Cinema do IMS Paulista, junho de 2023

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cinema jun.2023

destaques de junho 2023

Lançado em 1983 como trabalho de conclusão de curso da UCLA, Abençoe seus pequeninos corações marcaria Billy Woodberry na história do cinema norte-americano ao apresentar os dilemas de uma comunidade negra atingida pelo empobrecimento nas vizinhanças de Hollywood. Nesta retrospectiva do trabalho e da carreira do diretor, serão exibidos todos os seus filmes, junto a colaborações com outros artistas e uma seleção de curtas que o impactaram enquanto artista, professor e espectador. Billy Woodberry estará presente para discutir sua obra, junto à professora e pesquisadora Tatiana Carvalho Costa, e ministrar uma masterclass.

Ainda em junho, alguns filmes centrais dos últimos 50 anos de cinema brasileiro em cópias

35 mm: Dona flor e seus dois maridos e Babilônia 2000 integram a celebração Coutinho 90; Amarelo manga, que completou duas décadas, será exibido junto ao curta que o precede, Texas Hotel, ambos de Cláudio Assis. Na Sessão Cinética, O paraíso proibido, de Carlos Reichenbach, será exibido em uma bela digitalização em DCP. Entre os filmes em cartaz, a trajetória de Uýra, artista trans indígena que viaja pela Amazônia em um trabalho que une a performance e a articulação coletiva em torno do meio ambiente; os desencontros de uma família de ascendência japonesa atingida pelos fluxos e pelas crises da economia brasileira; uma competição de cabeleireiros que acaba em morte; e a longa viagem de um burrico que caminha da Polônia até a Itália.

[imagem da capa e segunda capa] Ilustração

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Uýra − A retomada da floresta, de Juliana Curi (Brasil, EUA | 2022, 70’) Babilônia 2000, de Eduardo Coutinho (Brasil | 2000, 80’, 35 mm) de Oga Mendonça Abençoe seus pequeninos corações (Bless Their Little Hearts), de Billy Woodberry (EUA | 1983, 80’)

filmes em exibição

Filmes em cartaz

Sessão especial

Coutinho 90

Mato seco em chamas

Joana Pimenta e Adirley Queirós | DCP

Noites alienígenas

Sergio de Carvalho | DCP

Para’í

Vinicius Toro | Brasil | DCP

Uýra − A retomada da floresta

Juliana Curi | DCP

EO

Jerzy Skolimowski | DCP

Bem-vindos de novo

Marcos Yoshi | DCP

Medusa Deluxe

Thomas Hardiman | DCP

Amarelo manga

Cláudio Assis | 35 mm

Texas Hotel

Cláudio Assis | 35 mm

Dona Flor e seus dois maridos

Bruno Barreto | 35 mm

Babilônia 2000

Eduardo Coutinho | 35 mm

Sessão Cinética

O paraíso proibido

Carlos Reichenbach | DCP

Sessão seguida de debate com o crítico

Francis Vogner dos Reis

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Billy Woodberry em retrospectiva

A bolsa

The Pocketbook | Billy Woodberry | Restauração em DCP

Abençoe seus pequeninos corações

Bless Their Little Hearts | Billy Woodberry

| 35 mm

Filme de abertura, com a presença de Billy Woodberry e debate com Tatiana

Carvalho Costa

Marseille après la guerre

Billy Woodberry | DCP

E quando eu morrer, não ficarei morto

And When I Die, I Won’t Stay Dead | Billy Woodberry | DCP

Uma história de África

A Story from Africa | Billy Woodberry | DCP

Carta Branca a Billy Woodberry

Sessão com presença e apresentação de Billy Woodberry, no dia 7/6

Chuva

Regen | Mannus Franken e Joris Ivens | DCP Pelas ruas

In the Street | Helen Levitt, James Agee e Janice Loeb | Arquivo digital

Couro de gato

Joaquim Pedro de Andrade | Restauração em 35 mm

O carroceiro

Borom sarret | Ousmane Sembène | Restauração em DCP

Hanoi, terça-feira, dia 13 Santiago Álvarez | Arquivo digital

Seus filhos voltam pra você

Your Children Come Back to You | Alile

Sharon Larkin | DCP

Matar-se o tempo

Killing Time | Fronza Woods | Restauração em DCP

Colaborações

Cinzas e brasas

Ashes and Embers | Haile Gerima | DCP

Quando chove

When It Rains | Charles Burnett | DCP

Hollywood vermelha

Red Hollywood | Thom Andersen e Noël Burch | DCP

Los Angeles por ela mesma

Los Angeles Plays Itself | Thom Andersen |

DCP

Masterclass com Billy Woodberry

Além da L.A. Rebellion: encontrando um caminho nas sombras de “Hollywood”

3

16:30 EO (88’)

19:00 Abençoe seus pequeninos corações (80’), seguido de debate com Billy Woodberry e Tatiana Carvalho Costa

16:30 Uýra - A retomada da floresta (70’)

Carta Branca a Billy Woodberry

19:00 Chuva + Pelas ruas + Couro de gato + O carroceiro (59’)

20:30 Hanoi, terça-feira, dia 13 + Seus filhos voltam pra você + Matar-se o tempo (74’), sessões apresentadas por Billy Woodberry

13

16:00 EO (88’)

17:45 Uýra - A retomada da floresta (70’)

19:10 Los Angeles por ela mesma (170’)

14

16:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

18:00 EO (88’)

20:00 Amarelo manga + Texas Hotel (114’) 21

16:00 Para’í (81’)

18:00 EO (88’)

20:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

8

16:00 A bolsa + Uma história de África + Quando chove + Marseille après la guerre (69’)

18:00 Masterclass com Billy Woodberry

Além da L.A. Rebellion: encontrando um caminho nas sombras de “Hollywood”

20:30 Uýra - A retomada da floresta (70’)

15

16:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

18:00 Medusa Deluxe (101’)

20:00 Bem-vindos de novo (105’)

16:00 Bem-vindos de novo (105’)

18:00 Medusa Deluxe (101’)

20:00 Dona Flor e seus dois maridos (110’) 27

16:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

18:00 Medusa Deluxe (101’)

20:00 Bem-vindos de novo (105’)

16:00 EO (88’)

18:00 Medusa Deluxe (101’)

20:00 Hollywood vermelha (114’)

22

15:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

16:30 Bem-vindos de novo (105’)

19:00 O paraíso proibido (103’), seguido de debate com Francis Vogner dos Reis e os críticos da revista Cinética

16:00 EO (88’)

18:00 Medusa Deluxe (101’)

20:00 O paraíso proibido (103’)

29

15:00 Medusa Deluxe (101’)

17:00 Bem-vindos de novo (105’)

19:20 Mato seco em chamas (153’)

4 quarta quinta terça 6
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7
28
1

14:00 Para’í (81’)

16:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

18:00 EO (88’)

20:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

22:00 Noites alienígenas (91’)

9

14:00 EO (88’)

16:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

18:00 EO (88’)

19:45 Cinzas e brasas (120’)

22:00 Noites alienígenas (91’)

14:00 Para’í (81’)

16:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

18:00 EO (88’)

20:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

22:00 Noites alienígenas (91’)

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14:00 EO (88’)

16:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

18:00 E quando eu morrer, não ficarei morto (90’)

19:45 Hollywood vermelha (114’)

22:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

4

14:00 Para’í (81’)

16:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

18:00 EO (88’)

20:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

11 Neste dia o IMS Paulista estará fechado

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20:00 Bem-vindos de novo (105’)

22:00 Medusa Deluxe (101’)

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14:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

16:00 Bem-vindos de novo (105’)

18:00 A bolsa + Uma história de África + Quando chove + Marseille après la guerre (69’)

19:45 Dona Flor e seus dois maridos (110’)

22:00 Medusa Deluxe (101’)

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14:00 EO (88’)

16:00 Medusa Deluxe (101’)

18:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

20:00 Bem-vindos de novo (105’)

22:00 Medusa Deluxe (101’) 30

14:00 Bem-vindos de novo (105’)

16:00 Mato seco em chamas (153’)

19:00 Babilônia 2000 (80’)

21:00 E quando eu morrer, não ficarei morto (90’)

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14:00 Mato seco em chamas (153’)

17:00 Babilônia 2000 (80’)

19:00 Abençoe seus pequeninos corações (80’)

21:00 Los Angeles por ela mesma (170’)

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14:00 Uýra - A retomada da floresta (70’)

15:30 Medusa Deluxe (101’)

17:45 Cinzas e brasas (120’)

20:00 Bem-vindos de novo (105’)

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14:00 Bem-vindos de novo (105’)

Carta Branca a Billy Woodberry

16:30 Chuva + Pelas ruas + Couro de gato + O carroceiro (59’)

18:00 Hanoi, terça-feira, dia 13 + Seus filhos voltam pra você + Matar-se o tempo (74’)

19:30 Amarelo manga + Texas Hotel (114’)

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.

5 sexta sábado
domingo
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Billy Woodberry e a emancipação das imagens

Um grupo de garotos negros passeia por espaços urbanos. Juntos fazem de uma estação aparentemente abandonada seu quintal particular. Juntos exploram o lugar. Juntos se divertem. A câmera atenta observa a diversão, e nos deixa ver as particularidades de cada um deles que, mesmo caminhando e assoviando juntos, apresentam uma dissonância em sons e gestos. Ombreados, são um só e são múltiplos naquele amplo ambiente inóspito. Entre eles, está Ray. Mais tarde, o vemos na sozinhez urbana, em direção a uma mulher que ele tenta assaltar.

A mulher acaba, ela também em sua sozinhez, por confrontar/encontrar esse garoto, que é tantos outros. E aquela mulher – uma trabalhadora de lavanderia – é também uma comunidade inteira a acolher, alimentar e aconselhar o menino. “Agora você vai para casa”, diz ela. A constrição dos planos que mostram ela e ele intensifica o encontro das duas solidões-multidões negras. O olhar do menino para a (im)possibilidade de voltar para casa é dilacerante. A bolsa

(The Pocketbook), segundo filme1 de Billy Woodberry, é inspirado no conto “Thank You, Ma’am”, de Langston Hughes. Nos anos 1970 e 1980, estudantes racializados entraram na Escola de Teatro, Cinema e Televisão na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), graças a um programa institucional análogo ao que conhecemos no Brasil como de ações afirmativas/cotas. Em meio às turbulências políticas e sociais dos anos pós-1968 e no coração da indústria cinematográfica estadunidense, os chamados “people of color” – grupo populacional não branco composto por pessoas negras, asiáticas, chicanas e indígenas nos EUA – formaram na universidade uma comunidade que partilhava uma visão de mundo não hegemônica, referências da intelectualidade

negra radical naquele país e uma energia propositiva de questionamento da sociedade e dos poderes do mercado cinematográfico representado por Hollywood. Também compartilharam referências –sobretudo dos movimentos do então chamado “Terceiro Mundo”, no que eles mobilizavam de ideais/utopias que inspiravam movimentos cinematográficos. Woodberry ampliou, na roda da partilha, sua formação em estudos latino-americanos anterior à UCLA e sua curiosidade pelos cinemas de outras diásporas afro-atlânticas.

Naquelas duas décadas, como nos conta o material produzido pela própria UCLA acerca do movimento,2 estudantes

1. Em entrevista à Black Film Review (n. 4, 1984), Woodberry conta que seu primeiro filme, baseado em uma canção de John Lee Hooker – “Whiskey and Women” – foi feito em super-8 durante um curso de história do jazz e blues ministrado por Lance Williams. O filme, segundo o diretor, se perdeu.

2. Há produtos resultados de um projeto em torno da restauração de filmes e sistematização das informações em torno do movimento e que integram o Project One Films: entre eles, o catálogo da mostra L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema, realizada em dezembro de 2011, e um livro de mesmo nome, lançado em 2015, e que reúne ensaios críticos. As informações estão disponíveis em: www.cinema.ucla.edu/ la-rebellion/story-la-rebellion.

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estabeleceram uma troca geracional em que os veteranos acolhiam e mentoravam os calouros. E eram apresentados – em sala de aula ou em cineclubes – às cinematografias revolucionárias europeias e latino-americanas e aos cinemas africanos dos anos 1960/1970. Contemporâneo de Larry Clake, Haile Gerima, Julie Dash e Charles Burnett (que operou uma das câmeras em A bolsa e trabalhou com ele em outros filmes, como Abençoe seus pequeninos corações), Billy Woodberry foi um desses estudantes que integraram o movimento de jovens realizadores negros nomeado como L.A. Rebellion (a Rebelião de Los Angeles).

Ben Caldwell, um dos integrantes do movimento, descreveu o conjunto de filmes realizado pelo grupo como um esforço de “emancipação das imagens”. Na introdução de L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema (University of Californa Press, 2015),

Alyisson Nadia Field, Jan-Christopher Horak e Jacqueline Najuma Stewart apontam que “os experimentos com a forma fílmica romperam com as gerações anteriores de realizadores negros com o objetivo de interrogar, em níveis mais profundos, como as imagens em movimento construíam noções de raça,

classe e gênero, particularmente para uma audiência negra”.

É isso que Woodberry segue fazendo, por exemplo, em Uma história de África ( A Story From Africa , 2019), partindo da percepção dos mecanismos de colonização dos imaginários em si próprio e desconstruindo/expandindo a compreensão da própria ideia de dominação. Ao articular imagens de um acervo fotográfico do exército português, na campanha de pacificação de 1907 em Angola, o diretor “escova a história a contrapelo”, como nos ensina Walter Benjamin, e, ao mesmo tempo, nos revela o tempo espiralado da resistência negra, apontando o que aquelas imagens guardam da “luta e a reacção das populações nativas ante as campanhas de conquista e a subjugação colonial”,3

Em minha recente pesquisa,4 tenho tentado compreender o que pode haver de semelhanças e aproximações a grupos ou estilos mais ou menos coesos que empreenderam agenciamentos coletivos da noção de identidade negra a partir de vivências afro-diaspóricas.5 Os filmes e o contexto da L.A. Rebellion, me parece, nos ajudam a compreender o que vemos por aqui com a recente emergência de um grupo heterogêneo de realizadores negros que reconfiguram o que conhecemos como Cinema Brasileiro. Para além da realização, existe uma multiplicidade de sujeitos negros em interação, em campos como os da pesquisa, crítica e curadoria, constituindo um campo que tenho chamado de QuilomboCinema. Há importantes paralelos a considerar entre o fenômeno brasileiro recente e o

4. Proposta para doutoramento no PPGCom/ UFMG: O Cinema Negro Brasileiro e seus corpos-ficção: identidade e fabulações afro-diaspóricas em curtas-metragens contemporâneos dirigidos por pessoas autodeclaradas negras.

3. Em entrevista a Marta Lança. Afroscreen , out. 2019. Disponível em: www.buala.org/pt/ afroscreen/a-story-from-africa-entrevista-abilly-woodberry.

5. Além da L.A. Rebellion, tomo como referência também o Black Audio Film Collective e o Sankofa Film and Video Collective, ambos do Reino Unido.

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estadunidense dos anos 1970/1980: o contexto de lutas por direitos e a circulação de produção intelectual negra e antirracista; o indutor de acesso de estudantes não brancos ao ensino formal universitário; o pensamento crítico desenvolvido a partir do contato com cinematografias africanas e afro-diaspóricas; as proposições temáticas e formais voltadas a audiências negras; e os sensos de pertencimento e de partilha.

Ao interpretar os movimentos negros no Brasil – particularmente o que foi feito no campo das artes pelo Teatro Experimental do Negro/Abdias do Nascimento nos anos 1940 e a organização formal e informal da resistência à ditadura nos anos 1970 –, a historiadora Maria Beatriz Nascimento nos ensina que quilombo, para além do histórico e mítico território de refúgio e vida, pode ser um “instrumento ideológico”, “símbolo de resistência” que no campo do ativismo e das práticas artísticas “fornece material para a ficção participativa”.

“A investigação sobre quilombo se baseia e parte da questão do poder. Por mais que um sistema social domine, é possível que se crie aí dentro um sistema diferenciado, e é isso que o quilombo é. Só que não é um Estado de poder no

sentido que a gente entende – poder político, poder de dominação – porque ele não tem essa perspectiva. Cada indivíduo é o poder, cada indivíduo é o quilombo. [...] Então, nesse momento, a utilização do termo quilombo passa a ter uma conotação basicamente ideológica, basicamente doutrinária, no sentido de agregação, no sentido de comunidade.”6

O QuilomboCinema Brasileiro – e, arrisco dizer, algo da L.A. Rebellion que pode ser percebida na obra de Woodberry – é o lugar dessa “ficção participativa”. Retomando as palavras de Caldwell, os cinemas negros como esse espaço de “emancipação das imagens” seriam um modo de gingar com a posição subalternizada, contra o carrego colonial e em dinâmicas fabulatórias de existências negras possíveis, ampliando as possibilidades de territórios simbólicos, memórias e pertenças.

Na sequência inicial de A bolsa, o grupo de adolescentes se diverte explorando uma parte da cidade, ressignificando os objetos, os espaços, transitando com uma naturalidade afrontosa por lugares proibidos. Há ali um senso de pertencimento, uma coragem de estar naqueles lugares

como algo possível ao grupo, e não ao indivíduo isolado. Há também sintonia sem sincronicidade, com os movimentos numa mesma direção, mas resguardando suas particularidades. Ao olharmos parte da filmografia de Woodberry reunida nesta mostra, podemos compreender os interesses e as influências, os gestos de uma autoria e as proposições do realizador. Mas, também, podemos entrever ali o pertencimento a algo verdadeiramente coletivo.

Gerber, 1989.

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6. Maria Beatriz Nascimento. Ôri. Filme de Raquel

Red Bird

A propósito de A bolsa e Abençoe seus pequeninos corações1

Há uma energia vital no cinema de Billy Woodberry que declara de chofre a exuberância da sua pulsação. No travelling lateral da sequência de abertura de A bolsa (The Pocketbook, 1980), a imagem do bando de miúdos em correria no cenário dos vagões ferroviários tem o ritmo endiabrado dos pequenos protagonistas, e a cadência folk-blues que vem da banda sonora, “Red Bird”, por Lead Belly (Huddie William Ledbetter, ou o “King of the Twelve-String Guitar” que Kurt Cobain celebraria em versão rock com os Nirvana, “Where Did You Sleep Last Night”). No plano sonoro inicial a negro de Marseille après la guerre (2015), os passos militares e o canto colectivo acompanham a legenda que vem inscrever-se a branco, remetendo para a força pungente do retrato dos trabalhadores das docas marselhesas no pós-Segunda Guerra Mundial, maioritariamente de ascendência africana, em tributo ao escritor e realizador senegalês

também estivador e activista sindical, Ousmane Sembène.

Em ambos os filmes, no preto e branco granuloso da fotografia assinada por Charles Burnett, Mario Silva e Gary Gaston e, no caso do segundo, no preto e branco da colecção de imagens de fotógrafos sindicalistas, os planos iniciais funcionam como prólogo vigoroso. A bolsa parte de um conto do poeta americano Langston Hughes (“Thank You Ma’am”, 1958), figura de relevo da chamada jazz poetry e da nova-iorquina Harlem Renaissance, como ficou cunhado o movimento intelectual, social e artístico vindo do New Negro Movement dos anos 20 do século XX.

imagens fotográficas, na linha do seminal

1. Originalmente publicado em Encontros cinematográficos, ed. Jornal do Fundão, 2020

Devedor da inspiração do primeiro romance de Sembène, Le Docker noir (1956), Marseille après la guerre é um foto-filme que desembarca numa colecção de imagens de arquivo dos estaleiros da cidade portuária francesa, encontrada nos arquivos da biblioteca da universidade de Nova Iorque no curso de uma investigação de Woodberry sobre o National Maritime Union, sindicato de trabalhadores fundado em 1937. Exclusivamente composto por

A pista (La Jetée, 1962), de Chris Marker, o foto-romance de temporalidade cinematográfica. De Now (1965), o célebre filme de montagem de Santiago Álvarez em que imagens fotográficas e de actualidades invocam a violência policial e racial nos Estados Unidos ao som de uma protest song de Lena Horne, Marseille après la guerre tem uma narração off cujo texto é a ponte das várias pontas em que o filme pega,2 sendo também musical no desenho de som e na canção. O tema é “Mademoiselle Marseille”, de Mossu T e lei Jovents, que explode no desfecho. A bolsa e Marseille après la guerre, os dois curtos filmes de Billy Woodberry realizados com o intervalo de 35 anos que distingue a sua estreia na realização, antes

2. Marseille après la guerre foi finalizado em duas versões: com e sem narração. A versão narrada atendeu a uma demanda externa por mais explicações acerca do filme. Nesta retrospectiva será exibida a versão sem narração, conforme originalmente idealizado pelo diretor. [N. dos E.]

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da longa de ficção Abençoe seus pequeninos corações (Bless Their Little Hearts, concluído em 1983 no contexto de escola da UCLA, no mesmo preto e branco 16 mm do curta-metragem anterior), e o rumo contemporâneo do seu trabalho, que contempla And When I Die, I Won’t Stay

Dead (2015, distinguido no Doclisboa) e em que cabe o recente Uma história de África (apresentado como videoinstalaçãoem 2018), reflectem um círculo concêntrico de preocupações e afinidades mas também um curioso e consistente percurso de encadeamentos, de

momento concentrado num trabalho que a produtora portuguesa Divina Comédia anuncia sobre o poeta e activista angolano Mário Pinto de Andrade e o papel que desempenhou nos movimentos de libertação africanos sob domínio colonial português.

A história faz-se em retrospectiva, é sabido. A história do cinema de Billy Woodberry começa ficcional, sob a influência de Charles Burnett, que, além da colaboração em A bolsa, é autor do argumento e da fotografia de Abençoe seus pequeninos corações, em que as personagens dos três filhos Banks são interpretadas pelos sobrinhos de Burnett, e em que a mãe (Andais Banks) é a actriz de Burnett em O matador de ovelhas (Killer of Sheep, 1977). No filme de Woodberry, Kaycee Moore contracena com Nate Hardman (Charlie Banks), e o habitat da família é a mesma comunidade afro-americana urbana e pobre do centro de Los Angeles. Na realidade, longo tempo afastados de uma visibilidade que fizesse inteira justiça a um e outro, próximos na sensibilidade, O matador de ovelhas e

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Abençoe seus pequeninos corações configuram hoje uma determinante dupla de filmes do cinema independente americano ditado por um gesto simultaneamente cinematográfico, social e político. Mais: são ambos títulos fundamentais do movimento que viria a ser designado como

a L.A. Rebellion, que a partir de finais dos anos 1960 (Several Friends, Burnett, 1969) e durante cerca de 20 anos agrupa uma série de estudantes africanos e afro-americanos da UCLA, especialmente atentos à realidade das comunidades negras. Corria a época em que o Movimento pelos

Direitos Civis dos Negros respirava a intensidade dos acontecimentos da Revolta de Watts de 1965. Na Faculdade de Cinema, Teatro e Televisão da Universidade da Califórnia, os ecos não foram só férteis, foram poderosos e continuados no tempo. Billy Woodberry chegou lá no início dos

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anos 1970, já Burnett, antes de ser mentor e ainda de algum modo um estreante, era uma figura influente. De origem texana, conhecedor do cinema neorrealista italiano, da Nova Vaga francesa, do cinema americano que se fazia nas ruas de Nova Iorque, mas também dos filmes realizados em Cuba, Brasil, na Índia e em África, Woodberry (nascido em 1950, em Dallas) seria uma figura determinante dessa colectiva L.A. Rebellion. Mais tarde, o estudante e realizador faz-se professor de cinema no CalArts (California Institute of the Arts), onde desenvolve novas afinidades electivas com Thom Andersen, Allan Sekula, James Benning ou Hartmut Bitomsky, aliás reflectidas na sua filmografia extrarrealização: participa do elenco de Quando chove (Charles Burnett, 1995), é o narrador de Hollywood vermelha (Thom Andersen e Noël Burch, 1996) e de Four Corners (James Benning, 1998), é convocado por Sekula como um dos artistas da instalação multimédia Facing the Music (2005), em torno da construção do Walt Disney Concert Hall desenhado por Frank Gehry para a baixa de L.A., concebendo The Architect, the Ants and the Bees, de que se diz medir o impacto do projecto na cidade, revelando, por outro lado, a carga racial da força de trabalho que o construiu.

Quando retoma os seus projectos de maior fôlego, fá-lo na via documental de E quando eu morrer, não ficarei morto, retratando a vida e a obra do poeta e activista Bob Kaufman (1925-1986), o “Rimbaud americano”, de alma verdadeiramente beatnik , radicalmente beatnik , em que se reconhece “uma das vozes esquecidas da beat generation ”. Porventura a sua voz mais radical. É o filme sobre o errante Kaufman, ele próprio marinheiro e sindicalista de juventude (foi membro do National Maritime Union), cuja poesia Woodberry conhecera nos anos 1970 e a que dedica um aturado trabalho de investigação anos mais tarde, que há-de levá-lo ao material fotográfico que está na origem de Marseille après la guerre. Nas suas próprias palavras, em entrevistas recentes, encontra no cinema documental – e, palavras que não são dele, no que podem entender-se como declinações “experimentais” –uma dimensão “retórica, poética, analítica, discursiva, reflexiva”. Não que essa dimensão esteja exactamente ausente da narrativa prosseguida na singularidade dos primeiros filmes.

No início do fio da meada, a fulgurante miniatura de A bolsa, que não fala de um livro de bolso, mas de uma mala (quase) roubada pelo pequeno protagonista que

se destaca do bando de miúdos do início para se fazer às ruas da cidade e acabar no apartamento da senhora que tenta assaltar, destila já a sensibilidade de Woodberry à fotografia. O filme junta na dedicatória Langston Hughes e Gladys Woodberry, o cineasta Sidney Meyers e a “fotógrafa de rua” nova-iorquina Helen Levitt. Se na obra inicial de Woodberry transparece o lado 30 por uma linha que anima o bando de A bolsa, transparece também o espírito dos fotógrafos e cineastas de rua americanos para o qual um plano como o dos jorros de água que tornam efervescentes as tropelias dos miúdos remete de imediato. Sim, vêm à ideia Os incompreendidos (Les 400 coups, de Truffaut, 1959) e, claro, O pequeno fugitivo (The Little Fugitive, de Ray Ashlin, Morris Engel e Ruth Orkin, 1953), The Quiet One, de Meyers (1948), Pelas ruas (In the Streets , 1948), de Helen Levitt, James Agee e Janice Loeb.

O conto moral em que o filme se volve quando o pequeno assaltante frustrado é confrontado com o “ralhete” da vítima que se recusa sê-lo, fazendo-o de resto pensar na vida, por lhe falar do que lhe custa ganhar a sua, é pontuado pelo plano geral nocturno da cidade, dos seus reclames luminosos, do seu trânsito iluminado

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pelos faróis dos automóveis. Não uma Broadway by Light , como a de William Klein no esplendoroso estudo da cor do filme de 1958, mas uma cidade recortada a rasgos de luz no preto e branco contrastado. E vemos toda uma linhagem de referências marcar visualmente A bolsa, que, por outro lado, nos acordes de Lead Belly mas também de Thelonious Monk e Miles Davis, respira a música que o cinema de Billy Woodberry também não dispensa desde então – o jazz e o blues, os cânticos espirituais sulistas, a música folk, a vanguarda musical. Em Abençoe seus pequeninos corações , os elementos voltam a reunir-se para compor uma obra com um universo próprio de força rara, que a consanguinidade com O matador de ovelhas não dilui. O filme começa com a imagem a negro, pelo som, o da música que se ouve durante os largos minutos em que acompanhamos Charlie Banks no centro de emprego, entre formulários, sem sorte, e o seu caminho pelo baldio que o leva a casa, no bairro de Watts, em L.A. – L.A. que “plays itself”. As palavras só surgem depois, já a desolação daquela vida está estampada no filme, vinda do rosto do homem. (Vem à ideia que pode ser o adulto em que o miúdo de A bolsa se tornou.)

Aquela família está em apuros, exausta a mãe, deitada na cama, os três miúdos à mercê da angústia silenciosa que por ali paira. O ambiente, rapidamente composto, devolve a crueza de um quotidiano afectado por dificuldades, o desemprego, a pobreza. Dos seus efeitos devastadores, conjugais e familiares na vida de um casal com três filhos pequenos tratará o filme. Em proximidade com Charlie Banks, que se movimenta pela cidade, os seus exteriores baldios, os seus campos e as águas em que ele pesca, os sítios em que vai fazendo biscates para ganhar uns trocos, mostrando uma urbe que se mistura com um território ainda rural, Abençoe seus pequeninos corações também é um retrato ímpar de Los Angeles. Estamos “no outro cinema”, o que vem de fora dos estúdios de Hollywood, o de um cinema de gente que caminha, de que Thom Andersen fala, sinalizando as representações da cidade mais filmada do mundo (Los angeles por ela mesma/Los Angeles Plays Itself, 2003), quando lembra o movimento neorrealista liderado em L.A. pelos jovens realizadores negros do Sul dos Estados Unidos, citando “Haile Gerima, da Etiópia, Charles Burnett, do Mississippi, Billy Woodberry, do Texas”. Nesse filme, em que há imagens de Bush Mama (Haile

Gerima, 1979), O matador de ovelhas e Abençoe seus pequeninos corações , também se nota como os realizadores negros independentes mostraram que a verdadeira crise da família negra é apenas a crise da família da classe trabalhadora, branca ou negra, em que o espírito familiar está sempre em risco porque a ameaça do desemprego está sempre presente. A working class people que Woodberry filma não é conceptual. É pelo contrário muito concreta, tem os traços, os gestos, os problemas, os conflitos à flor da pele das personagens das quais se aproxima na sua persistência quotidiana, não raro captando pormenores de expressão eloquente. Se as cenas de exteriores concorrem para o retrato da cidade, os interiores são os espaços do drama. E é curioso notar como é quase sempre Charlie quem habita o espaço da cidade, em contraponto a Andais, filmada em interiores, à excepção das cenas em que a vemos varrer uma entrada de casa ou no trajecto de autocarro que nos fazem crer que ganha provavelmente a vida como empregada doméstica. É o trabalho da mulher que leva dinheiro para a casa dos Banks, apesar de o pai se multiplicar nos biscates que pode, contrariando o comentário do barbeiro que o acusa de ser

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demasiado exigente. E apesar dela própria promover a imagem da dignidade paterna junto dos miúdos na bastante terrível cena que começa com o casal entalado no estreito corredor da casa, com ela a pôr-lhe nas mãos as três moedas que ele em seguida distribui ritualmente pelos três filhos de saída para a missa dominical. As cenas de Abençoe seus pequeninos corações são bastante fortes, tanto no apontamento silencioso da distância que se instalou entre o casal e que está nas cenas deles no quarto (recorrentes, assinalam a rotina e o cansaço), como na cena mais explosiva da longa discussão dos dois na cozinha, filmada com câmara à mão, um tour de force do filme que constrói o espaço daquele combate. Ou na sequência que retrata o alcance verdadeiramente destroçado dos cinco membros da família: os olhares vagos, a miudinha de braço envolto em gesso e o pai a desfazer-se em lágrimas sem reprimir soluços, a mãe que o consola como se ele fosse o mais pequeno de todos os que estão sentados à mesa da cozinha. E numa cena tão enxuta como a das torneiras da casa de banho que Charlie fecha com a fúria muda dos seus dois punhos cerrados sobre os manípulos depois de se barbear, e a filha tem de abrir usando

uma ferramenta a condizer, desmesurada entre as mãos da pequena.

De algum modo todos condenados, de algum modo todos salvos na dureza de tudo aquilo, na sensibilidade do olhar sobre tudo aquilo, perto de todas as muito humanas contradições e fragilidades das

personagens. O último plano de Charlie, que se afasta de costas como um vagabundo Chaplin, é o último plano de Abençoe seus pequeninos corações, e não podemos senão ficar com ele.

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Texas Hotel & Amarelo Manga: duas Crônicas do Recife

Neste mês de junho, o Cinema do Instituto

Moreira Salles propõe uma revisão em sessões especiais – a partir de cópias 35 mm – de dois filmes irmãos realizados por Cláudio Assis, raramente projetados juntos: Amarelo Manga – cujo lançamento completa agora 20 anos - acompanhado do curta-metragem marcante que é Texas Hotel (1999), onde Assis já mapeava a geografia e a arquitetura do centro da cidade do Recife registradas no filme seguinte.

De fato, Amarelo Manga apresentou uma imagem nova de uma cidade brasileira, o Recife, como cidade-rua e cidade-gente. Há 20 anos isso já estava claro, mas numa revisão beneficiada pelo tempo, isso é ainda mais forte. É o primeiro longa-metragem de Assis.

Texas Hotel e Amarelo Manga são

também frutos das visões reunidas de Cláudio Assis, do roteirista Hilton Lacerda, da diretora de arte Renata Pinheiro e do fotógrafo Walter Carvalho. Hilton, Renata e Walter são também cineastas em trajetórias próprias.

Texas Hotel, com 15 minutos, nos propõe uma imersão de mise en scène e som que

consegue estabelecer um clima tenso de instabilidade. É sombrio, mas é também solar e é fascinante. A câmera move-se como uma alma, é safada e é generosa. O centro do Recife ganha uma crônica escrita pela imagem de cinema. Esse cinema fortaleceu muita gente a fazer seus próprios filmes naquela época.

Se a força de Amarelo Manga era evidente para pernambucanos, no resto do país a visão de Cláudio também foi percebida. O filme impôs-se com seu tom autoral singular, foi áspero e incomum num cinema brasileiro do início da década de 2000 que seguia outros procedimentos.

Amarelo Manga era também um filme de Pernambuco, numa época em que a diversidade regional na produção nacional ainda precisava melhorar bastante. Derrubou a porta e levou às salas mais de 150 mil espectadores, um número ainda hoje (ou hoje mais ainda) extraordinário. Para além de um reconhecimento popular, foi também muito bem recebido pela crítica brasileira.

Eu lembro da sessão de estreia de Amarelo Manga no Festival do Rio, no

Cinema Odeon. Foi empolgante, tinha uma eletricidade. Como recifense, algo me chamou a atenção de imediato: ver o Recife em CinemaScope pela primeira vez, o formato de filmagem e de projeção associado intuitivamente ao “cinema rico”, ao “cinema estrangeiro”.

Falar aqui de CinemaScope talvez soe anacrônico hoje em dia com as possibilidades livres da tecnologia digital, mas nos anos 1990 contavam-se nos dedos de uma só mão os filmes brasileiros com a imagem larga e que exigia procedimentos mais luxuosos. A decisão de fazer o filme nesse formato me pareceu uma subversão inteligente dos realizadores, àquela altura.

Não só a cidade-personagem do Recife era vista em tela larga, mas as cores vivas do filme retangular enquadravam a pobreza crua do Brasil com naturalidade e sem pedir desculpas. Naturalidade, para alguns, chocante. Era uma inversão e tanto da iconografia conhecida – e praticada –ao longo da história do Cinema Brasileiro. Amarelo Manga tinha uma imagem impressa de cinemão sem curvar-se a exigências de uma lógica temática de cinema industrial.

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Essa aspereza, no entanto, foi contrabandeada numa embalagem com nomes da dramaturgia oficial brasileira, como Jonas Bloch, Dira Paes, Chico Diaz ou Matheus Nachtergaele, e também de rostos do Recife, como Conceição Camarotti e Magdale Alves. Ou ainda de atores e atrizes não profissionais, com ou sem fala.

O sentido geral de crueza era real, mas o tratamento dado com esse elenco gerou um equilíbrio entre artifício e realismo que raramente manifestou-se de forma tão segura. Amarelo Manga seria um folhetim poderoso, rodado em 35 mm, com tudo aquilo que as novelas não mostrariam nunca. E feito no Recife.

Eu fui ver Amarelo Manga outras vezes, uma delas no Cinema do Parque, a sala hoje centenária com estrutura de ferro belga fundido. O Parque fica no centro do Recife, a 200 metros da locação principal do Texas Hotel, usada nos dois filmes.

O ingresso me custou um real, e lá o filme foi visto por 16 mil espectadores, que pagaram esse mesmo preço único.

Um bom livro poderia ser escrito sobre filmes pernambucanos apresentados no

Cinema do Parque, onde – para início de conversa – a tela na época não comportava o quadro CinemaScope de Amarelo

Manga, pois era estreita demais. O filme, no entanto, parecia estar passando em terceira dimensão, ali na Rua do Hospício.

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sessão Cinética O paraíso deve ser aqui O paraíso proibido

1. A relação entre o desenvolvimento da modernidade no cinema e o cinema barato, B, de exploração, é ao mesmo tempo indissociável e complexa. Se, por um lado, é inegável que os cinemas novos e modernos reconhecidos como tal transformam em maneirismo as subversões forjadas nos seios do cinema comercial, nessa transposição, perde-se algo importante no processo, que é uma certa discrição que os sabotadores do filme barato necessitam ter.

2. Pois em qualquer cinema de exploração, de gênero, há regras para cumprir, com os financiadores e com seu público. Portanto, é sempre uma tarefa dupla: entreter e subverter, ao mesmo tempo, trabalhando simultaneamente em camadas variadas, numa espécie de inframodernidade, cujos exemplos estrangeiros são muito mais compreendidos que os dos nossos artesãos locais.

3. Quando se discute cinema de gênero, raramente usamos como referência filões brasileiros, como a comédia musical, o filme de crime/violência urbana e os mais variados subgêneros de filme erótico. Nos

anos 1970 e 1980, em São Paulo, foram produzidos dezenas de filmes que, dentro do heterogêneo rótulo do cinema erótico, realizaram essa “tarefa dupla” de modo brilhante. Em geral, tais obras têm como matriz o conjunto de produtoras e salas de exibição do centro da capital paulista, apelidado Boca do Lixo.

4. A Galante Produções era uma das principais produtoras desse complexo e é a responsável pela realização de O paraíso proibido, um dos três trabalhos capitaneadas por Carlos Reichenbach, em associação com essa empresa mítica em seu ramo. A fórmula era simples: poucos dias de filmagem, alguma nudez feminina em cada rolo de filme e, dentro disso, liberdade total de realização.

5. Em entrevista a Ruth Viana, em 1984, o diretor declara: “O paraíso proibido não foi uma fita encomendada como pornochanchada. Ao contrário, foi encomendado como filme romântico. Romântico à minha maneira: personagens destrambelhados, com problemas existenciais, um filme muito mais pra baixo do que pra cima. E esses três filmes eu fiz com o produtor

mais tradicional da Boca do Lixo, que é o Antonio Polo Galante. Ao mesmo tempo que me dava poucas condições de filmagens, ou seja, condições mínimas, e todas as condições razoáveis, eu tinha toda a liberdade de fazer o que eu quisesse. Coisa que às vezes não tinha no financiamento oficial. O que importava mais era eu ter liberdade de fazer absoluta, de fazer o filme do jeito que eu quisesse. Mesmo que eu tivesse que abrir, que fazer concessão, concessão a nível de título do filme, a nível de elenco, mas desde que deixasse eu filmar do jeito que eu quisesse, a contar a história do jeito que eu quisesse, a montar o filme do jeito que eu quisesse, não tendo interferência – como não tive nenhuma –a nível de realização.”

6. Dessa forma, Reichenbach trabalha em condições ao mesmo tempo radicalmente autorais e radicalmente comerciais. Ele mesmo dirige, fotografa e monta. E, assim como em vários outros de seus longas, o homem em crise, que é o centro da narrativa, pode ser visto como sua projeção. O radialista Celso Félix, vivido por Jonas Bloch, trabalha na pequena

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Rádio Progresso, e seu problema é que ele não quer progredir, não quer “algo mais”. Ele quer ficar pequeno, ter uma vida calma. Em uma de suas primeiras falas, diz, nos microfones da rádio: “Nem só de trabalho vive o homem, vamos se divertir, gente”. O problema é que Celso é um homem que “sente demais”, e todas as interações que o filme narra o alteram, e de alguma forma o dissuadem de seu caminho.

7. Mesmo num filme dramaticamente espiralado, como O paraíso proibido , podemos dizer que o centro disparador do conflito de base do filme é o encontro de Celso com Rivaldo (Luis Carlos Braga), seu amigo antigo de rádio, que quer envolver Celso numa jogada ambiciosa, que envolve seu patrão da Rádio Progresso. A tensão trabalho/vida íntima atravessa todo o filme, pontuada pelo sexo. Porém, como no trabalho de encenação no filme em geral, há um esforço constante de uma certa serenidade cênica. Assim como observou Ruy Gardnier na revista Contracampo sobre o italiano Valerio Zurlini (inspiração declarada do cinema de Reichenbach, aqui, em específico, A primeira noite de tranquilidade, de 1972), o trabalho de encenação faz um exercício dissociativo em relação à realidade emocional da

cena. O sexo e as grandes emoções são filmadas, na maioria das vezes, com uma deliberada distância. Não um distanciamento frio, entomológico, mas produtor de um certo efeito de medida e modulação. Ao mesmo tempo, momentos muito prosaicos, como um final de festa, em que um empregado bêbado saindo da casa do patrão se deita no chão de areia, uma mulher se despede do patrão com um beijo na boca, e, enquanto este entra em seu carro, ela vai em direção ao outro carro e embarca com o seu marido, tudo filmado em fluido plano-sequência. O ápice da crise do radialista, em um belo travelling à beira-mar, é filmado em quadro aberto, culminando num final cômico, quando, de cuecas, ele encontra alguns políticos locais conversando com seu colega de trabalho, após uma corrida potencialmente suicida.

8. O trabalho de Reichenbach parece ser o da anatomia precisa e incerta dos sentimentos de seus personagens – portanto, sentimentos de uma época. É o começo dos anos 1980, momento em que o capitalismo aperta os cintos e vai se consolidando como única realidade possível. E ele é escravo do crescimento e da ambição, da exploração. Entretanto, o cinema da Boca, exploitation , em sua constante

afirmação artesanal e sacana, apesar de ser um produto ali altamente vendável (esse conjunto de filmes de Reichenbach foi uma empreitada lucrativa para Galante), era também um cinema de resistência, da ambígua afirmação de um outro tipo de valor e descontrole. E a escolha do metapersonagem comunicador sublinha esse aspecto. Celso quer ficar “pequeno”, mas isso lhe custa imensamente, pois não é aceito nem compreendido em um mundo de ganância desenfreada.

9. Entretanto, isso não quer dizer que o radialista é um poço de virtudes e honra. De modo algum. Todos os personagens são moralmente errantes, impulsivos, intempestivos, frágeis e vulneráveis. A tal anatomia realizada por Reichenbach só descobre a mesma coisa, sempre diferente: somos todos peças de engrenagens maiores, tentando encontrar a nós mesmos, mas a resposta nunca chega; portanto, vamos atritando em quem se aproxima, em tesão, desilusão e fúria, e, quem sabe, algum lampejo de amor e tranquilidade pode aparecer.

10. No início da cena auge da crise do personagem de Jonas Bloch, compondo mais uma das belas e discretas composições do fotógrafo Reichenbach, aparece um poste onde está pichado: “É proibido

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subir”. O espaço do drama tem contornos de classe. A radiografia de uma sensibilidade da classe média e popular brasileira é uma obsessão para o diretor do início ao fim de sua carreira. E sua mistura de materiais vistos como eruditos nesse caldo popular é uma das mais inconfundíveis assinaturas desse diretor tão pessoal e tão pouco egóico. Logo no começo do filme, ouvimos um sanfoneiro tocar ao vivo na rádio a Quinta sinfonia de Beethoven, ao vivo, abaixo de vários cartazes de outros artistas populares. O livro de Nietzsche, Crepúsculo dos ídolos , é filmado em close , sobre uma bunda de mulher nua, e precede a primeira cena de sexo do filme, em uma deliberada carta de intenções: um cinema desidealizado, mas cheio de ideias; amoral, porém sentimental, materialista e intensamente lírico.

11. Nesse sentido, grande parte da contribuição desse cinema ao ambiente de cinema atual pode ser uma sugestão na pobre e moralizada discussão que hoje temos sobre estereotipia dos personagens. A sofisticação da “dupla função” opera num filme como O paraíso proibido, uma forma de riqueza dramática dentro dos tipos esperados: o homem em crise de meia-idade, a virgem filha do patrão,

a intelectual acadêmica urbana, a prostituta ambiciosa, o amigo traidor, nenhuma dessas figuras, afinal, dá o que nós esperamos delas. A serenidade desconcertante da encenação reitera essa forma de complexidade rasteira, sem a chateação das camadas sem fim. As pessoas desejam, se confundem, projetam, têm tesão e enxergam o mundo a partir de suas realidades materiais, diferentemente. E isso é o suficiente para uma agilidade dramática constante, sem tempos mortos, porém a pergunta é se os afetos estão mortos, pela hostilidade do mundo que se apresenta. O trabalho dentro dos tipos e a moldura sociológica não restringem em nada a urdidura de um cinema discretamente anárquico e imaginativo, que sabe jogar com regras e enxergar os espaços onde pode injetar sua poesia e loucura.

12. O espaço da ascensão, do progresso, de uma mudança como um movimento de classe, está proibido. Porém, pelo filme, se sinaliza que o sentido da jornada não é conclusivo. Celso não termina melhor do que começa, e acaba tendo mais uma transa, porém nada culmina ali. A questão para o personagem, e para esse cinema, não é crescer, almejar um espaço maior, de dignidade, do cinema oficial, do patrão, reconhecido e laureado.

O que se parece sugerir é que o espaço do pequeno, do barato, do mundano, dos encontros errantes, de uma inventividade ao nível do chão, é um espaço onde a margem para uma gama infinita de sentimentos e experiências, onde progresso e regresso deixam de ser uma questão, onde a jornada é afinal intensiva, e a variedade imprevisível da amplitude de suas frequências emocionais e plásticas é sua maior riqueza. E essa será para sempre a contribuição revolucionária, incalculável e democrática dos cinemas “vagabundos”, como esse aqui, que luminosamente a nós se apresenta.

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Billy Woodberry em Retrospectiva

Figura essencial na história do cinema norte-americano, Billy Woodberry apresentará ao público de São Paulo sua primeira grande retrospectiva realizada no Brasil, passando pelos anos de L.A. Rebellion, as colaborações com parceiros como Haile Gerima e Thom Andersen e a produção documental mais recente, com filmes que abordam figuras como o poeta beatnik Bob Kaufman e o pai do cinema africano Ousmane Sembène. A programação contará ainda com uma seleção proposta por Woodberry de filmes que o marcaram enquanto artista, professor e espectador.

No dia 6 de junho, o cineasta estará presente para debater, com a pesquisadora e curadora de cinema Tatiana Carvalho Costa, seu primeiro longa-metragem, exibido em 35 mm, e, no dia 8, ministrará uma masterclass aberta ao público.

Nascido em Dallas em 1950, Billy Woodberry foi um dos pioneiros do movimento que ficou conhecido como L.A. Rebellion, com seus filmes de ficção A bolsa e o clássico Abençoe seus pequeninos corações. Junto aos seus colegas de estudo na UCLA, foi responsável por inaugurar um novo imaginário em torno dos personagens negros no cinema norte–americano e uma nova Los Angeles, vista sob o prisma dos debates raciais, de gênero e de classe. Dedicou-se à car-

reira de professor universitário na Universidade da Califórnia (UCLA) e no Instituto de Artes da Califórnia (CalArts), além de ter colaborado como ator e narrador com a obra de cineastas próximos. Nos anos 2010, retornou à direção de filmes pela via do documentário, com um olhar que permaneceu atento a figuras e momentos importantes da história negra e das classes subalternizadas.

Os filmes de Woodberry foram exibidos nos festivais de cinema de Cannes, Berlim, Viennale, Rotterdam, no Museu de Arte Moderna (MoMA), Tate Modern, Centre Pompidou e BAMFA, entre outros locais.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Masterclass: Entrada gratuita, sujeita a lotação. Inscrição pela plataforma Sympla: sympla.com.br/imoreirasalles.

Filmes de Billy Woodberry

A bolsa

The Pocketbook

Billy Woodberry | EUA | 1980, 13’, Restauração em DCP (Milestone)

Adaptado de um conto de Langston Hughes chamado “Thank You, Ma’am”, o curta centra-se em um menino que questiona sua trajetória de vida depois de ser pego roubando a bolsa de uma mulher mais velha.

Ambientado no bairro de Watts, em Los Angeles, e sob fotografia de Charles Burnett, Gary Gaston e do brasileiro Mario Silva, uma epopeia infantojuvenil cindida em dois atos: de dia, o olhar dos meninos sobre o tempo da brincadeira e os indícios de vida, enquanto um nostálgico blues de Lead Belly se repete e faz do filme uma cantiga em disparada. À noite, o garoto que brincava tenta roubar a bolsa de uma senhora, negra como ele, que observava uma vitrine na calçada.

A reação da senhora ao impropério é levar o menino Ray para casa e lhe dar, sim, um aconchego maternal, além de uma razoável lição de moral, que, no entanto, é discretamente subver-

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siva: porque também ela admite não poder ser o eixo de uma sociedade integrada, pequeno-burguesa. Pelo contrário, é uma espécie de mesma de Ray – sem nunca poder ser exatamente, e, portanto, não seria capaz de compreender o garoto de todo. Daí a melancolia da comunidade, que a faz dissensual e que guarda a preciosa singularidade de cada rosto.

A bolsa termina por se distinguir como um ensaio melodramático que tem como um dos objetos mais caros a insuficiência da sociologia em traduzir o que os afetos comunicam, e vice-versa. Woodberry, sagaz cronista e filiado a traços da imaginação neorrealista, é certamente um par criativo de Charles Burnett, interessado na correspondência e na defasagem entre os movimentos do mundo e os dramas mais íntimos, secretos, entre a dor e os pequenos prazeres, entre o destino e a fuga. Este filme – como o longa Abençoe seus pequeninos corações, não à toa roteirizado por Burnett – voltou a circular nos últimos anos graças ao importante trabalho de distribuição da independente Milestone.

[Texto adaptado da sinopse da mostra L.A. Rebellion, realizada no IMS em 2019, com curadoria de Luís Fernando Moura e Victor Guimarães.]

Abençoe seus pequeninos corações

Bless Their Little Hearts

Billy Woodberry | EUA | 1983, 80’, 35 mm (UCLA)

Abençoe seus pequeninos corações é centrado em Charlie, um desempregado que arranja bicos para sustentar a família, e Andais, que precisa administrar a vida doméstica e cuidar dos filhos. Este drama, trabalho de conclusão de mestrado na UCLA, se passa no bairro de Watts, em Los Angeles, onde orquestra o choque entre dois movimentos de vida, de marido e mulher, e, na mais fina tradição da crônica social desenvolvida no contexto da L.A. Rebellion, atenta para a complexidade dos laços e das relações entre as pessoas – para a empatia em meio ao conflito moral –, por meio de aguda sensibilidade realista.

Uma das obras-primas da L.A. Rebellion, Abençoe seus pequeninos corações destila as preocupações sociais e estéticas desse movimento pioneiro no cinema negro norte-americano.

O filme de estreia em longa-metragem de Billy

Woodberry mostra um olhar atento e observacional, uma sensibilidade tanto para as nuances da comunidade como para com as famílias que orbitam seus cotidianos nas telas, e a relação desses acontecimentos pulsados pelo poder do jazz.

Billy Woodberry se reuniu aqui ao eventual colaborador e colega de classe Charles Burnett – que já havia sido um dos fotógrafos de seu curta

A bolsa, três anos antes. A escrita melodramática de seu primeiro curta-metragem, calcada na compaixão diante de ruínas morais – como fazer o que se diz certo se as coisas do mundo não vêm vindo bem? –, é retomada para que se desenvolva talvez um dos filmes da L.A. Rebellion em que as consequências da dramaturgia são encaradas de forma mais frontal, longa e dedicada. É preciso, como na melhor colaboração entre cinema clássico e consciência crítica, que a cena comunique paixão e contingência do conflito.

Para tanto, Nate Hardman e Kaycee Moore, protagonistas, estão afiados e partilham pontos de vista de densidade semelhante, que não só expressam a expectativa histórica dos papéis de gênero como problema – político e dramático – como catalisam o retrato melancólico de um tempo e de um espaço. A síntese e a melancolia desses papéis encontram-se singularmente expressas nas artes do cartaz da retrospectiva, desenvolvido pelo multiartista Oga Mendonça. Como em A bolsa, o valor do dinheiro e do trabalho na sociedade americana é objeto e disruptor de uma hipótese, enquanto o jazz empresta notas emocionais e subtexto político.

[Texto adaptado da sinopse da mostra L.A. Rebellion, realizada no IMS em 2019, com curadoria de Luís Fernando Moura e Victor Guimarães.]

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E quando eu morrer, não ficarei morto

And When I Die, I Won’t Stay Dead

O poeta beatnik Bob Kaufman evocou, imprimiu e contribuiu com uma voz singular ao imaginário poético-político da literatura mundial. Kaufman foi personagem contundente da geração beatnik, em meados do século XX, nos EUA. Nascido em Nova Orleans, de origem negra e judaica, Kaufman foi perseguido durante toda sua vida por questões raciais e políticas, que datam de sua juventude, quando foi marinheiro e sindicalista, e deteve um papel de liderança no Sindicato Nacional dos Trabalhadores Marítimos dos Estados Unidos. Anos depois, após uma de suas inúmeras prisões injustificáveis, internado em um sanatório onde passou por tratamento de choque, Kaufman fez um voto de silêncio que durou mais de uma década.

E quando eu morrer, não ficarei morto , é o primeiro longa de Woodberry depois de mais de três décadas de Abençoe seus pequeninos corações . “Como eu conhecia Bob Kaufman e sua poesia há muitos anos, tinha um desejo secreto de fazer um filme sobre ele”, comenta o diretor em depoimento disponível no material de imprensa do filme. “No final dos anos 1990, durante um renascimento do interesse no movimento Beat e em seu impacto na cultura americana, a ausência de Kaufman na maior parte dos relatos da era Beat e o fracasso em incluir e reconhecer sua contribuição se tornou irritante. Isso foi um estímulo extra para conhecer mais

sobre ele, seus escritos e sua vida.”

“Meu interesse na história mais ampla, política, trabalhista e cultural da época transformou-o em um sujeito fascinante e intrigante. Ele viveu durante uma era tumultuada e achou uma maneira de manter-se comprometido com seus ideais radicais e encontrar outras maneiras de resistir à repressão da caça às bruxas da era McCarthy e a inexpressividade geral dos EUA nas décadas de 1950 e 1960. E, em sua poesia, através de humor, sátira, imagens surrealistas e sensibilidade para as improvisações do jazz, ofereceu, por outros meios, uma crítica contínua às injustiças da sociedade americana. Nisso ele era uma personagem exemplar, se não singular, do seu tempo. Um ponto central do filme que acabei fazendo é a presença da poesia de Bob Kaufman, como deveria ser, uma vez que é por ela que ele é conhecido, e que foi, finalmente, seu jeito de estar no mundo. Poesia e a luta para ser poeta são seus principais legados.”

[O texto inclui adaptações de sinopses das mostras The Voice and Vision of Billy Woodberry, da National Gallery of Art, nos EUA, e da mostra Hollywood e além: o cinema investigativo de Thom Andersen, com curadoria de Aaron Cutler e Mariana Shellard.]

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Marseille après la guerre

Marseille après la guerre

Billy Woodberry | França | 2016, 11’, DCP (Divina Comédia)

Um olhar poético e crítico acerca dos estivadores de Marselha após a Segunda Guerra Mundial. Enquanto pesquisava a história do Sindicato Nacional dos Trabalhadores Marítimos dos Estados Unidos, Woodberry se deparou com um fascinante acervo de fotografias de estivadores nas docas em Marselha, França, a partir da década de 1940. Com essas imagens granuladas em preto e branco, Marseille après la guerre evoca “solidariedade, fraternidade e luta” entre os estivadores logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Essa coleção de fotos – juntamente com uma trilha sonora complexa – é uma homenagem ao renomado cineasta senegalês Ousmane Sembène (1923-2007), que também trabalhou nas docas de Marselha após a guerra e baseou seu romance Le Docker noir, de 1954, nessas experiências formativas. A lembrança do livro, que descreve o preconceito racial vivido por africanos na França, contagia a fotomontagem do filme, cujas imagens mostram solidariedade entre trabalhadores de origens diferentes.

[Texto adaptado da sinopse da mostra Hollywood e além: o cinema investigativo de Thom Andersen, com curadoria de Aaron Cutler e Mariana Shellard.]

Uma história de África

A Story from Africa

Billy Woodberry | EUA, Portugal | 2018, 32’, DCP (Divina Comédia)

Na sequência da Conferência de Berlim de 1885 quanto à divisão de África, o exército português usa um oficial talentoso para fazer o registo fotográfico da ocupação efetiva do território conquistado em 1907 ao povo Cuamato, no sul de Angola. Uma história de África dá vida a esse arquivo fotográfico através da história trágica de Calipalula, o fidalgo Cuamato cujo papel foi decisivo no desenrolar dos eventos dessa campanha de pacificação portuguesa.

“Primeiro pensei que fosse uma imagem referente ao comércio de escravizados transatlânticos. Uma imagem que me é familiar, como afro-americano, mas havia ali algo de diferente, pois vi que datava de 1907”, comenta Billy Woodberry. “Tinha de saber tudo sobre o contexto que levou à produção daquela fotografia, naquele território e naquele período tão particular da história europeia.”

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Colaborações

Cinzas e brasas

Ashes and Embers

Haile Gerima | 1982, 120’, DCP (Array)

Nay Charles é um afro-americano, veterano do Vietnã que não se encaixa na vida, não consegue encontrar um emprego e tem dificuldade em estabelecer conexão com sua namorada politicamente comprometida. Deprimido, o anti-herói do filme deixa seu estado natal, Washington, para uma nova vida e melhor em Los Angeles, onde acaba preso pela polícia. Como seu protagonista, o diretor Haile Gerima é ceticamente atraído em relação à ideologia nacionalista negra defendida pela namorada de Charles e seu grupo de discussão. A alienação de Charles, tanto dos negros americanos de classe média, que se acomodaram ao sistema quanto dos radicais dispostos a mudar a sociedade se encontra enraizada no racismo institucionalizado da sociedade branca, que quase sempre permanece como uma presença invisível, mas surpreendentemente poderosa. Como outros cineastas do L.A. Rebellion, Gerima ilustra esse racismo, bem como as lutas pela libertação do Terceiro Mundo, por meio de montagens de fotos e filmes de material de notícias. A avó de Charles

representa o espírito de severa luta de uma geração que sobreviveu à escravidão, e Jim Crow, sua exuberante e verde fazenda nos devolvendo metaforicamente à Etiópia rural da juventude de Gerima. No final, Gerima deposita sua fé nos jovens afro-americanos, que representam um futuro em que permanecerão altos, uma visão final da utopia após as lições sombrias das relações raciais contemporâneas na América.

Antes de concluir a produção de Brasas sob cinzas, Gerima fundou a Mypheduh Films, para distribuir seu próprio trabalho e o de outros cineastas africanos, sendo ignorados pelos distribuidores americanos. Com abertura no Film Forum de Nova York, Cinzas e brasas foi amplamente exibido no circuito de festivais e conta com uma participação especial de Billy Woodberry.

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Quando chove When It Rains

Charles Burnett | EUA, França | 1995, 13’, DCP (Milestone Films)

No dia de ano-novo, um griô urbano (interpretado por Ayuko Babu, cofundador do Pan African Film Festival) embarca em uma jornada por seu bairro em busca de amigos que possam ajudá-lo a arrecadar o dinheiro do aluguel da moradia de uma jovem mulher (Florence Bracy), para evitar que ela e sua filha sejam despejadas. A ajuda, no final, vem de um encontro inesperado. Billy Woodberry desempenha um breve, porém decisivo, papel no desenrolar da trama.

Quando chove é um belo retrato musical da vida cotidiana da comunidade negra de South Central, Los Angeles – cenário de vários filmes de Burnett, como O matador de ovelhas (1977) e O casamento de meu irmão (1983). O crítico Jonathan Rosenbaum classificou o filme como um dos melhores de todos os tempos e escreveu: “Este é um dos raros momentos do cinema em que o jazz influencia diretamente a narrativa do filme”.

[Adaptação da sinopse da Sessão Mutual Films: O delírio do momento. Edição online da sessão realizada pelo IMS com curadoria de Aaron Cutler e Mariana Shellard.]

Hollywood vermelha

Red Hollywood

Thom Andersen e Noël Burch | EUA | 1996, 114’, DCP (Cinema Guild)

Com narração de Billy Woodberry, o filme nasceu de um artigo controverso escrito pelo cineasta Thom Andersen em 1985, em que ele defende que os artistas incluídos na assim chamada “lista negra” hollywoodiana, surgida na década de 1940, eram relevantes e dignos de pesquisa. Em 1994, em parceria com o cineasta e teórico Noël Burch, publicou um livro de língua francesa chamado Les Communistes de Hollywood: autre chose que des martyrs, e logo depois lançou o filme Hollywood vermelha. O filme utiliza cenas instigantes de filmes da época para retratar como muitos dos artistas foram condenados por defender opiniões socialmente progressistas.

Entre as obras destacadas, estão Mulher marcada (1937), de Lloyd Bacon e Michael Curtiz, A força do mal (1948), de Abraham Polonsky, Justiça injusta (1950), de Cy Endfield, Johnny

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Guitar (1954), de Nicholas Ray, e O sal da Terra (1954), de Herbert J. Biberman, as quais são intercaladas por entrevistas com os quatro roteiristas e diretores remanescentes da época: Polonsky, Paul Jarrico, Ring Lardner Jr. e Alfred Levitt. O filme também aborda a postura isolacionista dos Estados Unidos na Guerra Civil Espanhola, na Segunda Guerra Mundial, na Guerra Fria, entre outras. Em 2014, Andersen fez uma versão remasterizada do filme para substituir as cenas tiradas de fitas VHS por DVD e blu-ray. Algumas cenas foram reeditadas, e o filme reduzido em quatro minutos, sem alterar o roteiro.

[Adaptação da sinopse da mostra Hollywood e além: o cinema investigativo de Thom Andersen, com curadoria de Aaron Cutler e Mariana Shellard.]

Los Angeles por ela mesma

Los Angeles Plays Itself

Thom Andersen | 2003, 170’, DCP (Cinema Guild)

Os excluídos de Hollywood persistem como tema diagonal de Thom Andersen, que desta vez investiga a construção mitológica do cinema hollywoodiano sobre a cidade de Los Angeles. O mito e a cidade são contrapostos por cenas de filmes hollywoodianos e imagens filmadas por Andersen em 16 mm para ilustrar o impacto local da indústria cinematográfica e seu desprezo sobre a cidade que a abriga. Com uma narração de tom amargo e pessoal, o filme se estrutura a partir de temas que descrevem a construção do mito. A arquitetura modernista odiada por Hollywood serve de residência para variados tipos de malfeitores, como a Lovell House, de Richard Neutra, que abriga o cafetão de Los Angeles: cidade proibida, 1997), e a Garcia House, de John Lautner, sede de uma facção criminosa, que Mel Gibson demole como se estivesse guinchando um carro em Máquina mortífera 2 (1989). O planejamento urbano, que privilegiou indiscriminadamente a indústria automobilística e praticamente inviabilizou o transporte público, é abordado com certa nostalgia em Uma cilada para Roger Rabbit (1988) e de forma visionária em Juventude transviada (1955). Protagonistas que representam autoridades impotentes frente à decadência e criminalidade epidêmica delineiam os residentes da cidade do pecado, como Jake Gittes (Jack Nicholson), em Chinatown (1974) e Rick Deckard (Harrison Ford), em Blade Runner – O caçador de androides (1982).

Em contraponto ao mito, Andersen também apresenta filmes daqueles que retrataram as reais dificuldades da cidade e de seus moradores mais desprezados, por um sistema social que muitas vezes se confunde com a indústria. Entre eles, Uma mulher sob influência (1974), Los Angeles por ela mesma (1972), Os exilados (1961), Abençoe seus pequeninos corações (1983) e O matador de ovelhas (1977), estes dois últimos parte do conjunto de produções conhecido como L.A. Rebellion. Sobre estes, em uma extensa conversa veiculada na revista Film Quarterly, a entrevistadora Josslyn Luckett e Billy Woodberry comentam como os filmes do grupo de alunos da UCLA foram seminais no sentido de contribuir para uma história visual da cidade. Nas palavras de Woodberry, “Thom Andersen foi um dos primeiros a reconhecer e apontar isso e a querer que outras pessoas também soubessem e ficassem curiosas sobre esses filmes”.

O filme de Andersen foi remasterizado em 2013.

[Adaptação da sinopse da mostra Hollywood e além: o cinema investigativo de Thom Andersen, com curadoria de Aaron Cutler e Mariana Shellard. Íntegra da entrevista de Billy Woodberry a Josslyn Luckett, em inglês: bit.ly/billylaitself ]

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“Quando fui convidado a pensar na exibição de uma série de curtas-metragens no Instituto Moreira Salles, recebi o direcionamento de que a sessão poderia ser composta por filmes que influenciaram o meu desenvolvimento como cineasta ou que simplesmente fosse composta por curtas que eu tivesse apreciado como espectador. Aceitei, agradeci e desafiei a proposta, passando a desenvolver uma lista de filmes que incluísse ambos os critérios.

Nesta Carta Branca, os filmes selecionados têm uma abrangência temporal de 1929 a 1995 (centenário do cinema) e incluem abordagens formais do documentário, experimental, narrativo, militantemente político, e muitas vezes com uma dimensão pessoal e poética. Esse arco temporal exibe filmes de África, da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa.

Minhas escolhas são certamente pessoais, limitadas e subjetivas. No entanto, o objetivo é compartilhar filmes que possam ser úteis aos jovens que fazem filmes ou tenham o desejo de fazê-los. Essa é uma tentativa de compartilhar alguns exemplos, modelos ou referências anteriores que possam estimular novos trabalhos, sugerindo temas e abordagens que estão por toda parte, mas nem sempre são considerados temas adequados ou dignos de filmes.

Os filmes escolhidos por mim estão igualmente divididos entre filmes que encontrei pela primeira vez durante meus anos de formação, descobrindo inspiração para começar a fazer cinema, e filmes que por acaso gosto e acho dignos de compartilhar nesse contexto.

Espero que o público os ache igualmente interessantes, inspiradores e estimulantes, como tenho feito ao longo dos anos.”

Chuva Regen

Mannus Franken e Joris Ivens | Holanda | 1929, 12’, Restauração em DCP (Eye Film Institute)

No curta documentário experimental Chuva (1929), o pioneiro cineasta holandês Joris Ivens explora Amsterdã antes, durante e depois de uma tempestade, traçando um arco impressionista por meio de breves vinhetas – canais ondulantes, mares de guarda-chuvas, poças subindo, parapeitos gotejantes. Filmado ao longo de dois anos, mas dando ao espectador a experiência de um único evento, a peça lírica é um filme no início da carreira influente e histórica de Ivens, e um exemplo particularmente poético da “sinfonia da cidade”, na qual os cineastas visam a destilar as qualidades definidoras de diferentes ambientes urbanos. Esta versão restaurada apresenta uma partitura de 1941 do compositor austríaco Hanns Eisler intitulada Quatorze maneiras de descrever a chuva – uma obra que ele dedicou ao seu professor Arnold Schönberg.

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Pelas ruas

In the Street

Helen Levitt, James Agee e Janice Loeb | EUA | 1948, 13’, Arquivo digital (Light Cone)

Imagens das vidas cotidianas nas ruas de um Harlem latino/hispânico, na cidade de Nova York, nos anos 1940.

Um documentário despojado e urbano olha para as crianças de um bairro no Upper East Side de Manhattan. Para eles, a rua é playground, é campo de batalha, é teatro. Os fotógrafos Levitt, Loeb e Agee capturaram a sensação da energia da rua com uma série de gestos – desfile de crianças, uso de máscaras e luta; velhas senhoras observam de suas varandas; e as jovens meninas que aguardam seus paqueras nos degraus das escadas. A narrativa a partir das imagens se apresenta surpreendentemente sincera, e isso se deve também ao fato dos fotógrafos se posicionarem de modo observacional, discretos, sem que haja intervenção direta nas imagens.

Couro de gato

Joaquim Pedro de Andrade | Brasil | 1960, 12’, 35 mm (Arquivo Nacional)

Episódio do longa-metragem Cinco vezes favela (1963). Às vésperas do Carnaval, garotos de uma favela roubam gatos para fabricantes de tamborins. Exercício de realismo lírico, síntese de ficção e documentário, o filme narra o amor de um menino por um angorá e seu dilema ao ter que vender o bichano. O filme ainda conta com as participações de Domingos de Oliveira (no elenco e como assistente de direção) e de Milton Gonçalves (atuação). O futuro diretor David Neves assina a assistência de fotografia. Este segmento foi considerado pelo Festival de Clermont-Ferrand, na França, como um dos 100 melhores curtas dos últimos tempos e recebeu o Prêmio de Qualidade da Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica do Rio de Janeiro (CAIC).

O carroceiro

Borom sarret

Ousmane Sembène | França, Senegal | 1963, 20’, DCP (Capu Seen)

A gênese do cinema negro africano pode ser atribuída a esta curta e dura obra-prima, que narra um dia na vida de um trabalhador de Dakar. O dia frustrante deste “borom sarret” (uma expressão wolof para carroceiro), que é assaltado por uma série de passageiros desonestos. Quando sua carroça é confiscada pela polícia, ele perde não apenas seu meio de subsistência, mas também sua única reivindicação de autorrespeito em uma comunidade explorada e empobrecida.

Sembène é um dos mais notáveis escritores e cineastas do continente de África. Seu O carroceiro (1963) foi o primeiro filme feito por um africano negro sobre um tema fictício a ser distribuído fora da África. Seus filmes e romances examinam as muitas faces de um continente emergindo da era colonial, em confronto com as tensões de independência e modernização.

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Hanoi, terça-feira, dia 13

Hanoi martes 13

Santiago Álvarez | Cuba | 1967, 38’, Arquivo digital (ICAIC)

Registo da vida das pessoas na capital vietnamita e nas zonas rurais circundantes, no pico dos bombardeamentos dos EUA. As atividades cotidianas são apresentadas numa colagem de imagens: construção de canais de irrigação, plantio de arroz, pesca, tecelagem. O filme busca um paralelo entre a vida do então presidente americano Lyndon B. Johnson e a da população vietnamita. Os costumes e as emoções desses cidadãos são contrastados com os bombardeios e baixas da guerra.

Seus filhos voltam pra você Your Children Come Back to You

Alile Sharon Larkin | EUA | 1979, 27’, DCP (Women Make Movies)

Na luta para sustentar sua filha, uma mãe solteira, que mantém sua família por meio de pagamentos que chegam todo mês de programas assistenciais do governo, se depara com a dura decisão de cuidar ela mesma da filha ou permitir que sua cunhada com estabilidade financeira forneça “mais do que o suficiente” para todos. O filme da diretora Alile Sharon Larkin apresenta com maestria a perspectiva de uma criança sobre riqueza e desigualdade social.

O processo de construção da identidade de mulheres negras é o mote principal da composição das protagonistas na obra de Alile Sharon Larkin realizada na UCLA. Desde o curta-metragem The Kitchen (1975), que narra os conflitos de uma mulher que lida com padrões de beleza impostos que excluem seu cabelo crespo, até o média Uma imagem diferente, que retrata a busca

de uma jovem por reinventar o entendimento sobre sua descendência africana – enquanto enfrenta a masculinidade tóxica que a rodeia por todos os lados –, diferentes aspectos são trabalhados em diferentes filmes.

Em Seus filhos voltam pra você, Larkin explora esse processo a partir da perspectiva de uma criança, Tovi, interpretada por Angela Burnett – a sobrinha de Charles Burnett, que também atua em Abençoe seus pequeninos corações (Billy Woodberry, 1980).

Um dos traços formais mais marcantes de Seus filhos voltam pra você é o esforço da câmera por enxergar através dos olhos de Tovi, cuja descoberta do mundo – de suas desigualdades e injustiças – coincide com a formação de sua consciência política. Nas palavras da influente crítica americana B. Ruby Rich, “Larkin é uma cineasta jovem e original, cujo orgulho e sensibilidade só são comparáveis a seu profundo senso estético. Se há um filme tão delicado quanto este, eu desconheço.”

A frase de B. Ruby Rich, publicada no jornal The Chicago Reader, é citada (em inglês) no livro Screenplays of the African American Experience, editado por Phyllis Rauch Klotman e publicado pela Indiana University Press em 1991.

[Texto adaptado da sinopse da mostra L.A. Rebellion, realizada no IMS em 2019 com curadoria de Luís Fernando Moura e Victor Guimarães.]

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Matar-se o tempo

Killing Time

Fronza Woods | 1979, 9’, DCP (Women Make Movies)

Matar-se o tempo é um olhar excêntrico e irônico sobre o dilema de uma mulher que pensa em suicídio, mas é incapaz de encontrar a roupa certa para morrer. A diretora Fronza Woods examina os hábitos pessoais, a socialização e as complexidades da vida que fazem com que sua personagem possa seguir em frente.

Fronza Woods fez parte do movimento ativista de cineastas que primeiro deu centralidade às vozes e experiências de mulheres afro-americanas durante o final dos anos 1970 e início dos anos 1980 (outros incluem Kathleen Collins, Julie Dash, Ayoka Chenzira). As heroínas de seus filmes são engraçadas, inteligentes, sábias e instantaneamente memoráveis. No final dos anos 1970, enquanto morava em Nova York, Woods fez dois curtas-metragens: Matar-se o tempo e Fannie’s Film. A mistura de retratos e entrevistas de Woods

nos leva à vida interior, aos sonhos e aos desejos de mulheres de Nova York, tanto da classe trabalhadora, como da classe média. Como resultado, seus filmes continuam a desafiar com ousadia e beleza os estereótipos contínuos da mídia tradicional sobre mulheres negras.

“Gosto de filmes sobre pessoas reais. Eu me inspiro em quase tudo, mas principalmente na luta. Estou interessada em pessoas que aceitam um desafio, não importa quão grande ou pequeno, mas que o aceitam. O que me inspira são pessoas que não ficam sentadas no banco de passageiro da vida, mas têm coragem, energia e audácia não apenas para agarrá-la pelos chifres, mas também para conduzi-la.”

[Texto adaptado da plataforma ICO’s Cinema of Ideas: bit.ly/fronzaw]

Masterclass

Além da L.A. Rebellion: encontrando um caminho nas sombras de “Hollywood”

Billy Woodberry irá ministrar uma aula baseada em reflexões pessoais sobre a experiência como professor e cineasta nos últimos 30 anos.

A partir da experiência como professor no Instituto de Artes da California, abordará questões relacionadas tanto com a fotografia estática como com as imagens em movimento, que são as duas áreas sobre as quais se debruçam o trabalho como professor, seu pensamento e sua produção artística.

Nesse percurso, dará destaque também à obra de pensadores, escritores, artistas e outras personalidades que foram importantes em seu desenvolvimento, em sua maioria pessoas com quem trabalhou, desenvolveu uma ligação pessoal e que tiveram uma influência significativa em seu trabalho desde o fim dos anos 1980. Exibirá trabalhos e trechos de filmes de Thom Andersen, James Benning, Hartmut Bitomsky, Noël Burch, Allan Sekula e outros.

A masterclass tem entrada gratuita, mediante inscrição pela plataforma Sympla: sympla.com.br/imoreirasalles.

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Bem-vindos de novo

Marcos Yoshi | Brasil | 2021, 105’, DCP (Embaúba Filmes)

Pais e filhos se reencontram depois de 13 anos separados. Esse é o ponto de partida de Bem-vindos de novo. O documentário acompanha o processo de reconstrução afetiva de uma família de descendentes de japoneses, afetada pelo fluxo de imigrações entre Japão e Brasil conhecido como fenômeno dekassegui. O longa de estreia de Marcos Yoshi, diretor e personagem, retrata a trajetória de imigrações de sua própria família, evidenciando o conflito entre o desejo de garantir o sustento da família e a impossibilidade de permanecerem juntos. Essa é uma dentre milhares de outras histórias de separação familiar causadas pela imigração, e lança luz sobre a presença japonesa no Brasil, lar da maior comunidade nipo-descendente do mundo.

Em entrevista ao portal Câmara Escura, o diretor Marcos Yoshi comenta: “O [cineasta] Adirley Queirós fala muito sobre essa ideia de produzir arquivos. Então, pensando no filme, é como se

houvesse duas camadas: os VHS, que o filme utiliza, e o próprio filme como arquivo, documento de seu próprio tempo, de uma localidade específica. A respeito dos VHS, é muito doido pensarmos que, provavelmente, era a primeira vez que os imigrantes que foram para o Japão, na década de 1990, tiveram acesso a essa tecnologia. Eles se deslocaram para o país que produziu essas câmeras. Então, tem uma própria reflexividade econômica e material desses arquivos feitos no Japão. [...] Já sobre o processo de construção de arquivo que é o próprio filme… O arquivamento desse momento da família partiu de um certo sentimento de que tudo o que minha família experienciou, aconteceu de forma semelhante em outras. Parecia tão doido não contar, não materializar aquilo. As pessoas que relatam sobre esses momentos parecem compartilhar uma espécie de dor. Tudo isso tem uma dimensão do absurdo. Acho que isso acontece muito dentro da imigração.”

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/bemvyoshi]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

EO

Jerzy Skolimowski | Polônia, Itália | 2022, 88’, DCP (Zeta Filmes)

O mundo é um lugar misterioso quando visto pelos olhos de um animal. EO, um burro cinza com olhos melancólicos, conhece pessoas boas e más ao longo do caminho. Após deixar o circo, faz uma jornada que vai da Polônia até a Itália, experimenta alegria e dor, transforma sua sorte em desastre, e seu desespero, em uma inesperada felicidade. Mas nem por um momento ele perde sua inocência.

EO é uma homenagem do veterano diretor polonês Jerzy Skolimowski ao filme A grande testemunha (Au Hasard Balthazar, 1966), de Robert Bresson: “Há décadas, eu disse em uma entrevista (acho que foi para a Cahiers du Cinéma) que o único filme que me levou às lágrimas foi A grande testemunha. Acho que o descobri logo após seu lançamento. Desde então, não derramei uma única lágrima no cinema. Assim, o que devo a Robert Bresson é ter adquirido a forte convicção de

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cartaz
Em

que fazer de um animal um personagem do filme não apenas é possível como pode ser uma fonte de emoção.”

“Os diretores usam argumentos intelectuais e linguagem emocional para provocar os atores a produzir o efeito desejado. Com o meu burro, a única forma de o persuadir a fazer qualquer coisa era com ternura: palavras sussurradas ao seu ouvido e algumas carícias amigas. Levantar a voz, mostrar impaciência ou nervosismo teria sido o caminho mais rápido para o desastre”, comenta o diretor sobre o trabalho com o animal. “Os burros têm uma natureza surpreendentemente idiossincrática. Cada um que empregamos tinha um caráter muito diferente, o que tornava a execução de cada tomada bastante imprevisível. Era como tentar resolver um quebra-cabeça todos os dias; tentando descobrir o que cada burro gosta, ou odeia, teme ou adora. [...] O estereótipo mais comum sobre os burros, o de que são teimosos, é verdade. Às vezes era mais fácil reorganizar uma cena, ou um movimento de câmera tão planejado, do que tentar convencer o burro a fazer algo que não queria fazer.”

[Depoimentos do diretor extraídos de: bit.ly/ zetaoe]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Mato seco em chamas

Joana Pimenta e Adirley Queirós | Brasil, Portugal | 2022, 153’, DCP (Vitrine Filmes)

Léa conta a história das Gasolineiras de Kebradas, tal como ecoa pelas paredes da Colmeia, a prisão feminina de Brasília, Distrito Federal, Brasil.

A dupla Joana Pimenta e Adirley Queirós já havia trabalhado junta em Era uma vez Brasília (2017), ela como fotógrafa e ele como diretor. Neste novo filme, constroem, junto a talentoso elenco e reduzida equipe, um conto em torno de um grupo de mulheres que encontra petróleo e começa a produzir a própria gasolina num terreno em Sol Nascente, em Ceilândia. A partir de então, elas marcam seus nomes nos jogos de poder e na história da região.

Sobre a seleção do elenco, Joana Pimenta comenta em entrevista à crítica e pesquisadora Lorenna Rocha: “Quando escolhemos as pessoas com quem vamos trabalhar, nós escolhemos porque temos uma grande curiosidade, um grande interesse em saber mais sobre elas. Talvez mais do

que elas estarem ou não próximas do papel ou arquétipo que construímos, sabe? Porque filmamos sem roteiro, né? Então, escolhemos pessoas com quem nós queremos viver durante 18 meses. Com quem achamos que vamos estar muito interessados naquilo que elas têm para dizer. Então, essa curiosidade, a performance dessa curiosidade, do encontro da câmera e do corpo da atriz, torna-se essencial. Muitas vezes nós não sabemos o que elas vão falar, nem para onde vão se mexer. Nosso trabalho de direção e de direção de fotografia é quase fazer performance ao vivo. [...] Por isso acho também que quando a gente faz o trabalho de seleção das atrizes, pode até demorar muito, mas é imediato. Procuramos a personagem de Chitara durante seis meses. Mas, quando conversamos com a Chitara, foi tudo muito imediato. A sensação era que nós queríamos saber tudo sobre ela.”

“Não queríamos fazer um filme com a premissa do empoderamento”, declara Adirley em outro momento da mesma entrevista. “Nos primeiros roteiros, a personagem Chitara chamava-se Pantera. Essa coisa ‘clássica’ de querer empoderar. Mas, depois… Chitara vem de onde? Dos Thundercats, pô! A Chitara [interpretada por Joana D’Arc Furtado], quando era pequena, na roda de capoeira, era chamada de Chitara. Essa coincidência, muito espiritual, apareceu. Chitara e Léa propõem esse jogo da roda também, sabe? Porque, apesar de serem irmãs, elas se reencontraram no filme. Mato seco em chamas produz um elemento que é criar um mundo em que elas possam existir, que as lendas delas, que não são de derrota, possam existir.”

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“O povo periférico quando tem 40, 50 anos, tem muito isso de esconder suas histórias, porque elas são sempre associadas a maloqueiros, puta, a tudo que é visto como pejorativo, não o contrário. O filme propõe que essas histórias que vão ser contadas por elas não sejam histórias de derrotadas. São lendas. Vocês [Léa, Andréia e Chitara] são lendas do cinema brasileiro, do cinema mundial. [...] O empoderamento aqui é no sentido de dizer: ‘Essa história é minha, sou dona dessa história, eu sei a lenda que existia nos anos 1980. Eu sei como vivi a cadeia. E a cadeia, apesar de ser pesada, a gente só sobrevive nela contando e recontando nossas aventuras, entendeu?’.”

Medusa Deluxe

Medusa Deluxe

Thomas Hardiman | Reino Unido | 2022, 101’, DCP (O2 Play)

-lo em um mundo cuja centralidade estivesse na mulher, e esse era exatamente o mundo que eu queria escrever, meu desejo seria ir a um salão de cabeleireiro chamado Medusa Deluxe. Essa ideia canaliza o filme na medida certa, mas tem algo um pouco efêmero.”

“Tem uma referência a Robert Altman”, completa o produtor Mike Elliot, “com a sensibilidade moderna de algo como Tangerina (Tangerine, 2015). É uma grande presunção pegar uma ideia de filme de gênero e ir além do gênero e torná-lo subserviente ao que o filme realmente trata. É um ótimo argumento − um mistério de assassinato ambientado em uma competição regional de cabeleireiros. Como não amar?!”

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

Sessão Vitrine

Extravagância e excesso colidem quando um mistério de assassinato acontece numa competição de cabeleireiros. A morte de um dos seus incita a divisão dentro de uma comunidade cuja paixão por cabelos beira a obsessão.

“Os nomes e as trajetórias das personagens me vêm muito antes de tudo”, reflete Hardiman. “O mito da Medusa é interessante – obviamente Medusa representa cabelo –, e acerca dele historicamente há uma violência, e isso está no filme: é um mistério de assassinato sobre cabelos. Esse é o filme que me propus a fazer. [...] Eu também pensei que havia uma conexão em termos de questionar como esse mito surgiu, é um mito machista clássico – não existe essa viúva-bruxa com as cobras no lugar de cabelos – e é sobre como desvendar esse mito, tal qual desvendar os meandros de um mistério. Eu queria colocá-

[Depoimentos extraídos do material de imprensa do filme.]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira)e R$ 15 (meia).

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[Íntegra da entrevista em: bit.ly/jamatoseco]

Noites alienígenas

Sergio de Carvalho | Brasil | 2023, 91’, DCP (Vitrine Filmes)

Na periferia de Rio Branco, Acre, as vidas de três jovens amigos de infância se entrelaçam e, por fim, encontram-se em uma tragédia comum, em uma sociedade em transformação e impactada de forma violenta pela chegada do crime organizado do Sudeste do Brasil.

Adaptado a partir de um livro homônimo do diretor Sergio de Carvalho, Noites alienígenas se passa em uma Amazônia urbana em constante choque com a floresta e seus povos tradicionais. Não à toa, a primeira imagem do filme é a de uma jiboia que aparece como uma visão ou miração de um dos protagonistas:

“A imagem da jiboia já estava no livro também e representa o espírito ancestral, mas como o personagem vivia na cidade e pelo envolvimento com a mãe (Marta) que se tornou religiosa, Paulo lê esse símbolo como o diabo”, comenta o diretor em entrevista ao portal Mídia Ninja. “Então, ele se

assusta também com a miração e esse chamado da ancestralidade. Uma das camadas é essa dificuldade de leitura dos símbolos. Eu queria muito falar sobre a questão da perda da identidade da floresta e das consequências de se distanciar da sua identidade.”

“A chegada das facções é uma tragédia que está se aproximando das populações ribeirinhas, fazendo rota de tráfico pelos territórios indígenas, cooptando a comunidade dos povos da floresta. Já a cidade de Rio Branco apresenta esse paradoxo, de ser a meca da psicodelia e da experiência com a ayahuasca, trazendo gente do mundo inteiro em busca da espiritualidade e dessa medicina, e, ao mesmo tempo, tomada pela violência brutal contra a geração mais jovem que se espalha pelo estado.”

O filme teve sua estreia mundial em 2022, no Festival de Cinema de Gotemburgo, na Suécia, e estreia brasileira no mesmo ano, no 50º Festival de Cinema de Gramado, no qual recebeu os prêmios de Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Ator Coadjuvante, Prêmio da Crítica e menção honrosa pela construção do personagem do ator Adanilo Reis.

[Citações extraídas de: bit.ly/noitesali]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Para’í

Vinicius Toro | Brasil | 2018, 81’, DCP (Descoloniza Filmes)

Pará é uma menina Guarani que encontra por acaso um milho guarani tradicional que nunca havia visto. Encantada com a beleza de suas sementes coloridas, busca cultivá-lo. A partir de então, ela começa a questionar seu lugar no mundo: quem ela é, por que fala português e não guarani, por que é diferente dos colegas da escola, por que seu pai vai à igreja cristã, por que moram numa aldeia tão perto da cidade, por que seu povo luta por terra?

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

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Uýra − A retomada da floresta

Uýra, uma artista trans indígena, viaja pela Amazônia em uma jornada de autodescoberta, usando a arte performática para ensinar aos jovens indígenas que eles são os guardiões das mensagens ancestrais da Floresta Amazônica. Em um país que mata o maior número de jovens trans, indígenas e ambientalistas em todo o mundo, Uýra lidera um movimento crescente por meio das artes e da educação, ao mesmo tempo que promove a união e inspira os movimentos LGBTQIAP+ e ambientalistas no coração da Floresta Amazônica. As performances de Uýra se inspiram no ciclo ecológico que espelha as lutas sociais: a destruição do solo e a violência contra a vida, seguidas pelo ressurgimento de plantas jovens que germinam rapidamente e abrem caminho para um ecossistema renovado e mais forte.

“O diálogo, sincero e com respeito, é um caminho de cura para os mundos. Ou melhor, é a ponte para se construir outros mundos”, comenta Uýra em entrevista a Juliana Gusman. “O filme é um convite ao diálogo: apresenta as violências, forças e lutas em Brasil, para que o Brasil e os mundos conheçam de verdade as Amazônias. Eu poderia não querer diálogos, como já não quis. Há séculos os brancos adentram em nossos territórios e vidas, sem querer diálogo algum: só roubando, matando, nos escravizando ou apagando. Insisto no diálogo, quando também me autorizo a gravar o filme, e peço licença à minha gente pra isso, não para uma possível pacificação destes mun-

dos. Eles continuarão em guerras. Precisamos de diálogos, com gentes dos mundões, para garantir a proteção das florestas e ecologias onde habitamos, a da Amazônia. Precisamos de diálogo para nos contar da forma correta, para além dos estereótipos racistas que existem sobre nós, pessoas indígenas e LGBTQI+. É por meio dos diálogos que também acessamos estes espaços de valor econômico e simbólico, de onde historicamente somos excluídos. São nesses diálogos que provocamos curas antigas e profundamente presentes no agora, onde redemarcamos nossos saberes, culturas e valores. Carregamos infinitas vozes, muitas que nem são de gente.”

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/uyra]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

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Sessão especial

construída pela cor, mas é na verdade intensificada pelo movimento – a câmera está sempre em busca de seus objetos ou os está perseguindo, como um diabrete matreiro –, manifesta um corte que só faz reforçar a temporalidade circular da história. Circular não apenas pela repetição da fala da garçonete, conexão mais explícita com o eterno retorno, mas, sobretudo, pela demonstração de que todas as mudanças que marcam a história, e são muitas, nada mudam no estatuto desgraçado do homem.”

Amarelo manga

Cláudio Assis | Brasil | 2003, 100’, 35 mm (CTAv)

Guiados pela paixão, os personagens de Amarelo manga vão penetrando num universo feito de armadilhas e vinganças, de desejos irrealizáveis, da busca incessante da felicidade. O universo aqui é da vida-satélite e dos tipos que giram em torno de órbitas próprias, colorindo a vida de um amarelo hepático e pulsante. Não o amarelo do ouro, dos brilhos e das riquezas, mas o amarelo do embaçamento do dia a dia e do envelhecimento das coisas postas. Uma amarelo-manga, farto. O Recife serve de cenário para uma sucessão de curtas histórias: um açougueiro que ao mesmo tempo louva sua mulher evangélica e mantém a relação com uma amante; a fascinação de um necrófilo pela dona de um bar; e um homem que sonha em conquistar o amor do açougueiro. Sobre Amarelo manga, o crítico Alexandre Werneck escreveu para a revista Contracampo: “A visualidade do filme, que aparentemente é

Amarelo manga será exibido junto ao curta Texas Hotel, de Cláudio Assis. Ambos em cópias 35 mm.

[Texto na íntegra em: bit.ly/amaremanga]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Texas Hotel

Cláudio Assis | Brasil | 1999, 14’, 35 mm (CTAv)

O que acontece enquanto a vaca vai e vem. Texas Hotel será exibido junto ao longa Amarelo manga, de Cláudio Assis. Ambos em cópias 35 mm.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

40

Coutinho 90

Em 1984, Eduardo Coutinho, marcou profundamente a história do cinema de não ficção com o lançamento de Cabra marcado para morrer. O filme retomava um projeto acerca do assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira interrompido pela ditadura militar. Por onde passou, Coutinho tensionou os limites da representação e do assim chamado “documentário”: dirigindo episódios históricos do Globo Repórter, na produção em vídeo junto ao Cecip e na formulação de um “cinema do encontro” bastante único, a partir de Santo forte. Em 11 de maio deste ano, Coutinho completaria 90 anos. Em homenagem a sua trajetória, o Cinema do IMS exibe uma seleção de obras do cineasta ao longo do ano. Neste mês, nos debruçamos sobre um grande sucesso de bilheteria que teve Coutinho como um de seus roteiristas e no filme que Coutinho fez na tão esperada virada do século, ambos em cópias 35 mm.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Dona Flor e seus dois maridos

Bruno Barreto | Brasil | 1976, 117’, 35 mm (Biblioteca Nacional) Roteiro de Eduardo Coutinho, Bruno Barreto e Leopoldo Serran

Durante o carnaval de 1943 na Bahia, Vadinho (José Wilker), um mulherengo e jogador inveterado, morre repentinamente. Sua mulher, Dona Flor (Sônia Braga), fica inconsolável, pois, apesar de ter vários defeitos, ele era um excelente amante. Após algum tempo, ela se casa com Teodoro Madureira (Mauro Mendonça), um farmacêutico que é exatamente o oposto do primeiro marido. Ela passa a ter uma vida estável e tranquila, mas tediosa, e, de tanto “chamar” por Vadinho, um dia ele aparece nu na sua cama. Um pai de santo se prontifica a afastar o espírito de Vadinho, mas existe um problema: no fundo, Flor quer que ele fique, pois ela tem um forte desejo que precisa ser saciado.

No livro Sete faces de Eduardo Coutinho, o crítico e pesquisador Carlos Alberto Mattos

comenta: “O percurso de Coutinho é marcado ainda por várias curiosidades. Quando estudante de cinema em Paris, dirigiu uma peça de teatro (sua única vez na direção teatral), Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado. Atuou no filme Os mendigos, de Flávio Migliaccio, em 1963, quando reunia material para filmar Cabra. Seu primeiro longa-metragem foi uma comédia política, O homem que comprou o mundo (1967), em que também colaborou no argumento, fez o roteiro final e uma figuração. E foi corroteirista de vários filmes de ficção, entre eles Dona Flor e seus dois maridos (1976), antes de se embrenhar de vez no gênero em que ficou conhecido e respeitado como um dos maiores do mundo.”

Dona Flor e seus dois maridos tem o roteiro adaptado por Eduardo Coutinho, Bruno Barreto e Leopoldo Serran e é baseado no romance homônimo de Jorge Amado. Tendo levado mais de 10 milhões de espectadores aos cinemas, Dona Flor foi por 34 anos a maior bilheteria do cinema nacional, superado por Tropa de elite 2. Ainda hoje, o filme figura na lista das 10 maiores bilheterias brasileiras.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

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Babilônia 2000

Eduardo Coutinho | Brasil | 2000, 80’, 35 mm (Cinemateca do MAM)

No morro da Babilônia, no Rio, uma equipe de filmagem acompanha os preparativos para o réveillon e ouve os moradores sobre suas expectativas para o ano 2000.

Em seu blog, o crítico e pesquisador Carlos Alberto Mattos escreve: “Em Babilônia 2000, a dimensão ética de seus procedimentos comparece de maneira impressionante: o espaço para a ficção de si, para uma espécie de autofabulação sobre cada vida, está pulsando. O que ele perseguia era justamente ‘o teatro da vida’, a maneira ou saída que cada um encontra para endereçar sua fantasia ao outro, ao mundo. Ele diz: ‘Quero da pessoa o impulso de se construir enquanto está comigo, quero que ela construa um retrato de si mesma’. Para Coutinho, a presença da câmera funda uma ética e cria um espaço de enunciação que diverge de qualquer vontade de verdade filosófica ou matemática. Trata-se da maneira

mais aguda que cada sujeito toma sua ficção para si e a devolve ao mundo. E essa ética fundada pela câmera – terceiro elemento, mediação e revelação…”

[Texto completo em: bit.ly/coutinho2000]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Sessão Cinética

O paraíso proibido

Carlos Reichenbach | Brasil | 1981, 95’, DCP (Heco Produções)

Celso Félix é um radialista de sucesso, mas vê-se desiludido e aborrecido com a vida que tem. Decide abandonar a família e muda-se para uma cidade no litoral de São Paulo, onde arranja um trabalho fácil como locutor numa pequena rádio local e envolve-se com duas jovens mulheres. Celso quer a liberdade total, com o mínimo de compromisso, mas há forças constantes que o tentam arrancar dessa suposta tranquilidade. Afinal, o que é a felicidade?

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

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Grey Gardens

Albert Maysles, David Maysles, Ellen Hovde, Muffie Meyer | EUA | 1975, 94’

As Beales de Grey Gardens

Albert Maysles e David Maysles | EUA | 2006, 91’)

Em 1973, um escândalo tomou as manchetes dos jornais americanos. Alegando falta de condições sanitárias, as autoridades de East Hampton, um balneário de luxo a 160 quilômetros de Nova York, tentaram expulsar as duas moradoras de uma mansão à beira-mar. Elas viviam isoladas ali, em Grey Gardens, há mais de 20 anos, entre guaxinins, sujeira e mato. Notícia banal, não fossem elas Edith Bouvier Beale e sua filha de 56 anos, Edie, respectivamente tia e prima de Jacqueline Kennedy Onassis. Dois anos depois, Big Edie e Little Edie abriram as portas de Grey Gardens a Albert Maysles e David Maysles. Eles registraram a personalidade e os conflitos de mãe e filha, mulheres inteligentes e excêntricas.

Esta edição em DVD duplo inclui ainda As Beales de Grey Gardens, em que, passadas três décadas do lançamento de seu filme, os irmãos Maysles revisitam e apresentam parte das sobras de montagem.

Extras:

- Faixa comentada por Albert Maysles, Ellen Hovde, Muffie Meyer e Susan Froemke

- Entrevista de Albert Maysles a João Moreira

Salles (2006)

- Livreto com depoimentos de Albert Maysles, Susan Froemke e Ellen Hovde

Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras.

O futebol, de Sergio Oksman

O botão de pérola e Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán

Photo: Os grandes movimentos fotográficos

Homem comum, de Carlos Nader

Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes

Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho

A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos

Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman

Os dias com ele, de Maria Clara Escobar

A tristeza e a piedade, de Marcel Ophüls

Os três volumes da série Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual

La Luna, de Bernardo Bertolucci

Cerimônia de casamento, de Robert Altman

Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho

Vidas secas e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos

O emprego, de Ermanno Olmi

Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Cerimônia secreta, de Joseph Losey

As praias de Agnès, de Agnès Varda

A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch

Diário 1973-1983 e Diário revisitado 1990-1999, de David Perlov

Elena, de Petra Costa

A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo

Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper

Seis lições de desenho com William Kentridge

Sudoeste, de Eduardo Nunes

Shoah, de Claude Lanzmann

Memórias do subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea

E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade

Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja online do IMS: bit.ly/imsdvd.

43
coleção DVD | IMS

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Ana Clara da Costa e Adriano Brito

Os filmes de junho

O programa do mês tem o apoio do Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional, da Cinemateca do MAM, do CTAv, do CECIP, do ICAIC, do Eye Film Institut, da Mannus Franken Foundation, da UCLA Film and Television, das produtoras Divina Comédia, LC Barreto, Filmes do Serro e Acervo Heco Produções, da revista Cinética, das distribuidoras Array, Capu Seen, Descoloniza Filmes, Embaúba, Light Cone, Milestone Films, Olhar Distribuição, O2 Play, Tamasa Distribution, The Cinema Guild, VideoFilmes, Vitrine Filmes, Women Make Movies, Zeta Filmes e do projeto Sessão Vitrine. Agradecemos a Billy Woodberry, Isabel Carlos, Tatiana Carvalho Costa, Maria João Madeira, Haile Gerima, Alain Sembène, Rui Santos, Aaron Cutler e Mariana Shellard (Mutual Films), Francis Vogner dos Reis, Oga Mendonça, Fons Grasveld e Grasveld, Maria de Andrade, Luisa Lanna, Luis Fernando Moura, Victor Guimarães e Ana Carolina Antunes.

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.

Capacidade da sala: 145 lugares.

Meia-entrada

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

90

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito.

Confira as classificações indicativas no site do IMS.

44
apoio
Exibições Amarelo manga e Texas Hotel
Coutinho
apoio
Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto (Brasil | 1976, 117’, 35 mm)

Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h.

Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h.

Fechado às segundas.

Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

Entrada gratuita.

Avenida Paulista 2424

CEP 01310-300

Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120

imspaulista@ims.com.br

ims.com.br

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@imoreirasalles

@imoreirasalles

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Amarelo manga, de Cláudio Assis (Brasil | 2003, 100’, 35 mm)

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