfricas e Latino-Américas utópicas Há também algumas cisões importantes. Se os primeiros anos da produção da L.A. Rebellion – impulsionados por um programa de ensino voltado para alunos provenientes das comunidades negras,

indígenas, asiáticas e chicanas, liderado pelo professor afro-americano Elyseo Taylor na UCLA – são marcados por uma majoritária presença masculina, a entrada de um número expressivo de mulheres, a partir do final da década de 1970, transforma bastante o cenário. No dizer da escritora e realizadora Monona Wali, em um artigo no mesmo número já citado da Black Film Review, “as diretoras negras que emergiram na UCLA no fim dos anos 1970 estenderam as tendências estéticas do movimento, enraizando percepções da cultura negra em fontes africanas, explorando veículos simbólicos, icônicos e rituais além da prática normativa, e explicitando as preocupações por justiça social. Sua contribuição particular consiste em apresentar mulheres negras que se autodefinem na tela, um esforço que representa uma ruptura mais drástica na história do cinema em comparação aos retratos de figuras negras masculinas.” Dentre as mudanças trazidas por essas cineastas, está o aprofundamento da relação com a África. Se a figura de Haile Gerima, realizador de origem etíope, já impregnava os filmes de uma orientação


em direção à cultura africana, em um filme como Diário de uma freira africana, o continente chega a ser o lugar onde se passa a história. Se um forte sentimento pan-africano já se desprende do jazz de Dando um rolê, a herança cultural impregnará os figurinos, a direção de arte e a trilha sonora em Ciclos e Uma imagem diferente. Se em Dando um rolê e Bush Mama, um pôster de uma mulher angolana com o bebê em uma mão e um fuzil na outra pontuava a narrativa de ambos os filmes, nas obras de Julie Dash, Zeinabu irene Davis e Alile Sharon Larkin, a construção das figuras femininas aprofundará a presença da cultura africana como ponto de ancoragem fundamental. E, se a África é referência primeira, bem ao lado da influência do cinema africano – por exemplo, dos filmes do senegalês Ousmane Sembène – está um outro continente: a América Latina. Em uma entrevista a Bérénice Reynaud em 1991, Charles Burnett lembra do impacto de ver na universidade filmes como o chileno O chacal de Nahueltoro (El chacal de Nahueltoro, Miguel Littín, 1969). Durante sua retrospectiva na galeria Jeu 8

de Paume, em Paris, em maio de 2017, Haile Gerima mencionou mais de uma vez a influência de cineastas como os argentinos Fernando Solanas e Octavio Getino, o cubano Tomás Gutiérrez Alea e o brasileiro Glauber Rocha. Em seu prefácio ao livro L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema, Clyde Taylor menciona ainda a cubana Sara Gómez e o brasileiro Nelson Pereira dos Santos. A presença do brasileiro Mario Silva entre os alunos da UCLA naquele momento certamente teve um impacto nesse sentido. Mario foi um colaborador fundamental de Charles Burnett, Haile Gerima e, especialmente, Billy Woodberry. Como relatam os curadores da restauração, Allyson Nadia Field, Jan-Christopher Horak e Jacqueline Najuma Stewart, o brasileiro teria sido responsável, por exemplo, por encorajar Woodberry a se transferir para a UCLA. A herança que os cinemas modernos africanos e latino-americanos legaram à geração da L.A. Rebellion pode ser identificada em traços recorrentes, como o recurso à imaginação mítica, a construção de alegorias, a incorporação de discursos revolucionários à banda sonora dos filmes,

o gosto pela colagem ou a constante mobilização da montagem vertical. Mas esse legado também se expressa na identificação de uma utopia comum: a luta anticolonial, que tanto para os cineastas do “Terceiro Mundo” quanto para os afro-americanos, nas ruas de Dacar como nas de Havana ou do bairro de Watts, é uma questão de forma, e reivindica a descolonização do olhar. To be Young, Gifted and Black É impossível sair de um mergulho na filmografia da L.A. Rebellion sem um punhado de imagens inesquecíveis. O travelling que percorre as celas da prisão e descobre os jovens negros, um a um, enquanto TC lança um recado a Dorothy e ao espectador em Bush Mama, seguido do contraplano do olhar frontal da protagonista, emoldurado por outras grades. Mas também a hilária batalha campal para arrastar uma máquina de lavar no espaço exíguo de Um bocado de amigos. Os olhares contorcidos de Barbara O. Jones em Diário de uma freira africana, mas também a beleza épica de Nathaniel Taylor em Dando um rolê. A parada na


imagem que petrifica a reação do menino em O cavalo ou as mãos da protagonista de Filha da resistência se debatendo entre as grades da cela e a câmera que a filma. Ou ainda o interlúdio onírico de Ciclos, com as mulheres de óculos escuros a tomar conta das ruas da cidade como quem possui, com autoridade e alegria, um território. É como se a célebre canção de Nina Simone e Weldon Irvine – “To be Young, Gifted and Black” – tocasse nessa passagem, que cria uma imagem rara para o sentimento de orgulho. Na regravação da canção no disco Black Gold, em 1970, a estrela se dirigia ao público antes de tocá-la: “Essa canção não é endereçada, primeiramente, às pessoas brancas. No entanto, ela não deixa vocês tristes, de nenhuma maneira. Ela simplesmente ignora vocês.” E, após a enxurrada de aplausos, continuava: “Porque meu povo precisa de toda a inspiração e de todo o amor que ele possa conseguir”. Os filmes não circulavam como as canções de Nina Simone, contudo, e como foi o caso em tantas outras cinematografias marginais, a relação entre o cinema dessas gerações e a audiência 9

das comunidades afro-americanas foi, em grande medida, um hiato quase intransponível. Se, na primeira metade do século XX, pioneiros como Oscar Micheaux chegaram a constituir circuitos de produção e distribuição comercial próprios e alternativos, que foram estáveis durante algumas décadas – sustentados pelo público afro-americano –, é importante lembrar que, tantos anos antes da consolidação da televisão, o cinema era um fenômeno social inteiramente diferente, com uma presença massiva no cotidiano e um enraizamento maciço na experiência popular. Em meados dos anos 1970, a abrangência e o escopo da insurreição estavam fadados à insularidade. O que aconteceu em Los Angeles teria mesmo sido uma rebelião – não uma revolução. Por outro lado, guardamos ainda a lembrança de uma história contada por Haile Gerima durante sua retrospectiva parisiense. Certa vez, na saída da sessão de um de seus filmes em um festival no interior dos Estados Unidos, uma senhora negra que estava na plateia veio cumprimentá-lo e, discretamente, colocou uma nota de dez dólares no bolso de seu

paletó. Ele só se deu conta depois que a mulher já tinha ido embora, mas a ação se repetiria inúmeras vezes durante sua carreira. Alguns meses depois, em uma entrevista de Charles Burnett, reencontramos a mesma anedota. Algo nos comove profundamente ao imaginar esse gesto. Poucas vezes na história existiu, até nossos dias, um conjunto tão vigoroso de filmes feitos de preto para preto, de preta para preta, e que se afirmassem com tamanhas altivez e independência. Os filmes dessa geração jovem e talentosa representam um tesouro dos mais valiosos para o presente e o futuro do cinema, para os cinemas do presente e do futuro. Ao fim e ao cabo, a maior potência desse incêndio inaugural é a de irrigar outros começos.


O que pensam as secretárias ao saírem do escritório? por Barbara Rangel

Nine to Five – título original de Como eliminar seu chefe – quer dizer, em inglês, “das nove às cinco” e faz referência ao horário padrão adotado por quem trabalha em escritório. 9to5 é também o nome de um sindicato de trabalhadoras americanas, criado nos anos 1970. Não por acaso, o título menciona essa luta – o filme em si é uma ode à subjetividade sindical, que vai à forra (dentro dos limites hollywoodianos, claro). Karen Nussbaum, fundadora do 9to5, já conhecia Jane Fonda dos protestos contra a Guerra do Vietnã quando Fonda fez a proposta para a realização do filme, que se tornou a primeira obra da atriz como produtora. Para a criação do roteiro, Fonda e o diretor Colin Higgins ouviram as reclamações e os anseios de trabalhadoras. Como resultado, em Como eliminar seu chefe, estão presentes a diferença salarial entre homens e mulheres, o abuso sexual dos que se valem da posição de poder, o roubo de ideias, a promoção acelerada de colegas homens em detrimento de suas pares femininas igual ou melhor capacitadas, entre tantas outras injustiças que as mulheres conhecem de perto. Nesse inventário de repressões a partir 10

do qual o filme se estrutura, a opção é por um registro panorâmico em detrimento da densidade psicológica de suas personagens. Propositalmente dessexualizador de suas vedetes Jane Fonda e Dolly Parton, a obra se constrói em torno de tipos bem delineados – Judy Bernly (Jane Fonda), uma recém-divorciada travada e afetivamente confusa; Violet Newstead (Lily Tomlin), mãe de quatro filhos e com longa carreira de decepções na empresa; e Doralee Rhodes (Dolly Parton), a secretária tomada por todos por secretina e amante do chefe. São tipos que se revelam complementares. Não à toa, figurino e atributos físicos têm um papel fundamental na construção e desconstrução de expectativas. Dolly Parton e suas roupas justas jogam com o clichê da “loira burra”, a ausência de decotes e curvas sugere uma Jane Fonda sem traquejo e as roupas largas e confortáveis de Tomlin insinuam uma mulher prática e cansada. Aos poucos, os antagonismos são amenizados, dando lugar ao convívio solidário e ao apoio mútuo neste ambiente em que todas são potenciais serventes, a despeito de sua posição profissional. Aos

poucos, o que poderia parecer um panfleto esquemático na verdade se torna um libelo catártico contra o cotidiano repetitivo e opressor na firma. Melhor exemplo disso são os sonhos de Violet, Judy e Doralee, de realização tão improvável, mas tão verdadeiros em sua especulação imaginária, que compõem o ponto alto do filme, junto com a canção tema, interpretada por Dolly Parton. Essa revanche contra as agruras que ainda alimentam as diversas correntes feministas até hoje é o que mantém (infelizmente) o caráter atual do filme. Em 2018, durante o relançamento de Como eliminar seu chefe em Londres, Jane Fonda foi perguntada sobre como seria uma versão atual do filme. “De certa forma, as coisas melhoraram, mas a vida para as mulheres no trabalho é pior hoje em dia, e eu te digo o porquê. Muitas delas não são contratadas por seu chefe ou pela empresa. Elas são contratadas por uma outra companhia e terceirizadas ao lugar onde trabalham, de forma que, se houver discrepância de salário, ou se uma mulher é demitida por estar grávida ou por conta de assédios sexuais, a quem ela deve recorrer? Ela não tem benefícios ou direitos, ela não tem aonde ir para se queixar


ou pedir compensação. […] As coisas vão muito mal, e o pagamento é tão baixo, que eu acho que, se fizéssemos um filme como esse hoje em dia, estaríamos falando de pessoas que trabalham em dois ou três lugares diferentes e, mesmo assim, não conseguem pagar o aluguel. Essa é a realidade da classe trabalhadora nos EUA hoje.” Ainda na perspectiva desse olhar atualizado, se o filme de 1980 adota um ponto de vista marcadamente branco – em termos de representatividade – com a presença muito coadjuvante de personagens negras e latinas, praticamente sem falas, dificilmente isso poderia se repetir em uma revisão. E, mais do que nunca, o que era tido como “delirante” ou improvável agora faz parte do debate – no contexto americano, basta pensar na figura de Alexandria OcasioCortez, a mais jovem deputada eleita no país, de origem latina, e que assume como pauta várias das “viagens” propostas em Como eliminar seu chefe. Uma visita recente ao site da associação 9to5 revela também um conselho com iguais proporções de mulheres negras e brancas. Se a face do chefe não seria a mesma, também não seriam as das trabalhadoras. 11


Sessão Mutual Films Dois lados do Pacífico: A marca do assassino e 66 Por Lewis Klahr (contribuição especial), Aaron Cutler e Mariana Shellard

A Sessão Mutual Films deste mês traz duas grandes obras do cinema pop/experimental, realizadas em Tóquio e em Los Angeles – A marca do assassino (1967), do renomado diretor japonês Seijun Suzuki (1923-2017) e 66 (2015), do cineasta e professor norte-americano Lewis Klahr (1956). A dobradinha foi criada a partir de uma conversa com Klahr, que comenta a relação entre os dois filmes no texto abaixo. A sessão é dedicada à memória de Suzuki e, também, à de Jonathan Schwartz, cineasta experimental e amigo de Klahr, que faleceu em outubro do ano passado. (AC/MS) Eu vi os filmes de Seijun Suzuki pela primeira vez no fim da década de 1980, durante a mostra Dark Side of the Sun [Lado Escuro do Sol], realizada no Collective for Living Cinema, em Nova York, com curadoria do icônico músico experimental John Zorn. Os programas foram criados a partir da extensiva coleção em VHS de filmes japoneses do músico (na época, Zorn morava parte do ano no Japão), inclusive vários filmes de Suzuki, entre eles A marca do assassino. As fitas 12

VHS não tinham legendas em inglês e, como eu não falo japonês, não conseguia acompanhar os diálogos, tinha apenas uma vaga ideia das histórias. Foi muito estimulante assistir a filmes narrativos dessa forma onírica e não linear. Eu fiquei particularmente cativado pelo ritmo frenético, pelo forte estilo visual e pelas referências de gênero de A marca do assassino. A energia implacável e crua do filme me convenceu de que havia me deparado com uma divindade de pura visão pop! A marca do assassino tornou-se um favorito imediato, e uma referência crucial para mim. Muitos anos depois, assisti a A marca do assassino em uma sala de cinema, com legendas em inglês. Para minha surpresa, a maior clareza narrativa não diminuiu em nada a intensidade onírica da obra. Na verdade, a capacidade de acompanhar os detalhes das intrigas criminais deixou claro para mim o uso da descontinuidade, revelando-se uma obra alucinante, de total surrealismo. Foi essa sensação de surrealismo que me levou a sugerir uma sessão dupla de A marca do assassino e meu

longa-metragem 66. A descontinuidade também é central em 66, e uma característica importante em todos os meus filmes de colagem. Na obra de Suzuki, reconheci um companheiro de viagem que, como eu, valorizava a sensação emocionante da surpresa criada por justaposições chocantes. Para citar um exemplo simples e claro: em uma cena inicial de A marca do assassino, o matador de aluguel Goro Hanada (interpretado por Jo Shishido, protagonista frequente nos filmes de Suzuki) está protegendo um cliente de outros assassinos dentro de um carro. Hanada dispara uma bala através do para-brisas para matar seus adversários, mas o vidro não quebra, nem mostra nenhum sinal ou impacto da bala. A imagem está, efetivamente e simultaneamente, construindo e destruindo sua própria ilusão fictícia. Em 66, esse tipo de ilusionismo paradoxal serve como base para minha colagem elíptica e associativa. Por exemplo, no capítulo “A filha de Erígone”, a protagonista loira é um remendo de várias fotografias de loiras que cortei das páginas de fotorromances portugueses


das décadas de 1960 e 1970 (encontrei as fotos na revista portuguesa Crônica, que comprei em uma visita a Lisboa durante o festival IndieLisboa em 2010). Estou pedindo ao espectador a compreensão de que as fotos se referem à mesma personagem – o elo sendo seu cabelo loiro –, mesmo que as “atrizes” sejam diferentes. O ilusionismo paradoxal coloca o público tanto dentro quanto fora do universo fictício de “A filha de Erígone”. Estou empolgado com o que este estado de engajamento parcial pode comunicar sobre a vida e sobre as formas de narrativa. Além disso, A marca do assassino e 66 compartilham o uso de gêneros cinematográficos arquetípicos como pontos de partida que permitem, e até catalisam, mergulhos em cinepoesia. Em 66, particularmente, a história de crime é um dos múltiplos gêneros do cinema (tanto experimental quanto narrativo) que utilizo. A sequência de 12 “capítulos” (cada um sendo um curta-metragem individual) se desenvolve para formar uma obra contínua e unificada ao longo de 90 minutos. Alguns dos gêneros que 66 evoca incluem melodrama, em “Impressão labial (Vênus)”, 13

flicker films, em “Diário de Saturno”, narrativa elíptica, em “Icor”, ficção científica, em “Letes”, e natureza-morta, em “Ambrosia”. Confie em mim – o todo é maior que a soma de suas partes. Um outro ponto de contato e contraste importante: A marca do assassino foi realizado durante a extensa experimentação estética que caracterizou o cinema de entretenimento na década de 1960, enquanto 66 é um olhar para trás de um

cineasta-artista para essa mesma década (a de minha infância) a partir do presente. Embora eu esteja otimista sobre o diálogo inesperado e surpreendente entre os dois filmes, não tenho certeza absoluta se A marca do assassino e 66 irão funcionar juntos. No entanto, se a dobradinha for um pouco absurda, estaria completamente de acordo com o espírito de risco e a quebra de convenções que envolve os dois filmes.


António um dois três, três perguntas para Leonardo Mouramateus por Ligia Gabarra e Thiago Gallego

O filme parece organizar um sistema de duplos: Portugal e Brasil, António e o pai, vida e cena, ida e volta para a Rússia. Nesse jogo, parece se dar um embaralhamento no tempo e no sentido. O espectador que tenta montar uma narrativa linear facilmente se vê traído, deslizando no sonho. Queria te pedir pra comentar um pouco essa estrutura. De que modo ela se relaciona com a trajetória subjetiva de António? O pontapé inicial para o surgimento do projeto era a figura de um rapaz. Um rapaz meio deslocado, sem muitas perspectivas, mas ao mesmo tempo tranquilo, talvez mesmo confiante, em relação ao presente. Havia nele um quê qualquer de Carlitos, o personagem do Chaplin. Uma fé cega na derrota, uma sensação de que do chão não passa. E algo extraordinário no Carlitos é sua multiplicidade de vidas: um dia está na grande cidade, outro dia no circo, outro dia na mina... Eu desejava fazer um filme em que o tempo, e mesmo os acontecimentos, não se acumulassem sobre os personagens, mas sim sobre os espectadores. E encontrei no Mauro, ator protagonista do filme, 14

a mistura perfeita de doçura e “camaleonismo” que o personagem necessitava para existir. Essa é a base da estrutura do filme, que trabalha com reconhecimento tanto como com a ideia de repetição. E é aí que mora o sistema dos duplos: é necessário ver uma segunda vez para se ver melhor, para começarmos a pensar. O espectador pode até se sentir desafiado a desenvolver a coerência interna de toda a narrativa, mas, uma vez que ele abandona esse pressuposto, o filme ganha na sensação de sonho, e acredito que esse é o retrato mais fiel possível da subjetividade do próprio António. A canção “I Put a Spell on You” é muito importante nesse sentido. Aparece em momentos diferentes e traz à tona algo de mágico. Assim como no curta A festa e os cães, parece haver uma vontade de entender a interação entre música e subjetividade. Você poderia falar sobre isso e sobre a escolha dessa canção? Justamente por amar tanto música, tenho muito cuidado em trabalhar com ela. Em muitos filmes, ela é usada para dar sensações que muitas vezes o diretor

não conseguiu atingir. Tento trabalhar a música como um elemento tão concreto como a luz ou os atores. António canta porque ouvi o Mauro cantar num espetáculo uma canção de Jacques Brel. Pensei ali que o António, a fim de conseguir algumas moedas, poderia cantar como os vários artistas de rua do centro da cidade. “I Put a Spell on You” surgiu a seguir, porque é uma música que fala de uma sensação mágica, talvez o desejo, como uma espécie de maldição, capaz de atravessar realidades paralelas... Essa é a maldição em que António se vê preso logo no início do filme, mas da qual ele parece libertar-se quando ele canta a música com sua própria voz. Você é brasileiro e vive em Portugal. António é português, mas tem encontros importantes com brasileiros durante o filme. Como a relação entre as duas culturas te inspirou a criar este filme? De que modo também o cinema português – contemporâneo ou não – foi uma referência para você? A dramaturgia dos meus filmes surge de elementos do meu cotidiano: histórias


que vivi, li ou ouvi. Eventos ocorridos com os próprios atores e com a equipe. Então, a relação entre as duas culturas surge de maneira natural. O tom dessa relação Brasil-Portugal nem sempre é divertido ou patético na realidade como o é no filme, mas a sensação de deslocamento, os jogos com as palavras, o impacto causado pelos encontros inesperados, 15

e o jet lag (tenho pra mim que parte do tom onírico do filme muito se deve à quantidade de vezes em que vemos a Débora dormir no filme) são elementos fruto do choque de fusos horários. Fazer um filme em sua maior parte no sotaque do português de Portugal não faz o filme ser mais ou menos português, ou mais ou menos brasileiro, talvez porque, no fundo,

justamente por amar as pessoas do meu país, eu odeie o conceito de pátria. Dito isso, tenho consciência de que essa língua, no sotaque de Portugal, é peça fundamental no discurso de artistas que vieram antes de mim. E que se gostei de fazer um filme com esse sotaque foi porque gente como João César Monteiro me ensinou a gostá-lo.


L.A. Rebellion Devido às chuvas que fecharam temporariamente o IMS Rio em fevereiro, a mostra de filmes e debates L.A. Rebellion foi reprogramada para o período de 15 a 17 de março. A íntegra do texto de apresentação pode ser conferida em: bit.ly/lareb. Entre os anos 1970 e 1980, a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) iniciou uma política de inclusão de jovens estudantes de cinema de origens diaspóricas e imigratórias nos EUA. Foi nesse contexto que surgiu um conjunto extraordinário de filmes que expressam o vigor e a pregnância de um novo cinema negro. Objeto de redescoberta e restauração nesta década, os filmes de realizadoras e realizadores afro-americanos egressos dessas turmas, movidos por um projeto de autonomia histórica e de emancipação artística, foram reunidos sob a rubrica L.A. Rebellion [Rebelião em Los Angeles], que passou a designar a produção de nomes que se tornariam célebres, como Charles Burnett (vencedor de um Oscar honorário em 2018) e Julie Dash (primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem estreado comercialmente nos EUA), além de outros menos conhecidos – mas igualmente notáveis –, como Zeinabu irene Davis, Alile Sharon Larkin, Haile Gerima, Larry Clark e Billy Woodberry. O cinema do IMS Rio exibe esses filmes em sessões comentadas pelos curadores Victor Guimarães e Luís Fernando Moura e também por críticas e críticos, pesquisadoras e pesquisadores. Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

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Abençoe seus pequeninos corações Bless Their Little Hearts Billy Woodberry | EUA | 1983, 80’, DCP

Redistribuído em circuito nos EUA em 2017 pela distribuidora Milestone, Abençoe seus pequeninos corações é centrado em Charlie, um desempregado que arranja bicos para sustentar a família, e Andais, que precisa administrar a vida doméstica e cuidar dos filhos. Este drama, trabalho de conclusão de mestrado na UCLA, se passa no bairro de Watts, em Los Angeles, onde orquestra o choque entre dois movimentos de vida, de marido e mulher, e, na mais fina tradição da crônica social desenvolvida no contexto da L.A. Rebellion, atenta para a complexidade dos laços e das relações entre as pessoas – para a empatia em meio ao conflito moral –, por meio de aguda sensibilidade realista. Billy Woodberry se reuniu aqui ao eventual colaborador e colega de classe Charles Burnett – que já havia sido um dos fotógrafos de seu curta A bolsa, três anos antes –, responsável pelo roteiro deste que é até hoje o único longa-metragem de

Woodberry como diretor. A escrita melodramática de A bolsa, calcada na compaixão diante de ruínas morais – como fazer o que se diz certo se as coisas do mundo não vêm vindo bem? –, é retomada para que se desenvolva talvez um dos filmes da L.A. Rebellion em que as consequências da dramaturgia são encaradas de forma mais frontal, longa e dedicada. É preciso, como na melhor colaboração entre cinema clássico e consciência crítica, que a cena comunique paixão e contingência do conflito. Para tanto, Nate Hardman e Kaycee Moore, protagonistas, estão afiados e partilham pontos de vista de densidade semelhante, que não só expressam a expectativa histórica dos papéis de gênero como problema – político e dramático –, como catalisam o retrato melancólico de um tempo e de um espaço. Como em A bolsa, o valor do dinheiro e do trabalho na sociedade americana é objeto e disruptor de uma hipótese, enquanto o jazz empresta notas emocionais e subtexto político. A exibição será seguida por fala de Bernardo Oliveira.


Bem-vindo de volta, irmão Charles Welcome Home Brother Charles Jamaa Fanaka | EUA | 1975, 91’, DCP

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O contexto da realização de Bem-vindo de volta, irmão Charles não poderia ser mais controverso. Uma das maneiras de compreender o repertório da L.A. Rebellion é situá-lo como um contraponto crítico às imagens sedutoras de violência e erotismo da contemporânea produção da Blaxploitation, esse polêmico conjunto de filmes dos anos 1970 em que um intenso protagonismo negro no cinema comercial estadunidense convivia, segundo seus críticos, com a veiculação de clichês nocivos sobre a negritude. Em consonância com as posições do movimento negro da época, os estudantes afro-americanos da UCLA teciam fortes críticas a essa produção, buscando afastar-se o máximo possível de sua estética. O próprio Jamaa Fanaka realizara na escola, em 1972, o curta-metragem A Day in the Life of Willie Faust, or Death on the Installment Plan, que joga com os códigos da Blaxploitation, mas oferece uma visão sombria e pessimista sobre o destino de um jovem viciado em heroína (interpretado pelo próprio Fanaka). Nesse contexto, é possível imaginar a surpresa de todos quando Fanaka propôs, como um de seus projetos de graduação, realizar um longa-metragem contando a história de um ex-presidiário que decide se rebelar contra o sistema racista que o encarcerou injustamente, cometendo uma série de estupros e assassinatos em uma vingança brutal contra seus algozes brancos (com a ajuda de insólitos superpoderes adquiridos como resultado dos experimentos científicos aos quais fora submetido na prisão). Esse enredo tão próximo do universo da Blaxploitation seria filmado, porém, em

um contexto diametralmente oposto ao das produções comerciais: com um orçamento formado por bolsas de mecenato cultural e economias de seus pais, a produção se arrastaria por 17 meses, com filmagens limitadas aos fins de semana, para permitir o acesso irrestrito aos equipamentos da universidade (com o colega Charles Burnett como operador de câmera). O resultado econômico não poderia ser mais auspicioso: o filme conseguiria um contrato de distribuição, arrecadaria US$ 500.000 nas salas de cinema e permitiria a Fanaka realizar outros dois longas-metragens ainda como estudante: Emma Mae (1976) e Penitentiary (1979), tornando-se o único diretor de sua geração a ter obtido algum sucesso comercial naquele momento. O resultado estético não poderia ser mais complexo e desafiador: equilibrando-se entre o humor nonsense e a crítica social radical, entre a adesão e o distanciamento frente aos códigos da Blaxploitation, o filme trabalha uma série de estereótipos raciais em múltiplas camadas de interpretação. A exibição será seguida por fala de Luís Fernando Moura. [Cortesia da Xenon Films, Vinegar Syndrome e do American Genre Film Archive.]


Uma imagem diferente

A Different Image Alile Sharon Larkin | EUA | 1982, 52’, 16 mm Alana (Margot Saxton-Federella) é uma jovem que trabalha em um escritório enquanto desenvolve estudos de pintura. Seu cotidiano é marcado pelo esforço em se tornar uma mulher independente e se rebelar contra as convenções impostas por uma sociedade machista e racista. Seu colega de escritório e amigo, Vincent (Michael Adisa Anderson), parece o parceiro ideal nessa busca por construir autonomamente uma outra imagem de negritude. A amizade entre os dois parece contrariar os estereótipos e subverter as expectativas de todos ao redor, até o momento em que, enquanto Alana dorme a seu lado, Vincent se aproveita da situação e tenta estuprá-la. Uma imagem diferente é uma investigação sobre como a masculinidade tóxica é formada em uma cultura visual marcada pela extrema objetificação do corpo feminino. Outdoors publicitários e revistas pornográficas atravessam a paisagem urbana retratada pelo filme, em contraste com as fotografias e pinturas africanas que povoam a 18

casa da protagonista e sinalizam um outro caminho de representação das mulheres. Mais do que elementos de fundo, porém, essas imagens são constantemente convocadas pela montagem – repetidas, justapostas, tensionadas –, assumindo a centralidade em uma ficção que se abre para o gesto analítico típico do ensaio fílmico. A música original, de forte inspiração africana, também contribui para a construção de um filme fortemente influenciado pelo pan-africanismo que marcou o processo de formação de uma geração de jovens negros universitários nos Estados Unidos – e teve grande impacto na UCLA naquele momento. Esse olhar para a África como fonte de uma nova consciência política pode ser percebido também no filme anterior de Alile Sharon Larkin, Seus filhos voltam pra você, ou mesmo em outros filmes da L.A. Rebellion, como Bush Mama e Mulher africana, EUA. A exibição será seguida por fala de Janaína Oliveira.

Curtas 1

Diário de uma freira africana Diary of an African Nun Julie Dash | EUA | 1977, 15’, digital

Em mais uma homenagem ao corpo da atriz Barbara O. Jones, Julie Dash adapta uma história da escritora Alice Walker, pondo em cena o fluxo de consciência de uma freira negra vivendo em Uganda. Em uma visada lírica da feminilidade negra que remete ao cânone experimental, ao filme-ensaio e ao estudo do rosto no cinema, este compêndio de confissões muito bonitas amarra e desamarra os vértices de um triângulo entre a prece católica, as origens africanas da espiritualização – note-se, a propósito, a trilha sonora percussiva – e a autonomia do corpo, em que se deposita a expectativa do gozo, da felicidade, da mobilidade, da autenticidade – perceba-se os enquadramentos, mas também os desenquadramentos, que buscam os mínimos movimentos da personagem.


Julie Dash tem em seu currículo filmes de época e que observam personagens em êxodo, como o seu paradigmático longa Filhas do pó (Daughters of the Dust, 1991), e com esse retorno sistemático a capítulos da diáspora – pela recriação de diferentes paisagens e estatutos, da história social à história do espetáculo, como em Ilusões –, parece levar a cabo o franco projeto de especular documentos e mitos para desenhar pontas soltas de uma genealogia outra para a existência da mulher negra em contexto colonial, em variadas expressões geográficas. A professora da Universidade de Chicago Allyson Nadia Field registra que Dash, aqui, estava impressionada com a descrição do conflito íntimo vivido pela freira em Walker, uma personagem que sabia o paradoxo que era “trazer a morte para um povo imaginário” ao mesmo tempo que estava a seu serviço – e cujo ponto de vista obliterado é então exposto pela imaginação à nossa percepção da história. [O texto de Allyson Nadia Field é um dos publicados (em inglês) no livro L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema, editado em 2015 pela Universidade da Califórnia] [Preservação parcialmente financiada pela doação da National Film Preservation Foundation.]

Mulher africana, EUA

African Woman, USA Omah Diegu [Ijeoma Iloputaife] | EUA | 1980, 20’, digital Uma imigrante nigeriana estuda dança em uma universidade nos Estados Unidos enquanto luta 19

para conseguir um emprego e sustentar a filha, que passa os dias sozinha em casa. Seu cotidiano é atravessado por episódios de sexismo e racismo, até o ponto em que um homem se passa por produtor para se aproximar e abusar sexualmente da menina. Mulher africana, EUA tem fortes elementos autobiográficos, refletindo os conflitos vivenciados pela própria Omah Diegu (nascida Ijeoma Iloputaife, como assina no filme), estudante nigeriana que chegara à UCLA para estudar cinema no fim dos anos 1970. Com uma trilha sonora constituída por músicas tradicionais africanas e pelo jazz de John e Alice Coltrane, e uma construção visual arrojada (a sequência final é particularmente impressionante), o filme combina o talento narrativo da realizadora (que ela atribui a suas vivências em solo africano que remontam à infância) e sua experiência anterior como pintora na Nigéria. Omah Diegu realizaria, ainda no contexto da escola, os curtas-metragens Obaledo (1980) e Atilogivu: The Story of a Wrestling Match (1982), e, mais tarde, o longa autobiográfico The Snake in My Bed (1995), financiado pelo governo alemão.

Filha da resistência

Child of Resistance Haile Gerima | EUA | 1972, 36’, 16 mm Era outubro de 1970 quando Angela Davis foi presa em Nova York, identificada como cúmplice no caso dos irmãos de Soledad, três presidiários negros acusados de assassinar um policial branco. Após ver imagens da autora e ativista algemada, o então estudante de cinema Haile Gerima teve um sonho, que materializou em Filha da resistência.

São deslumbrantes 36 minutos de loucura de uma presidiária que, interpretada pela grande Barbara O. Jones – protagonista também do posterior primeiro longa do diretor, Bush Mama –, se percebe obsediada por uma profusão de símbolos da violência sofrida por pessoas negras na América. Confinada na cela, resta à prisioneira ritualizar a ruína da libertação – e a desesperança individual se descobre no movimento da coletividade. Como comenta a ensaísta Kariima Ali, o monólogo imaginado pela personagem em muito desdobra os escritos revolucionários de George Jackson, um dos presos no caso vinculado a Davis – enquanto, do outro lado das grades, desfilam algemas, correntes, cadeiras elétricas, mas também expressões do hedonismo capitalista, como um irônico playground de tormentas que codifica a silhueta da nação americana –, ou o que Jackson chamaria de “’mercado de pulgas’ do fascismo e do capitalismo de consumo”. É frontal a maneira de Gerima desbravar a substância da violência, busca mais exclamativa em seus filmes que nos de muitos de seus colegas de geração, e suas incontornáveis obras-primas inaugurais – como Filha da resistência – elegem a instituição policial como concreção contemporânea da escravidão de pessoas negras. A partir dela, aqui se desenvolve uma espécie de cosmologia moderna da opressão, cuja missão é de comunicação popular e cujo afluente final é, em tom amargo, mas luminoso, a reivindicação persistente da reunião para a rebelião. [Para conferir o texto de Kariima Ali (em inglês): bit.ly/lareb1]


Curtas 2 Um bocado de amigos

Several Friends Charles Burnett | EUA | 1969, 22’, DCP O segundo filme estudantil de Charles Burnett, após um projeto sem título no ano anterior, hoje considerado perdido, tem a magnitude de uma ruptura radical: as periferias negras norte-americanas parecem filmadas pela primeira vez. Prosaicas cenas cotidianas – uma briga, o conserto de um carro, a tentativa de mover uma máquina de lavar – filmadas nas imediações de South Central, bairro onde Burnett cresceu, adquirem a força da inauguração de um mundo feito de gestos, posturas, jeitos de falar que o cinema hollywoodiano negligenciou ou pasteurizou por décadas a fio. Essa crônica negra prefigura a obra-prima O matador de ovelhas (Killer of Sheep, 1977), estabelece os principais temas e as marcas do estilo do cineasta mais conhecido da L.A. Rebellion, laureado com um Oscar honorário pela carreira em 2018. Nas palavras de Burnett em uma entrevista, o tema do filme é “essa sensação que você tem às vezes, quando atinge um ponto em que existe um sentimento de que você não vale nada”. Filmado em 16 mm, com um elenco formado por atores não profissionais, sincronizado e montado à mão nas dependências da UCLA, o método de realização praticado em Um bocado de amigos sumariza os principais traços das produções da L.A. Rebellion: baixo orçamento, trabalho intensamente colaborativo entre os estudantes (que exerciam diversas funções nos filmes uns dos outros), liberdade de experimentação. O filme tem partici20

pação, na equipe de som, do brasileiro Mario Vieira da Silva, à época estudante da UCLA, e colaborador íntimo de Burnett. Alguns anos mais tarde, Silva seria operador de câmera em A bolsa, de Billy Woodberry. [Várias entrevistas de Charles Burnett foram reunidas no livro (em inglês) de Robert E. Kapsis, Charles Burnett: Interviews, editado pela University Press of Mississippi em 2011]

Ilusões

Illusions Julie Dash | EUA | 1982, 36’, DCP Durante a Segunda Guerra, o encontro entre Mignon Duprée (Lonette McKee), uma assistente de produção em Hollywood, e Esther Jeeter (Rosanne Katon), cantora negra contratada para dublar atrizes brancas em cenas musicais, torna-se um ensaio com sabores satíricos sobre a indústria cultural, no que se revela um raro debate fílmico sobre colorismo. As duas personagens são como espelhos turvos uma da outra, talvez duros de encarar pelo que deixam entrever, mas

preciosos ao reconhecimento – o que temos em comum? O que nos diferencia? As duas mulheres terminam por desenvolver uma espécie de cumplicidade, sempre desconcertante, já que Mignon, de pele clara, passa por branca diante de seus colegas de trabalho, em vias de ter sua identidade descoberta, quiçá afirmada. Este, que é o trabalho de conclusão de mestrado de Julie Dash – só restaurado em 2014 –, é um caso muito incomum de filme no conjunto da L.A. Rebellion, em que a maioria dos atores é branca (uma série de trabalhos não têm sequer um corpo branco em cena), ao mesmo tempo que é também exemplar raro de narrativa filiada às formas mais clássicas do cinema estadunidense. Há, nesse sentido, uma espécie de infiltração necessária nas estratégias do olhar hegemônico, vistas por uma diretora negra que resolveu filmar segundo a gramática do establishment branco macho. Mignon, que termina por viver numa espécie de interseção entre dois horizontes de experiência social, é também um laboratório imprevisto para a representação (pública e fílmica) do racismo e, diante de Esther, algo em seu drama próprio talvez entre em ruína ou se transforme, restando entender ainda como vai afetar a sociedade instituída ao redor, que dela demanda e a ela convoca. A propósito, a voz usada na dublagem da atriz branca é a de Ella Fitzgerald, nas canções “The Starlit Hour” e “Sing Me a Swing Song, and Let me Dance”.


Curtas 3

O cavalo

The Horse Charles Burnett | EUA | 1973, 14’, DCP A paisagem desolada de um faroeste moderno. A imobilidade, o silêncio, o tempo que escorre lentamente enquanto um grupo de homens brancos espera na varanda de uma casa de fazenda. Um menino negro se despede de um cavalo doente prestes a ser sacrificado, enquanto os outros esperam pela chegada do pai do garoto para realizar o trabalho. Essa descrição sumária aponta para um filme em que os eventos narrativos são menos importantes do que uma atmosfera singular, composta por uma exuberante paleta de cores e por uma montagem que aposta na qualidade dos silêncios e na duração. O desejo inicial por filmar O cavalo se deve ao impacto provocado em Charles Burnett por um conto de William Faulkner (“The Bear”): o realizador desejava compor um filme que partilhasse algo da atmosfera sulista de Faulkner 21

e de sua habilidade para construções metafóricas. Naquele momento, Burnett já estava imerso no longo processo das filmagens de seu primeiro longa-metragem, O matador de ovelhas (Killer of Sheep, 1977) – seguramente o filme mais conhecido da L.A. Rebellion –, mas se viu obrigado a esperar, porque o ator que ele escolhera para o papel principal estava na prisão, e sua liberdade condicional era repetidamente adiada. Foi então que decidiu partir com a pequena equipe para uma região rural a cerca de 300 quilômetros de Los Angeles para filmar o curta-metragem. Nascido em Mississippi em 1944, Burnett se mudara para L.A. ainda criança, em uma onda migratória partilhada por muitas famílias negras sulistas que partiram para a Califórnia em busca de oportunidades. A carga simbólica do sul escravocrata, porém, pode ser notada em filigrana em vários de seus filmes. Nas trocas de olhares de O cavalo, o realizador enfrenta essa iconografia com a sutileza que lhe é peculiar: o racismo torna-se essencialmente uma questão de olhar. No dizer de Burnett, o filme é “uma alegoria sobre o poder sulista e seu declínio”. [Várias entrevistas de Charles Burnett foram reunidas no livro (em inglês) de Robert E. Kapsis, Charles Burnett: Interviews, editado pela University Press of Mississippi em 2011]

Ciclos

Cycles Zeinabu irene Davis | EUA | 1989, 17’, digital A personagem da atriz Stephanie Ingram aguarda a menstruação, e sua apreensão logo se aprofunda em transe. Confinada em um apartamento,

elege uma faxina, depois um banho, para se distrair da espera. Se o alvoroço da dúvida reivindica um futuro – o que será amanhã?, para onde vou? são questões que martelam como mantra maior, de rima histórica –, o espírito da personagem vai se desgarrando do script social, para se reinaugurar em pequenos prazeres, prosaicas, mas fabulosas preces, signos que se derramam do tempo cotidiano em dança entre corpo, filme e história. Hoje professora da Universidade de San Diego, a diretora Zeinabu irene Davis já havia realizado um primeiro mestrado em Estudos Africanos na UCLA quando, em 1989, terminou seu segundo, adquirindo um título de Belas-Artes em Produção de Cinema e TV. Ciclos é fruto imediato desse processo e, embora exemplar já tardio nas gerações da L.A. Rebellion, serve de entrada em retrospecto para uma perspectiva de gênero que é das mais argutas buscas do conjunto, levada a cabo não exclusivamente, mas de maneira direta, por algumas das mulheres diretoras ligadas ao grupo. Como sugere a pesquisadora Ayanna Dozier, aqui Davis investiga o corpo feminino negro não como simples representação, calcado nos enquadramentos sociais dos corpos das mulheres negras. Em vez disso, transfigura a presença de Stephanie em afetos que agitam a escrita fílmica e recuperam os valores de uma poética do corpo. Em Ciclos, “o corpo feminino negro é apresentado como uma força de ação”. No horizonte, afinal, uma coletividade se anuncia à visão, modesta e lindamente. [Confira o texto de Ayanna Dozier (em inglês) na página do projeto Liquid Blackness: bit.ly/lareb6]


A bolsa

The Pocketbook Billy Woodberry | EUA | 1980, 13’, DCP É das coisas mais lindas o que Billy Woodberry fez neste curta baseado em conto de Langston Hughes. Ambientado no bairro de Watts, em Los Angeles, e sob fotografia de Charles Burnett, Gary Gaston e do brasileiro Mario Silva, uma epopeia infantojuvenil cindida em dois atos: de dia, o olhar dos meninos sobre o tempo da brincadeira e os indícios de vida, enquanto um nostálgico blues de Lead Belly se repete e faz do filme uma cantiga em disparada. À noite, o garoto que brincava tenta roubar a bolsa de uma senhora, negra como ele, que observava uma vitrine na calçada. A reação da senhora ao impropério é levar o menino Ray para casa e lhe dar, sim, um aconchego maternal, além de uma razoável lição de moral, que, no entanto, é discretamente subversiva: porque também ela admite não poder ser o eixo de uma sociedade integrada, pequeno-burguesa. Pelo contrário, é uma espécie de mesma de Ray – sem nunca poder ser exatamente, e, portanto, não seria capaz de compreender o garoto de todo. Daí a melancolia da comunidade, que a faz dissensual e que guarda a preciosa singularidade de cada rosto. A bolsa termina por se distinguir como um ensaio melodramático que tem como um dos objetos mais caros a insuficiência da sociologia em traduzir o que os afetos comunicam, e vice-versa. Woodberry, sagaz cronista e filiado a traços da imaginação neorrealista, é certamente um par criativo de Charles Burnett, interessado na correspondência e na defasagem entre os movimentos do mundo e os dramas mais íntimos, secretos, 22

entre a dor e os pequenos prazeres, entre o destino e a fuga. Este filme – como o longa Abençoe seus pequeninos corações, não à toa roteirizado por Burnett – voltou a circular nos últimos anos graças ao importante trabalho de distribuição da independente Milestone.

Seus filhos voltam pra você

Your Children Come Back to You Alile Sharon Larkin | EUA | 1979, 27’, 16 mm O processo de construção da identidade de mulheres negras é o mote principal da composição das protagonistas na obra de Alile Sharon Larkin realizada na UCLA. Desde o curta-metragem The Kitchen (1975), que narra os conflitos de uma mulher com os padrões de beleza que excluem seu cabelo crespo, até o média Uma imagem diferente, que retrata a busca de uma jovem por reinventar o entendimento sobre sua descendência africana – enquanto enfrenta a masculinidade tóxica que a rodeia por todos os lados –, diferentes aspectos são trabalhados em diferentes filmes. Em Seus filhos voltam pra você, Larkin explora esse processo a partir da perspectiva de uma criança, Tovi, interpretada por Angela Burnett – a sobrinha de Charles Burnett, que também atua em O matador de ovelhas (Killer of Sheep, Charles Burnett, 1977) e Abençoe seus pequeninos corações (Billy Woodberry, 1980). A menina vive com a mãe, Lani (Patricia Bentley King), que luta para criá-la sozinha enquanto o pai partiu para a África para se juntar à guerrilha do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Enquanto a mãe se divide entre o trabalho doméstico e as idas ao escritório da assistência social, Tovi passa parte

do tempo com uma tia rica, Chris (Simi Nelson), irmã de seu pai, que tenta conseguir por diversos meios a guarda da menina. Um dos traços formais mais marcantes de Seus filhos voltam pra você é o esforço da câmera por enxergar através dos olhos de Tovi, cuja descoberta do mundo – de suas desigualdades e injustiças – coincide com a formação de sua consciência política, atravessada pela memória do pai e pelos ensinamentos de sua escola afrocêntrica progressista. Nas palavras da influente crítica americana B. Ruby Rich, “Larkin é uma cineasta jovem e original, cujo orgulho e sensibilidade só são comparáveis a seu profundo senso estético. Se há um filme tão delicado quanto este, eu desconheço.” [A frase de B. Ruby Rich, publicada no jornal The Chicago Reader, é citada (em inglês) no livro Screenplays of the African American Experience, editado por Phyllis Rauch Klotman e publicado pela Indiana University Press em 1991] A sessão Curtas 3 será seguida por uma conversa com Mario Vieira da Silva.


Filmes em cartaz

António um dois três

Leonardo Mouramateus | Brasil, Portugal | 2017, 95’, DCP Lisboa, Portugal. Após passar a noite fora de casa, António descobre que seu pai recebeu uma carta anônima revelando que o filho abandonou a faculdade há cerca de um ano. Diante da situação, António foge e encontra abrigo na casa de Mariana, sua ex-namorada. Lá, ele conhece Débora, uma brasileira que alugou um quarto por um único dia, e acaba se envolvendo com ela. António um dois três estreou no Festival de Roterdã em janeiro de 2017. Em entrevista ao site Cine Festivais, o diretor comenta: “A ideia inicial do António era fazer dele, o personagem, uma espécie de Carlitos ou sr. Hulot. Que as três ou mais histórias que eu filmasse com ele fossem autônomas. Adoro a ideia de que uma história narre uma grande desventura, mas que a seguir nada disso seja lembrado. É mais ou menos o que acontece nos livros de detetive, ou nos 007. Eu não sei em que momento me pareceu interessante essa relação entre continuidade de um personagem e descontinuidade de uma narrativa. [...] Filmamos 23

em três partes, com uma média de seis meses de distância entre elas. Partia de um enredo bem simples, escrevia os diálogos em ‘brasileiro’ e, com os atores nos ensaios, transformávamos o enredo e a língua, filmávamos, editávamos e pensávamos no que viria a seguir, ou antes, porque tínhamos a possibilidade de reestruturar tudo de trás para a frente.” Na terça-feira, dia 26/3, às 20h, o IMS Paulista promove uma exibição de pré-estreia de António um dois três seguida de debate com o diretor Leonardo Mouramateus e o ator Mauro Soares, protagonista do filme. [Íntegra da entrevista em: bit.ly/123ant] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).

Diários de classe

Igor Souza e Maria Carolina da Silva | Brasil | 2017, 72’, DCP Diários de classe acompanha o cotidiano em sala de aula de três mulheres negras que estudam em centros de alfabetização para adultos em Salvador: Maria José, que também trabalha como empregada doméstica; Vânia Costa, em privação de liberdade; e Tifany Moura, uma jovem trans, moradora de um abrigo para menores. Durante seis meses, a equipe do filme acompanhou a rotina dessas mulheres. Também cineclubistas, os diretores também realizavam exibições de filmes nas salas de aula: “A gente começou um processo de cineclubismo mesmo em sala de aula, um processo que já vem de anos anteriores”, comenta Maria Carolina em entrevista ao site Cine Vitor. “Percebemos que os filmes eram importantes gatilhos pras discussões que a gente queria trazer para a tela. A partir dessas discussões, essas mulheres vieram nos procurar e dizer que queriam partilhar as histórias delas. Foi aí que a gente encontrou a Vânia.”


“Queríamos trabalhar a questão do gênero, de raça e classe, então os filmes tinham que abordar um pouco disso. Que horas ela volta? [de Anna Muylaert] impactou muito as mulheres. No presídio, tivemos um cuidado de não passar filmes que massacrassem ainda mais aquela realidade, queríamos levar filmes que trouxessem um pouco mais de acalento de um cotidiano bastante violento. Por isso, exibimos Vou rifar meu coração, de Ana Rieper, e foi muito bacana. O céu de Suely [de Karim Aïnouz] rendeu muitas discussões bacanas. Exibir os filmes nos fez compreender ainda mais o que queríamos abordar como linguagem.” Em 2018, no festival de documentários Pirenópolis Doc, Diários de classe recebeu os prêmios de Melhor Filme dos júris oficial, jovem e popular. É o primeiro longa-metragem dos realizadores, que iniciaram a parceria há cinco anos com o curta de animação Entroncamento e produzem a série de animação infantil Aventuras de Amí. [Íntegra da entrevista em: bit.ly/ddclasse] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).

Um elefante sentado quieto Da xiang xi di er zuo Hu Bo | China | 2018, 230’, DCP

Para proteger um amigo, o jovem Wei Bu empurra o valentão da escola escada abaixo e foge do local após o garoto ser hospitalizado. Wang Jin, um vizinho de 60 anos, se junta a Wei, para escapar de ser posto em um asilo. Além disso, Huang Ling, a melhor amiga e colega de classe de Wei Bu, está atormentada por manter um caso com o vice-diretor da escola. Desesperados, os três decidem fugir juntos. Embarcam em um ônibus em direção à Manchúria, onde, segundo dizem, há um elefante de circo sentado quieto. Um elefante sentado quieto é baseado no conto homônimo publicado no livro Huge Crack, de Hu Bo. Em entrevista concedida por ocasião do lançamento do livro, em 2016, Hu Bo afirmou que ainda não pretendia levar as histórias para o cinema: “Separo o cinema da literatura e não pretendo adaptar meus próprios romances. Se alguém quiser fazer adaptações de Huge Crack, espero que não seja em um filme sobre juventude. Porque o livro não é sobre juventude, mas sim sobre a maioria dos estudantes universitários na China.” [Entrevista disponível em: bit.ly/hu-bo] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).

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Estação do diabo

Ang panahon ng halimaw Lav Diaz | Filipinas | 2018, 234’, DCP No final dos anos 1970, uma gangue de policiais controlada por militares aterroriza uma remota aldeia nas Filipinas, infligindo terror físico e psicológico aos cidadãos. As pessoas são constantemente alimentadas com boatos sobre o líder da aldeia. Algumas lutam, recusando-se a desistir. Enquanto isso, o poeta, professor e ativista Hugo Haniway tenta descobrir a verdade sobre o desaparecimento de sua esposa. Uma ópera rock com música e letras compostas por Lav Diaz, inspirada em eventos e pessoas reais e ambientada na ditadura de Ferdinando Marcos. Em entrevista à revista Film Comment, o diretor declara: “Tudo começou com o filme de gângster que estou escrevendo. Enquanto escrevia o roteiro para esse filme de gângster, ou filme noir, comecei a escrever músicas ao mesmo tempo. Enquanto fazia isso, eu continuava ouvindo, assistindo e lendo sobre o que se passa nas Filipinas. E todas essas coisas trouxeram informação às músicas.


E eu continuei escrevendo e lamentando e chorando – compondo marchas fúnebres para o meu país. É muito elegíaco. E a partir daí pensei que talvez pudesse usá-las para fazer um musical. Eu vi muitos musicais, mas como cineasta não estou familiarizado com a forma – é mais pelo que já vi. Então pensei nisso conceitualmente e criei todo esse folclore pagão: a coruja, a cobra, o traidor, os homens sábios. Tomei emprestadas algumas figuras mitológicas ocidentais, como o homem com cara de Jano, cujo nome é Narciso. Assim, todas essas funções semióticas foram usadas para os personagens, assim como a semiótica, o uso do significado, foi usada nas canções. É um misto de realismo com perspectivas conceituais.” [Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/lavdiaz1] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).

As filhas do fogo

Las hijas del fuego Albertina Carri | Argentina | 2018, 116’, DCP Violeta e suas companheiras viajam pela Patagônia argentina em busca de prazer, diversão e novas formas de se relacionar. Sobre a criação do filme, Albertina Carri conta: “Ele surge a partir dessa obsessão, um certo gosto que tenho por romper com os gêneros fílmicos, e não apenas romper, mas também com a ideia de reescrevê-los. Como se fosse fazer uma batida, ver o que acontece se você pegar o gênero policial e colocar nele uma peruca. Então o filme surge um pouco disso, pois quando disse que era um ‘pornô lésbico’, o disse como uma provocação […], não é nada do que se espera quando se fala em pornô lésbico, e isso faz com que seja mais interessante, pois, de qualquer maneira, trata-se mesmo de uma pornografia lésbica. O que não significa que eu, ou o coletivo de mulheres que fez este filme, estamos nos apropriando ou reapropriando do gênero, mas estamos escrevendo não um novo pornô lésbico, mas ‘um’ pornô lésbico, ‘uma possível pornografia lésbica’, e o resultado não é nem um pouco parecido com o que foi feito até agora.” Eleito o melhor filme da competição argentina do festival Bafici, As filhas do fogo é o quinto longa-metragem de Carri. [Leia a entrevista completa em espanhol: bit.ly/ AsFilhasDoFogo] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).

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Filme paisagem, um olhar sobre Roberto Burle Marx João Vargas Penna | Brasil | 2018, 72’, DCP

A vida e a obra de Roberto Burle Marx (1909-1994) ganham um recorte neste documentário. O longa apresenta suas ideias e lembranças, numa sucessão de paisagens sensoriais que resgatam a trajetória do pintor, escultor e paisagista, que projetou praças e jardins em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife. “Burle Marx foi um mestre na construção de espaços públicos, locais de convívio e harmonia com a natureza. Num mundo cada vez mais cheio de barreiras e conflitos, me parece da maior importância mostrar a obra desse artista e cidadão que criou espaços de deleite e aproximação entre os homens e o meio ambiente. Quis mostrar o homem a partir de seu mundo diverso e sensual, misturando imagens de diversos formatos num percurso por seu sítio, por suas obras e por paisagens naturais ou construídas que o motivaram”, conta o diretor João Vargas Penna. Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).


Lembro mais dos corvos

Tea for two

Sobre rodas

Júlia conta histórias para atravessar uma noite de insônia. Gustavo Vinagre e Julia Katharine se conhecem há dez anos e já fizeram três curtas-metragens juntos: Os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos, Filme-catástrofe e o inédito Medo medo medo. Em Lembro mais dos corvos, o roteiro assinado pelos dois apresenta um monólogo que une documentário, ficção e improviso. “Ele me deu muita liberdade, em momento nenhum sentamos para escrever diálogos. Parecia que eu estava fazendo terapia, porque ficou eu e uma equipe muita pequena a noite toda juntos. Uma noite e sem segundo take”, conta Julia Katharine, a primeira atriz trans a ganhar um prêmio no Festival de Tiradentes: o prêmio Helena Ignez, voltado para o trabalho de mulheres no cinema brasileiro. Em 2018, Lembro mais dos corvos recebeu também o Prêmio Joris Ivens e o Prêmio do Júri Jovem de Melhor Filme, no festival Cinéma du Reel, e o Grande Prêmio Longa-Metragem Cidade de Lisboa, no IndieLisboa.

Silvia é uma cineasta de meia-idade em crise com sua vida. Na mesma noite em que é surpreendida pela visita da ex-esposa, que a largou há alguns anos, conhece uma outra mulher que a fascina. Primeiro filme dirigido por Julia Katharine, Tea for two será exibido junto a Lembro mais dos corvos, sempre depois do longa.

Lucas tem 13 anos. Cadeirante, passou um ano em casa depois do acidente que o deixou sem movimento nas pernas. Ao voltar à escola, conhece Laís, uma menina que ajuda a mãe no trabalho, mas não conhece o pai. Tem dele apenas uma fotografia, em que não é possível ver seu rosto, apenas seu caminhão. Juntos, Lucas e Laís partem em uma viagem pelas estradas do interior paulista em busca do caminhoneiro misterioso. Sobre a vontade de fazer um filme voltado ao público infantojuvenil, o diretor Mauro D’Addio relata: “Queria contar a história desse momento de passagem da infância para a adolescência, esse momento belo e tumultuado de nossas vidas, quando saímos da ‘concha’, fazemos amigos, nos apaixonamos.” Sobre rodas, seu primeiro longa-metragem, recebeu o prêmio de Melhor Filme, pela escolha do público, no Festival de Toronto, na sessão Tiff Kids, e também na Mostra Geração, do Festival do Rio.

Gustavo Vinagre | Brasil | 2018, 80’, DCP

Junto ao filme, será exibido Tea for two, curta-metragem de Julia Katharine. Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia).

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Julia Katharine | Brasil | 2018, 25’, DCP

Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia).

Mauro D’Addio | Brasil | 2019, 75’, DCP

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).


Sessões especiais

Tito e os pássaros

Gustavo Steinberg, André Catoto e Gabriel Bitar | Brasil | 2018, 73’, DCP Tito é um menino tímido de 10 anos que vive com sua mãe. De repente, uma estranha epidemia começa a se espalhar, fazendo com que as pessoas fiquem doentes quando se assustam. Tito rapidamente descobre que a cura está relacionada à pesquisa feita por seu pai ausente sobre o canto dos pássaros. Então, ele embarca numa jornada com seus amigos para salvar o mundo da epidemia. Gabriel Bitar, codiretor e diretor de arte, comenta em depoimento veiculado no material de imprensa do filme: “Como estávamos lidando com questões como o medo e o caos social, durante a fase de pesquisa sentimos uma forte identificação com o movimento expressionista europeu do começo do século XX. Queríamos fazer todo o filme utilizando pintura a óleo, mas isto mostrou não ser um modelo de produção viável. Assim, por exemplo, fotografamos algumas pinceladas de tinta a óleo, que foram então utilizadas pelo pessoal da pintura digital.” 27

“A inspiração para os personagens veio de muitos lugares”, diz o também diretor André Catoto, “como o modo como uma vizinha se comporta, o modo como um professor escreve etc. O expressionismo alemão também inspirou diretamente a estética do filme. Artistas como George Grosz e Karl Schmidt-Rottluff são grandes influências, assim como o cinema expressionista, que distorce o cenário e os personagens, o que me fez olhar para a maquiagem utilizada para gerar essas distorções, especialmente em torno dos olhos, que transmitem um leve desconforto, entre o cansaço e o medo. Durante a elaboração do filme, testamos muitas versões dos personagens, mas uma coisa que nós nunca mudamos foram os olhos muito redondos, porque eles são parte da história – tudo começa com eles.” Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).

Como eliminar seu chefe

9 to 5 Colin Higgins | EUA | 1980, 110’, DCP O que pensam as trabalhadoras ao saírem do escritório? Nessa comédia, a primeira produzida por Jane Fonda, são retratados os desejos mais “obscuros” e divertidos de um grupo de funcionárias (interpretadas por Fonda, Lily Tomlin e Dolly Parton) para punir seu chefe abusivo e machista. Em 2018, por ocasião do relançamento de Como eliminar seu chefe no BFI (Instituto Britânico de Filmes), Jane Fonda comentou seu envolvimento com filmes que eram politicamente engajados e que possuíam também apelo comercial: “Se você quer dizer algo importante sobre uma causa, você precisa descobrir um jeito de passar a mensagem de uma forma popular e divertida. Amargo regresso (1978) era uma história de amor sensual, Síndrome da China (1979) era um suspense, e Como eliminar seu chefe era uma comédia. […] O filme foi um grande sucesso, e fez muita diferença para mulheres no ambiente de trabalho. E, é claro, a música se tornou um hino para essas mulheres, elas não precisavam mais expli-


Sessão Mutual Films: Dois lados do Pacífico car o que elas enfrentavam, apenas descobrir como resolver o problema... Algo que ainda há de ser feito.” 9 to 5, título original do filme e da canção de abertura, composta por Dolly Parton, faz menção à jornada de trabalho das 9h às 17h, e é também o nome do sindicato de mulheres que inspirou Colin Higgins na criação do roteiro. A música foi indicada ao Oscar de Melhor Canção Original e, depois do sucesso estrondoso do longa – que arrecadou mais de 200 milhões de dólares de bilheteria no mundo inteiro –, a obra ganhou uma versão musical, lançada em 2009 na Broadway, com novas canções escritas também por Parton. [Assista à entrevista completa em inglês: bit.ly/9to5BFI] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

A Sessão Mutual Films de março apresenta um diálogo entre Tóquio e Los Angeles por meio de filmes de um recém-falecido mestre do cinema pop japonês e de um cineasta experimental americano contemporâneo, muito influenciado por ele. A marca do assassino (1967), um dos filmes mais cultuados de Seijun Suzuki, é um neo-noir sobre a manipulação corporativa na disputa entre os maiores assassinos de aluguel do Japão. 66 (2015), de Lewis Klahr, é um filme colagem de narrativa fragmentada com referências à mitologia grega, organizado em 12 episódios que representam o ano de 1966. O programa mergulha no universo de vanguarda pop, a partir de uma obra marcante e icônica da época e uma contemporânea que se volta às referências do passado com o olhar do presente.

A marca do assassino

Koroshi no rakuin Seijun Suzuki | Japão | 1967, 91’, 35 mm para DCP Ao voltar para Tóquio de sua lua de mel, Goro Hanada (interpretado por Jo Shishido), o terceiro maior assassino de aluguel do Japão, que possui um fetiche por arroz branco, é contratado para um serviço por uma oculta organização criminosa. Ele executa a operação e, no processo, se depara com Misako Nakajo (Annu Mari), uma colecionadora de borboletas que o contrata para um novo trabalho. O assassino falha quando uma borboleta pousa na mira de sua arma, e seu erro o condena à morte. A partir daí, trava-se uma caçada e uma disputa de poder entre Hanada e a organização – cujos membros mais perigosos contam com o malevolente “Número Um” (Koji Nanbara). 28

A marca do assassino é o filme mais cultuado de Seijun Suzuki. Foi o último dos mais de 40 que dirigiu para o estúdio Nikkatsu – em sua grande maioria, “filmes B”, com produções rápidas e de baixos orçamentos – e também aquele que culminou em sua demissão do estúdio, em 1968, resultando em uma carreira subsequente como cineasta independente. O filme, em preto e branco, com fortes toques de surrealismo, transitando livremente entre o tempo real e o tempo psicológico, realismo urbano e pesadelo psicodélico, foi um fracasso de bilheteria em seu primeiro lançamento e foi taxado por muitos como “incompreensível”. Porém, nas décadas seguintes, a crítica reavaliou A marca do assassino como uma grande obra subversiva, inclusive em sua alegoria sobre as relações de poder entre um artista e a indústria cinematográfica. O filme será apresentado no IMS em um novo DCP feito pelo Nikkatsu, após a morte de Suzuki aos 93 anos, em fevereiro de 2017. Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

66

Sixty Six Lewis Klahr | EUA | 2015, 90’, DCP 66 é um filme-colagem criado a partir de recortes de revistas, propagandas e histórias em quadrinhos que evocam a cultura pop da década de 1960. O artista norte-americano Lewis Klahr (nascido em 1956) organiza o filme, situado em Los Angeles, em 12 capítulos autônomos, que correspondem aos meses de 1966 e fazem referências à mitologia grega, em especial ao mito do rio Lete, cujas águas causam o esquecimento. O estilo


Nelson Pereira em cartaz elíptico de 66 é característico da obra cinematográfica de Klahr (que adotou o digital na última década, após anos trabalhando em Super 8 e 16 mm), assim como imagens em stop motion de figuras arquetípicas femininas e masculinas, cujos movimentos são animados por uma sonoplastia composta por ruídos, música pop e trilhas sonoras de outros filmes e séries de televisão. O tom de 66 é estabelecido de início com uma frase de Paul Éluard e André Breton: “Dá aos sonhos que esquecestes o valor daquilo que não conheces.” No capítulo “Icor”, uma voz feminina guia o protagonista (talvez um fugitivo, talvez um detetive), que parece imerso em uma investigação, a qual não temos acesso. Em “Helena de T”, acompanhamos a vida boemia de uma jovem loira, ou lembranças de uma mulher que envelhece, envolvidos por uma música luxuriante que delineia a dinâmica sedutora entre a protagonista e seu ambiente. A ação é sugerida por objetos como cigarros, sofás, flores e espinhos. Outros capítulos, como “Dia 19 de agosto, 1966: Júpiter envia uma mensagem” ou “Ambrosia”, são mais impressionistas e singelos e expressam apenas o sentimento de um momento. Os capítulos de 66 são dedicados a pessoas próximas do artista, enfatizando a qualidade efêmera da passagem do tempo. O filme terá sua estreia brasileira no IMS. Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

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Ao longo de um ano, a filmografia de Nelson Pereira dos Santos será exibida em uma retrospectiva integral no Cinema do IMS. A cada mês, uma parte da obra do diretor é exibida em cópias digitais e 35 mm.

Azyllo muito louco

Nelson Pereira dos Santos | Brasil | 1970, 83’, 35 mm para DCP Nesta livre adaptação do conto “O alienista”, de Machado de Assis, Nelson Pereira dos Santos mantém o tom do livro, ao mesmo tempo que desconstrói ambientação e personagens, ao retratar a construção do sanatório em uma pequena cidade no século XIX. Filmado em Paraty, com Leila Diniz, Ana Maria Magalhães, Irene Stefânia, Nildo Parente (em seu primeiro filme com NPS) e Arduíno Colasanti, com figurinos lisérgicos e alegóricos, Azyllo muito louco evoca também aqueles que são os anos mais sinistros do regime militar iniciado em 1964, em internações/prisões sem sentido feitas por aqueles com delírios de controle e poder e tentativas de resistência. Comenta Helena Salem, em Nelson Pereira dos Santos – O sonho possível do cinema brasileiro: “Se a revolta no conto é obra dos homens, no filme ela é puxada pelas mulheres (ainda que seja colocado um chefe homem). [....] Também são as mulheres as únicas que, mesmo dentro do hospício, não usam camisa de força, ao contrário dos homens. “Elas (as atrizes) não queriam”, justifica Nelson. [...]. O fato é que as mulheres no filme são mais livres, esvoaçantes, alegres, fortes – e sábias. Têm todo, e nenhum poder. Porque, em última instância, o poder é dos homens. Pelo menos o institucional.” Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

Como era gostoso o meu francês Nelson Pereira dos Santos | Brasil | 1971, 83’, 35 mm para DCP

Livremente baseado nas vivências de Hans Staden (que era alemão e sobreviveu para contar sua história), Como era gostoso o meu francês demorou anos para ser realizado. Pesquisas intensas foram feitas por Nelson Pereira dos Santos desde a metade dos anos 1960; os diálogos em tupi foram elaborados por Humberto Mauro (estudioso da língua); e, apesar do baixo orçamento para uma produção de época, o resultado é outra alegoria do Brasil de então, desta vez em versão antropofágica. Nas palavras de Nelson, em depoimento a José Agustín Mahieu para a Cuadernos Hispanoamericanos (n. 395, maio 1983), “a concepção da história se baseia nessa recuperação da cultura brasileira colonizada há séculos. [...] A teoria antropofágica [...] é uma teoria de assimilação da cultura estrangeira pelo homem brasileiro. E pelo índio. O índio comia o inimigo para adquirir seus poderes, não para se alimentar fisicamente. Era algo ritual. Quanto mais poderoso era o inimigo, mais saboroso ele era.” Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).


Harun Farocki: quem é responsável? Todos os sábados, a partir do dia 16 de março, integrando a exposição Harun Farocki: quem é responsável?, serão exibidos os filmes Imagens do mundo e inscrição da guerra, às 11h30, e Intervalo, às 15h, do cineasta e videoartista Harun Farocki (Neutitschein, Tchecoslováquia, 1944-Berlim, Alemanha, 2014). Nas obras desta exposição, Farocki mostra como fotografias e imagens digitais participam da construção de armas letais, denuncia preconceitos e mecanismos de coerção implícitos em ilustrações de livros didáticos, expõe o drama humano contido nos desafios aparentemente banais dos jogos de computador e aponta para a ligação entre a indústria cultural e a indústria de guerra. Com uma trajetória iniciada no fim dos anos 1960 no campo do cinema ativista, Harun Farocki voltou-se para o universo das videoinstalações a partir da década de 1990. Deixou uma produção de 120 filmes e instalações em que sua crítica, ao abordar fronteiras pouco nítidas entre ficção e realidade, ganha surpreendente atualidade. Entrada gratuita. Sujeito a lotação.

Imagens do mundo e inscrição da guerra

Bilder der Welt und Inschrift des Krieges Harun Farocki | Alemanha Ocidental | 1988, 75’, DCP Filme-ensaio sobre o uso de imagens operacionais (desenhos e fotografias realizados com finalidade técnica, sem pretensão artística) em processos produtivos, operações militares e como mecanismos de controle. Harun Farocki se debruça especialmente sobre um conjunto de fotografias aéreas de Auschwitz tiradas por aviões de bombardeio norte-americanos em 1944, mas que foram descobertas e identificadas por dois funcionários da CIA apenas em 1977. O cineasta reflete sobre o papel do olho como intermediário entre o ser humano e o mundo, e sobre como o ponto de vista determina o que vemos. O uso de imagens tanto em projetos de construção como de destruição estão no centro de suas indagações.

Intervalo

Aufschub Harun Farocki | Alemanha, Coreia do Sul | 2007, 40’, DCP Harun Farocki investiga um conjunto de cenas silenciosas, em preto e branco, realizadas em 1944, em Westerbork, um campo de refugiados holandês criado em 1939 para abrigar judeus foragidos da Alemanha. Em 1942, após a ocupação da Holanda, os nazistas o transformaram num “campo de trânsito”, onde os detentos viviam antes de serem deportados novamente para a Alemanha. As imagens foram realizadas pelo fotógrafo judeu Rudolf Breslauer, que viveu em Westerbork. Em depoimento, Farocki relata como, uma vez de posse das filmagens de Breslauer, “ficamos procurando por detalhes e tentado descobrir as intenções de representação de cada sequência a partir de informações do contexto.. Propus-me fazer um filme no espírito desses estudos, que registrasse também o processo das investigações das imagens. O material básico é mudo e o mantive assim, acrescentando apenas legendas. As imagens devem falar por si.” [Excerto do texto “Berta vermelha vai andando sem amor”, disponível no catálogo da exposição Harun Farocki: quem é responsável?]

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coleção DVD | IMS

Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras.

Cabra marcado para morrer

Eduardo Coutinho Brasil | 1964-84, 119’

Escreveu Roberto Melo para o Jornal do Brasil em janeiro de 1985: “As filmagens começaram em fevereiro de 1964. Coutinho pretendia contar a história de João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado em 1962. Não queria atores profissionais: que os personagens fossem interpretados pelos próprios camponeses. Dezessete anos depois, Coutinho volta à região, consegue encontrar Elizabeth, através do filho mais velho, Abraão, investiga o destino dos outros dez filhos e de todos os envolvidos no projeto. Exibe os originais filmados há tanto tempo, os camponeses se alegram com seus rostos, mais jovens, vivem a emoção do reconhecimento e o jogo de identificações. Vinte anos depois, Coutinho conclui seu filme, um épico contado com clareza, paciência e perseverança, por alguém que confia no trabalho e nos dias. Uma experiência original na cinematografia brasileira.” Acompanham o filme uma faixa comentada, um livreto com análises críticas e dois extras exclusivos, nos quais, 50 anos após o início das filmagens e 30 anos após a conclusão do documentário, Eduardo Coutinho reencontra Elizabeth Teixeira, sua família e os camponeses do engenho Galileia.

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O futebol, de Sergio Oksman O botão de pérola e Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán Photo: Os grandes movimentos fotográficos Homem comum, de Carlos Nader Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman Os dias com ele, de Maria Clara Escobar A tristeza e a piedade, de Marcel Ophuls Os três volumes da série Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual La Luna, de Bernardo Bertolucci Cerimônia de casamento, de Robert Altman Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho Vidas secas e Memórias do

cárcere, de Nelson Pereira dos Santos O emprego, de Ermanno Olmi Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna Cerimônia secreta, de Joseph Losey As praias de Agnès, de Agnès Varda A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch Diário 1973-1983 e Diário revisitado 1990-1999, de David Perlov Elena, de Petra Costa A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper Seis lições de desenho com William Kentridge Sudoeste, de Eduardo Nunes Shoah, de Claude Lanzmann Memórias do subdesenvolvimento, de Tomas Gutiérrez Alea E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade.

Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja on-line do IMS: bit.ly/imsdvd.


Curadoria de cinema

Os filmes de março

Meia-entrada

Kleber Mendonça Filho

O programa de março tem o apoio da Filmes de Quintal, da Klaxon Cultura Audiovisual, da Regina Filmes, e das distribuidoras Bretz Filmes, Elo Company, Olhar Distribuição, Park Circus, Tamasa Distribution, Vitrine Filmes, Zeta Filmes e do Espaço Itaú de Cinema. E dedica agradecimentos a Ismar Tirelli Neto, Letícia Monte, Ana Maria Magalhães, Marcia Pereira dos Santos e Diogo Dahl.

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública municipal, estudantes, menores de 21 anos, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos, portadores de hiv e aposentados por invalidez.

Programação de cinema e DVD Barbara Alves Rangel Programadores assistentes Thiago Gallego e Ligia Gabarra Projeção

Apoio Exibições de A marca do assassino

Adriano Brito e Edmar Santos

Cliente Itaú: desconto para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Venda de ingressos

L.A. Rebellion Curadoria: Luís Fernando Moura e Victor Guimarães Produção: Ana Carolina Antunes, Luisa Lanna, Associação Filmes de Quintal Realização: Instituto Moreira Salles Agradecimentos: Aaron Cutler, American Genre Film Archive, Carla Italiano, Cinécim Vidéo, Cinéma du Réel, Dennis Doros, Dora Amorim, Émilie Lesclaux, Janela Internacional de Cinema do Recife, Josslyn Luckett, Julie Dash, Junia Torres, Larry Clark, Milestone Film & Video, Mariana Shellard, Mario Silva, Omah Duiegu (Ijeoma Iloputaife), Sankofa Video & Bookstore, Steven C. Hill, UCLA Film & Television Archive, Women Make Movies. L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema foi um projeto do UCLA Film & Television Archive desenvolvido como parte de Pacific Standard Time: Art in L.A. 1945-1980.

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Ingressos à venda na bilheteria, para sessões do mesmo dia. Vendas antecipadas no site ingresso.com. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala (113 lugares). Devolução de ingressos Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos ou por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.

Sessões para escolas e agendamento de cabines pelo telefone (21) 3284 7400 ou pelo e-mail imsrj@ims.com.br. Programa sujeito a alterações. Acompanhe nossa programação em cinema.ims.com.br e facebook.com/cinemaims. As seguintes linhas de ônibus passam em frente ao IMS Rio: Troncal 5 - Alto Gávea - Central (via Praia de Botafogo ) 112 - Alto Gávea - Rodoviária (via Túnel Rebouças) 538 – Rocinha - Botafogo 539 – Rocinha - Leme Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea.


A marca do assassino (Koroshi no rakuin), de Seijun Suzuki (Japão | 1967, 91’)


Terça a domingo, sessões de cinema até as 20h. Visitação Terça a domingo, inclusive feriados (exceto segundas), das 11h às 20h. Entrada gratuita.

Rua Marquês de São Vicente 476 CEP 22451-040 Gávea – Rio de Janeiro 21 3284 7400 imsrj@ims.com.br

ims.com.br /institutomoreirasalles @imoreirasalles @imoreirasalles /imoreirasalles /institutomoreirasalles

Como eliminar seu chefe (9 to 5), de Colin Higgins (EUA | 1980, 110’, DCP)


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