destaques novembro de 2024
No Mês da Consciência Negra, o Cinema do IMS apresenta o trabalho de um pioneiro na luta pela autonomia na produção de filmes sobre e para um público negro. Oscar Micheaux traz em Dentro de nossas portas (1920), seu segundo longa-metragem e um de seus poucos filmes silenciosos a sobreviver, uma refinada elaboração dos desafios do povo preto nos EUA em sua diversidade de perfis e modos de pensar. O filme será exibido em cópia restaurada, com trilha sonora ao vivo da Funmilayo Afrobeat Orquestra.
Há, ainda, uma série de conexões diaspóricas: a cineasta brasileira Ariadine Zampaulo apresenta uma crônica da capital moçambicana em Maputo Nakuzandza (2022); a expoente produtora nigeriana Fiery Film fabula a divindade das águas Mami Wata pelas lentes da fotógrafa brasileira Lílis Soares; em mais dois capítulos de Small Axe (2020), Steve McQueen discute os dilemas da comunidade afro-caribenha na Inglaterra, ora pelo viés da festividade como resistência, ora pela inflexibilidade da violência policial; do Capão Redondo, o cineasta Lincoln Péricles ergue uma obra que desafia e reinventa para o mundo o imaginário audiovisual sobre e a partir da periferia.
Na esteira do período eleitoral, Terceiro milênio (1980), um dos grandes filmes de Jorge Bodanzky, terá a estreia mundial de sua restauração no Cinema do IMS. O river movie acompanha um senador da República que viaja o Amazonas de barco em campanha para governador. Já os artistas Antoni Muntadas e Marshall Reese apresentam a 11ª versão de Political Advertisement, uma compilação da propaganda política para a corrida presidencial norte-americana desde seus primórdios.
A Sessão Mutual Films põe em diálogo obras do colombiano Luís Ospina e do espanhol Pere Portabella, em trabalhos que convocam o vampirismo como ferramenta de subversão política e estética.
[imagem da capa]
Oscar Micheaux em Screen Snapshots (EUA | 1920, Arquivo digital)
Political Advertisement 1952-2024
[Propaganda política 1952-2024], de Antoni Muntadas e Marshall Reese (EUA | 2024, 96’, Arquivo digital)
especial novembro negro
Em cartaz
Maputo Nakuzandza
Ariadine Zampaulo | DCP
O dia que te conheci
André Novais Oliveira | DCP
Sessão especial
Mami Wata
C.J. “Fiery” Obasi | DCP
Festival Nicho Novembro
com a presença de Grace Passô, Julia Alves, Juliana Lira, Laurence Lascary, Lucas H. Rossi, Paulo Alcoforado, Rubian Melo e Thaís Moresi.
Cinema de movimento: os
filmes de Lincoln Péricles LK
Aluguel: o filme
Lincoln Péricles LK | Arquivo digital
Mutirão: o filme
Lincoln Péricles LK | DCP
Ruim é ter que trabalhar
Lincoln Péricles LK | Arquivo digital
Entrevista com as coisas
Lincoln Péricles LK | Arquivo digital
Meu amigo Pedro MIXTAPE
Lincoln Péricles LK | DCP
Filme de domingo
Lincoln Péricles LK | Arquivo digital
Roubar um plano
Lincoln Péricles LK e André Novais
Oliveira | DCP
Histórias ocupadas:
Steve Mcqueen
Small Axe: Lovers Rock
Steve McQueen | DCP
Small Axe: Red, White & Blue
Steve McQueen | DCP
Trilha sonora ao vivo
Dentro de nossas portas
(Within Our Gates)
Oscar Micheaux | DCP, restauração 4K
Screen Snapshots (trechos)
Arquivo digital
ambos com trilha ao vivo da Funmilayo Afrobeat Orquestra
A partir de agora, é possível assistir a alguns dos filmes em cartaz no Cinema do IMS com recursos de acessibilidade em Libras, legendas descritivas e audiodescrição. Para retirar o equipamento com recursos, consulte a bilheteria do IMS Paulista. Em caso de dúvidas, entrar em contato pelo telefone (11) 2842-9120 ou pelo e-mail imspaulista@ims.com.br
Em cartaz
Malu
Pedro Freire | DCP
O dia da posse
Allan Ribeiro | DCP
Sessão Mutual Films
As câmeras de Bodanzky
Terceiro milênio
Jorge Bodanzky | DCP, restauração 4K, estreia mundial
Sessão especial
Political Advertisement 1952-2024
[Propaganda política 1952-2024]
Antoni Muntadas e Marshall Reese | Arquivo digital
32º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade
Mudança (Mudanza)
Pere Portabella | DCP
Puro sangue (Pura sangre)
Luis Ospina | DCP
Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) (Agarrando pueblo)
Luis Ospina e Carlos Mayolo | DCP
Vampir-Cuadecuc
Pere Portabella | DCP
Alegria do amor
Marcia Paraiso | DCP
Avenida Beira-Mar
Bernardo Florim e Maju de Paiva | DCP
Baby
Marcelo Caetano | DCP
O melhor amigo
Allan Deberton | DCP
Salão de baile – This Is Ballroom
Juru e Vitã | DCP
Uma breve história da imprensa
LGBT+ no Brasil
Lufe Steffen | DCP
A herança
João Cândido Zacharias | DCP
Insubmissas
Carol Benjamin, Ana do Carmo, Julia
Katharine, Luh Maza e Tais Amordivino | DCP
Parque de diversões
Ricardo Alves Jr. | DCP
Presença
Erly Vieira Jr. | DCP
14:50 Malu (103')
17:00 O dia que te conheci (71')
18:30 O dia da posse (70')
20:00 Malu (103')
12
14:30 O dia que te conheci (71')
16:00 O dia da posse (70')
17:30 Malu (103')
19:30 Mami Wata (107')
19
18:00 32º Festival Mix Brasil Avenida Beira-Mar (86')
20:00 32º Festival Mix Brasil Alegria do amor (115') 26
14:00 Santino (89')
16:30 Maputo Nakuzandza (71')
18:00 O dia que te conheci (71')
19:30 Cinema de movimento: os filmes de Lincoln Péricles LK (104')
6
14:20 O dia que te conheci (71')
15:50 O dia da posse (70')
17:20 Malu (103')
19:30 Sessão Mutual Films Mudança + Puro sangue (119'), sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
13
14:50 Malu (103')
17:00 O dia que te conheci (71')
18:30 O dia da posse (70')
20:00 Malu (103')
20
14:00 O dia que te conheci (71')
15:50 Malu (103')
18:00 Santino (89')
20:00 Maputo Nakuzandza (71') 27
20:00 Santino (89') 7
14:50 O dia da posse (70')
16:20 Malu (103')
19:00 Sessão Mutual Films Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) + Vampir-Cuadecuc (95'), seguida de debate com Claudio Leal, Lúcia Monteiro, Mariana Shellard e Aaron Cutler
14
18:00 32º Festival Mix Brasil Parque de diversões (71')
20:00 32º Festival Mix Brasil Insubmissas (72')
21
20:00 Dentro de nossas portas, de Oscar Micheaux, com trilha sonora ao vivo da Funmilayo Afrobeat Orquestra (74')
28
14:00 Malu (103')
16:00 Santino (89')
18:00 Maputo Nakuzandza (71')
20:00 Terceiro milênio (90'), estreia mundial da cópia restaurada em 4K; sessão apresentada por Jorge Bodanzky
1
14:45 O dia que te conheci (71')
16:20 Malu (103')
19:00 Political Advertisement 1952-2024
[Propaganda política 1952-2024] (96'), seguido de debate com Semayat Oliveira e João Fernandes
8
14:30 O dia da posse (70')
16:00 Malu (103')
18:15 O dia da posse (70')
19:45 Malu (103')
22:00 O dia que te conheci (71')
15
Festival Nicho Novembro
14:00 Painel "Mais mulheres na produção", com Juliana Lira, Thaís Moresi e Rubian Melo
16:00 Painel "Nicho 54 convida Ancine", com Paulo Alcoforado
19:00 Painel "Produção de documentário no Brasil e na França", com Laurence Lascary 22
20:00 Dentro de nossas portas, de Oscar Micheaux, com trilha sonora ao vivo da Funmilayo Afrobeat Orquestra (74')
Festival ZUM 2024
29
15:00 O dia que te conheci (71')
16:30 O dia da posse (70')
18:00 Santino (89')
20:00 Maputo Nakuzandza (71')
22:00 Malu (103')
14:00 O dia que te conheci (71')
15:30 O dia da posse (70')
17:00 Cinema de movimento: os filmes de Lincoln Péricles LK, sessão apresentada pelo diretor (104')
19:45 Malu (103')
22:00 O dia que te conheci (71')
16
Festival Nicho Novembro
14:00 Painel "A criatividade do arquivo, o caso de Othelo, o grande", com Lucas H. Rossi
17:00 Painel "Em produção", com Grace Passô e Julia Alves
20:00 32º Festival Mix Brasil Salão de baileThis Is Ballroom (94')
22:00 32º Festival Mix Brasil Presença (71')
23
14:00 Santino (89')
16:30 Maputo Nakuzandza (71')
18:00 Small Axe: Lovers Rock (70')
20:00 32º Festival Mix Brasil O melhor amigo (93')
22:00 32º Festival Mix Brasil A herança (80')
30
14:00 O dia que te conheci (71')
15:30 Sessão Mutual Films Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) + Vampir-Cuadecuc (95')
18:00 Small Axe: Red, White & Blue (81')
20:00 Maputo Nakuzandza (71')
22:00 Malu (103')
Festival ZUM 2024
14:30 O dia que te conheci (71')
16:00 O dia da posse (70')
17:30 Sessão Mutual Films Mudança + Puro sangue (119')
20:00 Malu (103') 17
14:00 Malu (103')
16:00 Santino (89')
18:00 Maputo Nakuzandza (71')
20:00 32º Festival Mix Brasil Baby (107') 24
14:00 Santino (89')
16:00 Mami Wata (107')
18:00 32º Festival Mix Brasil Uma breve história da imprensa LGBT+ no Brasil (110')
20:00 Maputo Nakuzandza (71')
Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.
Propaganda política: a escalada da mentira
João Fernandes
Political Advertisement é um vídeo singular, simultaneamente um ato artístico e um ato político, que documenta, acontece e intervém num contexto histórico determinado: as eleições presidenciais norte-americanas. Desde 1984, dois artistas conceituais, o catalão Antoni Muntadas (Barcelona, 1942) e o norte-americano Marshall Reese (Washington D.C., 1955), reúnem e editam, a cada eleição presidencial nos Estados Unidos, um arquivo de material audiovisual que documenta a publicidade política produzida e difundida pelas campanhas dos candidatos às eleições. Os artistas partem do ano de 1952, época em que a televisão começava a ser uma presença em todas as casas dos eleitores. O vídeo é reapresentado, sempre atualizado, nos Estados Unidos e em outros países, em sessões especiais, na semana que antecede cada eleição. Sendo os EUA o país que mais protagoniza, desde a segunda metade do século 20, um imperialismo econômico, militar e cultural que condiciona e determina a vida em todo o planeta, tudo o que acontece na política norte-americana afeta de modo mais direto ou indireto a vida de todas e todos nós. É impossível não sentir que também deveríamos poder votar nessas eleições, atendendo ao modo como elas marcam uma história
do mundo, exemplificando aquilo a que Noam Chomsky chamou de “manufatura do consenso”, que afirma e impõe uma ideologia que afeta todo o planeta. Quando assistimos a esses anúncios políticos, nos vemos também como alvo deles, mesmo não sendo cidadãos norte-americanos.
E eles originam “réplicas sísmicas” em muitos outros países, como poderá constatar agora o público brasileiro que terá acesso ao vídeo.
A contaminação da propaganda política pelas estratégias da publicidade tem um longo histórico, desde o cinema de propaganda soviético até esses filmes e vídeos produzidos num país onde a comunicação política reduz as ideias a slogans, como produtos destinados a manipular e a convencer o eleitorado, entendido como público-alvo consumidor. Uma história política se confunde com uma história da publicidade e da mídia dominante, desde as origens da televisão até a internet e as redes sociais no nosso tempo, não tratadas pelos autores, que pertencem a uma geração cuja juventude foi mais marcada pela televisão. Isso não diminui, no entanto, a contemporaneidade e a acuidade deste trabalho, que permanece extremamente útil enquanto crítica cultural do modelo ideológico e político que formata uma percepção do mundo,
ampliando o nosso entendimento da comunicação que encontramos, seja na televisão, seja nas redes sociais.
Os artistas compilaram e “colaram” conjuntos de anúncios para televisão produzidos para cada eleição. A maioria deles representa os maiores partidos em contenda no sistema eleitoral americano: democrata e republicano. Por vezes, encontramos anúncios de candidatos contra outros candidatos do mesmo partido, exemplificativos do processo de escolha por meio de eleições primárias dentro dos dois maiores partidos. Candidaturas
independentes são raras e não dispõem, na maioria dos casos, da possibilidade econômica de utilizarem o recurso televisivo.
Frequentes vezes são também anúncios que atacam o adversário, buscando a polarização e o maniqueísmo, apesar de recorrerem, independentemente de candidatos
e partidos, a um discurso comum de exaltação de valores assumidos como “americanos”, proclamados universais: a família, a liberdade, a segurança, a democracia, a crença na América. É muito curioso como recorrem a um discurso contra a guerra, no contexto histórico das guerras que os EUA, maior potência belicosa no século 20, originaram por todo o mundo. As imagens frequentes de explosões nucleares ou da Guerra do Vietnã são disso um exemplo claro. Vários candidatos afirmam a sua condição de “heróis de guerra”, acusando os seus oponentes de traição ou falta de coragem. Muita dessa propaganda busca construir o medo no eleitorado, seja em relação ao adversário, seja em relação aos “perigos” de um mundo ameaçador. Quase todos os anúncios são protagonizados por homens brancos, o que é muito esclarecedor da questão racial ou do discurso dominante sobre o papel da mulher no discurso político dominante norte-americano. Esta surge sobretudo apresentada como esposa, mãe ou filha do candidato. Os artistas não intervêm nem comentam os anúncios apresentados, que se sucedem, repetitivos, autorreferenciais, repetindo os mesmos temas e assuntos até a exaustão. Há algo de “pornográfico” nessa repetitividade e recorrência temática. De certo modo,
esses anúncios são casos exemplares de “pornografia política”. O excesso e a repetição escondem algo na sua recursividade. Em suas estratégias de propaganda, eles se impõem e excluem quaisquer condições de verificação. A sua compilação e apresentação exaustiva abre, no entanto, a possibilidade de uma interpretação crítica que os ultrapassa nos seus objetivos imediatos.
O trabalho não tem fim: no momento em que este texto é escrito, desconhecemos ainda a nova versão que Muntadas e Reese estão preparando, incluindo imagens da atual campanha eleitoral.
Political Advertisement é um vídeo que convoca a inteligência crítica do espectador, abre um espaço para a dissidência e para a denúncia, ao demonstrar o uso manipulatório da informação e da comunicação. A uniformidade predominante dos conteúdos e das estratégias visuais das candidaturas em competição sublinham a suspeita de que a informação e as “verdades” transmitidas não são mais do que a construção de uma grande mentira. Nesta época de fake news , em que a internet e as redes sociais representam uma escalada da mentira política, este vídeo demonstra como tudo começou e continua. Political Advertisement afirma-se como uma obra relevante no campo
da midia art, originando uma crítica cultural pela documentação histórica, que faz os espectadores considerarem o papel da mídia na política e os seus efeitos na democracia. Numa das suas obras mais conhecidas, Muntadas alerta: “Atenção! Percepção requer envolvimento.” Todas e todos sairemos um pouco mais envolvidos com o mundo em que vivemos, e um pouco melhor preparados para sobreviver às suas ilusões, depois de assistir a este magnífico exemplo de “artivismo” na produção artística contemporânea.
Antoni Muntadas é um artista que convoca no seu trabalho temas sociais e políticos, a partir de uma análise crítica da informação e da comunicação, articulando a relação entre o espaço público e privado dentro de contextos sociais e comunicacionais específicos e problematizando o papel do artista e da arte na sociedade contemporânea. Marshall Reese é um artista que trabalha com vídeo, redes de informação, hardware e software personalizados, edições e eventos temporários de arte pública. Desde meados dos anos 1980, tem trabalhado com Nora Ligorano, adotando a assinatura LigoranoReese. As suas obras são uma investigação permanente sobre o impacto da tecnologia na sociedade e a retórica da política e da cultura visual na mídia.
Dentro de nossas
portas (1920), de Oscar Micheaux: o renascimento
da nação
Kênia Freitas
No texto “Filmes de Micheaux: celebrando a negritude” (2019), bell hooks contrapõe a demanda recorrente feita aos cinemas negros de representar obrigatoriamente imagens positivas das pessoas pretas à criatividade opositora que impulsiona os filmes de Oscar Micheaux. A autora ressalta que, para o diretor estadunidense pioneiro, se tratava mais do desejo de contar “histórias originais da vida negra”,1 com suas complexidades de experiências e de sentimentos, do que de simplificar a presença negra em tela apenas pela oposição negativa e positiva. Junto com hooks, celebramos a variedade das experiências e vivências negras que saltam aos olhos quando assistimos ao cinema de Micheaux. Dentro de nossas portas (1920), feito há mais de um século, pode ser visto como um dos marcos iniciais desse projeto cinematográfico. O filme é a segunda obra dirigida pelo diretor e, como o primeiro, The Homesteader, é considerado perdido, seria o longa-metragem ficcional mais antigo dirigido por uma pessoa negra nos EUA com cópia ainda existente.
Falar de Oscar Micheaux é falar também do cinema em uma dimensão múltipla, não
apenas de criação estética e formal, mas da invenção de um mercado de imagens próprio em uma sociedade marcada pela segregação – como era os EUA no início do século 20. Micheaux foi um dos empreendedores pioneiros do cinema dirigido, encenado, produzido e distribuído por pessoas negras –sendo parte da consolidação do que viria a ser chamado de race movies (entre os anos 1910 e 1950). Essa consolidação ficou mais no desejo do que na realidade, visto que foi um mercado caracterizado pela instabilidade e pelas dificuldades de financiamento e de distribuição dos filmes. Ainda assim, durante o curto auge dos filmes raciais (com pico em 1921, e diminuição considerável a partir dos anos 1930), “produtoras e exibidores negros trabalhavam juntos com o intuito de organizar algo semelhante ao sistema de integração vertical das empresas majors de Hollywood, no qual produtores tinham garantia automática de exibição nos cinemas do estúdio produtor”.2
Infelizmente, esse mercado logo passaria por uma desestruturação financeira, com a concorrência vinda de produtoras brancas que buscavam atrair o lucrativo público
1. hooks, bell. "Filmes de Micheaux: celebrando a negritude". In: Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.
2. Gaines, Jane. “Uma breve história dos race movies”. In: Almeida, Paulo Ricardo G. de (org.). Oscar Micheaux: o cinema negro e a segregação racial. Rio de Janeiro: Voa!, 2013, p. 11.
negro. E, ainda que a maioria dos filmes tenha se perdido em processos de deterioração pelas constantes exibições e/ou pelas condições inadequadas de armazenamento, os race movies inauguraram o primeiro movimento cinematográfico que visava à autorrepresentação negra como fim – contra os estereótipos e racismos dos filmes hollywoodianos do período.
Foi nesse contexto que, entre 1919 e 1948, Oscar Micheaux dirigiu mais de 40 filmes sobre e para pessoas negras. O seu modo de produção era econômico e intenso: ele chegava a filmar três ou quatro filmes por ano, em alguns períodos. Para isso, eram utilizados atores não experientes (junto com outros profissionais) e locações reaproveitadas de outros filmes, e muitas vezes um único take era realizado para cada plano (o erro não poderia acontecer e, quando ocorria, deveria ser incorporado ao filme). O próprio diretor vendia ações dos filmes para comerciantes negros, com o objetivo de conseguir produzi-los, e circulava com as cópias prontas, que eram exibidas em diferentes cinemas por anos (para assegurar algum retorno financeiro da empreitada).
Para além desse lado empreendedor, Michaux se dedicou a cultivar a sua criatividade opositora, propondo histórias negras variadas e, sobretudo, com personagens dos
mais diversos tipos. Em Dentro de nossas portas, acompanhamos a saga de Sylvia (interpretada por Evelyn Preer, atriz presente em vários dos filmes de Micheaux). Na história, ela é uma professora negra dedicada e idealista em busca do amor e de transformações concretas para a população negra dos EUA, por meio do acesso à educação. Sylvia é marcada por um trauma familiar do passado e enfrenta uma série de obstáculos e contratempos no seu presente: a inveja e sabotagem dos primos nortistas; a violência do primeiro noivo (que a ataca ao achar que foi traído); pretendentes amorosos pelos quais ela não se interessa; tentativas de assaltos e acidentes diversos – para falarmos de alguns. Nada disso abala a sua crença na possibilidade de transformação a partir do trabalho e da dedicação.
Em sua jornada atribulada, a ligação entre o sul dos EUA (de onde ela é originalmente) e o norte (onde ela tenta recomeçar a sua vida) não é uma via de mão única. A heroína desloca-se com frequência de uma região para a outra, como se em nenhuma das duas fosse capaz de isoladamente proporcionar uma possibilidade de vida negra plena (sem o trauma do passado e a atuação permanente da antinegritude). Como argumenta Jacqueline Stewart, no filme, “Micheaux pinta o retrato de um país profundamente
fragmentado – regional e racialmente –, sem qualquer possibilidade de reparação política ou estética”.3 Não à toa, a possibilidade de um final feliz não vem com facilidade e precisa passar pelo casamento da personagem sulista com o médico de Boston, Dr. Vivian (que simboliza o homem negro instruído do norte do país, com valores patrióticos e consciência de raça).
Com essa união norte-sul, é como se, cinco anos depois, Micheaux respondesse ao desfecho de O nascimento de uma nação (D.W. Griffith, 1915) e o recriasse. A união agora não é mais entre norte e sul brancos (os Stoneman e os Cameron), mas “entre as elites instruídas negras do norte e do sul para estudar e trabalhar em busca de uma ascensão”.4 Nesse sentido, o filme ajuda a fundar uma das marcas dos race movies: as narrativas de elevação (uplift) negra. Nessas narrativas de elevação, a classe média alta e bem instruída aparece como um ideal a ser atingido em muitos dos filmes. Se há uma miríade de personagens negros nos filmes, os mocinhos e mocinhas representam o negro “bem-educado, rico e de
3. Stewart, Jacqueline. “Uma jornada tortuosa rumo à cidadania: Dentro de nossas portas”. In: Ibidem, p. 185
4. Ibidem, p. 189.
boa reputação”. O mais importante, como ressalta Gaines, era “desafiar as suposições brancas de que os negros não poderiam, em hipótese alguma, ser isso ou aquilo”.5 Assim, há nos filmes uma tensão que se instala entre os avanços individuais (morais e financeiros) de uma classe média negra em ascensão e a condição negra coletiva, que permanece inalterada. Até porque o conceito de elevação nesses filmes estabelecia uma equivalência entre engrandecimento social e moral: “Avanços morais significavam avanços sociais, como se um fosse decorrência do outro”.6 Assim, em Dentro de nossas portas, a união entre Sylvia e Dr. Vivian é construída também como a possibilidade de superação do trauma da professora (que viu sua família adotiva ser linchada e que quase foi violentada no sul). Assim, esse processo de cura não passa pela vingança ou por um senso de justiça aos perseguidores brancos, mas pela adoção de uma postura patriótica e digna para a construção de um novo futuro. Além da permanente contraposição sul versus norte, o filme apresenta também outras dicotomias que atravessam a possibilidade de construção de uma nova “cidadania
negra”.7 Uma das questões mais marcantes é a contraposição da educação como instrumento de transformação social e de conquista de autonomia negra, por um lado, e a religião como elemento alienante e de manutenção da opressão, por outro.
No lado da educação, temos o reverendo
Wilson Jacobs e sua irmã Constance, professores negros do sul, que tocam com muita dificuldade a escola Piney Woods, para crianças negras desprovidas – escola onde, após suas primeiras desventuras no norte, Sylvia passa a trabalhar. Os dois irmãos, Sylvia e Dr. Vivian se alinham em uma perspectiva de que a formação educacional e o investimento na construção de cidadãos negros com valores morais cristãos (trabalho, família e pátria) seriam capazes de transformar a realidade da população negra dos EUA para melhor.
Já a religião, em uma perspectiva cínica, é usada para a manutenção da subserviência por sacerdotes como Ned. O pastor prega contra as ambições de ascensão negra – o caminho para o céu estaria na manutenção de uma “alma simples” e não questionadora. Se Micheaux faz questão de mostrar os financiadores brancos de Ned, ele também não alivia para o papel de antagonistas e traidores de vários dos personagens negros do filme.
Junto com Ned, no polo dos personagens moralmente condenados pela narrativa, estão os primos nortistas de Sylvia (que tramam de forma desonesta contra a heroína) e o criado sulista Efrem (fofoqueiro e traidor).
Ainda assim, é o arrependimento tardio de sua prima Alma que possibilita a reconciliação entre Sylvia e Dr. Vivian, ressaltando os tons de cinza que perpassam a formação de caráter desses personagens complexos, mesmo com os moralmente condenáveis. Ou, como diz Stewart: “O filme possui um grande elenco de tipos negros, mostrando que a população negra é composta de indivíduos de origens extremamente diversas e com objetivos e estilos de vida muito distintos”.8 Suas desventuras e eventuais bons encontros nos fazem questionar qual o significado da identidade negra estadunidense. E a resposta é que existem inúmeras possibilidade de significado para essa identidade nos filmes, tanto quanto existem inúmeros personagens e vivências negras.
É nessa ampla possibilidade de respostas que se forja na junção do debate da reivindicação de uma humanidade negra e do patriotismo negro estadunidense que o filme lança o seu horizonte. Um horizonte que segue sendo perseguido quase 105 anos depois.
5. Gaines, Jane. Op. cit., p. 115.
6. Ibidem, p. 116.
7. Stewart, Jacqueline. Op. cit.
8. Ibidem, p. 182.
Cinema em movimento,
cinema de movimento
Lincoln Péricles
“Seu muito pra mim é poco, pode ficar com troco, bati na porta por muito tempo, hoje eu arrombo.” Tasha e Tracie, “Poco”
Anos se passaram desde que comecei a trampar com filmes. Demorei a me ver como fazedor dessa área de profissão. O cinema sempre parecia, e descobri que é mesmo, um fuzil da burguesia apontado pra nossa cara. Lembro que me soavam tão pouco os apontamentos que buscavam definir nóis como “cinema de quebrada”, de fora pra dentro, sem entender de fato quais nossas demandas internas, que estavam também em constante movimento. Estávamos nos descobrindo, fugindo das autossabotagens e do subemprego que batia na porta toda vez que tentávamos sonhar um pouquinho mais alto. Em algum momento depois, lembro que, no rolê do cinema, ficou um pouco mais bonitinho falar que era da periferia, pra disputar editais que pagavam menos, ou escrever qualquer blá-blá-blá pra concorrer a oportunidades que de início já deveriam ser direcionadas pro nosso povo, principalmente quando falamos de dinheiro público.
O muito deles pra nóis sempre foi poco. Do lado de cá, fazer filmes seguia sendo um desafio tanto quanto era antes desses conceitos furados sobre o audiovisual produzido nas outras centralidades. O que queriam os que, de fora, tentaram nos definir? O que ganharam com isso? Nóis tem que se perguntar, se proteger, e se lembrar
de sempre produzir pensamento crítico sobre nossas caminhadas.
Se tem uma coisa que entendi nesse corre todo foi que o que fazemos é movimento social. Isso, quem não é nunca vai entender. O que é, a partir de uma demanda orgânica, poder construir de forma organizada e nos ver parte de uma coletividade que luta por causas fundamentais para os mais necessitados, como é o fazer da nossa arte? É por essa necessidade de organização desse movimento que olho pra nóis lá atrás achando pouco.
Pouco olho no olho, pouca organização, pouco dinheiro, pouca construção sólida, pouca autonomia. Afinal, se somos movimento social, pelo que lutamos? É uma pergunta honesta que tenho me feito. Mas com a certeza de que algo vem sendo construído, furando barreiras do tempo.
Um exemplo do pouco é o fato de que a educação em audiovisual continua na mão das mesmas instituições de 20 anos atrás, ou de ONGs que surgiram nesse processo de perceberem a força dos nossos trampos. Essas instituições não têm compromisso com um cinema político, como o nosso essencialmente é. A vontade deles é que nóis produza apenas o que passe no departamento de marketing das empresas ou ao olhar “bondoso” dos opressores em desconstrução.
Se algo promete romper, eles não tardam a tapar o buraco com o mesmo dedo que apontam quem deve ou não conseguir as vagas mais disputadas do mercado, que são as que precisam da tal representatividade e de saber dar um duplo twist carpado.
Tá, mas se é pouco porque tamo falando tanto?
Porque o que não é pouco é nossas vontades e sonhos.
É tanto trabalho que colocamos nas nossas produções de memória que só me faz pensar
como seria se assistíssemos a filmes produzidos por nossos pais, nossos avós, nossas bisavós. Imaginam? Pois é, nossos filmes foram feitos e tão aí no mundão, pra daqui em diante. Feitos por os daqui do passado.
Parça, nossa caminhada até aqui é sólida e é algo fantástico para se apegar quando pretendemos criar algo novo ou se organizar pra virar de direção o fuzil. O que produzimos tem a capacidade de afetar as estruturas sociais diretamente, porque da classe trabalhadora somos o fruto e a terra fértil,
com novas sementes surgindo o tempo todo no audiovisual, mais do que nunca.
Resta saber como vamos preparar esse terreno, se vai ser reproduzindo o que as escolas inibidoras estão propagando aos nossos ou se vamos construir solidamentenossos próprios espaços de ensino, circulação, da mesma forma como muitos coletivos e indivíduos construíram sua produção.
O que fizemos até aqui é um ótimo começo. Muita coisa.
Histórias ocupadas:
Steve McQueen
Música e dança como hiatos de liberdade negra
em Small Axe
Mariana Queen Nwabasili
O interesse pelas consequências de eventos ou períodos violentos da História nas relações sociais do presente marca parte significativa da filmografia do cineasta britânico Steve McQueen, e possivelmente explica o seu apelo a registros mais realistas em diferentes trabalhos. A forma como o diretor escolhe filmar episódios reais de opressão e resistência de imigrantes afro-caribenhos na Londres das décadas de 1960, 1970 e 1980 na série Small Axe , de 2020, é evidência disso: há um compromisso documental em ficcionalizar o que poucas vezes foi dado a ver sob a perspectiva crítica de artistas negros no cinema ou na TV ocidentais.
A dilatação temporal e a filmagem vertiginosa, com muitos momentos de câmera na mão, escolhidas por McQueen para reconstituir cenas da vivência cultural afro-caribenha e afro-britânica no segundo dos cinco episódios da série (Lovers Rock) têm chamativa e atrativa singularidade em meio aos demais capítulos – todos independentes entre si. Complexidade que ganha inevitável maior espaço de abordagem neste texto.
Carregado de uma trilha sonora que mobiliza ritmos e gêneros, como reggae, dub, rocksteady e disco music, Lovers Rock foi selecionado, ao lado do filme Mangrove, para exibição na edição do Festival de Cannes que aconteceria em 2020 e foi cancelada
devido à pandemia de covid-19. O longa-metragem se tornou obra de abertura do 58º Festival de Cinema de Nova York (realizado online) e foi escolhido o melhor filme de 2020 pela Associação de Críticos de Chicago.
Bem como a maioria dos demais longas que compõem Small Axe , Lovers Rock parte de um caso real. Porém, dessa vez, com origem em uma memória afetiva do diretor, o que talvez o tenha permitido maior liberdade para a inventividade cinematográfica. À revista estadunidense Esquire , McQueen, que é filho de imigrantes caribenhos, contou que queria apenas fazer um filme sobre sua tia Molly. Ela costumava fugir de casa e cruzar bairros de Londres para ir às chamadas blues parties, festas caseiras que a comunidade jamaicana da cidade promovia na década de 1980 a partir da influência do sound system (populares discotecas móveis da Jamaica).
No episódio, acompanhamos os preparativos e o desenvolvimento de uma blues party. Há uma personagem protagonista, Martha Trenton (Amarah-Jae St. Aubyn), que foge de casa para ir ao evento. Entretanto, a centralidade mesmo está nas imagens dos corpos negros dançantes em coletivo. São planos e sequências por vezes longos, que causam um efeito vertiginoso e sedutor em
quem assiste, fazendo o encontro com o tempo do filme dilatar a percepção do tempo que a sessão dura na realidade do espectador (70 minutos).
O título da obra foi nome de um selo musical britânico criado por Dennis Bovell, guitarrista de reggae nascido em Barbados e radicado na Inglaterra, que, por sua vez, foi inspirado em música homônima de Augustus Pablo (1954-1999), artista e produtor jamaicano de dub. Devido ao perfil dos músicos que o selo promovia, seu nome se tornou o de um gênero musical, o lovers rock, que, em termos práticos, pode ser considerado a versão romântica do reggae. O ritmo virou sinônimo da popularização do reggae na Inglaterra, e nomeia o episódio dirigido por McQueen por ser o tipo de música preferido da protagonista Martha.
Se no primeiro capítulo da série (Mangrove) a fisicalidade e a cultura afro-caribenhas tomam a tela de forma mais ambivalente –a corporeidade das personagens permite a elas afirmar sua cultura por meio da culinária, da música e da dança, mas também resistir objetiva e energicamente a violências físicas de policiais racistas –, em Lovers Rock essas instâncias tomam conta do percurso serpenteado da trama, que evidencia as expressividades corporais e musicais presentes nas blues parties como sinônimo de liberdade e
libertação. Algo que, considerando as experiências comuns das afrodiásporas ao redor do mundo, nos faz lembrar uma colocação feita pela historiadora, poetisa e militante negra brasileira Maria Beatriz Nascimento (1942-1995) no documentário ensaístico Orí (Raquel Gerber, 1989). Acima das imagens de um baile black da Chic Show, realizado na cidade de São Paulo na década de 1980, diz a narração de Nascimento: “Não é à toa que a dança para o negro é uma forma de libertação. O homem negro não pode estar liberto enquanto ele não esquecer o cativeiro, não esquecer no gesto que ele não é mais um cativo.”
Nesse sentido, em Lovers Rock, destaca-se a passagem na qual é mostrada uma dança coletiva ao som de “Silly Games”, música de Janet Kay lançada em 1979 e considerada o primeiro grande sucesso do gênero lovers rock. A cena culmina em um lindo momento de canto a capela realizado pelos dançantes em êxtase, e pode ser percebida como uma ressonância, uma vibração, ao ser continuidade de uma das imagens iniciais do episódio: o momento em que as anfitriãs da festa preparam na cozinha a comida a ser servida enquanto cantam, entre gargalhadas, “Sillyyyy gaaames”.
Há também a sequência da dança sensual entre a protagonista e seu par na noite, na
qual o close no encaixe das pelves anuncia a vazão sexual como parte das liberdades emanadas e intrínsecas àquelas festas. Por fim, há uma visceral sequência que evidencia um contraste sexista com as duas anteriores. É o momento em que os homens da festa começam a dançar de forma efusiva: a câmera enquadra em primeiro plano seus corpos e estados de espirito alterados pela música e pelo fumo; alguns deles se contorcem no chão, remetendo a um estado de transe que é reiterado pela instabilidade das imagens. Principais alvos da polícia, homens negros, ao poderem ali estar e sentir-se livres, dançam de maneira literalmente enlouquecida. Transpiram. Transcendem.
Em torno das cenas de dança e da movimentação de Martha no espaço da festa, abrem-se histórias a serem desveladas em meio ao passeio da câmera – uma espécie de “câmera-olho” ficcional – por ambientes internos e externos. Assim, observamos a relação de competição pela atenção dos homens entre as mulheres presentes; um iminente abuso sexual a ser cometido no jardim e corajosamente interrompido pela protagonista; e um tenso reencontro dela com seu primo, Clifton (Kedar Williams-Stirling), jovem rebelde e emocionalmente instável, que consegue acessar
a festa sob tensão com o segurança. Este prefere deixá-lo entrar do que fazer a discussão que estão travando na porta chamar a atenção da polícia que passa na rua. Bem como ocorreu na História, as blues parties se apresentam, então, também como ambiente de acolhimento e proteção frente aos dramas pessoais de cada um dos presentes e à hostilidade racista da polícia na cidade.
Aliás, muitas vezes durante o episódio temos a impressão de escutar a sirene de viaturas. Porém, a todo momento esse som é desestabilizado, ao ser confundido, ou melhor, incorporado como parte da trilha sonora da festa. Num jogo que brinca com a expectativa negativa comumente criada quando são associadas imagens de jovens negros ao som e à luz de carros de polícia, a percepção da sirene como dispositivo de alerta hostil a esse grupo é subvertida por meio do controle musical desse som, não apenas pelos DJs da festa, como também, no âmbito extradiegético, do próprio diretor do filme. Ou seja, expressividades artístico-culturais são assumidas como forma política de transgressão de dispositivos e símbolos que oprimem negros.
A proposta mais experimental de filmagem em Lovers Rock – destaque para a direção de fotografia do antiguano Shabier Kirchner,
vencedor do Bafta pelo trabalho em Small Axe – contrasta significativamente com o retorno a uma reconstituição histórica realista de lapidação comercial no episódio seguinte, que, se assistido conforme a ordem dos capítulos da série, apresenta-se com capacidade muito mais tímida de impacto.
Baseado na história real de Leroy Logan, policial britânico fundador da Associação de Polícia Negra do Reino Unido, o filme Red, White & Blue [Vermelho, branco e azul, justamente as cores das sirenes dos carros de polícia] joga luz e adentra o modus operandi da instituição reiterada como hostil aos negros nos diferentes capítulos.
Logan (interpretado por John Boyega, vencedor do Globo de Ouro pelo papel) interrompeu sua carreira como cientista na área forense para adentrar a reconhecidamente racista polícia metropolitana de Londres, durante o período de tensões raciais do governo de Margaret Thatcher, entre 1979 e 1990. No filme, sua decisão se dá após dois policiais racistas agredirem seu pai, Kenneth (Steve Toussaint), acusado injustamente de ter estacionado seu veículo de forma ilegal, e hospitalizado depois da agressão.
Nesse cenário, a motivação do protagonista – um assumido e solitário idealista – é mudar a instituição policial desde dentro. Mas a aposta tem resultado limitado diante
das explícitas e contínuas violências racistas que os seus sofrem nas ruas e das provocações e espécies de boicotes que ele mesmo sofre no trabalho. O impasse rende cenas de conflito entre o protagonista e seu pai, e também entre o protagonista e os demais membros de sua comunidade negra, que passam a acusá-lo de traição.
A escolha de McQueen em dirigir cenas violentas sutis ou explícitas contra negros em um registro mais realista – o mesmo acontece em Mangrove, e em seu premiado filme 12 anos de escravidão – chama a atenção, possivelmente como forma de instigar no público um tipo de indignação histórica que, então, não deve ser necessariamente superada.
Em um filme que também aposta em imagens do gênero ação, a lapidação estética dessas cenas permite dramaticidade a elas. Mas, à luz dos contemporâneos debates brasileiros sobre representação da violência contra corpos negros na história do cinema e do audiovisual, também nos leva a questionar: até que ponto é possível “envernizar” a violência contra negros nas artes? Até que ponto ou como e quando esse “verniz” suaviza ou potencializa a força realista de imagens audiovisuais que interpelam espectadores tão negros quanto as personagens retratadas?
Espelhando a complexidade dessas questões, canções de artistas como Al Green e Gloria Jones permeiam a apresentação de uma faceta mais desesperançosa da história de Leroy Logan – na vida real, um homem negro que trabalhou na polícia londrina por 30 anos –, e compõem uma trilha sonora que nos permite não esquecer também da beleza intrinsecamente libertária de ritmos e músicas negras (e/ou de origem negra) criados e escutados em concomitância às históricas mazelas do racismo.
Histórias ocupadas:
Steve McQueen
Steve McQueen e Paul Gilroy, um diálogo
tradução: Heitor Augusto
Steve McQueen Oi, Paul.
Paul Gilroy Olá, Steve. Que bom te ver.
SM Digo o mesmo.
PG Ótimo poder falar sobre esse seu trabalho, o Small Axe [Machadinha]
SM Eu tinha 19 anos quando te conheci, você era professor na Goldsmiths [uma das faculdades dentro da Universidade de Londres]. Bati na porta do seu escritório, sentamos, conversamos. A sua generosidade, essa prática de manter as portas abertas, foi fantástica para mim. Passaram-se quase 30 anos, mas você segue assim. De certa forma, tem sido uma longa jornada até o ponto em que estamos hoje, quando te convidamos para atuar como consultor em Small Axe.
PG Fiquei animado desde as nossas primeiras conversas sobre como as vidas negras são vistas na tela, no que tange às transformações geracionais da história das pessoas, especialmente as caribenhas, que se estabeleceram aqui, no Reino Unido, e a história das complexas e difíceis experiências vividas nesse lugar. O que você disse me deixou animado, pois seu interesse era
encontrar uma maneira de trazer à vida essa macro-história. Em vez de apenas devolvê-la para aqueles que a viveram, você almejava ampliá-la, de forma que pudesse ressoar, mesmo em frequências distintas, em qualquer espectador. Isso ficou nítido desde o começo, de que você não aceitaria menos que isso.
SM De certa forma é estranho, pois quando penso nessa longuíssima jornada que experienciamos enquanto negros no Reino Unido... É uma dessas coisas que, quando você é tão invisibilizado na cultura popular, quando você é indesejado, é estranho ocupar a posição daquele que mostra isso. Muitas pessoas se surpreendem, mas não deveriam, porque [essa história de opressão] está em curso o tempo todo, influencia tudo e é tangível.
PG Lembro de uma conversa nossa em 2010 ou 2011, você me falou sobre o que almejava [ao contar essa história]...
SM Aproveitei a oportunidade porque percebi uma lacuna no cânone do cinema –faltava um filme que trouxesse visibilidade às nossas histórias. Porém, um tempo depois, pensei: “Meu Deus, realmente quero fazer esse filme?”. Você sabe, a responsabilidade,
o peso disso. No início, imaginava que seria uma trama ficcional sobre uma família atravessando um desafio, pois, você sabe, seria um filme em seis episódios para a televisão, acompanhando-a desde 1968 a meados dos anos 1980. Com vagar, mas também com convicção, percebi, durante a pesquisa, que aquilo tudo [os fatos reais] era muito interessante. Não podia inventá-los.
PG Fico curioso em saber como os roteiros tomaram forma. Claro, você trabalhou com Alex [Wheatle] e Courttia Newland, ambos escritores... Fico curioso em saber sobre o processo e quais habilidades de ambos o atraiu para esse projeto.
SM O interessante sobre o Courttia é que ele carrega as memórias dessas festas de blues, porque seus pais eram frequentadores. Acho que ele é um pouco mais jovem que eu [Courttia e Steve tem cinco anos de diferença], mas ele testemunhou tudo aquilo quando era um menino. Suas lembranças dos detalhes foram fundamentais para Lovers Rock . Já em Red, White & Blue, Courttia e eu tínhamos conversas bem francas com o Leroy Logan [cuja história inspirou a trajetória do protagonista] sobre os anos em que fez parte da Polícia Metropolitana de Londres. Achávamos que
precisávamos ir a fundo. Claro, na condição de ex-policial, ele olhava positivamente para a polícia. Mas Courttia e eu lançamos bolas rápidas e traiçoeiras em sua direção...
O Leroy tem uma característica firme. Mas eventualmente quebramos um pouco essa rigidez, então certas coisas começaram a escapar e vir para o primeiro plano, de forma que pudéssemos trabalhar com elas. Acho que [o ponto de conexão] veio por meio do seu pai, que o representava. Esse foi nosso objetivo. Conversando com o Courttia, falamos das relações com nossos pais e de como era importantíssimo que isso estivesse presente em Red, White & Blue. Já em Alex Wheatle, o Alex fez parte da nossa sala de roteiro. Ao ouvir sua história, pensava apenas em como essa era a história dele. O Alex dizia: “Minha?”. Eu apontava para ele: “Sim, sua! É você e sua história.” Ele nunca havia escrito sobre ela, nem falado em profundidade. Mas a história é fantástica – e é dele. Mas há também o Alastair Siddons, corroteirista de Alex Wheatle e Mangrove. A pesquisa que ele fez não tem preço.
PG Em que medida era importante para você a veracidade das histórias contadas [na antologia Small Axe]? A sua forma de narrá-las tem uma verdade própria. Por que pessoas reais teriam de ser representadas,
por que não poderia ser um projeto especulativo? O que traz essa verdade?
SM Porque a própria verdade era inacreditável. Ela trazia uma textura e atestava uma verdade sobre nós enquanto humanos, sobre as coisas que temos de fazer para colocar uma perna à frente da outra e simplesmente levantar da cama – sobre como desafiamos a gravidade. Para mim, era importante representar histórias reais, como para dizer: “Olha o que seus pais conseguiram, os seus tios… Olha o que fizeram as pessoas que te antecederam para que você pudesse caminhar, ter dúvidas, tomar seu cappuccino.”
Entendi…
SM Os feitos registrados em Mangrove são gigantescos. Eles têm alguma semelhança com os fatos de Fome [Hunger, 2008], no sentido de que as pessoas não queriam falar sobre eles, ainda que tenham sido fatos cruciais para a história deste país e para as relações entre britânicos e irlandeses. O que aconteceu em Mangrove influencia toda a ideia de formas de se manifestar publicamente e o próprio direito à manifestação.
PG Eu vejo que afirmar uma noção diferente de justiça é algo a se notar, trata-se
de algo nobre. O movimento que [nós negros] fizemos neste país exigiu justiça, ou melhor, exigiu da Justiça algo além do julgamento baseado na cor – que era como a Justiça se apresentava na maioria das vezes. Mas o que seu filme realmente aborda é o que representa viver num espaço democrático ou aspirar a uma democracia mais aprofundada do que aquela que conhecemos.
SM Na minha adolescência, o julgamento de Mangrove era como um caso lendário. Contudo, ele foi empurrado para debaixo do tapete – as pessoas não queriam falar sobre isso. Naquele período, as pessoas não queriam falar porque havia muita dor, muitas pessoas ainda lidavam com o trauma. Acho que o meu filme logrou trazer o assunto à tona de maneira celebratória. Sinto que foi a primeira vez que as pessoas abraçaram o ocorrido dessa forma.
PG Quando eu sentei para assistir a Mangrove na BBC – exibido em horário nobre –, decidi deixar aberto o feed das minhas redes sociais para observar os comentários à medida que as pessoas vissem o filme. Foi maravilhoso ver que o público estava assistindo. A velocidade me espantou. Depois de um tempo, não
consegui mais acompanhar a intensidade da interação entre elas e com o filme, as pessoas estavam vivendo aquilo em tempo real.
SM Muitas pessoas me falaram que diferentes gerações de suas famílias se reuniam para assistir ao filme e poder conversar ao final da exibição.
PG Então você descobriu que as estava encorajando, oferecendo uma oportunidade para falar desses fatos até então impronunciáveis. E o tom das reações entre as pessoas mais jovens era do tipo: “Como assim não sabíamos dessa história? Por que não nos contaram? Por que não tinham condições de nos contar?”
SM Quer dizer, tudo isso coincidiu com o assassinato de George Floyd, o que trouxe mais atenção aos filmes e jogou luz [no racismo]. As pessoas queriam saber o que estava acontecendo, como havíamos chegado até aqui. O Small Axe chegou num momento crucial.
PG Vamos falar sobre a relevância do Massacre de New Cross, o incêndio criminoso ocorrido na New Cross Road que levou a um protesto nacional que anunciou, de
maneira inédita, a presença combativa dos negros britânicos, não apenas no luto pelos mortos ou no indiciamento da inaptidão do governo e do Estado de reconhecer a dor e o sofrimento [das vítimas], mas também na manifestação do poder de um novo corpo político.
SM Inicialmente, pensei em transformar o incêndio na New Cross em um dos episódios da antologia, mas eu não queria transformar o Uprising – bem, o filme que hoje se chama Uprising – num longa ficcional. Quando você tem uma situação na qual crianças morrem numa casa e as circunstâncias ainda não foram esclarecidas, trata-se de algo que tem de ser investigado, em vez de ilustrado... Então pensei em aprofundar, ver o que era. Eu e James Rogan [codiretor de Uprising ] nos dedicamos à investigação que levaria a um documentário. Não cabia integrar essa história à antologia Small Axe , esse episódio tinha de ser investigado.
PG Sim, porque ainda está aqui. Uma coisa dessas é extraordinária... Não direi que foi esquecida, mas, sim, reprimida. A memória foi como que reprimida – de certa forma, tinha de sê-lo para que as coisas seguissem tal como estão.
PG Me ocorrem agora as palavras do W.E.B. Du Bois, famoso escritor afro-americano, no início do século 20. Ele disse que o fator que definia a vida negra nos EUA naquele momento [1903, quando As almas do povo negro foi inicialmente lançado] era a ideia ao redor da pergunta “como é se sentir sendo um problema?”. Quando comecei a escrever acerca das vidas negras no Reino Unido, senti a voz do Du Bois na minha orelha. Para mim, o ponto de partida estabelecido por Small Axe para o debate é uma recusa a essa ideia de se sentir um problema. [Pelo contrário, a pergunta é:] como o racismo se sente sendo um problema? Como a injustiça se sente sendo um problema? Como a desigualdade se sente sendo um problema?
Como é se sentir silenciado? Que tipo de problema é esse, o de ser invisível? Que tipo de problema... Não se trata de se sentir um problema, mas sim desses problemas que convergem e se encontram na intersecção das formas que essas histórias são contadas.
SM Uma porção significativa da motivação para dirigir essa antologia vinha da minha necessidade de ver imagens com as quais eu estava familiarizado no cotidiano.
Essas imagens tinham muitos significados para mim – uma mera conversa entre duas pessoas sobre um corte de cabelo, qual barbeiro frequentar ou coisas do tipo... Essas coisas maravilhosas que lançamos ao mundo todos os dias, coisas engraçadas e que também são sobre um tipo de resistência.
SM Assistir aos filmes individualmente é uma coisa, mas vê-los em conjunto e observá-los em relação traz à experiência uma outra camada de sentimentos. Na minha visão, a característica banal e comum do tom, em especial no registro das famílias negras, das dinâmicas intergeracionais e assim por diante... Essa banalidade é, na verdade, libertadora, pois nos retira dessa condição de problema, de algo que necessita ser resolvido, nos leva para longe dos sentimentos que têm definido em demasia nossa vida coletiva – revolta, vulnerabilidade, trauma e por aí vai.
É a banalidade. Por exemplo, estamos jogando Scrabble, certo? [Paul faz referência a uma cena do filme] Não estamos seguros quanto às palavras que não podemos usar, mas jogamos Scrabble, afirmamos coisas nossas tal como protestamos sobre outras coisas...
Aquela sequência [de dança] em Lovers Rock, o segundo filme... De certa maneira,
foi uma decisão sagaz, pois moveu o debate para longe de uma certa agenda acerca do que é importante na vida negra – justiça, desigualdade, policiamento. O debate foi, então, estabelecido numa outra direção, rumo a questões acerca dos sons, da cultura, do amor e da responsabilidade frente a uma geração observada em relação à primeira retratada em Mangrove. O espectador teve uma perspectiva histórica, foi questionado a partir da tela, que dizia: “Como você vê essa história [retratada na festa Lovers Rock] em relação ao mundo que acabei de te apresentar? Quais conexões criativas e culturais você consegue perceber nas formas em que essas duas histórias ressoam entre si? Creio que isso foi uma conquista da antologia.
SM Lovers Rock foi baseado na tia Molly, que não era permitida pela minha avó a frequentar as festas de blues . Minha avó trancava a porta da frente, mas meu tio deixava a porta de trás destrancada para que minha tia se aventurasse na noite rumo a Ladbroke Grove. Essa é a segurança, a fortaleza da qual você falava, esse entrar e sair dela, um mundo de possibilidades. Mas a juventude tinha de ter a possibilidade de se aventurar nesse mundo de possibilidades. Essa escapada era a forma que eu queria que
entrássemos em Lovers Rock – é como se alguém deixasse a fortaleza.
PG Estou interessado na tensão entre dentro e fora, pois o espectador fica com essa ideia dos espaços internos como lugares não apenas protegidos das violações de um hostil mundo exterior, mas também como espaços que nutrem – lugares de possibilidade, mas encerrados.
SM Lugares encerrados e seguros para se nutrir – a comida é de extrema importância –, para se engajar e debater. Espaços nos quais ninguém fica te observando, onde você sabe que pode ficar fechado sem ninguém te observar ou você ter de devolver o olhar.
Quando abrir a porta, a brisa entrar e você partir, há algo que você terá de colocar sobre sua cabeça.
Quando eu era criança, lembro que um caribenho como meu avô, um homem de sua geração, não poderia sair de casa sem um chapéu sobre a cabeça. Você tinha de pisar nas pontas dos pés, literalmente. Era um peso ter de navegar entre esses dois espaços [interno e externo].
detalhezinhos que você obviamente se esmerou para representar corretamente. Por exemplo, amo aquele momento quando os personagens retiram da porta o mapa de Granada, porque eles não querem que esse item precioso na casa dos pais seja...
SM Meu Deus, “não toque!”... Meu Deus! Dá para imaginar? Uma das coisas das quais tenho memória e que gostaria de ver no filme era a maneira que os rapazes se apresentavam para as moças com quem queriam dançar. Eles sempre as tomavam pelo cotovelo, deslizando a palma da mão e, se estivessem com sorte, ela tomaria sua mão. Se não obtivessem sucesso, os rapazes fariam uma nova tentativa com outra moça. Isso era um detalhe belíssimo que eu via quando criança e queria jogar luz. Era um ritual, um lindo ritual do qual ou as pessoas se esqueceram ou não vislumbravam como algo de valor, interessante.
O mesmo pode ser dito do senhor da cruz... Essa sequência foi baseada num camarada que existiu na vida real. Ele costumava andar por Ladbroke Grove e Chelsea com a cruz...
PG Carregando-a.
PG Quando mirei novamente para os filmes, pensei sobre o papel dos detalhes e o que eles provocam [no filme]. Tantas minúcias,
SM Lembro de vê-lo carregando a cruz um dia. Pensei: “Como ele vai levá-la no ônibus?”. E, claro [risos]...
PG Ele dobrava a cruz [risos].
SM Para levá-la consigo. Esses detalhes tão específicos que eu pensava que seriam característicos de um momento em particular se tornaram universais. Talvez a autenticidade [desses detalhes] não houvesse sido reconhecida, mas ainda assim era familiar.
PG Entre os vários aspectos que gosto na antologia, está o papel da música – não apenas em Lovers Rock , mas em toda a série. A música está presente, por exemplo, no reflexo de Leee John [vocalista do trio Imagination] em Leroy Logan. Está lá constantemente, é um constante ponto de referência, mesmo nas representações mais desagradáveis [risos].
SM Uma história baseada em fatos reais [risos].
PG Não duvido [risos], aquela cena em específico [um homem branco assassinando as cordas de um violão] tinha de ser real.
SM Lembro-me que meu pai, todas as manhãs de domingo, colocava para tocar um disco do Jim Reeves [cantor branco e americano do gênero gospel]. Deus do céu! Era um ritual em todos os lares caribenhos...
PG E também nos lares de pessoas originárias da África Ocidental [risos]...
SM Sim, o amplo alcance da música country e do faroeste... Quer dizer, não sei, havia rádios americanas que infiltraram o Caribe, mas esse country religioso... Acho que as pessoas se conectavam com essas músicas porque muitos caribenhos eram agricultores, e as letras sempre falavam da terra,
de Deus e por aí vai. Imagina se as crianças tocassem naquele LP?!
Mas havia também o reggae . Sem ele... O reggae era tudo, aquele baixo, aquele som que te pega antes de você ouvi-lo. Para falar das questões da fisicalidade da música, as caixas de som eram muito importantes. Os tweakers , a possibilidade de visualizar o som, algo obviamente invisível.
PG Também deve ser reconhecida a importância daquelas frequências de som e dos efeitos sobre nosso corpo. É diferente escutar a música com fones de ouvido.
SM Mas a visualização do som foi maravilhosa. Essa coisa de levar as caixas para o andar de cima da casa era tão ritualística. Era como um altar! Dispor as caixas era como montar um altar. E o High Priest era o DJ. Por isso que, quando os filmes foram exibidos na BBC, pedi para o apresentador aumentar o volume. E ele: “O sr. McQueen me pediu para aumentar o volume”.
PG E quando no filme entra aquele hino dos negros britânicos, “Silly Games”... Acho que você reproduziu a música na íntegra, né?
SM Sim, os oito minutos.
PG Me explica por que essa opção era importante para você.
SM Essa música chegou a públicos diferentes, foi número dois nas paradas de sucesso. Me recordo que todo mundo sabia a música e tentava alcançar aquela nota aguda. Durante as filmagens, eu tinha a visão de que os atores iriam cantá-la, mas não sabia por quanto tempo ou o que se passaria de fato.
A atmosfera do set permitiu às pessoas ficarem confortáveis naquele ambiente –elas podiam ser elas mesmas. Os atores estavam interpretando vidas e histórias que se passaram há mais de 30 anos, mas, ao mesmo tempo, conheciam essas pessoas. Foi tão bonito. E o Dennis Bovell, produtor de “Silly Games”, interpreta aquele senhor na cena, e dança. Um acontecimento maravilhosamente espontâneo, hipnotizante e meditativo. De certa forma, o que foi registrado pelas câmeras também estava acontecendo atrás delas. Cena e bastidores se fundiram, a atmosfera perfumou todo o set. Não queria gritar “corta!”.
Acredito do fundo do meu coração que, sem essas festas de blues , haveria uma profunda psicose. Esses lugares foram verdadeiras igrejas para aqueles jovens. Lá não havia a pressão dos pais, das instituições, do trabalho... Os frequentadores precisavam daquilo. Naquelas noites de domingo, o blues era como banhar-se num tipo de som ritualístico – meditação, cura, chame como quiser.
[Steve McQueen passa a comentar acerca dos eventos retratados em Education]
Uma vez, numa conversa com um taxista, mencionei a expressão “escolas para os educacionalmente subnormais”. Ele automaticamente se encolheu, pois [a existência
dessas escolas] foi traumática. Nunca se falou sobre esse assunto. Eu queria que a antologia refletisse sobre essas intersecções: a religião, que atravessa todos os filmes de uma forma ou outra; obviamente, a polícia, o sistema; e a educação veio no último momento, pois era do que eu precisava. Procurava pelo quinto filme e, bingo, educação!
Não frequentei essas escolas para os educacionalmente subnormais. Me livrei dela por causa das mães e dos pais negros que lutaram contra elas num período que antecedeu minha chegada à segunda parte do Ensino Fundamental e Médio. Combateram e foram vitoriosos. Esses heróis, pequenos e banais heróis, nunca haviam sido celebrados, mas eles transformaram os regulamentos educacionais britânicos.
PG Sim!
SM As mães, os pais e as escolas de sábado. Incrível!
PG Tratou-se de um movimento que não se restringiu apenas a Londres, mas chegou a outras áreas de ocupação negra.
pessoal frente a esse contexto precisava ser destacada, penso eu, justamente pela banalidade do que as pessoas podem conseguir quando atuam coletivamente.
PG Sim, o filme Education é muito emocionante. Tem algo sobre a presença do Trevor Laird e seu papel naquela reunião comunitária… Obviamente assistimos ao Trevor interpretando diferentes personagens nos últimos 30, 40 anos... Mas tem ali, naquele extraordinário discurso, um certo rastro do Beefy [personagem interpretado pelo ator em Babylon , longa-metragem de Franco Rosso de 1980, um dos primeiros longas britânicos de ficção a registrar o racismo e a resistência negra britânica].
SM Exatamente. Esses bastidores, essas associações negras, transformaram a lei para todos no Reino Unido. A minha história
Fico pensando sobre como falar a respeito da educação e recuperar a história daquelas intervenções nesse campo que mudaram esse país para melhor. Education conseguiu um feito significativo, pois ofereceu uma correção da memória coletiva acerca da luta ao redor dos nove de Mangrove e das questões de legislação e justiça que resultaram daquela resistência. Ainda que tenhamos sido advertidos sobre manter cautela quanto aos desdobramentos do julgamento de Mangrove, ainda que devamos manter a atenção, pois o processo de assédio e opressão continua ao longo do tempo... Tem algo naquela história
sobre educação... O final aberto do filme é como se dissesse: “Não esqueça desses eventos, a luta continua”.
O elemento cósmico associado à história de Kingsley [protagonista de Education] é fundamental para que haja não necessariamente um otimismo, mas uma esperança no desfecho do filme...
SM Quando colocamos tudo isso em perspectiva, o que é isso? Que diabos é isso? Que diabos é esse negócio de raça? O que é isso? Não existe, o que é essa idiotice? Com que estamos lidando? Trazer para esses assuntos um enquadramento do cosmos transforma-os em algo interessante de ser olhado. Com que diabos estamos lidando aqui? [O racismo] é uma idiotice absoluta –e mesmo assim...
PG ... Tem consequências.
SM Sim, é algo com o qual temos de lidar.
PG E o título da antologia, Small Axe, obviamente faz referência à canção dos The Wailers, a qual representa um verdadeiro chamamento dos fortes e dos fracos, dos pequenos contra essas formas imensas e poderosas de vida – e a machadinha que pode derrubar a árvore gigante. Ou
seja, a letra já traz uma certa dinâmica entre minoria e maioria...
SM: É sobre o coletivo, sobre o que podemos fazer como tal. Juntos podemos mover montanhas. Isso era nítido para mim na Londres da minha infância e adolescência.
As pessoas agiam e seguem agindo.
PG Mas, vem cá, me diz: você comentou sobre a importância de exibir esses filmes no horário nobre da BBC One... Quer dizer, quem não é britânico talvez não entenda o quão central foi essa decisão.
SM A primeira coisa que disse foi: “Esses filmes têm de ser exibidos na BBC”. Eu queria que eles perpassassem a corrente sanguínea do país, e na BBC qualquer um teria a oportunidade de assisti-los. Era importante para mim a existência de um contexto de acesso democrático aos filmes, ao invés de torná-los algo exclusivo. Essa [obra] é uma das coisas que uma pessoa almeja imprimir na memória coletiva de um povo – e se alguém não assistisse, alguém falaria a essa pessoa sobre os filmes. A duração de Mangrove é de 90 minutos, e o filme foi exibido às 21h – ou seja, pela primeira vez na história, o BBC News foi remanejado para as 22h30, e por causa do
Mangrove. Esse é um feito bastante significativo para a cultura aqui do Reino Unido. Cada filme foi exibido por cinco domingos seguidos antes do jornal das 22h – coisas assim não acontecem!
PG Acho importante que as pessoas entendam que isso representou um acontecimento nacional, não ficou localizado apenas nas famílias caribenhas. Foi um evento nacional, mesmo que você estivesse transferindo o jornal nacional do centro da grade noturna no horário de pico.
SM Na verdade, a reação ao filme ficou ainda maior após sua transmissão na televisão. Esses debates [entre as famílias durante a sessão] seguiram, e seguiram, e seguiram...
PG Steven, muito obrigado por me conceder a chance de conversarmos sobre esse relevante trabalho que transformou os termos que ditam os debates acerca da história negra e da vida negra aqui no Reino Unido.
SM Muito obrigado pela entrevista.
PG O prazer foi definitivamente meu.
Os vampiros de Luis Ospina e Pere Portabella
Aaron Cutler e Mariana Shellard
Conhecido por lendas em países tão diversos como Grécia, Roma, França, Índia e até mesmo China, ele engorda com o sangue dos vivos. Ele pode, por tal nutrição, até mesmo ficar mais jovem. Ele projeta sombras estranhas quando anda sobre a Terra. Ele pode se transformar em cachorro, morcego, em outros tipos de animais. Ele vive à noite, pois, durante o dia, deve se esconder dentro de seu túmulo. Aqueles de quem se alimenta adoecem e morrem, e então se tornam como ele – eles próprios vampiros.
Professor Van Helsing, interpretado por Herbert Lom no filme de Jesús Franco Conde Drácula (Count Dracula, 1970)
Nós mesmos éramos como vampiros, sugando a criatividade e a inspiração uns dos outros.
Karen Lamassonne, artista visual argentina-colombiana, em 2024, sobre os artistas que integraram o Grupo de Cali nas décadas de 1970 e 1980
O vampirismo é uma força ao mesmo tempo destrutiva e criativa. Ao se alimentar da vida dos outros, o vampiro não apenas se sustenta, mas se enriquece. Isso fica evidente no caso do livro mais celebrado do autor irlandês Bram Stoker, que foi originalmente publicado em Londres em 1897.
A mudança do Conde Drácula da Transilvânia para a Inglaterra é facilitada por um mercado imobiliário predatório, cujos controladores vendem um terreno a um elegante assassino morto-vivo. A estrutura não linear do romance apresenta o conde através dos olhos e ouvidos de diversos narradores, numa coletânea de capítulos que são transmitidos como entradas de diários, cartas, clippings de jornal e transcrições de registros fonográficos. A ficção vampiriza o retrato da realidade.
A narrativa de Drácula tem sido invocada por diversos artistas desde a publicação do livro. O cineasta colombiano Luis Ospina e o espanhol Pere Portabella reconheceram na figura do vampiro a possibilidade de elaborar metáforas sobre seus momentos políticos e o lugar do seu trabalho artístico em relação a eles. O vampiro, nos dois casos, virou um ponto de partida.
Ospina e Portabella cresceram em períodos de guerras civis e ditaduras. Quando Luis Alfonso Ospina Garcés nasceu,
em 1949, em Cali, a Colômbia havia acabado de entrar na chamada La Violencia, uma guerra civil entre apoiadores dos partidos Liberal e Conservador que foi provocada pelo assassinato do líder liberal Jorge Eliécer Gaitán em 1948. La Violencia tomou a vida de 180 mil colombianos, contou com quatro anos de ditadura militar e terminou em 1958, com um acordo entre os dois lados para uma alternância de poder ao longo das duas décadas seguintes, sem que conseguissem eliminar os problemas nacionais de ampla pobreza e desigualdade social.
A Espanha não desfrutou de um destino mais pacífico. As transformações sociais e tecnológicas da virada do século 20 na Europa, que levaram à criação de organizações sindicalistas, socialistas e nacionalistas, também resultaram em uma instabilidade social que culminou com uma ditadura apoiada pela monarquia, entre 1923 e 1931.
A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) eclodiu cinco anos depois e tomou a vida de meio milhão de pessoas. Essa guerra se desenvolveu como um conflito entre forças comunistas e fascistas na Espanha, e levou à instauração de uma sanguinária ditadura liderada pelo general Francisco Franco até sua morte, em 1975.
Uma das iniciativas de Franco foi a proibição do uso público de línguas não
Lá, Pere se integrou socialmente a um grupo de artistas cujo trabalho admirava, apesar de sentir que ele mesmo não tinha talento artístico. Eles se reuniam na casa do pintor catalão Antoni Tàpies para assistir a filmes projetados em super-8 e 16 mm, em sessões que eram, muitas vezes, comentadas pelo poeta catalão Joan Brossa. castelhanas. Isso teve impacto sobre a vida de Pere Portabella i Ràfols, que nasceu em 1927 em uma rica família de industrialistas na região da Catalunha, cuja língua nativa catalã foi uma das banidas. Pere cresceu nas cidades catalãs de Figueres e Barcelona, e seu pai conservador trabalhou para o governo de Franco durante sua juventude. O filho, desde cedo, tinha uma posição política de esquerda, que Mudança, de Pere Portabella
Quando Portabella decidiu entrar nas artes, foi como produtor de cinema. Através de sua produtora Films 59, “Pedro Portabella” desenvolveu após se mudar para Madri para estudar química.
Portabella respeitava o cinema narrativo, porém tinha uma afinidade com filmes de vanguarda que desafiavam as normas de linguagem e comportamento convencionais – entre eles, a obra de Luis Buñuel, que deixou a Espanha durante a guerra civil e, naquele momento, morava no México.
produziu o longa de estreia do espanhol Carlos Saura, Los golfos (1960), e um dos primeiros longas do italiano Marco Ferreri (que na época trabalhava na Espanha), El cochecito (1960). Esbarrou com Buñuel no elevador do hotel em Cannes e insistiu que o mestre deveria voltar para a Espanha e fazer um filme em resistência à ditadura. Em consequência, participou da coprodução espanhola-mexicana Viridiana (1961), uma história original e satírica de Buñuel sobre a jovem noviça do título (interpretada pela atriz mexicana Silvia Pinal), que enfrenta as brutais realidades do mundo ao tentar estabelecer um abrigo para pessoas econômica e fisicamente desfavorecidas. Viridiana ganhou a Palma de Ouro em Cannes no ano seguinte, mas foi tido como uma blasfêmia e banido da Espanha, cujo governo contava com forte apoio da Igreja Católica. Buñuel, mais uma vez, teve que deixar o país, enquanto Portabella teve seu passaporte confiscado e se tornou um exilado em sua terra natal. Ele então partiu para a direção de cinema. Apesar de suas experiências com a produção de longas de ficção, se considerava um cineasta de vanguarda e entendia sua arte como multidisciplinar. Seu primeiro filme, Não conte em seus dedos (No compteu amb els dits, 1967), um curta-metragem de cores vibrantes, foi escrito em
parceria com Joan Brossa como uma série de esquetes satíricas de situações cotidianas e que remetem a anúncios comerciais voltados para a alta sociedade. Elementos dissonantes dão à obra um tom surrealista que aponta para a hipocrisia de uma classe social alienada e sexualmente reprimida. Em um anúncio de bebida alcóolica, vemos escrito na tela, em letras garrafais: “É o melhor. A ciência disse isso... E eu não minto.” Enquanto isso, uma voz de mulher declara: “Nos obedeça em tudo e, assim, não será responsável por nada”.
Portabella seguiu a parceria com Brossa nos seus primeiros três longas, sempre trabalhando de uma maneira associativa, na qual tentava transformar em imagens as ideias sugeridas pelo poeta. O enigmático Nocturno 29 (1968) foi estrelado pela atriz italiana Lucia Bosè, no papel de uma aristocrata bela e retraída que vive um suposto triângulo amoroso. A personagem perambula por sua casa, pelo jardim, por uma fábrica de tecidos, revelando lugares privados de extremo luxo e coletivos de trabalho – a fonte de toda a riqueza. O alto contraste da película em preto e branco cria, por vezes, uma imagem quase abstrata, que é acompanhada por longos silêncios ou por sutis sons diegéticos, interrompidos por violentas cenas de ruptura formal.
A inusitada estética visual e sonora de Nocturno 29 foi aprofundada no longa subsequente de Portabella, Vampir-Cuadecuc (1970), que ele financiou com os lucros de uma série de curtas-metragens de sua autoria sobre o pintor Joan Miró. O filme vampiriza o set de filmagem de uma adaptação cinematográfica inglesa de Drácula, dirigida pelo prolífico diretor espanhol de filmes de gênero de baixo orçamento Jesús Franco, que estava sendo rodada na região da Catalunha. Após ter o aval da equipe de Franco, Portabella rodou seu filme em paralelo. Estrelado pelo vampiro imortal Cristopher Lee e pela musa espanhola Soledad Miranda – que faleceria logo após as filmagens em um acidente de carro –, a produção de Portabella, diferentemente da de Franco, cria um ambiente sibilino e sombrio, sem perder o caráter irônico, em uma alegoria sobre a criação artística perante condições clandestinas.
O diretor utilizou estoques de películas em preto e branco vencidas, que provocaram uma instabilidade na imagem, resultando em texturas imprevisíveis, que foram acentuadas pelo alto contraste. A sonoplastia construída pelo compositor Carles Santos (que se tornou o mais longevo parceiro criativo de Portabella) ressalta a estranheza da imagem a partir de sons desconexos e
dissonantes tirados de arquivos de sonoplastia, da rua e de composições musicais. O efeito granulado e difuso da imagem e o som dissonante retratam a então realidade violenta e obscura da Espanha e se opõem à visão do franquismo, que, pelo controle da mídia e das artes, vinculava uma imagem inverídica, triunfante e religiosa do país. Em uma carta de apresentação do seu filme no MoMA, em Nova York, evento em que não pôde comparecer, Portabella explicou: “A repressão da mídia de massa faz com que Vampir, o filme que vocês assistirão a seguir, não tenha existência legal no meu país. E essa estranha situação não deve ser entendida como um fato isolado, mas como algo que reflete melhor a realidade da Espanha hoje, mais do que qualquer filme representando oficialmente a Espanha em um festival internacional.”1
Enquanto em Vampir-Cuadecuc o clima umbroso local foi projetado na história do conde Drácula, o longa-metragem subsequente de Portabella, Umbracle (1972), serve como uma libertação formal e uma denúncia direta à censura das artes. A obra semidocumental e poética mais uma vez contou com
1. Citado no livro de Portabella Impugnar las normas: intervenciones sobre arte, cine y política (editado por Esteve Riambau), que foi publicado em 2024.
as colaborações de Carles Santos, Joan Brossa e Christopher Lee, que concordou em ser filmado fora do set de Jesús Franco. O filme inicia com um fantasmagórico canto, que embala a perambulação do ator-vampiro por entre as vitrines de bichos empalhados do Museu de Zoologia de Barcelona. Ele, então, caminha pela cidade, compra um charuto cubano e presencia uma cena de violência, na qual um passante é surpreendido por dois homens que o espancam e o jogam para dentro de um carro. Segue-se uma série de declarações de críticos sobre a censura ao cinema durante o regime franquista. Um deles lê alguns dos códigos da lei espanhola criados para o cinema, como o que declara que, “mesmo que individualmente as cenas não apresentem qualquer gravidade, mas que coletivamente contenham um clima erótico, violento, grosseiro ou mórbido, o filme será proibido.” “Uma hipocrisia”, diz o comentarista, “considerando que a polícia deste país utiliza métodos terroristas nas ruas, violência contra civis, trabalhadores, estudantes.” Portabella continua comentando o clima da época, com trechos de um filme oficial no qual um padre soldado reza a missa no meio de um bombardeio, com a performance de palhaços sendo palhaços, com galinhas sendo depenadas em uma fábrica, e com Christopher Lee
recitando o poema “O corvo” (“The Raven”, 1845), de Edgar Allan Poe.
O cineasta intensificou suas críticas ao regime por meio de filmes didático-políticos. Poetas catalães (Poetes Catalans, 1970) é um curto e potente registro de um festival de poesia escrita e falada em catalão, onde os poetas-ativistas, ao lerem seus versos de protesto, são ovacionados por uma plateia febril. O jantar (El sopar, 1974/2018) reúne em uma casa de campo cinco ex-prisioneiros políticos para discorrer de forma racional e ao mesmo tempo emocional sobre a experiência de passar anos na cadeia e sobre como sair dela sem perder o espírito da militância.
Logo após a morte de Francisco Franco, Portabella realizou o catártico Informe geral (Informe general sobre algunas cuestiones de interés para una proyección pública , 1976), reunindo entrevistas sobre o futuro da Espanha com membros de partidos políticos de esquerda, entremeadas por cenas de manifestações de rua, um passeio pelo palácio real de El Pardo, onde viveu o Generalíssimo, e reencenações de atos violentos da polícia franquista contra ativistas. O filme também apresenta o relato dos advogados de um prisioneiro político condenado à morte, reconstituindo a cena da execução in loco. Em 1977, Portabella
foi eleito para servir no Senado espanhol, nas primeiras eleições democráticas do país pós-Franco. Ele trabalhou em diversas iniciativas políticas, entre elas a formação da nova Constituição espanhola de 1978 e o fim da pena de morte (extinta parcialmente em 1978 e amplamente em 1994), e posteriormente também ocupou um cargo no Parlamento da Catalunha.
No ano em que Portabella entrou na política, Ospina codirigiu com Carlos Mayolo seu filme mais celebrado, o falso documentário Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) (Agarrando pueblo, 1978). Ospina cresceu em um ambiente familiar confortável, filho de um comerciante de produtos de limpeza de piscinas, na terceira maior cidade da Colômbia e fora das áreas rurais que serviram como os principais campos de batalha de La Violencia. Quando ele tinha sete anos, uma explosão de pólvora no centro de Cali levou sua família a se mudar para a casa de sua avó. Frequentava sessões de faroestes e comédias hollywoodianas ao lado de seu irmão mais velho, Sebastián (um eventual ator no cinema colombiano), e seu amigo Mayolo (nascido em 1945), que morava no outro lado da rua.
Quando adolescente, Ospina foi expulso do colégio jesuíta pelo crime de “sustentar más conversas”. Ele, então, fez algo comum
para jovens colombianos de classe média-alta, ao sair de seu país para estudar nos Estados Unidos. Se graduou na escola secundária em Boston, em 1968, e começou a faculdade na UCLA (Universidade de Califórnia em Los Angeles), onde se formou antes de voltar para Cali em 1972. Sua intenção inicial era de estudar arquitetura, mas logo mudou seu foco para o cinema. Descobriu um fascínio especial pela montagem e pela obra de cineastas do found footage, como Bruce Conner. Ospina casou os mundos do documentário e da ficção em seu primeiro filme feito na faculdade, Ato de fé ( Acto de fé , 1970/2017), uma adaptação de um conto de Jean-Paul Sartre, transplantada para as ruas movimentadas de Los Angeles, sobre um jovem assassino niilista. Voltou para Cali de férias e viu um contraste entre a realidade e a ilusão dos Jogos Pan-Americanos de 1971, que ofereceu para o mundo uma impressão de riqueza em meio à pobreza latente da cidade. Se juntou a Mayolo, que trabalhava com publicidade e tinha acesso a equipamentos de filmagem, para fazer um curto documentário. A primeira parte de Ouça veja (Oiga vea, 1972) foca nas imagens de celebração associadas aos Jogos, enquanto a segunda enquadra a vida fora dos estádios e as pessoas que não têm como entrar neles.
A crítica mais compreensiva de Ouça veja foi publicada na revista especializada
Ojo al Cine por um dos seus fundadores, o escritor Andrés Caicedo, também nativo de Cali. Ele e os dois cineastas moravam em um edifício chamado Ciudad Solar, que acolhia o Grupo de Cali, uma comunidade de artistas cujas atividades incluíram um cineclube, com longas discussões após as projeções. Junto a clássicos, os organizadores do Cineclube de Cali (que incluíram Caicedo e Ospina) fizeram questão de passar filmes
B e de terror como obras de valor artístico com críticas sociais.
Ospina se considerava um anarquista, com pouca utilidade para a política. Enquanto isso, Mayolo era um ativista, inicialmente ligado ao Partido Comunista Colombiano, cujos primeiros filmes como diretor retrataram de forma sincera a luta diária de seu povo. A conjunção dos seus talentos e sensibilidades resultaram na codireção de uma série de curtas com um olhar de confronto. Após Ouça veja, eles fizeram o documentário Cali: de película (1973), que nasceu de uma comissão para a anual Feira de Cali, mas que logo se transformou em um filme de rua, musical e colorido, que buscou apresentar a cidade, suas loucuras e contradições. A primeira experiência da dupla com a ficção foi Asunción (1975), um retrato de
uma trabalhadora doméstica (interpretada por Marina Restrepo) que destrói a casa de sua patroa (na vida real, a casa dos pais de Mayolo) quando a família viaja de férias.
Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) surgiu como uma sátira do gênero colombiano de “filmes de orçamento”, curtas-metragens realizados com poucos recursos para passar antes de longas, que muitas vezes tratavam do sofrimento dos mais pobres. Ospina e Mayolo perceberam a natureza exploratória desses filmes e criaram uma equipe de filmagem fictícia que persegue pessoas nas ruas de Cali para representar a miséria para uma televisão alemã. Quando eles armam uma cena com uma falsa família de indigentes em um casebre aparentemente abandonado, surge o morador do local chamando-os de “vampiros”, tomando o rolo de película e afugentando os invasores. O morador, Luis Alfonso Londoño, era conhecido de Ospina e Mayolo desde sua aparição em Ouça veja. Agarrando pueblo termina com os três homens comentando os resultados do novo trabalho.
Ospina montou Agarrando pueblo nos estúdios de Chris Marker, em Paris, onde o filme estreou antes de ganhar prêmios em festivais em Lille, Bilbao e Oberhausen. Na ocasião do lançamento, Ospina e Mayolo
distribuíram um breve documento chamado “Manifesto da pornomiséria”, que serviu como uma declaração contra as tendências do cinema colombiano daquele momento.
“Se a miséria havia servido ao cinema independente como elemento de denúncia e análise, o afã mercantilista a converteu em válvula de escape do mesmo sistema que a gerou”, declararam os autores, que consideraram seu filme “uma espécie de antídoto [...] para abrir os olhos das pessoas para a exploração que existe por trás do cinema miserabilista”.2
O nome do produtor listado na claquete da produção miserabilista em Agarrando pueblo é Roberto Hurtado, uma brincadeira com as palavras espanholas para “roubo” e “furto”. Este nome também é dado ao velho e enfermo magnata no longa-metragem de estreia de Ospina, Puro sangue (Pura sangre, 1982), que o cineasta realizou graças a uma breve onda de financiamento para longas colombianos no início da década de 1980.
O personagem (interpretado por Gilberto “Fly” Forero, um não ator que Ospina descobriu devido a seu trabalho como técnico
no Teatro Municipal de Cali) sofre de uma doença rara, que precisa ser tratada com transfusões regulares de sangue – obtido de jovens homens sequestrados por seus funcionários (um deles interpretados por Mayolo). O personagem decrépito encontra ressonâncias em diversas figuras icônicas, entre elas o Nosferatu de Murnau, o bilionário recluso norte-americano Howard Hughes, o protagonista wellesiano Charles Foster Kane e o magnata alemão-colombiano de cerveja Leo Kopp, cujo túmulo em Bogotá é famoso por receber visitas de fiéis que esperam ter seus desejos realizados.
2. O “Manifesto da pornomiséria” pode ser encontrado online, no catálogo da mostra A Caliwood de Luis Ospina: cinema colombiano de vanguarda, em uma tradução para português que foi feita por Natalia Christofoletti Barrenha.
Ospina e seu corroteirista Alberto Quiroga se inspiraram para a narrativa de Puro sangue no caso não resolvido do Monstro dos Mangues, um assassino de meninos em Cali que assombrou a Colômbia nas décadas de 1960 e 1970. A essa história, o cineasta acrescentou elementos para, mais uma vez, criticar o vampirismo de uma sociedade classista e racista. Hurtado e seu filho controlam uma fazenda de cana-de-açúcar, onde a maioria dos trabalhadores são negros, no Valle del Cauca, um dos maiores receptores do tráfico de africanos escravizados na Colômbia durante o período do Comércio Triangular do Atlântico.
Enquanto isso, a enfermeira, o ajudante e o motorista de Hurtado (este último
um ex-militar da época de La Violencia) procuram vítimas socialmente marginalizadas nas ruas da cidade, para que a lei não dê tanta importância aos desaparecimentos.
Quando finalmente alguém é preso pelos crimes, é um morador de rua negro (interpretado por Álvaro Gutiérrez, que trabalhava ao lado de Forero no Teatro Municipal) que, com o olhar vidrado de um homem fora de si, faz uma confissão para os noticiários que é tida como autêntica. Mais uma vez, a televisão transmite uma informação falsa, enquanto os verdadeiros vampiros se divertem tranquilamente em um piquenique.
Puro sangue é dedicado à memória de Andrés Caicedo, falecido precocemente em 1977. O filme foi lançado em salas colombianas um ano após sua finalização e teve pouco retorno de bilheteria. Mayolo entrou na direção de filmes de ficção para cinema e televisão, muitas vezes seguindo a linha do “gótico tropical” com filmes de terror. Ospina (que montou diversos desses trabalhos) mudou seu foco para realizar documentários em vídeo que tratavam do que ele chamou de suas principais obsessões – “a cidade, a memória e a morte”,3 – a começar com o
filme-retrato Andrés Caicedo: uns poucos bons amigos (Andrés Caicedo: unos pocos buenos amigos, 1986).
O diretor realizou biografias de artistas colombianos, incluindo o pintor Lorenzo Jaramillo, o compositor Antonio María Valencia e o faquir de rua Dudman Adolfo Murillo (dez anos após a aparição de Murillo em Agarrando pueblo). Também contou a história recente da cena artística colombiana, a partir da biografia de um artista plástico imaginário e imaginado por outros em Um tigre de papel (Un tigre de papel, 2007).
O próprio Ospina se tornou protagonista de sua obra quando enfrentou um tratamento médico e relembrou os integrantes do Grupo de Cali (entre eles, Mayolo, que faleceu em 2007), no documentário Tudo começou pelo fim (Todo comenzó por el fin, 2015). Ele morreu de câncer em 2019 e, em seus últimos anos, fundou e dirigiu o Festival Internacional de Cine de Cali (FICCALI) e supervisionou a preservação e restauração de seus trabalhos cinematográficos e os de outros cineastas.
1990, o longa de ficção Ponte de Varsóvia (Pont de Varsòvia, 1989), antes de voltar para o cinema na década de 2000. O longa-metragem O silêncio antes de Bach (Die Stille vor Bach, 2007) invoca a potência eterna da música de Johann Sebastian Bach por meio de uma elegante composição de episódios documentais e fictícios. O curta Mudança (Mudanza, 2008) utiliza a casa familiar do poeta Federico García Lorca, assassinado pelas forças fascistas durante a Guerra Civil Espanhola, para refletir sobre o legado do franquismo na Espanha atual. Seu longa-metragem mais recente, Informe geral II –O novo roubo da Europa (Informe general II: el nuevo rapto de Europa , 2015) utiliza registros de uma conferência no Museu Reina Sofía sobre as dinâmicas da União Europeia para retratar uma Espanha dividida e consumida por um neoliberalismo feroz que guia as decisões de líderes mundialmente. Quarenta anos após a morte do ditador, Portabella mostra que os vampiros estão agora mais dispersos.
3. Citado no texto de Ospina “Vini, vídeo, vici. O video como resurreição”, que também se encontra disponível em português no catálogo da mostra A Caliwood de Luis Ospina
Portabella, ainda ativo, depositou os negativos de seus filmes na Cinemateca da Catalunha (que foi fundada em 1981), e os materiais eventualmente serviram como base para boas digitalizações. Ele fez apenas um filme entre os anos 1980 e
A Sessão Mutual Films de novembro de 2024 é dedicada às memórias do compositor franco-chileno Jorge Arriagada (1943-2024), da artista e cineasta alemã-argentina Narcisa Hirsch (1928-2024) e do cineasta e produtor norte-americano Roger Corman (1926-2024).
Malu
Pedro Freire | Brasil | 2024, 103’, DCP (Filmes do Estação)
Malu é uma mulher com um passado glorioso na atuação, mas cuja carreira chegou ao ostracismo. Em um casarão em construção, afastado do centro urbano, vive com sua mãe conservadora e seu amigo Tibira. Eventualmente recebe visitas da filha. A complexa relação entre as três mulheres oscila entre momentos de carinho e ternura e rompantes de ressentimento e agressividade. No terraço de sua casa, Malu quer construir um teatro. Livremente inspirado na vida da atriz paulista Malu Rocha, mãe do diretor Pedro Freire, Malu faz um agudo e nuançado retrato de relações familiares e de uma atriz afastada da profissão. Além de ter trabalhado em filmes de Ruy Guerra, Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, o diretor Pedro Freire já havia dirigido curtas-metragens, teatro e novela. Sobre Malu, fala ao Jornal do Brasil: “Eu queria que meu primeiro longa fosse um filme inevitável
para mim. [...] Então me conectei com as coisas mais importantes para mim, busquei o que seria tão profundo que só eu poderia fazer, e me encontrei com a pessoa mais importante e transformadora da minha vida, minha mãe, Malu Rocha. Digo com nome e sobrenome porque ela foi além de uma mãe, ela era mãe e ao mesmo tempo tinha uma persona, ‘a atriz Malu Rocha’, que ela levava para dentro de casa o tempo todo. E aquela personagem dentro da minha casa não era simples, porque ao mesmo tempo era difícil a distância –imagina que a sua mãe está sempre atuando – e também era fascinante, porque era uma personagem maravilhosa, inteligentíssima, humana, corajosa, culta. Enfim decidi que tinha que contar a história dela e entendi que a parte de sua história que mais me marcou foi o momento em que ela ficou mais isolada do mundo, dos amigos, morando com a mãe numa casa semiconstruída numa favela do Rio de Janeiro, sempre dizendo que queria voltar para São Paulo.”
O longa conta com as interpretações de Yara de Novaes, Carol Duarte, Juliana Carneiro da Cunha e Átila Bee. Depois de passar pelo Festival de Sundance, em janeiro deste ano, Malu fez sua estreia brasileira no Festival do Rio, no qual recebeu os prêmios de Melhor Longa de Ficção –junto a Baby, de Marcelo Caetano –, Roteiro, Atriz (para Novaes) e Atriz Coadjuvante (dividido entre Carneiro e Duarte).
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Maputo Nakuzandza
Ariadine Zampaulo | Brasil, Moçambique | 2022, 71’, DCP (Descoloniza Filmes)
Amanhece na capital de Moçambique. Jovens saem de uma festa e, nos quintais, senhoras iniciam o dia. Um homem corre, uma mulher chega de viagem, um turista passeia, um trabalhador apanha o transporte público, e a rádio Maputo Nakuzandza anuncia o desaparecimento de uma noiva.
Em seu primeiro longa-metragem, Ariadine Zampaulo faz uma crônica em torno de um dia na cidade em que viveu por seis meses, durante um intercâmbio da graduação. Em entrevista a Adriano Garret para o portal Cine Festivais, a cineasta conta: “Eu falo que o filme teve um processo de produção ao contrário, porque normalmente você faz vários anos de pesquisa e escrita de roteiro e depois tem um tempo menor para as filmagens e para a finalização, e comigo foi o oposto. Quando resolvemos fazer o filme, eu já pensei em um tipo de produção na qual o roteiro fosse se construir mais na montagem. Já sabia que seria o retrato de
um dia na cidade de Maputo, do amanhecer até a madrugada, e o título chega também como uma proposta para o filme. Maputo Nakuzandza significa ‘Maputo, eu te amo’, que é uma referência a todos esses filmes de cidade, como Paris, te amo ou Rio, eu te amo.”
“Na maioria desses filmes, você tem uma historinha para cada personagem que vai sendo desenvolvida, e, no caso de Maputo, eu escolhi pegar fragmentos e não aprofundar essas narrativas. Acho que essa escolha foi muito mais pela questão de eu ser honesta com o meu lugar de estrangeira ali dirigindo esse filme. Claro que eu estava sempre dialogando com os atores, com a Maria Clotilde (roteirista e produtora), mas existia um desejo de colocar honestamente o contato que eu tenho com aquele espaço, que se dá mais através de uma curiosidade, de um encantamento, de uma empatia por esses personagens. Então Maputo Nakuzandza acaba tendo mais uma visão de passeio pela cidade, de encontro com esses personagens, do que exatamente de acompanhar uma história fechada sobre determinadas pessoas. A fotografia do filme também assume isso: conversei muito com o David Gross (fotógrafo) sobre ser uma fotografia que passeia, anda pelas avenidas, depois para, olha para a cidade…”
[Íntegra da entrevista em: bit.ly/maputoims]
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
O dia da posse
Allan Ribeiro | Brasil | 2021, 70’, DCP (Embaúba Filmes)
Brendo quer ser presidente do Brasil. Enquanto esse dia não chega, ele estuda direito, faz vídeos para as redes sociais, sonha com novas conquistas e se imagina em um reality show, durante a pandemia.
Filmado durante um período de exceção, O dia da posse – até mais do que um “filme de pandemia” ou dos jogos de disputa entre ficcional e documental, diretor e personagem –se estabelece como um filme de relação e da possibilidade de se criar algo em conjunto, um mote que Allan Ribeiro explora desde seus primeiros filmes, como o curta Ensaio de cinema (2009).
Em uma conversa conduzida por Camila Macedo para o Festival Olhar de Cinema, Allan conta: “Esse filme com o Brendo, eu já queria fazer independente da pandemia, porque eu achava ele
um personagem mesmo. Eu achava que estava tendo acesso a um tipo de intimidade de alguém que, de vez em quando, como que brincasse de ser jornalista, brincasse de ser político, e também, por mais que ele dividisse isso nas redes sociais, às vezes eu achava que na intimidade tinha uma coisa que seria muito legal de compartilhar. [...] Como passamos quatro meses juntos na pandemia, nos olhamos e pensamos: talvez seja hora de fazer esse filme. E a ideia era junto com o Brendo, e isso a gente conseguiu até certo ponto, criar essas narrativas, essas cenas. ‘Como vai ser você tomando posse, ou dando uma notícia X?’”
“Essa zona entre a gravação e o cotidiano foi muito tênue, talvez esse seja o ponto mais desafiador”, diz Brendo Washington, que também assina o roteiro do longa. “Eu lembro que até no começo eu falava para ele: a gente está vivendo uma situação limite. [...] Então acho que o momento em si colaborou muito para que o resultado fosse o que foi. Imagina, você estar numa pandemia, eu no penúltimo ano da faculdade, esperando para tomar a posse num concurso público… A ideia de posse vem justamente disso. Aí vem uma lei federal e suspende o concurso. Vem uma crise econômica, vem a pandemia… E toda aquela ansiedade, aquela vontade de ouvir nos jornais um panorama diferente do que eu estava vendo, fez com que esse meu personagem jornalista aflorasse talvez com mais intensidade.”
[Íntegra da conversa: bit.ly/diadaposseims]
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
O dia que te conheci
André Novais Oliveira | Brasil | 2023, 71’, DCP (Malute Filmes)
Zeca todo dia tenta levantar cedinho para pegar o ônibus e chegar, uma hora e meia depois, na escola da cidade vizinha, onde trabalha como bibliotecário. Acordar cedo anda cada vez mais difícil, há algo que o impede de manter esse cotidiano. Um dia, Zeca conhece Luisa. O dia que te conheci é o terceiro longa de André Novais Oliveira, diretor de Temporada (2018), Ela volta na quinta (2014) e uma série de curtas-metragens que circularam o mundo, como Fantasmas (2010) e Quintal (2015). “Desde Fantasmas, meu primeiro curta, de 2010, tento fazer os diálogos naturalistas e fazer com que as atuações soem as
mais legítimas possível”, comenta em depoimento disponibilizado no material de imprensa do filme. “Esse foi um trabalho muito prazeroso e divertido, e aberto a improvisos. Em cada longa, trago uma nova dosagem de abertura ao inesperado.”
“Sempre tive muita vontade de tentar o humor nos filmes, e tanto a Grace [Passô] quanto o Renato [Novaes] são bons de comédia também. Eles têm um timing de humor, e equilibrar com o drama foi intuitivo. É muito gostoso ver piadas, ou coisas que nem eram para ser engraçadas, mas acabam com o público. Fico muito feliz.”
Filmado ao longo de dez dias entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022, o filme de Oliveira dialoga com referências que vão desde os cineastas Abbas Kiarostami e Apichatpong Weerasethakul, o compositor norte-americano William Grant Still e a cena do rap contemporâneo brasileiro: “O rap é muito importante no filme. Eu queria muito evidenciar que o Zeca gosta de rap, e mostrar isso nos mínimos detalhes, como na direção de arte. Tem tudo a ver com a cena do rap em BH, que tem crescido bastante. Não à toa, Djonga, Matéria Prima e o Fabrício FBC estão na trilha, além do FBC fazer uma participação como ator, o que me deixou muito feliz.”
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Santino
Cao Guimarães | Brasil | 2023, 89’, DCP (Livres Filmes)
O cotidiano do veredeiro Santino e sua família na bacia do rio São Francisco, em Minas Gerais. As veredas são formações vegetais bastante úmidas, que abastecem de água a fauna e o solo do cerrado brasileiro. Para além de ser um ativista incansável na defesa desse bioma muito ameaçado pelos predadores do grande capital, Santino consegue unir de forma sugestiva o mundo espiritual e místico ao qual está vinculado, o mundo da natureza e dos animais com os quais confabula e o mundo do ativismo político e da conscientização das novas gerações para a importância da preservação da natureza.
Em depoimento para o Estado de Minas, o artista plástico e cineasta Cao Guimarães conta que se reuniu ao cantor e escritor Mikely Ka para fazer um filme “sem saber exatamente o que seria, mas orientados por esse meu desejo de abordar um personagem sertanejo, o que eu não fazia desde Andarilho. Makely foi quem comen-
tou sobre Santino Lopes Araújo, uma figura muito interessante, veredeiro, morador de uma localidade próxima a Bonito de Minas, na bacia do São Francisco, quase na divisa com a Bahia. Fomos para lá meio sem saber que filme seria esse.”
“Santino tem uma complexidade fantástica. Os planos eram outros, mas falei para a equipe, que era bem reduzida, que íamos continuar ali [com ele]. O filme foi se fazendo durante o período de mais ou menos dez dias em que estivemos convivendo com Santino. [...] Ele tem um lado misterioso, oculto, fabuloso, e é, ao mesmo tempo, altamente politizado, vinculado com a realidade das coisas; cuida daquele ambiente, daquele bioma que é muito machucado. [...] Ele sustenta um diálogo entre dois mundos e aplica isso muito bem, sem ser doutrinário. Santino consegue organizar o tempo, a vida e o além da vida em que ele acredita de forma muito saudável.”
[Íntegra da matéria em: bit.ly/santinoims]
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Political Advertisement 1952-2024
[Propaganda política 1952-2024]
Antoni Muntadas e Marshall Reese | EUA | 2024, 96’, Arquivo digital (Muntadas & Reese)
Há 40 anos, os artistas Antoni Muntadas e Marshall Reese compilam uma história em vídeo dos anúncios das campanhas presidenciais estadunidenses que acompanha a evolução da publicidade política desde seu início, em 1952, até o presente. Quando os artistas iniciaram esse projeto, em 1984, a aquisição de anúncios políticos transmitidos exigia uma pesquisa exaustiva em arquivos e, muitas vezes, envolvia o contato pessoal com as campanhas dos candidatos, o que não é tão fácil quanto o clique e o download na internet de hoje. O vídeo de longa-metragem é uma visão pessoal de como a política e os políticos são moldados e apresentados por meio da imagem em movimento. Political Advertisement é uma crítica envolvente, sem comentários em off, que destaca
como os anúncios de campanha manipulam a percepção do público e afetam o comportamento dos eleitores.
A experiência é um fluxo histórico de consciência que mostra as trajetórias políticas e tecnológicas dos candidatos presidenciais e da imagem em movimento transmitida. O filme ilustra como as estratégias de publicidade mudaram desde os primórdios da televisão até as sofisticadas campanhas de mídia baseadas em projeções de medo, preconceito e estímulos emocionais. Political Advertisement é uma importante obra de midia art que mescla crítica cultural com documentação histórica, levando os espectadores a considerar o papel da mídia na política e seus efeitos na democracia.
Em sua 11ª edição, o filme estreou na última semana de outubro em locais dentro e fora dos Estados Unidos, incluindo Cooper Union, Museum of Contemporary Art, University of South Florida, Tampa, Minnesota College of Art & Design, Minneapolis, Carriage Trade Gallery, Nova York, Artissima, Torino, Itália, e chega ao Brasil no Cinema do IMS.
A exibição será seguida por uma discussão entre Semayat Oliveira, jornalista e cineasta, coapresentadora do podcast Mano a Mano, e João Fernandes, diretor artístico do IMS.
Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Mami Wata
C.J. “Fiery” Obasi | Nigéria | 2023, 107’, DCP (Filmicca)
Mami Wata é uma divindade adorada pelos habitantes da remota vila de Iyi, na África
Ocidental. Mama Efe, sua representante, exerce autoridade espiritual na vila, até que a morte de uma criança perturba a paz da comunidade. O poder da divindade passa a ser questionado por aqueles com diferentes ideologias, e Prisca e Zinwe, filhas de Mama Efe, se unem para salvar sua aldeia e restaurar a glória de Mami Wata em Iyi.
Mami Wata é o terceiro longa-metragem do expoente diretor nigeriano C.J. “Fiery” Obasi, produzido por sua companheira de vida Oge Obasi sob a bandeira da Fiery Film Company. Fundada pelo casal para criar filmes de gênero sob uma
perspectiva africana, a Fiery Film estreou no longa-metragem com Ojuju, um filme de zumbis realizado com baixo orçamento, seguido por O-Town, um suspense criminal, e Juju Stories, junto ao coletivo Surreal 16. A ideia para Mami Wata chegou a C.J. Obasi em uma espécie de transe:
“Eu tive uma visão. Literalmente, entrei em um estado de transe, o que aconteceu comigo no máximo quatro vezes em toda a minha vida”, conta a Wendy Mitchell para o portal ScreenDaily. “Quando criança, eu tinha uma imaginação muito vívida e conseguia ver coisas imaginárias. Em 2016, tive uma visão de uma praia em que vi uma jovem mulher caminhando em direção ao oceano, passando por mim e indo em direção à deusa. Ainda posso vê-la claramente agora, fico arrepiado quando falo sobre ela, porque é muito clara. E a visão era em preto e branco. Então, eu sabia qual seria meu próximo filme. E essa é a cena no final do filme.”
A fotografia em preto e branco é assinada pela brasileira Lílis Soares que, entre outros, fotografou também Diálogos com Ruth de Souza, de Juliana Vicente, Um dia com Jerusa e Ó paí, ó 2, de Viviane Ferreira. Em sua estreia no Festival de Sundance, em 2023, Mami Wata recebeu o Prêmio Especial do Júri para a Direção de Fotografia. Na sequência, foi premiado no Fespaco também por Melhor Fotografia, além de Melhor Design de Produção e o Prêmio da Crítica Africana.
“O longa é, em sua maior parte, um filme de imagem escura, e eu sabia que precisávamos dessa escuridão para alcançar a imagem que tínhamos em mente”, conta Lílis Soares ao portal Afrocritik. “Em muitas cenas, trabalhamos principalmente com os movimentos corporais dos atores, que também eram fantásticos. Minha experiência em trabalhar com pessoas de pele negra também foi muito vantajosa. Para mim, era como pintar. Eu só precisava saber onde colocar a luz e onde adicionar volume. Era apenas uma questão de iluminação e de explorar diferentes ângulos para conseguir isso.”
[Depoimentos, originalmente em inglês, extraídos de bit.ly/mamiwataims1 bit.ly/mamiwataims2]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Dentro de nossas portas, de Oscar Micheaux, com trilha sonora ao vivo da Funmilayo Afrobeat Orquestra
Dentro de nossas portas
Within Our Gates
Oscar Micheaux | EUA | 1920, 73’, DCP, restauração em 4K (Kino Lorber)
Dentro de nossas portas é o primeiro longa-metragem sobrevivente de um diretor afro-americano. Foi o segundo filme do pioneiro Oscar Micheaux (depois de The Homesteader, de 1919, agora perdido) e envolve uma jovem idealista, chamada Sylvia Landry (interpretada por Evelyn Preer, uma das primeiras grandes estrelas dos chamados race movies), que tenta arrecadar dinheiro para uma escola primária que atenda à comunidade negra (uma premissa que seria repetida em Birthright [1938], de Micheaux). Ao navegar pela política racial das comunidades negra e branca, o passado de Sylvia é revelado em uma série de flashbacks que contêm a sequência mais notória do filme: o linchamento de seus pais por uma multidão branca. A encenação do episódio por Micheaux é surpreendente em sua franqueza e diz muito sobre o destemor e
a disposição do diretor em abordar assuntos considerados tabus. O filme aborda outros temas que se repetiriam ao longo da carreira do cineasta, como a promessa da vida rural versus a influência negativa da cidade e o uso da religião como meio de ludibriar a comunidade negra.
Nesta exibição especial, a trilha sonora será executada ao vivo pela Funmilayo Afrobeat Orquestra, uma banda brasileira de afrobeat formada integralmente por pessoas pretas, sendo 11 mulheres e uma pessoa não binária. Criada em 2019 pela cantora e saxofonista Stela Nesrine e pela trompetista Larissa Oliveira, a banda traz em seu nome uma homenagem a Funmilayo Anikulapo-Kuti, pioneira na luta das mulheres por direitos na Nigéria e mãe de Fela Kuti, criador do afrobeat, gênero que reúne elementos de jazz, funk, highlife e percussão africana. Para esta trilha ao vivo, o grupo mescla afrobeat e música brasileira, contribuindo para a construção de novas narrativas sobre as questões de gênero e raça dentro da música negra.
Dentro de nossas portas será exibido junto a um breve trecho de cinejornal em que Micheaux interpreta a si mesmo durante a direção de um filme.
Screen Snapshots (trechos)
EUA | 1920, 1’, Arquivo digital (Kino Lorber)
Trecho de um cinejornal, redescoberto no Reino Unido, da série Screen Snapshots, que apresentava os bastidores de Hollywood e da indústria cinematográfica. O breve, mas notável, fragmento captura Oscar Micheaux no set de filmagem de um de seus trabalhos, provavelmente
The Brute (1920), um filme hoje perdido. Embora Micheaux esteja claramente atuando para a câmera do cinejornal, a sequência de um minuto oferece um vislumbre inestimável do próprio diretor e das circunstâncias em que seus filmes silenciosos foram feitos.
Masterizado em HD a partir de elementos de filme de 35 mm preservados pelo British Film Institute.
Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Lincoln Péricles LK nasceu e mora no bairro do Capão Redondo, periferia de São Paulo. É diretor, roteirista, montador e educador, somando mais de 12 anos trabalhando com filmes produzidos em sua quebrada, que circularam entre cineclubes e coletivos periféricos, banquinhas de camelô, becos e vielas, e eventualmente em festivais nacionais e internacionais. Em fevereiro de 2020, teve seu trabalho destacado pela Cahiers du Cinéma, que descreve sua obra como “um cinema longe do imaginário ligado às favelas, que inventa sua própria forma, áspera e necessariamente imperfeita, entre intervenção e arquivo visual do bairro”.
O cineasta também dedica-se, desde o início da sua trajetória, a processos autônomos de educação em cinema. Atualmente faz parte da organização da Escola Popular de Cinema do Capão Redondo e é membro dos coletivos de produção Rango de Classe e ZICAA; além de estar à frente da impulsionadora Astúcia Filmes e do Ayni Studios. Atua como professor de basquete e orientador físico no projeto social Basquete e Autonomia.
Neste mês de novembro, o artista estará no IMS para participar do Festival ZUM, que acontecerá nos dias 2 e 3 de novembro, e também para apresentar uma seleção de seus curtas-metragens no Cinema do IMS, no sábado, 9 de novembro, com reprise na terça-feira, 26.
Em entrevista a Renan Eduardo para o portal Câmara Escura, em 2022, LK diz: “Quem faz cinema dentro dos nossos territórios precisa ter noção de quão histórico é filmar todo dia o mesmo muro de sua quebrada. Nós somos frutos de invasões, expulsões, violências… Então, registrar todo dia esse espaço, que se modifica diariamente, é documentar e produzir contraprova contra as provas que o Estado tem contra nós. Dei o exemplo do muro, mas, quando você faz um filme, de ficção ou documentário, em que os personagens da quebrada e/ou personagens racializados tem subjetividade, você está produzindo uma contraprova a despeito de tudo que o audiovisual burguês e branco tentou construir. E não só isso: é contra filmagens policiais, estatais, cinejornais e qualquer fita nesse sentido. A gente sabe que a ferramenta está, desde o início, na mão desses invasores, dos que nos expulsaram e continuam expulsando para cada vez mais longe da dignidade.”
Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Aluguel: o filme
Lincoln Péricles LK | Brasil | 2014, 16’, Arquivo digital (Astúcia Filmes)
A reunificação pacífica não acontecerá.
Mutirão: o filme
Lincoln Péricles LK | Brasil | 2023, 10’, DCP (Astúcia Filmes)
Uma criança descobre os registros do movimento popular que construiu sua quebrada, o Povo em Ação. Através de seu olhar alegre, ela imagina o passado da comunidade e as vidas das pessoas que formaram o mutirão.
“Sempre pensei em fazer um filme infantil. Mutirão, pra mim, tinha que começar e terminar com a voz de uma criança falando sobre aquelas imagens”, comenta LK em entrevista a Renan Eduardo para o portal Camara Escura. “Queria fazer um filme para Duda, mas também gostaria que ela estivesse elaborando e fabulando junto comigo. Quando comecei a fazer o filme, eu tinha uma aposta: ‘Tenho essas imagens que estão quase se perdendo, um acervo que corre risco [da Associação Povo em Ação], e vou mostrar para alguém que habita esses espaços e frequenta o movimento social’. A mãe da Duda é da Povo em Ação, queria saber se Duda ia sacar que aquela era a rua dela vendo as imagens antigas do mesmo
lugar. Poderia acontecer dela falar assim: ‘Não tem nada a ver essas fotos, não sei de nada e tal’. Mas ela topou de toda forma.”
“Nós sempre fazemos várias brincadeiras que envolvem audiovisual. Duda filma e grava muito. Sempre trampamos com ela. O cinema e audiovisual são parte do processo pedagógico dela, de aprender a ler o mundo. Se não tivesse filme, pelo menos tinha o processo educativo. E aí eu buscaria fazer esse filme de outro jeito. Mas, quando mostrei para ela, me surpreendeu que ela começou automaticamente a fabular. No meio, descobriu qual era o lugar e, no final, Duda percebeu que era o nosso filme. E começa aquela coisa de 'dá um zoom aqui, corta aqui', sabe?! Não dirigindo, porque era uma brincadeira. [...] No meio do processo, ela começou a reparar nas crianças, algo que eu não havia reparado antes. Isso é doido, né?”
[Íntegra da entrevisa: bit.ly/mutiraolk]
Ruim é ter que trabalhar
Lincoln Péricles LK | Brasil | 2015, 10’, Arquivo digital (Astúcia Filmes)
Alguns dias antes da Copa do Mundo no Brasil, um operário reflete sobre seu trabalho.
Entrevista com as coisas
Lincoln Péricles LK | Brasil | 2016, 7’, Arquivo digital (Astúcia Filmes)
Colagens da vida periférica.
Meu amigo Pedro MIXTAPE
Lincoln Péricles LK | Brasil | 2024, 9’, DCP (Astúcia Filmes)
O diretor Lincoln Péricles LK revisita memórias registradas desde as primeiras câmeras e microfones a que teve acesso, construindo um filme em formato mixtape de rap, misturando sons e imagens do cinema brasileiro e desnaturalizando as imagens de trabalho.
Uma jornada sensorial que se desenrola por meio de uma mistura eclética de materiais de arquivo, capturados ao longo de décadas em diversos formatos, desde antigas fitas VHS até registros digitais contemporâneos. LK utiliza habilmente esses fragmentos do passado para costurar uma tapeçaria audiovisual que não apenas celebra a rica cultura das periferias mas
também questiona a preservação da identidade e da história da classe trabalhadora no Brasil. Ao longo do documentário, LK tece sua própria história pessoal com a história coletiva da classe trabalhadora brasileira. Ele compartilha suas memórias, suas reflexões sobre a evolução da periferia de São Paulo e sua visão sobre a importância vital de preservar essas narrativas para além do simples elogio. Meu amigo Pedro MIXTAPE não é apenas um mergulho nos arquivos de LK, mas uma reflexão sobre a transformação das comunidades, os desafios enfrentados pela classe trabalhadora e a necessidade urgente de preservar essas memórias como um ato de resistência cultural.
Filme de domingo
Lincoln Péricles LK | Brasil | 2022, 28’, Arquivo digital (Astúcia Filmes)
Domingo de sol na quebrada. Um tio babão, uma mãe zika, uma criança artista.
Roubar um plano
Lincoln Péricles LK e André Novais Oliveira | Brasil | 2024, 24’, DCP (Astúcia Filmes)
Dois amigos não vão trabalhar hoje.
As câmeras de Bodanzky
Aos 81 anos, cerca de 60 deles dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky ocupa um lugar importante na produção de imagens do e sobre o Brasil. Em 2024, o IMS Paulista dedica especial atenção à obra de Bodanzky como cineasta, fotógrafo e repórter na mostra de filmes As câmeras de Bodanzky, em cartaz, e na exposição, já encerrada, Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985.
Ao longo da vida, Bodanzky assinou a fotografia de trabalhos de importantes diretores, produziu uma série de imagens sobre a Amazônia e a América Latina, diversas delas em parceria com a televisão alemã, além de filmes paradigmáticos no cinema brasileiro, como Iracema, uma transa amazônica (1975) e Terceiro milênio (1980). Trabalhou em diversos formatos, dos analógicos 8 mm, 16 mm e 35 mm aos digitais, em câmera profissional e celular, e segue legando trabalhos, como o recente longa-metragem Amazônia, a nova Minamata? (2022).
O Cinema do IMS exibe essa obra junto a curtas-metragens comissionados especialmente para esta ocasião a partir do arquivo de filmes super-8 de Bodanzky, depositados no IMS. Os filmes serão exibidos em cópias analógicas e digitais, em materiais de acervo e novas digitalizações, coordenadas por Débora Butruce. A mostra conta ainda com a estreia mundial das restaurações de Iracema e Terceiro milênio, realizadas a partir de um projeto com direção artística de Jorge Bodanzky e coordenação de Alice de Andrade.
Terceiro milênio
Jorge Bodanzky | Brasil, Alemanha | 1981, 90’, DCP, restauração 4K, estreia mundial (Jorge Bodanzky e Alice de Andrade)
Estreia mundial da restauração 4K de Terceiro milênio, de Jorge Bodanzky.
Um senador, Evandro Carreira, eleito pela oposição, é o fio condutor, o narrador e o protagonista desta viagem. Partindo de Manaus, seu percurso cobre uma vasta região eleitoral ao longo do rio Solimões, na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.
Jorge Bodanzky já havia colaborado com Evandro Carreira na realização de Jari. Após uma série de outros projetos pessoais que não foram para a frente ou foram assumidos por outros cineastas, Bodanzky retomaria o trabalho com Carreira naquele que se tornaria um de seus mais icônicos trabalhos.
“Em 1980, Evandro Carreira lançou sua candidatura ao governo do Amazonas e anunciou que faria uma viagem eleitoral pelo rio Solimões em companhia de José Lutzenberger. Wolf e eu vimos logo que ali havia um filme esperando por nós. [...] Eram mundos opostos e complementares: o empírico, alucinado e visionário do político; e o cartesiano do cientista”, conta Bodanzky em entrevista à biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a coleção Aplauso. “Com base na expectativa desse diálogo singular, conseguimos vender o projeto ao canal alemão ZDF. Deram-nos a verba mais baixa, de risco total, para o programa Kamera-Film, rubrica do experimentalismo.”
“Ciceroneados pelo Evandro, fomos apresentados aos bordéis e à verdadeira comida manauaras. Dali partimos de avião até Tabatinga, ponto de partida da viagem e do documentário Terceiro milênio. [...] Cedo percebemos que íamos perder um dos personagens da nossa história. Era flagrante a incompreensão de Lutzenberger para com a dinâmica da Amazônia, que visitava pela primeira vez. [...] Concentramos, então, nossas atenções no senador, que se superava a cada etapa da viagem.”
“Nossa estratégia era de observação e surpresa. Estávamos sempre prontos para acionar o equipamento. Ao contrário de Iracema, em que tínhamos um roteiro e sabíamos onde queríamos chegar, em Terceiro milênio, nos deixamos conscientemente levar por essa nave, sem qualquer ideia preconcebida. Eu queria
conhecer a Amazônia de dentro para fora, a partir do que ela nos apresentasse. Evandro era nosso guia e leitmotiv. Seria impossível domá-lo às conveniências de um filme. A ideia era deixá-lo delirar livremente e registrar sua performance.”
“Os discursos apontavam sempre para a ideia de uma Amazônia voltada para quem nela vive: estímulo à criação de caça e ao extrativismo adequado àquele ecossistema; oposição ao pasto extensivo e à industrialização desenfreada; defesa do uso inteligente dos mananciais de água, que são a essência da região. Não havia como não concordar com ele na afirmação de que a Amazônia é um universo próprio, cujos problemas não podem ser resolvidos com soluções bonitinhas no papel, porém distanciadas da realidade e do homem locais. Mas Evandro fazia as coisas no estilo típico do político folclórico do Norte do Brasil. Diante de madeireiros, em aparente contraste com seus princípios, incitava-os a se unirem para jamais serem vencidos.”
“A viagem com Evandro nos dava a oportunidade de colher impressões sobre a vida das populações ribeirinhas e as relações dos indígenas com a educação oficial, o trabalho, os religiosos etc. Mais uma vez, usávamos um expediente ‘ficcional’ para alcançar um nível documental mais profundo. Mesmo no trato com Evandro, tínhamos plena consciência de estar construindo um personagem. Pedíamos que ele fizesse para a câmera alguns pronunciamentos mais objetivos sobre ideias que apareciam dispersas nas suas falas. É o caso da comparação da floresta a uma virgem, que não deve ser
estuprada, mas deflorada com carinho. Ou a preleção diante das vitórias-régias.”
“Acho que Iracema e Terceiro milênio são os filmes em que mais me realizei. É onde o resultado da tela espelha mais completamente o que eu havia imaginado. São experiências complexas do ponto de vista cinematográfico e geram alguma coisa forte entre personagem e espectador: dúvida, simpatia, raiva, seja o que for.”
“Terceiro milênio inaugurou as projeções de cinema no Pequeno Auditório do Masp em 1º de agosto de 1981, e ali ficou em cartaz durante pelo menos oito semanas. No Rio, foi lançado pela Sala Cândido Mendes, sempre em cópias 16 mm, e entrou para o catálogo da Dinafilme. [...] A exibição no ZDF, em agosto de 1981, seguida de várias reprises, valeu-lhe o Prêmio Adolf Grimme em 1983, repetindo a façanha de Iracema. Também em 1983, o documentário foi exibido no Festival de Cannes – onde ganhou o Prêmio Jeune
Cinéma – e no festival Cinéma du Réel, em Paris, onde ficou com um dos prêmios principais. Em 1992, foi selecionado para a mostra Documentaire sur grand écran, em Paris.”
Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Histórias ocupadas: Steve Mcqueen
Histórias ocupadas: Steve McQueen tem foco na obra recente do diretor britânico. A programação incluiu a estreia brasileira de Occupied City (2023), novo trabalho de McQueen, que investiga as reminiscências da ocupação nazista na cidade de Amsterdã.
A mostra apresenta também os cinco filmes da antológica série Small Axe, exibidos entre outubro e dezembro no IMS Paulista e IMS Poços, em sessões únicas. Eleita em 2020 como a melhor produção do ano pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles, Small Axe reúne cinco histórias distintas inspiradas em personagens da comunidade afro-caribenha em Londres, entre 1960 e 1980. Os filmes abordam as tensões raciais presentes na cidade e as lutas por direitos em diferentes esferas, dos tribunais às pistas de dança. Após estrear no Festival de Cannes em 2020, Small Axe foi lançado pela Amazon e, no Brasil, ficou disponível apenas em serviços de streaming. Essa é a primeira vez que a antologia é exibida em uma sala de cinema nacional.
Para acompanhar a exibição dos filmes, o Cinema do IMS publicará uma série de textos com contribuições de Ashley Clark, diretor curatorial da The Criterion Collection, da pesquisadora Mariana Queen Nwabasili, de Steve McQueen e do sociólogo Paul Gilroy, que atuou como consultor na realização de Small Axe
A programação tem apoio de The Criterion Collection.
Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Small Axe: Lovers Rock
Steve McQueen | Reino Unido, EUA | 2020, 70’, DCP (Turbine Studios)
Uma história de amor entre jovens numa festa de blues em 1980. O filme é uma ode ao gênero de reggae romântico chamado lovers rock e aos jovens negros que encontraram liberdade e amor em seu som nas festas em Londres, em uma época em que não eram bem-vindos nas casas noturnas dos brancos.
Em entrevista a David Olusoga para a revista Sight and Sound, McQueen conta que este episódio é inspirado na juventude de sua tia: “Meu tio costumava deixar a porta dos fundos aberta para ela ir às [festas de blues em] Ladbroke Grove, porque minha avó definitivamente não permitiria que ela fosse! E, na manhã seguinte, batendo na porta: ‘É hora da igreja’.”
Mais tarde, na mesma entrevista, Olusoga comenta: “A produção dos filmes e o conteúdo dizem: ‘Aqui está a criatividade negra, aqui está o que podemos fazer, aqui está o que podemos criar’. Adorei a duração que você dedicou em Lovers Rock à transformação de uma casa normal de Londres em uma festa de blues – a retirada dos móveis e a construção do sistema de som. Aqui estão pessoas negras fazendo algo por si mesmas, pessoas que não são desejadas em nenhum outro lugar.”
Ao que McQueen responde: “Para mim, tratava-se de um ritual. O processo é tão importante quanto o resultado final. Para te levar a essa jornada que chega a um ponto em que transcende, mesmo além das pessoas na sala. Torna-se culto. Algumas pessoas dizem que foi o Espírito Santo ou algo assim, mas sabe, isso aconteceu. Quando eu estava filmando [as cenas de dança em Lovers Rock], aquilo era de verdade. Eu fui convidado para aquela situação. Foi uma honra estar lá. Como artista, você deseja ser convidado, e foi isso que aconteceu. Eu nunca havia experimentado isso antes.”
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/mangrovesm]
Small Axe: Red, White & Blue
EUA | 2020, 81’, DCP (Turbine Studios)
Depois de ver seu pai ser agredido por policiais, um jovem negro é levado a entrar para a polícia, com a esperança de mudar as atitudes racistas desde dentro. Imediatamente ele se depara com a desaprovação de seu pai e com o racismo nas fileiras policiais.
“Red, White & Blue foi uma história muito difícil de filmar, porque eu não conseguia entender por que um homem negro [o personagem real Leroy Logan, interpretado por John Boyega] queria ser policial nos anos 1980. [...] Quando Boyega (Leroy) vê seu pai ser espancado pela polícia e se junta à polícia para mudar a situação por dentro... É uma atitude bastante heroica. Mas ele não pode porque há um teto de vidro”, comenta Steve McQueen.
[Depoimento extraído de entrevista de McQueen a David Olusoga para a Sight and Sound, em inglês: bit.ly/mangrovesm]
A Sessão Mutual Films de novembro traz o cinema sanguessuga de dois mestres da subversão –o colombiano Luis Ospina (1949-2019) e o espanhol Pere Portabella (nascido em 1927). No curta-metragem Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) (1978), Ospina e seu codiretor Carlos Mayolo escancaram a hipocrisia do cinema verité – e até criam sua própria versão, o cinema mentiré – ao fazer o making-of de um falso documentário sobre a miséria do povo colombiano para um canal de televisão alemão. Já no longa Puro sangue (Pura sangre, 1982), Ospina apela para o gênero popular do terror para chamar atenção sobre a corrupção e a impunidade em seu país, em uma história inspirada em lendas locais sobre os crimes cometidos pelos funcionários de um rico e carcomido fazendeiro de cana-de-açúcar na cidade de Cali que depende do sangue de homens jovens para sobreviver. O longa Vampir-Cuadecuc (1970) surgiu para o cineasta de vanguarda Portabella como uma oportunidade para expressar seu aprisionamento durante a ditadura de Francisco Franco, quando foi proibido por motivos políticos de deixar a Espanha.
Ao saber que uma produção cinematográfica de Drácula com Christopher Lee seria rodada na Catalunha e dirigida por Jesús Franco, Portabella propôs ao diretor de horror B a criação de um filme paralelo surrealista, em seu set de filmagem, sem diálogos e em preto e branco. Décadas depois, para o curta-metragem de Portabella Mudança (Mudanza, 2008), o cineasta fez uma intervenção no museu-casa da família de Federico García Lorca em Granada, tirando todos os móveis do local e deixando a casa vazia, como uma metáfora para a ausência do grande poeta, que foi assassinado pelas forças nacionalistas durante a Guerra Civil Espanhola e cujo corpo nunca foi encontrado. A exibição do dia 7 contará com um debate com os pesquisadores Claudio Leal e Lúcia Monteiro.
A curadoria e produção da Sessão Mutual Films são de Aaron Cutler e Mariana Shellard.
Programa 1
Mudança
Mudanza
Pere Portabella | Espanha | 2008, 20’, DCP (Films 59)
Puro sangue
Pura sangre
Luis Ospina | Colômbia | 1982, 99’, DCP (Zona A Ltda.)
Roberto Hurtado (interpretado por Gilberto “Fly” Ferero) é um fazendeiro de cana-de-açúcar à beira da morte. O velho colombiano possui uma rara doença terminal, que requer “massivas transfusões de sangue” de homens mais novos, explica um médico americano para seu filho Adolfo (Luis Alberto García), que cuida dos negócios da família. Adolfo pretende manter o pai vivo a qualquer custo e, por isso, alista a ajuda dos seus sádicos funcionários. A enfermeira, o auxiliar de enfermagem e o motorista (Florina Lemaitre, Carlos Mayolo e Humberto Arango) começam então a busca ao redor da cidade de Cali por jovens vítimas para extrair-lhes o sangue e não deixar o velho magnata sucumbir por completo. Puro sangue foi o primeiro de apenas dois longas-metragens de ficção dirigidos por Luis Ospina, após uma trajetória notável em curtos documentários. (O outro, Sopro de vida/Soplo de vida, estreou em 1999.) O filme inspirou-se na história real do Monstro dos Mangues, uma figura que causou a morte de mais de 30 meninos em Cali durante a juventude de Ospina, e cuja identidade nunca foi descoberta. O cineasta trabalhou na fronteira entre documentário e ficção, ao misturar cenas roteirizados com fatos do cotidiano, como notícias de jornal e imagens da vida noturna de Cali. Assim, a obra ganha
um ácido teor político e crítico que escancara a vampiresca alta sociedade colombiana, mas também evidencia a tendência de violência da sociedade em geral, que, submetida a décadas de brutalidade, se torna ela mesma impiedosa. Em uma entrevista de 1983, Ospina comentou sobre as dimensões alegóricas do filme: “Basicamente, o que me interessava era a estreita relação entre o vampirismo e o poder”.*
O curta-metragem que abrirá a sessão também é uma declaração política, dessa vez contra o esquecimento daqueles que foram mortos na Guerra Civil Espanhola pelas forças fascistas que formariam o subsequente regime ditatorial do Generalíssimo Francisco Franco. Mudança foi dirigido pelo catalão Pere Portabella e filmado na Casa-Museu Federico García Lorca (também conhecida como a Horta de São Vicente) em 2008, quando a Espanha passava por uma severa crise econômica. O filme, que foi originalmente comissionado pelo curador suíço Hans-Ulrich Obrist para fazer parte de uma exposição no museu, é uma espécie de registro de performance que consiste na retirada, por uma empresa profissional, de todos os móveis da casa, deixando-a completamente vazia. Enquanto a câmera estuda as salas brancas e silenciosas, a ausência dos objetos se torna uma metáfora para
a ausência do poeta que dá nome ao museu, assassinado em 1936 e cujo corpo nunca foi encontrado. Ela também serve como um alerta de ameaça às instituições culturais, que são as primeiras a serem desmanteladas em momentos de crise.
Mudança foi filmado com uma câmera digital (Red One) e vai passar no IMS em uma cópia digital de alta resolução. Puro sangue vai passar em uma versão digitalmente restaurada sob a supervisão do cineasta, que faz justiça às impecáveis direção de arte de Karen Lamassonne, fotografia de Ramón Suárez e sonoplastia de Phil Pearle. O tom sombrio e pessimista de Puro sangue originalmente fez com que ele fracassasse nas bilheterias e distanciou Ospina do cinema comercial. Porém, hoje é aclamado como um importante filme de denúncia contra o racismo, a corrupção e a desigualdade social, além de uma obra-prima do cinema de terror colombiano.
[* A fala de Ospina pode ser encontrada em um dossiê sobre seu trabalho, que foi publicada em 1983 em espanhol pela Cinemateca de Bogotá, através do link bit.ly/purosanguelo]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria)
Agarrando pueblo
Luis Ospina e Carlos Mayolo | Colômbia | 1978, 29’, DCP (Bruma Cine)
Vampir-Cuadecuc
Pere Portabella | Espanha | 1970, 66’, DCP (Films 59)
A palavra “cuadecuc” significa “cauda de minhoca” na língua catalã, e existe como uma gíria que se refere ao final de um rolo de película. A produção catalã independente Vampir-Cuadecuc reconta a famosa história de Bram Stoker ao parasitar o set de filmagem em Barcelona de Conde Drácula (1970), uma produção da Hammer Films com Christopher Lee no papel principal, dirigida pelo emblemático autor de filmes B Jesús Franco. Enquanto Franco fez uma obra de ficção convencional com película 35 mm e som direto, seu compatriota de vanguarda trabalhou com película 16 mm vencida, em alto contraste, e sem captação de som. Portabella ampliou o quadro de visão para expor elementos do set como as câmeras, os refletores e as parafernálias de efeitos especiais. Os atores são flagrados em intervalos de filmagem, ora brincando com a câmera, ora aguardando a próxima tomada. A sonorização do filme, que estreou a longa colaboração entre Portabella e o músico erudito Carles Santos, é composta pela mixagem de ruídos tirados de acervos de sonoplastia dissociados da ação do filme de Franco. São intercalados livremente barulhos da rua, momentos de silêncio e uma música temática convencional, que realçam a estranheza e quase abstração das imagens rugosas e densas.
Vampir-Cuadecuc (concebido em parceria com o poeta Joan Brossa) foi o segundo longa-metragem dirigido pelo cineasta catalão, e hoje é considerado um de seus filmes mais cruciais. O filme passou no Festival de Cannes em 1971 e em outros festivais ao redor do mundo. Em uma introdução escrita para uma sessão em 1972 de Vampir-Cuadecuc no MoMA (Museu de Arte Moderna), em Nova York, Portabella descreveu seu “filme-vampiro” como “um dos primeiros filmes marginais feitos em meu país”.*
Alguns anos depois, os jovens cineastas colombianos Luis Ospina e Carlos Mayolo realizaram um curta-metragem cujo título veio de uma expressão local que significa “tirando vantagem das pessoas”. Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) é um mockumentary sobre uma equipe de filmagem (cujos integrantes incluem os próprios cineastas) que roda um documentário miserabilista na cidade de Cali para uma televisão alemã. O filme de Ospina e Mayolo alterna cenas em preto e branco dos “vampiros” no trabalho de campo com imagens coloridas das pessoas comuns que estão sendo registradas, até o momento em que um homem reivindica o controle sobre sua própria imagem. Os cineastas denunciam a hipocrisia do dito cinema verdade, que se alimenta da miséria alheia para sobreviver, de forma que Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) se torna uma obra imprescindível para a compreensão do cinema político latino-americano.
Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) e Vampir-Cuadecuc vão passar no IMS em cópias digitalmente restauradas a partir dos materiais originais dos filmes, que foram depositados por Ospina na Fundación Patrimonio Fílmico Colombiano, em Bogotá, e por Portabella na Filmoteca de Catalunya, em Barcelona. A exibição do dia 7 será seguida por um debate com os pesquisadores brasileiros Lúcia Monteiro e Claudio Leal.
[*Citado no livro de Portabella Impugnar las normas: intervenciones sobre arte, cine y política (editado por Esteve Riambau), que foi publicado em 2024.]
Ingressos:
Dia 7/11, sessão seguida de debate com Claudio Leal, Lúcia Monteiro e curadores da sessão: Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Dia 30/11, sessão sem debate: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
O Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade traz ao IMS um recorte especial da programação de sua 32ª edição, que traz o tema “É na luz que a gente se encontra”, reafirmando seu lugar como uma das mais abrangentes vitrines culturais LGBT+ do mundo, sendo um pioneiro na curadoria transmídia e abraçando experiências inovadoras no cinema, música, literatura e tecnologias imersivas. A seleção conta com a Mostra Competitiva de Longas-Metragens, com filmes de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Ceará, e apresenta ainda a mostra Reframe, espaço de experimentação e vanguarda que abriga alguns dos trabalhos mais transgressores e inventivos do festival.
Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
Alegria do amor
Marcia Paraiso | Brasil | 2024, 115’, DCP (Festival Mix Brasil)
Dulce é testemunha do assassinato de seu companheiro, o quilombola Davi. Ameaçada, vai para São Paulo e dá voz ao crime. Órfã e abandonada quando bebê, ela é procurada por Beatriz, que revela ser sua mãe, e ainda descobre que tem uma irmã gêmea, Marisa, dona de um karaokê LGBTQI+. Dulce e Marisa cobram de Beatriz revelações sobre o pai e partem, agora juntas, de volta ao sertão, com duas missões: celebrar a vitória do território quilombola e encontrar o pai que jamais soube da existência das filhas.
Avenida Beira-Mar
Bernardo Florim e Maju de Paiva | Brasil | 2024, 86’, DCP (Festival Mix Brasil)
Durante o inverno, a praia de Piratininga, em Niterói, está deserta. Rebeca, de 13 anos, acaba de se mudar para lá e está de castigo. Ela só vê a rua por cima do muro. Um dia, a garota observa Mika, uma menina trans, nadar no mar aberto.
O mundo então se abre para Rebeca.
Na edição deste ano do Festival do Rio, Avenida Beira-Mar recebeu o Prêmio Félix, dedicado a obras em torno da comunidade LGBTQIAPN+, de Melhor Filme.
Baby
Marcelo Caetano | Brasil, França | 2024, 107’, DCP (Festival Mix Brasil)
Após ser liberado de um centro de detenção juvenil, Wellington se vê sozinho e perdido nas ruas de São Paulo, sem contato com seus pais e sem recursos para reconstruir sua vida. Durante uma visita a um cinema pornô, ele encontra Ronaldo, um homem mais velho, que lhe ensina novas formas de sobrevivência. Gradualmente, o relacionamento entre eles se transforma em uma paixão conflituosa, oscilando entre exploração e proteção, ciúmes e cumplicidade.
Na mostra competitiva da 63ª Semana da Crítica de Cannes deste ano, Baby recebeu o prêmio de Melhor Ator Revelação para Ricardo Teodoro, que interpreta Ronaldo. Em sua estreia brasileira, foi um dos grandes vencedores do Festival do Rio, conquistando os prêmios de Melhor Longa de Ficção – junto a Malu, de Pedro Freire –, Ator, para João Pedro Mariano, que interpreta Wellington, Direção de Arte, para Thales Junqueira, e o Prêmio Especial do Júri.
O melhor amigo
Allan Deberton | Brasil | 2024, 93’, DCP (Festival Mix Brasil)
Em Canoa Quebrada, Lucas reencontra Felipe. Quando antigos desejos despertam, Lucas se perde nas noites quentes e musicais do lugar em busca de Felipe, que parece cada vez mais distante.
Salão de baile – This Is Ballroom
Juru e Vitã | Brasil | 2024, 94’, DCP (Festival Mix Brasil)
Nas margens da baía de Guanabara, uma comunidade de jovens LGBTQIAPN+ resgata e vivencia a cultura ballroom. Rio is burning! Na edição desde ano do Festival do Rio, Salão de baile conquistou os prêmios de Melhor Montagem, para Peter Kino, e, no Prêmio Félix, menção honrosa na categoria documentário.
Uma breve história da imprensa
LGBT+ no Brasil
Lufe Steffen | Brasil | 2024, 110’, DCP (Festival Mix Brasil)
O documentário traça uma linha do tempo cronológica apresentando os veículos da imprensa brasileira que foram realizados dentro do universo LGBTQIA+, desde 1963, com o surgimento do fanzine carioca O Snob, até os dias de hoje, com a pluralidade de portais na internet, passando por momentos importantes, como o jornal Lampião da Esquina, a Coluna do Meio, o fanzine de temática lésbica Chanacomchana, as revistas Sui Generis e OK Magazine, entre outros.
A herança
João Cândido Zacharias | Brasil | 2024, 81’, DCP (Festival Mix Brasil)
Ao receber a notícia da morte de sua mãe, Thomas retorna ao Brasil com o namorado, Beni, e descobre ser o único herdeiro de uma casa no interior que pertencia a uma avó que nunca chegou a conhecer. Curioso para se reconectar com a história da família, Thomas, na companhia de Beni, visita a propriedade, onde é recebido por duas tias que o tratam como um filho há muito perdido. Enquanto Thomas fica cada vez mais encantado com o lugar, Beni começa a desconfiar que algo maligno se esconde debaixo da fachada de uma vida tranquila no campo. Um terror queer com toques de melodrama.
Insubmissas
Parque de diversões
Carol Benjamin, Ana do Carmo, Julia Katharine, Luh Maza e Tais Amordivino | Brasil | 2024, 72’, DCP (Festival Mix Brasil)
Mulheres autoras entrelaçam suas criações neste longa-metragem em formato de antologia. Os roteiros foram adaptados de contos escritos por brasileiras no final do século 19 e deram origem a quatro curtas filmados por diretoras de grupos sub-representados na indústria cinematográfica do Brasil de 2024. Temas como morte, cura, corpo, casamento e desejo são onipresentes em histórias nas quais mulheres revisitam seu passado em busca de liberdade.
Ricardo Alves Jr. | Brasil | 2023, 71’, DCP (Festival Mix Brasil)
Figuras anônimas percorrem as ruas em busca de encontros, até que uma delas rompe o portão gradeado do parque da cidade e começa a explorar suas vias. Esse território proibido é, então, semeado pelo imperativo do desejo.
Presença
Erly Vieira Jr. | Brasil | 2024, 71’, DCP (Festival MIX Brasil)
Nas bordas do corpo, entre a precária presença e a intensidade desejante, Marcus Vinícius, Rubiane Maia e Castiel Vitorino Brasileiro transmutam-se a cada performance, numa reflexão sobre os limites que apontamos em e para nossos próprios corpos.
Em sua sexta edição, o Festival Nicho Novembro traz uma série de novidades. No CCSP, serão sete dias de atividades gratuitas com mostra de filmes com foco nacional e presença dos realizadores. O show de encerramento, no dia 16 de novembro, na sala Adoniran Barbosa do CCSP, apresenta Xenia França para uma celebração do festival e do novembro negro.
Já o IMS Paulista recebe uma programação de quatro dias com foco em mercado, conectando fazedores de cinema e oportunidades de atuação. Uma programação que conta com oficinas, rodadas de negócio e pitching show, mediante inscrição prévia, e também dois dias de painéis abertos ao público, com foco em conversas relevantes para pessoas negras realizadoras de cinema.
Um dos destaques, no dia 15, é a conversa com a produtora francesa Laurence Lascary, produtora, entre outros títulos, do novo filme de Raoul Peck, Ernest Cole: Lost and Found. A vinda da produtora ao festival é uma chance única para abordar desafios e oportunidades da produção francesa e traçar paralelos com a produção brasileira. Já no dia 16, os destaques ficam por conta dos encontros com Grace Passô e Julia Alves, compartilhando o work in progress do primeiro longa-metragem dirigido por Grace, Amores, e Lucas H. Rossi, que compartilha o processo de seu filme Othelo, o grande, recém-lançado nos cinemas.
Entrada gratuita. Distribuição de senhas no hall de entrada do cinema (3º andar) a partir das 13h de cada dia. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.
15/11, sexta-feira
14h – Painel “Mais mulheres na produção” com Juliana Lira, Thaís Moresi e Rubian Melo
Uma discussão em torno da arte da produção de projetos de cinema com foco na produção de impacto e na internacionalização do cinema brasileiro.
16h – Painel “Nicho 54 convida Ancine” com Paulo Alcoforado
Será apresentado o papel da Ancine e iniciativas de acesso para produtores negros e negras.
19h – Painel “Produção de documentário no Brasil e na França” com Laurence Lascary
Apresentação da trajetória da produtora francesa Laurence Lascary e detalhamento de sua última produção, o documentário Ernest Cole: Lost and Found, de Raoul Peck, vencedor do prêmio de Melhor Documentário na edição deste ano do Festival de Cannes. O evento contará com tradução consecutiva.
16/11, sábado
14h – Painel “A criatividade do arquivo, o caso de Othelo, o grande” com Lucas H. Rossi
As soluções criativas e desafios do cineasta Lucas H. Rossi no documentário Othelo, o grande.
17h – Painel “Em produção” com Grace Passô e Julia Alves
O painel apresenta a trajetória da diretora Grace Passô e da produtora Julia Alves e comenta o work in progress de Amores, primeiro longa-metragem de Passô, em etapa de finalização. A mesa contará com uma exibição do curta-metragem República (2020), roteirizado, dirigido e protagonizado por Grace Passô. República fez parte do programa IMS Convida e foi premiado como Melhor Curta-Metragem do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
O programa do mês tem o apoio do 32º Festival Mix Brasil, do Instituto Nicho 54 e do Festival Nicho Novembro, da Turbine Studios, da produtora Astúcia Filmes, das distribuidoras
Descoloniza Filmes, Embaúba Filmes, Filmes do Estação, Filmicca, Kino Lorber, Livres Filmes e Malute Filmes.
Agradecemos a Aaron Cutler, Adrián Onco, Anne Wabeke, Antoni Muntadas, Charlotte Andrews, Chloe Huybens, Claudio Leal, Esteve Riambau, Fernanda Lomba, George Schmalz, Graci Pinto, Heitor Augusto, João Barbosa, Jonathan Rosenbaum, Karen Lamassonne, Kênia Freitas, Lilian Vergara, Lina González Vergara, Lincoln Péricles, Lluís Miñarro, Lúcia Monteiro, Marcio Miranda Perez, Mariana Shellard, Mariona Bruzzo, Marisa Merlo, Marshall Reese, Mateus Araújo Silva, Natalia Christofoletti Barrenha, Nevena Desivojevic, Pedro Adrián Zuluaga, Richard Suchenski, Semayat Oliveira, Steve Macfarlane e Yaël Halbron.
As Câmeras de Bodanzky
Curadoria, realização e produção: Cinema do IMS; Apoio: Arquivo Nacional, Cinemateca Brasileira, Cinemateca do MAM, CTAv, Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF); Coordenação de digitalização: Débora Butruce; Digitalização e tratamento de imagem e som: Link Digital e Mapa Filmes; Pesquisa: Ângelo Manjabosco, Mariana Baumgaertner, Júnia Matsuura; Agradecimentos: Jorge Bodanzky, Adriana Veríssimo, Alice de Andrade, Ana Beatriz Vasconcellos, Barbara Alves Rangel, Bruna Callegari, Denise Miller, Edna de Cássia, Elisa Ximenes, Ewerton Belico, Guilherme Albani, Hernani Heffner, Joana Nogueira Lima, José Quental, Link Digital, Luiz Pretti, Meike Schlarb, Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), Nuno Godolphim, Patrícia Lira, Rafael Medeiros, Ricardo Pretti.; Agradecimentos Equipe IMS: Bianca Mandarino, Cauê Guimarães, Horrana de Kássia Santoz, Joana Reiss, Maria Clara Villas, Marina Marchesan, Nadja Santos, Thyago Nogueira.
Sessão Mutual Films
Realização: Cinema do IMS; Curadoria e produção: Aaron Cutler e Mariana Shellard
Histórias ocupadas: Steve McQueen apoio
Festival Nicho Novembro
Direção artística & Produção geral: Fernanda Lomba; Equipe curatorial: Milena Manfredini, Lucas Honorato, João Rêgo; Direção de arte: Lucas de Brito; Vinheta: Luiz Gabriel Franco; Coordenadora financeira: Lilian Vergara; Coordenadora de programação: Rubian Melo; Assistente da direção: Nina Maria; Assistente de produção curatorial: Duca Caldeira; Gestão de Instagram: Nathália Henrique; Community outreach: Laís Ribeiro; Curadoria e produção musical: Otavio Bontempo; Coordenador de comunicação e cobertura: Matheus Ferreira I Beco Cria; Assistente de produção: Rafaella Nascimento; Assessoria de imprensa: Oficina de Impacto; Assessoria jurídica: Sbsa; Assessoria contábil: Torres Contabilidade apoio
Dentro de nossas portas, de Oscar Micheaux, com trilha sonora ao vivo da Funmilayo Afrobeat Orquestra: Curadoria e produção de cinema: Cinema do IMS; Curadoria musical: Juliano Gentile; Som: Lilla Stipp; Luz: Grissel Manganelli; Produção: Ariadne Moraes e Raquel Lehn
Funmilayo Afrobeat Orquestra:
AfroJu Rodrigues (percussão), Ana Goes (saxofone tenor e voz), Ana Cruse (teclado), Amanda dos Anjos (trombone e voz), Lua Bernardo (baixo), Jasper Okan (guitarra e voz), Larissa Oliveira (trompete e voz), Stela Nesrine (saxofone alto e voz), Sthe Araujo (percussão e voz), Priscila Hilário (bateria), Rosa Couto (clave e voz)
Produção: Vanessa Soares; Assistente de produção: Lavínia Oliveira; Técnica de som: Regiane Alves; Roadie: Beth Sousa; Diretora técnica e roadie: Cibele Minder; Motorista: Paulo César; Produção: Movimentar Produções.
Instituto Moreira Salles
Cinema
Curador
Kleber Mendonça Filho
Programadora
Marcia Vaz
Programador adjunto
Thiago Gallego
Produtora de programação
Quesia do Carmo
Assistente de programação
Lucas Gonçalves de Souza
Projeção
Ana Clara da Costa e Adriano Brito
Serviço de legendagem
eletrônica
Pilha Tradução
Revista de Cinema IMS
Produção de textos e edição
Thiago Gallego e Marcia Vaz
Diagramação
Marcela Souza e Taiane Brito
Revisão
Flávio Cintra do Amaral e Juliana Travassos
Venda de ingressos
Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.
Capacidade da sala: 145 lugares.
Meia-entrada
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).
Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso. com será feita pelo site
Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito.
Confira as classificações indicativas no site do IMS.
Terceiro milênio, de Jorge Bodanzky (Brasil, Alemanha | 1981, 90’, DCP, restauração 4K, estreia mundial)
Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h.
Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa
Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h. Fechado às segundas. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.
A entrada no IMS Paulista é gratuita.
Avenida Paulista 2424
CEP 01310-300
Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120
imspaulista@ims.com.br ims.com.br
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