Cinema do IMS Paulista, julho de 2024

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A garota (Eltávozott nap), de Márta Mészáros (Hungria | 1968, 80’, DCP, cópia restaurada)

destaques de julho de 2024

Ao escolher a cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, como seu local de vida e de trabalho, os cineastas Glenda Nicácio e Ary Rosa perceberam que talvez fosse necessário repensar a forma como um filme é feito. Desenvolveram então uma obra de forte identidade própria, em que artesania, coletividade e invenção tramam filmes "subdesenvolvidos por natureza e vocação", em referência à celebre frase de Rogério Sganzerla, como proclama um de seus personagens. Em julho, os filmes da dupla serão revistos no Cinema do IMS. MaXXXine, o aguardado terceiro ato da série de terror desenvolvida por Ti West em torno de duas personagens vividas pela atriz Mia Goth, chega ao IMS junto aos dois filmes anteriores, X – A marca da morte e Pearl. Também em exibição, A flor do buriti é o segundo longa-metragem de Renée Nader Messora e João Salaviza em colaboração com o povo indígena Krahô, premiado na mostra Um Certo Olhar, em Cannes; e Greice, o mais recente longa-metragem de Leonardo Mouramateus, desdobra as aventuras de uma jovem brasileira entre Lisboa e Fortaleza.

A Sessão Mutual Films se debruça sobre os trabalhos de Judit Elek e Márta Mészáros, duas grandes cineastas húngaras que foram celebradas em anos recentes com retrospectivas ao redor do mundo. Seus filmes serão apresentados em cópias recém-restauradas.

[imagem da capa]

A flor do buriti, de João Salaviza e Renée Nader Messora (Brasil, Portugal | 2023, 125’, DCP)

Gitirana, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna (Brasil, Alemanha | 1975, 90’, Arquivo digital)

Café com canela, de Ary Rosa e Glenda Nicácio (Brasil | 2017, 100’, DCP)
MaXXXine, de Ti West (EUA | 2024, 101’, DCP )

filmes em exibição

Filmes em cartaz

A flor do buriti

João Salaviza e Renée Nader Messora

DCP

A hora da estrela

Suzana Amaral | DCP

Greice

Leonardo Mouramateus | DCP

MaXXXine | Ti West | DCP

Sessões especiais

O estranho

Flora Dias e Juruna Mallon | DCP

Orlando, minha biografia política

(Orlando, ma biographie politique)

Paul B. Preciado | DCP

Teca e Tuti – Uma noite na biblioteca

Eduardo Perdido, Tiago Mal e Diego M.

Doimo | DCP

Tudo o que você podia ser

Ricardo Alves Jr. | DCP

Pearl | Ti West | DCP

X – A marca da morte (X) | Ti West | DCP

A partir de agora, é possível assistir a alguns dos fi lmes em cartaz no Cinema do IMS com recursos de acessibilidade em Libras, legendas descritivas e audiodescrição. Para retirar o equipamento com recursos, consulte a bilheteria do IMS Paulista. Em c aso de dúvidas, entrar em

contato pelo telefone (11) 2842-9120 ou pelo e-mail imspaulista@ims.com.br.

Mutual Films

As câmeras de Bodanzky

Cinema é cachoeira –

Os filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio

Encontro (Találkozás)

Judit Elek | DCP, cópia restaurada

A garota (Eltávozott nap)

Márta Mészáros | DCP, cópia restaurada

Dente-de-leão (Bóbita)

Márta Mészáros | DCP, cópia restaurada

A dama de Constantinopla

(Sziget a szárazföldön)

Judit Elek | DCP, cópia restaurada

Navegaramazônia: uma viagem com Jorge Mautner

Jorge Bodanzky e Evaldo Mocarzel

Arquivo digital

Gitirana

Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Arquivo digital

Brasília em super-8

Jorge Bodanzky | Arquivo digital

Volkswagen: operários na

Alemanha e no Brasil

Jorge Bodanzky, Peter Braune e Wolf Gauer | Arquivo digital

O clique único de Assis Horta

Jorge Bodanzky | Arquivo digital

Café com canela

Ary Rosa e Glenda Nicácio | DCP

Ilha

Ary Rosa e Glenda Nicácio | DCP

Mugunzá

Ary Rosa e Glenda Nicácio | DCP

Até o fim

Ary Rosa e Glenda Nicácio | DCP

Voltei!

Ary Rosa e Glenda Nicácio | DCP

Na rédea curta

Ary Rosa e Glenda Nicácio | DCP

15:30 A hora da estrela (96')

17:45 O estranho (108')

20:00 Tudo o que você podia ser (84')

15:40 Orlando, minha biografia política (98')

17:40 A flor do buriti (125')

20:00 Navegaramazônia: uma viagem com Jorge Mautner (50') 16

16:00 MaXXXine (101')

18:00 MaXXXine (101')

20:00 Gitirana (90')

15:50 MaXXXine (101')

17:50 Greice (110')

20:00 Brasília em super-8 + Volkswagen: operários na Alemanha e no Brasil + O clique único de Assis Horta (57') 30

15:50 MaXXXine (101')

17:50 Greice (110')

20:00 Voltei! (78') 3

15:30 A hora da estrela (96')

18:00 Tudo o que você podia ser (84')

20:00 O estranho (108')

16:00 Tudo o que você podia ser (84')

17:45 Orlando, minha biografia política (98')

19:40 A flor do buriti (125')

17

15:00 MaXXXine (101')

17:00 MaXXXine (101')

Sessão Mutual Films

19:30 Encontro + A garota (102')

Sessão apresentada por Gracie Pinto, Aaron Cutler e Mariana Shellard

24

16:00 Orlando, minha biografia política (98')

18:00 MaXXXine (101')

20:00 Greice (110')

31

15:50 MaXXXine (101')

17:50 Greice (110')

20:00 Na rédea curta (95')

4

16:00 Tudo o que você podia ser (84')

17:45 Orlando, minha biografia política (98')

19:40 A flor do buriti (125')

11

15:30 MaXXXine (101')

17:40 A flor do buriti (125')

20:00 MaXXXine (101')

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15:00 MaXXXine (101')

17:00 Greice (110')

Sessão Mutual Films

19:15 Dente-de-leão + A dama de Constantinopla (97'), seguido de debate entre Maria Vragova, Nayla Guerra e os curadores Aaron Cutler e Mariana Shellard

25

15:45 MaXXXine (101')

19:00 Abertura da mostra

Cinema é cachoeira – Os filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio: Ilha (98'), seguida de debate com Ary Rosa, Glenda Nicácio, Aldri Anunciação e Antônio Pitanga, com mediação de Márcia Vaz

5

14:30 O estranho (108')

17:00 Orlando, minha biografia política (98')

19:00 A flor do buriti (125')

21:30 X – A marca da morte (105')

12

15:30 MaXXXine (101')

17:40 A flor do buriti (125')

20:00 MaXXXine (101')

22:00 Orlando, minha biografia política (98')

19

15:30 A flor do buriti (125')

18:00 Orlando, minha biografia política (98')

20:00 MaXXXine (101')

22:00 Greice (110')

26

14:00 Teca e Tuti – Uma noite na biblioteca (74')

15:30 A flor do buriti (125')

17:50 Greice (110')

20:00 Café com canela (100')

22:00 MaXXXine (101')

6

14:00 Tudo o que você podia ser (84')

15:45 Orlando, minha biografia política (98')

17:45 Navegaramazônia: uma viagem com Jorge Mautner (50')

19:00 A flor do buriti (125')

21:30 Pearl (102')

13

15:00 MaXXXine (101')

17:00 X – A marca da morte (105')

19:00 Pearl (102')

21:00 MaXXXine (101')

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14:00 A flor do buriti (125')

16:20 Greice (110')

18:30 Brasília em super-8 + Volkswagen: operários na Alemanha e no Brasil + O clique único de Assis Horta (57')

20:00 MaXXXine (101')

22:00 Orlando, minha biografia política (98')

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14:00 Teca e Tuti – Uma noite na biblioteca (74')

15:30 A flor do buriti (125')

18:00 Dente-de-leão + A dama de Constantinopla (97')

20:00 Mugunzá (101')

22:00 MaXXXine (101')

7

15:00 O estranho (108')

17:30 Orlando, minha biografia política (98')

19:40 A flor do buriti (125')

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14:00 Orlando, minha biografia política (98')

16:00 MaXXXine (101')

18:00 Gitirana (90')

20:00 MaXXXine (101')

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14:00 Orlando, minha biografia política (98')

16:00 MaXXXine (101')

18:00 Encontro + A garota (102')

20:00 Greice (110')

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18:00 MaXXXine (101')

20:00 Até o fim (75')

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.

Rosza Filmes:

cinemas, arranjos e arranjos

cinematográficos

no Recôncavo

Recôncavo da Bahia, junho de 2024.

Começamos este texto às vésperas.

Às vésperas da reunião de fotografia dos próximos filmes que virão.

Às vésperas da reunião com a equipe de distribuição.

Às vésperas do São João.

A Mostra Cinema é cachoeira - Os filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio é um desejo antigo, e agora realizado, de poder finalmente alcançar o circuito de exibição com um conjunto de filmes que, juntos, traçam uma proposta de cinema feito no interior, no Recôncavo da Bahia.

Poderíamos falar que é também um mapa de como chegamos até aqui, de como viemos vivendo de cinema no interior do Brasil, tentando produzir um filme por ano, com histórias, orçamentos e dinâmicas que foram sendo aprendidas e adaptadas de acordo com os limites do território.

Aprender um cinema feito com quem é de casa.

Aprender a construir casa com quem se faz cinema.

São 13 anos desde o nosso primeiro filme. Sim, porque Café com canela estreou em 2017, mas o roteiro começou a existir na nossa vida já em 2011, mais ou menos junto com a criação da nossa produtora Rosza

Filmes. De todos, este foi o filme mais difícil e talvez o que mais tenha nos ensinado também. Afinal, as escolhas e os planos desse período nunca foram só sobre o Café com canela, mas abrangiam a descoberta de uma forma que coubesse e abrigasse também o fazer fílmico dos projetos que estavam por vir. Toda a movimentação só fazia sentido diante do pacto de permanecer.

E, hoje, é bom estarmos vivos e juntos para assistir essa(s) história(s).

A mostra é uma proposta de celebração. Como dissemos, estamos escrevendo nas vésperas do São João. A cidade já está enfeitada com bandeirolas coloridas. Amendoim já comprado. Licor também, não pode faltar. Enquanto escrevemos, os últimos ajustes dessa mostra ainda estão acontecendo. Essa mistura que o cinema nos exige de estar no presente e habitar o futuro. Uma tentativa de ocupar esse tempo, que não é hoje, que não é amanhã. Está entre. É a história. É depois.

E depois sempre tem filme. No nosso caso, mais três.

Estamos iniciando oficialmente nosso período de pré-produção. Nos meses de outubro a fevereiro, filmaremos nossos próximos longas, Todo o sentimento, As flores do Recôncavo e Quem tem com que me pague, não me deve nada.

São roteiros que foram escritos há alguns anos, em contextos distintos de Brasil (e da gente também). Então se faz necessário revisitar essas histórias com os olhos do agora.

O roteiro de As flores do Recôncavo, por exemplo, foi escrito logo depois de Café com canela . É o roteiro mais antigo que temos sem ser filmado. Foi atropelado por Ilha (2018), que, para nós, na época, parecia mais urgente. E também porque percebemos que As flores do Recôncavo tem uma estrutura que se assemelha ao nosso primeiro filme, e estávamos com vontade de mergulhar em uma outra proposta. Apresentar um segundo filme que fosse na contramão do primeiro, para que pudéssemos também nos experimentar. Tentar o imprevisível foi uma boa forma de escapar de algumas amarras, sobretudo das que não consideravam que o afeto também acontece em tempos difíceis, e que nem sempre tem gosto de canela. No geral, tentamos cumprir a ordem de chegada dos roteiros, mas não é uma regra. Cada tempo exige seu filme. Nesse sentido, é bom pensar que, prestes a voltar para as gravações, prestes a ocupar outros sets mais uma vez, teremos esse tempo de olhar o caminho percorrido. Filmar um roteiro é sempre um encontro com o desconhecido, não se sabe exatamente aonde vai dar, embora muito tenha

se imaginado. Essa mostra reúne, então, os mapas que precisamos para esse jogo, ainda mais porque, quanto mais o tempo passa, mais conversas em comum os filmes criam. No Quem tem com que me pague, não ne deve nada, por exemplo, podemos ver a personagem Arlete, de Mugunzá (2022), mais uma vez, e ver que o filho dela, que neste último filme era só uma criança, já cresceu e virou um cantor estourado. Estamos falando de um outro tempo. Um tempo em que Henrique, que no Ilha havia sido sequestrado por Emerson, continua refém, em Todo o sentimento, enclausurado agora por uma outra sociedade.

Os nossos personagens continuam vivendo – em brindes, em abraços além-telas, em ruas que acompanham as margens do Paraguaçu. Revê-los na tela em territórios que são outro Brasil é uma forma de ecoar as histórias que nos contam aqui, no Recôncavo da Bahia. É mais uma vez pactuar a vontade de seguir junto porque aqui não se anda só. E talvez tenha sido essa uma das coisas mais bonitas que o Recôncavo nos ensinou.

Nosso cinema é Cachoeira, e continua jorrando motivos pra continuar, porque existem alguns encontros que só no Recôncavo se pode contar.

Voltei!, de Ary Rosa e Glenda Nicácio

Não é brincadeira, é cinema!

“De que outra forma eu posso machucar alguém?” É a pergunta-resposta de Arlete (Arlete Dias) em Mugunzá (Ary Rosa, Glenda Nicácio, 2022) ao ser acusada pelo ex-companheiro (Fabrício Boliveira) de usar as palavras para ferir. Palavras machucam, imagens vingam, canções rasgam… Os filmes da dupla Ary Rosa e Glenda Nicácio circulam em torno de uma proposta artística que emana do encontro da beleza com a violência. Ou, como diz Emerson (Renan Motta) aos espectadores em Ilha (Ary Rosa, Glenda Nicácio, 2018), será necessário “engolir a subjetividade a seco”. Trata-se de poesia e trauma, no trauma, do trauma. Ou apenas cinema da perspectiva dos que não foram escolhidos por este.

A estreia da parceria na direção de longas-metragens de Ary Rosa e Glenda Nicácio em Café com canela (2017) já apresentava os contornos dessas dualidades, com o brutal luto de Margarida (Valdinéia Soriano) após a precoce morte do filho e a lenta superação deste a partir do restaurador reencontro com a jovem Violeta (Aline Brune). “Mas tinha que respirar”, a jovem recita insistentemente a canção de Maria Bethânia para a ex-professora paralisada pela dor. Violeta já nos faz perceber que, se a poesia das palavras e das imagens machucam, na mesma intensidade elas curam e transformam, nos filmes de Ary e Glenda.

“Aqui os filmes são subdesenvolvidos por natureza e vocação”, grita Emerson em Ilha. O segundo longa da dupla se assume em sua metalinguagem como filme-manifesto de um cinema que perseguirá maneiras de unir visceralidade e encanto, experimentando com formas narrativas variadas.

No longa, o consagrado cineasta Henrique (Aldri Anunciação) é sequestrado por Emerson e levado até a sua ilha, para filmar a história da vida do rapaz. A partir desse processo de realização de um filme (sobre a infância de Emerson) dentro do filme, um engenhoso jogo de dobras começa a se montar. Vida e cinema se espelham e se confundem: a câmera para o que é ficção fica com Henrique (o cineasta), e outra, do que é real, o filme sendo feito, pertence a Thacle (interpretado por Thacle de Souza, um dos diretores de fotografia e operadores de câmeras do filme, junto com Augusto Bortolini e Poliana Costa). O diretor de fotografia interpreta um personagem com o seu próprio nome, que exerce a sua mesma função. “Isso é brincadeira?”, pergunta Henrique, nesse momento um cineasta convencional e desprovido de tesão. “Não, isso é cinema”, responde o confiante Emerson.

A câmera no filme treme, balança, olha de locais improváveis, pois é presença em cena – está encarnada em Thacle

personagem. Um estratagema que possibilita ao filme deslizar sobre as dobras da vida e do cinema. E nos dá inesperadas belezas, como ao filmar a cena de sexo apaixonado entre Henrique e Emerson a partir do balé dos pés dos personagens sobre o chão de terra – pois, ao perceber que os dois finalmente estavam se entregando ao amor, Thacle abondona a câmera no chão, e o vemos indo embora no fundo do plano.

A câmera do filme perde temporariamente sua carne para que o encontro se concentre exclusivamente à sua frente.

Se o artifício aparece de forma mais pontual (e simbólica) na construção fílmica de Café com canela – concentrado, sobretudo, nas cenas em que o estado psíquico de luto e desespero de Margarida contamina o espaço cênico da sua casa, com paredes que se comprimem, sangram e choram –, em Ilha e em três dos longas posteriores (Até o fim, 2020; Voltei!, 2021; e Mugunzá, 2022), a metalinguagem se instala como fundamento. “Às vezes a realidade parece ficção”, explica Emerson, anunciando no filme (e no filme dentro do filme), o cinema como essa mistura incerta de realismo e artifício. Assim, é preciso colocar um filtro sobre a lente para a imagem não estourar – e, enquanto se busca a luz certa, a ação acontece à revelia. É preciso enquadrar as mulheres trabalhando

no mar em primeiro plano para preencher o quadro, deixando a ação para o fundo. No filme dentro do filme, é preciso dar um tiro de verdade no cachorro. Tudo isso para nos lembrar que estamos diante de uma ficção, de algo construído, da tela como opacidade – ou, simplesmente, do cinema.

Artifício que contamina também a construção dos espaços fílmicos que se fazem e desfazem com as narrativas. Em Ilha, a própria configuração geográfica do ambiente constitui uma peça importante: o espaço do filme é de isolamento e captura (da ilha ninguém sai, é o que as personagens não param de dizer). Na cena do bar ou do teste de elenco, vaza ainda um pouco da construção dos locais públicos com uma ideia de comunidade (que marca a forma como Café com canela se territorializa em Cachoeira, BA), porém esses espaços de partilha social coabitam no filme com espaços mentais ou de isolamento, como as cenas de memórias reencenadas, de vielas desertas e de casas em ruínas. É uma ilha geográfica, e também simbólica. Em Até o fim, Voltei! e Mugunzá, a construção de um espaço teatral para a encenação passa a ser experimentada e reinventada. O cenário torna-se quase único para cada um desses filmes – o estabelecimento da família, a sala de casa, um bar. Tão concretos quanto abstratos. Como no bar

de Mugunzá, que faz coexistir balcão, copos, garrafas com escombros, velas acesas e divisórias de madeira.

O processo de intensificação dos filmes como constructos cênicos assumidos ocorre também ao notarmos a diminuição da quantidade de personagens e atores/ atrizes para cada história e a transformação da forma da encenação, que incorpora uma teatralização. Em Até o fim, a história trata do reencontro de quatro irmãs, Geralda (Wal Diaz), Rose (Arlete Dias), Bel (Maíra Azevedo) e Vilmar (Jenny Müller), que esperam (e torcem) pela morte do pai. No distópico Voltei!, a narrativa está situada em um futuro próximo, no qual um governo autoritário e violento se instaurou na República do Disparate (também conhecida por Brasil) e vemos o reencontro das irmãs Alayr (Arlete Dias) e Sabrina (Mary Dias) com a irmã desaparecida pela repressão, Fátima (Wal Diaz). Já em Mugunzá, Arlete Dias interpreta Arlete, uma mulher que acaba de perder o grande amor de sua vida, Joana, e pretende se vingar dos homens que foram seus algozes, interpretados todos por Fabrício Boliveira. Embora a fórmula se assemelhe, cada um desses três filmes cria uma dinâmica própria, envolvendo maneiras de desdobrar o cenário limitado em diferentes ambientes e uma presença próxima e coreografada da

câmera. Uma simbiose entre uma encenação que assume o seu caráter performático pró-câmera e uma construção estudada dos elementos cênicos – luz, objetos, figurinos. Simbiose que se explica pelas funções desdobradas dos diretores na maioria dos filmes, Ary Rosa assumindo os roteiros e Glenda Nicácio, as direções de arte. Entrando no circuito de forma conjunta, o segundo e o penúltimo filme da dupla – Ilha e Mugunzá – partilham mais do que o ineditismo nas salas de cinema de circuito. Ambos os filmes adentram a dualidade poesia e violência pela chave da tragédia – em que o desfecho está dado desde o princípio e parece não haver soluções. Em Ilha, o destino trágico foi anunciado desde a gravação do exercício de oficina de cinema, da qual participaram Emerson e Thacle ainda crianças. Na oficina ministrada por Henrique, anos antes, as crianças encenam uma perseguição polícia-bandido, na qual, ao fim, Emerson criança é alvejado e morto de mentirinha. Anos depois, a profecia autoproclamada se cumpre: não há como sair da ilha para os que são de lá. E o sequestro de Henrique se encerra repetindo a mesma cena, no mesmo lugar – Emerson é alvejado por diversos tiros, dessa vez de verdade. Não é brincadeira, é cinema.

No musical Mugunzá , o que aprisiona Arlete é Cachoeira e os diversos homens que a decepcionaram e perseguiram: seu próprio pai, o pai do filho, “meu prefeito” e o prefeitinho. Portanto, uma Cachoeira que a prende por inúmeras camadas de patriarcado. Após ser violentada junto com a companheira, que foi morta, perder os laços com a cidade que a renega, ser expulsa do próprio bar, o que resta a Arlete é a vingança. Pois, como ela nos lembra em seu desamparo, “o destino não é inexorável”. Sua saga se dará numa via crucis de datas religiosas/espirituais e suas festas populares: Festa d’Ajuda, Festa de Iemanjá, Festa de São João e Festa da Boa Morte. Cada um desses festejos adentra e modifica o cenário do filme e os elementos cênicos. Afinal, Mugunzá é um filme em que mortos e vivos coabitam, e a membrana entre visível e invisível torna-se quase translúcida. O vermelho do vestido de Arlete e das luzes do cenário saturam tudo ao redor. As canções cantadas pela personagem (compostas por Moreira para o filme) nos guiam por suas dores, seus humores e seus desejos.

Emerson e Arlete estão condenados antes mesmo que suas histórias se desenrolem. Ao mesmo tempo, são também personagens que ativamente assumem a violência

e a arte como armas de sua vingança. O patriarca e a estrutura patriarcal (tão recorrentes como antagonistas dos filmes de Ary e Glenda) serão mortos pelas mãos e gestos de suas vítimas – a faca em Ilha, a comida envenenada em Mugunzá. Arlete e Emerson são também aqueles que decidem recontar a sua própria tragédia como arte: o filme do filme em Ilha e a escrita desenfreada de Arlete em seu caderno em Mugunzá. Recontar, assumir a própria narrativa e fazer outros partilharem de seu destino trágico são também armas de suas vinganças. Palavras machucam, imagens vingam, canções rasgam. Mas também, e por essa mesma violenta força, esses gestos artísticos transformam e abraçam. Ainda que seja apenas pela sobreposição do filme projetado, unindo novamente Henrique e Emerson, ou na fugaz dança de despedida de Arlete com Joana, a amante que já se foi. Ainda que seja apenas no cinema – o cinema dos não escolhidos, mas que nos escolhera.

Sessão Mutual Films

Elek/Mészáros: Cronistas húngaras

Curadoria e produção:

Aaron Cutler e Mariana Shellard

Não havia muitas diretoras naquela época. Uma mulher querendo se tornar uma cineasta profissionalmente era considerada uma piada, motivo de ridículo. Todos os homens estavam rindo de mim. Parecia então que éramos apenas eu e Agnès [Varda]. Costumávamos rir disso juntas. Onde quer que fôssemos, as pessoas nos perguntavam: “Como é que as mulheres fazem filmes?”.

Mészáros1

Como não havia dinheiro, e não havia propriamente nenhuma diretora de cinema – porque Márta Mészáros se formou em Moscou e depois começou a trabalhar na Romênia –, [Félix] Máriássy, como chefe da turma, me disse: “Vamos te dar um diploma de dramaturgia’”. Eu falei para ele não, pode ficar para você, vim aqui e fui admitida nessa turma porque quero ser diretora de cinema e serei uma, e vou filmar antes dos garotos, porque vou fazer noticiários e documentários, e não me importa se me formarei ou não.

1. Citado em inglês no videoensaio The World of Márta Mészáros, de Catherine Portuges, que foi comissionado pela Criterion Collection em 2021.

2. Citado em húngaro em uma entrevista de 2011 com o site FILMTETT: filmtett.ro/cikk/ beszelgetes-elek-judit-filmrendezovel.

Judit Elek2

Judit Elek entrou na Academia de Teatro e Cinema, em Budapeste, em setembro de 1956. A artista húngara e judia, que nasceu em 1937 com o nome de Judit Ehrenreich, sobreviveu ao Holocausto junto aos seus parentes quando jovem e tinha 18 anos quando começou a faculdade. Ela fez parte de uma turma de futuros cineastas renomados, como István Szabó e Pál Gábor, sendo uma das duas únicas mulheres no grupo. Seus estudos foram interrompidos um mês após o início, em consequência da eclosão da Revolução

Húngara, um movimento estudantil contra o governo socialista da República Popular da Hungria. Após 12 dias que resultaram na morte de milhares e na fuga de meio milhão de pessoas, o governo da União Soviética tomou o controle da Hungria e fechou temporariamente as universidades do país. Elek testemunhou tudo isso com uma mistura de confusão e resolução, e se comprometeu a continuar o curso (que concluiu em 1961) e registrar sua sociedade transtornada. Anos depois, ela disse: “Nada me interessava mais do que mostrar

a realidade ao meu redor. Eu queria aprender como fazer isso.”3

Na época da Revolução, Márta Mészáros estava concluindo seus estudos em Moscou, no Instituto Gerasimov, onde foi a primeira mulher húngara a se graduar na prestigiosa escola de cinema, após ser rejeitada na universidade de seu país natal. Mészáros, que nasceu em 1931, falava 3. Citado em inglês no livro Judit Elek: The Lady from Budapest, publicado em 2023 pelo Festival Internacional de Cinema de Roterdã.

Márta Mészáros

russo fluentemente em consequência da infância que passou na União Soviética –primeiro com seus pais, que foram artistas apoiados pelo comunismo, e depois com uma mãe adotiva, após seu pai, um importante escultor, ter sido preso e assassinado por afirmar valores pré-Stalinistas e sua mãe ter morrido durante trabalho de parto. Ela estudou no instituto com grandes cineastas do Modernismo Soviético, como Lev Kuleshov e Oleksandr Dovzhenko, e depois realizou curtos documentários na Romênia e na Hungria. Seu primeiro filme ao voltar para seu país tratou da vida diária de pessoas economicamente desfavorecidas, inclusive com a história de uma jovem camponesa que precisava cortar os cabelos, seu bem mais precioso. “Os censores odiaram meu filme porque tratava da vida sob o comunismo, mostrando como realmente era”, Mészáros falou em 2002 sobre a experiência. “Mas era a verdade – eu registrei as vidas comuns dessas pessoas e seus problemas.”4

As duas diretoras (ambas ainda vivas) acreditavam na capacidade do cinema de dar voz a pessoas não representadas nos discursos oficiais de sua sociedade. Elas também desejavam se tornar cineastas em um país e momento histórico em que a direção feminina mal existia. Desde jovens, ambas adoravam ir ao cinema, muitas vezes matando aula para mergulhar em histórias de romance e aventura. E, segundo pesquisa do estudioso Gábor Gergely, os anos de 1930 e 1940 contavam com apenas três longas húngaros dirigidos por mulheres. Em contraponto, Elek e Mészáros embarcaram na realização de filmografias sólidas e extensas, muitas vezes voltadas para histórias contemporâneas, com expressões de realismo psicológico que eram inéditas no cinema de seu país. Isso se estendeu especialmente ao tratamento de personagens femininas, para os quais as cineastas usaram detalhes de suas próprias vidas e de pessoas que conheceram.

( Bóbita , 1964) foi um de seus primeiros trabalhos autorais na Hungria, após dirigir uma série de filmes comissionados sobre artistas eslavos e magiares. Ele acompanha um dia na vida de um solitário garoto (Zoltán Zeitler) em Budapeste, que passeia entre as casas dos pais divorciados em busca de aconchego, porém encontra um pai desdenhoso e autoritário e uma mãe desinteressada.

4. Citado em inglês na entrevista “Ordinary Lives in Extraordinary Times – Márta Mészáros Interviewed”, que foi publicado no site Senses of Cinema: www. sensesofcinema.com/2002/feature-articles/ meszaros/.

A experiência de orfandade vivida por Mészáros moldou muitos de seus filmes, inclusive um de seus primeiros documentários, o curta romeno Deixe todas as crianças sorrirem (Să zâmbească toți copiii, 1957), um comovente retrato das crianças de um orfanato público em Bucareste.

O curta-metragem híbrido Dente-de-leão

Dente-de-leão delineou muitos dos interesses que surgiram ao longo da obra subsequente de Mészáros, inclusive em seu primeiro longa de ficção, A garota (Eltávozott nap, 1968) – sobre a vida de uma jovem rejeitada pela mãe –, e em seu longa mais conhecido, Adoção (Örökbefogadás, 1975) – um retrato da relação delicada entre uma mulher de meia-idade que deseja a maternidade e uma jovem problemática. Um tom de melancolia acompanha os personagens dos filmes, com atenção especial para a maneira com que tentam se expressar dentro de duras realidades socioeconômicas. Seus caminhos são construídos, e muitas vezes deixados em aberto, com um gesto de não julgamento e uma qualidade de observação discreta. Há um uso recorrente de close-ups que trabalha para lembrar o espectador das forças humanas que guiam cada história.

Os documentários iniciais de Mészáros e seus longas de ficção compartilhavam o interesse nos indivíduos retratados. A cineasta valorizava o trabalho com atores, declarando que não escrevia roteiros sem ter em mente os atores que interpretariam os personagens. A consequência disso foi a formação de diversas parcerias importantes, estabelecendo uma relação de extrema confiança com seus atores e ajudando a criar um prolífico e rápido modo de produção. A atriz Zsuzsa Czinkóczi, por exemplo, trabalhou com Mészáros pela primeira vez aos 10 anos de idade, como a filha de um casal explosivo no melodrama Duas mulheres ( Ők ketten , 1977), e depois interpretou o alter ego de Mészáros em uma trilogia que dramatiza as experiências da diretora desde a infância até a Revolução Húngara e o início de sua carreira (coletivamente conhecido como “a trilogia de diários”).

A figura patriarcal nesses filmes foi interpretada pelo ator polonês Jan Nowicki, companheiro de Mészáros por mais de 30 anos e galã em diversas obras suas. Nowicki protagonizou muitos filmes de Mészáros ao lado de Lili Monori, como o impactante Nove meses (Kilenc hónap, 1976), onde a atriz pujante interpreta uma mãe solitária que tenta reconstruir sua vida ao lado de um

homem que não aceita a criança de outro relacionamento, mesmo em vista da nova gravidez da parceira. A história, que expõe a hipocrisia de uma sociedade atrasada e machista, foi concebida para a atriz, que estava grávida durante as filmagens e dá à luz diante da câmera.

Embora Mészáros não gostasse do termo “cineasta feminista”, a luta feminina por autonomia foi um dos seus principais temas. Porém, as relações que se formam entre as mulheres que protagonizam seus filmes muitas vezes criam fricções que levam cada uma ao isolamento. A garota é estrelado pela cantora pop húngara Kati Kovács (com quem a diretora voltaria a trabalhar mais duas vezes), que interpreta Erzsébet, ou Erzsi, uma jovem de 24 anos que foi criada em um orfanato para meninas. Ao começar sua vida adulta, trabalhando em uma fábrica de tecidos, ela finalmente resolve procurar por sua mãe biológica, que descobre graças à resposta a um anúncio que colocou no jornal. A mãe mora em uma aldeia chamada Várkút, a cerca de 180 quilômetros de Budapeste, e, ao encontrá-la vestida de preto (Teri Horváth), Erzsi também se depara com uma família rústica que desconhece a gravidez indesejada da matriarca. A sra. Zsámboki, que inicialmente queria ver sua filha, agora

prefere se distanciar dela, insistindo que Erzsi se identifique como sua sobrinha, inclusive para esconder a verdade do seu marido desleal (Ádám Szirtes). Erzsi deixa a casa da mãe durante a noite, abandonando a esperança de uma reconciliação, por um lado, e a possível ameaça de agressão sexual, por outro.

Mészáros revela uma sociedade brutalmente antiquada, onde as matronas resignam-se ao trabalho doméstico e à autoclausura, enquanto os homens sonham com a vida erotizada da cidade grande apresentada pela televisão. No ônibus de volta para Budapeste, Erzsi encontra o mesmo jovem que cruzou seu caminho na ida (Jácint Juhász) e passa a noite com ele, como uma forma de suprir a necessidade de acolhimento. O breve relacionamento, que dura mais um encontro, se desfaz com a expressão da possessão masculina, já que a liberdade de Erzsi não é negociável. Um homem mais velho cruza seu caminho, um charlatão (Gábor Agárdi) que responde ao anúncio de jornal e aplica um pequeno golpe na garota, que se deixa levar pelo simples desejo de sonhar, ao preço de um almoço e algumas taças de conhaque. A personagem de poucas palavras se comunica principalmente pelo olhar perfurante de

Kovács, cuja carreira de cantora estourou alguns anos antes, inclusive com a transmissão televisada de um programa musical que lhe rendeu o prêmio principal, com a canção “Nem leszek a játékszered” (“Eu não serei seu brinquedo”).5

A garota estreou em salas húngaras com êxito em maio de 1968, no mesmo momento da Primavera de Praga e das manifestações estudantis em Paris. Além de ser o longa de estreia de Mészáros, o filme foi o primeiro longa-metragem dirigido por uma mulher na Hungria pós-guerra. Esse marco se deu em parte à iniciativa do governo húngaro de reorientar os fundos para produção de filmes, priorizando a nova geração em detrimento dos cineastas mais velhos que tiveram participação na Revolução Húngara.

Mais duas diretoras húngaras realizaram seus longas de estreia neste momento. Uma foi Lívia Gyarmathy (que também teve uma carreira longeva), com a sátira absurdista Você conhece “Sunday-Monday”? (Ismeri a szandi mandit?, 1969). A outra foi Judit Elek, com A dama de Constantinopla (Sziget a szárazföldon, 1969).

Após a Revolução, Elek trabalhou como assistente de direção e dramaturgia na Hungria. No começo da década de 1960, passou uma temporada na França, onde estudou os métodos de cinema direto praticados nas ruas de Paris por cineastas como Edgar Morin e Jean Rouch (em Crônica de um verão – Chronique d’um été , 1961) e Chris Marker e Pierre Lhomme (em O encantador mês de maio – Le joli mai, 1963). Ela se deparou com técnicas de gravação de som direto e trabalho de improvisação com atores não profissionais que eram conhecidas e até admiradas pelos documentaristas húngaros, porém consideradas radicais demais para serem praticadas em seu país.

seria sempre aberto para as próximas gerações de cineastas que saíssem da faculdade, e também para aqueles que não haviam estudado, mas estavam fazendo filmes”, ela falou décadas depois.6

5. O registro da transmissão televisiva original pode ser encontrado aqui: www.youtube.com/ watch?v=s0KPJ5InW2Q.

Isso mudou com o primeiro filme solo de Elek, o curta-metragem híbrido Encontro ( Találkozás , 1963), um estudo aparentemente simples de um encontro real em Budapeste entre duas pessoas solitárias que se conheceram através de um classificado de jornal. Elek realizou o filme, assim como seus dois subsequentes, através do Estúdio Béla Balázs (nomeado em homenagem a um importante crítico e teórico húngaro de cinema), uma organização voltada para a produção de documentários experimentais, da qual ela foi uma das membras fundadoras. “Nós determinamos que o estúdio

Além da equipe do estúdio, o trabalho de Elek em Encontro contou com dois importantes colaboradores. O escritor e amigo da cineasta Iván Mándy – autor de contos e romances surrealistas e com humor mordaz – interpretou o protagonista masculino, um homem de meia-idade que mora com os pais idosos, contracenando com uma enfermeira que vive para seu trabalho. E o cinegrafista István Zöldi (que também trabalhou com Mészáros em Dente-de-leão) fotografou o filme com um olhar sempre atencioso, tanto para o casal principal quanto para a multidão ao seu redor, em uma praça ou em um cinema lotado onde eles tentam comprar ingressos de segunda mão.

Foi com Zöldi que Elek desenvolveu uma inusitada concepção fotográfica, na qual a câmera passeia pelos espaços como se fosse um espectador íntimo da cena, revelando os personagens imersos em seus ambientes. Ele também 6. Citado em inglês no livro Judit Elek: The Lady from Budapest

fotografou o filme seguinte de Elek, o curto documentário Habitantes de castelos na Hungria (Kastélyok lakói, 1966), sobre os residentes de castelos que foram convertidos para servirem outras funções. No filme, a câmera observa de perto cada objeto em movimentos circundantes, para revelar a excentricidade desses lugares que deixaram sua pompa no passado e se abriram para abrigar uma grande variedade de moradores, de um casal de velhinhos a bichos e plantas, a um asilo e uma escola.

Elek aprofundou seu método com o cinegrafista Elemér Ragályi no média-metragem documental Como vive o homem? (Meddig él az ember? I-II, 1968). O filme em duas partes mostra primeiro a vida diária de um velho trabalhador de fábrica que está se preparando para a aposentadoria e, depois, um adolescente sendo treinado para substituí-lo. Pela primeira vez, Elek adotou a câmera na mão para se posicionar no meio da ação, mais perto dos protagonistas. O olhar sólido revela através da intimidade uma certa fragilidade humana.

A dama de Constantinopla surgiu a partir do desejo de Elek de trabalhar com a celebrada atriz Manyi Kiss, então com quase 60 anos, que ganhou fama por sua capacidade de interpretar uma grande variedade de papéis com naturalidade. A cineasta

também vivia naquele período o luto pela morte de seu pai, que faleceu em 1966. E ela se interessou ainda pelas particularidades do sistema de moradia em Budapeste, no qual pessoas trocavam de apartamento como uma forma de se integrar à sociedade. “Eu comecei a ler esses anúncios e aos poucos

me interessei pelo ambiente, pelas pessoas e seus problemas”, Elek contou na televisão francesa em 1971. “Eu me dei conta de que elas não estavam procurando por moradia, mas sim por amigos.”7

A diretora alistou Iván Mándy para criar para Kiss o papel de uma velha mulher abastada, solitária e obcecada pelas lembranças de seu pai, um homem do mar que ela diz tê-la levado para conhecer o mundo. Ninguém escuta as suas histórias, contadas com um sorriso agridoce, mas, ao conversar com vizinhos e estranhos, ela gradualmente resolve trocar sua residência em Peste por um espaço menor em Buda. Muitas das pessoas com quem encontra são interpretadas por não atores. A dama sem nome se

sai como uma inocente em um mundo de cínicos. “‘A velhinha’ é um fenômeno maravilhoso”, Elek falou recentemente, “e, ao não nomeá-la, ela permanece um fenômeno.”8

A dama de Constantinopla recebeu uma ovação em pé de mais de 20 minutos quando estreou em Cannes, em 1969, e, depois, foi vaiado no Festival de San Sebastián. Os filmes de Elek muitas vezes foram alvo de reações divididas ou até hostis, tanto por serem tecnicamente à frente do seu tempo quanto por criticarem uma sociedade incapaz de reconhecer as vidas interiores de seus cidadãos. Encontro foi temporariamente banido e odiado por quase todos os colegas de Elek, que o consideraram patético. O filme que ela planejava fazer após

A dama de Constantinopla, um drama histórico que funcionaria como uma alegoria para as táticas punitivas usadas pelas autoridades stalinistas na Hungria, foi censurado quando a equipe já estava no período de ensaios.

7. Citado em inglês na página do filme no Festival de Cannes, onde passou na mostra Cannes Classics em 2023: www.festival-cannes.com/en/2023/ the-lady-from-constantinople-back-in-cannes-55-years-later/.

A cineasta acabou sendo proibida de fazer filmes de ficção por quase uma década, durante a qual ela se voltou para a produção de documentários. Entre eles, dois longas documentais interligados, Na terra de Deus 8. De um e-mail para os autores deste texto em junho de 2024.

em 1972-73 (Istenmezején 1972-73-ban, 1974) e Uma história comum ( Egyszerü történet, 1975), que acompanham as vidas paralelas de duas garotas de uma aldeia no interior da Hungria onde a maioria das mulheres se resigna ao trabalho doméstico e, desde crianças, são orientadas a casar e desencorajadas a trabalhar. A repercussão dessas obras foi tão grande que levou a diretora a propor uma terceira parte, abordando o impacto da presença da equipe de filmagem na comunidade, porém as críticas negativas foram tão difamatórias que destruíram a relação de confiança que ela havia construído durante anos.

Vários dos filmes subsequentes de Elek, documentários e ficções, tratam de assuntos históricos de forma rigorosa, muitas vezes em resposta ao antissemitismo crescente na Hungria. Por exemplo, o drama Lembranças de um rio ( Tutajosok , 1989) aborda o julgamento de 1882 de membros de uma comunidade judaica no interior do país que foram injustamente acusados de assassinato e ocultação de corpo de uma menina cristã. Na época do lançamento, Elek recebeu críticas severas que diziam que ela tinha feito um “teatro folclórico” e que havia floreado a história. Ela relançou o filme em 2014, após ouvir o discurso de um membro da extrema direita no parlamento

húngaro acusando de conspiração judaica os eventos do século XIX.

A partir dos anos 1980, a obra de Mészáros adotou uma dimensão histórica que procurou escavar as verdades enterradas pelos governantes que tomaram controle da Hungria após a Revolução de 1956. Ao dramatizar sua própria história dentro desse contexto, ela fez algo similar a Elek, que adaptou um romance autobiográfico sobre sua juventude de classe média nos anos stalinistas após sobreviver aos guetos de Budapeste (Despertar – Ébredés, 1995) e realizou um filme sobre o assassinato de sua meia-irmã em um campo de concentração nazista (Refazer – Visszatérés, 2011/2019). Para as diretoras, as histórias mais inegáveis carregam sempre o pessoal. Elek e Mészáros abriram o caminho para novas gerações de diretoras húngaras. Ainda assim, por anos, a maioria de seus filmes ficou obscura. Foi através dos esforços de grandes projetos recentes de restauração liderados pelo Arquivo Nacional de Cinema da Hungria (Magyar Nemzeti Filmarchívum) e um forte estímulo federal do país para a preservação do cinema que isso começou a mudar.

Doze longas e três curtas de Mészáros foram restaurados digitalmente e circularam com enorme sucesso em festivais,

plataformas de streaming e home video a partir de 2019. Esses filmes representam menos de um terço da filmografia da diretora e contam com obras importantes para sua carreira que estavam em bom estado de preservação. Depois, dez filmes de Elek foram restaurados e passaram no Festival Internacional de Cinema de Roterdã em 2023, na ocasião de uma retrospectiva abrangente. A retrospectiva foi acompanhada por um livro em inglês, cuja tradução para o húngaro, a ser lançada em breve, será o maior volume publicado sobre sua obra em seu país natal.

A Sessão Mutual Films de julho é dedicada à memória da jornalista e tradutora brasileira de descendência húngara Edith Elek (1945-2023). E, também, às memórias do ator polonês Jan Nowicki (1939-2022), da cineasta húngara Lívia Gyarmathy (1932-2022) e do cinegrafista húngaro Elemér Ragályi (1939-2023).

A flor do buriti

João Salaviza e Renée Nader Messora | Brasil, Portugal | 2023, 125’, DCP (Embaúba Filmes)

Em 1940, duas crianças do povo indígena Krahô encontram na escuridão da fl oresta um boi perigosamente perto da sua aldeia. Era o prenúncio de um brutal massacre, perpetrado pelos fazendeiros da região. Em 1969, os fi lhos dos sobreviventes são coagidos a integrar uma unidade militar, durante a ditadura brasileira.

Hoje, diante de velhas e novas ameaças, os Krahô continuam a caminhar sobre a sua terra sangrada, reinventando a cada dia infi nitas formas de resistência.

Companheiros de vida e trabalho, a cineasta paulista Renée Nader Messora e o cineasta português João Salaviza vivem próximos do povo Krahô – como os chamam os brancos –

e atuam profi ssional, política e artisticamente junto a eles. Dessa colaboração, já havia saído o fi lme Chuva é cantoria na aldeia dos mortos, que foi vencedor do Prêmio do Júri da mostra Um

Certo Olhar, do Festival de Cannes, em 2018. Em 2023, A flor do buriti recebeu o prêmio de Melhor Equipe, na mesma mostra. Elaborado a partir de um processo coletivo junto aos Krahô, o fi lme conta com a participação de Sonia Guajajara, atual ministra dos Povos Indígenas, e tem como corroteiristas os indígenas Ilda Patpro Krahô, Francisco Hyjnõ Krahô e Henrique Ihjãc Krahô. “O que eu e João temos é um tempo de convivência na comunidade que a gente fi lma, que nos permite ter uma leitura da realidade que está na nossa frente. É uma leitura engajada junto de uma escuta sensível, isso fez e faz com que a gente consiga errar menos”, comenta a diretora em entrevista à Veja São Paulo. “Só existem imagens no meu material bruto que eles [os Krahô] se sintam à vontade, que eles se reconhecem, confi em e acreditem. Nós [Renée e João ] fi zemos uma espécie de tradução e tentamos chegar a um lugar onde faça sentido para os não indígenas que irão assistir ao fi lme.”

Ao portal esquerda.net, Salaviza comenta: “No momento de fi lmar não temos referências. As poucas referências que temos são as do cinema indígena – há um grande fi lme que foi exibido aqui, na mostra de cinemas indígenas do Porto –, um fi lme feito por um coletivo de cineastas Maxakali, que é um outro povo que está em Minas Gerais. Há imensas dimensões

que estão nesse fi lme e que nós, vendo esse fi lme, mais tarde percebemos que, por outros caminhos, também andávamos aqui atrás desse rasto, acho que é uma dimensão historiográfi ca que tem A flor do buriti, pensar uma historiografi a feita nos termos Krahô.”

“Nós fomos parados na rua por um descendente de um dos que participou no massacre em 1940. Ele estava indignado e agressivo. E fi cámos com medo. Ele dizia: ‘Vocês não têm fontes para falar sobre isso! Não há dados, não há bibliografi a! O processo desapareceu. Quem são vocês para falar sobre isso?’ Houve algumas fontes, de um antropólogo dos anos 1970, que encontrou documentos que falavam, na altura, de 30 mortos. Mas nós falámos com parentes mais velhos do Hyjnõ e da Cru, a bisavó que sobreviveu ao massacre, e falam em 70-80 mortos. A questão é, então, como é que um fi lme traz a possibilidade de historiografar o passado dos Krahô. Porque a tradição Krahô obedece à memória oral, e, como essas coisas foram passadas para os avós e netos, como o Hyjnõ diz no fi lme, ‘foi preciso muito sangue para nós termos esta terra'."

[Depoimentos extraídos de: bit.ly/fl orburiti-ims e bit.ly/fl orburiti-ims2]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

A hora da estrela

Suzana Amaral | Brasil | 1985, 96’, DCP (Vitrine Filmes)

A hora da estrela, icônica obra de Suzana Amaral inspirada no clássico de Clarice Lispector, voltará aos cinemas dia 16 de maio, numa versão digitalizada em 4K. O longa rendeu a Marcélia Cartaxo o Urso de Prata de Melhor Atriz, no Festival de Berlim em 1986, e uma série de prêmios no Festival de Brasília, em 1985, levando os prêmios de Melhor Filme, Direção, Roteiro, Fotografi a, Montagem, Cenografi a, Trilha Sonora, Atriz, Ator (José Dumont), além dos prêmios de Melhor Filme do júri popular e da crítica.

O fi lme conta a história de Macabéa, migrante nordestina que, após a morte da tia, se muda para o Rio de Janeiro. Lá, emprega-se como datilógrafa e se apaixona por Olímpio de Jesus – que a trai com sua colega de trabalho.

Em entrevista à Revista do NESEF, da Universidade Federal do Paraná, publicada em

2018, Suzana Amaral comenta:

“A representatividade de A hora da estrela está diretamente ligada à sua materialidade. Tudo começa pela escolha da obra. Na NYU (New York University), tive um professor de roteiro que nos orientava dizendo que, para adaptar, nunca procure um livro grande, mas um livro fi ninho, para fazer uma recriação da obra, que é mais do que resumir a narrativa. Procure um livro cujo espírito pode ser analisado por você.”

“Desde adolescente gostava de Clarice Lispector. Seus livros eram misteriosos, eu me identifi cava com eles. Fui na biblioteca da NYU, que tem uma bela coleção de literatura brasileira, e, com o dedo, achei o mais fi ninho. A hora da estrela foi um fi lme que saltou da prateleira para minhas mãos. Ao ler, saquei que Macabéa é a metáfora do Brasil, pois, fora do Brasil, você descobre o Brasil.”

“Eu não adapto obras literárias, eu as transmuto. Eu transformo o livro depois de uma análise profunda, quando vou ao cerne do livro, ao coração do livro, no subtexto. Eu entro no espírito do livro e de seus fatos mais importantes. Eu faço uma recriação. Não tenho respeito nem escrúpulo algum. Sempre deu certo, em todos os meus fi lmes. Clarice dizia: ‘O que importa não são as palavras, é o que está atrás das palavras’. Junto com meu extrato íntimo, faço uma simbiose entre mim e o autor. Assim nasce a transmutação, ou seja, meu fi lme.”

O fi lme de Suzana Amaral será exibido junto ao curta-metragem Clandestina felicidade, de Beto Normal e Marcelo Gomes.

[A íntegra da entrevista está disponível em: bit.ly/horadaestrelaims]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

Greice

Leonardo Mouramateus | Brasil, Portugal | 2024, 110’, DCP (Vitrine Filmes)

Greice, uma jovem brasileira de 22 anos, estuda belas-artes em Lisboa. Nos primeiros dias do verão, Greice envolve-se com o misterioso Afonso.

O casal é responsabilizado por um estranho acidente que ocorre na festa de recepção dos calouros. Greice precisa, então, voltar a Fortaleza, mas se esconde num hotel para evitar que sua mãe descubra os apuros em que se envolveu. Com a ajuda de alguns amigos, Greice procura um lugar no mundo.

Por ocasião da exibição de Greice no IndieLisboa, em 2024, o programador e crítico Ricardo Vieira Lisboa escreveu: “A certa altura, ainda o fi lme vai no início, uma personagem explica que ‘a Greice é amiga das circunstâncias, transforma o que é mentira em verdade e escreve de trás para a frente’. Refere-se, claro, à protagonista que dá nome ao novo fi lme de

Leonardo Mouramateus, mas a personagem confunde-se com o fi lme, e também Greice inverte as noções de verdade e se constrói às arrecuas. Como é costume no cinema do realizador, a trama é uma complexa teia de indícios, onde facto e fi cção, sujeito e olhar, objeto e representação se fundem e confundem. Só que em Greice esse jogo ganha requintes quase barrocos, onde tudo é sinal, onde a (auto)biografi a se esconde num labirinto de espelhos e onde cada coisa refl ete a coisa do lado (numa potência de infi nito – que, no limite, consegue transformar a própria natureza bífi da da produção luso-brasileira do fi lme num comentário metafílmico sobre a condição do realizador). Onde começa e acaba o (auto)retrato?

Nem Greice nem Leonardo têm a resposta, porque a eles o que lhes interessa é o jogo da representação.”

Terceiro longa-metragem de Mouramateus, a obra é protagonizada pela atriz Amandyra, paulista radicada no Ceará, e traz no elenco ainda nomes como o cantor Dipas, as atrizes Faela Maya, criadora da webnovela Pobreza Brasil, e Isabel Zuáa. O fi lme teve sua estreia internacional no Festival de Roterdã deste ano e, após uma carreira internacional, chegou ao Brasil no festival Olhar de Cinema.

[Citação extraída de: bit.ly/greiceims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

MaXXXine

Ti West | EUA | 2024, 101’, DCP (Universal Pictures)

Por ocasião do lançamento da terceira parte da trilogia de terror do diretor Ti West e da atriz Mia Goth, o cinema do IMS apresenta os três fi lmes juntos.

Nesta aguardada sequência de X – A marca da morte (2022) e Pearl (2022), Mia Goth reprisa seu papel como Maxine, a única sobrevivente de uma fi lmagem pornô que deu muito errado há alguns anos. Na Los Angeles de 1985, ela decidiu seguir sua jornada rumo à fama. Mas, enquanto isso, um misterioso assassino, conhecido como Night Stalker, persegue as estrelas de Hollywood, deixando um rastro de sangue que ameaça trazer à tona o passado sinistro de Maxine.

“MaXXXine – e não vou falar muito sobre isso, porque a graça desses fi lmes é mantê-los em segredo – é tão diferente de X quanto Pearl é de X”, comenta o diretor em entrevista à revista Men’s Health, fazendo questão de não revelar muito sobre sua sequência. “E é isso que foi divertido de fazer. Há uma maneira de fazer diferentes tipos de fi lmes que ainda estão relacionados a esse mundo, porque o mundo, se você preferir, é como o cinema deles. Sim, os temas da atuação, do show business, do envelhecimento e todos esses tipos de coisas estão presentes nos três fi lmes. Mas o aspecto da produção cinematográfi ca também, como se você sentisse o estilo da produção cinematográfi ca que estou trazendo para o fi lme, mas também sentisse que esse estilo está afetando os personagens do fi lme. E isso também acontece em MaXXXine – só que de uma maneira muito diferente.”

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/tiwestims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

O estranho

Flora Dias e Juruna Mallon | Brasil, França | 2023, 108’, DCP (Embaúba Filmes)

Em um território indígena, funciona o Aeroporto Internacional de Guarulhos. Centenas de milhares de passageiros o atravessam diariamente, e 35.000 trabalhadores apoiam sua operação. O estranho retém seu olhar não sobre aqueles que passam, mas sobre o que ali permanece. São personagens cujas vidas se cruzam no dia a dia do trabalho nesse chão. Alê, uma funcionária de pista cuja história familiar foi sobreposta pela construção do aeroporto, conduz o espectador por encontros através dos tempos. As memórias e o futuro dela e de seus companheiros estão permeados por uma questão comum: rastros de um passado em um território em constante transformação.

O estranho, segundo projeto conjunto de Flora Dias e Juruna Mallon, teve sua estreia mundial no 73º Festival de Berlim, na Mostra Fórum, dedicada a fi lmes de caráter radical ou experimental.

Dedicado a pensar a intrincada história social, política e natural da região onde está o aeroporto de Guarulhos, o fi lme reúne em seu elenco atores de repertório com pessoas que de fato trabalham no aeroporto:

“Há dez anos, uma extensa e profunda pesquisa sobre a história de Guarulhos resultou num projeto de criação de um parque, o Geoparque Guarulhos. Isso nunca saiu do papel, infelizmente”, conta Flora Dias em entrevista a Bruno Carmelo para o portal Meio Amargo. “O grupo de pesquisadores era composto por arqueólogos, geólogos, historiadores, pessoas da sociedade guarulhense. O Pai Vadinho, babalorixá que está presente no fi lme, fazia parte desse grupo. Por conta desse projeto, muita coisa sobre Guarulhos foi escrita. Uma arqueóloga foi uma grande fonte para a gente, a Cláudia Regina Plens, que tem muitos artigos sobre a história de Guarulhos. Através de um artigo dela, muito tempo atrás, eu descobri que Guarulhos era a cidade do estado de São Paulo com o maior número de terreiros de umbanda e candomblé. Essa foi uma surpresa para a gente, e acabou se tornando uma questão para o fi lme.”

“O mesmo vale para as minas”, complementa Juruna Mallon. “Esse foi o primeiro lugar onde se explorou ouro no Brasil. Não havia minério em abundância, mas foi anterior a Minas Gerais. O Geoparque mapeia esses sítios. É incrível

descobrir que Guarulhos tinha grutas, e outras composições rochosas.”

Em 2023, entre outras premiações, O estranho foi eleito Melhor Filme no 27º Queer Lisboa, em Portugal, e também Melhor Som e Fotografi a no 12º Olhar de Cinema, em Curitiba.

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/oestranhoims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Orlando, minha biografia política

Orlando, ma biographie politique

Paul B. Preciado | França | 2023, 98’, DCP (Filmes do Estação)

Em 1928, Virginia Woolf escreveu Orlando, o primeiro romance em que o personagem principal muda de sexo no meio da história. Um século depois, o escritor, filósofo e ativista trans Paul B. Preciado decide enviar uma carta cinematográfica à autora: seu Orlando saiu da ficção e vive como ela jamais poderia ter imaginado. Preciado organiza um teste de elenco e reúne 26 pessoas trans e não binárias, de 8 a 70 anos de idade, que encarnam o protagonista.

Em entrevista ao portal ArtReview, Paul Preciado conta como foi convidado pelo canal de televisão Arte a produzir um documentário para uma iniciativa dedicada a aproximar o público de filmes queer. A ideia original era de que fosse um documentário bastante tradicional em torno do filósofo, o que o aterrorizou um pouco: “Em um determinado momento, eu estava desesperado. Eles realmente queriam fazer esse filme, e eu

tinha a impressão de que eles o fariam, com ou sem mim. E, na verdade, a ideia de Orlando surgiu como uma piada. Eu disse a eles: ‘Não permitirei que façam isso, a menos que seja uma adaptação de Orlando, de Virginia Woolf’. Para mim, era uma forma de dizer: ‘Fim de papo’. Nunca pensei que eles gostariam da ideia.”

“Mas tive um colapso quase epistêmico em que pensei: ‘Como vou fazer isso?’. Comecei a pensar na minha aversão a tantos filmes. A maneira como critico a ideia de representação, o fato de algo ser imediatamente capturado pela câmera. Pensei: “Como vou fazer isso sem dar imediatamente uma imagem fixa de quem é Orlando, como criar uma imagem do que é ser trans? Então, comecei a pesquisar autores de que gosto que fizeram ou deixaram de fazer adaptações. [...] Cheguei à conclusão de que eu tinha dois panteões de filmes. De um lado, filmes queer, em sua maioria underground e provenientes da arte. Um desses filmes é Dandy Dust, de Hans Scheirl. [...] E, por outro lado, eu me vi obsessivamente revendo documentários ensaísticos. Como os de Jean-Luc Godard, é claro. Todas as perguntas que eu me fazia – ‘Como representar sem reduzir ou transformar a imagem em uma identidade’, perguntas sobre biografia ou a relação entre ficção e realidade – eram perguntas que ele se fazia.”

“De certa forma, a política de criação de imagens está muito presente em meu trabalho. É quase como uma ontologia negativa, uma imagem que nunca está presente. A força ou o poder da imagem é justamente ser apagada, porque é exatamente daí que viemos historicamente, certo? De atos de apagamento, atos de inscrição violenta em uma imagem que não

nos representa. Talvez seja por isso que demorei um pouco para decidir o que fazer com esse filme.”

“[...] Então, voltei ao livro e me perguntei: ‘Qual é a forma desse livro?’. Orlando é provavelmente o livro menos experimental de Woolf – talvez por isso tenha sido um dos mais populares durante sua vida – e segue a estrutura de um romance comum, certo? Mesmo que, é claro, haja muitas transgressões. Ainda assim, alguém pode lê-lo e dizer: ‘Esta é a história de um homem nobre e suas aventuras’. Então, pensei que algo semelhante teria de acontecer no filme: a estrutura seguiria as aventuras de Orlando. Eu sabia que o filme não teria uma forma completamente experimental.”

“Na verdade, Woolf tem um ensaio incrível intitulado ‘The Cinema’, que ela escreveu na mesma época que Orlando, quando o cinema estava se tornando popular. Woolf foi assistir a um filme sobre o mar, em preto e branco. É claro que ela é obcecada pelo mar e pela água. Ela fica maravilhada com a sensação de estar completamente imersa na água sem estar molhada. Portanto, acho que [em Orlando] ela está praticando esse tipo de técnica de salto, essa escrita subjetiva que nunca é fixa, mas que se move de sujeito para sujeito e de objeto para objeto. E acho que ela percebe que o cinema pode fazer isso de uma maneira interessante.”

O Orlando de Preciado foi vencedor do Teddy Award e do Prêmio Especial do Júri da mostra Encounters no Festival de Berlim 2023.

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/orlandoims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Teca e Tuti –

Uma noite na biblioteca

Eduardo Perdido, Tiago Mal e Diego M. Doimo | Brasil | 2023, 74’, DCP (Vitrine Filmes)

A pequena traça Teca vive com sua família e seu fi el ácaro de estimação Tuti numa caixa de costura.

O que eles mais gostam é de comer papel, mas, quando Teca aprende a ler, percebe que os livros não podem ser comidos, afi nal eles guardam as histórias que ela adora. Decididos a resolver um grande mistério, Teca e Tuti partem para a biblioteca, em busca da história mais importante de suas vidas.

Os diretores idealizaram Teca e Tuti quando eram estudantes do último ano do curso de imagem e som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mas a animação, feita em stop motion, demoraria 20 anos para ser produzida, dos quais 12 foram investidos na animação quadro a quadro.

“A gente tem que valorizar a cultura. A gente aproveitou essa personagem, que a gente pega exatamente o momento em que ela aprende a ler e traz para as crianças para tentar espelhar isso no comportamento delas”, declarou Tiago Mal ao G1. “É muito importante conseguir levar isso para as crianças, levar essa mensagem e mostrar para todo mundo um trabalho de tantos anos que a gente teve dentro de um estúdio”.

Desde 2023, o fi lme já foi exibido em países como Rússia, Estados Unidos, País de Gales, Índia, onde foi premiado como Melhor Filme de Animação no 17º Ayodhia Film Festival, e Cuba, onde levou o Prêmio Especial do Júri de Animação no 44º Festival del Nuevo Cine Latinoamericano.

[Depoimento extraído de: bit.ly/tecaetuti-ims]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

Tudo o que você podia ser Ricardo Alves Jr. | Brasil | 2023, 83’, DCP (Vitrine Filmes)

É o último dia de Aisha em Belo Horizonte. Acompanhamos a despedida na companhia de suas melhores amigas: Bramma, Igui e Will. Por meio do cotidiano e dos encontros entre as personagens, o fi lme tece um retrato afetuoso sobre a família que se escolhe constituir através do valor da amizade.

Em 2023, Tudo o que você podia ser recebeu os prêmios de Melhor Direção e Prêmio Especial do Júri, no Festival do Rio, e o prêmio de Melhor Longa Nacional do Júri Popular do Festival Mix Brasil. Em 2024, por ocasião da Mostra de Cinema de Tiradentes, diretor e elenco foram entrevistades pelo perfi l Cine Ninja no Instagram: “Eu acho que o teatro é um lugar que conecta a gente, mas, além do teatro, era um desejo mesmo de passar um tempo juntas, pensando esse fi lme. Colocar essas vidas maravilhosas, esses

pensamentos de artistas incríveis que elas são num filme”, conta Ricardo Alves Jr., que, junto ao seu elenco e equipe, trabalhou em um retrato muito particular de um grupo de pessoas LGBTQIAPN+ que faz questão de transcender a narrativa única da violência LGBTfóbica para alcançar a imagem de pessoas que desejam, se divertem e partilham a vida.

“Pra mim, tudo o que tá acontecendo desde quando a gente começou a se encontrar pra fazer o filme é histórico”, conta a atriz Aisha Brunno. “É como se a gente tivesse criando uma obra que, a partir dela, algum tipo de reparação histórica também fosse feito ou tivesse que ser refletido a partir daí. E aí me dá um orgulho danado poder, com meu corpo, com a inteligência que a gente também pôde colocar no processo – porque Ricardo e Germano [Melo, roteirista] trocaram muito com a gente nesse lugar. Do tipo: ‘O que aí dentro a mente de vocês também tá pensando, dizendo, querendo fazer?’. Então, ter a nossa intelectualidade valorizada e posta à prova e a gente poder mostrar também a nossa humanidade, mais do que simplesmente corpos estereotipados, isso pra mim é grandioso. Espero que a gente possa fazer mais vezes, que possa ser natural que as obras tenham as nossas vidas dentro delas, porque a gente faz parte da vida, como todas as pessoas.”

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/tudooquepodiaserims]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

Presa na fazenda isolada de sua família, Pearl precisa cuidar de seu pai doente, sob a vigilância amarga e autoritária de sua mãe devota. Desejando uma vida glamorosa como a que viu nos filmes, Pearl vê suas ambições, tentações e repressões se chocarem nessa impressionante história de origem da icônica vilã de X – A marca da morte.

Em Pearl, o diretor Ti West e a atriz e produtora executiva Mia Goth apresentam um desdobramento da personagem apresentada em X Os dois trabalharam juntos no roteiro antes mesmo de começar a filmar X e, três semanas após o término da rodagem, na mesma locação, já filmavam Pearl.

Somos apresentados aos anos de juventude de Pearl, tão sangrentos quanto aqueles apresentados no filme anterior. Mas se X rende homenagem aos slashers, o estilo e Technicolor de Pearl se inspiram na tradição dos musicais e melodramas hollywoodianos dos anos 1950.

“Foi uma coisa interessante de se trabalhar, no mínimo, como uma história de fundo para o personagem. Para fazer de X um filme melhor”, comenta Ti West em entrevista ao portal The Playlist. “Mas, quando começamos a fazer isso, para mim, uma grande preocupação foi que as pessoas realmente se identificassem com a ambição. Sabendo que iríamos fazer um filme sobre alguém que, no final das contas, faz coisas assassinas, fazer com que o público se identificasse com Pearl foi um projeto um pouco difícil. Você precisa ter certeza de que não está sendo indiferente ao público, que ele não está vendo apenas uma psicopata com quem não se importa. [...] E, para isso, muito do que está acontecendo na cabeça de Pearl é universal. Quase todo mundo tem coisas em sua vida que gostaria que fossem diferentes, e coisas que gostaria de ter.”

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/pearlims]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Pearl
Ti West | EUA | 2022, 102’, DCP (Park Circus)

X – A marca da morte

Ti West | EUA | 2022, 105’, DCP (PlayArte)

Em 1979, um grupo de jovens cineastas se propõe a fazer um filme adulto na zona rural do Texas, mas quando seus anfitriões, um casal de idosos reclusos, os pegam em flagrante, o elenco precisará lutar pelas suas vidas.

“Os filmes de terror e os filmes pornográficos eram filmes feitos fora do sistema, que não precisavam passar pela máquina de Hollywood, mas que encontraram valor comercial”, comenta o diretor Ti West em entrevista ao portal Rue Morgue. “Especialmente em meados e no final dos anos 1970, quando o vídeo doméstico estava realmente começando a decolar, havia uma oportunidade para as pessoas fazerem filmes sem experiência e sem acesso a todas as coisas que Hollywood tinha. Eu, que vinha de filmes de terror independentes e de baixo orçamento, não era muito diferente de pessoas fora do sistema que fazem filmes para adultos. Ambos eram vistos como esses tipos de entretenimento subversivo e de baixo calão que podiam encontrar seu próprio valor, então achei que fazia sentido juntar os dois.”

Sobre a referência ao clássico de Tobe Hooper, West comenta: “Para mim, O massacre da serra elétrica está no topo dos grandes filmes de terror de todos os tempos, e X obviamente se passa no Texas, e eles estão em uma van e tudo o mais, mas achei interessante subverter isso. Suas expectativas em relação ao filme, por causa de O massacre, podem ser uma coisa, mas o que eu entrego é outra”.

Primeiro lançamento da trilogia de terror de Ti West, X apresenta Mia Goth em duas personagens que lidam de formas distintas com o mundo do espetáculo. Os dois filmes seguintes desdobram as histórias de cada uma dessas personagens.

[Integra da entrevista, em inglês: bit.ly/x-ims]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Elek/Mészáros: Cronistas húngaras

A Sessão Mutual Films de julho coloca em diálogo quatro filmes recém-restaurados de duas grandes cineastas do cinema húngaro que foram celebradas em anos recentes com retrospectivas ao redor do mundo: Judit Elek (nascida em 1937) e Márta Mészáros (nascida em 1931). O curta-metragem documental Dente-de-leão (1964), de Mészáros, observa o dia a dia solitário de um jovem garoto de Budapeste que vive entre as casas de seus pais divorciados, expondo a condição de isolamento e da ausência familiar frequentemente retratada nas renomadas obras subsequentes da diretora. Assim ocorre com A garota (1968) – primeiro longa-metragem de Mészáros e um dos primeiros longas dirigidos por uma mulher na Hungria –, que acompanha a jovem mulher Erzsi (interpretada pela cantora pop Kati Kovács) após sair de um orfanato e decidir ir em busca da mãe, que continua a rejeitá-la. Já na curta docuficção Encontro (1963) – primeiro filme solo de Elek –, uma enfermeira e um contador se encontram em Budapeste através de um anúncio de jornal e conversam sobre seus relacionamentos passados e desejos presentes enquanto passeiam pelas ruas da metrópole. A solidão palpável dos personagens em meio à multidão retorna no primeiro longa-metragem de Elek, o tragicômico A dama de Constantinopla

(1969), no qual uma mulher velha e sozinha (a estrela do cinema húngaro Manyi Kiss) decide mudar de seu espaçoso apartamento em um prédio cheio de moradores que ignoram suas histórias e seu desejo de companhia. Acompanhamos de forma compassiva suas visitas a diversos imóveis abarrotados de gente, enquanto ela é assediada por aqueles que buscam desesperadamente por um local maior para viver.

A sessão conta com o apoio do Consulado-Geral da Hungria em São Paulo e da FILMICCA.

A Sessão Mutual Films tem curadoria e produção de Aaron Cutler e Mariana Shellard.

Programa 1

Encontro

Találkozás

Judit Elek | Hungria | 1963, 22’, DCP, cópia restaurada (Arquivo Nacional de Cinema da Hungria – Magyar Nemzeti Filmarchívum)

A garota

Eltávozott nap

Márta Mészáros | Hungria | 1968, 80’, DCP, cópia restaurada (Arquivo Nacional de Cinema da Hungria – Magyar Nemzeti Filmarchívum)

Em seu primeiro filme, Judit Elek propôs a seu amigo e colaborador, o escritor solitário Iván Mándy, publicar um anúncio de jornal com uma proposta de um encontro amoroso. Encontro inicia em um amplo quarto de hospital em Budapeste, onde acompanhamos uma enfermeira sem nome cuidando de cada um dos enfermos, homens jovens e velhos. Vemos ela em sua casa, arrumando-se para sair e, então, em uma praça onde crianças brincam e velhos jogam xadrez. Em um banco da praça, a enfermeira, que respondeu ao anúncio de jornal, encontra seu pretendente (Mándy), e os dois seguem juntos caminhando e conversando. A câmera se movimenta de tal forma que podemos observar todo o entorno do casal de meia-idade, cujas falas são registradas com som direto, de forma revolucionária para o cinema húngaro da época. Ele a convida para assistir a um filme de faroeste, porém tenta em vão comprar ingressos de outros espectadores para a sessão lotada. Já no final da tarde, eles se sentam em uma mesa de bar e conversam sobre suas vidas, antigos amores e desejos futuros. Ele a acompanha até as proximidades do hospital, e ela segue para o turno noturno.

Márta Mészáros fez seu longa-metragem de estreia após uma década de trabalho em curtos documentários. Em A garota (cujo título original se traduz como “O dia se foi”), a cineasta aborda

um assunto recorrente ao longo de sua carreira, ao retratar a vida de uma jovem melancólica e solitária. Erzsébet “Erzsi” Szőnyi (interpretada por Kati Kovács), uma mulher de 24 anos que cresceu em um orfanato e trabalha em uma fábrica de tecidos em Budapeste, decide procurar sua mãe biológica, a quem nunca conheceu. Através de um anúncio no jornal, ela chega na aldeia conservadora onde a mulher (Teri Horváth) mora com sua família. A partir daí, surgem tensões entre Erszi e a matriarca encapuzada, que se arrepende de ter se comunicado com a filha, assim como o patriarca, que enxerga “a sobrinha de Budapeste” com suspeita e desejo. Ela sai da aldeia à procura de outras relações e histórias familiares e de um caminho para construir sua vida adulta.

A garota foi o primeiro longa-metragem dirigido por uma mulher na Hungria desde a década de 1940. O filme, feito em um estilo imediato e dinâmico, com muito trabalho de locação, foi um sucesso de bilheteria, devido, em parte, à presença no papel principal da estrela pop Kati Kovács (com quem Mészáros também realizou o filme Laços, no ano seguinte), em uma das suas primeiras atuações no cinema. Apesar da postura rígida e robótica, Kovács possui um olhar penetrante. Em uma entrevista realizada no final de 1968 para a revista húngara Filmvilag, Mészáros comentou sobre a protagonista do

filme: “Fiquei impressionada com a qualidade intelectual particular dessa jovem, a sua dureza e o seu comportamento íntimo quase masculino... Na verdade, fiquei estimulada pelo fato dela ser uma personalidade que nunca depende de ninguém, no sentido em que ela é independente, adulta e –acima de tudo – honesta consigo mesma”.

A garota foi restaurado em 2K pelo Arquivo Nacional de Cinema da Hungria a partir do negativo original de imagem em 35 mm e da gravação magnética do som original. Encontro foi restaurado em 4K a partir de uma cópia em 35 mm localizada na mesma instituição e dentro do projeto chamado pelo arquivo de Programa de Restauração a Longo Prazo do Patrimônio Cinematográfico Húngaro, que também inclui diversos outros filmes das duas diretoras.

A primeira exibição do programa no IMS Paulista contará com uma apresentação da equipe da plataforma de streaming FILMICCA, cujo catálogo inclui 12 filmes restaurados de Márta Mészáros.

[Citação em inglês retirada do site do Festival de Cinema de Turim: bit.ly/agarota-ims]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Programa 2

Dente-de-leão

Bóbita

Márta Mészáros | Hungria | 1964, 20’, DCP, cópia restaurada (Arquivo Nacional de Cinema da Hungria – Magyar Nemzeti Filmarchívum)

A dama de Constantinopla

Sziget a szárazföldön

Judit Elek | Hungria | 1969, 77’, DCP, cópia restaurada (Arquivo Nacional de Cinema da Hungria – Magyar Nemzeti Filmarchívum)

O curta-metragem documental Dente-de-leão foi um dos primeiros filmes autorais feitos por Márta Mészáros na sua Hungria nativa, após se formar na União Soviética e dirigir documentários na Romênia e em seu país. No filme compassivo e cheio de close-ups, observamos um garoto (Zoltán Zeitler) matar o tempo entre as casas dos pais divorciados. Ele brinca na rua com outras crianças e segue para o apartamento de seu pai, em um condomínio de prédios recém-construído pelo governo comunista para resolver o problema de moradia de Budapeste nos anos 1950. Lá, ele encontra a jovem madrasta, que prepara o almoço até a chegada do pai. Mais interessado na nova parceira, o pai trata o menino com desdém e ressentimento. Em resposta, o garoto larga o almoço pela metade e volta para a rua. Acompanhamos seu percurso despreocupado até a casa da mãe, em um bairro pobre e antigo que parece ainda sofrer os infortúnios da Segunda Guerra Mundial. Lá, ele também não tem espaço e divide com a mãe um imóvel de um único cômodo, onde não pode ficar enquanto ela se arruma para sair. Deixado sozinho à noite, o garoto toca um pouco seu violão e obedientemente se arruma para dormir.

Judit Elek também fez seu longa-metragem de estreia (cujo título original se traduz como “uma ilha no continente”) sobre o problema da moradia em sua cidade natal de Budapeste. A dama de Constantinopla acompanha uma velha solitária (interpretada por Manyi Kiss, uma grande estrela do cinema húngaro, em um de seus últimos papéis). A viúva sem filhos passa

seus dias relembrando sua juventude e forte vínculo com o pai – um comandante de navio que a levou para conhecer o mundo. Enquanto a mulher abastada vive em seu passado glorioso, habitando um apartamento espaçoso e cheio de suvenires de lugares distantes, seus vizinhos mais pobres e amargurados são esfolados pelo trabalho doméstico e pela aglomeração. Ela procura compartilhar suas histórias com todos ao seu redor, porém o desespero resultante da escassez da vida presente não permite sonhos ou lembranças daqueles que a rodeiam. A morte de um vizinho idoso e a crescente pressão dos outros ajudam a dama a decidir trocar de apartamento, algo então comum em uma sociedade que pregava a necessidade de sacrificar os bens individuais pelo bem coletivo.

O magnífico lar da protagonista foi desenhado pelo cenógrafo Tamás Banovich (também responsável pelo desenho de produção de

A garota). E, ao acompanhá-la em busca de um novo imóvel, o filme sai do mundo da ficção para perceber a realidade direta da moradia em Budapeste. Para captar essa realidade, Elek e seu cinegrafista, Elemér Ragályi, usaram como referência o cinema direto francês e a própria experiência dos dois com documentários. Eles colocaram a atriz principal em confronto com pessoas nas ruas e, ao misturar a presença corporal dos passantes com o texto escrito pelo roteirista Iván Mándy, criaram um efeito estético que a cineasta chamou de uma “levitação ligeiramente surrealista”.

Dente-de-leão foi restaurado em 4K pelo

Arquivo Nacional de Cinema da Hungria junto a dois outros curtas documentais de Mészáros e diversos longas de ficção. A dama de Constantinopla foi restaurado em 4K pela mesma instituição a partir do negativo original e uma cópia em 35 mm. A restauração de A dama já passou em diversos festivais, inclusive no Festival de Cannes (na mostra Cannes Classics), onde a estreia mundial do filme em 1969 foi recebida com longos aplausos em pé.

A primeira exibição do programa no IMS Paulista será seguida por um debate entre as curadoras, pesquisadoras e produtoras culturais Maria Vragova e Nayla Guerra e os curadores da Mutual Films.

[Texto citado disponível na íntegra em: bit.ly/damaconstantinopla-ims]

Ingressos:

Sessão com debate: Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala. Reprise: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

As câmeras de Bodanzky

Aos 81 anos, cerca de 60 deles dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky ocupa um lugar importante na produção de imagens do e sobre o Brasil. Em 2024, o IMS Paulista dedica especial atenção à obra de Bodanzky como cineasta, fotógrafo e repórter na mostra de filmes As câmeras de Bodanzky, em cartaz no Cinema do IMS, com programas mensais ao longo do ano, e a exposição Que país é este?

A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985, em cartaz até 28 de julho.

Ao longo desse período, Bodanzky assinou a fotografia de trabalhos de importantes diretores, produziu uma série de imagens sobre a Amazônia e a América Latina, diversas delas em parceria com a televisão alemã, além de filmes paradigmáticos no cinema brasileiro, como Iracema: uma transa amazônica (1974) e Terceiro milênio (1980). Trabalhou nos mais diversos formatos, dos analógicos 8 mm, 16 mm e 35 mm aos digitais, em câmera profissional e celular, e segue legando trabalhos, como o recente longa-metragem Amazônia, a nova Minamata? (2022).

Ao longo dos próximos meses, o Cinema do IMS exibe uma seleção dessa obra junto a curtas-metragens comissionados especialmente para esta ocasião. São filmes inéditos realizados a partir do arquivo de filmes super-8 de Bodanzky, um precioso material que perpassa temas como a política, o meio ambiente e a vida doméstica. Parte da Coleção Jorge Bodanzky, preservada pelo IMS, esse material chega às telas em curtasmetragens roteirizados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti. Os filmes serão exibidos em cópias analógicas e digitais, em materiais de acervo e digitalizações inéditas, coordenadas por Debora Butruce.

Navegaramazônia: uma viagem com Jorge Mautner

Jorge Bodanzky e Evaldo Mocarzel | Brasil | 2006, 50’, Arquivo digital (Acervo do Bodanzky)

Documenta a viagem do barco do projeto Navegaramazônia realizando oficinas de música com Jorge Mautner em comunidades quilombolas na região de Abaetetuba (PA), na Amazônia.

O projeto itinerante Navegar, que levava, por meio de um barco, acesso à internet, oficinas de arte e cultura e outros serviços de assistência social a populações ribeirinhas da Amazônia, teve Bodanzky como um de seus idealizadores e resultou também no filme No meio do rio, entre as árvores (2009), já exibido nesta mostra. Em sua biografia escrita por Carlos Alberto Mattos, Bodanzky conta das origens do projeto:

“Era um fim de tarde na beira do lago Curiaú, nos arredores de Macapá, quando Regina Mamede, José Roberto Lacerda Ramos, presidente do Centro de Processamento de Dados do Amapá, e eu vimos um barquinho regional e cogitamos

equipar um daqueles para levar a internet às escolas ribeirinhas do estado. Até então, não havia nenhum provedor no Amapá.”

“A ideia foi prontamente aceita pelo governador, e um barco regional foi adaptado para navegar nos dois sentidos da palavra. O segundo andar ganhou um compartimento fechado e refrigerado com webcams, uma câmera digital, diversos periféricos e oito computadores em rede, ligados à internet pelo sistema Nera de telefonia via satélite. O parecer inicial da Embratel, de que o sistema não funcionaria com o barco em movimento, foi contrariado pela realidade e, em fins de 2000, fizemos a viagem inaugural do Navegar. Imagens do percurso foram transmitidas em tempo real para diversas partes do mundo.”

“[...] A criançada fazia a festa, entrando no barco e acessando a internet. Cinco minutos de aprendizado eram suficientes para familiarizar um garoto do Bailique com os recursos da grande rede. Naquele momento, o Navegar também dava suporte a atividades como justiça itinerante, assistência de saúde, turismo ecológico e até o mero transporte de pessoas entre o arquipélago e a capital do Estado.”

Em 2005, já em uma nova etapa do projeto, com investimentos do Ministério da Cultura de Gilberto Gil, o ministro e sua equipe sugeriram o nome de Jorge Mautner para uma das viagens.

“[Mautner] É essa figura fantástica. Onde ele vai, ele interpreta, filosofa, pensa, brinca, passa a sabedoria e a música dele. Onde chega, tira o violino dele e pronto: já encantou”, disse Bodanzky ao portal Amazônia Latitude. “Ele diz isso no filme, ‘ensino e também aprendo’. E, flexível como sempre foi, deixou-se imbuir muito pela musicalidade da Amazônia. Admirou isso e incorporou ao seu repertório, não impondo absolutamente a música dele, isso fica muito evidente nas suas aparições e oficinas com o [músico Nelson] Jacobina.”

[Depoimentos extraídos da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso, e da matéria: bit.ly/navegaramazonia-ims]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Gitirana

Jorge Bodanzky e Orlando Senna | Brasil, Alemanha | 1975, 90’, Arquivo digital (ZDF)

O dia a dia, sem poesia, do nordestino, contado com base em diversas estórias de cordel, e ligadas entre si pela mesma personagem, cuja vida, de repente, sofre violenta modificação, tendo que se afastar de sua terra, quando da construção de uma gigante barragem.

Segundo longa-metragem de Bodanzky, Gitirana foi realizado logo na sequência de Iracema, cujo grande sucesso na Europa garantiu que o canal de TV ZDF financiasse o projeto. Os dois filmes são codirigidos com Orlando Senna.

“Gitirana foi uma produção relativamente simples”, conta Bodanzky em sua biografia. “O ZDF nos deu condições ainda melhores que as de Iracema para fazer um filme da maneira mais rápida possível. Propus a Orlando Senna transpor para o cinema a sua peça Teatro de cordel, adaptação de diversas histórias populares nordestinas, apresentada em São Paulo em 1970 e no Rio em 1971. Ambientamos as diversas narrativas na região de Sobradinho (BA), onde se construía a polêmica barragem que custou a expulsão dramática de mais de 70 mil camponeses sem direito a quase nada. Todos os signos da opressão e da megalomania da ditadura estavam presentes naquele empreendimento.”

“No roteiro do Orlando, as várias histórias eram unificadas pelo cenário comum da barragem. Se habitualmente os nordestinos eram retirados de suas terras pela seca, desta vez eram expulsos pelas águas em nome do progresso. A estrutura era bem mais teatralizada que a de Iracema.”

“Conceição Senna foi o fio condutor, fazendo diversas personagens nas diferentes histórias, ora como operária, ora como uma espécie de profeta, ora como justiceira. Na relação com os muitos atores não profissionais – arregimentados num grupo teatral de Juazeiro (BA) –, Conceição mantinha função semelhante à de Pereio no filme anterior: improvisava, provocava, arrematava.

Mas o roteiro era bem mais amarrado que o de Iracema. Os alemães pressionavam para que tivesse princípio, meio e fim, mas nós queríamos a coisa fracionada, com episódios razoavelmente independentes. A forma de narrá-los, como cordel, é que dava a ideia de conjunto.”

“[...] Orlando Senna esclarece o título do filme: ‘O conceito de gitirana, ou jitirana, é profundamente nordestino e significa a relação, ou a junção, da beleza e da morte. Refere-se à belíssima borboleta gitirana, que tem um corpo longo e negro e asas coloridas e brilhantes. Versa a lenda que a gitirana vive pouco tempo após se tornar adulta, faz um só voo até encontrar o seu alimento, que é carne (ou sangue) de mamíferos, especialmente gado. Pica o gado e o mata com seu veneno e também morre, autoenvenenada. Existiu um cangaceiro que era um violeiro de primeira e ao mesmo tempo um matador eficiente, com rifle ou punhal, e Lampião o apelidou Jitirana.”

“Após a exibição na TV alemã, a repercussão ficou muito aquém da obtida por Iracema, em que pese um convite para a Quinzena dos Realizadores de Cannes. No Brasil, escaldados pelas dificuldades do outro filme, nunca regularizamos a situação de Gitirana. Não houve lançamento comercial. Só tivemos uma única cópia 16 mm, que mais tarde ficaria com a distribuidora alternativa Dina Filmes.

As opiniões se dividiram. Paulo Emílio Salles Gomes e Jean-Claude Bernardet gostaram, mas outros críticos julgaram o filme hermético, sem dar chances ao espectador que não conhecesse a tradição do cordel.”

[Depoimento extraído da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Brasília em super-8

Jorge Bodanzky | Brasil | 2020, 11’, Arquivo digital (Acervo do Bodanzky)

No aniversário de 60 anos da capital federal, em 2020, Jorge Bodanzky retorna aos seus arquivos da época de estudante e edita um curta-metragem com uma visão extemporânea da cidade.

“Em 1964 eu era aluno da UnB (Universidade de Brasília), cursando o ICA (Instituto Central de Artes). Uma de minhas atividades era registrar em fotos a cidade que estava sendo construída, sob orientação de professores como Luiz Humberto, Athos Bulcão, Amelia Toledo e Heinz Forthmann”, conta à revista ZUM.

“Estes três filmes em super-8 foram feitos em planos-sequência, editados com a câmera, que era muda. Os registros são de 1970, quando Brasília ainda se apresentava em sua forma original. Ficaram guardados por 50 anos e só recentemente foram digitalizados, fazendo parte do meu acervo no IMS.”

“Convidei o músico David Maranha, de Lisboa, para criar uma trilha sonora. Fiquei surpreso com o resultado: imagens e trilha sonora compõem um todo harmônico, indissociável.”

[Depoimento extraído de: bit.ly/bodanzky-super8]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Volkswagen: operários na Alemanha e no Brasil

Jorge Bodanzky, Peter Braune e Wolf Gauer | Alemanha | 1974, 22’, Arquivo digital (Acervo do Bodanzky)

O filme traça um paralelo da vida e do trabalho de dois operários da Volkswagen, um no Brasil, em São Bernardo do Campo, e o outro na Alemanha, em Wolfsburg, cidade berço da empresa no país. Os dois trabalhadores eram sindicalizados e exerciam funções idênticas na montagem do Fusca, mas viviam em condições materiais bastante distintas.

“Reinhard Ludwig ganhava 1.600 marcos mensais, tinha um apartamento razoável, um bom seguro de vida, as crianças na escola etc., mas era bastante pessimista em relação ao futuro”, relata Bodanzky. “Já o brasileiro Manuel Silveira, com salário equivalente a apenas 600 marcos e vida muito menos confortável, sustentando família de quase 20 pessoas, parecia mais confiante. A História comprovaria essa impressão: o processo de automação das fábricas ceifou o emprego de Reinhard pouco depois, enquanto Manuel ainda se beneficiaria do movimento sindicalista do ABC no fim da década. Durante as filmagens, fizemos uma entrevista com o Lula, que por alguma razão não entrou na edição final.”

“Afora esse curioso paralelo entre Brasil e Alemanha, o documentário fazia outros: o samba e o futebol de várzea em São Bernardo contra a desolação e o tédio de Wolfsburg; a liberdade de movimentos de Reinhard e a entrada dos operários brasileiros na fábrica como se fosse numa caserna, orientados por guardas armados de cassetetes. Em detalhes como esse, a ditadura militar mostrava sua cara.”

O curta faz parte da extensa gama de filmes do diretor produzida na Alemanha ou em coprodução com aquele país, período de colaboração frequente com Wolf Gauer.

[Depoimento extraído da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

O clique único de Assis Horta

Jorge Bodanzky | Brasil | 2015, 24’, Arquivo digital (Acervo do Bodanzky)

Documentário sobre o nonagenário fotógrafo mineiro Assis Horta, que imortalizou o patrimônio arquitetônico e a sociedade de Diamantina, tendo fotografado intensamente a cidade e seus moradores. O grande impulso de sua carreira veio em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada por Getúlio Vargas. Ao tornar obrigatória a carteira profissional com foto, Vargas deu o empurrão que faltava para a classe trabalhadora entrar no estúdio fotográfico de Assis Horta. Nos anos que se seguiram, o fotógrafo retratou centenas de pessoas.

Em 3 × 4 ou de corpo inteiro, muitos tiraram então seu primeiro retrato.

Um filme comissionado pela revista ZUM, do IMS, dedicada à fotografia contemporânea e à cultura visual.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Cinema é cachoeira –

Os filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio

Ao estrear Café com canela, seu primeiro longametragem, os diretores Glenda Nicácio e Ary Rosa inscreveram seu nome no cinema brasileiro com uma obra extremamente original e particular que, fi lme a fi lme, se aprofunda e reinventa. Ambos mineiros radicados na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, Ary e Glenda tomaram a cidade em que vivem não apenas como locação, mas como uma espécie de inspiração e destino para os seus fi lmes. São produções feitas, muitas vezes, com as mesmas equipes e elenco, que articulam as relações entre cinema e educação, popular e experimental, trauma e poesia (como propõe a crítica e pesquisadora Kênia Freitas no ensaio que acompanha essa revista). Em julho, por ocasião da estreia nos cinemas de Ilha e Mugunzá, a produção da dupla poderá ser revista na íntegra.

Café com canela

Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2017, 100’, DCP (Elo Studios)

No Recôncavo Baiano, em São Félix, Margarida é uma professora aposentada que vive sozinha e evita sair de casa desde a morte de seu fi lho. Sua ex-aluna Violeta mora do outro lado do rio, em Cachoeira. O reencontro entre as duas desperta um processo de transformação, marcado por visitas, faxinas, cafés com canela, novos amigos e velhos amores.

Natural de Poços de Caldas, a diretora Glenda Nicácio conta ao site da Mostra de São Paulo: “Filmamos em Cachoeira, a cidade aonde chegavam as mercadorias nos tempos coloniais. Entre essas mercadorias, estavam os corpos negros. Então todo o contexto é muito forte. A história que contamos é uma história universal,

é um retrato do cotidiano de duas mulheres diferentes que se encontram em determinado momento da vida. Essa história poderia se passar em qualquer lugar, mas, quando escolhemos fi lmar essa história em Cachoeira, ela ganhou outras dimensões, que vão além da narrativa e se entrecruzam com questões contemporâneas do fazer cinema. Uma espectadora, em Minas Gerais, me disse que, ao assistir a Café com canela, viu a família dela na tela: ´Eu vi minha família, minha mãe, meu pai; eu vi até o meu cachorro. Aquela é minha laje.´ Algumas pessoas quase nunca se viram na tela, e estão podendo se reconhecer nos personagens e na história de Café com canela.”

[Entrevista completa em: bit.ly/gnicacioims]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Ilha

Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2018, 98’, DCP (Elo Studios)

Emerson, um jovem da periferia, quer fazer um fi lme sobre a sua história na Ilha, lugar de onde os nativos nunca conseguem sair. Para isso, ele sequestra Henrique, um premiado cineasta. Juntos, os dois reencenam a própria vida, com algumas licenças poéticas.

Se, em seu primeiro longa-metragem, Rosa e Nicácio se concentram em experiências majoritariamente femininas de trauma e dos seus esforços de superação a partir do encontro e do coletivo, no fi lme seguinte, Ilha, esse processo será vivido sobretudo pelos personagens masculinos. Ao decidir fi lmar a própria vida, Emerson precisa reviver e repensar uma série de imagens de violência. Em entrevista à revista

Cinética, que dedicou um dossiê à obra da produtora Rosza Filmes, Glenda Nicácio fala sobre essa articulação da violência no fi lme: “A bruteza existe, sem dúvidas, ela é o chão do fi lme. E, quando digo isso, vale ressaltar que, ainda assim, Ilha é um fi lme que também tem céu, que articula sutilezas e cuidado, coexistindo numa mesma mise en scène. É assim que enredamos a bruteza que o fi lme traz, porque ela, por si só, ela só por doer, não nos interessa. Nesse sentido, não é nem de brutalidade que eu tô falando, é de bruteza – porque é isso que eu enxergo nos planos e no regime que fomos criando –, e a vejo presente principalmente na forma. Acho que a violência está no modo que escolhemos fi lmar; no grão da imagem, no movimento abrupto, no desconforto do imprevisível. De todo modo, sim, existem cenas em que a encenação fi ca ali no jogo com a bruteza, e acho que é um limite bem fi no, é um risco mesmo entre a bruteza e a brutalidade, mas é uma carga que é dividida entre a criação de linguagem e a encenação. E tudo muito conversado, com processos muito compartilhados, para a construção dos personagens e para a construção da imagem e do som. Essas questões nos são muito caras, e nos (per)seguem até a sala da montagem. Temos grande preocupação com as imagens que evocam a violência. A tentativa é não ignorar, posto que ela também é linha da trama da fi cção e do real, e ela nos afeta cotidianamente. É dela

que queremos, ou precisamos, também, falar.

Todos os nossos fi lmes passam por esse lugar, de alguma forma. E o limite só encontramos olhando para cada fi lme. São jogos e construções muito específi cas, e a nossa dosagem depende do limite de cada fi lme, o que cada personagem aguenta.”

[Íntegra da entrevista: bit.ly/aryeglenda-ims]

Ingressos:

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Mugunzá

Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2022, 99’, DCP (Elo Studios)

Arlete acorda e está tudo fora do lugar. Ela perdeu um amor, um fi lho, a casa, e agora quer justiça.

Em Mugunzá, Ary e Glenda apresentam uma anti-heroína contemporânea que desafi a o poder coronelista. Os cineastas retomam a estrutura do fi lme de locação única, poucos personagens e equipe reduzida, mas se aprofundam em novas direções: Mugunzá é um musical que se passa inteiramente em um teatro. Arlete Dias, veterana nos fi lmes da Rosza Filmes, interpreta uma personagem homônima e contracena com Fabricio Boliveira, que faz os cinco diferentes personagens masculinos da história.

“A Arlete é uma atriz que participou de todos os nossos fi lmes, desde Café com canela até agora”, conta Ary Rosa em entrevista a Vânia Dias para o festival Panorama Coisa de Cinema de 2022.

“E é uma atriz que a gente se identifi cou muito com ela, ela muito com a gente, e a gente acabou se transformando numa família. Mugunzá nasce da vontade de escrever mesmo uma história pra ela, podendo usar de toda a potencialidade que essa atriz tem, que é uma grande atriz, mas também uma grande cantora, tem um domínio de corpo muito bonito. E é um fi lme em que ela brilha, é um fi lme para ela mesma.”

“A Arlete da fi cção é um pouco de nós, mulheres, que estamos atravessando esse tempo não só de hoje, mas tentando sobreviver dentro da sua própria comunidade”, complementa Glenda Nicácio. “Não só sobreviver, mas podendo viver com liberdade de escolha, de amor, política. Com tudo que cabe um corpo.”

[Depoimento extraído de: bit.ly/mugunzaims]

Até o fim

Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2020, 93’, DCP (Elo Studios)

Geralda está trabalhando em seu quiosque à beira de uma praia no Recôncavo da Bahia quando recebe um telefonema do hospital dizendo que seu pai pode morrer a qualquer momento. Ela avisa suas irmãs Rose, Bel e Vilmar. O encontro promovido pela espera da morte se torna um momento de desabafo e reconhecimento das quatro irmãs, que não se reúnem desde a morte da mãe, há 15 anos.

Até o fim assume uma estratégia de produção que os diretores retomam em trabalhos seguintes, como em Voltei!: um fi lme que se passa inteiramente em uma locação e dura o tempo de uma noite. Ary Rosa comenta essa opção em entrevista a Lorenna Rocha para o portal Camara Escura: “Uma coisa que aprendi,

depois do Café com canela, é que a produção executiva começa no roteiro. ‘Quanto tenho para fazer esse filme?’ Sei que vou fazê-lo levando em consideração o orçamento disponível. Até o fim e Voltei!, especificamente, foram filmes que fizemos por conta própria, na camaradagem, porque eu estava com muita vontade de fazer. Nesse sentido, lançamos mão de estratégias que deixassem o filme do tamanho necessário para contar essa história. Mas como é que podemos contá-la com 20 ou 40 mil reais? Uma locação, um elenco pequeno, uma equipe reduzida. Ambos os filmes se passam numa noite. Em vez de gravarmos três ou quatro dias, nós contamos a história de uma noite. À noite é muito mais fácil de gravar por conta [da ausência] do sol, da pouca mudança de luz. As personagens estão sempre dentro de casa, de um bar. São escolhas e estratégias que se dão antes de escrever o roteiro. Eu sei qual história quero contar, quais atrizes serão chamadas, sei que dá para fazer uma equipe de oito pessoas naquele bar lá de Ilha Grande que conhecemos. Pronto, podemos começar a escrever o roteiro. E aí, obviamente, é tudo muito limitado imageticamente. Só há um espaço e aquele elenco. Então, a palavra vem disso, mas também da busca por uma tradição de Cachoeira, das narrativas pretas, dos griôs. Contar histórias é algo muito importante para a tradição, e nós partimos desse princípio. “

“Esse é um artifício muito malvisto no audiovisual, principalmente no Brasil. Olham como se a verborragia fosse algo pejorativo. Como se a fala não fosse bem-vinda para o cinema e como a última alternativa quando a imagem não desse mais conta. Acho isso um erro. Primeiro que, aqui, temos uma tradição televisa muito mais que cinematográfica. Isso faz parte da América Latina, não só do Brasil. A palavra é o centro das relações. Como vou contar a história de quatro irmãs que se encontram para esperar o pai morrer e ser aquele silêncio maldito? Nós estamos cansados de ver filme que é aquele silêncio… Tá, pode ser que em São Paulo o silêncio seja mais importante. Em Cachoeira, tenho certeza que não. A palavra é imperativa em Cachoeira. As pessoas falam, gritam, choram. É som que sai da boca o tempo inteiro. Essas construções também são uma forma de dialogarmos com o nosso lugar e com nossos espectadores. O nosso espectador brasileiro tem o costume de ouvir diálogos e histórias. Violeta está falando meia hora de cinema, e todo mundo fica super emocionado, acha um barato. Pessoas as mais diferentes possíveis, que estão sendo atravessadas ou não pela experiência da Violeta contando aquelas histórias. Mas que se emocionam e têm paciência de ouvir.”

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/ateofim-ims]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Voltei!

Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2021, 74’, DCP (Elo Studios)

Brasil, 2030. As irmãs Alayr e Sabrina estão ouvindo no radinho de pilha o julgamento que pode mudar os rumos de um país “sem energia”. Elas são surpreendidas por Fátima, a irmã que volta dos mortos para confraternizar nessa noite histórica.

“Glenda e eu não temos qualquer receio em apostar em estruturas dramáticas que flertam com o melodrama, ou uma comédia rasgada, ou mesmo usar da música ou da performance para expressar o sentimento de um personagem (se a narrativa pede, por que não?)”, comenta Ary Rosa em entrevista à revista Cinética. “Na contramão de muitos manuais de roteiro, acreditamos no diálogo, na fala como forma de expressão genuína do povo do Recôncavo; a contação de história é parte da tradição das personagens que escolhemos trazer para o cinema. O uso do diálogo, principalmente em Até o fim e Voltei!, é uma escolha econômica também; se eu tenho limitações financeiras

de contar uma história com muitos espaços e tempos, pela fala buscamos trazer a imaginação do espectador, através da palavra o espectador poderá construir espaços e tempos (que nunca serão defi nitivos como uma imagem projetada).

A imaginação e criação do espectador é o que complementa as lacunas estéticas de fi lmes que se passam em uma mesa de bar ou de casa.

A contação de história, a oralidade, a criação de imagens através da palavra não são escolhas aleatórias, elas fazem parte das tradições e do modo de estar no mundo da gente do Recôncavo. Se a falta de dinheiro trava a produção, a palavra, enquanto linguagem, é uma possibilitadora de recursos e múltiplas criações. Não por acaso, trabalhamos com elencos que, antes de tudo, são exímios contadores de histórias.”

[Íntegra da entrevista: bit.ly/aryeglenda-ims]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Na rédea curta

Ary Rosa e Glenda Nicácio | Brasil | 2021, 95’, DCP (Elo Studios)

Júnior tem 20 anos e mora com a mãe na periferia de Salvador quando descobre que vai ser pai. Para lidar com essa nova etapa, o jovem decide que precisa ir atrás do próprio pai, que nunca teve a oportunidade de conhecer. Mainha, uma mãe superprotetora, embarca junto com o fi lho em uma viagem divertida e atrapalhada à cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, para promover esse encontro.

Na rédea curta é a adaptação cinematográfi ca para a websérie de comédia de mesmo nome, de Thiago Almasy e Sulivã Bispo. Sucesso na internet, a série chega aos cinemas sob a direção de Glenda Nicácio e Ary Rosa, e conta com a participação especial da atriz Zezé Motta.

“Na rédea curta é um fi lme para levar a família para o cinema, é para assistir com a sua Mainha, com a Voinha, com o seu Júnior. É uma comédia que emociona, porque também somos nós lá do outro lado da tela. Estamos falando com as nossas famílias, com as nossas comunidades, ouvindo as frases que toda mãe já disse ou que todo fi lho já ouviu, em situações absurdamente hilárias, numa viagem pela Bahia”, comentam os diretores. “Sendo uma produção realizada fora do eixo, apresentamos uma Bahia que é formada por Salvador mas também pela cultura reconvexa do interior; pela tradição e suas crenças mas também pela modernidade da juventude.”

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Ana Clara da Costa e Adriano Brito

Serviço de legendagem

eletrônica

Pilha Tradução

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

Os filmes de julho

O programa do mês tem o apoio da produtora Rosza Filmes, das distribuidoras Elo Studios, Embaúba Filmes, Filmes do Estação, Park Circus, PlayArte, Universal Pictures, Vitrine Filmes e do projeto Sessão Vitrine Petrobras.

Agradecemos a Aaron Cutler, Ágnes Iski + Clara Giruzzi + Janka Bárkóczi + Tamara Nagy/Magyar Nemzeti Filmarchívum, Anne Wabeke/ International Film Festival Rotterdam, Ary Rosa, Catherine Portuges, Glenda Nicácio, Jack Bell, Judit Elek, Kênia Freitas, Lívia Fusco, Lucinda Douglas-Menzies, Márcia Schmidt, Mariana Shellard, Matt Smith, Olaf Möller, Sandra Escribano Orpez e à pequena Ava.

Sessão Mutual Films

Realização: Cinema do IMS

Curadoria e produção: Aaron Cutler e Mariana Shellard

Apoio:

As câmeras de Bodanzky

Curadoria, realização e produção: Cinema do IMS

Apoio: Arquivo Nacional, Cinemateca Brasileira, Cinemateca do MAM, CTAv, Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF)

Digitalização e tratamento de imagem e som: Link Digital e Mapa Filmes Pesquisa: Ângelo Manjabosco, Mariana Baumgaertner, Júnia Matsuura

Agradecimentos: Jorge Bodanzky, Adriana Veríssimo, Alice de Andrade, Ana Beatriz Vasconcellos, Barbara Alves Rangel, Bruna Callegari, Denise Miller, Elisa Ximenes, Ewerton Belico, Guilherme Albani, Hernani Heff ner, Joana Nogueira Lima, José Quental, Link Digital, Luiz Pretti, Meike Schlarb, Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), Nuno Godolphim, Patrícia Lira, Rafael Medeiros, Ricardo Pretti.

Coordenação de digitalização: Débora Butruce

Agradecimentos Equipe IMS: Bianca Mandarino, Cauê Guimarães, Horrana de Kássia Santoz, Joana Reiss, Maria Clara Villas, Marina Marchesan, Nadja Santos, Thyago Nogueira.

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês.

Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.

Capacidade da sala: 145 lugares.

Meia-entrada

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com defi ciência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda -chuv as, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito. Confi ra as classifi caç ões indicativ as no site do IMS.

Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h. Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h. Fechado às segundas. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

A entrada no IMS Paulista é gratuita.

Avenida Paulista 2424

CEP 01310-300

Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120

imspaulista@ims.com.br ims.com.br

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