cinema
nov.2023
Chic Show, Emílio Domingos e Felipe Giuntini (Brasil | 2023, 90’, DCP)
destaques de novembro 2023 No Mês da Consciência Negra, o Cinema do IMS Paulista exibe uma seleção de filmes que tiveram passagens tímidas pelas salas de cinema. É o caso do francês Saint Omer, de Alice Diop, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza de 2022, que não chegou a estrear comercialmente no Brasil, e Ar condicionado, de Fradique, da produtora angolana Geração 80. O curta-metragem colombiano Palenque explora a musicalidade do primeiro povoado das Américas a se libertar da dominação europeia, e Chic Show, documentário original Globoplay, traça a história da festa que marcou a sociabilidade negra em São Paulo. Entre baús voadores, fantásticos seres marinhos e sapos imbatíveis na luta livre, a Sessão Mutual Films reúne, em suas melhores cópias digitais, trabalhos de dois pioneiros do cinema de animação: a alemã Lotte Reiniger, realizadora do primeiro longa animado da história; e o nigerino Moustapha Alassane, primeiro cineasta a realizar filmes de animação no continente africano. Na mostra Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir, o retrato do período em que a escritora e ativista feminista, lésbica e negra Audre Lorde passou em Berlim, desde suas primeiras viagens até seus últimos meses de vida. O IMS Paulista é parceiro, pelo segundo ano consecutivo, do Ambiente de Mercado do Festival NICHO NOVEMBRO, voltado ao desenvolvimento profissional da comunidade negra no audiovisual, e recebe parte da programação de filmes do Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade. [imagem da capa] Samba, o grande (Samba le grand), de Moustapha Alassane (Níger | 1977, 14’, DCP) 1
Saint Omer (Saint Omer), de Alice Diop (França | 2022, 122’, DCP)
As aventuras do príncipe Achmed (Die Abenteueren des Prinzen Achmed), de Lotte Reiniger (Alemanha | 1926, 66’, DCP)
Audre Lorde – Os anos em Berlim de 1984 a 1992 (Audre Lorde – The Berlin Years 1984 to 1992), de Dagmar Schultz (Alemanha | 2012, 79’, Arquivo digital)
filmes em exibição Filmes em cartaz
Novembro Negro
Sessão Mutual Films
Adeus, Capitão Vincent Carelli e Tita | DCP
Ar condicionado Fradique | DCP Saint Omer (Saint Omer) Alice Diop | DCP Palenque (Palenque) Sebastián Pinzón Silva | DC Chic Show Emílio Domingos e Felipe Giuntini | DCP
Boa viagem, Sim (Bon voyage, Sim) Moustapha Alassane | DCP A mala voadora (Der fliegende Koffer) Lotte Reiniger | DCP Samba o grande (Samba le grand) Moustapha Alassane | DCP Kokoa (Kokoa) Moustapha Alassane | DCP O retorno de um aventureiro (Le Retour d'un aventurier) Moustapha Alassane | DCP A morte de Gandji (La Mort de Gandji) Moustapha Alassane | DCP As aventuras do Príncipe Achmed (Die Abenteuer des Prinzen Achmed) Lotte Reiniger | DCP
Estranha forma de vida (Extraña forma de vida) Pedro Almodóvar | DCP Marinheiro das montanhas Karim Aïnouz | DCP Cafi Lírio Ferreira e Natara Ney | DCP Incompatível com a vida Eliza Capai | DCP
A partir de agora, é possível assistir a alguns dos filmes em cartaz no Cinema do IMS com recursos de acessibilidade em Libras, legendas descritivas e audiodescrição. Para retirar o equipamento com recursos, consulte a bilheteria do IMS Paulista. Em caso de dúvidas, entrar em contato pelo telefone (11) 2842-9120 ou pelo e-mail imspaulista@ims.com.br. 2
Coutinho 90
47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
31º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade
Moscou Eduardo Coutinho | Arquivo digital
She Came to Me (She Came to Me) Rebecca Miller | DCP Tehachapi (Tehachapi) | JR | DCP O auge do humano 3 (El auge del humano 3) | Eduardo Williams | DCP O que Richard fez (What Richard Did) Lenny Abrahamson | DCP
A vida são dois dias Leonardo Mouramateus | DCP Todos morrem tentando fazer uma obra-prima | Gustavo von Ha | DCP Peixe abissal | Rafael Saar | DCP Atígônadá | Dora Longo Bahia | DCP M de mães | Lívia Perez | DCP Capim navalha | Michel Queiroz | DCP Telas | Leandro Goddinho | DCP Uma tarde pra tirar retrato André Sandino Costa | DCP Corpo presente Leonardo Barcelos | DCP Travessias (Travesías) Ana Graziela Aguiar | DCP Chega de saudade (No More Longing) Ana Graziela Aguiar | DCP Chokehole: lutadoras drag na Alemanha (Chokehole: Drag Wrestlers do Deutschland) | Yony Leyser | DCP A história de Ruth Brinker (The Ruth Brinker Story) Apo W. Bazidi | DCP
Cinedebate A troco de nada Patrick Granja | DCP
programação em mostra.org
Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir
Festival NICHO Novembro
Audre Lorde The Berlin Years 1984 to 1992 (Audre Lorde – The Berlin Years 1984 to 1992) | Dagmar Schultz | Arquivo digital 3
Ambiente de mercado
terça
quarta
quinta
1
2
14:00 16:00 17:50 20:20
7
15:00 17:00 19:00
14 16:00 19:00 21:00
Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82') Marinheiro das montanhas (98') Adeus, Capitão (178')
Festival Nicho Novembro Aceleradora Paradiso – Projeto Paradiso, com Josephine Bourgois Fireligh Media apresenta, com Loira Limbal e mediação de Laís Franklin
8
15:00 17:00 19:00
15
47ª Mostra de SP She Came to Me (102') Tehachapi (92') O auge do humano 3 (121') O que Richard fez (87')
Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82') Marinheiro das montanhas (98') Adeus, Capitão (178')
15:00
Adeus, Capitão (178')
19:00
31º Festival Mix Brasil: Antígônadá (120')
15:00 17:00 19:00
9
15:30 19:00
16 16:00 17:30 19:00
31º Festival Mix Brasil: M de Mães (87')
21:00
21
16:00 18:00 20:00
28
16:00 18:00 20:00
4
Cafi (76') Incompatível com a vida (92') Palenque + Ar condicionado (97')
Cafi (76') Incompatível com a vida (92') Moscou (78')
22
16:00 18:15 20:00
29
16:00 18:30 20:00
Incompatível com a vida (92') Sessão Mutual Films: "No reino dos sapos" (78') "As aventuras do príncipe Achmed" (72') sessões apresentadas por Mariana Shellard, Aaron Cutler e Fábio Yamaji Incompatível com a vida (92') "As aventuras do príncipe Achmed" (72') Chic Show (90')
23
16:00 19:00
30
16:00 18:00 19:45
Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82') Marinheiro das montanhas (98') Adeus, Capitão (178')
Adeus, Capitão (178') 31º Festival Mix Brasil A vida são dois dias (82')
Festival Nicho Novembro Quanta Escola e Nicho 54: formação e empregabilidade, com Ariane Breyton, Gabriel Ferreira e Gabriela Araujo Pré-lançamento Nicho Conecta Consulado-Geral da França em São Paulo apresenta, com Audrey Kamga e mediação de Laís Franklin 31º Festival Mix Brasil: Capim navalha (90') Incompatível com a vida (92') A troco de nada (73') seguido de debate com Thiago Amparo, Octávio Ferraz, Sandra Maria Gomes, Amanda Pimentel e Thaiza Pauluze
Cafi (76') "No reino dos sapos" (78') Saint Omer (122')
sexta 3
14:30 16:30 18:45 22:00
10
14:00 15:45 19:00 22:00
17
Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82') Marinheiro das montanhas (98') Adeus, Capitão (178') Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82') Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82') Adeus, Capitão (178') 31º Festival Mix Brasil: Todos morrem tentando fazer uma obra-prima (93') Marinheiro das montanhas (98')
14:00
Festival Nicho Novembro Pitching Show, vários convidados
19:00 21:00
31º Festival Mix Brasil Curtas QUEER.DOC (81') Uma tarde pra tirar retrato (42')
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14:00 16:00 18:00 20:00 22:00
Incompatível com a vida (92') Cafi (76') Incompatível com a vida (92') Audre Lorde – Os anos em Berlim de 1984 a 1992 (79') Cafi (76')
sábado
domingo
4
5
14:30 18:00 20:00 22:00
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18
15:00 17:00 19:00 21:00
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Adeus, Capitão (178') Chic Show (90') Marinheiro das montanhas (98') Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82')
Marinheiro das montanhas (98') Palenque + Ar condicionado (97') 31º Festival Mix Brasil: Telas (75') Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82')
Cafi (76') Incompatível com a vida (92') Audre Lorde – Os anos em Berlim de 1984 a 1992 (79') 31º Festival Mix Brasil: Corpo presente (79')
Festival ZUM Neste dia não haverá sessões de cinema
15:00 17:00 19:00
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19:00
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14:00 16:00 17:45
Estranha forma de vida + Entrevista com Pedro Almodóvar (82') Moscou (78') Adeus, Capitão (178')
31º Festival Mix Brasil: Peixe abissal (111')
Incompatível com a vida (92') Cafi (76') Saint Omer (122')
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Festival ZUM Neste dia não haverá sessões de cinema
Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br 5
Sessão Mutual Films As aventuras de Lotte Reiniger e Moustapha Alassane Curadoria e produção: Aaron Cutler e Mariana Shellard
Acredito mais na verdade dos contos de fadas do que na verdade dos jornais. Lotte Reiniger1 Eu estava estudando minhas lições uma noite. Enquanto movia a lâmpada, vi as sombras e pensei: “Isso é lindo!” As outras crianças eram meu público. Elas não conheciam o cinema, então vieram ver. Foi assim que tudo começou. Moustapha Alassane2
1. Citado (em inglês) no retrato documental Lotte
Reiniger: Homage to the Inventor of the Silhouette Film (1999), dirigido por Katja Raganelli.
2. Citado (em francês) no retrato documental
Moustapha Alassane, cinéaste du possible (2008),
dirigido por Christian Lelong e Maria Silvia Bazzoli. 6
Lotte Reiniger e Moustapha Alassane conheceram o cinema intuitivamente através do teatro de sombras. Quando crianças, ambos os diretores criaram seus próprios teatros, seus personagens e suas histórias. A alemã Reiniger (1899-1981) recortava silhuetas em papel já na infância, apresentando cenas das peças de Shakespeare com figuras que ela criava. O nigerino Alassane (1942-2015) utilizava bonecos e objetos como celofane para criar o que ele chamou de “sombras chinesas” com a lâmpada de seu pai, cobrando ingressos e alistando outras crianças como assistentes. Eles interpretavam para familiares, amigos e vizinhos, e, quando cresceram, não abandonaram o mundo de fantasias. Muito pelo contrário – mergulharam profundamente nele. Charlotte Reiniger nasceu em Berlim, filha de um executivo de banco, e estudou na primeira escola ao ar livre da Europa. Lá, ela descobriu a arte de Scherenschnitte, ou recortes em papel, e se debruçou no teatro de sombras alemão inspirado fortemente na tradição antiga chinesa de fantoches de silhueta. Quis ser atriz em um determinado momento e projetou seu desejo nas figuras que criou, que desde cedo ganharam destaque por seus movimentos fluidos e suas qualidades extraordinariamente emotivas, mesmo sem rostos visíveis.
Posteriormente, Reiniger estudou na escola de teatro do famoso diretor Max Reinhardt e conheceu o ator e cineasta Paul Wegener numa palestra que ele deu sobre as possibilidades do filme de animação. Interessada na capacidade do cinema de ir além de simples atos de teatralização, graças a mestres do fantástico como Georges Méliès, Reiniger começou a colaborar com Wegener, que a convidou para trabalhar nos intertítulos de seu filme O flautista de Hamelin (Der Rattenfänger von Hameln, 1918) e na realização de algumas cenas envolvendo ratos de madeira. Com o sucesso do filme, ela ingressou no Institut für Kulturforschung [Instituto de Pesquisa Cultural], um estúdio experimental de animação. Lá conheceu Bertolt Brecht, além de colaboradores futuros, como o animador Berthold Bartosch e o historiador de arte e cineasta Carl Koch, com quem Reiniger se casou em 1921. Ela encontrou o acolhimento do público já no primeiro filme que dirigiu, uma curta dança amorosa entre silhuetas chamada O enfeite do coração apaixonado (Das Ornament des verliebten Herzens, 1919), que ficou em cartaz por 40 semanas. Aceitou comissões para fazer filmes de propaganda inventivos e charmosos (por exemplo, para a marca Nivea), mas também realizou adaptações 7
de contos clássicos de histórias, como Cinderela (Aschenputtel, 1922) e O baú voador (Der fliegende Koffer, 1921), este sendo uma adaptação de uma fábula de Hans Christian Andersen ambientada na China em um passado distante. Os movimentos elegantes dos personagens sobre paisagens desenhadas com delicadeza e simplicidade mais uma vez demostraram a grande inspiração que ela tinha na arte do extremo oriente. Louis Hagen, um banqueiro alemão que conhecia o trabalho de Reiniger, propôs à jovem cineasta a realização de um longa-metragem de animação. Seria um feito inédito para a época e, sem resistir à tentação, Reiniger começou a produção de As aventuras do príncipe Achmed (Die Abenteuer des Prinzen Achmed, 1926), baseado em histórias do livro As mil e uma noites (uma coletânea de contos do século IX que chegou aos leitores europeus através da tradução francesa do árabe feita por Antoine Galland em 1704). Era o início da década de 1920, e a cultura oriental ocupava grande fascinação na imaginação popular da República de Weimar, onde uma identidade alemã estava sendo reconstituída após sofrer os danos da Primeira Guerra Mundial. Reiniger montou uma equipe formada por Carl Koch na direção de fotografia, Alexander
Kardan e Walter Türck como assistentes, Berthold Bartosch nos desenhos de plano de fundo e Walter Ruttmann nos efeitos especiais. Por três anos, eles trabalharam em um estúdio na garagem de Hagen, onde montaram uma estrutura para fotografar os gestos das figuras de silhueta, que consistia em um andaime de madeira com dois níveis para as lâminas de vidro, uma para o plano de fundo e outra para a ação. Acima das lâminas, a câmera e, sobre elas, a mesa de luz. Na época, tanto Bartosch como Ruttmann já eram importantes artistas da cena experimental berlinense, o que causou uma certa timidez em Reiniger. Em determinado momento, Ruttmann (que logo deixaria o cinema de animação para o cinema documental) a questionou sobre a relevância para o ano de 1923 de criar uma animação baseada em conto de fadas. Reiniger respondeu: “Nenhuma, e por que deve ter? Estou viva agora, e é o que quero fazer, já que tenho a chance, então naturalmente o farei.”3 3. Citado em um artigo escrito em 2021 por
Ro b e r t H a n ks c h a m a d o “ T h e Fa b u l o u s
Films of Lotte Reiniger”. Disponível em inglês
através do link www.apollo-magazine.com/ lotte-reiniger-silhouette-films/.
8
Para Reiniger, o poder da imaginação era o tema mais urgente do momento. As aventuras do príncipe Achmed foi concluído no mesmo período de Fausto (Faust – Eine deutsche Volkssage, 1926), de F. W. Murnau, e Metrópolis (Metropolis, 1927), de Fritz Lang, e, à sua maneira, foi tão épico e inovador quanto essas grandes produções do Expressionismo alemão. Porém, levou um tempo para ganhar seu devido reconhecimento. O filme teve sua estreia comercial apenas no ano seguinte, em Paris, onde obteve grande sucesso, assim como em quase toda a Europa. Um de seus admiradores mais apaixonados foi o cineasta francês Jean Renoir, que falou anos depois sobre Reiniger: “Ela nasceu com mãos mágicas”.4 Reiniger e Koch continuaram a produzir filmes curtos de animação na Alemanha na sua Tricktisch [mesa de truques] até 1933, quando decidiram sair do país devido às restrições impostas pelo Partido Nazista. O casal recebeu a ajuda de Renoir, que lhes deu trabalho em Paris. Koch foi assistente 4. Citado em inglês no presskit de As aventuras do
príncipe Achmed preparado pela distribuidora norte-americana Milestone Films, que está dispo-
nível para leitura através do link bit.ly/achmedims. 9
de direção no clássico antibélico francês A grande ilusão (La Grande illusion, 1937) e contribuiu para os roteiros de A regra do jogo (La Règle du jeu, 1939) e A marselhesa (La Marseillaise, 1938), este último sendo um filme de época sobre a Revolução Francesa para o qual Reiniger criou uma sequência de teatro de sombras. Em 1939, Renoir e Koch começaram a trabalhar em uma adaptação para o cinema da ópera Tosca (1900), na Itália, porém Renoir teve que abandonar o projeto quando o país entrou em guerra com a França. Koch terminou o filme em 1941 com a assistência de Luchino Visconti, com quem ele e Reiniger moraram até 1944, quando voltaram para a abalada Alemanha para cuidar da mãe adoecida de Reiniger. Eles permaneceram no país até 1949, e depois emigraram definitivamente para a Inglaterra. O negativo original de Príncipe Achmed foi destruído na Batalha de Berlim, em 1945, e diversos trabalhos de Reiniger tiveram que ser deixados na Alemanha. Junto com o casal, emigrou para a Inglaterra um integrante da equipe de produção de As aventuras do príncipe Achmed, Louis Hagen Jr. O filho do banqueiro tinha uma lembrança viva e fantástica das filmagens realizadas em sua casa quando era criança, e isso o levou a embarcar em
uma nova aventura, na criação da produtora Primrose Productions na década de 1950, que realizou os mais de 15 filmes ingleses feitos por Reiniger até a morte de Carl Koch, em 1963. Esses filmes incluíram novas versões de alguns dos contos de fadas produzidos na Alemanha e até histórias sobre personagens como Aladim e o Califa com episódios recriados de Príncipe Achmed. Reiniger trabalhou com as mesmas técnicas básicas de animação em silhueta desenvolvidas na década de 1920 e com o prazer de se comunicar com um público infantil. Nas palavras de Hagen Jr., “Lotte tinha facilidade para lidar com crianças, as quais ela nunca menosprezava. Brincava com elas como se fossem iguais. Ela tinha o entusiasmo e a imaginação de uma criança e a crença no bem.”5 Um dos últimos projetos de Moustapha Alassane foi o desenvolvimento de um software com sua trupe de bichos para ensinar crianças a criarem suas próprias animações. O pioneiro da animação no Níger viveu toda a história do cinema, da lanterna mágica ao digital, e trabalhou até o fim de sua vida 5. Encontrado em alemão no site oficial de Primrose
Productions e Lotte Reiniger: www.lottereiniger.de/ lotte_reiniger/portrait.php.
inventando novas formas de criar e tornar o cinema acessível para o público. Essa tendência de Alassane levou o cineasta e historiador do cinema africano Paulin Soumanou Vieyra, já na década de 1970, a chamá-lo de “o Méliès africano”.6 Alassane nasceu em 1942, filho de um rico comerciante Iorubá na então colônia francesa de Benim. Se mudou com sua família em 1953 para a também colônia de Níger, que se tornou um estado autônomo em 1958 e ganhou independência da França em 1960. Na adolescência, Alassane já alistava seus colegas como assistentes na encenação do teatro de sombras, com o qual todos ficavam fascinados. Quando percebeu que um deles estava roubando seus truques para fazer suas próprias performances, Alassane entendeu que tinha de achar outras técnicas. Falou posteriormente que “foi assim que eu pensei em fazer a mesma coisa, porém, em cores”.7
6. Citado no estudo importante de Soumanou Vieyra Le Cinéma africain des origins à 1973, publicado originalmente em 1975.
7. Citado no filme Moustapha Alassane, cinéaste du possible.
10
Ele se formou como engenheiro mecânico e conseguiu um trabalho na ala nigerina do Ifan (Instituto da África Negra), uma entidade governamental para o desenvolvimento científico e cultural presente nos países da ex-África Ocidental Francesa. O espaço era localizado na capital Niamei e coordenado pelo cineasta e antropólogo francês Jean Rouch, que estava trabalhando fazia quase duas décadas no Níger e em países vizinhos, como Gana e Costa do Marfim, onde realizou filmes importantes, como Eu, um negro (Moi, um noir, 1958), que misturavam ficção e documentário ao retratar a realidade interior das vidas locais. Rouch reconheceu e apoiou o talento de Alassane, que em 1962 dirigiu dois filmes em 16 mm, um ano antes da realização do curta-metragem O carroceiro (Borom sarret, 1963), do senegalês Ousmane Sembène, que é geralmente tido como o primeiro filme de ficção da África pós-colonial dirigido por um cineasta nativo. O média-metragem Aouré (1962) narra o desenvolvimento da relação de um jovem casal no vale do rio Níger, do namoro até o início da vida de casados. O curta O anel do Rei Koda (Le Bague du Roi Koda, 1962) recria a lenda do povo Djerma sobre um rei que desafia a lealdade de um casal ao enviar o marido
para fora da aldeia com um anel que deve salvaguardar por um ano. Os dois filmes compartilham um estilo híbrido fluido, no qual atores não profissionais desempenham versões de si mesmos para a câmera de Alassane, somado ao calor humano e espírito de generosidade que marcou toda a filmografia do diretor. No mesmo ano de 1962, Alassane conheceu o cineasta quebequense Claude Jutra durante uma visita que ele fez ao Ifan através de Rouch. Jutra tinha codirigido com o animador escocês Norman McLaren o curta-metragem em stop-motion A Chairy Tale (1957) e, após descobrir que Alassane tinha um dom para o desenho além de seus talentos com a câmera, o ajudou a conseguir uma bolsa para estudar com McLaren no Escritório Nacional de Cinema do Canadá. No Canadá, Alassane fez o curta-metragem de animação A morte de Gandji (La Mort du Gandji, 1965), uma singela fábula sobre a jornada de uma aldeia para se livrar de um monstro, que hoje é considerado o primeiro filme de animação realizado por um cineasta da África independente. Ele criou sua animação subsequente durante uma estadia na França, o satírico retrato da viagem diplomática do líder de uma república moderna para outra, Boa viagem, Sim
(Bon voyage, Sim, 1966). Nos dois filmes, Alassane utilizou sapos como seus protagonistas, que de forma lúdica e engraçada reproduziam movimentos humanos. Ele valorizou esses anfíbios, que apareciam em sua região natal durante apenas uma parte do ano, por seu caráter inofensivo e sua inocência aparente.8 Após voltar para o Níger, Alassane afirmou sua importância como parte de um grupo de jovens cineastas nigerinos que procuraram usar a arte para gerar reflexão e engajamento do público local, entre eles Djingarey Abdoulaye Maïga, Inoussa Ousseini e Oumarou Ganda.9 Embora tenha sido o único animador do grupo, Alassane percebeu que 8. A informação é tirada de um depoimento de Razak Moustapha (filho de Moustapha Alassane) que foi realizado por e-mail em setembro de 2023.
9. Esse primeiro momento do cinema nigerino pós-colonização é bem descrito no artigo
“Moustapha Alassane e o fazer cinematográfico”
(bit.ly/malassane1), de Cristina dos Santos Ferreira. A tese de doutorado da autora brasileira, intitu-
lada Bricolagem e magia das imagens em movi-
mento: o cinema de Moustapha Alassane, pode ser encontrada através do link bit.ly/malassane2. 11
o trabalho com animação exigia recursos em demasiado, o que o estimulou a retomar os filmes com atores. Na sátira de média-metragem O retorno de um aventureiro (Le Retour d’um aventurier, 1966), ele escalou Maïga no papel de Jimmy, um jovem africano que passa anos nos Estados Unidos e retorna à sua aldeia com roupas de cowboy de presente para seus amigos. Os membros da gangue, agora com nomes como John Kelly, Cooper Negro e Rainha Christine, incorporam o comportamento violento estereotipado dos filmes de faroeste, em uma brincadeira de teatro que precisa ser apaziguada pelos líderes comunitários do povoado. Maïga também protagonizou Mulheres, carros, vilas, dinheiro (F.V.V.A., 1972), primeiro longa-metragem de Alassane, uma comédia sobre um jovem funcionário de banco em busca da vida fácil. Com a ajuda de um feiticeiro charlatão, ele ganha uma mansão, um carro novo, a segunda esposa e dinheiro “emprestado” do seu local de trabalho. A narrativa se desdobra em meio a cenas documentais da vida social no Níger contemporâneo, que percebe o progresso através da busca por bens materiais. Com o apoio de fundos alemães, Alassane conseguiu fazer seu segundo e último longa-metragem logo em seguida, o belíssimo e lírico Toula ou O gênio das águas (Toula ou Le Génie des eaux,
1973, codirigido com Anna Soehring), inspirado em um conto tradicional local sobre um povoado que vive uma seca implacável e precisa sacrificar a vida de uma jovem da comunidade para acalmar a ira dos deuses. O filme inicia no presente com um controlador de tráfego aéreo que se desloca da área urbana para a rural e encontra um velho sábio que critica a abordagem intervencionista da ciência antes de contar a trágica história. Alassane retomou a animação dentro da estrutura da Universidade de Niamei, onde ele dirigiu o Departamento de Cinema por um total de 15 anos. Samba, o grande (Samba le grand, 1977), um de seus filmes mais celebrados, é um curta-metragem híbrido de desenho e stop-motion baseado em um conto local oral sobre a saga de um valente guerreiro e seu griot companheiro para conquistar o coração de uma rainha infeliz. O primeiro filme de animação africano inteiramente colorido conta com narração de Jean Rouch (com quem Alassane manteve uma relação de amizade até a morte do francês, em 2004) e explora a construção de figuras míticas através de delicados bonecos de tecido. Apesar de prolífico no início de sua carreira cinematográfica, os recursos nacionais disponíveis para Alassane e outros cineastas
nigerinos logo diminuíram. Ele se sentiu frustrado não apenas com a falta de fundos para fazer seus filmes, mas também, com a distribuição limitada (e muitas vezes inexistente) no continente africano. Já nos anos 1970, ele criou um cinema ambulante para projetar seus filmes junto a clássicos estrangeiros que amava desde a juventude, entre eles Ben-Hur (1959), Ladrões de bicicleta (Ladri di Biciclette, 1948) e Onde começa o inferno (Rio Bravo, 1959). Viajou com sua caravana por todo o Níger e, na cidade de Tahoua, conheceu sua terceira esposa e decidiu se fixar. Construiu um cinema a céu aberto e um hotel, este último lhe garantiu a independência financeira. Alassane também criou um estúdio em Tahoua onde ensinava para crianças a arte da animação e, ao longo dos anos, guardou materiais como lã e madeira para construir seus personagens. Voltou aos sapos diversas vezes, por exemplo, no brilhante e bem recebido curta de animação stop-motion Kokoa (2001), que apresenta um estilo de luta popular no Níger com animais no lugar de pessoas. O cineasta faleceu em 2015, após ser homenageado no Festival Internacional de Cinema de Roterdã e em outros eventos ao redor do mundo. As retrospectivas se 12
ampliaram nos anos após sua morte, inclusive com restaurações de O retorno de um aventureiro e Samba, o grande que foram realizadas em 2019.10 Seu acervo ficou aos cuidados de seu filho, Razak Moustapha, que trabalhou com ele em seus últimos projetos. No final de sua vida, Alassane havia realizado em torno de 30 filmes entre animação e live-action, um número que não pode ser dado com precisão devido ao seu perfil de incansável criador. Lotte Reiniger faleceu mais de três décadas antes de Alassane, e fez seu último filme – o breve As quatro estações (Die vier Jahreszeiten, 1980) – sob curiosas circunstâncias.11 O diretor do Museu de Cinema de Düsseldorf entrou em contato 10. O texto “Moustapha Alassane, a Retrospective of
an Adventurer”, de 2022, sobre a organização de
uma retrospectiva norte-americana dos filmes de Alassane que resultou na restauração de Samba, o grande, foi escrito pela curadora e organiza-
dora cultural francesa Amélie Garin-Davet e pode ser encontrado em inglês através do link bit.ly/ malassane3.
11. Essa história é recontada no filme Lotte Reiniger: Homage to the Inventor of the Silhouette Film.
com a então octogenária cineasta, ainda baseada em Londres. Ele negociou com ela a venda de sua mesa de animação para a coleção do museu e, ao perceber a tristeza de Reiniger em reconhecer o fim definitivo de sua carreira, a convidou para participar de uma exposição por 10 dias com a nova aquisição. Reiniger chegou no museu em seu país natal e se deparou com um grande público. Ela se sentou à mesa, bateu palmas e falou: “Certo, vamos trabalhar”. A Sessão Mutual Films de novembro de 2023 é dedicada às memórias dos cineastas Raoul Servais e Terence Davies e da curadora e professora de cinema Bérénice Reynaud.
Cinedebate A troco de nada Novembro Negro e reparação estatal das vítimas de violência policial Barbara Santos e Octávio Ferraz
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O documentário A troco de nada mergulha nas entranhas da violência de Estado que assola as favelas do Rio de Janeiro. No Brasil, em 2021, 1.084 vidas foram perdidas, conforme dados oficiais. Esse longa-metragem é mais do que um registro cinematográfico; é uma narrativa de resistência e um chamado à reflexão sobre a inegável crise de direitos humanos que se desenrola diariamente nas favelas do Rio. O filme amplifica a voz das mães que perderam seus filhos devido à brutalidade policial, destacando a tragédia da chacina do Jacarezinho, que ceifou 29 vidas em junho de 2022. Além disso, o documentário reúne um rico acervo do jornalista Patrick Granja, produzido durante 10 anos de documentação em vídeo de episódios de violações de direitos humanos cometidas pelo Estado nas favelas do Rio de Janeiro. O filme A troco de nada é fruto do projeto de pesquisa Race and Rights (R&Rs) da Transnational Law Institute (TLI) do King’s College de Londres, que tem como foco a investigação da relação entre direitos e raça, em especial nas comunidades negras, indígenas e ribeirinhas da Amazônia. Essas comunidades historicamente enfrentam desigualdades em direitos e sofrem de forma desproporcional com a violência estatal.
O projeto Race and Rights analisa o Direito e a Justiça como fontes ambíguas que, simultaneamente, produzem proteção e vulnerabilidade. A parceria entre a TLI e o Núcleo de Justiça Racial e Direito (FGV SP) não se limita ao documentário, mas estende-se à pesquisa que investiga o papel do Ministério Público e do Poder Judiciário na alarmante baixa taxa de responsabilização de policiais envolvidos em homicídios durante operações. O Cinedebate A exibição de A troco de nada é mais do que um evento cinematográfico. É um cinedebate que representa um espaço crucial de diálogo e reflexão sobre questões de justiça racial e direitos humanos. Os convidados que participarão desse evento trazem uma riqueza de perspectivas e conhecimentos que vão desde o acadêmico até o vivencial. A mesa será composta pela pesquisadora de raça e segurança pública Amanda Pimentel (FGV), o professor Thiago Amparo (FGV), o professor Octávio Ferraz (King’s College London), a mãe Sandra Maria Gomes e a mediadora Thaiza Pauluze, da GloboNews, compondo um painel diversificado que proporcionará uma análise profunda do filme e das questões que ele
levanta. Essas vozes coletivas irão explorar não apenas os eventos retratados no filme, mas também as implicações sistêmicas da violência policial nas favelas e as respostas possíveis para essa crise. Novembro Negro e a reparação estatal A realização desse evento no Mês da Consciência Negra acrescenta uma dimensão significativa. Novembro é um mês dedicado à reflexão sobre a história 14
e as contribuições da comunidade negra, bem como à conscientização sobre as lutas e os desafios contínuos que ela enfrenta. O cinedebate é uma contribuição valiosa para essa celebração, uma oportunidade para aprofundar o entendimento das complexidades das questões raciais e dos direitos humanos no Brasil. Em resumo, A troco de nada não é apenas um documentário, mas uma ferramenta poderosa para a conscientização e a ação. O cinedebate é um fórum de discussão e
análise crítica, enriquecido pela colaboração entre o King’s College e o Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV Direito SP, e iluminado pelas vozes dos participantes, que trarão suas experiências, seus conhecimentos e suas perspectivas. Esse evento é um passo essencial para um Brasil mais inclusivo e justo, um Brasil onde a violência não seja “a troco de nada”, mas a justiça racial e a proteção dos direitos humanos sejam uma realidade para todos.
47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Em cartaz
Entre 19 de outubro e 1 de novembro, o IMS Paulista recebe uma seleção de filmes da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – um apanhado do que o cinema contemporâneo mundial tem produzido, apresentando tendências temáticas, narrativas e estéticas, além de retrospectivas e homenagens. Ingressos, horários e mais informações estarão disponíveis em: mostra.org.
Adeus, Capitão
Vincent Carelli e Tita | Brasil | 2022, 178’, DCP (Papo Amarelo)
Krohokrenhum, chefe do povo indígena Gavião, conta às netas a sua história. Das guerras entre os “índios valentes” ao contato com o “homem branco”, da devastação do contágio ao fim do mundo Gavião, Krohokrenhum encabeça um movimento para reconstruir a memória do seu povo, acompanhado por Vincent Carelli desde as primeiras câmeras em VHS. Concluído após a morte do Capitão, o filme é a devolução póstuma desses registros à comunidade Gavião. Krohokrenhum deixa a sua sombra e dirige as novas gerações num canto individual. “Minha referência quando faço um filme está sempre nos povos indígenas, sempre me perguntando ‘o que posso dizer’, ‘como devo dizer’”, comenta Carelli em entrevista ao portal Cineset. “Eles são o meu primeiro público. Adeus, Capitão 15
é um filme devolução. A decisão de ter três horas de duração é porque cada momento histórico daquele povo é importante.” “Quando eu mostrei a câmera e a experiência com os Nambikwara – que, ao produzirem as suas novas imagens, resolveram fazer a furação do beiço, uma tradição então abandonada – o Krohokrenhum viu nisso o caminho para a reconstrução da memória de seu povo. Durante 10 anos, fui o cinegrafista dele para realizar registros dos cantos inteiros, da historiografia, das narrativas, das festas. Trata-se de um arquivo de memória.” “Antes dele morrer por conta de uma tuberculose terminal, ele falou para a filha: ‘Liga para o Vincent’. Entendi o recado na hora: peguei um avião e fui para o Pará. Filmei a morte dele, o enterro, o fim do luto um ano depois, fazendo esta devolução agora. Era um compromisso nosso. Logo, Adeus, Capitão é, antes de tudo, um filme para o povo Gavião, uma devolutiva construída a pedido do Capitão.” [Íntegra da entrevista em: bit.ly/capitaoims] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Cafi
Natara Ney e Lírio Ferreira | Brasil | 2021, 76’, DCP (ArtHouse) Durante mais de 40 anos, o fotógrafo recifense Carlos Filho, o Cafi, se dedicou a registrar grande parte dos acontecimentos da dança, teatro e da música popular brasileira. Gravações, shows, turnês e ensaios de importantes artistas passaram pelas lentes de Cafi. Tudo registrado de maneira intimista e poética. Cafi também assinou imagens que ilustram mais de 300 capas de discos e encartes, como a icônica capa das duas crianças de Clube da esquina, ou dos tênis de Lô Borges. O documentário de Natara Ney e Lírio Ferreira retoma essa trajetória a partir de extenso material de arquivo, conversas com Cafi, morto em 2019, e personalidades, como José Celso Martinez Corrêa, Deborah Colker, Lô Borges, Alceu Valença e Jards Macalé. Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia). 16
Estranha forma de vida
Extraña forma de vida Pedro Almodóvar | Espanha | 2023, 82’, DCP (O2 Play)
Na primeira cena do novo média-metragem de Almodóvar, Caetano Veloso entoa o fado homônimo de Amália Rodrigues. “Que estranha forma de vida/ Tem este meu coração”. No filme, dois ex-pistoleiros de aluguel no Velho Oeste, interpretados por Ethan Hawke e Pedro Pascal se reencontram depois de trabalharem juntos há mais de 25 anos. Entre crimes e uma forte tensão sexual, logo fica claro que o motivo do reencontro não é estritamente amigável ou coincidente. Como em seu recente longa-metragem Dor e glória, Almodóvar retrata o reencontro de dois homens maduros que viveram uma paixão de juventude. Em entrevista à Radiotelevisión Española, ele comenta: “Achei mais atraente, por-
que já havia feito isso [o encontro amoroso entre homens] de outras idades. E não há muitos filmes que falem sobre o desejo entre homens maduros. Praticamente nus, neste caso, porque eles estão levantando da cama, mas acima de tudo estão desnudos da palavra do que acabou de acontecer entre eles. Foi isso que me atraiu: dois velhos cowboys em um gênero tão masculino e dando voz a uma situação que nunca vi nesse gênero. Exceto em Johnny Guitar (Nicholas Ray, 1954), que é uma exceção, é um gênero masculino. Acho que há um grande espaço a ser investigado que tem a ver justamente com o desejo desses homens.” O filme estreou na edição deste ano do Festival de Cannes e tem figurino da Saint Laurent Productions, nova divisão cinematográfica da casa Yves Saint Laurent. Após o filme, será exibida uma entrevista de cerca de 50 minutos com Almodóvar produzida exclusivamente para a exibição nos cinemas. [Íntegra da entrevista, em espanhol: bit.ly/ extrañaIMS] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Incompatível com a vida
Eliza Capai | Brasil | 2023, 94’, DCP (Descoloniza Filmes) A partir da experiência pessoal de uma gravidez diagnosticada com uma malformação fetal incompatível com a vida, a diretora Eliza Capai conversa com outras mulheres que passaram por situação semelhante no Brasil, criando um coral de vozes que refletem sobre temas como vida, morte, luto e políticas públicas. “Eu trabalho com o tema de gênero desde antes de conhecer a palavra gênero”, declara a diretora ao podcast Pauta Pública. “Trato do feminino há muito tempo, desde o começo da minha carreira, há uns 20 anos. Em geral, isso significa falar da vida alheia, de questões de outras mulheres que partiam muito de um lugar de um sofrimento ou de uma violência que eu não consigo aceitar como normais. E falar sobre isso é discutir essas questões e tentar transformá-las de alguma forma. E foi a primeira vez que eu me vi em uma situação que eu disse: ‘Cara, isso precisa ser falado. Esse 17
tema que eu estou vivendo precisa ser falado.’ E esse momento veio quando eu tinha acabado de me mudar pra Portugal, eu estava no quarto mês de gravidez, eu tava muito feliz de estar grávida. Era minha primeira gravidez, uma gravidez absolutamente desejada, e eu tive um diagnóstico num ultrassom morfológico que fui fazer de que o feto, de que meu filho, era incompatível com a vida. E aquilo me levou pra um lugar emocional horroroso, muito dolorido. Eu não pensei que pudesse doer tanto a perda de alguém que naquele momento era um cotoquinho, era muito pequenininho medindo em centímetros, mas que já ocupava o resto da minha vida num lugar dos sonhos. [...] Se a gente pensa que 30% das gravidezes terminam em aborto espontâneo, são muitas pessoas que passam por isso. E aí tinha um outro lado, que eu tava em Portugal. [...] Uma junta médica se reuniu e me aconselhou a interrupção da gravidez. Afinal, era um feto que ou eu poderia perder na minha barriga ou ele teria uma vida muito breve e provavelmente inteira de muito sofrimento. Jamais conseguiria ter o que eu considero ser uma vida. [...] Naquele momento, eu fui atravessada e eu falei: ‘Se eu não tiver a coragem de me expor enquanto corpo, eu não sei mais se eu vou ter o direito de expor outras mulheres em momentos viscerais como esse’. Então foi um sentimento que eu nunca tinha tido, que era quase uma missão. Eu preciso falar como esse lugar é horroroso emocionalmente. Da perda, de saber que seu filho desejado não vai sobreviver. E falar desse lugar que é o aborto. De uma forma que eu acho que reverte um pouco o debate tão raso e tão pobre que a gente tem nesse país, que é um debate de ‘ai, devia ter pensado antes de fazer’, que não con-
diz com a realidade das mulheres. Então eu e meu atual companheiro, o João Pina, que é fotógrafo e fotojornalista, a gente entrou muito nesse debate de ‘nossa, a gente tá acostumado a documentar a dor dos outros como se nada pudesse nos acontecer. Então vamos fazer o que a gente sabe fazer, que é documentar e depois a gente vê o que faz com isso.’” “Somos muitas que abortamos. Só que a maioria não pode fazer o que eu fiz, que é contar em público isso. E esse sofrimento se torna muito maior. Então eu acho que a gente precisa falar sobre o assunto e se expor. Porque em geral é quando a gente se expõe que o outro se permite se expor também, e a gente consegue falar sobre o tema em si e não sobre o julgamento do tema.” Em 2023, o filme de Eliza Capai foi vencedor da Competição Brasileira de Longas e MédiasMetragens do Festival É Tudo Verdade. [Íntegra da entrevista: bit.ly/imcompativelims] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Novembro Negro
Marinheiro das montanhas
Karim Aïnouz | Brasil, França, Alemanha | 2021, 98’, DCP (Gullane)
Marinheiro das montanhas é um diário de viagem filmado na primeira ida de Karim Aïnouz à Argélia, país em que seu pai nasceu. Entre registros da viagem, filmagens caseiras, fotografias de família, arquivos históricos e trechos de super-8, o longa opera uma costura entre a história de amor dos pais do diretor, a Guerra de Independência Argelina, memórias de infância e os contrastes entre Cabília, uma região montanhosa no norte da Argélia, e Fortaleza, cidade natal de Karim e de sua mãe, Iracema. “Esse é um filme evidentemente muito pessoal”, comenta Karim em entrevista a Patricia Moribe para a agência de notícias RFI por ocasião da exibição do filme no Festival de Cannes, em 2021. “Mas o maior desafio foi como tornar essa histó18
ria relevante pro mundo. Porque eu podia ter feito algo num caderno, num álbum, guardado na minha gaveta e continuado no meu arquivo pessoal, mas o que foi importante pra mim foi um pouco falar de como as nossas vidas hoje, como as vidas dos nossos pais, da geração que eu venho, desses lugares de onde eles saíram, são tão marcadas por experiências coloniais e pós-coloniais. Isso pra mim que foi muito bonito de entender, que meus pais se encontraram porque houve uma revolução na Argélia, uma guerra de independência colonial, que fez com que meu pai fosse para os EUA, que ele encontrasse a minha mãe, que era uma mulher que tava saindo do Brasil, o que era muito raro naquela época. [...] Pra mim foi um pouco uma maneira de falar da história e de uma história tão importante e tão pouco falada, dessas histórias cruzadas, mesmo que não fosse através de um livro de história, mas que fosse através de um poema.” Na mesma viagem em que rodou Marinheiro das montanhas, Karim Aïnouz foi surpreendido por grandes manifestações de rua que aconteciam na Argélia naquele momento. Filmando essas manifestações, fez o longa Nardjès A. [Íntegra da entrevista: bit.ly/marinheiroims] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Neste Mês da Consciência Negra, o Cinema do IMS convida seu público a assistir em tela de cinema uma singela seleção de filmes – muito pouco exibidos em sala escura – em que o ritmo, a musicalidade e a voz têm um papel fundamental. Seja o ritmo da soul music, que reuniu milhares de pessoas negras nos bailes da Chic Show, em São Paulo; a sonoridade de uma Luanda barulhenta fabulada em Ar condicionado, de Fradique; o som desconcertante da voz de uma mulher negra nos tribunais parisienses, que levaria Alice Diop a filmar Saint Omer; ou a música de Palenque, que levou Sebastián Pinzón ao primeiro povoado livre do domínio europeu nas Américas. A essa programação que reúne criadores e temáticas negras, se somam outros destaques do mês, como o registro das visitas de Audre Lorde a Berlim nos anos finais de sua vida, exibido como parte da mostra Arquivos, vídeos e feminismos; o trabalho pioneiro e generoso em animação de Moustapha Alassane, parte da Sessão Mutual Films; o registro que a cineasta Natara Ney, junto a Lírio Ferreira, faz do fotógrafo branco Cafi, responsável por capas de discos memoráveis, como os dois meninos em Clube da esquina (1972); e a incontornável discussão da violência policial a partir do documentário A troco de nada, realizada em parceria com o King’s College e o Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV. Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Ar condicionado
Fradique | Angola | 2020, 72’, DCP (Geração 80) Quando os aparelhos de ar-condicionado começam misteriosamente a cair dos apartamentos na extremamente quente cidade de Luanda, o guarda Matacedo e a empregada doméstica Zezinha têm a missão de recuperar o aparelho do chefe. Essa busca leva-os à loja de materiais elétricos do Kota Mino, que trabalha em segredo em uma complexa máquina de recuperar memórias. Ar condicionado é o primeira longa-metragem de ficção da produtora Geração 80 e teve sua estreia mundial no festival de Roterdã em 2020. Em entrevista ao portal Papo de Cinema, o cineasta Fradique comenta: “Acredito que o realismo mágico ajuda as pessoas a entrarem melhor nesse mundo. Temos uma tradição muito grande quanto a ele na literatura angolana, vide Pepetela, José Eduardo Agualusa e o José Luis Mendonça, escritor que admiro bastante. Aliás, quero muito fazer um filme baseado 19
num livro dele. Há sempre uma dúvida quando o realismo mágico surge: é possível que aquelas coisas tenham acontecido? Essa incerteza me encanta. O ambiente é estranho, mas, no fim das contas, a gente não sabe se é verdade ou não. Para nós, sempre foi importante brincar com tal questão. Mudamos pouco os cenários naturais da cidade. Simplesmente tratamos de selecionar os que se encaixavam na proposta. Escolhemos essa rua que simboliza boa parte de Luanda, com prédios coloniais antigos em processo de deterioração, onde as pessoas encontram maneiras de sobreviver, na qual fica evidente a ausência do Estado. Então, ao invés de criarmos o realismo mágico, nossa vontade era descobrir o que dele já existia na cidade.” “Já na construção do roteiro, vislumbramos o fato de que a cidade de Luanda é demasiadamente barulhenta. Vizinhos, músicas, máquinas trabalhando, sonoridades diversas acabam se misturando naquela polifonia. Queríamos colocar quase como obrigação prestar atenção ao som. Além de vermos a cidade pelos olhos do Matacedo, também a ouvimos por meio dos ouvidos dele. Acho que essa construção trouxe uma camada poderosa ao filme, junto da trilha sonora da Aline Frazão.” [Íntegra da entrevista em: bit.ly/ arcondicionadoims/]
Chic Show
Emílio Domingos e Felipe Giuntini | Brasil | 2023, 90’, DCP (Globoplay) O baile Chic Show foi um marco na vida paulistana. Realizado em diversos salões pela cidade nas décadas de 1970 e 1980, o evento rapidamente se transformou num ponto de encontro da cultura negra e abriu espaço para o funk, soul, rap, pagode, entre outros ritmos. Pelas mãos de seu idealizador, Luiz Alberto dos Santos, o Luizão, o Chic Show foi uma experiência social, cultural e política que recebeu nomes como Tim Maia, Sandra de Sá, Gilberto Gil, Jorge Ben, Djavan, Bebeto, Carlos Dafé, além de artistas internacionais, como Kurtis Blow, Betty Wright e o inigualável James Brown. “Eu sou do Rio, sempre ouvi falar na Chic Show, uma coisa meio mítica”, comenta Emílio Domingos em entrevista a Marcelo Aliche para o festival In-Edit Brasil. “Através do documentário, deu pra perceber realmente que é a história social do negro, né? Do negro de São Paulo. São Paulo é
uma megalópole, e a festa serviu para unir a negritude de São Paulo. Principalmente o baile do Palmeiras. 20 mil pessoas. As pessoas se deslocavam de todas as periferias pra se encontrar, pra se ver. Tem toda essa importância política social, mas também não dá pra deixar de dizer que é o grande movimento sociocultural de São Paulo dos anos 1970. E não dá pra parar nos anos 1970, tô sendo injusto, porque nos anos 1980, 1990, a Chic Show não para. A importância da Chic Show pro hip hop, a importância da Chic Show pro pagode dos anos 1990… Acho que ajudou a firmar a identidade do negro paulistano.” “O baile da Chic Show foi o primeiro lugar que Mano Brown e Ice Blue subiram num palco e foi o primeiro lugar em que eles foram reconhecidos enquanto artistas. Imagina o que é isso pra dois moleques de periferia. Subir num palco com uma plateia enorme. Você não tem nenhum disco gravado, muito longe disso ainda, e num concurso de rap você ter seu talento reconhecido. Isso mudou a chave.” Um original Globoplay, Chic Show tem supervisão artística de Rafael Dragaud, direção-geral de Emílio Domingos, direção de Felipe Giuntini, roteiro de Milena Manfredini e produção de Anelise Franco. [Íntegra da entrevista: bit.ly/chicshowims]
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Palenque
Palenque Sebastián Pinzón Silva | Colômbia | 2017, 25’, DCP (acervo do artista) Guiada por temas que tocam vida e morte e um ritmo musical afro-latino constante, uma ode a uma pequena cidade que contribuiu imensamente para a cultura e a memória coletiva da Colômbia: San Basilio de Palenque, o primeiro povoado das Américas a se libertar do domínio europeu. “Palenque é uma ode a um povo na Colômbia”, diz Sebastián Pinzón em entrevista ao podcast Domingos en Vocalo. “Descrevo-o como um documentário musical. Em si, o filme não tem uma temática específica, é mais como uma coleção de ritmos, canções, momentos, que de certa forma compõe uma ode audiovisual a esse povo. [...] A musicalidade e a vida cotidiana. Encontrar a convergência entre as duas era como a nossa missão. Tudo o que fazemos tem um ritmo. O falar tem um ritmo, o caminhar tem um ritmo. Como contar e seguir esses ritmos e conectá-los de certa forma, isso esteve sempre muito presente.”
“Eu cheguei a San Basilio graças à música em si. Eu escutava a música muito bonita que se inspira na tradição chamada lumbalu, um sincretismo entre tradições cristãs e africanas, em que se canta canções aos mortos durante nove dias e nove noites. A família se reúne por meio da música. Isso foi algo sobre Palenque que me levou a esse lugar. Além de não ter aprendido a história de Palenque no colégio. Me parecia uma parte da história muito importante que eu desconhecia, e foi graças à música e a esses artistas que pude conhecê-la.” [Íntegra do episódio, em espanhol: bit.ly/ palenqueims]
Saint Omer
Saint Omer Alice Diop | França | 2022, 122’, DCP (Goodfellas) Rama é uma romancista que assiste ao julgamento de Laurence Coly no Tribunal de Saint-Omer, na Normandia. Laurence é acusada de matar e abandonar a sua filha de 15 meses numa praia, durante a maré cheia. Rama planeja usar a história para fazer uma adaptação moderna do antigo mito de Medeia, mas as coisas não saem como esperado. Primeiro longa-metragem de ficção de Alice Diop, Saint Omer estreou no Festival de Veneza, em 2022, no qual recebeu o Grande Prêmio do Júri. O filme se inspira na história real de Fabienne Kabou, que chegou às manchetes francesas em 2013 e no processo judicial que, assim como faz sua personagem, Diop acompanhou. “Eu estava obcecada pela história e atraída por ela quase como um ímã, mas não tinha a ideia de fazer um filme”, conta a diretora em entrevista ao portal Film Comment. “Mas quando fui ao jul21
gamento, fui confrontada com a realidade dessa mulher – o modo como ela era, a maneira como falava, a complexidade de sua história, a impossibilidade de entender seu ato – e, ao final do julgamento, não tinha mais qualquer clareza. E esse mistério que permaneceu me forçou, devo dizer, a entrar em minhas próprias profundezas ocultas e a olhar para dentro de mim mesma para coisas que eu não necessariamente queria ver ou reconhecer. Foi muito perturbador.” “E o que eu vivenciei foi vivenciado por todas as mulheres que estavam presentes como espectadoras. Havia mulheres que, como eu, tinham vindo sem motivo, e também jornalistas, advogadas, a presidente do júri, as duas assessoras do juiz. Todas aquelas mulheres estavam abaladas. Foi então que percebi o que estava em jogo. Foi com essa consciência do caráter universal das questões levantadas pelo julgamento que me convenci de que tinha um filme em mãos.” “É engraçado porque, de uma perspectiva americana, a questão da universalidade que pode ser incorporada em um corpo negro está completamente ultrapassada. Mas na França ainda não estamos acostumados a ver as mulheres negras a não ser como objeto de projeções, objeto de fantasias que continuam a transmitir um modo de pensar racista. Sempre que há um personagem negro em um filme, o roteiro tem que justificá-lo. Ou é uma questão de migração ou é uma questão social. Mas, aqui, é simplesmente uma questão de maternidade, que diz respeito a todas as mulheres do mundo. O aspecto político do meu filme está justamente no fato de que um corpo negro – e as mulheres negras em particular – pode ser universal.”
“Acho que até hoje ninguém entende essa mulher. O grande prazer que tive, embora o filme tenha sido extremamente difícil de escrever e filmar, foi escrever a história de uma mulher negra tão complexa, que raramente encontrei no cinema ou na literatura. Não sabemos se devemos sentir empatia por ela ou desconfiar dela, se ela é mentirosa ou manipuladora. Ela evoca as grandes figuras trágicas.” [Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/ saintomerims]
Sessão Mutual Films As aventuras de Lotte Reiniger e Moustapha Alassane A Sessão Mutual Films de novembro apresenta obras de dois pioneiros da animação. A alemã Lotte Reiniger (1899-1981) desenvolveu técnicas de filmagens que antecederam por uma década Walt Disney na criação de universos fantásticos povoados por figuras de silhueta. Ela realizou o primeiro longa-metragem de animação da história do cinema, As aventuras do príncipe Achmed (1926), uma livre adaptação de As mil e uma noites que passará no IMS junto a seu primeiro filme de contos de fadas, o curta O baú voador (1921). Moustapha Alassane (1942-2015), do Níger, foi o primeiro cineasta africano a dirigir filmes de animação, quando seu país havia conquistado a independência há menos de uma década. Ele era um artista inventor que explorou diferentes técnicas – do desenho à mão ao stopmotion e ao live-action – para contar histórias que invocam tanto as tradições populares locais como a paródia à cultura invasora estrangeira. Os dois filmes de Reiniger e os cinco de Alassane que compõem os programas passarão no IMS em suas melhores cópias digitais, várias sendo restaurações recentes. A primeira exibição de As aventuras do príncipe Achmed em São Paulo contará com a apresentação do animador, cineasta e professor Fábio Yamaji. A curadoria e a produção da Sessão Mutual Films são de Aaron Cutler e Mariana Shellard. Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
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Programa 1: “No reino dos sapos” O jovem cineasta nigerino Moustapha Alassane realizou seu primeiro filme de animação em 1965, durante um estágio no Canadá. Desde cedo, o primeiro animador do continente africano gostava de desenhar histórias com sapos no lugar de pessoas, pois os personagens de grandes barrigas e membros magros o atraíam por sua aparência inocente. Alassane retornou para seu país natal e, durante uma viagem subsequente para a França, fez o singelo curta-metragem Boa viagem, Sim (1966), desenhado com traços simples em preto e branco. No filme, Senhor Sim, o presidente de uma república povoada por sapos, vai ao país vizinho em uma viagem diplomática, e Alassane mostra de forma satírica os discursos e as ações vazias da política. Alassane trabalhou com diversos formatos de animação ao longo de sua carreira, sempre com interesse em expandir o conhecimento de histórias populares. É o caso de Samba, o grande (1977), o primeiro filme de animação inteiramente colorido da África, que mistura as técnicas de desenho com stop-motion. Bonecos de madeira e lã encenam a história narrada por Jean Rouch sobre o guerreiro do título, que procura conquistar o coração de Analiatou Bari, uma rainha infeliz de um povo sofrido que reconhece a bravura de Sambagana de forma tardia. No desfecho poético do filme, os dois se transformam em uma lenda. Décadas depois, Alassane concluiu Kokoa (2001), uma animação feita inteiramente em stop-motion que se baseia na tradicional luta do Níger chamada kokawa. Mas, ao invés de lutadores humanos, voltamos para o reino animal, no qual uma plateia de sapos assiste aos embates fervorosos entre uma rã, um camaleão e um lagarto dentro do ringue. O campeonato é narrado por um sapo que se senta ao
lado de uma tartaruga, e arbitrado por um siri cujos olhos movimentam-se freneticamente para acompanhar a ação. A maioria dos filmes de Alassane são de live-action, realizados com atores não profissionais, que misturam documentário e ficção e contam, como em suas animações, com elementos de fábula e comédia. É o caso de um de seus filmes mais conhecidos, O retorno de um aventureiro (1966). Um tom de paródia aos filmes de faroeste fundamenta a história de um jovem que retorna ao Níger após ter passado anos nos Estados Unidos e traz com ele presentes que aguçam a personalidade arruaceira de seus amigos e criam uma confusão na aldeia. O filme coloca os chapéus e botas de cowboy e tiroteios dos filmes de uma cultura estrangeira em contraponto com vestimentas e tradições locais para refletir sobre quais imagens de heroísmo devem ser valorizadas. O programa também inclui o curta-metragem de animação O baú voador (1921), inspirado no conto do autor dinamarquês Hans Christian Andersen, que foi a primeira adaptação cinematográfica de um conto de fadas dirigida pela cineasta alemã Lotte Reiniger. O filme utiliza figuras de silhueta para mostrar a busca trágica de um jovem pescador chinês pelo amor de uma princesa emprisionada por seu pai imperador. Na época, o jornal alemão Vossische exaltou o filme, dizendo que “tão fantasiosas são as figuras e os eventos que somos levados a uma realidade mais pura: rimos e nos emocionamos”. A obra de Alassane é apresentada com o gentil apoio do Institut Français e da Cinemateca da Embaixada da França no Brasil. O programa conta com os seguintes cinco filmes:
Boa viagem, Sim
Samba, o grande
O baú voador
Kokoa
Bon voyage, Sim Moustapha Alassane | Níger | 1966, 5’, DCP (Institut Français/Razak Moustapha)
Der fliegende Koffer Lotte Reiniger | Alemanha | 1921, 11’, DCP (DFF – Deutsches Filminstitut & Filmmuseum/Primrose Productions), cópia restaurada 23
Samba le grand Moustapha Alassane | Níger | 1977, 14’, DCP (Institut Français / Razak Moustapha), cópia restaurada
Moustapha Alassane | Níger | 2001, 14’, DCP (Institut Français)
O retorno de um aventureiro
Le Retour d’um aventurier Moustapha Alassane | Níger | 1966, 34’, DCP (Institut Français), cópia restaurada
Programa 2: “As aventuras do príncipe Achmed” Quando um poderoso feiticeiro pede a mão da princesa Dinarsade, filha do Califa, em troca de seu cavalo voador, o príncipe Achmed, irmão de Dinarsade, intervém montando no cavalo e voando para longe. Ele chega em terras distantes, onde se apaixona pela bela fada Pari Banu, que lidera o reino fantástico de Wak-Wak. Assim inicia As aventuras do príncipe Achmed (1926), primeiro longa-metragem de animação da história do cinema, que, no decorrer de cinco capítulos, acompanha as narrativas contadas através destes personagens e outros, como a de um pobre alfaiate chamado Aladim, encarregado de resgatar uma lâmpada mágica de uma caverna e, eventualmente, de salvar Dinarsade. O filme foi o trabalho mais ambicioso na carreira da então jovem cineasta alemã Lotte Reiniger, que trabalhou nele por um período de três anos com uma equipe de seis pessoas (sendo ela a única mulher do grupo). Embora Reiniger tenha tomado como referência as tradições asiáticas do teatro de sombras, ela desenvolveu uma arte única, sem antecessores ou sucessores, com os recortes em papel de silhuetas que ganhavam movimento e vida na tela do cinema. Ela realizou algumas adaptações para o cinema de contos de fadas antes de dirigir Príncipe Achmed, para o qual o grupo resolveu adaptar episódios de As mil e uma noites, escolhendo aqueles que acharam mais estimulantes de representar no formato de animação. Carl Koch (também o marido de Reiniger) trabalhou como cinegrafista, fotografando quadro a quadro os movimentos das figuras sobre uma mesa de luz, assim como fez com a maioria dos filmes da cineasta. O artista e animador experimental Berthold Bartosch se responsabilizou pela 24
elaboração da estrutura de filmagem com múltiplas camadas e pelas paisagens de fundo, com estrelas, montanhas e mares. Walter Ruttmann, que havia realizado as primeiras animações experimentais do cinema alemão e que logo depois dirigiu o importante documentário Berlim, sinfonia da metrópole (1927), se encarregou dos efeitos especiais em Príncipe Achmed e dirigiu algumas sequências do filme, como a espetacular batalha na cratera de um vulcão entre o feiticeiro e uma poderosa feiticeira que ajuda o príncipe no combate com seu arqui-inimigo. Apesar da hesitação inicial das distribuidoras e exibidores locais (que não acreditaram no potencial de um cinema destinado para o público infantil), As aventuras do príncipe Achmed virou um sucesso de público e de crítica na Europa e no mundo. Ele continua sendo uma inspiração direta para os trabalhos de diversos artistas contemporâneos, como o animador francês Michel Ocelot e a artista visual e cineasta norte-americana Kara Walker. O filme será apresentado no IMS em uma cópia digital restaurada a partir de uma cópia tingida em película de nitrato que se encontra no British Film Institute e que ressalta os tons brilhantes de amarelo, verde e vermelho. As sessões serão acompanhadas por uma gravação da trilha sonora original, composta por Wolfgang Zeller em parceria com Reiniger, que utilizou a música para cronometrar os movimentos dos personagens. As aventuras do príncipe Achmed passará no IMS junto a A morte de Gandji (1965), o primeiro filme de animação feito por um cineasta africano. Ele foi realizado por Moustapha Alassane durante um período de estudo no Quebec, sob a tutela do animador Norman McLaren no Office National du
Film du Canada [Escritório Nacional de Cinema do Canadá]. “Numa pacata aldeia havia uma comunidade de sapos”, começa a narração do jovem cineasta do Níger para sua história desenhada a caneta com traços coloridos simples e elegantes sobre papel. O filme conta os esforços dos sapos ao combater um monstro terrível e aponta com um sorriso para futuras aventuras. O programa inclui os filmes:
Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir
A morte de Gandji
La Mort du Gandji Moustapha Alassane | Canadá | 1965, 5’, DCP (Office National du Film du Canada), cópia restaurada
As aventuras do príncipe Achmed Die Abenteueren des Prinzen Achmed Lotte Reiniger | Alemanha | 1926, 66’, DCP (DFF/ Primrose Productions), cópia restaurada 25
Impulsionados pela emergência de equipamentos portáteis para captação de som e imagens no final da década de 1960, coletivos feministas franceses adotaram a produção de filmes e materiais audiovisuais como ferramenta de mobilização, difusão e aprofundamento de pautas. Fundado em 1982 pelas cineastas e militantes Delphine Seyrig, Carole Roussopoulos e Ioana Wieder, o Centro Audiovisual Simone de Beauvoir (CaSdB) é um arquivo audiovisual que reúne e preserva parte expressiva da produção realizada nesse contexto de ebulição social. Nessa, que é a maior retrospectiva desse acervo já realizada no Brasil, são apresentadas, mês a mês, obras que buscaram registrar e intervir na realidade não apenas da França, mas de outros países, com uma seleção de filmes históricos e contemporâneos preservados no Centro. São imagens que apresentam conferências feministas, manifestos, greves e movimentos de trabalhadoras, reivindicações por diversidade sexual, retratos de personalidades, como Simone de Beauvoir, Angela Davis e Flo Kennedy, além de abordar temas densos e ainda urgentes, como guerra, democracia, estereótipos televisivos, aborto, abuso, prostituição. Com curadoria de Barbara Alves Rangel, ex-programadora do Cinema do IMS e atual diretora-geral do Centro, a mostra teve início em julho e segue até fevereiro de 2024, exibindo programas mensais. Em texto publicado no blog do Cinema do IMS, a curadora faz um panorama inicial da trajetória do. Centro e de suas fundadoras: bit.ly/ br-casdb. Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Audre Lorde – Os anos em Berlim de 1984 a 1992
Audre Lorde – The Berlin Years 1984 to 1992 Dagmar Schultz | Alemanha | 2012, 79’, Arquivo digital (CaSdB) Um capítulo pouco conhecido da vida prolífica da poeta, ativista, mulher negra e lésbica Audre Lorde. Um período em que Lorde ajudou o movimento africano alemão a emergir e fez sua contribuição para o cenário político e cultural antes e depois da queda do Muro de Berlim e da reunificação alemã. Lorde inspirou as mulheres negras alemãs e as incentivou a escrever e publicar para afirmar sua identidade, seus direitos e sua cultura em uma sociedade que as isolava e silenciava, ao mesmo tempo que encorajou as mulheres brancas alemãs a reconhecer e pautar seu privilégio. No material de imprensa do filme, a diretora Dagmar Schultz aborda sua relação com Lorde: “Em 1980, estive com Audre Lorde pela primeira vez na Conferência Mundial das Mulheres da ONU, em Copenhague, em um debate após sua leitura. Fiquei encantada e muito impressionada com a franqueza com que Audre Lorde se dirigiu a nós, mulheres brancas. Ela nos falou sobre a importância de seu trabalho como poeta, sobre o racismo e as diferenças entre as mulheres, sobre as mulheres na Europa, nos EUA e na África do Sul, e enfatizou a necessidade de uma visão do futuro para orientar nossa prática política. Naquela noite, ficou claro para mim: Audre Lorde deveria vir à Alemanha para que as mulheres alemãs a ouvissem. Sua voz falando às mulheres brancas em uma época em que o movimento começava a
Cinedebate
mostrar tendências reacionárias. Na primavera de 1984, ela concordou em ir a Berlim por um semestre para lecionar literatura e escrita criativa. Uma de suas primeiras perguntas ao chegar em Berlim foi: ‘Onde estão as alemãs negras?’. Assim começou uma jornada de movimento político e de conscientização que durou até o fim de sua vida. Durante esse processo, ela começou a trabalhar no livro Showing Our Colors: Afro-German Women Speak Out, que a [editora] Orlanda Frauenverlag publicou em 1986.” “Para mim, esse processo significou aprender, descobrir e formar amizades e alianças com alemães negros. Audre retornou a Berlim em 1986 e, até 1992, ano de sua morte, passou semanas e meses por ano nessa cidade. Nos últimos dois anos, ela ficou comigo e com minha parceira Ika Hügel-Marshall, e nós a visitamos com sua parceira Gloria Joseph em St. Croix. Criamos uma amizade: trabalhamos na publicação de seus livros, traduzi para ela em turnês de leitura, e Orlanda publicou mais quatro livros com o trabalho de Lorde, incluindo um volume bilíngue de 42 poemas que ela mesma selecionou de seu trabalho durante seu último verão.” [Íntegra do depoimento, em inglês: bit.ly/ audrelordeims]
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Em parceria com o King’s College e o Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV, o cinema do IMS Paulista exibe A troco de nada. O filme é um documentário longa-metragem sobre a violência de Estado nas favelas do Rio de Janeiro. A exibição será seguida por uma conversa com Thiago Amparo, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV e colunista da Folha de S.Paulo; Amanda Pimentel, coordenadora da linha de raça e segurança pública do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV, advogada e pesquisadora com atuação junto a organizações da sociedade civil; Octávio Ferraz, professor titular da Faculdade de Direito do King’s College London; Sandra Maria Gomes, ativista e mãe do jovem Matheus Gomes, morto pela polícia no episódio que ficou conhecido como a chacina do Jacarezinho, em maio de 2021; e mediação de Thaiza Pauluze, jornalista da GloboNews dedicada principalmente a cobrir segurança pública, violência e direitos humanos. Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da sessão. Limite de uma senha por pessoa.
A troco de nada
Patrick Granja | Brasil | 2022, 73’, DCP (Acervo do diretor) Um documentário longa-metragem sobre a violência de Estado nas favelas do Rio de Janeiro, que, apenas em 2021, deixou 1.084 pessoas mortas, segundo dados oficiais. No rastro dessa violência, estão dezenas de mães, órfãs de seus filhos, muitas das quais acabam se tornando ativistas por justiça social e contra a política de segurança do Estado nas favelas e nos bairros pobres do país.
Coutinho 90
Em 1984, Eduardo Coutinho marcou a história do cinema de não ficção com o lançamento de Cabra marcado para morrer. Por onde passou, tensionou os limites da representação e do assim chamado “documentário”: dirigindo episódios históricos do Globo Repórter, na produção em vídeo junto ao CECIP e na formulação de um “cinema do encontro” bastante único a partir de Santo forte. Em 11 de maio deste ano, Coutinho completaria 90 anos. Como homenagem, o Cinema do IMS exibirá uma seleção de obras do cineasta ao longo do ano. Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Moscou
Eduardo Coutinho | Brasil | 2009, 78’, Arquivo digital (VideoFilmes) Fragmentos de improvisações, oficinas e ensaios de uma peça que não teve e nem teria estreia. O documentarista Eduardo Coutinho convida a companhia teatral Grupo Galpão, de Belo Horizonte, sob direção de Enrique Diaz, a ensaiar a peça As três irmãs, de Anton Tchékhov, por um período de três semanas. Os atores só saberiam qual seria o texto no primeiro dia de filmagem: “A gente vai tentar montar fragmentos ao menos dessa peça, que é enorme, e coisas citadas que não são dessa peça”, explica Coutinho ao apresentar a proposta e o texto aos atores. “O objetivo é o seguinte: o inacabado, o fragmento – que, aliás, é Tchékhov –, é maravilhoso. A gente não quer fazer o completo.” Sobre o aspecto fragmentário da obra de Tchékhov, Coutinho comenta em entrevista de julho de 2009 a Marília Martins para O Globo: “São peças sem trama e sem final... Foi isso que 27
me interessou na peça. E no meu cinema também é assim: quero falar do pequeno, do anônimo, do resto, da sobra, daquilo que foi jogado fora, do lixo… O lixo me interessa muito… Meu cinema é feito de fragmentos! A verdade do cinema é a verdade da cena… Nos meus filmes é assim… Em Edifício Master, a única verdade é que um cineasta esteve por ali conversando com aqueles moradores. Todo o resto é duvidoso: será que aquelas paixões ou aquelas dores são verdadeiras? Não sei. Não me interessa. Quero que os espectadores digam: acredito nisto e não naquilo… Quando os atores falam de Moscou, eles estão falando de Minas Gerais…” As três irmãs conta a história de Olga, Macha e Irina, que, sem perspectivas com a vida levada na província, sonham em voltar para Moscou.
31º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade Referência no Brasil e internacionalmente, o Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade nasceu em 1993, e hoje é um dos maiores eventos culturais LGBT+ do mundo, reunindo a vanguarda das representações artísticas sobre a diversidade sexual e as identidades de gênero. Nesta sua 31ª edição, o Mix Brasil traz para o IMS duas mostras da programação deste ano: o programa Reframe, focado em trabalhos experimentais e alternativos, e o programa Queer.doc, uma seleção de documentários que exploram as questões mais urgentes da comunidade LGBT+. A programação completa do festival está disponível em: mixbrasil. org.br. Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da sessão. Limite de uma senha por pessoa.
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A vida são dois dias
Antígônadá
A pacata rotina de Rómulo no Rio de Janeiro muda da noite para o dia quando um acidente dá início a uma onda de eventos absurdos. Longe dali, Orlando, seu irmão gêmeo e negociante de obras raras, tenta comprar o livro de uma estudante brasileira com problemas financeiros. A vida dos gêmeos entrará em rota de colisão graças à chegada de um misterioso manuscrito.
Após a morte de seus dois irmãos, Antígona e Ismênia refletem sobre as leis de Deus e as leis do Estado, os direitos dos cidadãos e dos socialmente excluídos. Tomando a obra Antígona, de Sófocles, como ponto de partida, Antígônadá trata da situação política atual e explora o aspecto revolucionário da personagem principal, uma mulher que desafia a ordem social estabelecida.
Leonardo Mouramateus | Brasil | 2022, 82’, DCP
Dora Longo Bahia | Brasil | 2022, 120’, DCP
Capim navalha
Corpo presente
M de mães
Documentário que retrata questões vividas de forma empírica por personagens trans na chapada dos Veadeiros. Trazendo narrativas de gênero dissidentes, o filme elabora fricção e alteridade com uma análise sobre a biopolítica e a necropolítica que permeiam a sociedade nos cistemas dentro do Centro-Oeste.
Uma investigação do corpo como forma de arte, de expressão e de identidade, traçando um retrato contemporâneo de suas possibilidades. Os múltiplos corpos no filme são corpos políticos que criam e propõem novos universos, sinalizando novas formas de existir no mundo, traduzindo a sociedade atual em toda sua complexidade.
Marcela e Melanie são um casal de lésbicas que vive em São Paulo. Quando Melanie engravida de gêmeos por meio de fertilização in vitro, Marcela decide provocar a lactação, para que assim as duas mães possam amamentar seus recém-nascidos no peito. Enquanto cenas tranquilas de alegria e dos desafios que aconteceram antes e depois do parto são mostrados na casa delas e no hospital, o público é convidado a questionar com elas como é o processo de se tornar mãe.
Michel Queiroz | Brasil | 2023, 90’, DCP
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Leonardo Barcelos | Brasil | 2023, 79’, DCP
Lívia Perez | Brasil | 2023, 87’, DCP
Peixe abissal
Telas
Seres luminosos, divinos e mundanos, líricos e selvagens, masculinos e femininos. Homens, mães e santas emergem em um mergulho profundo no universo poético do escritor e compositor Luís Capucho.
O documentário analisa como nove influenciadores digitais estão usando as redes para promover ativismo em tópicos sociais como representação racial, questões LGBTQIA+, feminismo e política. Eles criam conteúdo para diferentes plataformas, abordando temas polêmicos de uma forma leve e desconstruída, compartilhando suas vidas diárias e criando um senso de comunidade entre seus seguidores.
Rafael Saar | Brasil | 2023, 111’, DCP
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Leandro Goddinho | Brasil | 2023, 75’, DCP
Todos morrem tentando fazer uma obra-prima Gustavo von Ha | Brasil | 2023, 93’, DCP
Documentário permeado de ficções em torno de um grupo de artistas em residência na Fundação Yaddo, uma das residências artísticas mais antigas dos EUA, que fica em Saratoga Springs, Upstate New York. Por meio deste filme, o grupo fez um experimento coletivo que trata da experiência individual sobre o processo de criação de uma obra-prima. Ao longo do filme, os personagens vão enlouquecendo com suas próprias questões, imersos na angústia da criação artística.
Curtas QUEER.DOC
Uma tarde pra tirar retrato
Travessias
Chega de saudade
Três amigos marcam um encontro com a crença de que uma sessão fotográfica diminuiria a saudade e fortaleceria o apoio mútuo em um momento dramático do convívio em sociedade. Márcio Januário, Carlos Oxalá e José Roberto Pacheco, homens negros, gays acima de 50 anos, são os protagonistas dessa história.
Uma carta de amor que une Brasil e Cuba. Uma viagem para entender os sentimentos e as transformações passadas por uma pessoa próxima. Justin, um homem trans, auxiliará nessa travessia.
Sete anos após se mudar do Brasil para a Califórnia em busca de seu amor pela música, e quatro anos após começar a tomar testosterona, Jaime Jobim procura por sua nova voz.
André Sandino Costa | Brasil | 2023, 42’, DCP
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Travesías Ana Graziela Aguiar | Cuba, Brasil | 2023, 22’, DCP
No More Longing Connor Lee O’Keefe | EUA | 2022, 16’, DCP
Chokehole: lutadoras drag na Alemanha
Chokehole: Drag Wrestlers do Deutschland Yony Leyser | Alemanha | 2022, 23’, DCP A história de como performers queer, privades de seus direitos, superaram todas as expectativas para montar um irresistível espetáculo teatral.
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A história de Ruth Brinker The Ruth Brinker Story Apo W. Bazidi | EUA | 2022, 23’, DCP
Aos 63 anos, Ruth Brinker se torna pioneira nos cuidados com o HIV em sua comunidade e se torna uma lenda entre os moradores de São Francisco. Prover refeições com amor torna-se uma marca de sua missão.
Festival Nicho Novembro 2023
De 14 a 17 de novembro, o IMS Paulista recebe pelo segundo ano consecutivo as atividades do Ambiente de Mercado da 5ª edição do Festival NICHO Novembro, do NICHO 54, instituto voltado à qualificação e ao suporte a carreiras de profissionais negros do audiovisual. O Ambiente de Mercado do Festival NICHO NOVEMBRO será um espaço racialmente seguro e qualificado de promoção de encontros e oportunidades para a Comunidade NICHO 54 e agentes da indústria. As atividades buscam promover reais possibilidades de negociação de projetos e construção de redes. Além disso, trazem para discussão as perspectivas e os impactos que o NICHO 54 vem realizando em sua atuação com o mercado brasileiro e internacional. O Nicho Novembro 2023 é realizado pelo Nicho 54, com patrocínio da Spcine, empresa pública de cinema e audiovisual da Prefeitura de São Paulo. Tem o apoio do Instituto Moreira Salles, Firelight Media, Projeto Paradiso e Embaixada da França, apoio institucional do Centro Cultural São Paulo e parceria da Quanta, API (Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro) e Embaixada dos EUA. Confira a seguir detalhes da programação do Ambiente de Mercado. Os ingressos para as atividades estão disponíveis via Sympla: sympla.com. br/produtor/festivalnichonovembro2023.
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Pitching Show
Painéis
O Pitching Show é o grande destaque da programação de Mercado do Festival NICHO Novembro. É uma atividade de formação e mercado dedicada a projetos de longa-metragem documental do segmento cinema, de realizadores e produtores negros e negras em etapa de desenvolvimento e com apelo internacional. Os diretores e produtores dos projetos participam de consultorias do âmbito narrativo, com Enock Carvalho e Matheus Faria, além do treinamento executivo com Bárbara Defanti e Rodrigo Sousa & Sousa. Os quatro consultores fazem parte da Rede de Talentos Paradiso, parceira da atividade. Para encerrar o ciclo formativo, os projetos participantes passam por uma preparação de pitching, com Vinicius Mariano, roteirista, escritor e produtor, com o intuito de se prepararem para oportunidades de financiamento e competição internacional. O Pitching Show também conta com a parceria da Quanta, que apoia na finalização em 4K dos teasers de cada projeto. A apresentação será aberta ao público, com a participação de players da indústria, além de um jurado qualificado que concederá uma premiação.
Os painéis espelham o diálogo que o instituto NICHO 54 tem em sua atuação na cena internacional. A curadoria dos painéis foi realizada por Fernanda Lomba junto ao Consulado-Geral da França no Brasil e da Firelight Media. Com um ciclo de dois painéis, sempre com uma convidada internacional e com a mediação da jornalista e editora-chefe da revista Bravo!, Laís Franklin, serão analisadas experiências globais que servem de inspiração e contribuem para a realidade brasileira, especialmente para a comunidade negra.
Estudos de casos O Instituto NICHO 54 convida instituições e profissionais parceiros para apresentarem Estudos de Caso que traduzem resultados e impactos da relação entre formação e mercado.
Programação 14/11, terça-feira 16h [Estudo de caso] Aceleradora Paradiso – Projeto Paradiso Com Josephine Bourgois, diretora-executiva do Projeto Paradiso O Projeto Paradiso compartilha o processo de criação da Aceleradora Paradiso, programa de formação e inserção no mercado criativo de profissionais negros, realizado em parceria com empresas do audiovisual e o instituto NICHO 54. A edição piloto do programa de shadowing, realizada em 2022, foi voltada para a área de direção e buscou um profissional negro que ainda não tivesse dirigido seu primeiro longa-metragem. A selecionada foi a mineira Larissa Barbosa, que acompanhou o diretor André Novais na préprodução e filmagem do longa O dia que te conheci, que estreou este ano no Festival do Rio (Prêmio Especial do Júri) e na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Larissa passou a integrar a Rede Paradiso de Talentos. Em outubro deste ano, o Projeto Paradiso lançou a Aceleradora Paradiso oficialmente na Mostra. Sua próxima edição será voltada à produção-executiva.
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19h [Painel] Firelight Media apresenta: A atuação da Firelight na produção de documentários de realizadores não brancos Com Loira Limbal e mediação de Laís Franklin Loira Limbal é cineasta e DJ afro-latina premiada, interessada na criação de arte voltada para comunidades de cor. O filme de Limbal, Through the Night, é um documentário de longa-metragem sobre uma creche 24 horas. Through the Night ganhou o Prêmio DuPont, escolha dos críticos do New York Times, foi selecionado para uma estreia mundial no Festival de Cinema de Tribeca de 2020 e foi ao ar na série POV da PBS em maio de 2021. Seu primeiro filme, Estilo Hip Hop, foi uma coprodução da ITVS e foi ao ar na PBS em 2009. Ela é bolsista do United States Artists Fellow, do Sundance Institute e indicada ao NAACP Image Award. Ela é ex-vice-presidente sênior de programas da Firelight Media. Além disso, ela coproduz e dirige o popular programa mensal do Brooklyn #APartyCalledRosiePerez. Limbal é formada em história pela Brown University e se formou no Third World Newsreel’s Film and Video Production Training Program. Ela vive em Porto Rico com seus dois filhos.
16/11, quinta-feira 16h [Estudo de caso] Quanta Escola e NICHO 54: formação e empregabilidade Com Ariane Breyton, Gabriel Ferreira e Gabriela Araujo A Quanta Escola é um programa de formação da Quanta para profissionais iniciantes em diversas funções que se relacionam com as atividades da empresa. Com o intuito de formar profissionais qualificados para serem absorvidos pela própria empresa, mas também para o mercado, a Quanta Escola vem como uma solução interna para a falta de profissionais especializados em determinadas áreas. A mesa trará a perspectivas da concepção, dos participantes e do processo de acompanhamento dos profissionais contratados. 17h30 Pré-lançamento NICHO Conecta O NICHO Conecta é a plataforma do NICHO 54 para a conexão entre profissionais e empresas, com o objetivo de resultar em contratações efetivas. Será pré-lançada nessa ocasião, onde serão apresentados os objetivos e as funcionalidades do projeto em desenvolvimento.
19h [Painel] Consulado-Geral da França em São Paulo apresenta: “Faça com que seus programas sejam vendidos em todo o mundo” – “Get Your Programs Sold All over the World” Com Audrey Kamga (ARTE France) e mediação de Laís Franklin Audrey Kamga é uma executiva premiada, com profundo conhecimento e experiência na maioria dos principais mercados de TV, incluindo as Américas e a região EMEA. Trabalhando com sucesso na ARTE France, uma das maiores emissoras europeias com financiamento público, ela possui um histórico de distribuição diversificado, com documentários e entretenimento factual, e experiência em vendas, aquisições, marketing e assuntos comerciais. Bem familiarizada com histórias da TV e cultura pop, Audrey acredita na importância da diversidade e da inclusão e em uma abordagem equilibrada de gênero dentro e fora da tela.
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17/11, sexta-feira 14h Pitching Show Os projetos participantes são: Ashanti, com direção e produção de Rafael Aquino Eu ouvi o chamado, com direção de Myrza Muniz e produção de Priscilla Cadette e Robson Dias House of Hilton, com direção de Chica Andrade e produção de Emerson Dindo Pega laço, com direção de Lilian Santiago e produção de Guilherme César
Instituto Moreira Salles Cinema
Curador Kleber Mendonça Filho Programadora Marcia Vaz
Programador adjunto Thiago Gallego
Produtora de programação Quesia do Carmo
Assistente de programação Lucas Gonçalves de Souza
Projeção Ana Clara da Costa e Adriano Brito Serviço de legendagem eletrônica Pilha Tradução Revista de Cinema IMS
Produção de textos e edição Thiago Gallego e Marcia Vaz Diagramação Marcela Souza e Taiane Brito Revisão Flávio Cintra do Amaral
Os filmes de novembro
O programa do mês tem o apoio da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, do Festival NICHO NOVEMBRO 2023, do 31º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir, do Deutsches Filminstitut & Filmmuseum, do Office National du Film du Canada, do Institut Français, da Primrose Productions, da Globoplay, da Mutual Films, da produtora Geração 80, do King’s College, do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV, das distribuidoras ArtHouse, GoodFellas, Gullane, O2 Play, Papo Amarelo e VideoFilmes. Agradecemos a Barbara Rangel, Nicole Fernández Ferrer, Peggy Préau, Mirian Vanda, Luiz Richard, Zoé Lhuillier, Sebastián Pinzón Silva, Emílio Domingos, Felipe Giuntini, Rafael Dragaud, Tiago Ornaghi, Vivianne Banharo, Gabriela Jara, Thiago Amparo, Octávio Ferraz, Sandra Gomes, Amanda Pimentel, Thaiza Pauluze, Patrick Granja, Vincent Carelli, André Fischer, Josi Geller, Márcio Miranda Perez, João Federici, Amélie Garin-Davet, Bianca Bueno, Christel Strobel/Primrose Productions, Cristina dos Santos Ferreira, Dani Patarra, Dennis Doros/Milestone Films, Éric Seguin/Office National du Film du Canadá, Giliane Ingratta Góes, Lino Bademsoy, Lorenz Hasler, Ina Schimetschka + Markus Wesselowski/Deutsches Filminstitut & Filmmuseum, Nathalie Tric + Thomas Sparfel/Cinemateca da Embaixada da França no Brasil, Razak Moustapha e especialmente à pequena Ava e aos seus amigos Mr. Polvo e Lady Rã. Agradecemos ainda a Marcela Antunes e Taiane Brito pela arte de cartaz e divulgação da mostra Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir.
Apoio Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir
Sessão Mutual Films
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Coutinho 90
47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Festival Nicho Novembro
31º Festival Mix Brasil
Venda de ingressos Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 145 lugares. Meia-entrada Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito). Devolução de ingressos Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito. Confira as classificações indicativas no site do IMS.
Incompatível com a vida, de Eliza Capai (Brasil | 2023, 94’, DCP)
Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h.
Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h.
Fechado às segundas.
Última admissão: 30 minutos antes do encerramento. Entrada gratuita.
Avenida Paulista 2424 CEP 01310-300 Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120 imspaulista@ims.com.br
ims.com.br
/institutomoreirasalles @imoreirasalles @imoreirasalles Ar condicionado, de Fradique (Angola | 2020, 72’, DCP)
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