IMS Paulista: os filmes de novembro/2018

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cinema nov.2018


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Djon África (96’) A última abolição (85’) A fábrica de nada (177’) A última abolição (85’)

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16:00 A última abolição (85’) 18:00 A fábrica de nada (177’) 21:30 A última abolição (85’)

14:30 A fábrica de nada (177’) 18:00 Sessão Cinética: Histórias que nosso cinema (não) contava (79’) 19:45 Sessão Cinética: As aventuras amorosas de um padeiro (109’) Seguida de debate com os críticos da revista e a diretora Fernanda Pessoa

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20:30 Protea - exibição do filme com trilha ao vivo da Quartabê (50’)

20:30 Protea - exibição do filme com trilha ao vivo da Quartabê (50’)

14:00 A fábrica de nada (177’) 17:30 Torre. Um dia brilhante (97’) 19:30 A fábrica de nada (177’)

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14:00 A fábrica de nada (177’) 17:30 Rio, 40 graus (93’) 19:30 Rio, Zona Norte (86’)

14:00 A fábrica de nada (177’) 17:30 Torre. Um dia brilhante (97’)

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A última abolição (85’) Rio, 40 graus (93’) Rio, Zona Norte (86’) Seguido de debate com Emílio Domingos e Heitor Augusto

Torre. Um dia brilhante (97’) Excelentíssimos (152’) Torre. Um dia brilhante (97’) Excelentíssimos (152’)

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Torre. Um dia brilhante (97’) Excelentíssimos (152’) Koolhaas – Uma vida em casa (58’) Sessão seguida de debate com convidados do CineCubo, o cineclube do IAB SP.

Torre. Um dia brilhante (97’) Excelentíssimos (152’) 26º Festival Mix Brasil 26º Festival Mix Brasil

14:00 Torre. Um dia brilhante (97’) 15:45 Excelentíssimos (152’) 18:45 Sessão Mutual Films: Vinte dias sem guerra (97’) 20:30 Sessão Mutual Films: País bárbaro (63’) Seguida de debate com curadores e convidados


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14:00 Djon África (96’) 16:00 A última abolição (85’) 18:00 A fábrica de nada (177’)

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A fábrica de nada (177’) A última abolição (85’) Djon África (96’) A última abolição (85’)

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Djon África (96’) A última abolição (85’) A fábrica de nada (177’) A última abolição (85’)

14:00 Djon África (96’) 16:00 A última abolição (85’) 18:00 A fábrica de nada (177’)

11 A fábrica de nada (177’) A última abolição (85’) Djon África (96’) A última abolição (85’)

14:30 A fábrica de nada (177’) 18:00 Histórias que nosso cinema (não) contava (79’) 20:00 Djon África (96’)

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14:00 A fábrica de nada (177’) 17:30 Torre. Um dia brilhante (97’) 19:30 A fábrica de nada (177’)

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Torre. Um dia brilhante (97’) Excelentíssimos (152’) 26º Festival Mix Brasil 26º Festival Mix Brasil

14:00 Torre. Um dia brilhante (97’) 18:00 26º Festival Mix Brasil 19:30 26º Festival Mix Brasil

30 14:00 Torre. Um dia brilhante (97’) 15:45 Excelentíssimos (152’) 19h Obituário - Sessão apresentada por Margalit Fox (96’)

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em facebook.com/cinemaims e ims.com.br.


capa Rio, Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos (Brasil | 1957, 86’) Protea (Protéa), de Victorin-Hippolyte Jasset (França | 1913, 50’)


destaques de novembro 2018 Como se mover em território inimigo? A incansável Protea (interpretada por Josette Andriot) é a mulher de mil disfarces – senhorinha frágil, domadora de leões ou mesmo um policial, misturando gêneros já em um filme de 1913 –, sempre com a ajuda do personagem Enguia (interpretado pelo acrobata Lucien Bataille). O filme Protea será exibido nos dias 13 e 14 de novembro com acompanhamento musical inédito, criado pelo grupo Quartabê. A partir deste mês, e ao longo de um ano, o cinema do IMS passa a receber uma programação dedicada à filmografia completa de Nelson Pereira dos Santos. Os dois longas que inauguram a homenagem são também os primeiros de sua carreira: Rio, 40 graus e Rio, Zona Norte – no dia 6 de novembro, haverá um debate

após a sessão de Rio, Zona Norte com o cineasta Emílio Domingos e o crítico Heitor Augusto. Para comemorar um ano do CineCubo IAB, no dia 28 de novembro, apresentaremos Koolhaas – Uma vida em casa. Trata-se de um retrato do cotidiano em uma obra projetada pelo arquiteto Rem Koolhaas a partir do ponto de vista da governanta dessa casa, Guadalupe Acedo. A sessão será seguida de debate com os curadores do evento e convidados. Vinte dias sem guerra e País bárbaro são os filmes apresentados pela sessão Mutual Films. Seja a partir da ficção ou da reapropriação de imagens de arquivo, ambos propõem uma reflexão sobre as consequências de propagandas políticas que alardeiam heroísmos baseados em mentiras. Eles serão exibidos no dia 29 de novembro, seguidos por um debate.

País bárbaro (Pays barbare), de Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi (França | 2013, 63’, DCP)

Koolhaas – Uma vida em casa (Koolhaas Houselife), de Ila Bêka e Louise Lemoine (França | 2006, 58’, DCP)

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Rio, 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos (Brasil | 1955, 93’, cópia restaurada em DCP)


Uma questão de aparência: 20 dias sem guerra e País bárbaro Mariana Shellard e Aaron Cutler

Uma lembrança: soldados e civis soviéticos misturados, que descansam entre as ruínas de um edifício. Ouve-se apenas uma melodia, que remete a um parque de diversões. Um grupo se organiza para ser fotografado. O som de mísseis interrompe a música e, repentinamente, tudo voa pelos ares. Voltando ao presente, em um set de filmagem, atores interpretam a história que originou a lembrança, uma história cujo verdadeiro protagonista – um escritor e soldado de meia-idade – diverge enfaticamente do falso heroísmo presente na dramatização. Em outro lugar, soldados e civis italianos desfilam uniformizados. Inúmeras paradas reforçam a pompa do regime fascista. As mentiras do progresso e da civilização são encobertas pelo ritmo monótono dos passos de colaboradores, cientes e não cientes da política expansionista genocida do regime. Acompanhando as imagens, um narrador comenta: “Eles precisam de uniformes, fantasias, em resumo, é tudo uma questão de aparência”. Esses dois retratos provêm, respectivamente, dos filmes Vinte dias sem guerra (1976), de Aleksey German, e País 2

bárbaro (2013), de Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi, que compõem a edição de novembro do evento bimestral Sessão Mutual Films. A obra de German é uma ficção com narrativa clássica que relata a história de um soldado em licença durante a Segunda Guerra Mundial. A de Gianikian e Ricci Lucchi é um documentário formado a partir de fontes primárias (filmes, fotografias e documentos escritos) da época do fascismo italiano e suas campanhas de destruição em colônias africanas. Os três artistas compartilham uma luta contínua contra a falsa imagem de pudor e heroísmo de regimes autoritários. German passou sua carreira cinematográfica buscando precisão histórica. O diretor russo (nascido em 1938 e morto em 2013, tendo concluído um total de seis filmes) se dedicou a representar a história recente da Rússia e da União Soviética, do final da Primeira Guerra Mundial à morte de Stalin. Suas obras são recriações meticulosas, filmadas em preto e branco, de momentos de desilusão ideológica do regime soviético. Seus protagonistas são soldados e oficiais corruptos,

desgastados ou coagidos, que, ao longo de seus percursos, expõem a violência física e intelectual do período estalinista. Consequentemente, seus filmes pré-Glasnost foram censurados, inclusive Vinte dias sem guerra, sua obra crítica mais comedida. Diferentemente dos filmes vertiginosos, desorientadores e com múltiplos protagonistas, como Meu amigo Ivan Lapshin (1984), sobre a Grande Purga promovida por Stalin antes de assumir o poder, e Khrustalyov, meu carro! (1998), que retrata a decadência social no período da morte de Stalin, Vinte dias sem guerra – inspirado em escritos do poeta e correspondente de guerra Konstantin Simonov – possui um ritmo mais melancólico e centrado em um único personagem. Durante uma licença de 20 dias da Batalha de Stalingrado, o soldado e escritor major Lopatin (Yuriy Nikulin, conhecido na época como um ator cômico) retorna à sua cidade natal com os pertences de um soldado morto, que devem ser entregues à sua família. Nesse período, ele discursa fervorosamente para trabalhadores infantis em uma fábrica de materiais bélicos (“Dia e noite, a produção de vocês aniquila os alemães


em Stalingrado”), mas também critica o retrato demasiadamente heroico da guerra, ao assessorar uma produção cinematográfica baseada em seus escritos, afirmando ser “uma mentira”. Lopatin ao mesmo tempo sustenta a visão ideológica da guerra para aqueles que a amparam à distância e se vê isolado com suas árduas memórias, contraditórias à visão fantasiosa daqueles que o rodeiam. Suas palavras se tornam uma ponte que conecta duas realidades. Ainda que todos estejam sendo afetados pela guerra, ele é o único na cidade que esteve no campo de batalha e que pode descrever a degradação humana no front. A obra do casal Gianikian e Ricci Lucchi (ambos nascidos na Itália em 1942) tem como lema “jamais esquecer”. Durante seus mais de 40 anos de colaboração – uma parceria que começou em 1974 e se encerrou com a morte de Ricci Lucchi em fevereiro deste ano –, a dupla produziu inúmeras obras, filmes, instalações audiovisuais e desenhos, com a intenção de preservar a memória e refletir sobre a condição presente. Seu principal método de trabalho se baseia na ressignificação 3

de registros visuais de arquivos públicos e particulares, que, muitas vezes, chegam em suas mãos profundamente deteriorados. Eles refotografam as imagens, quadro a quadro, com um dispositivo que denominaram “câmera analítica”, e manipulam o material fotografado – que retrata predominantemente as consequências devastadoras do militarismo colonialista europeu dos séculos XIX e XX – com tinturas e alterações de velocidade, para criar uma sensação de suspensão do tempo. País bárbaro, último longa-metragem do casal, considera o fascismo um fenômeno histórico contínuo. E o faz ao traçar uma linha que começa com as campanhas de conquista e extermínio nas colônias africanas da Líbia e Etiópia, durante as décadas de 1920 e 1930, e culmina

na Europa contemporânea e sua rejeição aos refugiados de guerra. O filme justapõe imagens coloridas e deterioradas à música contemporânea minimalista e à narração em off que comenta e relata, a partir de documentos primários, os métodos de destruição em massa de Benito Mussolini, que incluíam o uso de armas químicas. Essas armas de extermínio ainda são usadas hoje, diz um narrador, enquanto observamos fotografias antigas de mísseis, aviões e soldados italianos. Ao estudar uma série de emblemas e imagens que expressam o poder das forças armadas, País bárbaro reflete sobre as qualidades que tornaram Mussolini e outros líderes atraentes. Em determinado momento, o narrador declara: “Cada período tem seu fascismo”.


“Nos lugares mais improváveis, é possível achar traços da história recente” por Andrea Ormond e Juliano Gomes

Em agosto, encontramos Fernanda Pessoa no Rio de Janeiro, por ocasião do lançamento do seu filme Histórias que nosso cinema (não) contava, um filme de montagem que se utiliza somente de filmes classificados como pornochanchada, realizados na década de 1970 no Brasil. Publicamos aqui a primeira parte dessa conversa, mantendo o tom informal, que também caracteriza os filmes, abordando tanto a produção realizada pela diretora quanto essa importante porção do cinema brasileiro, ainda tão negligenciada em seus valores culturais e artísticos. Juliano Gomes: Por que mostrar essas imagens hoje? Fernanda Pessoa: Me interessei muito por essas imagens a partir do E agora josé? A tortura do sexo (Ody Fraga, 1979). Trabalhava na filmoteca da Faap com o Máximo Barros, catalogando fotografias do cinema brasileiro, com o acervo do Máximo. O E agora José? tive que assistir para catalogar. Não tinha a menor ideia dessa produção, não sabia quem era Jean Garret ou David Cardoso ou Ody Fraga. 4

Andrea Ormond: Você tem quantos anos? FP: Eu nasci em 1986. E, na faculdade de cinema, lembro que vimos Como é boa nossa empregada (Ismar Porto, Victor de Melo, 1973), mas numa perspectiva mais de reiterar “como é ruim nosso cinema” do que de perceber ali algo além. Era só pra assistir, dar risada, achar péssimo e acabou. Quando vi E agora, José?, eu não sabia o que pensar, aquela reencenação do Vladimir Herzog morto, a tortura altamente erotizada… Não sabia que aquilo existia. Fiquei com ele na cabeça por muito tempo. Depois, fui fazer mestrado e uma aula sobre reutilização de imagem no cinema experimental. Nessa aula, vi uma frase num filme: “Mesmo nos lugares mais improváveis, é possível achar traços da história recente”. Aí caiu a ficha: vou voltar a esses filmes com olhar histórico, procurando qualquer coisa que eles possam me ensinar sobre o período da ditadura, sobre esse período que não vivi. O que já me interessava muito: a contradição entre um gênero erótico e subversivo durante uma ditadura, um regime de ultradireita moralista.

AO: Então você já chegou nesses filmes a partir da ponto de vista deles serem uma contraposição política… FP: Realmente, não cheguei achando que eles eram produto direto da ditadura. AO: Em geral, quando as pessoas gostam da pornochanchada, é mais pelo aspecto erótico, pela comédia… Mas então quero entender o seu ponto de partida. Você chegou nesses filmes buscando entender o Brasil? FP: Então, Andrea, tem uma coisa no seu texto que pra mim é a sacada genial, porque eu não era uma fã típica da pronochanchada. Na verdade, a primeira vez que te contatei estava próxima da perspectiva do José Carlos Avellar sobre esses filmes. Escrevi um primeiro projeto superpreconceituoso e superinocente e mandei pra você. E aí você disse que discordava muito do Avellar e me deu indicações ali que me ajudaram muito a ter um olhar mais justo. Porque eu parto então do outro lado. Revendo esses filmes, consegui chegar nesse meio-termo. Não sou uma fã. Gosto muito dos filmes, mas não sou uma fã que vai pegar esses filmes e reassistir a todos por puro prazer.


AO: Sim. É que tenho uma memória afetiva desses filmes… FP: Não tenho nenhuma memória afetiva deles, não assisti quando passava na TV Bandeirantes, eu era muito nova. Esse distanciamento é essencial pro filme. É uma tentativa de ter um olhar que mostra as coisas ruins e também coisas muito interessante que não estávamos olhando. Começo a vê-los por causa de um trabalho e decido revê-los pra ver o que eles podem me contar sobre o Brasil. Levantei uma lista de uns 300 filmes, procurando por títulos “suspeitos” e diretores. Consegui assistir a uns 150. JG: Qual era o corte desse agrupamento? FP: Filmes que poderiam ser pornochanchadas. Filmes que poderiam se enquadrar em um certo conjunto de características gerais. Fui tendo que definir no meio do caminho. Tive que fazer também meus parâmetros para o que eu ia chamar de pornochanchada. Até me questionei se usaria o termo, ou se usaria “erótico-popular”. Mas decidi usar o termo justamente por ser do senso comum. Usando 5

“erótico-popular” não vou conseguir conversar com o público. Pornochanchada é muito mais apelativo. Decidi então usar a própria lógica do cinema que eu abordava. Há muito títulos “enganosos” nesses filmes. De certa forma, fiz um pouco isso, porque não é exatamente “A” história da pornochanchada o que o filme é. Daí foi isso, defini que não ia trabalhar com Carlos Reichenbach, Walter Hugo Khouri, que foram reconhecidos como grandes diretores depois, decidi não trabalhar também adaptações de Nelson Rodrigues nem de grandes cânones da literatura brasileira. Fui achando documentos que foram me mostrando. De Noite em chamas (Jean Garrett, 1978), tinha uma crítica que falava ser um “pornô social”. Nos embalos de Ipanema (Antonio Calmon, 1978) é um dos filmes que classificavam como pornochanchada. Fui fazendo meu recorte também por aí, por relatos de diretores, pela imprensa, ou mesmo pela recepção atual. AO: Após esse longo processo de convivência com essa produção, você se considera transformada de alguma maneira?

FP: Sim, de várias formas. Numa primeira visão, por exemplo, aquele machismo todo nos filmes me era muito violento. Depois, comecei a entender e a olhar como se formava essa representação simbólica. Por que esses filmes têm tantas vezes o corpo da mulher ligado ao milagre econômico, por exemplo? Fui deixando de me sentir mal e violentada e fui passando a tentar entender como isso se formava. Transforma o meu feminismo também, num certo sentido. Comecei muito preconceituosa. E descobri que, mesmo nos filmes ruins, tem coisas boas. Nem tudo é só bom ou só ruim. AO: Por exemplo, As aventuras amorosas de um padeiro (Waldyr Onofre, 1976), por exemplo, toca no tema do aborto, que hoje é ultraurgente, e quem foi fazer isso foi um cara, Waldyr Onofre, pelo qual ninguém dava nada, um outsider, e fez de uma maneira bastante complexa. FP: Sim. Não dá pra enquadrar ele em nada, por isso ele fica meio perdido aí na história. Não está dentro de nenhum movimento. O filme dele, um diretor negro, para


a militância negra, não é assim tão falado, porque é uma comédia, tem várias questões ambíguas. Então ele fica nesse limbo na história do cinema brasileiro. Aí decidi trazer ele pra mim, para tentar encaixá-lo em alguma história. O caso do Waldyr é um pouco diferente dos demais filmes que uso no Histórias. Além de ser o único filme dirigido por ele, foi produzido pelo Nelson Pereira dos Santos, que é um nome que poderia ser mais ligado ao cinema novo do que à chamada “pornochanchada”. O Waldyr começou como ator nos filmes do Nelson e não fazia parte da “turma” que produzia “pornochanchadas” na época. Eu vejo que claramente o Waldyr tem uma tática interessante de usar os “clichês” da “pornochanchada” (entre eles: título chamativo que na realidade não tem a ver com a história do filme, uso de um ator típico da pornochanchada, como o Paulo César Pereio, e cenas de erotismo e nudez da protagonista Maria do Rosário) para, na realidade, fazer uma comédia popular de costumes com um alto teor de crítica social. Acredito que essa tática, que deve ter funcionado para chamar o público na época, tenha sido uma das razões para o 6

estigma do Aventuras e a falta de reconhecimento do filme a longo prazo. O Waldyr tinha um projeto para um próximo filme, chamado A noite do alô, uma espécie de fantasia carnavalesca sobre a construção do racismo no Brasil, que nunca se concretizou. O Aventuras tem elementos típicos da comédia popular, e acho que é um dos grandes exemplares de filmes desse tipo no país: o uso dos ditos populares na boca do patrão de Mário, a figura do bêbado de boteco, do corno, as cenas de manifestações e arte de rua, as referências ao candomblé, o fato do próprio Waldyr dublar cerca de 17 personagens do filme etc. Um dos trechos que mais chama atenção no Histórias é a cena em que as mulheres cobiçam os pedreiros de uma obra, uma inversão do que estamos acostumados em termos de gênero. Parece uma cena absurda e difícil de se ver no cinema hoje. JG: No Histórias, questões de gênero e, em especial, de raça são trazidas em boa parte pelo filme do Onofre, marcadamente por alguns personagens. Você poderia comentar em especial como

o Aventuras traz isso às telas, de que maneira ele trabalha esses temas e suas contradições? FP: A personagem feminina é a grande protagonista do filme, e eu sempre digo: as “aventuras amorosas” não são do padeiro, e sim da Rita! Ela questiona o papel passivo da mulher no casamento, claramente sofre influências da revolução sexual que chegou ao mundo e se interessa por sexo, quer fazer um aborto, e não é julgada moralmente pelo filme por isso. Acho um filme excepcional para se pensar o lugar da mulher na sociedade brasileira dos anos 1970. No primeiro delírio da Rita, vemos que ela usa uma espécie de guia, e ouvimos tambores de berimbau. Parece que isso já é um prelúdio do seu encontro com Saul, artista negro que será seu amante. Acho que o filme teoriza que a mulher e o negro ocupam lugares parecidos na sociedade brasileira, e por isso se entendem e se relacionam de outra forma. É importante notar que há uma complexidade nos personagens masculinos negros, mas Rita é uma mulher branca, e a questão da mulher negra não é tratada no filme.


É inclusive através da relação interracial dos dois que o Waldyr vai explicitar muito do racismo naquele momento, então entendo que há uma “função” em Rita ser uma mulher branca. Se, em 1975, o Aventuras amorosas de um padeiro foi um dos primeiros filmes de longa-metragem a ser dirigido por um homem negro no Brasil, é importante lembrar que, naquele ano, nenhuma mulher negra havia dirigido um longa no país: o primeiro filme dirigido por uma diretora negra só vai aparecer quase 10 anos depois, em 1984 (Amor maldito, da Adélia Sampaio). É curioso inclusive notar como a própria Adélia também vai usar algumas táticas parecidas com as do Waldyr, de usar clichês da “pornochanchada” para fazer um filme feminista sobre homossexualidade feminina. O filme de Waldyr deixa muito claro o racismo que o personagem de Saul sofre, seja pela violência física (nas perseguições por ele ser amante de uma mulher branca), seja pela falta de representatividade de negros (no ótimo diálogo em que ele conta para Rita que quer ser ator, mas jamais deixariam ele ser Hamlet). Também acho interessante 7

notar que, antes de Saul entrar em cena, parece que há uma certa objetificação do homem negro, na figura do pedreiro com quem Rita tem sonhos eróticos. Esse personagem é interpretado pelo próprio Waldyr, ele mesmo filho de um pedreiro, o que faz com que interpretações simplistas caiam por terra. JG: Como foi sua experiência com a memória física do cinema brasileiro na produção do seu filme? Que imagem e experiência você teve em relação à preservação dos filmes? Comente também se é possível o acesso a esses filmes hoje. FP: Encontrá-los foi uma das etapas mais difíceis do Histórias – e ainda mais encontrá-los em boas condições. Procurei os filmes em todos os lugares possíveis: colecionadores privados, cinematecas do Rio e de São Paulo etc. Alguns produtores não sabem onde estão as cópias originais, então aceitavam ceder os direitos para o filme, mas nós tínhamos que encontrar uma cópia em boa qualidade. Alguns filmes foram perdidos para sempre e viraram lenda entre os

aficionados. Outros só achamos cópias boas em 35 mm, sem uso há muito tempo, como o próprio Aventuras amorosas de um padeiro, que só achamos em boa qualidade na Cinemateca do Rio. Um dos meus interesses agora é telecinar essa cópia em 35 mm, para que o filme siga existindo em uma qualidade boa. Muitos deles estão hoje no YouTube ou no Making Off, em qualidades diferentes: rips de VHS, gravados de exibições em TV etc., como é o caso do próprio Aventuras, que está no YouTube numa qualidade ruim. Essa foi uma decisão importante tomada em conjunto com o montador Luiz Cruz: usar os filmes escolhidos mesmo que a cópia estivesse ruim. É possível perceber a diferença de qualidade entre os filmes que aparecem no Histórias, e isso é um testemunho da condição em que esse material se encontra e da falta de preservação da história do nosso cinema. Se o Museu Nacional, que era um dos nossos patrimônios culturais mais importantes, pegou fogo, imagine como está a preservação desses filmes que nunca foram considerados importantes para a nossa história do cinema...


Nelson Pereira em cartaz A partir de novembro, e ao longo de um ano, a filmografia de Nelson Pereira dos Santos será exibida em uma retrospectiva integral no Cinema do IMS. Os dois títulos que inauguram a homenagem, em cópias restauradas em DCP, são também os primeiros de sua carreira: Rio, 40 graus (1955) aborda um dia na vida de cinco vendedores de amendoim, garotos negros, que vivem no morro e trabalham nos pontos turísticos do Rio de Janeiro. Rio, Zona Norte (1957) conta a trágica história do sambista Espírito da Luz, interpretado por Grande Otelo. Apesar de paulistano, nascido e criado no Brás, Nelson fez das favelas cariocas cenário desses filmes. Ao retratar um Rio de Janeiro de forma pouco edulcorada, Rio, 40 graus teve exibição interditada pela censura; após sua liberação, o filme abriu caminhos para um cinema nacional político, e esta primeira fase de sua obra é hoje considerada um prelúdio do cinema novo, como escreveu Walter Salles para o jornal Folha de S. Paulo: “Com Rio, 40 graus, Rio, Zona Norte e Vidas secas (1963), é toda uma geografia humana até então excluída do cinema que ganha a tela. Os primeiros filmes de Nelson irrigaram o mais importante movimento cinematográfico brasileiro, o cinema novo. Não era somente uma ideia de cinema que tomava corpo naquele momento, mas também a projeção de um país desejado – muito mais livre, justo, independente e democrático do que aquele em que vivemos hoje. A partida de Nelson revela a distância abissal entre o país sonhado e o Brasil real. [...] A sua ausência é uma perda irreparável para o cinema brasileiro. Nelson parte, mas a dimensão da sua obra e a ética que a construiu ficam para sempre presentes. É um legado imenso e generoso, cons8

titutivo do nosso passado e futuro. E, também, daquilo que poderemos ser, enquanto nação.” No dia 6 de novembro, além da exibição de Rio, 40 graus e Rio, Zona Norte, haverá uma conversa em torno dos filmes e da obra do diretor, com o cineasta Emílio Domingos e o crítico Heitor Augusto. [Íntegra do texto de Walter Salles para a Folha de S. Paulo em: bit.ly/npsws] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)

Rio, 40 graus

Nelson Pereira dos Santos | Brasil | 1955, 93’, cópia restaurada em DCP Durante um domingo carioca, sob calor escaldante, a vida de cinco pequenos vendedores de amendoim é retratada. Em Copacabana, no Pão de Açúcar, no Corcovado, na Quinta da Boa Vista e no Maracanã, pontos turísticos da cidade, eles procuram compradores para seus produtos. Em um seminário na UCLA (Universidade da Califórnia – Los Angeles), Nelson Pereira dos Santos falou sobre a produção de Rio, 40 graus: “Em 1953, eu estava trabalhando numa chanchada [...] chamada Balança mas não cai. Durante as filmagens, fiquei conhecendo as favelas cariocas próximas, onde moravam muitos dos técnicos que trabalhavam no filme. Meus olhos não estavam acostumados com a favela e sua pobreza. São Paulo é uma cidade horizontal. Há pobreza, mas não tão evidente quanto no Rio, onde as favelas se agarram às encostas das montanhas. A pessoa que vive no Rio já está acostumada a ver favelas; fazem parte do cenário social. Para mim, foi uma surpresa.


Inspirei-me para escrever uma história que se passava nas favelas do Rio. Surgiu, então, Rio, 40 graus. Escrevi o roteiro em 1953, comecei a filmar em 1954 e concluí o projeto em 1956. Na época, estava vivendo basicamente como jornalista e fazendo documentários institucionais. Devido ao financiamento limitado, o filme foi feito como uma cooperativa, na qual os atores e técnicos entravam com a mão de obra como capital. Vendíamos títulos ou ações dos lucros previstos como contribuições. As famílias e os amigos também ajudaram a financiar o filme comprando títulos.” O filme foi censurado, sob a alegação de que havia sido feito por comunistas e de que denegria a imagem do Rio de Janeiro. Nelson Pereira conta que essa proibição gerou publicidade para o filme. As forças progressistas, que apoiavam Juscelino Kubitschek, usaram Rio, 40 graus como bandeira e símbolo de campanha. A mídia que apoiava JK conseguiu a única cópia existente e mostrava a película a políticos e intelectuais. Foi nessa mesma época, viajando para diversos estados brasileiros, que Nelson conheceu alguns daqueles que se tornariam os protagonistas do cinema novo: Glauber Rocha, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade e Carlos Diegues. [Textos extraídos do livro Nelson Pereira dos Santos, uma cinebiografia do Brasil – Rio, 40 graus, 50 anos]

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que buscam o filme como mero divertimento, [...] lá estão Angela Maria e Grande Otelo cantando grandes sambas. Para os que desejam arte, poderão encontrar um argumento bem escrito e dialogado, vazando muito bem numa linguagem direta objetiva e correta. Além disso, ainda encontrarão Grande Otelo na maior interpretação de sua carreira. Para os que buscam num filme ‘mensagem’ e ‘conteúdo social’, lá poderão encontrar a estória pungente e lírica do sambista Espírito da Luz Soares.”

Rio, Zona Norte

Nelson Pereira dos Santos | Brasil | 1957, 86’, cópia restaurada em DCP Um compositor (Grande Otelo) cai de um trem em movimento e permanece junto aos trilhos. Inconsciente, relembra passagens de sua vida: o mundo da música, a mulher amada e a perda de um filho. A história do protagonista é parcialmente inspirada na vida do músico Zé Keti, que compôs as canções do filme e aparece no papel do sambista Alaor Costa. Jece Valadão e Paulo Goulart também fazem parte do elenco, assim como a cantora Angela Maria, que interpreta a si mesma. Tanto Rio, Zona Norte como Rio, 40 graus (o filme anterior de Nelson Pereira dos Santos) já foram caracterizados como obras que dialogam com o cinema neorrealista italiano. Sobre esse aspecto, Glauber Rocha, que faz uma ponta em Rio, Zona Norte, escreveu em 1958 no Jornal da Bahia: “Além de manter lícitos para o cinema brasileiro os caminhos de um neorrealismo à moda italiana, adaptado às nossas circunstâncias sociais e estéticas, Nelson Pereira dos Santos arma um trabalho capaz de agradar gregos e troianos: aos

[Textos extraídos do livro Nelson Pereira dos Santos, uma cinebiografia do Brasil – Rio, 40 graus, 50 anos]


Sessão Cinética Especialmente neste mês de novembro, a Sessão Cinética apresentará dois filmes: o longa de 1975 As aventuras amorosas de um padeiro, de Waldyr Onofre, retrata Ritinha, infeliz no casamento, que se envolve com um padeiro português e um artista negro; o recente documentário Histórias que o nosso cinema (não) contava, de Fernanda Pessoa, traça um panorama dos anos 1970 no Brasil por meio de imagens e sons de filmes populares da época, muitos considerados “pornochanchadas”, o gênero mais visto e produzido no período, e do qual faz parte o fime de Waldyr. No dia 8/11, quinta, o ingresso de Histórias que nosso cinema (não) contava vale para a sessão seguinte, de As aventuras amorosas de um padeiro, que é seguida de debate com os críticos da revista Cinética e a diretora Fernanda Pessoa. Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)

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Histórias que nosso cinema (não) contava

Fernanda Pessoa | Brasil | 2017, 79’, DCP

As aventuras amorosas de um padeiro

Waldyr Onofre | Brasil | 1975, 100’, 35 mm Rita está desiludida com a vida de recém-casada. Estimulada pelas colegas, passa a levar uma vida mais livre, e aceita uma aventura com o português Marques, dono de uma padaria, e, mais tarde, conhece Saul, artista de quem também se torna amante. Waldyr Onofre foi um ator e cineasta brasileiro nascido no ano de 1934. Estreou profissionalmente no teatro com uma montagem de O contato, em 1960. Logo estrearia no cinema, em episódio dirigido por Miguel Borges no longa-metragem Cinco vezes favela. Trabalhou em diversos filmes de Nelson Pereira dos Santos, que o incentivou a realizar seu próprio longa. Em 1975, lançou As aventuras amorosas de um padeiro e tornou-se um dos diretores negros pioneiros no cinema brasileiro. Nos anos seguintes, realizou curtas que também retratavam o cotidiano do subúrbio carioca. Na década de 1980, idealizou um projeto de uma agência de figuração dedicada exclusivamente a atores negros. Onofre morreu aos 80 anos, em 2015.

O documentário realiza uma releitura dos anos 1970 no Brasil por meio de imagens e sons de filmes populares da época, muitos considerados “pornochanchadas”, o gênero mais visto e produzido no período. Segundo Fernanda Pessoa, seu filme não é sobre o conjunto heterogêneo de filmes a que se chama “pornochanchadas”, mas parte dele para pensar temas caros à história do país naquele período, como o chamado “milagre econômico”, as consequências diretas do êxodo rural e a expansão das favelas. “A gente nunca pensa na ‘pornochanchada’ como uma fonte histórica”, disse a diretora em entrevista ao jornal Nexo. “Ela é sempre vista como entretenimento, muita gente acha que foi um grande problema na nossa história do cinema, que causou danos ao cinema [brasileiro]. É muito inusitado, a gente nunca procura como esse cinema, que era o mais visto e o mais produzido, retratava a sociedade.” Na 9a Semana, em 2017, Histórias que nosso cinema (não) contava recebeu o prêmio Indie Lisboa e o prêmio de Melhor Filme pelo Júri da Crítica. Também em 2017, recebeu o prêmio de Melhor Filme no Festival Pachamama Cinema de Fronteira. [Leia a matéria completa em: bit.ly/FernandaPessoaNexo]


Sessão com acompanhamento musical Protea

Filmes em cartaz Excelentíssimos

Protéa Victorin-Hippolyte Jasset | França | 1913, 50’, cópia restaurada em DCP Com Protéa, Victorin-Hippolyte Jasset revolucionou o filme de espionagem ao inventar a primeira espiã do cinema mudo. A atriz Josette Andriot, para enganar seus inimigos, é por vezes uma senhora idosa, domadora de leões ou ainda uma violonista cigana. Este filme de aventuras, uma produção da Éclair, preconiza obras de Louis Feuillade, como Fantômas e Os vampiros. Esta é a terceira versão de restauração de Protea – todas as três foram encampadas pela Cinemateca Francesa, desde os anos 1990, a partir de cópias encontradas em diferentes instituições. Protea permanece incompleto e precisou ser inteiramente reconstruído. Os intertítulos, perdidos, foram reescritos por Francis Lacassin, estudioso da obra de Victorin-Hippolyte Jasset, que adota um estilo bem-humorado para descrever esta história de espionagem. Como referência para as tintagens e viragens, foram utilizadas uma cópia holandesa datada de 1917 e também as indicações de cores a partir do negativo original. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)

Douglas Duarte | Brasil | 2018, 152’, DCP

Djon África

Djon África João Miller Guerra e Filipa Reis | Brasil, Portugal e Cabo Verde | 2018, 96’, DCP Miguel Moreira, também conhecido como Tibars e Djon África, vive em Portugal com sua avó. Órfão de mãe, o jovem decide ir a Cabo Verde em busca do pai, que nunca conheceu. “A condição de estrangeiro é de certa forma universal. E quer Portugal, quer o Brasil ou Cabo Verde são países de emigrantes. É possível pelo mundo todo encontrar muitos emigrantes tentando viver melhor. As segundas e terceiras gerações de emigrantes vivem situações semelhantes. A busca pela origem é universal e até transcende a condição do emigrante. E este é um dos temas tratados no filme”, declara o diretor João Miller Guerra no material de imprensa do filme. Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia)

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Um registro dos fatos, personagens e articulações por trás do impeachment de Dilma Rousseff. Gravado dentro do Congresso ao longo dos meses em que corria o processo, o filme retrata quem, como e porque se derruba uma presidenta. Nos últimos anos, diversos documentários vêm sendo produzidos sobre o impeachment. Em 2018, Maria Augusta Ramos lançou O processo, que tem como protagonista a equipe de defesa de Dilma no Senado. O projeto de Petra Costa, Impeachment: dois pesos, duas medidas, deve ser exibido em 2019. Os diretores César Charlone e Lô Politi também possuem um filme em desenvolvimento. Em 2015, quando Douglas Duarte começou a filmar, seu projeto era fazer um retrato do Congresso Nacional: “A gente escreveu o projeto com esse ímpeto, captamos o dinheiro do filme com esse ímpeto. Mas, depois, tem um segundo ímpeto, igualmente forte, quando você se dá conta do que o filme pode ser. Quando a gente se toca de que o filme foi sequestrado e que ele é um filme do impeachment, não adianta você segurar as rédeas e impedir que ele seja o que o material é. Então isso criou pra gente um ímpeto muito forte.” [Leia a entrevista completa no site Cine Festivais: bit.ly/CineFestivaisDD] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)


Isso foi em 2014, mesmo no pico da neurose coletiva que se abateu sobre Portugal. Apanhamos um sentimento de frustração, de impotência, de humilhação, e com consequências terríveis do ponto de vista íntimo: pessoas sem dinheiro, sem trabalho, a desatinar com os seus queridos, pessoas a suicidarem-se, a terem ataques cardíacos... Obviamente, o filme foi bastante contaminado por esse ambiente, e a escrita foi muito no sentido de procurar uma luz possível no meio desse momento sombrio.” – conta o diretor.

A fábrica de nada

Pedro Pinho | Portugal | 2017, 177’, DCP Em uma fábrica portuguesa, um grupo de funcionários começa a notar um esquisito padrão: a cada dia, mais e mais máquinas e matérias-primas somem do complexo industrial. Logo, eles descobrem que seus próprios patrões são os responsáveis pelos roubos. Determinados a mudar a situação, eles decidem adotar uma postura drástica: permanecer na fábrica até os roubos cessarem. Durante a pré-produção de A fábrica de nada, Pedro Pinho e uma parte de sua equipe mudaram-se para Póvoa de Santa Irina, uma cidade que cresceu durante os anos 1980 como um grande polo industrial português. “Decidimos que o filme se passaria naquela zona e estivemos lá, quatro de nós da produtora Terratreme, a escrever, durante uns meses. Íamos procurando os locais e fazendo castings entre operários desempregados a viver situações complicadas e, à medida que íamos ouvindo as histórias, íamos escrevendo e incluindo essas histórias no filme. 12

[Leia o artigo na íntegra no site do Jornal de Negócios: bit.ly/FabricaDeNada] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)

A última abolição

Alice Gomes | Brasil | 2018, 82’, DCP O Brasil carrega o título de “último país ocidental a abolir a escravidão”, fato que se deu apenas em 1888. A última abolição aborda a escravidão no Brasil com especial enfoque no período da abolição, destacando o protagonismo do povo negro na luta por sua libertação; os movimentos abolicionistas; a resistência escrava e estratégias de luta dos escravizados e libertos; o papel das mulheres negras na resistência; as discussões da elite política e cultural do país no período; culminando com a assinatura da Lei Áurea e suas consequências para a população negra do Brasil até os dias de hoje. O documentário conta com depoimentos de intelectuais e profissionais, como Sueli Carneiro, João José Reis, Wlamyra Albuquerque, Fernando Conceição, Ana Flávia Magalhães Pinto, Giovana Xavier e Paulo Rangel. A direção é de Alice Gomes, com supervisão artística do cineasta Jeferson De, entrevistas conduzidas pela jornalista Luciana Barreto e trilha sonora de Tiganá Santana. Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)


Aniversário CineCubo

Torre. Um dia brilhante

Wieza. Jasny dzien Jagoda Szelc | Polônia | 2017, 106’, DCP É início de verão. Nina, a filha de Mula, está prestes a celebrar a sua primeira comunhão, e os parentes começam a chegar. Entre eles, Kaja, irmã de Mula e mãe biológica de Nina, que permaneceu ausente nos últimos seis anos. Seu retorno desencadeia as ansiedades de Mula, que teme que Nina seja levada embora. Enquanto a presença de Kaja desencadeia mudanças na família, acontecem, no entorno, uma série de estranhos eventos metafísicos. Em entrevista ao site Directors’ Guild of Poland, a diretora Jagoda Szelc comenta: “Há muitos filmes no mundo que escapam ao convencional, nem por isso tentam soar o alarme, que diz ‘Oh, meu Deus! O que é isso?!’ Sinto que as atitudes abertas em relação à arte estão em declínio na Polônia e foram substituídas por uma pequena reação semelhante a ‘gosto disso, porque consigo entender isso’. Compreendo que o cinema nasceu da arte popular, mas estou interessada nele principalmente como meio. Queria fazer um filme 13

que estivesse se desmantelando. Minha protagonista sente a necessidade de controlar tudo. É uma doença decorrente da abundância em que vivemos. [...] O mundo inteiro nos diz que devemos admirar aqueles que estão no controle e têm ambição. Meu filme visa a confrontar o público com as consequências dessa atitude. Mostrar uma personagem que é patológica em suas tentativas de controlar o mundo ao seu redor; e mostrar também onde isso pode nos levar. O público irá tirar suas próprias conclusões sobre cada história. São exercícios para nosso senso de liberdade. Andrzej Wajda costumava dizer que, quando um espectador não sabe o que está acontecendo, ele fica com raiva... Não concordo: acho que quando você não entende algo, abre-se um espaço para que possamos refletir sobre essa questão.” [Íntegra da entrevista, em inglês, em: bit.ly/torreum] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia)

Koolhaas – Uma vida em casa

Koolhaas Houselife Ila Bêka e Louise Lemoine | França | 2006, 58’, DCP A Maison à Bordeaux é uma residência privada no sul da França criada pelo escritório de arquitetura OMA, do holandês Rem Koolhaas. Cada um dos três andares da obra parece uma casa diferente, e todos eles são interligados por uma plataforma móvel, um elevador que completa o piso à medida que se move. Guadalupe Acedo é governanta da residência e protagonista deste documentário que retrata a vida doméstica na obra do arquiteto. Koolhas – Uma vida em casa é o primeiro filme da série Living Architectures [Arquiteturas vivas], da dupla Ila Bêka e Louise Lemoine, que aborda a relação do design com o cotidiano em algumas das mais famosas obras arquitetônicas das últimas décadas. Em parceria com o IAB SP (Instituto dos Arquitetos do Brasil – São Paulo), o IMS Paulista promove esta sessão no aniversário de um ano do CineCubo, o cineclube do IAB. A exibição do filme será seguida de debate com convidados do IAB SP. Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)


Sessão Mutual Films russo Aleksey German foi filmado em preto e branco e carrega um tom melancólico, com ocasionais rupturas violentas. Assim como outros filmes de German, Vinte dias sem guerra foi censurado e lançado apenas cinco anos após sua conclusão. Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)

Vinte dias sem guerra

País bárbaro

Major Lopatin (Yuriy Nikulin), um escritor e soldado de meia-idade, retorna para sua cidade natal no Uzbequistão, após receber uma licença de 20 dias, durante a Batalha de Estalingrado, em 1942. Além de trazer consigo os pertences de um soldado morto para serem entregues à sua família, Lopatin assessora uma produção cinematográfica sobre seus escritos de guerra, e diverge do diretor com relação à imprecisão histórica e ao retrato irrealista de heroísmo. Ele também encoraja trabalhadores de uma fábrica, que não passam de crianças, a fazer horas extras em prol dos soldados, discute com um grupo teatral, dizendo que um soldado não dá a vida pela pátria, mas luta por sua própria sobrevivência, e encontra tempo para um romance com uma antiga colega e funcionária do teatro (Lyudmila Gurchenko), conferindo à breve jornada uma certa dimensão doméstica e de normalidade. Baseado em uma história do correspondente de guerra, escritor e poeta Konstantin Simonov, o segundo longa-metragem autoral do cineasta

O último longa-metragem finalizado pelo casal italiano Gianikian e Ricci Lucchi começa com uma frase de Italo Calvino sobre a morte de Benito Mussolini em 1945: “Após estar na origem de tantos massacres sem imagem, suas últimas imagens são as de seu massacre”. Vemos uma multidão aglomerada que parece assistir alegremente ao fuzilamento do “Líder”. A partir daí, o filme faz uma regressão para o período da ocupação italiana na Etiópia, Eritreia e Líbia, entre as décadas de 1920 e 1940, através de imagens de arquivo que intercalam trabalhadores e desfiles de carnaval na Itália, paradas militares pomposas e cenas cotidianas de povos africanos e de seu extermínio impetuoso. Acompanhando as imagens, ouvimos as vozes dos cineastas e da cantora e compositora Giovanna Marini relatando as avassaladoras e silenciosas estratégias de guerra dos militares fascistas. O material fílmico de País bárbaro (que estreou no Festival de Locarno em 2013) provém primeira-

Dvadtsat dney bez Voyny Aleksey German | URSS | 1976, 97’, DCP

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Pays barbare Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi | França | 2013, 63’, DCP


Sessão especial mente do arquivo particular do colecionador Diego Leoni. Como em outras obras do casal, Gianikian e Ricci Lucchi refotografaram o material original em película e manipularam as novas cópias com tinturas e efeitos de velocidade que proporcionam características surpreendentemente humanas e atemporais. O filme ainda contém uma trilha sonora minimalista de Keith Ullrich, que dá à obra uma atmosfera contemporânea, junto com o texto falado, que também expressa a continuidade do fascismo nos dias de hoje. Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)

Obituário

Obit. Vanessa Gould | EUA | 2016, 96’, DCP Toda manhã, a pequena equipe de redação de obituários do The New York Times deposita nas páginas do jornal os detalhes de três ou quatro vidas. A ênfase editorial não é a morte, mas vivências extraordinárias, muitas vezes desconhecidas. A diretora Vanessa Gould se tornou uma ávida leitora do periódico a partir da morte de Eric Joisel, um dos artistas presentes em seu documentário sobre origamis Between the Folds [Entre as dobras]: “Eu queria que ele tivesse um reconhecimento final e público. Então enviei um pequeno anúncio para a maior parte dos grandes jornais de língua inglesa ao redor do mundo. Cerca de uma semana depois, a primeira e única resposta chegou do The New York Times. Eles publicaram um obituário bonito e adequado sobre Eric, com fotos dele e de seu trabalho. O artigo reconhecia o valor único das coisas às quais ele era tão dedicado. Fez dele parte de um registro histórico. Um bom relato de sua vida e obra está agora disponível. Na maioria das vezes, o reconhecimento lhe escapou, 15

e eu nem posso começar a pensar como ele se sentiria se tivesse visto. Isso me levou a uma curiosidade profunda sobre a importância cultural, histórica e jornalística dos obituários. Assim que comecei um novo ritual diário de leitura dos obituários do The New York Times, logo descobri que quase todos apontam para uma incrível história humana, juntamente com contextos maiores de lugar e tempo, história e cultura. Alguns meses depois, entrei em contato com o The New York Times sobre fazer um documentário, e comecei logo em seguida.” A primeira sessão do filme será apresentada por Margalit Fox, autora de obituários do The New York Times por 14 anos. [Leia o depoimento completo em inglês no site do filme: obitdoc.com] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)


Curadoria de cinema

Os filmes de novembro

Meia-entrada

Kleber Mendonça Filho

O programa de novembro tem o apoio do Festival Mix Brasil, do CineCubo, do IAB SP, da Les Films d’Ici, da Seagull Films, da Lenfilm Video, Ars et Vita, da revista Cinética, da Espiral, da Bêka and Lemoine, das distribuidoras Greenfuse Films, Pipoca e Filmes, Imovision, Vitrine Filmes, Zeta Filmes, Boulevard Filmes e do Espaço Itaú de Cinema. E dedica agradecimentos a Céline Ruivo, Emilie Cauqy, Elias Dourado, Maria Luiza Tucci Carneiro, Leticia Monte, Marcia Pereira dos Santos e Diogo Dhal.

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem e maiores de 60 anos.

Produção de cinema e DVD Barbara Alves Rangel Assistência de produção Thiago Gallego e Ligia Gabarra Projeção Ana Clara Costa e Miciano Manoel da Silva

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Venda de ingressos Apoio Protea - exibição do filme com trilha ao vivo da Quartabê

Mix Brasil

Sessão Mutual Films

O 26º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade traz ao IMS a mostra Pioneirismo Lésbico na Direção, um foco especial voltado para importantes cineastas da história do cinema LGBTQI+, como Monika Treut, Barbara Hammer e Adélia Sampaio, além dos principais destaques e filmes premiados da edição deste ano. O evento tem entrada gratuita. Ingressos distribuídos uma hora antes de cada sessão. Uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala. Confira a programação completa do Festival em: mixbrasil.org.br.

Ingressos à venda pelo site ingresso.com ou na bilheteria, para sessões do mesmo dia. Os ingressos para Protea podem ser adquiridos no site eventbrite. com.br. Desconto para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 145 lugares. Devolução de ingressos Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em facebook.com/ cinemaims e ims.com.br. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuva, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito.


Obituário (Obit.), de Vanessa Gould (EUA | 2016, 96’, DCP)


Terça a sábado, sessões de cinema até as 22h; domingos e feriados, até as 20h. Visitação, Biblioteca, 
 Balaio IMS Café e Livraria da Travessa Terça a domingo, inclusive feriados (exceto segunda), das 10h às 20h; quintas, até as 22h. Última admissão:
 30 minutos antes do encerramento. Entrada gratuita.

Avenida Paulista 2424 CEP 01310-300 Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120 imspaulista@ims.com.br

ims.com.br /institutomoreirasalles @imoreirasalles Vinte dias sem guerra (Dvadtsat dney bez Voyny), de Aleksey German (URSS | 1976, 97’)

@imoreirasalles /imoreirasalles /institutomoreirasalles


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