Cinema do IMS Paulista, abril de 2024

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cinema abr.2024

Music (Musik), de Angela Schanelec (Alemanha, França, Sérvia | 2023, 108’, DCP)

destaques de abril de 2024

Com cerca de 60 anos dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky filmou incansavelmente a Amazônia e as lutas dos povos da região, deixou marcas no cinema brasileiro tanto como diretor quanto como fotógrafo, colaborou com a televisão alemã em matérias sobre o Brasil e a América Latina e produziu um amplo conjunto de filmes domésticos em super-8 e outros formatos. Ao longo dos próximos meses, sua obra poderá ser revista na mostra As câmeras de Bodanzky em formatos digitais e analógicos, em cópias de acervos e inéditas digitalizações e restaurações.

No último mês da retrospectiva que homenageia os 90 anos de Eduardo Coutinho, o documentarista se torna, enfim, personagem. Serão exibidos três filmes em que o foco é o próprio Coutinho: seu método de trabalho, suas impressões sobre cinema e os próprios filmes e o poder de contágio sobre outras imagens e outros cineastas.

A artista visual Tamar Guimarães apresenta em SOAP um grupo de ativistas de esquerda que decide criar uma telenovela subversiva para se infiltrar no imaginário da direita. A exibição faz parte da Sessão Cinética.

Em sua 29ª edição, o festival É Tudo Verdade, principal evento dedicado à cultura do documentário na América do Sul, traz ao Cinema do IMS uma seleção da programação, com programas de curtas e longas-metragens das mostras competitivas e um seminário dedicado à produção de documentários, do desenvolvimento até a exibição.

[imagem da capa]

Caminhos de Valderez, de Jorge Bodanzky e Hermano Penna (Brasil | 1971, 23’,

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La Chimera, de Alice Rohrwacher (Itália, França, Suíça | 2023, 130’, DCP) DCP) Caminhos de Valderez, de Jorge Bodanzky e Hermano Penna (Brasil | 1971, 23’, DCP)
Eu fui assistente do Eduardo Coutinho, de Allan Ribeiro (Brasil | 2023, 17’, DCP)

filmes em exibição

Filmes em cartaz

Sessão Cinética

20 dias em Mariupol (20 dniv u Mariupoli)

Mstyslav Chernov | DCP

As 4 filhas de Olfa (Les Filles d’Olfa)

Kaouther Ben Hania | DCP

As linhas da minha mão

João Dumans | DCP

La Chimera | Alice Rohrwacher | DCP

Levante | Lillah Halla | DCP

Music (Musik) | Angela Schanelec | DCP

Viver mal | João Canijo | DCP

SOAP

Tamar Guimarães | Arquivo digital

As câmeras de

Jorge Bodanzky

Caminhos de Valderez

Jorge Bodanzky e Hermano Penna | DCP

Compasso de espera

Antunes Filho | 35mm

Jari

Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | DCP

Limites do diáfano

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | DCP

A partir de agora, é possível assistir a alguns dos filmes em cartaz no Cinema do IMS com recursos de acessibilidade em Libras, legendas descritivas e audiodescrição. Para retirar o equipamento com recursos, consulte a bilheteria do IMS

Paulista. Em caso de dúvidas, entrar em contato pelo telefone (11) 2842-9120 ou pelo e-mail imspaulista@ims.com.br.

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Coutinho 90

É Tudo Verdade

Coutinho.Doc – Apartamento 608

Beth Formaggini | Arquivo digital

Eduardo Coutinho, 7 de outubro

Carlos Nader | Arquivo digital

Eu fui assistente do Eduardo Coutinho

Allan Ribeiro | DCP

Celluloid Underground

Ehsan Khoshbakht | DCP

Cento e quatro (Einhundertvier)

Jonathan Schörnig | DCP

Copa de 71 (Copa 71)

Rachel Ramsay e James Erskine | DCP

Corpo (Telo)

Petra Seliškar | DCP

Diários da caixa preta (Black Box Diaries)

Shiori Ito | DCP

E assim começa (And so It Begins)

Ramona S. Diaz | DCP

Mamãe Suriname – Mama Sranan

(Moeder Suriname – Mama Sranan)

Tessa Leuwsha | DCP

Mixtape La Pampa | Andrés di Tella | DCP

O mundo é família

(Vasudhaiva Kutumbakam)

Anand Patwardhan | DCP

O relatório da Revolta de 1967

(The Riot Report) | Michelle Ferrari | DCP

Um filme para Beatrice

Helena Solberg | DCP

Uma estória americana

(Une Chronique Américaine)

Jean-Claude Taki e Alexandre Gouzou | DCP

Zinzindurrunkarratz

Oskar Alegria | DCP

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É Tudo Verdade

Curtas internacionais 1

Curtas internacionais 2

Curtas brasileiros 1

Anseio de luz (Anhel de Llum)

Alba Cros Pellisé | DCP

Como agradar (How to Please)

Elina Talvensaari | DCP

Getty Abortions | Franzis Kabisch | DCP

Minha irmã (Moja Siostra)

Mariusz Rusiński | DCP

Avalanche (Avalancha)

Daniel Cortés | DCP

Azul (Blue) | Violena Ampudia | DCP

Entre a graça e a violência

(Zarafet ve Şiddet Arasında)

Şirin Bahar Demirel | DCP

Parentesco indesejado

(Ungewollte Verwandtschaft)

Pavel Mozhar | DCP

Só a lua entenderá

(Solo la luna comprenderá)

Kim Torres | DCP

Aguyjevete Avaxi’i

Kerexu Martim | Arquivo digital

A edição do Nordeste

Pedro Fiuza | DCP

Noite das Garrafadas

Elder Gomes Barbosa | DCP

Sertão, América

Marcela Ilha Bordin | DCP

Utopia muda | Julio Matos | DCP

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Curtas brasileiros 2

As placas são invisíveis

Gabrielle Ferreira | DCP

Até onde o mundo alcança

Daniel Frota de Abreu | DCP

Sem tÍtulo #9: nem todas as

flores da falta

Carlos Adriano | DCP

Serão | Caio Bernardo | DCP

Copa de 71, de Rachel Ramsay e James Erskine

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15:00 20 dias em Mariupol (95')

17:30 As 4 filhas de Olfa (110')

19:50 Viver mal (124')

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14:30 Music (108')

É Tudo Verdade

17:00 Mamãe Suriname - Mama Sranan (71')

19:30 Zinzindurrunkarratz (89')

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15:30 Levante (99')

17:30 Music (108')

20:00 Eduardo Coutinho, 7 de outubro (73')

15:00 As 4 filhas de Olfa (110')

17:30 20 dias em Mariupol (95')

19:50 Viver mal (124')

15:00 20 dias em Mariupol (95')

17:30 As 4 filhas de Olfa (110')

19:45 Music (108')

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15:00 20 dias em Mariupol (95')

17:00 As linhas da minha mão (80')

19:00 Abertura: As câmeras de Bodanzky Limites do diáfano + Caminhos de Valderez + Jari (90'), seguida de debate com Jorge Bodanzky

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15:30 As linhas da minha mão (80')

17:30 La Chimera (130')

20:00 Coutinho.Doc – Apartamento 608 + Eu fui assistente do Eduardo Coutinho (68')

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É Tudo Verdade

14:30 Um filme para Beatrice (78')

17:00 Cento e quatro (92')

19:30 E assim começa (100')

É Tudo Verdade

14:30 [Curtas internacionais 1] (88')

17:00 O relatório da Revolta de 1967 (113')

19:30 Corpo (91')

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16:00 20 dias em Mariupol (95')

18:00 Levante (99')

20:00 Music (108')

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15:00 Music (108')

17:15 As linhas da minha mão (80')

19:00 Sessão Cinética: SOAP (110'), seguida de debate com Luiz Carlos Oliveira Jr. e os críticos da revista Cinética

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15:30 As 4 filhas de Olfa (110')

17:45 Music (108')

20:00 As linhas da minha mão (80')

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15:30 As linhas da minha mão (80')

17:30 La Chimera (130')

20:00 Compasso de espera (98')

6 quarta quinta terça
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15:00 Music (108')

17:30 20 dias em Mariupol (95')

19:45 Music (108')

22:00 As 4 filhas de Olfa (110')

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14:00 Music (108')

16:15 20 dias em Mariupol (95')

18:15 Eduardo Coutinho, 7 de outubro (73')

19:45 Music (108')

22:00 Levante (99')

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É Tudo Verdade

14:30 [Curtas internacionais 2] (104')

17:00 Uma estória americana (66')

19:30 Diários da caixa preta (102')

22:00 Music (108')

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14:00 20 dias em Mariupol (95')

15:50 Levante (99')

17:45 Music (108')

20:00 As linhas da minha mão (80')

22:00 Music (108')

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15:00 La Chimera (130')

17:30 As linhas da minha mão (80')

19:30 La Chimera (130')

22:00 Music (108')

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15:00 Music (108')

17:30 20 dias em Mariupol (95')

19:45 Music (108')

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É Tudo Verdade

14:30 Celluloid Underground (80')

17:00 Copa de 71 (91')

19:30 Mixtape La Pampa (104')

22:00 Music (108')

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14:00 Levante (99')

16:00 Music (108')

18:30 Coutinho.Doc – Apartamento 608 + Eu fui assistente do Eduardo Coutinho (68')

20:00 As linhas da minha mão (80')

22:00 Music (108')

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14:00 20 dias em Mariupol (95')

15:50 As linhas da minha mão (80')

17:30 Limites do diáfono + Caminhos de Valderez + Jari (90')

19:30 La Chimera (130')

22:00 Music (108')

É Tudo Verdade

14:30 O mundo é família (96')

17:00 [Curtas brasileiros 1] (104')

19:30 [Curtas brasileiros 2] (88')

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18:00 Sessão Cinética: SOAP (110')

20:00 As linhas da minha mão (80')

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14:00 20 dias em Mariupol (95')

16:00 As linhas da minha mão (80')

17:45 Compasso de espera (98')

19:45 La Chimera (130')

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sexta sábado domingo
Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.

As câmeras de Bodanzky

Kleber Mendonça Filho

A construção da Retrospectiva Jorge Bodanzky no Cinema do Instituto Moreira Salles resultou na revisão e descoberta de um rico acervo de imagens que mostram muito sobre os últimos 60 anos da vida no Brasil. A imagem como espelho político da Cultura é também reveladora do próprio observador que as filmou, Jorge Bodanzky.

Esse lote de filmes, que será apresentado ao longo de 2024 nas nossas salas de cinema em São Paulo e em Poços de Caldas, é fruto do projeto de retrospectiva em cinema programada ao lado da exposição Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985.

A relação de Bodanzky com essas imagens que ele mesmo filmou e fotografou, e a preservação desse material que ele próprio guardou, é rara no panorama brasileiro de cinema. No Brasil, acervos demais já foram perdidos, e muitos outros continuam se perdendo. Também não é comum ver cineastas tão íntimos da sua própria produção, o artista como o seu próprio arquivista.

A Coleção Jorge Bodanzky foi adquirida em 2013 pelo IMS via área de Fotografia Contemporânea, coordenada por Thyago Nogueira. Esse material foi digitalizado a partir de formatos técnicos distintos, que cobrem décadas de trabalho, cinema e fotografia.

As relações profissionais de Bodanzky na Alemanha, onde foi aluno da Escola de Design de Ulm (Institut für Filmgestaltung an der HFG Ulm) e cameraman na TV alemã, ressaltam o trabalho profissional, que casou com o desejo de filmar o Brasil com os meios disponíveis.

Uma parte importante dessa trajetória de décadas foi dedicada à Amazônia, tanto nas imagens de sua vastidão geográfica como na paisagem humana e política dessa região. O arquivo hoje guardado no IMS pode ser visto como uma série de álbuns pessoais, que mostram uma versão singular do próprio país, em formatos de captação de imagem que vão da película Kodak 16 mm e super-8 à fotografia 35 mm feita, em grande parte, com a sua câmera Pentax. Parte dessas fotos integra a exposição. Há ainda as fitas de vídeo magnéticas e digitais de décadas seguintes. Numa visão panorâmica das imagens rodadas por Bodanzky ao longo da vida, observamos que esse desejo de filmar permaneceu constante. Hoje, vejo que ele usa um iPhone como câmera.

Naturalmente, há uma discrepância de textura nos seus arquivos de imagens entre o material 16 milímetros – viabilizado pelo trabalho profissional com os alemães – e o formato doméstico super-8,

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que Bodanzky adquiriu no início dos anos 1970. Ele sempre chamou o super-8 de seu “caderno de notas”, inclusive a sua câmera Nizo era muda.

Com esse arquivo na casa, o Cinema do IMS comissionou montagens especiais de curta-metragem, executadas por Ewerton Belico e Luiz e Ricardo Pretti. Os filmes irão abrir nossas sessões especiais dedicadas aos longas-metragens que são frutos da obra de Bodanzky.

As obras comissionadas são exercícios de edição que reorganizam a trajetória de Jorge Bodanzky em documentos de som e imagem, montados em frentes temáticas sugeridas: Bodanzky repórter, O viajante, a sua relação com a Amazônia, Imagens de família e Modos de ver. Delicadamente, ao longo do processo, tentamos equilibrar a visão de cinema dos autores convidados e a personalidade original de Bodanzky, o autor desse arquivo.

Os cinco curtas remixados por Belico e os Irmãos Pretti ilustram indiretamente as dificuldades históricas da preservação de imagens brasileiras. O super-8, a bitola de filmagem caseira adotada por famílias de classe média alta no Brasil do final dos anos 1960, e por toda a década de 1970, permanece mais do que nunca um tesouro de informações registradas, e que exige um projeto de abrangência nacional de pesquisa, escaneamento e guarda.

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Filmagens de Jari, de Jorge Bodanzky e Wolf Gauer

É bom poder relatar aqui que, durante o processo de construção desta retrospectiva, e da visualização do arquivo Bodansky, ele próprio nos informou que estava trabalhando num novo filme gerado pela própria consciência, energia e revisão das suas imagens arquivadas. Um olhar inquieto (título provisório) é uma revisão falada em primeira pessoa de uma vida filmada.

Nesse arquivo pessoal, há evidentemente uma ponte para os filmes. As imagens anotadas em super-8 estabelecem um elo entre o desejo de registro e a aproximação gradual de um projeto, como o que veio a ser Iracema: uma transa amazônica (1974), Gitirana (1976) e Terceiro milênio (1981). Os dois primeiros são codireções Bodanzky/ Orlando Senna, o terceiro codirigido com Wolf Gauer.

Os três filmes foram colaborações com a rede alemã de TV ZDF. O super-8 levou ao 16 mm e, no caso de Iracema, finalmente ao 35 mm, formato que permitiu que o filme circulasse internacionalmente, inclusive sendo selecionado na Semana da Crítica do Festival de Cannes de 1975.

Poder exibir este ano no Cinema do IMS a versão restaurada de Iracema: uma transa amazônica torna-se uma dupla alegria. O filme completa 50 anos, bagunçou da melhor maneira o sentido de “ficção” e de

“documentário” num cinema brasileiro que ainda era fortemente pautado pelo Cinema Novo feito nos anos 1960 e pela pornochanchada dos anos 1970. Em 1974, o país estava amarrado pela censura cinematográfica de filmes estrangeiros e brasileiros. Iracema, com imagens de um Brasil transamazônico e desenvolvimentista que o governo militar não aprovava, foi mais visto no exterior do que no Brasil, que boicotou o filme (uma coprodução alemã) e não o reconheceu como brasileiro.

Para o Cinema do IMS, o projeto de rever a obra de Bodanzky nas nossas salas de projeção não se restringe a um trabalho apenas de programação. O grande desafio no país ao programar a produção brasileira de repertório é entender onde e em que estado se encontram os títulos, certamente uma das partes mais difíceis de um projeto de programação.

Esse esforço de revisão técnica, digitalização de filmes da trajetória de Jorge Bodanzky e restaurações foi fruto, de uma forma ou de outra, de uma união entre as áreas do Cinema e da Fotografia Contemporânea no IMS, do projeto Restauro da Obra de Jorge Bodanzky, conduzido por Alice de Andrade, e pelo entusiasmo dos cineastas Walter Salles e João Moreira

Salles. Alice de Andrade já havia produzido

a restauração da obra do seu pai, Joaquim Pedro de Andrade. Toda a obra restaurada de Joaquim Pedro já foi revista integralmente na programação do Cinema do IMS. A utilização de novas tecnologias de escaneamento e restauração digital passam a ser possibilidades reais de trabalho junto ao desejo de programação e curadoria. É fato também que, nos últimos dez anos, essa tecnologia tem se mostrado mais acessível financeiramente, com um acesso maior a equipamentos e softwares de imagem aqui mesmo no Brasil.

Observo que, se há um fruto positivo gerado do momento sombrio pelo qual passou a produção audiovisual no país e a Cinemateca Brasileira durante os governos Temer e Bolsonaro, terá sido uma maior consciência em torno da fragilidade e da importância da preservação do audiovisual brasileiro. Há hoje uma discussão e compreensão maiores em torno do tema.

Nossa programação de filmes realizados por Jorge Bodanzky, ou feitos com a sua participação – e que não fazem parte da Coleção Jorge Bodanzky adquirida pelo IMS –, foi montada com a ajuda da Cinemateca Brasileira, da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), do Centro Técnico Audiovisual (CTAv), do Arquivo Nacional, do MIS (São

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Paulo) e da rede de televisão alemã ZDF. É bom poder apresentar títulos como

Os Muckers, Jari, Igreja dos oprimidos e Caminhos de Valderez valorizadas pelo esforço desta curadoria.

Entre tantas imagens guardadas e revistas no cinema e na obra de Jorge Bodanzky, eu gostaria de destacar uma descoberta pessoal minha, o grande filme sobre o Brasil que é Terceiro milênio. O filme será apresentado nesta curadoria logo após a sua restauração na Alemanha, a partir dos elementos originais em negativo 16 mm.

Em 93 minutos, há algo de um périplo de Ulisses nas imagens de um político brasileiro, o senador Evandro Carreira, viajando pela Amazônia de 1980 via rio Solimões, perto da fronteira com o Peru. Bodanzky e Gauer acompanham o senador, não só uma versão genuína e brasileira de Ulisses, mas também dotado de elementos de Amaral Netto e Odorico Paraguaçu.

Na verdade, as referências não fazem justiça à verve de Evandro Carreira, à sua desenvoltura moderna diante da câmera, à sua abertura às misturas humanas e à complexidade continental que continua separando o Brasil como país e cultura. Evaldo distribui uns trocados e latas de leite, trabalhando as suas bases eleitorais como manda o figurino da política. Ele deixa claro que a

Amazônia está bem longe de Brasília, que descreve como “um cemitério de almas”.

Evaldo é por si só um documento bem guardado dentro desse filme. O homem branco brasileiro de algum poder político, da geração que se formou nas décadas de 1940 e 1950. É letrado o suficiente para florear suas falas com proparoxítonas e real sentimento, marcando suas ações com os lugares superiores de fala, numa sociedade que é tão desigual.

Eu não detestei o senador Evandro Carreira, mas fiquei fascinado por ele não só mostrar compreensão pelo país e pela Amazônia, mas também por encarnar tudo o que há de bom e de ruim na ideia de um poder político no próprio Brasil. “A Amazônia é uma Polinésia!”, “a Amazônia é fotossíntese e tem potencialidade proteica!”. A Amazônia “como uma mulher a ser desvirginada, deflorada, mas não estuprada!”. Talvez só no Brasil algumas dessas falas e imagens sejam possíveis.

O enterro do que sobrou da cabeça de um funcionário de madeireira que encontrou indígenas agressivos. O sotaque de personagens indígenas falando o português como os estrangeiros brasileiros que são. Tudo fica tão colonial ao ouvi-los. Xingar alguém de “Tikuna!”, um sotaque que não é reconhecido no nosso país, seja como estrangeiro

ou como regional. Um rapaz indígena com cara brasileira e sotaque estrangeiro dizendo resignado “vida de pobre é assim…”. É um relato bastante cru como filme, mas a naturalidade e a complexidade do Brasil permanecem intactas e livres, um pouco como o sentimento de ver Iracema: uma transa Amazônica pela primeira vez, ou Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho, ou Opinião pública, de Arnaldo Jabor.

Poder apresentar Terceiro milênio em versão restaurada para uma nova geração de espectadores torna-se uma sessão de cinema que explica o porquê de todo esse trabalho.

Os filmes da programação serão apresentados em película ou em DCP, nas melhores condições possíveis de cópias guardadas, ou via novas digitalizações ou restaurações.

O trabalho de manuseio dos elementos originais guardados em arquivos foi coordenado pela especialista em preservação Debora Butruce, que tem colaborado já há alguns anos com o Cinema do IMS nessa área. O diálogo com as instituições parceiras e o licenciamento de obras não seria possível sem o apoio da equipe de produção de exposições. E nossa pequena, mas feroz, equipe de cinema é formada por Márcia Vaz, Thiago Gallego, Lucas Gonçalves e Quesia do Carmo.

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Amor e espuma

SOAP

( Tamar Guimarães, 2023)

Hermano Callou

O início desta década foi marcado por uma certa experiência apocalíptica do tempo, na qual sentíamos que um certo mundo estava chegando ao fim. SOAP é um filme que segue o rastro das mudanças comportamentais dos últimos anos, oferecendo um retrato do que terá sido viver nesse breve período da história recente. Realizado originalmente para o circuito de arte, o filme adota um formato seriado de seis episódios e meio, que serão exibidos na Sessão Cinética de abril como um longa-metragem.

O projeto, idealizado pela artista Tamar Guimarães, é uma sátira em tom menor do momento político vivido no país nos últimos anos do ponto de vista de um grupo social particular, que se confunde em parte com o círculo das instituições culturais de prestígio que financiam e exibem o filme: artistas, intelectuais, ativistas e trabalhadores da cultura esquerdistas e cosmopolitas, filhos da classe média que sentiram a integridade do próprio mundo ameaçada com a ascensão da Nova Direita.

Um grupo de amigos, disperso entre o Brasil e a Alemanha durante o período de isolamento da pandemia, decide se organizar para intervir na guerra cultural em curso, produzindo uma telenovela de infiltração, dirigida para o público bolsonarista, com o objetivo de transformá-lo por dentro. O filme

acompanha debates travados em salas do Zoom, grupos de WhatsApp e no interior de apartamentos confortáveis sobre o modo de realização desse projeto um pouco ridículo, que, suspeitamos, estava destinado desde o início a fracassar. A sucessão dos episódios permite delinear, contudo, a forma de vida de uma certa comunidade, no momento em que precisa negociar sua posição dentro de uma comunidade política mais ampla. O resultado é um inventário das sensibilidades de uma certa época, que ainda é a nossa.

SOAP documenta uma forma de ansiedade nascida de uma nova compreensão da nossa topografia social, quando acreditamos viver separados por bolhas. A metáfora da espuma, que o filme parece sugerir no título um pouco de brincadeira, oferece uma imagem do mundo plataformizado, cuja infraestrutura material serve de base para os jogos cênicos midiatizados do filme. SOAP documenta a experiência de viver (de se sentir vivendo) em uma bolha, observando cuidadosamente os modos de falar e sentir nos quais um grupo pensa sua posição em relação ao outro: a alterização radical (“o fascismo”), a autocrítica postiça (“nós também somos fascistas, depende do ângulo ou da perspectiva”, “a esquerda branca está morta”), as fantasias

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, de Tamar Guimarães
SOAP

de infiltração (“pensa na novela entrando nas pessoas, nas pessoas que andam pela rua, que passam por você, não te olham, mas você vai estar dentro delas”) e de comunhão (“todo mundo junto numa espuma de carnaval, dançando, se vendo sem confronto, só existindo”).

O filme observa os debates travados entre os personagens de maneira bastante atenta aos jogos sociais que sustentam os seus discursos. O que se discute parece sofrer de uma perda de lastro no mundo, como se o filme sugerisse que nos encontramos em um estado geral de culturalização da política. As tomadas de posição se mostram antes de tudo como sinalizadores de pertença social, pelos quais os personagens negociam suas identidades. As discussões se revelam muito rapidamente como uma cena dirigida para si, em que cada um performa sua própria identidade individual, tomando posição em um jogo simbólico que gira em falso. O filme nos lembra que a crise política dos últimos anos tendeu, na verdade, a fortalecer nossas posturas políticas automáticas, como se evitássemos encarar a crise nos olhos.

O empreendimento do grupo termina por sugerir, contudo, uma compreensão do processo de subjetivação política que

aponta para fora da closura dos jogos discursivos entre seus participantes, quando o filme confronta o discurso apostólico neopentecostal, mimetizado pela telenovela dentro do filme. Em certo momento, os personagens refletem sobre a possibilidade de uma dramaturgia capaz de conduzir o espectador para uma “revelação”, pela qual veriam a si mesmos radicalmente transformados, uma formulação que espelha, deliberadamente, a promessa cristã de renascimento. O tema do renascimento havia marcado presença no discurso de uma personagem pastora, que discursa para a câmera na telenovela. O que ela propunha a seus telespectadores era, justamente, uma experiência radical de despossessão da própria identidade, pela qual seria possível iniciar uma nova vida. “A novela ainda precisa funcionar, ela ainda precisa ser feita”, diz uma personagem no fim, em um tom discretamente messiânico, como se a novela fosse a cifra dessa comunidade por vir.

A cena mais forte do filme talvez seja a que vemos o historiador Dirk Moses ser interpelado por um manifestante, saído de um protesto da direita nacionalista e cristã alemã. O que testemunhamos agora é uma inversão entre quem se endereça e quem é endereçado no filme. Moses precisa lidar

com a captura da sua imagem pelo olhar do outro, na qual ele não se reconhece. A sua grande preocupação, contudo, é interromper apressadamente toda forma de comunicação, salvaguardando sua identidade ameaçada.

A fala do manifestante é diferente dos discursos que vimos durante o filme, tão conscientes de como desejam ser escutados: a sua fala é acesa por um fogo da convicção que não tínhamos visto em lugar nenhum. Ela se dirige ao outro sem temor. A ansiedade de nos vermos endereçados por essa fala é a de constatar que o ônus da prova está sobre nós, que não demos ainda razão para o outro acreditar no que dizemos, que não há na nossa fala o amor de quem acredita no renascimento. A novela ainda tem que ser feita.

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A palavra e a fala

São 10 anos sem a presença física do Coutinho. Anos ácidos, que dariam uma irritação eletrizante no documentarista. Ou, talvez, um outro tipo de perturbação, menos produtiva, diante de nós, pessoas tomadas pelo efeito hashtag. Falamos de um jeito que ficou e fica cada dia mais pasteurizado, embalado a vácuo, sem a centelha do que é espontâneo ou legítimo. Não dá para saber como ele reagiria a isso e a todo o resto. Fato é que, do Coutinho, com quem eu conversava frequentemente, ainda ouço, de 2014 para cá, resmungos e o seu punhado de palavrões prediletos.

A palavra era uma das motivações principais dos seus filmes – dos que conhecemos, mas também dos que ele não fez. Não a palavra pura, dicionarizada, mas a palavra curada na boca de quem diz. “Sobejo”, por exemplo, de raro uso neste século, é (ou era?) falada rotineiramente em uma região de Minas Gerais, segundo Coutinho contou. Certos usos da língua portuguesa em porções economicamente isoladas do Brasil o fascinavam. E, se olharmos bem de perto para a obra, podemos pinçar falas ornamentais desde os seus programas para o Globo Repórter. Em Seis dias em Ouricuri, um dos personagens se refere à escassez de alimento no sertão assim: “Panela com dois, três dias que não ferve…”.

E, em seguida: “Nós tem que procurar é no pé da conversa mesmo”. Nesses exemplos, não temos a palavra erudita, mas a expressão popular que se forja e se instala espontaneamente. O mesmo personagem dirá que “nós fiquemo sem nada, fiquemo com a boca aberta, que nem passarinho novo”. As figuras de linguagem fazem a festa na fala do brasileiro.

Comecei a trabalhar como assistente do Coutinho em 2009, quando ele preparava o que veio a se tornar As canções. Naquele momento de pesquisa e concepção do projeto, a ideia era completamente diferente. Coutinho, embalado pela exploração que começou em Jogo de cena, pensava em fazer um filme arriscado, totalmente ancorado na força da palavra – e da fala, é claro. A ideia era compilar textos de naturezas diversas – de bulas de remédio a peças de Shakespeare, de guias de comportamento feminino do início do século XX a transcrições de programas vespertinos da televisão aberta. Esses textos seriam lidos e interpretados por atores – escolhidos com muito rigor –, de forma a, nas palavras do diretor, “sublimar o banal e cotidiano assim como o contrário: os textos sublimes podem assumir uma interpretação absolutamente trivial, revestindo-se de linguagem cartorial”.

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Foram meses garimpando livros velhos e esquecidos nos camelôs da estação Carioca, no Rio de Janeiro. Todo tipo de texto, como avisos protocolares em aeronaves comerciais, poderia se tornar material para os atores. O fato duro de que os assentos do avião são flutuantes poderia ser lido como um poema lírico. Ou um poema lírico poderia ser declamado como uma promoção de supermercado. A imaginação do Coutinho não suportava limites, ao contrário da vida prática. Quem o conheceu com alguma profundidade certamente já presenciou algum momento em que ele disparou a emendar ideias absurdas, como se fosse alguém sob o efeito delirante de uma anestesia geral, momentos antes de apagar. E, a quem não teve a sorte de conhecê-lo de perto, basta conferir o seu primeiro curta de ficção, Le Téléphone, produzido enquanto estudava no IDHEC, em Paris. O nonsense provocado pela palavra – o

mal-entendido, o equívoco, o erro de interpretação – era um deleite para Coutinho.

Voltando ao filme não feito, penso que a ideia parecia boa, mas transformá-la em filme… aí era outra história. Devo confessar que fui uma das pessoas que o desencorajou a ir adiante, mesmo depois de ter feito os primeiros contatos com alguns atores formidáveis. Peço desculpas, mas me defendo com o que resultou dessa desistência: Um dia na vida, o filme que não era filme, mas

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Eduardo Coutinho, 7 de Outubro, de Carlos Nader

material de pesquisa para um filme futuro (aquele, que não houve); e As canções, cujo dispositivo o próprio autor acusava de estúpido, destituído de qualquer originalidade, mas que ele adoraria fazer. E fez.

Creio que, com Um dia na vida, Coutinho conseguiu alcançar o que pretendia com Grades (título provisório do filme não feito). A colagem de programas e comerciais de televisão daquele longínquo ano de 2009, uma era pré-streaming, gravadas e posteriormente editadas a partir de um conjunto de 24 horas de emissão, deixou evidente o absurdo que transborda da televisão brasileira. Porém, era um absurdo normalizado e desproposital. Sem precisar de quem interpretasse aqueles mesmos textos, o material de origem cumpria a missão de devolver às palavras o seu frescor e elasticidade. Elas espantam e fazem rir, sobretudo quando são ditas de forma sóbria: o absurdo se produzia ao submeter aquele material a um desvio de finalidade, que se dava em função do contexto em que era apresentado. Isto é, editado e exibido em uma sala de cinema, e não a televisão vista na televisão.

Enfim, depois de assumir o fracasso ma non troppo de Grades, Coutinho teve a ideia (ou a coragem) de produzir o tal filme sem originalidade, As canções. A ideia já chegou modificada. Ele tinha o sonho de fazer um

filme só com músicas de Roberto Carlos, mas sabia que os direitos autorais tornariam a produção caríssima. Portanto, sequer tentou viabilizar o filme, e expandiu o recorte para qualquer canção. E eu era a pessoa encarregada de encontrar personagens para o filme.

Foi minha primeira experiência como assistente de direção e pesquisadora, frente a frente com o diretor não só de filmes antológicos, mas que sobretudo nos presenteou com personagens inesquecíveis. Corri para a rua com um cartaz na mão e uma câmera, que era operada pelo João Maia Peixoto. Para meu espanto, não eram poucas as pessoas que paravam para contar as histórias de suas vidas. E, para a surpresa de ninguém, as músicas que mais ouvimos foram as de Roberto Carlos. E hinos evangélicos.

Coutinho fez um filme em que pessoas desconhecidas do público cantavam, à capela, a música que havia marcado suas vidas. E contavam a história que envolvia a canção. Sem dúvida, é um dispositivo simples para quem vinha de filmes inventivos como Jogo de cena, Moscou e Um dia na vida. Mas ele também sabia que a simplicidade é o caminho mais acessível para o coração das coisas. E, ao mesmo tempo, que nenhuma história de vida é tão

simples – ou fácil – assim. A forma como a emoção tomava o corpo inteiro daquelas pessoas se revelava como uma fagulha mágica no set de filmagem. Choros, pequenas alegrias, confissões duras, alguns constrangimentos e muito alívio. Falar, afinal, também é uma forma de escuta.

Contudo, Coutinho sempre deixou claro que não queria salvar a vida de ninguém. Não porque não quisesse, mas porque era impossível. Nascemos, vivemos, sofremos, sorrimos às vezes e morremos. É simples. E o filme dava conta desses ciclos cheios de expectativa e quase sempre seguidos de uma boa dose de frustração. Ainda assim, havia algo na música, na lembrança que ela evocava, que ultrapassava as contingências e tocava um ponto sensível do espírito. Como uma acupuntura, que espeta, mas cura.

Era dentro dessa mesma lógica que eu ouvia os palavrões de Coutinho. Ele me chamava por nomes de baixo calão com frequência, mas, quanto mais aviltante o xingamento, maior era o carinho. Eu não sei como isso soaria hoje. É certo que nunca foi agressivo ou violento. Supor algo assim seria uma grave falta de entendimento. As palavras têm sempre mais alguma coisa para dizer. São infinitas, como espero que sejam nossas conversas.

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Em cartaz

20 dias em Mariupol

20 dniv u Mariupoli

Mstyslav Chernov | Ucrânia | 2023, 95’, DCP (Synapse)

À medida que a invasão russa começa, uma equipe de jornalistas ucranianos presos na cidade sitiada de Mariupol luta para continuar o seu trabalho de documentação das atrocidades da guerra. Como os únicos repórteres internacionais que ficaram na cidade, eles capturam algumas das imagens que definiram a guerra: crianças morrendo, covas coletivas, o bombardeio de uma maternidade.

Mstyslav Chernov é um cineasta e fotojornalista vencedor do prêmio Pulitzer pelo trabalho de cobertura do ataque retratado no filme. Já cobriu conflitos no Iraque, Afeganistão e em Kiev, capital da Ucrânia. Para compor o documentário, ele e seus companheiros de equipe – correspondentes da Associated Press, também produtora do longa – estiveram presentes desde o início da invasão russa. Também foram os últimos jornalistas a permanecer na cidade. Enquanto filmavam a

situação local, fugiam dos soldados russos para não serem capturados.

“Uma bomba de cada vez, os russos cortaram a eletricidade, a água, os suprimentos de alimentos e, por fim, o que era crucial, as torres de telefonia celular, rádio e televisão”, relata Chernov em artigo escrito para a Associated Press. “Os poucos jornalistas que estavam na cidade conseguiram sair antes que as últimas conexões fossem eliminadas e um bloqueio total se estabelecesse. A ausência de informações em um bloqueio atinge dois objetivos. O primeiro é o caos. As pessoas não sabem o que está acontecendo e entram em pânico. No início, eu não conseguia entender por que Mariupol desmoronou tão rapidamente. Agora sei que foi por causa da falta de comunicação. A impunidade é o segundo objetivo. Sem nenhuma informação vinda de uma cidade, sem fotos de prédios demolidos e crianças morrendo, as forças russas poderiam fazer o que quisessem. Se não fosse por nós, não haveria nada. É por isso que corremos tantos riscos para poder enviar ao mundo o que vimos, e foi isso que deixou a Rússia irritada o suficiente para nos perseguir.”

20 dias em Mariupol foi vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2024.

[Íntegra do artigo de Chernov, em inglês: bit.ly/ mariupolims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

As 4 filhas de Olfa

Les filles d’Olfa

Kaouther Ben Hania | França, Tunísia, Alemanha, Arábia Saudita | 2023, 110’, DCP (Synapse)

Olfa, é uma mulher tunisiana, mãe de quatro filhas. Um dia, suas duas filhas mais velhas desaparecem. Diante dessa ausência, a diretora Kaouther Ben Hania convida atrizes profissionais a interpretar a família e monta um mecanismo de filmagem para entender a história de Olfa e suas filhas. “O que me interessava não era a reconstituição das memórias em si, mas as trocas entre Olfa e suas filhas para chegar a isso”, comenta a diretora.

“Ouvi Olfa falando no rádio sobre a trágica história de suas filhas. Sua história me intrigou e me comoveu. [...] Vi nela uma personagem muito poderosa para o cinema. Ela era a personificação de uma mãe com todas as suas contradições, suas ambiguidades e suas áreas problemáticas. Sua história complexa e terrível me assombrava, e eu tinha o desejo de explorá-la, de entendê-la, sem saber como faria isso.”

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“Passei por diferentes estágios. No início, disse a mim mesma que a filmaria com suas duas filhas restantes, Eya e Tayssir, para expressar a ausência das outras duas. Comecei a filmá-las em 2016, e depois novamente em 2017. Mas algo não estava funcionando. Como reviver memórias sem embelezá-las ou mudá-las, sem bancar o bom moço, sem adoçar a verdade? Como conseguir recapturar o que aconteceu e o que não está mais lá? Como encarar a verdade de seu próprio passado anos depois? Mas o aspecto mais problemático para mim foi a forma como Olfa estava representando um papel. A partir do momento em que liguei a câmera, ela começou a interpretar um papel específico. Tive que parar de filmar porque acabei percebendo que iria cair na armadilha que ela estava preparando para mim.”

“Percebi que na vida muitas vezes nos comportamos de forma influenciada por clichês que vimos na TV ou na mídia. Olfa havia sido condicionada por jornalistas. Ela desempenhou – com grande talento trágico – o papel da mãe em luto, histérica e culpada. A maioria dessas reportagens não permite que as diferentes dimensões de um indivíduo sejam exploradas. No entanto, Olfa é tão exuberante, tão ambígua e tão complexa que é impossível mostrar apenas um lado dela. No entanto, dar uma olhada mais profunda nas contradições, nas sensações e nas emoções requer um tempo que os jornalistas não têm. O papel do cinema é explorar essas áreas, essas ambiguidades do espírito humano. Assim, comecei a pensar nesse filme como um laboratório terapêutico no qual as memórias seriam recuperadas.”

As 4 filhas de Olfa recebeu o prêmio de Melhor Documentário no Festival de Cannes em 2023.

[Depoimento da diretora extraído do material de imprensa do filme]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

As linhas da minha mão

João Dumans | Brasil | 2023, 80’, DCP (Embaúba Filmes)

Por meio de uma série de encontros imprevisíveis, Viviane de Cássia Ferreira, uma artista brasileira nos seus 50 anos, fala sobre a sua vida e sobre sua própria experiência com a loucura. Dividido em sete atos, o filme é um retrato prismático composto por fragmentos de músicas, conversas, performances e poemas. Juntos, eles discutem o papel político da imaginação e da arte, assim como os estereótipos que conformam a ideia de loucura no mundo atual.

“Como observar atentamente um corpo desenvolvendo um pensamento muito agudo e preciso sobre a vida, um pensamento que está se construindo ali na sua frente?”, diz João Dumans em depoimento à pesquisadora Lorenna Rocha disponibilizado no material de imprensa do filme.

“O que me seduz na Viviane é justamente a forma muito autêntica e despreocupada com que ela

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fala de si mesma, o que me dá a sensação de uma pessoa que já não organiza mais os seus desejos e pensamentos em relação à expectativa do outro, mas que consegue fazer uma reflexão sobre si mesma para tentar sobreviver e atravessar estados emocionais, dificuldades e sofrimentos relacionados à loucura. Dessa imersão, ela trouxe coisas muito valiosas. O filme era um espaço para que ela compartilhasse isso.”

Prêmio de Melhor Filme na Mostra Aurora da 26ª Mostra de Tiradentes.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

La Chimera

Alice Rohrwacher | Itália, França, Suíça | 2023, 130’, DCP (Filmes da Mostra)

Todos têm sua própria Quimera, algo que buscam, mas nunca conseguem encontrar. Para uma gangue de ladrões de antigos objetos funerários e maravilhas arqueológicas, a Quimera significa o desejo pelo dinheiro fácil. Para Arthur, a Quimera se parece com a mulher que ele perdeu, Beniamina. Para encontrá-la, ele desafia o invisível e procura por toda parte em busca de um caminho para a vida após a morte. Numa jornada entre florestas e cidades, celebrações e solidão, desenrolam-se os destinos entrelaçados desses personagens, todos à procura da Quimera.

Em 2023, La Chimera foi exibido no Festival de Cannes. No mesmo ano, recebeu o prêmio do público de Melhor Longa-Metragem Estrangeiro de Ficção. O filme tem em seu elenco as atrizes Isabella Rossellini e Carol Duarte (protagonista de A vida invisível e Missão Perséfone, ambos de

Karim Aïnouz, este último produzido no contexto do programa IMS Convida).

Diretora de La Chimera, As maravilhas, Feliz como Lázaro, entre outros, Rohrwacher nasceu na cidade de Fiesole, na Itália, que preserva até os dias de hoje estruturas que datam dos povos etruscos e romanos. Em depoimento disponibilizado no material de imprensa do filme, ela relata: “Onde eu cresci, era comum ouvir histórias de descobertas secretas, escavações clandestinas e aventuras misteriosas. Bastava ficar no bar até tarde da noite ou parar em uma pousada do interior para ouvir falar de fulano de tal, que havia descoberto uma tumba vilanovense com seu trator, ou de outra pessoa que, cavando na necrópole certa noite, havia descoberto um colar de ouro tão longo que poderia dar a volta completa em uma casa. Ou outra pessoa que ficou rica na Suíça com a venda de um vaso etrusco que encontrou em seu jardim.”

“A vida ao meu redor era composta de diferentes partes: uma solar, contemporânea e movimentada, outra noturna, misteriosa e secreta. Havia muitas camadas, e todos nós as experimentávamos: bastava cavar alguns centímetros do solo, e o fragmento de um artefato feito pelas mãos de outra pessoa aparecia entre os seixos. De que época ele estava olhando para mim? Bastava entrar nos celeiros e nas adegas ao redor, para perceber que eles já haviam sido outra coisa: tumbas etruscas, talvez, ou abrigos de eras passadas, ou locais sagrados. A proximidade entre o sagrado e o profano, entre a morte e a vida, que caracterizou os anos em que cresci, sempre me fascinou e deu uma medida à minha maneira de ver. É por isso que finalmente decidi fazer um

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filme que conta essa história em camadas, essa relação entre dois mundos, a última parte de um tríptico sobre uma área local cuja atenção está concentrada em uma questão central: o que ela deve fazer com seu passado? Como dizem alguns ladrões de túmulos, em nosso caminho são os mortos que dão a vida.”

[Íntegra do depoimento da cineasta, em inglês: bit.ly/chimeraims. Filme Missão Perséfone, de Karim Aïnouz, para o programa IMS Convida: bit.ly/ convida-ka]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Levante

Lillah Halla | Brasil, França, Uruguai | 2023, 99’, DCP (Vitrine Filmes)

Criado na periferia de São Paulo, o time de vôlei C.Leste é formado por uma maioria de jogadories LGBTQIAPN+ e está às vésperas de um campeonato decisivo. Uma das principais atletas do time, Sofia, em seus 17 anos, descobre uma gravidez indesejada. Na tentativa de interrompê-la clandestinamente, ela acaba se convertendo em alvo de um grupo fundamentalista decidido a detê-la a qualquer preço. Mas nem Sofia nem as pessoas que a amam e apoiam estão dispostos a se render.

“Levei tanto tempo para fazer esse filme (7 anos), enquanto o mundo e eu estávamos mudando constantemente, que se tornou um verdadeiro desafio manter a história e minha narrativa atualizadas”, comenta Halla em depoimento para o site da Semana da Crítica. “Nesse sentido, assim como Sofia, eu também me tornei mais forte

quando pessoas em quem eu confiava se juntaram à causa.”

“Todas as pessoas trazidas para este filme têm uma voz ENORME. Essa foi a família que escolhi. Eu queria que o trabalho tivesse o seu ‘brilho’, tanto do elenco quanto dos artistas da equipe. Minha função era coreografar tudo isso: eu olhava ao redor do set e parecia que estava acontecendo uma jam session – todos tocando seus ‘instrumentos’ – esse é o poder do coletivo e, para mim, isso é nutritivo.”

“O nosso ramo é muito centrado na figura do diretor. Embora seja verdade que me matei de trabalhar, nunca foi sozinha. Essa orquestração, para que tantas pessoas tivessem agência, autonomia e voz, precisou de um processo extenso para que eu encontrasse a equipe certa e ajustasse nossa comunicação, para que a mágica pudesse acontecer. É uma construção extensa feita desde o início: não acontece por pura sorte.”

Levante teve sua première mundial em 2023 na Semana da Crítica, no Festival de Cannes, onde recebeu o Prêmio Fipresci. Sofia é interpretada por Ayomi Domenica, filha do rapper Mano Brown, e a trilha sonora é assinada por Maria Beraldo, com participações de Badsista e Juçara Marçal. [Íntegra do depoimento, em inglês: bit.ly/ levanteims]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

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Music

Musik

Angela Schanelec | Alemanha, França, Sérvia | 2023, 108’, DCP (Zeta Filmes)

Após uma noite de tempestade nas montanhas gregas, um jovem é encontrado ferido, e um recém-nascido é achado abandonado em um abrigo de pedras. A criança é acolhida e criada por uma família local. Jon cresce sem conhecer a mãe e o pai. Anos depois, após um trágico incidente, Jon é preso e conhece Iro. Os dois formam uma família e mantêm uma conexão imediata, principalmente através da música, que irá ao mesmo tempo assombrá-los e sustentá-los.

Livremente inspirado no mito de Édipo, o filme de Schanelec foi vencedor do Urso de Ouro de Melhor Roteiro no Festival de Berlim em 2023. Em depoimento veiculado pela distribuidora do filme, a cineasta comenta: “Certamente parti de Sófocles, mas os personagens que ganharam vida enquanto escrevia o roteiro são, como em meus outros filmes, seres humanos, não figuras míticas. O mito de Édipo me interessa menos por sua sin-

gularidade do que pelo que a história pode nos dizer hoje. Eu tiro dela o que posso compartilhar com todos, a normalidade, o que está ao alcance de todos. Todo o resto é fruto do inconsciente do personagem. É daí que vem a música de Jon.”

“A história se desenvolve através do que não foi dito, que surge porque não há palavras para expressá-las. Tive que encontrar imagens para processos para os quais não há palavras. É como na vida. Fazemos coisas que não nomeamos. É perfeitamente humano. A fala é uma tentativa de quebrar o silêncio, mas é apenas uma tentativa. Nossas vidas estão repletas de falhas mútuas de compreensão.”

[Depoimentos extraídos de: bit.ly/musicims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Viver mal

João Canijo | Portugal | 2023, 124’, DCP (Zeta Filmes)

Um hotel na costa norte de Portugal recebe alguns clientes num fim de semana. Um homem vive dividido entre dar atenção a sua mulher e o espaço que ocupa a sua mãe entre eles. Uma mãe dominadora incentiva o casamento da filha para facilitar a sua relação amorosa com o genro. Outra mãe vive através da filha, impedindo-a de tomar as suas próprias decisões. Três núcleos familiares em final de ciclo de aceitação.

No díptico de João Canijo, Viver mal é um espelho de Mal viver. Nesse filme, a imagem mostra o que só pode ser imaginado no outro: os clientes do hotel que são só sombras e vultos fugazes, em aparições muito fragmentadas, no primeiro filme, passam a ser os protagonistas. E a família do hotel, protagonista do outro filme, passa a ser sombra e vulto fugaz, em aparições fragmentadas, que perturbam a narrativa das histórias dos clientes.

Viver mal é uma livre adaptação de três peças do dramaturgo sueco August Strindberg. Sobre o

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dramaturgo, o material de imprensa dedicado ao filme aponta: “Se houve alguém que tenha tratado obsessivamente o egotismo, como causa de viver mal consigo mesmo e com os outros, foi August Strindberg. Por isso a escolha natural de inspirar as histórias dos clientes do hotel em peças de Strindberg que são exemplo paradigmático de diferentes formas de egotismo. Foram selecionadas três peças: Brincar com o fogo, um marido que não se compromete na relação com a mulher, mas, quando sente que a pode perder, também percebe que afinal a ama; O pelicano, uma mãe dominadora e egoísta que chega ao ponto de promover o casamento da filha para facilitar a sua relação amorosa com o marido dela; Amor de mãe, outra mãe que projecta de tal maneira a sua vida no futuro da filha que a impede de viver um grande amor. As peças só serviram de inspiração, não se trata de adaptações diretas das mesmas, trata-se de as usar livremente como mote para uma reescrita totalmente reformulada e colocada no nosso tempo.”

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Sessão Cinética

SOAP

Tamar Guimarães | Alemanha, Brasil | 2020, 110’, Arquivo digital (Acervo da artista)

SOAP manipula a linguagem do cinema e das telenovelas, acompanhando a tentativa de infiltração de um movimento de pessoas de esquerda nas redes sociais de direita. A tática escolhida pelo grupo, composto de intelectuais e agentes culturais, é a criação de uma telenovela que veicularia mensagens subversivas sob a forma aparentemente conservadora do produto cultural religioso.

SOAP é um projeto experimental desenvolvido pela artista visual Tamar Guimarães como uma série em seis partes, que foram expostas em galerias de exposição e reunidas num longa-metragem exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2024.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

As câmeras de Bodanzky

Aos 81 anos, cerca de 60 deles dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky ocupa um lugar importante na produção de imagens do e sobre o Brasil. Em 2024, o IMS Paulista dedica especial atenção à obra de Bodanzky como cineasta, fotógrafo e repórter na mostra de filmes As câmeras de Bodanzky, em cartaz no Cinema do IMS com programas mensais ao longo do ano, e a exposição Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985, em cartaz até 28 de julho.

Ao longo desse período, Bodanzky assinou a fotografia de trabalhos de importantes diretores, produziu uma série de imagens sobre a Amazônia e a América Latina, diversas delas em parceria com a televisão alemã, além de filmes paradigmáticos no cinema brasileiro, como Iracema: uma transa amazônica (1974) e Terceiro milênio (1980). Trabalhou nos mais diversos formatos, dos analógicos 8 mm, 16 mm e 35 mm aos digitais, em câmera profissional e celular, e segue legando trabalhos, como o recente longa-metragem Amazônia, a nova Minamata? (2022).

Ao longo dos próximos meses, o Cinema do IMS exibe uma seleção dessa obra junto a curtas-metragens comissionados especialmente para esta ocasião. Trata-se de filmes inéditos realizados a partir do arquivo de filmes super-8 de Bodanzky, um precioso material que perpassa temas como a política, o meio ambiente e a vida doméstica. Parte da Coleção Jorge Bodanzky, preservada pelo IMS, esse material chega às telas em curtXas-metragens roteirizados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti. Os filmes serão exibidos em cópias analógicas e digitais, em materiais de acervo e digitalizações

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inéditas, coordenadas por Debora Butruce, além de novas restaurações, que fazem parte de um projeto de Alice de Andrade.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Caminhos de Valderez

Jorge Bodanzky e Hermano Penna | Brasil | 1971, 23’, DCP

(Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira, com coordenação de Debora Butruce)

Desde o início de sua fundação, Brasília mostrou-se em sua dupla face: de um lado, a cidade arrojada e utópica e, de outro, um espaço em que sua diversificada população podia explorar o misticismo e a espiritualidade. O filme tenta analisar as razões disso, retratando a jovem Valderez, que, paralelamente a uma vida civil comum, desenvolvia atividades no campo espiritual. A ditadura imperava, e eram vários os mecanismos para driblar sua presença maciça. O filme pode ser visto como um ensaio para o Iracema, com sua linguagem inovadora e a fusão de documentário e ficção.

Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, a partir de pesquisa e uma série de conversas e entrevistas com Bodanzky, Carlos Alberto Mattos conta a vida do cineasta em primeira pessoa. Sobre Valderez, realizado quando o cineasta já colaborava com a televisão alemã, o livro relata: “A saudade de Brasília fez com que eu a escolhesse para cenário do meu primeiro ensaio de direção cinematográfica. O tema de Caminhos de Valderez nasceu de minhas observações, à época da UnB, sobre a tendência de fuga para o misticismo entre a população brasiliense. Já naquela época, Brasília e seus arredores eram um grande celeiro místico e esotérico, apinhado de cartomantes, fanáticos, terreiros de umbanda, o Vale do Amanhecer, a Cidade Eclética etc. Todos os meus amigos, e até a minha prima Sylvia Orthof, tinham alguma ligação com aquele mundo.”

“Hermano Penna e eu, que juntos roteirizamos e dirigimos o filme em 1971, queríamos retratar essa dualidade de Brasília não com um documentário puro e simples, mas através de uma personagem ficcional que a representasse. Alguém que tivesse uma existência civil comum e uma atividade paralela no campo do misticismo. Sylvia indicou uma aluna de seu grupo de teatro, Valderez Reis, moça bonita e interessante, que tinha laços com a umbanda. Criamos com ela uma personagem-homônima, dona de casa, esposa de funcionário público e mãe de dois filhos, que tinha um lado identificado com o fantástico. Em parte, o filme documenta elementos do cotidiano real de Valderez, inclusive o terreiro que ela frequentava, com boa dose de improviso no processo. Mas também ficcionalizamos a narrativa, inserindo

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a personagem em outros contextos místicos e criando sua vida de mãe de família. [...] Havia também um fundo político. Valderez via-se perseguida por um grupo de policiais e mal conseguia escapar. Parecia atingida por um trauma político que poderia ser real ou fruto de sua imaginação. A ideia era retratar o clima de opressão e mostrar como as pessoas se alienavam por meio da religião.”

“A essa altura, eu já estava certo de preferir o cinema à fotografia. A cumplicidade e a criação em equipe me agradavam bem mais que o trabalho solitário do fotógrafo. [...] Daí veio o desejo de dirigir meus próprios filmes, em vez de apenas fotografar os dos outros. A ideia de buscar uma interação entre documentário e criação ficcional me apaixonava desde que tomei contato pela primeira vez com os filmes de Jean Rouch e John Cassavetes. Admirava o humor de Rouch e a naturalidade com que ele conduzia não atores em seus filmes africanos. No Cassavetes de Husbands [Os maridos], 1970, por exemplo, impressionavam-me o despojamento com que ele filmava os atores profissionais, a maneira como eles improvisavam e a câmera, que os flagrava de maneira quase documental. Outro filme que me marcou nessa época foi The Harder They Come (Balada sangrenta), 1972, de Perry Henzell, que lançou a música reggae no mundo e reencenou experiências da vida de Jimmy Cliff. Eram todos filmes de câmera leve, com ênfase nos planos-sequência e acentos documentais.”

Compasso de espera

Antunes Filho | Brasil | 1969, 98’, 35 mm (Cinemateca Brasileira)

O poeta e publicitário Jorge de Oliveira é apadrinhado pelo dr. Macedo Alves, ex-patrão de sua mãe. Distante de sua família, Jorge tem uma vida confortável e mantém um romance com Emma, uma mulher branca bem mais velha e sua chefe na agência de publicidade. Jorge conhece Cristina, uma jovem branca da tradicional família Marcondes Lima, apaixona-se perdidamente e é correspondido, porém não consegue desvencilhar-se de Emma.

Compasso de espera é um dos primeiros filmes brasileiros a trazer à cena um protagonista negro da classe média. Antunes Filho designou o artista plástico Fernando Lemos para criar o conceito de fotografia de Compasso de espera. Lemos, por sua vez, convidou Jorge Bodanzky para ser o fotógrafo. Em sua biografia, Bodanzky relata: “A partir do tema do racismo (escritor negro namora modelo branca, e o casal é espezinhado pela sociedade), a fotografia deveria exacerbar as

massas de preto e de branco, separá-las e trabalhar sua dramaticidade. Recebi do Fernando uma ideia bem precisa de como deveria ser a imagem e dei asas à minha admiração pela fotografia de O bandido Giuliano [de Francesco Rossi].”

Em um videoensaio em torno do filme, a atriz Mariana Nunes e o crítico e professor de cinema Juliano Gomes se detêm de forma bastante aguda nas estratégias de fotografia e encenação: “Censurado pela ditadura militar por dois anos, só foi lançado em 1975, sem cortes, graças aos esforços de Zózimo Bulbul, o protagonista do filme. Os exibidores brasileiros não se interessaram pelo filme. O lançamento foi limitado, e ele recebeu quase nenhuma repercussão crítica. Além disso, exibidores temiam que um filme em preto e branco espantasse o público, já acostumado a cores naquele momento. Antunes queria o filme em P&B porque era mais barato e também por causa do seu tema racial. O monocromático foi uma opção para dar ao filme um aspecto mais bruto, artesanal e subdesenvolvido, segundo Antunes.”

“Zózimo estreia como diretor com o curta Alma no olho, que é inspirado no livro Alma no exílio, do escritor e ativista Eldridge Cleaver. Alma no olho foi feito com as sobras do negativo de Compasso de espera. Quase como uma produção de um homem só. [...] O negativo Kodak Plus-X usado nesses dois filmes reduz os tons cinzas, enfatizando tons ou muito claros ou muito escuros. Produzindo alto contraste. Além do mesmo negativo, há outros elementos em comum entre os dois filmes: o tema racial explícito. O fundo branco e os espaços brancos. O movimento de zoom in a que o operador de VT se refere em Compasso é feito

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no fim de Alma no olho, de maneira bastante ambígua. O isolamento e solidão do homem negro.”

“A metáfora da cor mostra que o mundo branco e o mundo preto fazem contato, mas estão profundamente separados. O contraste do negativo é uma das maneiras de enfatizar a ideia de diferença e separação, marcando e diferenciando preto e branco. A direção de arte e figurinos reforçam essa diferença. Uma das imagens mais sintéticas do filme é Zózimo vestindo um terno branco. Sua pele escura produz alto contraste com o tecido. Pele negra, terno branco. Uma expressão da condição de Jorge, vivendo espaços e relações que o repelem e são hostis a ele.”

[Trecho inicial da sinopse adaptado a partir da versão veiculada na plataforma Sesc Digital: bit.ly/compassoims. Citação de Bodanzky extraída da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso. O videoensaio de Mariana Nunes e Juliano Gomes, disponibilizado pela iniciativa Cinelimite pode ser visto em: bit.ly/compassoims2]

Jari

Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil | 1979, 58’, DCP

(Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira, com coordenação de Debora Butruce)

O documentário acompanha os parlamentares designados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a devastação da Amazônia, na região do polêmico Projeto Jari, de Daniel Ludwig, milionário americano que investia na região. O filme debate o processo de industrialização da Amazônia, mostrando os aspectos contraditórios daquilo que pretendia ser o maior empreendimento privado da região. Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos a partir de relatos do cineasta, é descrita a origem e a repercussão do filme: “Todo um novo capítulo do meu trabalho na Amazônia começou no dia em que conheci o senador Evandro Carreira, do

MDB. Ele me procurou solicitando algumas imagens de Iracema para apresentar numa entrevista à TV Bandeirantes. Embora achasse o pedido um tanto insólito, cedi, porque vi nele uma figura interessante. Seu discurso sobre a Amazônia tinha uma qualidade utópica, mas era coerente, corajoso e bastante diferenciado do que se propunha para a região naquele momento. [...] O Senador 'Pororoca' – como o chamavam devido à prolixidade – era contraditório, espalhafatoso, fazia uma política antiquada, mas conhecia profundamente seu território e demonstrava preocupações legítimas. Tanto que estava prestes a visitar o Projeto Jari, como integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito da devastação da Amazônia.”

“Eu e Wolf logo acertamos com ele a realização de um filme sobre essa viagem. Conhecer in loco o controvertido Projeto Jari era sonho de quase todo jornalista brasileiro na época. Tudo era muito controlado, o acesso era complicado. Um gigantesco complexo de extração de madeira e fabricação de celulose estava implantado às margens do rio Jari, na divisa entre o Pará e o Amapá. [...] Ao fim da visita oficial, decidimos ficar por nossa conta e risco, apesar da insistência dos administradores da usina para que partíssemos junto com os políticos. Percebemos certo mal-estar. Disseram que não se responsabilizariam por nós a partir dali. Mesmo assim, resolvemos arriscar.”

“Um dos engenheiros, corajosamente, nos ofereceu hospedagem e nos levou no seu carro para documentarmos o outro lado do Jari. [...] Bastava afastar-se 300 metros daquela fábrica com tecnologia de ponta para se dar de cara com o Brasil real: uma imensa favela de palafitas, coalhada de

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gente miserável e de prostitutas, onde a lei parecia não chegar. Desvinculados dos políticos e da diretoria do projeto, não tivemos dificuldade em colher bons depoimentos sobre a situação dos operários, em grande parte imigrantes nordestinos, suas queixas das condições de trabalho e de alimentação, o xadrez privado para aqueles que reclamavam, malária, assassinatos, exploração pelo comércio do Beiradão. Nas entrevistas, eu e Wolf captamos também o medo de falar, as especulações sobre um patrão cujo rosto quase ninguém via.”

"[...] Já na montagem, antecipamos a destinação que o filme deveria ter: a de ser um instrumento de debate sobre a industrialização da Amazônia. Confrontamos depoimentos contraditórios, expusemos a falácia de quem defendia a exploração irresponsável da floresta e da mão de obra. [...] Já a partir de maio de 1980, tínhamos entre 15 e 20 cópias circulando constantemente através da distribuidora Dinafilme. Jari foi um dos poucos filmes concebidos e realizados especificamente para o circuito alternativo. A televisão da época não absorveria um filme com tal conteúdo crítico. Nos cinemas, não havia espaço para um média-metragem documental em 16 mm. O filme foi exibido no Senado e na Escola Superior de Guerra. [...] Evandro Carreira e Modesto da Silveira usaram Jari em suas campanhas com nosso pleno consentimento.”

“O filme se propunha a ser uma arma política e, portanto, quanto mais fosse exibido e usado, melhor. As projeções se sucediam em cineclubes, universidades, sindicatos, associações de classe e assembleias legislativas de vários estados, além dos comitês do Movimento de Defesa da Amazônia. Era muito estimulante ver como o trabalho chegava ao público e gerava debates amplos, muito além do conteúdo do filme. Cerca de 200 mil pessoas viram Jari naquele momento, quando a televisão, de maneira geral, ignorava solenemente a realidade brasileira.”

Limites do diáfano

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2023, 9’, DCP (Acervo IMS)

Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.

Em uma iniciativa do Cinema do IMS, o acervo de Jorge Bodanzky depositado no IMS, sobretudo seus filmes super-8 feitos em contextos diversos (ambiente doméstico, viagens a trabalho, estudo para filmes) foram elaborados

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e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti em cinco curtas-metragens inéditos, que serão apresentados ao longo da mostra As câmeras de Bodanzky. A realização desses filmes é uma iniciativa do Instituto Moreira Salles, com produção de Vasto Mundo & Errante.

Em 1984, Eduardo Coutinho marcou a história do cinema de não ficção com o lançamento de Cabra marcado para morrer. Por onde passou, tensionou os limites da representação e do assim chamado “documentário”: dirigindo episódios históricos do Globo Repórter, na produção em vídeo junto ao CECIP e na formulação de um “cinema do encontro” bastante único a partir de Santo forte. Em 11 de maio de 2023, Coutinho completaria 90 anos. Como homenagem, o Cinema do IMS exibiu uma seleção de obras do cineasta ao longo do ano.

Passamos por projetos em que trabalhou como roteirista, pelos primeiros filmes de ficção, o breve período como crítico de cinema no JB, os documentários para o Globo Repórter e CECIP, pelo Cabra e pela sua produção mais recente junto à VideoFilmes. Neste último mês, três obras em que Coutinho é personagem. O que está em jogo aqui é o modo como os filmes são feitos, o que pensa a respeito deles e sobre cinema de um modo geral e a repercussão ou contaminação de suas imagens em outras obras.

Um ano está longe de ser suficiente para dar conta da magnitude do cinema de Coutinho. Não só pelas obras que não chegamos a exibir ou aquelas que ainda carecem de devida pesquisa e difusão, como pelas inúmeras oportunidades que cada filme mostrado abre para o espectador. A retrospectiva se encerra, mas o convite continua.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Coutinho.Doc – Apartamento 608

Beth Formaggini | Brasil | 2009, 51’, Arquivo digital (Acervo da artista)

O processo de criação do cineasta Eduardo Coutinho e sua equipe desde a fase da pesquisa até o fim das filmagens de Edifício Master (2002). Durante uma semana, Eduardo Coutinho e sua equipe conversaram com 27 moradores de um grande edifício em Copacabana.

Beth Formaggini, diretora de produção do Master, que também trabalhou em outros filmes do diretor (Babilônia 2000, Peões), apresenta os bastidores dessa produção. Desanimado com os personagens e com receio de que não teria histórias fortes e interessantes o suficiente para um filme, Eduardo Coutinho chegou a cogitar não rodar o título ao receber os primeiros resultados da observação. Convencido pela equipe, ele decidiu levar o projeto adiante.

O filme de Beth Formaggini será exibido junto ao curta-metragem Eu fui assistente do Eduardo Coutinho, de Allan Ribeiro.

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Coutinho 90

Eduardo Coutinho, 7 de outubro

Carlos Nader | Brasil | 2013, 73’, Arquivo digital (Sesc-SP)

No dia 7 de outubro de 2013, Eduardo Coutinho chega para uma conversa marcada com seu colega, Carlos Nader. O célebre documentarista será filmado por sua própria equipe, conduzida por outro diretor. Diante da câmera, Coutinho revela-se como um ser humanista, irônico, pessimista e profundamente impregnado pelo interesse nos seres humanos que entrevistava em seus filmes – cada um deles único, no seu entender.

“Coutinho criou a partir de 1997 um cinema em que a única imagem é a de uma pessoa sentada à frente da câmera, falando”, comenta Nader em depoimento veiculado no material de imprensa do filme. “Esse movimento radical, de um essencialismo que a história possivelmente lembrará como similar ao suprematismo de Kazimir Malevich ou à Bossa Nova de João Gilberto, é o tema central do documentário.”

Eu fui assistente do Eduardo Coutinho

Allan Ribeiro | Brasil | 2023, 17’, DCP (Acervo do artista)

No dia 28 de janeiro de 2008, uma equipe de filmagem entrava em um prédio para rodar um documentário. Neste dia, eu fui assistente do Eduardo Coutinho.

O curta de Allan Ribeiro será exibido junto a Coutinho.Doc – Apartamento 608, de Beth Formaggini.

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O É Tudo Verdade, principal evento dedicado exclusivamente à cultura do documentário na América do Sul, tem o prazer de apresentar a sua 29ª edição. Neste ano, o Cinema do IMS recebe a Competição Internacional de Longas ou MédiasMetragens, o filme escolhido para a sessão de Abertura do Rio de Janeiro, dois programas da Competição Brasileira de Curtas-Metragens e dois da Internacional. O festival é um dos raros eventos do mundo, e o único da América Latina, que tornam seus quatro filmes vitoriosos elegíveis para consideração nas categorias Documentário de Longa e de Curta-Metragem do Oscar. A mostra aqui apresentada faz parte dessa classificação. O IMS recebe também o seminário Documentário: da ideia à tela

Entrada gratuita

Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de 1 senha por pessoa. Senhas sujeitas à lotação da sala.

Seminário

Documentário: da ideia à tela

5 de abril, sexta-feira

14h: Projeto de desenvolvimento – Como faz?, com Eugenio Puppo

16h: Produção audiovisual, com Marcelo Machado

6 de abril, sábado

14h: O trabalho de finalização, com André Finotti

16h: Distribuição e exibição, com Barbara Sturm

Celluloid Underground

Ehsan Khoshbakht | Irã, Reino Unido | 2023, 80’, DCP

Depois da Revolução Islâmica, um tenaz colecionador de filmes em Teerã vira um herói improvável ao assumir a corajosa missão de proteger milhares de filmes das garras do novo regime.

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É Tudo Verdade

Cento e quatro

Einhundertvier

Jonathan Schörnig | Alemanha | 2023, 92’, DCP

O tempo angustiante que leva para resgatar 104 pessoas de um bote de borracha que está afundando. Pessoa por pessoa, passo a passo, a ação é acompanhada por seis câmeras. As pessoas resgatadas e a tripulação esperam por dias em alto-mar, porque nenhum país mediterrâneo permite que eles atraquem.

Copa de 71

Copa 71

Rachel Ramsay e James Erskine | Reino Unido | 2023, 91’, DCP

Em 1971, as seleções da Inglaterra, Argentina, México, França, Dinamarca e Itália se reuniram no estádio Azteca, na Cidade do México. A escala do torneio é monumental: patrocínio luxuoso, ampla cobertura da TV e multidões de mais de 100 mil torcedores. Mas este é um torneio diferente de tudo o que já aconteceu antes. Quem está em campo são jogadoras mulheres. Esta é a Copa do Mundo Feminina não oficial, ignorada tanto pelo órgão dirigente quanto pelas associações nacionais de futebol.

Corpo

Telo

Petra Seliškar | Eslovênia, Macedônia do Norte, Croácia | 2023, 91’, DCP

Filmado num período de 20 anos, Corpo é uma exploração sensível e íntima da vida extraordinária e do intrincado mundo interior de uma mulher que luta contra uma série de doenças autoimunes raras.

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Diários da caixa preta

Black Box Diaries

Shiori Ito | Japão, EUA, Reino Unido | 2024, 102’, DCP

A luta da cineasta Shiori Ito para processar seu estuprador, o jornalista mais próximo e biógrafo do então primeiro-ministro Shinzo Abe.

E assim começa And so It Begins

Ramona S. Diaz | EUA, Filipinas | 2024, 100’, DCP

Esta meditação sobre o poder faz um recorte das eleições de 2022 nas Filipinas. Os últimos meses do governo autoritário de Rodrigo Duterte, a disputa entre a vice-presidente Leni Robredo e o filho homônimo do ex-ditador Ferdinand Marcos e a luta obstinada da Nobel da Paz Maria Ressa pela liberdade de imprensa. Filme-irmão de A Thousand Cuts (2020), explora ainda mais a fundo a relação entre o medo e as instituições que deveriam nos proteger.

Mamãe Suriname – Mama Sranan

Moeder Suriname – Mama Sranan

Tessa Leuwsha | Holanda | 2023, 71’, DCP

Tessa Leuwsha usa imagens de arquivo colorizadas para ilustrar a vida de mulheres surinamesas, incluindo sua avó, nascida em 1905 de uma mãe branca e de um pai negro.

Desprezada por sua origem mestiça, ela se muda para Paramaribo, onde cria quatro filhos sozinha. Antes da independência do Suriname, em 1975, seus filhos se mudam para a Holanda, e ela os segue a contragosto, mas encontra conforto em suas raízes espirituais.

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Mixtape La Pampa

Andrés di Tella | Argentina, Chile | 2023, 104’, DCP

Diário de uma longa viagem pelos Pampas na trilha de Guillermo Enrique Hudson, também conhecido como William Henry Hudson. Figura enigmática, gaúcho que virou escritor inglês, Hudson escreveu obsessivamente sobre sua terra natal, mas nunca voltou. Nas voltas e reviravoltas da estrada, surge uma mistura de especulação documental, história argentina e sonhos.

O mundo é família

Vasudhaiva Kutumbakam

Anand Patwardhan | Índia | 2023, 96’, DCP

“O mundo é uma família” é um conceito antigo que compete com as noções exclusivistas de casta. Os mais velhos da família de Anand haviam lutado pela independência da Índia, mas raramente falavam sobre isso. Quando seus pais começam a envelhecer e supremacistas confessos tentam reescrever cinicamente a história do país, Anand começa a filmar.

O relatório da Revolta de 1967

The Riot Report

Michelle Ferrari | EUA | 2023, 113’, DCP

Quando a violência explode nos bairros negros de várias cidades americanas no verão de 1967, o presidente Lyndon Johnson nomeia a Comissão Kerner para responder a três perguntas: o que aconteceu? Por que aconteceu? O que poderia ser feito para evitar que acontecesse de novo? O relatório final, publicado em março de 1968, ofereceria uma avaliação tão crua das relações raciais americanas, um veredito tão politicamente explosivo, que Johnson o condenou ao esquecimento.

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Um filme para Beatrice

Helena Solberg | Brasil | 2024, 78’, DCP

“Como vão as mulheres no Brasil?“ É essa pergunta intrigante, feita por uma jornalista italiana, que Helena Solberg tenta responder através de elementos dos seus filmes, dos anos 1960 até hoje. No caminho, encontros com figuras como Heloisa Teixeira, Rita von Hunty e Helena Vieira iluminam algumas frestas desse amplo debate.

Uma estória americana

Une Chronique américaine

Jean-Claude Taki e Alexandre Gouzou | França e Itália | 2023, 66’, DCP

Baseado num roteiro desconhecido de Michelangelo Antonioni, Uma estória americana entrelaça os fios de uma aventura cinematográfica abortada, a mitologia da América dos anos 1970 e uma deriva existencial.

Zinzindurrunkarratz

Oskar Alegria | Espanha | 2023, 89’, DCP

Um cineasta decide recuperar o caminho que os pastores da sua cidade faziam para chegar às montanhas, mas ninguém mais sabe a rota exata. Sua ideia é filmá-lo com a antiga super-8 de sua família, mas descobre que, depois de 41 anos sem uso, ela não capta mais som. O caminho esquecido e a câmera muda são, junto com um burro chamado Paolo, os protagonistas de uma jornada cheia de lembranças, pontos de interrogação e silêncio.

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Curtas internacionais 1

Anseio de luz

Anhel de llum

Alba Cros Pellisé | Espanha | 2023, 11’, DCP

Uma exploração de Barcelona por meio da luz que incide sobre as ruas da cidade. O Sol como um pincel que destaca a intimidade dos cômodos, dos amigos, dos amantes e das pessoas ao redor.

Como agradar

How to Please

Elina Talvensaari | Finlândia | 2023, 27’, DCP

O iraquiano Wed al-Asadi fica preso no labirinto do sistema de asilo finlandês. De repente, sair parece ainda mais difícil do que entrar.

Getty Abortions

Franzis Kabisch | Alemanha, Áustria | 2023, 21’, DCP

A partir de bancos de imagem, revistas para adolescentes e documentos de um aborto real, este ensaio de desktop examina como a mídia alemã e austríaca ilustram o tema do aborto.

Minha irmã

Moja siostra

Mariusz Rusiński | Polônia | 2023, 29’, DCP

Zuzia, uma adolescente muito sensível e talentosa, luta contra o vício em drogas. Seu irmão, que também é o diretor do filme, tenta descobrir o que aconteceu na família para que Zuzia caísse no vício.

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É Tudo Verdade

Curtas internacionais 2

Avalanche

Avalancha

Daniel Cortés | Colômbia | 2023, 25’, DCP

Na Colômbia, o assassinato de líderes sociais é uma prática política antiga que busca destruir todo tipo de organização popular; no entanto, longe de destruí-las, acabou fortalecendo a vontade de resistência.

Azul

Blue

Violena Ampudia | Bélgica, Cuba | 2023, 17’, DCP

Resultado de um processo colaborativo com mulheres que sofreram de depressão pós-parto.

Entre a graça e a violência Zarafet ve Şiddet Arasında

Şirin Bahar Demirel | Holanda, Turquia | 2023, 14’, DCP

A descoberta de memórias traumáticas que não foram incluídas nos álbuns de família.

Parentesco indesejado

Ungewollte Verwandtschaft

Pavel Mozhar | Alemanha | 2023, 30’, DCP

Nos relatos das vítimas civis da ocupação russa e bielorrussa na Ucrânia, figuram descrições de tortura e repressão que parecem ser de natureza sistemática. Tomando esses relatos como base, um cineasta de Belarus tenta entender o que essa guerra de aniquilação tem a ver com ele e qual é a sua responsabilidade nisso tudo.

Só a lua entenderá

Solo la luna comprenderá

Kim Torres | Costa Rica, EUA | 2023, 18’, DCP

Enquanto uma lua mágica se insinua no crepúsculo, várias linhas do tempo se entrelaçam na cidade de Manzanillo, no litoral caribenho da Costa Rica.

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Curtas brasileiros 1

Aguyjevete Avaxi’i

Kerexu Martim | Brasil | 2023, 21’, Arquivo digital

Celebração da retomada do plantio do milho na aldeia Kalipety, em área de plantio recuperada pelos Guarani M’bya.

A edição do Nordeste

Pedro Fiuza | Brasil | 2023, 20’, DCP

Para inventar uma região, é preciso inventar uma cultura – de preferência com ajuda do cinema.

Noite das Garrafadas

Elder Gomes Barbosa | Brasil | 2023, 25’, DCP

Nove anos depois da Independência do Brasil, protestos populares forçam o imperador dom Pedro I a fugir às pressas do país. Os fantasmas do Brasil Império se projetam no Brasil de hoje na rua da Quitanda.

Sertão, América

Marcela Ilha Bordin | Brasil | 2023, 18’, DCP

Um registro do processo de criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, onde desenhos rupestres desafiam a teoria corrente de como o homem chegou às Américas.

Utopia muda

Julio Matos | Brasil | 2023, 20’, DCP

A democratização dos meios de comunicação a partir da história da Rádio Muda, a mais longeva rádio livre.

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Curtas brasileiros 2

As placas são invisíveis

Gabrielle Ferreira | Brasil | 2024, 24’, DCP

Num momento de ebulição da luta pró-cotas, cinco estudantes negras revelam o que é estar dentro de uma das instituições mais elitizadas do país.

Até onde o mundo alcança

Daniel Frota de Abreu | Brasil, Holanda, Bélgica | 2023, 27’, DCP

Um ornitólogo tenta registrar os escassos cantos dos pássaros numa área de mineração desativada, enquanto uma equipe de etnobotânicos lida com os desafios de armazenar uma das maiores coleções de história natural do mundo.

Sem tÍtulo #9: nem todas

as flores da falta

Carlos Adriano | Brasil | 2024, 22’, DCP

A flor de Coleridge no jardim dos caminhos que se bifurcam de Borges. Flores de papel e película; flores fósseis.

Serão

Caio Bernardo | Brasil | 2023, 15’, DCP

Entre a árdua prática secular da extração manual de cal e a nova promessa de empreendedorismo oferecida pela indústria têxtil, uma família do Cariri paraibano continua refém de uma jornada de trabalho interminável.

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Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras.

Cabra marcado para morrer

Eduardo Coutinho | Brasil | 1962-1984 | 119min

Em matéria de 1985 para o Jornal do Brasil, Roberto Mello escreveu: “As filmagens começaram em fevereiro de 1964. Coutinho pretendia contar a história de João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado em 1962. Não queria atores profissionais: que os personagens fossem interpretados pelos próprios camponeses. Dezessete anos depois, Coutinho volta à região, consegue encontrar Elizabeth e, através do filho mais velho, Abraão, investiga o destino dos outros dez filhos e de todos os envolvidos no projeto. Ele exibe os originais filmados há tanto tempo, os camponeses se alegram com seus rostos, mais jovens, vivem a emoção do reconhecimento e o jogo de identificações. Vinte anos depois, Coutinho conclui seu filme, um épico contado com clareza, paciência e perseverança, por alguém que confia no trabalho e nos dias. Uma experiência original na cinematografia brasileira.”

Extras:

- A família de Elizabeth Teixeira [65 min. aprox.] e Sobreviventes de Galileia [27 min. aprox.] de Eduardo Coutinho

- Faixa comentada com Carlos Alberto Mattos, Eduardo Escorel e Eduardo Coutinho

- Livreto com textos de Walter Lima Jr., Eduardo Coutinho, Sylvie Pierre, José Carlos Avellar e outros.

O futebol, de Sergio Oksman

O botão de pérola e Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán

Photo: Os grandes movimentos fotográficos

Homem comum, de Carlos Nader

Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes

Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho

A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos

Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman

Os dias com ele, de Maria Clara Escobar

A tristeza e a piedade, de Marcel Ophüls

Os três volumes da série Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual

La Luna, de Bernardo Bertolucci

Cerimônia de casamento, de Robert Altman

Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho

Vidas secas e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos

O emprego, de Ermanno Olmi

Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Cerimônia secreta, de Joseph Losey

As praias de Agnès, de Agnès Varda

A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch

Diário 1973-1983 e Diário revisitado 1990-1999, de David Perlov

Elena, de Petra Costa

A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo

Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper

Seis lições de desenho com William Kentridge

Sudoeste, de Eduardo Nunes

Shoah, de Claude Lanzmann

Memórias do subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea

E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade

Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja online do IMS: bit.ly/imsdvd.

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coleção DVD | IMS

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Ana Clara da Costa e Adriano Brito

Serviço de legendagem

eletrônica

Pilha Tradução

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

Os filmes de março

O programa do mês tem o apoio da Cinemateca Brasileira, do Festival É Tudo Verdade, da revista Cinética, das distribuidoras Embaúba Filmes, Filmes da Mostra, Synapse, Vitrine Filmes, Zeta Filmes e do projeto Sessão

Vitrine Petrobras.

Agradecemos a Allan Ribeiro, André Coelho Mendes Queiroz, Beatriz Falasco, Beth Formaggini, Carlos Nader, Hermano Callou, Joana Eça de Queiroz, Júlia

Noá, Juliano Gomes, Laura Liuzzi, Luiz Carlos Oliveira Jr., Tamar Guimarães, Tiago Melo.

As câmeras de Bodanzky

Curadoria, realização e produção: Cinema do IMS

Apoio: Arquivo Nacional, Cinemateca Brasileira, Cinemateca do MAM, CTAv, Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF)

Coordenação de digitalização: Débora Butruce

Digitalização e tratamento de imagem e som: Link Digital e Mapa Filmes

Pesquisa: Ângelo Manjabosco, Mariana Baumgaertner, Júnia Matsuura

Agradecimentos: Jorge Bodanzky, Adriana Veríssimo, Alice de Andrade, Ana Beatriz Vasconcellos, Barbara Alves Rangel, Bruna Callegari, Carlos Polonio, Centro de Produção Audiovisual - Sesc-SP, Denise Miller, Elisa Ximenes, Ewerton Belico, Guilherme Albani, Hernani Heffner, Joana Nogueira Lima, José Quental, Link Digital, Luiz Pretti, Meike Schlarb (ZDF), Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), Patrícia Lira, Rafael Medeiros, Ricardo Pretti.

Agradecimentos Equipe IMS: Bianca Mandarino, Cauê Guimarães, Horrana de Kássia Santoz, Joana Reiss, Marina Marchesan, Nadja Santos, Thyago Nogueira.

A exibição de Compasso de espera tem o apoio da Cinemateca Brasileira

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês.

Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.

Capacidade da sala: 145 lugares.

Meia-entrada

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

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As linhas da minha mão, de João Dumans (Brasil | 2023, 80’, DCP)

SOAP, de Tamar Guimarães

(Alemanha, Brasil | 2020, 110’, Arquivo digital)

Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h.

Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h.

Fechado às segundas.

Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

A entrada no IMS

Paulista é gratuita.

Avenida Paulista 2424

CEP 01310-300

Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120

imspaulista@ims.com.br

ims.com.br

/institutomoreirasalles

@imoreirasalles

@imoreirasalles

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